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A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 3
Gisele Leite
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
CPC/2015
1ª Edição
Pindamonhangaba-SP
EDITORA LIBERLIBER
2016
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
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Mesclado entre as heranças alemã e
italiana, o CPC de 2015 nasce com uma
preocupação de ser efetivo, de cumprir a
duração razoável do processo e, promover
uma cognição aparelhada da máxima
efetividade processual possível com a
primazia do julgamento do mérito.
Embora se aluda no texto codificado
de 2015 ao processo de conhecimento e a
processo de execução, devemos
reconhecer que rigorosamente o processo
não pode ser qualificado como de cognição
ou de execução.
Lembremos que conhecer e executar
são atividades desempenhadas pelo juiz
ao longo do processo. Tratam-se de
técnicas[1] processuais de que o juiz se
vale para satisfazer ou acautelar os
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direitos, valendo-se do processo.
Portanto, apenas elipticamente é que se
pode cogitar em processo de
conhecimento ou processo de execução.
Mas, o processo de conhecimento e ao
processo de execução são, em verdade,
eixos para a organização do novo CPC que
atende mais à tradição encarnada em
determinada linhagem doutrinária, que
entre nós fora positivada no CPC/1973, do
que propriamente a uma necessidade
teórica ou prática supostamente inerente
à estrutura do processo civil.
O processo de conhecimento traçado
pelo Código Fux [2] sequer poderia ser
chamado de conhecimento, na medida em
que se admite a antecipação de tutela
(arts. 294 ss.) e cumprimento da sentença
(arts. 513 ss.) em seu bojo, porque é
inerente a prática de atos concretos que
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interfiram concretamente na vida das
pessoas.
[1] Cândido Rangel Dinamarco, ao
definir “técnica”, expõe de forma clara
essa interdependência entre o direito
material e o processo: “Técnica é a
predisposição ordenada de meios
destinados a obter certos resultados
preestabelecidos. Toda técnica será cega
e até perigosa se não houver a consciência
dos objetivos a realizar, mas também
seria estéril e de nada valeria a definição
de objetivos sem a predisposição de meios
técnicos capazes de promover sua
realização”.
[2] Luiz Fux (1953) é um jurista
brasileiro, ex-ministro do STJ e atual
ministro do STF. Estudou no Colégio
Pedro II e formou-se em Direito na
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Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro em 1976, onde
viria a ser também professor. Após
formar-se, começou a carreira jurídica
como advogado da empresa Shell; foi
posteriormente promotor de Justiça do
Ministério Público do estado do Rio de
Janeiro, por 3 anos, até ser aprovado em
concurso para a magistratura.
Fux recebeu em 2011 a Medalha do Mérito
Cívico Afro-Brasileiro da Organização
Não-Governamental Afrobras e pela
Faculdade Zumbi dos Palmares. De 1983
a 1997, foi Juiz de Direito, aprovado em
primeiro lugar em concurso, e exerceu
atividades como nas comarcas de: Niterói,
Duque de Caxias, Petrópolis, Rio de
Janeiro (capital) e Registro Civil das
Pessoas Naturais. Promovido por
merecimento para o cargo de Juiz de
Direito da Entrância Especial da 9ª Vara
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Cível do Estado do Rio de Janeiro.
Durante esse período, exerceu a função de
Juiz Eleitoral do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro na 13ª Zona
Eleitoral e 25ª Zona Eleitoral Rio de
Janeiro. Foi também promovido por
merecimento para o cargo de Juiz de
Direito do Tribunal de Alçada do Estado
do Rio de Janeiro.
Fux foi desembargador do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de
1997 a 2001. Em 2001, foi o escolhido pelo
presidente Fernando Henrique
Cardoso para ocupar o cargo de ministro
do Superior Tribunal de Justiça pelo terço
destinado a desembargadores de
Tribunais de Justiça, em vaga deixada
por Hélio Mosimann, que se aposentara.
Foi empossado em 29 de outubro de 2001.
Em 2003, Luiz Fux foi o relator do
julgamento no STJ que considerou a Tele
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Sena um título de capitalização, e não um
jogo de azar, revertendo decisão da
Justiça Federal da 3ª Região.
Reportagem da revista Isto É revelou em
2009 que o STJ solicitava a companhias
aéreas privilégios para amigos e
familiares de Fux.
Posse do Ministro Luiz Fux no Supremo
Tribunal Federal (STF). Em 1º de
fevereiro de 2011, foi indicado pela
Presidente Dilma Rousseff para ocupar
uma cadeira do Supremo Tribunal
Federal, vaga desde agosto de 2010 com a
aposentadoria do ministro Eros Grau. A
indicação foi defendida pelos políticos
Sergio Cabral Filho e Antonio Palocci.
Em 9 de fevereiro de 2011 a Comissão de
Constituição e Justiça do Senado Federal
aprovou por unanimidade a indicação de
Luiz Fux para o Supremo Tribunal
Federal. Em seguida, a matéria seguiu
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para o plenário do Senado que aprovou a
indicação por 68 votos a favor, 2 contra e
sem nenhuma abstenção. Em 11 de
fevereiro, foi nomeado ministro do STF.
Em 3 de março de 2011, às 16 horas,
tomou posse como 11º Ministro da mais
alta corte do Brasil.
Em 23 de março de 2011, Fux deu o voto
decisivo contra a aplicação da Lei da
Ficha Limpa nas eleições de 2010. A
decisão do Supremo Tribunal Federal,
considerando a aplicação da lei nas
eleições de 2010 inconstitucional,
beneficiou diretamente vários candidatos
cuja elegibilidade havia sido barrada por
causa de processos na Justiça. A lei
começou a valer apenas a partir de 2012,
embora ainda possa ser questionada. O
caso teve ampla repercussão na mídia.
Membro da Academia Brasileira de
Letras Jurídicas desde 2008, presidiu a
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comissão de juristas que elaborou o
anteprojeto do novo Código de Processo
Civil Brasileiro, concluído em 8 de junho
de 2010. Uma de suas maiores
preocupações foi a morosidade da Justiça;
Fux propôs a limitação do número de
recursos.
Com destacada atuação na área de
direitos humanos, Fux defende o
reconhecimento efetivo pelo Judiciário
dos direitos sociais garantidos na
Constituição.
Portanto, o processo de conhecimento
admite dentro de si a atividade executiva,
o que consiste em evidente contradição.
Em 1964 quando entregou Alfredo
Buzaid [3] o Anteprojeto de CPC
brasileiro de 1973 atendendo ao convite
do Ministro da Justiça, Oscar Pedroso
Horta [4], que lhe incumbiu da tarefa
como professo catedrático de Direito
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Processual Civil da Faculdade de Direito
da USP.
[3] Alfredo Buzaid (1914-1991) foi
advogado, magistrado, professor e jurista
brasileiro. Foi Ministro da Justiça
durante o governo de Emílio Garrastazu
Médici e ministro do Supremo Tribunal
Federal indicado pelo Presidente João
Figueiredo, bem como um dos principais
elaboradores do CPC de 1973 que vigeu
até 2016.
Iniciou a carreira de advogado em
Jaboticabal (SP) e, em 1938 retornou a
São Paulo, onde continuou se dedicando à
advocacia. Foi aluno de Enrico Tullio
Liebman no curso de extensão
universitária, vindo a ser um dos
integrantes da Escola Paulista de Direito
Processual. Em 1958, juntamente com
Luís Eulálio de Bueno Vidigal, José
Frederico Marques, Candido Rangel
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Dinamarco e Galeno Lacerda fundou o
Instituto Brasileiro de Direito Processual
Civil, onde foi secretário-geral. Em 1960
foi nomeado pelo Governo Federal para
elaborar o Anteprojeto do Código de
Processo Civil, o qual acabou sendo
apresentado por ele 4 anos depois. Em
1966, assumiu o cargo de diretor da
Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo. Em 1969, foi nomeado vice-
reitor da Universidade de São Paulo. Em
outubro de 1969, foi nomeado Ministro da
Justiça, sendo um dos mentores
intelectuais do Código de Processo Civil
que entrou em vigor em 1974. Permaneceu
no Ministério da Justiça até 14 de março
de 1974. Em 1973, ingressou na
Academia Paulista de Letras.
Durante sua gestão como Ministro da
Justiça, seu filho Alfredo Buzaid
Júnior foi suspeito de estar envolvido em
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um crime de grande repercussão ocorrido
em Brasília. Trata-se do chamado Caso
Ana Lídia em que uma menina de
apenas 7 anos foi sequestrada, torturada
e estuprada, sendo assassinada em 11 de
setembro de 1973. Na ocasião, Ana Lídia
tinha sido levada a um sítio situado em
Sobradinho, que era propriedade de
Eurico Resende, então Vice-Líder da
Arena no Senado Federal. Apesar da
participação de Eduardo Ribeiro
Rezende (filho do senador) no episódio, a
maior suspeita é a de que o crime
hediondo tenha sido cometido por
Alfredo Buzaid Júnior, razão pela qual
o caso se tornou mais um exemplo de
impunidade em Brasília. Em 22 de março
de 1982, Buzaid foi nomeado ministro do
Supremo Tribunal Federal.
[4] Faleceu em decorrência de um câncer,
em sua residência em São Paulo em 9 de
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julho de 1991, dias antes de completar
setenta e sete anos. Seu acervo - mais de
25 mil volumes - foi adquirido pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (Unesp) e hoje se encontra
na biblioteca do campus de Franca (SP).
Em 1972, o Projeto fora encaminhado
ao Congresso Nacional por mensagem do
Presidente da República. Foi então
discutido e aprovado, foi sancionado o
CPC de 1973 por Médici coadjuvado pelo
então Ministro da Justiça, Alfredo
Buzaid.
A influência da processualística
alemã do final do século XIX e, mais
fortemente da doutrina italiana da
primeira metade do século XX na
formação do Código Buzaid é evidente.
E, o aponta o próprio Buzaid ao
recomendar na Exposição de Motivos a
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leitura das Instituições [5] de
Chiovenda [6] como livro-chave para
sua compreensão e ao consagrá-lo como
um monumento imperecível de glória à
Liebman [7], representando fruto de seu
sábio magistério no plano da política
legislativa; atesta-o Cândido Rangel
Dinamarco [8], com a indicação do
Manual de Liebman como o guia mais
seguro para a perfeita compreensão de
nossa lei processual.
A repercussão das noções do
conceitualismo processual civil europeu
no Código Buzaid pode ser nitidamente
aferida a partir da sua estrutura. E,
também, as linhas fundamentais do
sistema do Código Buzaid podem ser
bem compreendidas diante das suas
relações com a realidade social e com o
direito material, do mesmo modo
predeterminadas pelo clima do
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cientificismo peculiar do conceitualismo
[9].
