A derrota política do lulo petismo fsp-05out10
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AUGUSTO DE FRANCO
Folha de São Paulo, 05/10/2010
Marina contribuiu para
separar o joio do trigo em
uma base eleitoral que o
governo acreditava cativa
e abriu fenda no esquema
neopopulista
Contra fatos não há argumentos.
E "o dado concreto" é que os brasileiros, em sua maioria, não
apoiaram o terceiro mandato de Lula (por interposta pessoa).
Os quase 47% dos votos de Dilma configuram uma derrota
política, se considerarmos o fortíssimo empenho da máquina
estatal a favor de sua candidatura e o engajamento exorbitante
do presidente da República -como "nunca antes se viu neste
país"- em prol da sua vitória no primeiro turno.
Com efeito, Lula abandonou a sua posição de magistrado para se
engajar na guerra eleitoral da forma mais rasteira,
transformando vítimas em culpados, levantando solertes
suspeições, falsificando a opinião pública, investindo contra a
liberdade de imprensa.
Ele cometeu esse erro porque estufou com seus 80% de
popularidade. Perigo! Em política, a hiperinflação do ego
costuma vir acompanhada de pretensões despóticas. E o sujeito
possuído pelo mito que criou sobre si mesmo acredita-se o único
eleitor e acaba confundindo popularidade com legitimidade.
Em certa época, 99% dos albaneses achavam o governo do
ditador Hoxha ótimo ou bom. Saddam, nos seus tempos de
glória, alcançou 96% de aprovação dos iraquianos.
Fujimori, quando deu um golpe em 1992, dissolvendo o
Congresso e intervindo no Judiciário, chegou a 80% de
popularidade no Peru.
Na lista das duas dezenas de ditadores remanescentes, de
Lukashenko (em Belarus) a José Eduardo (em Angola), de Kim
Jong Il (na Coreia) a Gaddafi (na Líbia), dos irmãos Castro (em
Cuba) a Mugabe (no Zimbábue) passando por al-Bashir (no
Sudão), temos um verdadeiro festival de campeões de
popularidade.
Todos esses autocratas, a despeito dos votos que teriam ou
tiveram, eram e são ilegítimos. Lula deveria refletir sobre isso.
Mas, independentemente do resultado do segundo turno, uma
derrota política mais profunda do lulo-petismo já começou.
Porque a degeneração da política que atingiu o coração do
governo-partido aborreceu seu público mais íntegro e criativo.
Quem tinha um pouco de honestidade e espírito inovador não
via a hora de pular fora daquele antro.
Quando apareceu uma candidatura alternativa, como a de
Marina, a porta se escancarou. Militantes, simpatizantes e
eleitores que ainda votavam no petismo para não parecer
retrógrados acorreram para a saída, aos milhões.
Marina contribuiu para separar o joio do trigo numa base
eleitoral que o governo acreditava cativa.
Abriu uma fenda no esquema neopopulista, que só tende a se
alargar. Lula e o PT ficaram com o joio.
Restaram-lhes, além das vítimas do clientelismo assistencialista e
os mesmerizados pela sua retórica, os militantes mais
deformados e os negocistas da política.
Tudo isso dependeu, em parte, do discurso inovador de Marina,
mas, muito mais, da situação que objetivamente se configurou.
Mesmo que ela, Marina -tentada a se construir como liderança
mítica substituta de Lula ou como chefe de uma espécie de "PT
do bem"-, não recomende o voto em Serra no segundo turno (o
que seria um erro), o estrago no lulo-petismo está feito.
AUGUSTO DE FRANCO, 60, escritor, é autor, entre outras obras, de "Alfabetização
Democrática". Foi conselheiro e membro do Comitê Executivo da Comunidade Solidária
durante o governo FHC (1995-2002). Foi membro da direção nacional do Partido dos
Trabalhadores de 1982 a 1993.