O Anteprojeto do CPC de 1964
entregue por Buzaid ao governo federal
contém apenas a redação dos três
primeiros livros do Código,
correspondentes ao processo de
conhecimento (art. 1 ao 612), ao processo
de execução (art. 613 ao 845) e ao
processo cautelar (arts. 846 ao 913). Não
contempla a redação do livro quarto,
correspondente aos procedimentos
especiais de jurisdição contenciosa e de
jurisdição voluntária.
[5] A principal obra jurídica publicada
por Chiovenda foi Instituições de direito
processual civil, escrita em 1935, nascida
de Princípios de Direito Processual Civil
(1906), que pouco a pouco, em edições
posteriores, estava assumindo forma de
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manual, limitada à pretensão de prover
às exigências de seus alunos das
Universidade de Parma, Bolonha,
Nápoles e Roma, onde se observa que nas
Instituições há divisão metodológica bem
elaborada, partindo na primeira parte
dos conceitos fundamentais do processo,
na segunda parte da atuação da lei em
prol do autor, na terceira parte aborda as
relações processuais, subdividindo em
dois livros: os pressupostos processuais, e
a relação processual ordinária de
cognição.
[6] Guiseppe Chiovenda (1872-1937) foi
jurista italiano, formou-se em Roma, onde
estudou com Vittorio Scialoja. Ele
começou sua carreira de jurista em
Universidades de Parma (1902), Bolonha
(1905), Nápoles e, Roma (1907). Era
membro da Academia Nacional de Lincei
e reitor do Instituto Real de Estudos
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Comerciais e Administrativos da
Universidade de Roma, "La Sapienza", a
partir de 1911 até 1913. Em 1924
juntamente com Francesco Carnelutti
fundou e editou o Jornal Da Lei de
Processo Civil. Sua contribuição
doutrinária é considerada uma referência
na elaboração do CPC em 1940 sendo um
ferrenho defensor do princípio da
oralidade, foi também editor do Código,
no projeto de reforma em 1919.
É chamado de Soberano Chiovenda
tendo influenciado a doutrina
processualística dando-lhe um nítido
caráter científico.
[7] Enrico Tullio Liebman (1903-1986)
foi importante jurista italiano nascido na
Ucrânia. Foi professor de direito
processual civil nas Universidades de
Sassari e Parma. Pouco antes da edição
das leis raciais fascistas na Itália em
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1938/1939, emigrou para a América do
Sul, onde lecionou na Universidade de
Buenos Aires.
Em 1939, com 36 anos de idade, mudou-
se para o Brasil, onde lecionou na
Universidade de São Paulo, onde foi
titular da cadeira de direito processual
civil e publicou várias obras, ao qual já
tinha destaque acadêmico como docente
na Itália.
Após a queda do fascismo, retornou à
Itália em 1946, onde foi titular da cadeira
de Direito Processual Civil nas
Universidades de Pavia, Torino e Milão.
Suas obras exerceram bastante influência
no direito processual civil brasileiro,
sendo um dos maiores defensores da
teoria eclética do direito de ação. O
Código de Processo Civil brasileiro de
1973 seguiu suas teorias em virtude da
influência de Alfredo Buzaid, ministro da
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Justiça e um de seus alunos.
[8] Cândido Rangel Dinamarco é
jurista brasileiro e formando pela USP. É
professor, advogado e desembargador
aposentado pelo TJSP. Um dos maiores
processualistas brasileiros vivo e ainda
produtivo. Suas obras publicadas:
Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos;
Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos
Cíveis; Capítulos de Sentença, 2.ª edição;
Capítulos de Sentença, 3.ª edição;
Execução Civil, 8.ª edição; Fundamentos
do Processo Civil Moderno, 5.ª edição;
Instituições de Direito Processual Civil,
vol. 1, 5.ª edição; Instituições de Direito
Processual Civil, vol. 2, 2.ª edição;
Instituições de Direito Processual Civil
vol. 3, 5.ª edição; A Instrumentalidade do
Processo, 13.ª edição; Intervenção de
Terceiros, 4.ª edição; Litisconsórcio, 7.ª
edição; Nova Era do Processo Civil, 2.ª
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edição; Processo de Execução; A Reforma
da Reforma, 6.ª edição; A Reforma do
Código de Processo Civil, 5.ª edição;
Temas Relevantes do Direito Civil
Contemporâneo; Teoria Geral do
Processo, 24.ª edição.
[9] A excessiva formalização do direito,
notadamente do direito processual
fugindo da contingência do mundo real,
das incertezas inerentes à vida humana,
desagua no conceitualismo que representa
a fuga da realidade. E, o dogmatismo é
um dos instrumentos mais eficazes no
empenho do poder em manter-se. Afinal, o
conceitualismo se desliga da realidade
social. E, tal qual as grandezas
matemáticas que não possuem história e
nem compromissos culturais, assim
também, se imagina os conceitos jurídicos
com que laboram os processualistas que
parece servir para qualquer sociedade
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humana. Portanto, a neutralidade da
ciência processo é um dogma.
O construído abismo entre teoria e prática
possui dois resultados gritantes: a)
sujeitaram os magistrados aos desígnios
do poder, impondo-lhes a mera condição
de servos da lei, ou boca da lei; b) ao
concentrar a produção do Direito no nível
legislativo, sem que aos juízes fosse
reconhecida a menor possibilidade de
exercer sua posição judicial, através da
interpretação e da aplicação da lei.
Observou Ovídio Baptista que
Carnelutti era um bom exemplo como
autor metódico e formal, por obedecer ao
mais profundo e radical dogmatismo. É
visível o método matemático persistente
em suas obras.
Com isso, na ótica de Buzaid muito
provavelmente bastava somente o
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processo de conhecimento, de execução e
cautelar para a organização do CPC.
Intimamente Buzaid entendeu que sua
missão estava cumprida apenas com a
apresentação dos três primeiros livros do
anteprojeto.
A própria terminologia utilizada no
quarto livro pois estreitamente ligado ao
direito material, ali existiriam os
procedimentos especiais. As ações
especiais correspondem a
“quinquilharias” pois confundiria o
direito material com o direito processual.
Afinal, o processo é conceito da ciência
processual que não pode ser adjetivado
com os conceitos ligados ao direito
material, sob pena de ser ameaçada a sua
autonomia.
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Finalmente em 1972 fora
encaminhado ao Congresso Nacional
brasileiro e a influência da doutrina
italiana da primeira metade do século XX
está visível em sua construção.
O processo de conhecimento visa dar
razão a uma das partes mediante a
sentença declaratória, constitutiva ou
condenatória (Guiseppe Chiovenda
[10]).
É comum afirmar a existência de três
modelos de processos distintos, a saber: o
processo de conhecimento, o cautelar e o
de execução, havendo notáveis diferenças
entre cada um destes.
O processo de conhecimento é
instaurado na busca da tutela satisfativa,
ou seja, aquela que irá satisfazer a sua
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pretensão de direito material. Neste
processo, o demandante irá afirmar a
ocorrência de um fato e deverá comprová-
lo.
[10] Na Alemanha, o código era de
procedimento e não de processo, daí o
processo não ter tanta importância tanto
na Europa quanto nos Estados Unidos da
América, e talvez este seja o aspecto
determinante de que no Brasil foi
introduzida essa idéia de ter sido Bülow
quem iniciou os modernos conceitos do
direito processual, devendo-se ao fato de
ter Chiovenda sofrido forte influência
dele, e haver o direito processual civil
brasileiro igualmente sofrido forte
influência, também, do direito processual
civil italiano e, não do direito processual
civil francês.
Na própria França, o processo, por meio
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de Pothier, já havia tomado o sentido
publicista, não possuindo os magistrados
a liberdade para decidirem. Vale apontar
que a França então já se encontrava
unificada, enquanto que a Alemanha e a
Itália assim não se encontravam.
O direito italiano e o francês vão buscar
fontes jurídicas de países que já se
encontram unificados, como não caso da
Alemanha, que é o direito romano. Por
outro lado, não há no meio do século XIX
o Estado Social, o Estado ainda é o
Liberal, contudo, há fortes elementos de
pressupostos do Estado Social, no âmbito
processual, na medida em que ao se falar
em escopos metajurídicos e liberdade do
juiz, implica na proteção da sociedade
pelo magistrado.
O demandado será citado e poderá
impugnar o que o autor afirma, também
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podendo apresentar a seu favor outros
fatos impeditivos, modificativos ou
extintivos.
No decorrer deste processo, haverá a
produção de provas com intuito de
convencer o magistrado a respeito de
como a situação fática se desenvolveu e,
ao final, será proferida uma sentença com
ou sem resolução de mérito.
Salvo algumas exceções,
posteriormente esta sentença, terá que
ser objeto de execução, pois nem sempre o
demandado concorda em cumpri-la ou os
seus efeitos se perfazem
automaticamente.
Percebe-se que o processo [11] é
conceito da ciência processual que não
pode ser adjetivado com conceitos ligados
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ao direito material, sob pena de ser
ameaçada a sua autonomia [12].
O processo de conhecimento se inicia
com a propositura da ação que constitui
direito ao processo e a um julgamento de
mérito. E, termina com a prolação da
sentença. Com a sentença proferida, o
juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional
(functus officio) [13].
[11] No afã de definir o processo,
Chiovenda já exclui logo qualquer
definição tendo por base a defesa do
direito subjetivo, que pode coincidir ou
não com o escopo geral e objetivo de fazer
atuar a lei, como também apontou serem
inaceitáveis conceber o processo como um
modo de definir controvérsias, mas é
possível haver controvérsias fora do
processo (arbitramento), ou pode ter
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processo sem controvérsias (julgamento
por revelia, o reconhecimento jurídico do
pedido pelo réu) ou ainda, não haver
definição de controvérsias( no caso de
execução por títulos extrajudiciais),
também discordou da concepção do
processo como meio de coação ao
adimplemento dos deveres, porque pode
existir processo sem coação (sentença de
denegação do pedido) e, por fim,
visualizar o processo um modo de dirimir
conflitos de vontades ou de atividades, na
medida que também existem conflitos que
são resolvidos fora do processo, como o
que ocorre na defesa da posse esbulhada
ou turbada.
[12] Ao longo da história evolutiva do
direito processual podemos apontar três
momentos distintos em relação à ciência
processual:
a) o período do sincretismo (fase
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imanentista) que foi o período mais longo.
Quando o processo era considerado
apenas um meio de exercício dos direitos.
Não se percebia a autonomia da relação
jurídica processual em comparação com a
relação jurídica material. Não havia
então a distinção entre direito processual
e direito material.
O período autonomista (fase conceitual e
científica) tem origem em 1868, com a
obra Oskar Von Büllow em que o autor
alemão aponta a existência de uma
relação processual distinta da relação
material. Passa-se a reconhecer o direito
processual como ciência autônoma.
Período teleológico (fase
instrumentalista) é a fase atual. Surgiu
em meados do século XX, direciona o
processo a resultados substancialmente
justos (superando o tecnicismo que
prevaleceu por aproximadamente um
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século. Não é apenas um instrumento
técnico à serviço da ordem jurídica, mas
um instrumento ético destinado a servir à
sociedade e ao Estado.
[13] O princípio da inalterabilidade da
sentença presente no art. 494 do
CPC/2015. A expressão "publicada" pode
gerar alguma confusão ao se atentar à
publicação da sentença na imprensa
oficial. A publicação pode ocorrer nos
seguintes momentos, tão logo proferida a
sentença, em se tratando de
pronunciamento judicial em audiência ou
sessão, oportunidade em que as partes,
inclusive já se dão por intimadas, ou
quando proferida em gabinete do juiz, nos
casos de julgamento antecipado da lide ou
na hipótese de sentença proferida em dez
dias depois da realização da AIJ, com sua
efetiva juntada aos autos, por ato do
escrivão.
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O processo de execução tem por
objetivo promover a transformação do
mundo fático sem o concurso da vontade
do obrigado, de modo a realizar a
prestação consubstanciada no título
executivo que lhe serve de suporte. Trata-
se de atividade necessária à cognição ou
pelo menos à atividade que lhe deu
origem.
Em verdade, pretender reduzir todos
os tipos de conflitos de interesses a três
categorias, é um pouco ingênuo, mas,
certamente estas se enquadrariam nas
seguintes modalidades de crises [14]
jurídicas: a de certeza, a da situação
jurídica e cooperação (adimplemento,
descumprimento).
A crise de certeza constitui de
interesses tipificados pela necessidade de
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se obter do Poder Judiciário uma certeza
jurídica acerca da existência ou
inexistência de uma relação jurídica, ou
excepcionalmente sobre a autenticidade
ou falsidade de um documento.
Já a crise de situação jurídica
constitui-se em um conflito de interesses
tipificado pela necessidade de se obter do
Poder Judiciário uma situação jurídica
nova, que represente uma mudança
jurídica da situação anterior que se
encontrava em conflito.
Na crise de cooperação
(adimplemento ou descumprimento)
configura-se em modalidade de crise
tipificada pela necessidade de se alcançar
do Poder Judiciário o cumprimento da
norma jurídica descumprida (cooperação
ou adimplemento).
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Sabemos ser vedada a autotutela e,
permanecendo o conflito de interesses,
certamente essas crises jurídicas
desembocarão no Judiciário, para que
este possa então, resolvê-las de forma
justa e efetiva, trazendo a sonhada paz
social.
[14] O substantivo “crise” é feminino e de
difícil compreensão, perpassando uma
informação genérica e cuja abstração
deriva da própria natureza desse
substantivo. Ao se afirmar que o
“Judiciário está em crise” logo se
relaciona a morosidade da justiça e na
falta de duração razoável do processo, que
seria atribuível ao congestionamento
constante dos processos, e que tem
transformado a tutela dos direitos numa
saga sem fim.
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Em verdade nenhum código poderá
reduzir o tempo do processo e sanar de vez
a morosidade da justiça. Um dos fatores é
a crise estrutural do Judiciário, que
reflete a ausência de infraestrutura para
a prestação de serviço jurisdicional.
Outro fator, é ineficiência e a
incapacidade de autogestão
administrativa do Judiciário. E, por fim,
a inadequação do método utilizado para
resolução dos conflitos de interesse, ou
seja, as técnicas processuais vigentes não
estariam adequadas à solução dos
conflitos da atualidade porque teriam
ficada defasadas com o tempo e a evolução
social.
O processo [15] se revela então a
ferramenta imprescindível para dar
legitimidade e legalidade à revelação da
norma concreta, enfim, para permitir e
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justificar a atuação do Judiciário,
certamente deve ofertar técnicas
apropriadas para atingir a finalidade
para qual existe.
Com relação à crise de cooperação
(descumprimento obrigacional) o Direito,
especialmente, o direito processual, tem
dificuldades em pacificar esse tipo de lide,
justamente porque a mera revelação da
norma jurídica concreta não é bastante
para pôr fim ao conflito de interesses. É
preciso transcender. É necessário partir
da norma jurídica concreta declarada
para a sua atuação no mundo dos fatos.
O NCPC tem franca inspiração nos
modelos legislativos posteriores à
redemocratização alemã, sendo evidente
a inserção da Constituição Federal
brasileira vigente (e seus valores) como
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 38
lente e filtro de qualquer atividade do
Estado (função legislativa, judiciária e
executiva).
O NCPC passou aderir a superação do
modelo positivista para um pós-
positivista ou neopositivista conforme se
pode extrair no artigo 1º do CPC/2015.
Entre a cognição e execução
reconhece-se haver uma conexão
sucessiva. Pois a execução atua tão
somente por meios sub-rogatórios (arts.
625, 631, 633, 634, 636, 637, 643 e 647).
O título executivo representa a uma
obrigação certa, líquida e exigível (art.
586). Submetem-se ao processo de
execução tanto os títulos executivos
judiciais como os extrajudiciais (arts.
582/585). São espécies do mesmo gênero a
atividade judicial e extrajudicial,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 39
disciplinada em conjunto.
Não é tarefa do juiz no processo de
execução dar razão a uma das partes e
também não há equilíbrio entre as partes
na execução porque o título executivo já
indica que uma das partes tem razão. A
tarefa do juiz é simplesmente traduzir em
fato aquilo que se encontra
normativamente encerrado no título
executivo.
[15] Chiovenda discordou de
Carnelutti o qual entende que o objetivo
do processo é a justa composição da lide
por considerar que mesmo quando entre
as parte existe um contrate, não é objetivo
imediato do processo compô-lo, mas dizer
e atuar a vontade da lei (...) se por justa
composição se entende a que é conforme à
lei, resolve-se na atuação a vontade da lei,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 40
se porém, se entende uma composição
qualquer que seja, contando que ponha
termo à lide, deve radicalmente repudiar
uma doutrina que volveria o processo
moderno, inteiramente inspirado em alto
ideal de justiça, ao processo embrionário
dos tempos primitivos, só concebido para
impor a paz, a todo custo, aos litigantes.
Como todo e qualquer processo visa
solucionar a lide, quando aquele for
extinto por solução desta, logo, é porque o
mérito foi julgado. Assim também há de
ser no processo de execução. O processo
de execução como qualquer outro,
somente deve iniciar-se quando houver
uma lide e perdurar enquanto esta não
for solucionada.
No momento em que a lide é
solucionada, cumpre-se o objeto do
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 41
processo e com isso este deve ser extinto
com julgamento de mérito. Quando a lide
do processo de execução é solucionada,
esta deve ser extinta com julgamento de
mérito.
Quando afirmamos anteriormente
que existe lide no processo de execução,
estávamos implicitamente admitindo a
existência de mérito neste processo. Não
será o mesmo mérito do processo de
conhecimento, mas exige-se mérito.
Alguns autores negam a existência de
lide no processo de execução e, por isso
coerentemente negam a existência de
mérito neste processo.
Entretanto, outros não admitem o
mérito no processo de execução, muito
embora, o fazem de forma incoerente, pois
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 42
admite a existência de lide, concordam
que ela é o mesmo que mérito, mas por
fim negam haver mérito na execução,
conforme apontou Marcelo Navarro.
Na doutrina encontramos alguns
doutrinadores que admitem o mérito na
execução, como Donaldo Armelin, José
Frederico Marques, Pontes de
Miranda, Marcelo Navarro. O
professor Araken de Assis, faz várias
alusões ao mérito na execução, mas não
deixa clara a sua posição.
O professor Cândido Dinamarco
que não admite julgamento de mérito
direito no processo de execução, mesmo
assim, admite a existência deste mérito,
nega apenas a possibilidade de seu
julgamento, como se vê: " Como venho
dizendo, é um preconceito que leva a
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 43
pensar que o mérito seja idéia inerente
exclusivamente do processo de
conhecimento [16] ". Prossegue: "
Afastamento das questões de mérito não
significa, porém, que inexista mérito no
processo executivo”.
[16] Assim o conteúdo intrínseco de uma
de ação de conhecimento é, sem dúvida, o
direito material litigioso, caracterizador
de uma lide substantiva associada ao seu
aspecto meritório; ao passo que nas ações
cautelares, ao reverso, o conteúdo
intrínseco é, por seu turno, o Direito
Processual cautelar, caracterizador de
uma lide de dano associada ao seu
aspecto acautelatório, que revela, em
última análise, segundo expressiva
parcela da doutrina, na denominada
medida cautelar”.
Há o mérito representado pela
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 44
pretensão executiva deduzida mediante
demanda inicial. O fato de eventual
julgamento a respeito ter outra sede (a
dos embargos) não significa que o mérito
[17] inexista naquele processo
Desta forma, como o processo de
execução contém apenas atividade
executiva, eventual defesa diante da
situação substancial encerrada no título
executivo não pode ser nele apresentada.
Para se voltar contra a execução tem
o executado (art. 736) que acarretará o
início de um novo processo de
conhecimento, incidental à execução.
O critério que pavimenta a separação
entre o processo de conhecimento e o
processo de execução é o critério da
atividade do juiz [18].
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 45
Através da legitimação histórica
advinda do direito romano clássico e com
as observações conceitualistas
pontuavam que a cognição e execução não
são funções ou fases processuais distintas
de um mesmo processo, mas representam
atividades que devem ser realizadas, de
maneira naturalmente autônoma, em
dois processos distintos.
Na cognição [19] o juiz conhece com o
fim de decidir a causa; nesse, apenas
promove a adequação do mundo àquilo
que se encontra estampado no título
executivo.
[17] Mendonça Lima afirma que, "
Tecnicamente, porém, mérito é, apenas, o
conflito de interesses submetido à solução
jurisdicional, até que se esgote a atividade
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 46
dos órgãos judiciários com a sentença de
primeiro grau".
Parece-nos, que não se pode negar a
existência de mérito no processo de
execução, tendo em vista que o processo
somente se inicia quando existe uma lide
e esta sempre há de corresponder ao
mérito. Autores existem que admitem a
existência de mérito na execução, somente
não admitindo que este mérito possa ser
julgado dentro deste processo, exigindo-
se, para tanto, outro processo que no caso
são os embargos do devedor ou embargos
à execução. Entretanto, este aspecto será
analisado mais adiante
[18] Cognição e execução não devem ser
consideradas como sempre fizessem parte
de fases distintas e sucessivas do
procedimento. E, positivamente, como
classes de atividade judicial, cuja
predominância de uma ou outra poderá
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 47
até se alternar na condução do feito.
Assim analisando cada ato processual
realizado pelo órgão jurisdicional, é
possível distinguir a respectiva natureza
ainda quanto atos de caráter executivo
sejam praticados no chamado processo de
conhecimento, assim como quando atos de
caráter cognitivo sejam praticados no
âmbito do processo de execução.
Em suma, a classificação tradicional peca
pela grande imprecisão. Pois se a tutela de
cognição e de execução são categorias
decorrentes de aplicação de critério
relacionado com a natureza da atividade
judicial, já a classificação da tutela como
cautelar é consequência de critério
diverso, o da imediatidade ou
mediatidade conforme é atingido o direito
material que a parte pretenda ver
efetivado.
[19] A aproximação dos modelos jurídicos
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 48
da common law e civil law tem uma razão
histórica que se confunde e se mistura com
a razão jurídica. A Revolução Francesa e
a Revolução Gloriosa na França e
Inglaterra, respectivamente, foram
marcos decisivos para o desenvolvimento
e também o isolamento desses dois
regimes jurídicos. Contudo, após o
fenômeno de constitucionalização do
Direito (pós-segunda guerra mundial),
nesses regimes passaram a se comunicar
e traçar um entrelaçamento que nos
parece ser inevitável no vigente contexto
da sociedade de massa.
O processo cautelar visa assegurar
que uma das partes, ou o próprio
processo, em última análise, para que não
venha sofrer um dano jurídico ocasionado
por um perigo da tardança ou por um
perigo de infrutuosidade da tutela
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 49
jurisdicional, enquanto pendente o
processo de conhecimento ou de execução,
ou enquanto quaisquer destas atividades
se encontrarem prestes a iniciar.
Desta forma, concluímos que o
processo cautelar [20] é na natureza
doutrinária, dependente e acessório de
provimento do processo de conhecimento
ou de execução (arts. 796 e 806/808).
Portanto, constitui proteção provisória
emprestada à cognição e à execução. Em
síntese, é um instrumento do
instrumento.
O critério [21] identificador do
processo cautelar não é o da atividade
judicial, pois o processo cautelar
corresponde a uma unidade, o critério é o
da estrutura dos provimentos de
cognição, execução e cautelar [22].
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 50
[20] Como expressa a própria Exposição
de Motivos do Código de Processo Civil de
1973, o objeto do processo é a lide. Se a
lide é o objeto do processo, qualquer
processo que não tivesse lide seria
processo sem objeto, o que, evidentemente,
não pode ser aceito. Não pode haver
processo sem objeto e sempre que iniciado
o processo e, depois, venha desaparecer a
lide, o mesmo será extinto pela perda do
objeto. Sendo o cautelar uma modalidade
de processo, logo terá por objeto a lide.
Sem lide seria processo sem objeto e
processo sem objeto deve ser extinto,
porque inexiste razão para o seu
seguimento.
Outro aspecto que merece relevância, é o
de que todo processo tem por finalidade
solucionar uma lide, na busca da
promoção da paz social. Se assim for, e
como hoje é reconhecida a existência de
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 51
lide no processo cautelar, a sentença nesse
processo também visa solucionar a lide
cautelar (lide de segurança), no sentido de
promover a paz social.
[21] Todo e qualquer objeto pode ser
classificado segundo vários critérios. No
caso da tutela jurisdicional, é viável que
tanto os aspectos técnicos quanto os mais
intimamente ligados ao próprio direito
material protegido sejam analisados com
a finalidade de classificá-la, desde que
não se pretenda misturar as espécies
assim obtidas como se decorressem de
classificação segundo critério único. Cada
critério proporciona uma classificação.
Há, contudo, uma relação de
complementaridade entre as várias
classificações possíveis, já que cada uma
enfoca o mesmo objeto sob prisma
diferenciado. Exatamente essa idéia
de insuficiência da classificação sob um
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 52
único aspecto que nos levou a abordar
tantos critérios distintos num mesmo
trabalho, o que obviamente prejudica o
desenvolvimento de estudo aprofundado e
específico sobre cada um deles. O objetivo
traçado, porém, consistia em oferecer
noção mais ampla da tutela jurisdicional,
não vinculada à classificação segundo um
critério apenas, mas sim ressaltando a
existência de múltiplos aspectos a serem
examinados para definir com precisão a
tutela mais adequada à solução de cada
caso concreto.
[22] Outro critério segundo o qual pode
ser classificada a tutela jurisdicional é a
urgência. Entendemos, porém, que os
contornos do gênero tutela de urgência em
hipótese alguma se confundem com a
mera soma das espécies tutela cautelar e
tutela antecipada. Afinal, existem
inúmeras hipóteses legalmente previstas
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 53
que autorizam a antecipação de tutela
com base em outros fundamentos que não
a urgência, além do que o pressuposto
periculum in mora, necessário à
concessão da tutela cautelar, não exige
necessariamente a iminência de tal perigo
(urgência).
Enquanto que os provimentos de
cognição e execução são definitivos, os
provimentos cautelares são sempre
provisórios. E, pouco importa a
satisfatividade ou não do provimento
para caracterização da função cautelar.
Afinal segundo o Código Buzaid os
provimentos cautelares poderão ser
assecuratórios ou satisfativos. O que era
importante era a provisoriedade para o
delineamento das espécies que entravam
no processo de cautelar.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 54
Com a coordenação de processo de
conhecimento, de execução e cautelar o
Código Buzaid propiciou às parts de um
procedimento padrão para a tutela de
direitos fundados somente em conceitos
processuais, portanto, independentes da
natureza do direito material posto em
juízo.
Por força de seu neutralismo
científico o Código Buzaid terminou
disciplinando o processo civil tendo se
pautado em dados sociais existentes na
Europa do final do século XIX. As
relações sociais e as situações jurídico-
materiais pressupostos eram as relações
do homem do Código Civil de 1916, de
Clóvis Beviláqua [23], não por acaso,
sendo considerado mesmo uma
codificação tipicamente oitocentista [24].
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 55
[23] Clóvis Beviláqua (1959´-1944)
jurista, legislador, filósofo e historiador
brasileiro. Estudou na Faculdade de
Direito do Recife. Dentre várias carreiras
jurídicas atuou como promotor público,
membro da Assembleia Constituinte do
Ceará, secretário de Estado, consultor
jurídico do Ministério do Exterior. Foi um
dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras e membro do Instituto Histórico
e Geográfico. Em 1883 publicou no Recife
A filosofia positivista no Brasil,
declarando-se um "monista
evolucionista", formando, com outros da
Escola do Recife, a corrente estritamente
científica do positivismo, contra a
tendência mística e religiosa, então forte
no Brasil. Neste livro faz menção à
transformação do positivismo em
evolucionismo no norte do país, onde se
começava a buscar inspiração mais em
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 56
Spencer e em Haeckel do que em
Comte, enquanto que no Sul aquela
filosofia se mantinha ainda ortodoxa.
Também se encontra colaboração da sua
autoria na Revista de Estudos Livres
(1883-1886) dirigida por Teófilo Braga,
principal impulsionador do positivismo
em Portugal. Foi nomeado, em 1906,
Consultor Jurídico do Ministério das
Relações Exteriores, cargo que ocupou até
1934, quando foi aposentado
compulsoriamente. É interessante
observar que em todo o tempo em que
desempenhou a função de Consultor
Jurídico do Ministério das Relações
Exteriores não viajou ao exterior em
nenhuma ocasião. Sua aposentadoria foi
compulsória em razão da idade, imposta
pela Constituição de 1934. Seu sucessor
no cargo foi o jurista e escritor Gilberto
Amado. É patrono da Academia
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 57
Cearense de Letras e da Academia
Sobralense de Estudos e Letras.
Professor dos mais respeitados, crítico
literário com vários ensaios publicados e
uma produção na área jurídica das mais
sólidas, principalmente em livros de
Direito Civil e Legislação Comparada,
Clóvis Beviláqua era conhecido e
respeitado nacionalmente quando foi
convocado para ser sócio fundador da
Academia Brasileira de Letras, ocupando
a cadeira catorze, cujo patrono era
Franklin Távora. Essas mesmas
condições levaram-no a ser chamado, em
1899, pelo então Ministro da Justiça
Epitácio Pessoa, para escrever o projeto
do Código Civil Brasileiro. Clóvis redigiu
o projeto, de próprio punho, em apenas
seis meses, porém o Congresso Nacional
precisou de mais de quinze anos para que
fossem feitas as devidas análises e
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 58
emendas. Sendo promulgado em 1916,
passando a vigorar a partir de 1917
(apenas recentemente substituído pela lei
10.406 de 10 de janeiro de 2002), pode-se
afirmar que o Código Civil Brasileiro
imortalizou Clóvis Beviláqua no
cenário jurídico e intelectual.
[24] Codificação oitocentista trata-se de
técnica legislativa, fortemente marcada
pelo ideário burguês e iluminista e, por
isso, permeada por valores liberais e
individualistas. A codificação foi um
instrumento legislativo cujo objetivo seria
proporcionar organização e
sistematicidade ao Direito, concentrando
todas as normas pertinentes a um mesmo
ramo jurídico dentro de uma única lei - o
código -, que viria marcada por
características tais como: coerência,
completude, unidisciplinariedade. Sendo
assim, os primeiros códigos civis
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 59
nasceram para se tornar o centro do
sistema de direito civil, concentrando em
seu texto legal todas as normas
pertinentes aos institutos de direito civil
(Ex.: contrato, propriedade e família).
Por essa razão, o Código Buzaid era
considerado individualista,
patrimonialista e dominado pela
ideologia da liberdade tendenciosamente
irrestrita e da segurança jurídica como
defesa da manutenção do status que,
pensado a partir da ideia de dano e
preordenado a prestar tão somente uma
tutela repressiva aos direitos.
É fundamental perceber que o
conceitualismo impôs à ciência
processual uma atitude neutra em
relação à cultura. O que perenizou
indevidamente certo contexto social. E,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 60
assim, ao isolar o direito da realidade
social, congelou o processo no momento de
sua formulação.
O direito processual civil ao ser
adepto do pandectismo [25], encampado
logo pelo método italiano que reproduziu
no século XX a realidade social existente
no século anterior.
O Código Buzaid que teve por base a
cultura oitocentista, seja porque fora
alimentado pelo conceitualismo europeu,
que a pressupunha, passou a ter atitude
neutra e imparcial, seja por teve como
referência a regulação do Código Civil de
1916, enormemente embevecido nas
ideias do Code Civil de 1804 (Napoleão)
[26] e, indiretamente, pelas lições de
Savigny e ainda a influência do Esboço de
Teixeira de Freitas [27], na sua
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 61
redação.
É inconteste a severa influência de
Savigny [28] sobre Teixeira de Freitas,
vide Clóvis Couto da Silva [29] e
Pontes de Miranda.
Em seu Código Beviláqua
esquadrinhou a vida do homem de seu
tempo, assim o homem nasce e torna-se
capaz na vida civil. Um dos primeiros
atos é o matrimônio onde se situa as
coisas de mater, de esposa, de mãe e da
sua vida privada.
Logo em seguida, constituiu o
patrimônio (formado por coisas do pater,
pai, marido e pai) busca ampliá-lo com o
tráfego jurídico (direito das obrigações) e
quando falece deixa o patrimônio (direito
das sucessões).
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 62
[25] A escola pandectista ou ciência das
Pandectas desenvolveu-se na Alemanha,
apoiada na tradição romanística,
contribuindo muito para a edificação da
moderna dogmática jurídica. A
pandectista promoveram a reconstituição
histórica do Direito Romano, criando um
sistema dogmático de normas com o uso
de suas instituições como modelo. A escola
tem este nome exatamente porque seus
adeptos estudavam principalmente a
segunda parte do Corpus Iuris Civilis, de
Justiniano, as Pandectas, normas de
direito civil com respostas de
jurisconsultos.
Os pandectistas desenvolveram o
movimento chamado de jurisprudência
conceitual desenvolvido por Puchta
(1798-1846) e outros. Mais tarde, em
posição muito polêmica perante a
jurisprudência conceitual, se desenvolveu
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 63
mais tarde a jurisprudência dos
interesses capitaneada por Philipp Heck
(1858-1943) e outros autores. E, defende
que o intérprete, ao aplicar a lei, deve
ponderar os interesses em jogo conforme
as valorações do próprio legislador, não,
porém, numa atitude de submissão
conceitual e literal à lei, mas de
obediência esclarecida.
[26] O Código Civil francês,
originalmente chamado de Code Civil ou
Code Napoléon, ou simplesmente, Código
Napoleônico foi o código civil francês
outorgado por Napoleão I e que entrou
em vigor em 21 de março de 1804. O
Código Napoleônico propriamente dito
aborda somente questões de direito civil,
como as pessoas, os bens e a aquisição de
propriedade; outros códigos foram
posteriormente publicados abordando
direito penal, direito processual penal e
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 64
direito comercial. O Código Napoleônico
também não tratava como leis e normas
deveriam ser elaboradas, o que é matéria
para uma Constituição.
Todavia, o Código Napoleônico não foi o
primeiro código legal a ser estabelecido
numa nação europeia, tendo sido
precedido pelo Codex Maximilianeus
bavaricus civilis (Reino da Baviera,
1756), pelo Allgemeines Landrecht (Reino
da Prússia, 1792) e pelo Código Galiciano
Ocidental (Galícia, à época parte da
Áustria, 1797). Embora não tenha sido o
primeiro a ser criado, é considerado o
primeiro a obter êxito irrefutável e a
influenciar os sistemas legais de diversos
outros países. Este Código,
propositalmente acessível a um público
mais amplo, foi um passo importante
para estabelecer o domínio da lei.
[27] Augusto Teixeira de Freitas
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 65
(1816-1993) foi um jurisconsulto
brasileiro reconhecido como jurisconsulto
do império. Sua obra constitui objeto de
profundos estudos acadêmicos até os dias
de hoje, no Brasil e no exterior.
Seu "Esboço de Código Civil", feita por
encomenda do imperador D. Pedro II,
por meio de decreto de 11 de janeiro de
1859. Foi uma obra com
aproximadamente 5.000 (cinco mil)
artigos, que apesar de não ter sido
diretamente utilizada no Brasil, inspirou
trabalhos posteriores no país, tal como o
que resultou no Código Civil de 1916, de
Clóvis Beviláqua, como também
influenciou profundamente os processos
de codificação no Paraguai, no Uruguai,
no Chile, na Nicarágua e, principalmente,
na Argentina, onde serviu como modelo ao
Código Civil elaborado por Vélez
Sarsfield.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 66
[28] Friedrich Carl von Savigny (1779-
1861) foi um dos mais respeitados e
influentes juristas alemães do século XIX.
Foi o maior nome da Escola Histórica do
Direito, seu pensamento foi importante
para o direito alemão, bem como dos
países de tradição romano-germânica,
especialmente no Direito Civil. Savigny é
responsável pela criação e pelo
desenvolvimento do conceito de relação
jurídica e de diversos conceitos
relacionados, como o de fato jurídico,
tendo seu método histórico influenciado,
entre os movimentos, a jurisprudência dos
conceitos. Savigny foi Ministro da
Justiça entre 1842-1848, tendo
renunciado devido à revolução.
Embora Savigny aceite as regras
jurídicas como um dado histórico-
cultural de validade objetiva, ele não se
limita a propor uma descrição tópica e
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 67
fragmentária delas, mas propõe uma
reelaboração científica do material
recebido, a partir de pontos de vista
unitários, lançando as bases de uma
ciência jurídica a um só tempo
sistemática e historicista. Assim, o
jurista, ao estudar o direito (romano e
consuetudinário), deve identificar os
princípios gerais, evidenciar e corrigir as
lacunas e contradições, e elaborar os
conceitos fundamentais para o
desenvolvimento de um verdadeiro
sistema jurídico.
A originalidade da Escola histórica de
Savigny não foi a de evidenciar a
historicidade ou o caráter sistemático, o
que já havia sido feito pela escola
humanista e pelo jusracionalismo,
respectivamente, mas permitir uma
síntese dessas duas características.
Assim, a Escola histórica constituiu-se em
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 68
uma inovação conservadora: o novo
método de estudo do Direito é utilizado
para a manutenção do direito germânico
tradicional, impedindo as codificações
feitas pelos Estados de inspiração liberal.
Portanto, a partir das características do
elemento histórico, podemos conceituar o
historicismo de Savigny como
retrospectivo e conservador: buscava dar
um sentido objetivo ao Direito através da
ligação deste com o seu passado, opondo-
se à atualização das soluções jurídicas a
partir das condições históricas do
momento da aplicação do direito.
[29] Clóvis Veríssimo do Couto Silva
(1930) é um exemplo de jurista completo,
cuja figura invulgar merece toda
homenagem. Advogado. Formado pela
Faculdade de Direito de Direito da UFRS
em 1953. Professor universitário,
catedrático de Direito Civil da UFRS, e
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 69
professor titular do Direito Civil da
Faculdade de Direito da UFRS.
No Código de Beviláqua não vige a
preocupação com a dignidade da pessoa
humana e nem com seus direitos de
personalidade e, nem tampouco com as
questões de índole social, tal como o
trabalho, a saúde e o ensino, e nem
mesmo se preocupa com assuntos que
extrapolem o indivíduo, como por
exemplo, ambiente, a regulação dos
mercados financeiros. Não dava atenção
a determinados grupos sociais, como
consumidores, mulheres, crianças,
adolescentes, idosos e hipossuficientes
[30] em geral [31].
A preocupação prioritária do Código
Beviláqua está concentrada no binômio
indivíduo-patrimônio, cuja melhor
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 70
correspondência se encontra no binômio
liberdade-propriedade.
Não fora uma atitude isolada do
legislador. Afinal, Beviláqua que se
espelhou ainda as preocupações de
Codificações Oitocentistas europeias que
lhe antecederam e condicionaram-no.
É significativo que ao prefaciar a
edição brasileira do Código Civil de
Napoleão, observa a doutrina que o
binômio liberdade-propriedade constituía
a viga-mestra de todo o ordenamento
jurídico da época, sendo um Código
pensado para os indivíduos que dispõem
e administram um patrimônio.
A liberdade envolve o espírito da
época e a sua melhor expressão
corporificava-se no livre e tendencioso e
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 71
irrestrito exercício da vontade.
[30] O sistema jurídico positivo brasileiro
recebeu o reforço de novo conceito jurídico-
legal, trazido pela Lei 8.078/1990, ao
dispor no inciso VIII do art. 6, direitos
básicos do consumidor, a facilitação da
defesa de seus direitos, inclusive com a
inversão do ônus da prova, a seu favor, no
processo civil, quando, a critério do juiz,
for verossímil a alegação ou quando for
ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiência.
A hipossuficiência possibilita à parte
reconhecida como hipossuficiente, o
exercício de um direito básico do
consumidor, qual seja, a inversão do ônus
probatório. A hipossuficiência somente
tem existência e aplicação em processos
judiciais onde se discuta alguma relação
de consumo, ou seja, aquela onde estão
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 72
presentes um consumidor e um fornecedor
ou serviço oferecido indistintamente no
mercado.
A hipossuficiência se apreende apenas
dentro da relação processual, após a
verificação da condição das partes
litigantes e do objeto material do litígio;
nem todo consumidor é hipossuficiente,
embora possa ser necessitado, mas o
hipossuficiente tem que ser antes um
consumidor.
[31] As tutelas jurisdicionais
diferenciadas são aquelas criadas com
procedimentos diversos do ordinário e que
se distanciam desta forma procedimental,
na medida em que buscam garantir um
processo mais rápido, visando a efetiva
prestação jurisdicional, já que, em
diversas situações, a lentidão do
procedimento ordinário causa danos aos
interesses que dependem da tutela
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 73
jurisdicional.
A maior preocupação é dar maior
efetividade ao processo, endereçado
sempre à satisfação do direito. É a
aproximação do direito substancial ao
processo que assume definitivamente sua
instrumentalidade, sem renúncia à
autonomia da ciência processual que não
se afirma propriamente com a repetição
da velha lição da teoria civilista da ação.
Converte-se em dogma e autonomia
individual [32], fetiche da época,
passando a sua incolumidade a
comparecer ao cenário jurídico como algo
juridicamente relevante.
O tráfego comercial alimenta-se dessa
liberdade, instrumentalizado por vezes
para melhor circulação de riquezas
inclusive por títulos de créditos.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 74
Um dos efeitos da sacralização da
vontade [33] é a impossibilidade de sua
coação, dominando o cenário obrigacional
a regra da equivalência das prestações.
A propriedade que move a cultura do
individualismo é a imobiliária, bem
inerente, à produção de riquezas pelos
fazendeiros que alavancavam na ocasião
a economia nacional.
Por esse contexto resta fácil
compreender as características centrais
do Código Buzaid. De um lado, as
verdadeiras tutelas jurisdicionais
diferenciadas conferidas aos fazendeiros
tais como as ações possessórias, e aos
comerciantes (ações de execução
fundadas em títulos extrajudiciais) que,
comportam, no primeiro caso,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 75
possibilidade de tutela preventiva e
antecipação de tutela [34] e, no, segundo,
execução prévia à cognição, fruto
evidente da ideologia dominante na
conformação do processo.
[32] O princípio da autonomia privada é
um princípio jurídico que garante às
partes o poder de manifestar a própria
vontade, estabelecendo o conteúdo e a
disciplina das relações jurídicas de que
participam.
Em regra, permanece a vontade dos
contratantes. Porém, atualmente a
manifestação de vontade não é totalmente
livre, pois, na concepção moderna de
Estado, este exerce o dirigismo contratual,
ou seja, intervenção na relação entre os
particulares para garantir princípios
mínimos à coletividade.
É um dever do Estado, por exemplo,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 76
garantir a isonomia substancial
(material) diante de eventual
desequilíbrio entre o fornecedor e o
comprador Como exemplo, temos o Código
de Defesa do Consumidor – CDC –, que
limita os direitos dos mais fortes e confere
direitos aos mais fracos, reequilibrando a
relação jurídica.
O flagrante desequilíbrio também
costuma ocorrer nas relações de trabalho,
por isso a criação da Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT. Dessa forma, os
iguais são tratados de forma igual e os
desiguais na proporção de suas
desigualdades. Logo, o dirigismo
contratual é uma limitação ao princípio
da autonomia privada.
[33] A liberdade de contratar diz respeito
ao direito/poder de celebrar contratos, ou
seja, vem da capacidade civil. Portanto a
autonomia privada está relacionada com
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 77
a liberdade contratual, que é o conteúdo
do contrato. Nesta liberdade, há
interferência do Estado e limitação à
autonomia privada.
Uma das bases do Código Civil de 2002 -
CC - é o princípio da socialidade, ou
princípio da função social dos contratos,
em que, na busca dos interesses
particulares, as partes não podem
prejudicar os interesses da coletividade
(interesses metaindividual ou individuais
relativos à dignidade da pessoa humana),
art. 421 – CC: A liberdade de contratar
será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato.
[34] Teori A. Zavascki identifica a
função desempenhada pela antecipação
de tutela e pela cautelar em virtude de
ambas servirem como mecanismos de
concretização e de harmonização de
direitos fundamentais em conflito], mais
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 78
especificamente para solucionar tensões
entre segurança jurídica e efetividade
jurisdicional. Nesse sentido, afirma: “É o
que claramente consta nos arts. 798 e 273
do Código de Processo Civil de 1973.
Utilizando terminologia fluida e de
conteúdo genérico (“fundado receio”,
“lesão grave”, “difícil reparação”, “dano
irreparável”, “abuso do direito de defesa”,
“manifesto propósito protelatório”)
aqueles dispositivos nada mais fazem
senão descrever situações de possível
confronto entre efetividade e segurança,
abrindo campo para que o juiz formule,
ele próprio, caso a caso, a solução mais
adequada a manter vivos e concretamente
eficazes os dois direitos fundamentais.
Está aí a via judicial de criação da regra
conformadora, convindo notar que, como
parece intuitivo, tal via somente será
legítima na inexistência ou na
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 79
insuficiência de regra legislada. ”
O processo padrão para tutela de
direitos no Código Buzaid é
individualista, patrimonialista dominado
pela ideologia da liberdade e da
segurança a partir da noção de dano e
apto somente a prestar uma tutela
repressiva [35]. Há no CPC/1973 uma
efetiva força da invasão da cultura
jurídica europeia do século XIX sobre o
processo civil brasileiro.
O patente individualismo do Código
Buzaid reafirma o descompromisso com
as questões de cunho social e
metaindividuais, a que o Código
Beviláqua e o espírito de oitocentos não
acudiam, Alfredo Buzaid desenhou um
sistema para tutela de direitos partindo
do pressuposto da afirmação de um litígio
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 80
entre duas pessoas em juízo, supondo-o
ainda do tipo obrigacional, permitindo no
máximo a intervenção de terceiros,
individualmente considerados, que a
julguem com interesse jurídico, que se
afirmem titulares de direito sobre a res in
iudicium deducta ou que apresentem
determinadas ligações com o direito posto
em causa.
Assim o é porque a regra de
legitimação para causa no Código
Buzaid está em que tão somente o titular
do direito material afirmado em juízo tem
legitimidade para propor ação para sua
prestação judicial, sendo excepcional,
dependendo de expressão autorização
legal, a possibilidade de propositura da
ação em nome próprio para tutela de
direito alheio (art. 6). A coisa julgada,
nessa mesma linha, alcança apenas
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 81
aqueles que foram parte no processo (art.
472 do CPC/73 ou art. 506 do CPC/2015.).
[35] A tutela repressiva volta-se a proteger
uma situação de lesão, de dano já
concretizado, determinando, em razão
disso, a reparação dos danos daí
originados ou derivados, independente da
natureza do direito material (patrimonial
ou moral). Significa dizer, em outras
palavras, que o Estado-juiz deve aplicar
uma sanção correspondente à lesão
ocorrida. O atual modelo constitucional
do processo civil reconhece que a tutela
jurisdicional deve, assim como na tutela
preventiva, possuir o viés de efetividade e
de tempestividade, ou seja, a noção
tradicional de tutela repressiva que visa à
proteção de situações que já se
consumaram lesões ou danos é
insuficiente. Atualmente é necessário que
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 82
a reparação da lesão concreta seja de
forma específica ou genérica.
Há ainda a tutela jurisdicional
“intransitiva” é aquela que dispensa
qualquer atitude da parte ou do Estado-
juiz para que surta efeitos no plano do
direito material. São, portanto, tutelas
autossuficientes, para as quais não é
necessário que haja atividade
jurisdicional complementar. É o que
ocorre, por exemplo, nas decisões
declaratórias e constitutivas, não sendo
necessário, nestas hipóteses, nenhum agir
para que esta gere efeitos práticos “fora”
do processo.
Assim, a principal peculiaridade das
tutelas intransitivas é, justamente, a
outorga do bem da vida, exclusivamente
(e de maneira satisfatória) no plano ideal.
É o caso da sentença de procedência de
uma investigação de paternidade, por
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 83
exemplo. A decisão final que reconhece a
paternidade é suficiente para que se
reconheça “X” como filho de “Y”, sendo
desnecessária (e inócua), qualquer outro
agir, seja pelas partes do processo, seja
pelo Estado-juiz, para que se declare o
vínculo paterno.
A influência do patrimonialismo na
formação do Código Buzaid salta aos
olhos pois essa patrimonialidade do
legislador pode ser aferida em pelo menos
em duas frentes. Na primeira frente está
na relevância da propriedade imobiliária.
A segunda frente, pelo caráter
patrimonial de toda a execução do Código
Buzaid. Para confirmá-lo, basta que
para disciplinar a execução em geral,
assim o Código discorre sobre a
responsabilidade patrimonial do
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 84
executado, pontuando os seus bens
presentes e futuros, salvo as restrições
estabelecidas em lei (art. 591 do CPC/73
ou art. 789 do CPC/2015).
É evidente que na ótica do Código
Buzaid, toda e qualquer execução, no
fundo, tem por objeto bens que
respondem pelo cumprimento da
prestação exigida em juízo.
A patrimonialidade do Código
Buzaid deixa antever ainda a orientação
do legislador no sentido de
mercantilização dos direitos reduzindo as
situações substanciais a situações
patrimoniais com expressão em pecúnia.
Como resultado padrão do processo,
uma tutela jurisdicional pelo equivalente
monetário. O que é compreensível em
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 85
razão do resultado padrão do processo,
uma tutela jurisdicional pelo equivalente
de prestações materiais sobre o qual
erigido o Code Civil e, daí o espírito dos
Códigos oitocentistas, dentre os quais se
insere inequivocamente o Código
Beviláqua.
O que determina a patrimonialidade
executiva, no fundo, é a sacralização da
autonomia individual e de sua
incoercibilidade. Debaixo da
patrimonialidade há uma pretensão
tendenciosa ao valor da liberdade
individual.
A execução se limita a se dirigir
apenas ao patrimônio do executado, com
medidas sub-rogatórias que, por
definição, não lhe forçam a vontade. Não
é possível, em outras palavras, coagir, a
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 86
vontade do executado, exigindo-se a sua
colaboração para obtenção da tutela
jurisdicional.
A jurisdição é uma atividade
substitutiva que independe da atividade
do executado. A execução é forçada,
porque ao juiz não é dado dar ordens às
partes: o executado não pode ser coagido
a agir, daí porque sofre a execução.
As técnicas processuais executivas,
voltadas à agressão do patrimônio do
executado, estão todas as previstas em
lei. São técnicas processuais típicas. A
razão desse posicionamento é singela: as
formas de processo sempre foram vistas
como garantias de liberdade.
Com a previsão legal de técnicas
processuais executivas, exclui-se
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 87
qualquer outra maneira de agressão à
esfera jurídica da parte, realizando-se o
ideal de não intervenção do citado nos
domínios do indivíduo salvo quando
expressamente autorizado por lei.
Trata-se de simples especificação do
princípio da liberdade no processo civil,
tão importante para o constitucionalismo
liberal triunfante, na Revolução Francesa
e que inspirou o Code Civil, chegando até
mesmo ao direito brasileiro.
À liberdade agrega-se a segurança na
conformação do processo civil de 1973. E
o mondo della sicurezza, expressão usada
por Natalino Irti [36] em L’Etat della
Decodificazione.
[36] Natalino Irti (1936) é um docente e
advogado italiano. Seu pensamento
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 88
jurídico articulado move análise
conceitual e formal das instituições, uma
forte defesa da forma (ou seja, os
procedimentos formais) como método de
decisão na administração pública e
privada. Em suas últimas obras ele
teorizou "ontológica do niilismo legal"
como resultado inevitável da pós-
modernidade e da globalização.
Sua análise também envolve a relação
entre a codificação e o papel do jurista.
Eriçado argumentou que a crise do
sistema de código leva a um
questionamento do papel do jurista, que
já não por trás dele é com a estabilidade
regulamentar. A queda do código da
segurança jurídica só pode ser garantida
por um forte papel da doutrina. Fora dos
códigos, que são produzidos e emitidos por
uma autoridade legislativa, existem leis
especiais, que são o resultado de uma
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 89
negociação entre a indústria e o poder
político. Nascido, consequentemente, fora
dos esquemas de legitimidade
democrática comuns. Seu trabalho
também foi dirigido para a recuperação
das ideologias políticas, agora
aniquilados pelo encerramento da
"pinça", daí o título de seu ensaio A pinça,
consiste, por um lado, o poder econômico,
então, por " technocracy "e, por outro, pela
religião, isto é, de" clerocrazia ".
Em 2003 foi publicado em Lima no Peru
uma versão em espanhol de sua
"introdução crítica ao estudo do privado"
direito, acompanhado das notas de direito
latino-americano, editado por professores
peruana Leysser Leon Hilario e
Rómulo Morales Hervias. No trabalho,
"Lei sem verdade", Irti trouxe a uma
conclusão o processo iniciado com as
obras "niilismo legal" e "A forma da boia",
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 90
tornando-se o portador de um positivismo
jurídico real, em que a base jurídica ela
está ancorada à mera vontade do
indivíduo, sem qualquer referência aos
alegados valores ou verdade teológica,
meta-ou metafísico.
A segurança é obviamente condição
de existência do Estado Constitucional
[37], sendo um dos elementos axiológicos
centrais de qualquer processo preocupado
com a promoção do império do Direito
[38].
A segurança leia-se é antes de tudo a
garantia de manutenção do status quo. O
procedimento comum do processo de
conhecimento é de cognição plena e
exauriente e que só permite a decisão da
causa depois de amplo exame das
questões postas em juízo e de o juiz
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 91
formar um convencimento de certeza a
respeito das alegações das partes
Neste procedimento não se admite a
decisão provisória sobre o mérito da
causa, de modo a tutelar antecipada e
intencionalmente o direito da parte que
provavelmente tem razão. Não se admite
antecipação de tutela.
Mesmo depois de farto exame da
causa em cognição plena e exauriente
pelo juiz de primeiro grau, a decisão não
é imediatamente eficaz, pois em regra, só
produz efeitos depois de reexaminado in
totum pelo Tribunal a que se dirige a
apelação (art.497).
[37] O Estado constitucional delineou
novo conteúdo ao princípio da legalidade
que agregou o qualificativo de substancial
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 92
para evidenciar que exige a conformação
da lei com a constitucional e,
particularmente, com os direitos
fundamentais. Não se cogite, porém, que o
princípio da legalidade simplesmente
sofreu um desenvolvimento, trocando a lei
pelas normas constitucionais, ou expressa
mera continuação da legalidade formal,
tão característico do Estado legislativo.
Em verdade, o princípio da legalidade
substancial significa transformações que
remodela as concepções de direito, de
jurisdição e, assim, representa o
rompimento de um paradigma.
O neoconstitucionalismo exige a
compreensão crítica da lei em face da
Constituição, para ao final fazer surgir
uma projeção ou cristalização da norma
adequada, que também pode ser
entendida como “conformação da lei”.
Essa transformação da ciência jurídica,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 93
ao dar ao jurista uma tarefa de
construção – e não mais de simples
revelação -, confere maior dignidade e
responsabilidade ao jurista, já que dele se
espera uma atividade essencial para dar
efetividade aos planos da Constituição, ou
seja, aos projetos do Estado e às
aspirações da sociedade.
[38] A doutrina recebeu especialmente
com as obras de Dworkin e Alexy uma
boa contribuição na distinção entre
princípios e regras.
É possível dizer que as normas
infraconstitucionais são geralmente
regras, ao passo que as normas
constitucionais que definem conceitos de
justiça e que expressam direitos
constituem geralmente princípios.
Entretanto, é certo que a Constituição
contém regras e princípios. Mas, enquanto
as regras se esgotam em si mesmas, na
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 94
medida em que descrevem o que se deve,
não se deve ou se pode fazer em
determinadas situações, os princípios são
constitutivos da ordem jurídica,
revelando os valores ou os critérios que
devem orientar a compreensão e a
aplicação das regras diante das situações
concretas. Engana-se profundamente
quem pensasse que os princípios são
simples normas caracterizadas pelo seu
status constitucional.
Alexy afirma que os princípios são
normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e
fáticas existentes, ao passo que as regras
são normas que podem ser cumpridas ou
não, uma vez que, se uma regra é válida,
há de ser feito exatamente o que ela exige,
nem mais nem menos.
De acordo com Alexy, as regras contêm
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 95
determinações em um âmbito fática e
juridicamente possível, ao passo que os
princípios podem ser realizados em
diferentes graus, consoante as
possibilidades jurídicas e fáticas.
Há semelhante orientação do Código
Buzaid, o que revela autêntica
desconfiança com a atuação do Estado. O
Judiciário ao proclamar a vontade
concreta do direito, alterando a vida das
partes depois de amplo exame e reexame
do processo.
Não por acaso que ao fazê-lo que se
homenageia uma das ideias centrais das
Codificações Oitocentistas que é a certeza
jurídica, sendo compreendida como
segurança do significado prévio da
norma, que imaginava de possível
alcance tão somente a partir de
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 96
expedientes lineares e que
possibilitassem amplo debate das
questões envolvidas no processo.
O Código Buzaid afirmou-se como
sistema processual civil totalmente
dominado pela noção de dano e ordenado
à prestação de uma tutela tão somente
repressiva.
E, o conceito de ato ilícito [39]
pressuposto no Código Beviláqua
obviamente concorreu em muito para
esse caráter puramente sancionatório da
atividade jurisdicional regida pelo
CPC/1973.
Para o legislador civil de 1916, o ato
ilícito constituía o ato contrário ao direito,
praticado com dolo ou culpa, por ação ou
omissão, de que decorria dano a alguém
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 97
(art. 159). Fica patente a confusão entre
ato ilícito, fato danoso e responsabilidade
civil.
(art. 159). Fica patente a confusão entre
ato ilícito, fato danoso e responsabilidade
civil.
[39] O conceito de ato ilícito é de grande
relevância para a responsabilidade civil,
vez que faz nascer a obrigação de reparar
o dano. O ilícito repercute na esfera
jurídica produzindo efeitos não
pretendidos pelo agente, mas impostos
pelo ordenamento jurídico. Afinal, em vez
de direitos, criam deveres.
A primeira das consequências que
decorrem do ato ilícito é o dever de
reparar. Mas, não se faz única, eis que,
dentre outras, este pode dar causa para
invalidade ou cessação de ato. No campo
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 98
jurídico, o ilícito alça-se à altura de
categoria jurídica e, como entidade
categorial, é revestida de unidade ôntica,
diversificada em penal, civil,
administrativa, apenas para efeitos de
integração, neste ou naquele campo,
evidenciando-se a diferença quantitativa
ou de grau, não a diferença qualitativa ou
de substância, conforme pondera José
Cretella Jr. E, o princípio que obriga o
autor do ato ilícito a se responsabilizar
pelo prejuízo que causou, indenizando-o, é
de ordem pública, ressalta Maria
Helena Diniz.
A definição de ato ilícito afirmada pela
plêiade de renomados doutrinadores a
seguir mencionados, salienta diferença
apenas no estilo pessoal de cada deles
expor.
Ato ilícito é, portanto, o que praticado sem
direito, causa dano a outrem. ” (Clovis
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 99
Beviláqua)
“Que é ato ilícito? Em sentido restrito, ato
ilícito é todo fato que, não sendo fundado
em Direito, cause dano a outrem. ”
(Carvalho de Mendonça)
“Ato ilícito, é, assim, a ação ou omissão
culposa com a qual se infringe, direta e
imediatamente, um preceito jurídico do
direito privado, causando-se dano a
outrem. ” (Orlando Gomes)
“ ... ato ilícito é o procedimento, comissivo
(ação) ou omissivo (omissão, ou
abstenção), desconforme à ordem
jurídica, que causa lesão a outrem, de
cunho moral ou patrimonial. ” (Carlos
Alerto Bittar)
“O caráter antijurídico da conduta e o seu
resultado danoso constituem o perfil do
ato ilícito. ” (Caio Mario da Silva
Pereira)
“O ato ilícito é o praticado culposamente
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 100
em desacordo com a norma jurídica,
destinada a proteger interesses alheios; é
o que viola direito subjetivo individual,
causando prejuízo a outrem, criando o
dever de reparar tal lesão. ” (Maria
Helena Diniz)
“Ato ilícito. Ação ou omissão contrária à
lei, da qual resulta danos a outrem. ”
(Marcus Cláudio Acquaviva).
A confusão entre tais conceitos,
dentre outras contingências, impediu o
legislador de identificar e disciplinar uma
tutela preventiva voltada à inibição,
reiteração ou continuação de um ato
ilícito ou de seus efeitos.
Impediu da mesma forma de
identificar e viabilizar uma tutela
repressiva voltada tão somente à remoção
do ilícito ou de seus efeitos.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 101
Observando-se atentamente o Código
Buzaid, constata-se com facilidade que
nele não se surpreende nenhum
dispositivo idôneo à viabilização de uma
tutela preventiva, especialmente
mediante abstenções.
Mas lendo o art. 642 do CPC/1973 ou
art. 822 do CPC/2015 o legislador não
disciplinou não uma imposição judicial de
abstenção, o que permitiria, a
viabilização de uma tutela preventiva,
como seria de se esperar pela rubrica em
que se insere, mas a simples
possibilidade de desfazimento de algo
realizado de maneira indevida.
Assim no lugar de instrumentalizar a
tutela preventiva, nosso legislador previu
simplesmente a prestação de uma tutela
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 102
repressiva. O processo padrão do Código
Buzaid não foi, em nenhum momento,
pensado para prestar tutela jurisdicional
atípica contra o ilícito, nem para
possibilitar uma tutela preventiva atípica
aos direitos.
Inicialmente o modelo de tutela dos
direitos do Código Buzaid era fundado no
binômio cognição-execução forçada e no
processo cautelar como válvula de escape
para toda e qualquer providência
provisória urgente, preocupado somente
na viabilização de uma tutela repressiva
contra o dano sofreu o seu mais duro
golpe com a Reforma de 1994 em que
inseriu no bojo do processo de
conhecimento ao mesmo tempo o instituto
de antecipação da tutela e o da ação
unitária para a tutela das imposições de
fazer e não-fazer. Tal Reforma abriu
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 103
espaço para novo modelo de tutela dos
direitos.
Com a introdução do instituto de
antecipação de tutela e da ação unitária
de conhecimento com dois alicerces
estruturais do Código Buzaid ruíram. E,
com a antecipação de tutela se
viabilizaram provimentos executivos
dentro do processo de conhecimento.
Com o primeiro pilar abalado que era
a separação rígida entre o processo de
conhecimento e o processo de execução. É
verdade que no modelo original e
primitivo o processo de conhecimento
começava com o exercício do direito da
ação e terminava com a prolação de
sentença sem que qualquer ato executivo
pudesse ser praticado ao longo do
procedimento.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 104
O processo era antes de puro
conhecimento, de modo que toda e
qualquer atividade executiva deveria ser
praticada apenas no processo de
execução.
A antecipação de tutela pressupõe
justamente a possibilidade de que os atos
executivos e atos mandamentais serem
praticados ao longo do processo de
conhecimento.
A ação unitária para tutela de
imposições de fazer e não-fazer é uma
unidade justamente porque pressupõe
que se seguirá à prolação [40] de sentença
de mérito, sem qualquer intervalo, a
atividade executiva ou mandamental
capaz de concretizar o comando
sentencial não sendo necessária a
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 105
instauração de outro processo para tanto.
Em segundo lugar, a antecipação de
tutela permite a prolação de provimentos
judiciais provisórios dentro do processo
de conhecimento. Com isso, outro pilar
sofreu impacto, de um lado a separação
do processo de conhecimento e o processo
de execução de um lado e, o processo
cautelar, de outro, fundada na qualidade
dos provimentos de cada um desses
processos: enquanto o processo de
conhecimento e o de execução, de cada um
desses processos: enquanto os
provimentos de conhecimento e de
execução dão lugar a provimentos
judiciais definitivos, o processo cautelar
viabilizar a prolação de provimentos
provisórios.
Como a antecipação da tutela tem por
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 106
função sumária ao longo do processo de
conhecimento, a separação fundada na
estrutura dos provimentos judiciais
rigorosamente desaparece, na medida em
que também o processo de conhecimento
passou a contar com a possibilidade de
dar lugar aos provimentos judiciais
provisórios.
[40] É bom esclarecer que não se cogita em
sinonímia perfeita notadamente na
linguagem jurídica.
Verifiquem-se os empregos dos verbos
prolatar, proferir, exarar e pronunciar.
Referem-se todos eles à decisão judicial;
não representam, no entanto, exatamente
a mesma ideia. Prolatar é utilizado em
sua acepção ampla: tanto significa
declarar oralmente a sentença, quanto
dá-la por escrito. Proferir ajunta-se à
ideia da sentença oral, exarar
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 107
corresponde a lavrar, consignar por
escrito a decisão judicial.
A pureza dos processos fora
substituída pelo processo sincrético (que
admite a cognição e a execução) e capaz
também de provimentos provisórios.
Com a antecipação da tutela e da ação
unitária para a tutela das imposições de
fazer e não-fazer, viabilizou-se a
construção da tutela preventiva dos
direitos.
A partir daí a doutrina passou a
contar as técnicas processuais capazes de
permitir uma adequada teorização sobre
o tema da tutela dos direitos – o que
viabilizou a tutela específica dos direitos
e, especialmente, sobre a tutela
inibitória.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 108
As reformas de 2002 [41], 2005 e 2006
seguiram pelo aberto caminho feito pela
Reforma de 1994 e transformaram em
ações igualmente unitárias, as ações para
a tutela do direito à coisa e para a tutela
do dever de pagar quantia, além de
aperfeiçoar o instituto de antecipação de
tutela, da ação para a tutela de imposição
de fazer ou não-fazer e execução por
títulos extrajudiciais.
Com isso, o processo de conhecimento
passou albergar a fase executiva de título
judicial, também chamada de
cumprimento de sentença. Em face das
evidentes diferenças estruturais e
funcionais entre esses dois momentos do
CPC de 1973, passou-se inclusive a
cogitar em Código Buzaid e Código
Reformado para demarca-los
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 109
terminologicamente.
Dentro do Estado Constitucional, um
CPC só pode ser compreendido como
esforço do legislador infraconstitucional,
para densificar o direito de ação como
direito a um processo justo e,
especialmente, como um direito à tutela
jurisdicional adequada, efetiva e
tempestiva.
O mesmo vale para o direito de
defesa. Um CPC só pode ser visto, em
outras palavras, como uma concretização
dos direitos fundamentais processuais
civis que são previstos na Constituição
Federal vigente.
[41] Conforme elucida Gustavo
Tepedino surge a constatação de que a
alteração no papel do Código Civil
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 110
representa uma profunda alteração na
própria dogmática, identificando-se
sinais de esgotamento das categorias de
Direito privado, pois os novos fatos sociais
dão ensejo a soluções objetivistas e não
mais subjetivistas, a exigirem do
legislador, do intérprete e da doutrina
uma preocupação com o conteúdo e com as
finalidades das atividades desenvolvidas
pelo sujeito de direito.
O papel almejado por qualquer
codificação [42] atual pode aspirar dentro
da ordem jurídica é o de centralidade,
dando um sentido comum mínimo. Afinal,
um Código contemporâneo é antes de
tudo um Código central.
No Estado Constitucional a ordem e a
unidade do direito processual estão
asseguradas pela Constituição Federal
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 111
vigente e, especialmente pelos direitos
fundamentais que compõem o modelo de
processo justo.
Essa é a premissa da qual devemos
partir para construir
interpretativamente o sistema do
processo civil brasileiro. O Estado
Constitucional se singulariza pelo seu
dever de promover adequada tutela aos
direitos mediante a sua própria atuação
então o CPC deve reproduzir e densificar
o modelo de processo civil proposto pela
Constituição.
É afinal, um modelo constitucional de
processo civil. Do contrário, incorre o
Estado Constitucional na proibição de
proteção insuficiente e, em alguns casos,
mesmo na proibição de ausência de
proteção de direito fundamental ao
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 112
processo justo [43].
Em semelhante situação, o legislador
infraconstitucional encontrar-se-ia em
mora com os compromissos [44]
assumidos pelos Estado Constitucional.
[42] Diante da farta proliferação
legislativa, acompanhada pelo crescente
desconhecimento das leis por parte da
população e, dessa forma, o código perde
abrangência, a legislação especial é
derrogatória dos princípios gerais
codificados, sendo difícil estabelecer uma
ordem e, mais ainda, manter princípios
axiomáticos.
Tornou-se fundamental tanto na doutrina
como na jurisprudência, e a linguagem
jurídica se contaminou de genética,
economia, moral, tecnologia e computação
e, em razão disso, não apenas uma
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 113
descodificação legislativa, mas também
um problema de explosão, com uma
enorme força centrípeta, desintegradora,
no plano de lei, de outras fontes, da
doutrina e do direito privado em gerar.
O código constituiu-se em um reflexo da
criação do Estado nacional; sua pretensão
era ordenar as condutas jurídico-
privadas dos cidadãos de forma
igualitária; uma só norma, aplicável por
igual, a todos os cidadãos, sejam
nacionais ou estrangeiros", tornando- se o
código "uma garantia de separação entre
a sociedade civil e o Estado.
[43] As garantias de um processo justo
tornam obsoleta a tradicional distinção
entre processo e procedimento, porque
tanto do ponto de vista intrínseco como
extrínseco o exercício da jurisdição deve
estar por estas impregnado. Em alguns
países, como a Alemanha, há
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 114
experiências, em causas de pequeno valor,
onde ocorre a adoção de um procedimento
livre, apenas disciplinado pelo juiz. De
qualquer modo, deve o princípio da
legalidade exigir um mínimo de
regulamentação legal do procedimento,
inclusive para evitar a disparidade de
tratamento perante julgadores diferentes.
Além disso, a previsibilidade do
procedimento necessariamente resulta do
delineamento prévio do legislador de suas
etapas fundamentais, onde se
desenvolverão os múltiplos vínculos
jurídicos que tanto caracterizam a relação
jurídica processual.
[44] Na atualidade, o cidadão procurar
obter e desfrutar de segurança jurídica no
seu cotidiano, de maneira que lhe seja
assegurado, efetivamente (e não somente
como apelo teórico) o direito à vida, à
propriedade, à privacidade, à saúde, à
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 115
educação, à segurança, enfim, a bens e
valores que lhe sejam caros.
É verdade que por vezes, no entanto, o
Estado assume compromissos com os
administrados, os quais, reversamente,
neste depositam suas legítimas
expectativas, passando até a adotar
condutas conformes ao binômio
expectativa-compromisso, mas que,
surpreendentemente, passado algum
tempo, dá novo direcionamento a esse
compromisso, quebrando, abruptamente,
a expectativas dos destinatários e
cidadãos e, gerando prejuízos e desfavores
a aqueles que acreditaram por boa-fé nos
compromissos estatais.
O princípio da confiança legítima fora
concebido no continente europeu, na
Alemanha, e, posteriormente se expandiu
e está se instalando progressivamente no
Brasil, apesar que de forma tímida, para
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 116
atingir algumas relações jurídicas
estabelecidas e travadas entre o Estado e
o cidadão, cuidando de reparar ou
atenuar as consequências advindas da
quebra de expectativas legítimas e
depositadas, nos compromissos
assumidos e depois rompidos pelo Estado.
No plano infraconstitucional, um
CPC pode significar a garantia de um
sistema constitucional orientado para
todo o processo civil. Não pode o CPC
pretender ser uma disciplina plena de
ordem jurídica processual civil.
Pois tem que se entender o processo
civil dentro do quadro da teoria dos
direitos fundamentais, com a
concorrência de fontes normativas de
mesma densidade que, a partir de
conceitos e institutos comuns propostos
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 117
pelo CPC, visam à disciplina de aspectos
especiais do processo civil.
A plenitude das codificações
oitocentistas [45] foi construída à base de
um forte consenso de necessidades sociais
de então, depois de combalida pelo
fenômeno de descodificação [46] próprio
da década de setenta, cede passo a
centralidade da ideia do Código do Estado
Constitucional cuja base alimentadora
deve ser buscada na Constituição vigente.
Daí que é imprescindível para a
compreensão do novo Código a sua leitura
a partir da cultura do Estado
Constitucional, tornando-o um
instrumento idôneo para servir à prática
sem descurar das imposições que são
peculiares da ciência jurídica, como
necessidade de ordem e unidade, sem as
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 118
quais não há de se cogitar em sistema
nem tampouco em coerência que lhe é
essencial.
[45] No Direito alemão ainda que sejam
considerados os efeitos do período
existente entre as guerras mundiais, não
se pode esquecer que, quando dos debates
acerca do projeto que culminaria no BGB,
visto como um dos precursores do
chamado socialismo jurídico, e que se
afirmou no período final do século XIX e
seria a época mais favorável para uma
codificação voltada à proteção das classes
economicamente menos facorecidas.
[46] Em suas origens a descodificação
advém do incontestável fato de que a
codificação fora imposta na Europa,
apenas como decorrência da vontade de
um poder central autoritário, onde Código
Napoleônico foi um grande marco, seja
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 119
também como reflexo de um processo de
unificação tal como ocorrera na Itália e da
Alemanha. Porém, a velocidade dos
acontecimentos ocorridos durante o século
XX gerou a superação do mundo
aparentemente estável e controlável que
existiu principalmente na segunda
metade do século XIX.
Enfim tais acontecimentos conduziram a
um processo chamado de descodificação,
representando a necessidade de adoção de
um processo legislativo mais célere,
consubstanciado em leis que não fossem
tão extensas, e apto a responder às
múltiplas necessidades de contenção de
litígios, individuais ou transindividuais
que passaram a ocorrer na sociedade. As
mudanças substanciais tanto na ordem
política e econômica propiciaram o
surgimento da fase de descodificação, e,
de fato os elementos que nortearam o
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 120
século passado desapareceram, passando
da estabilidade tão peculiar do século XIX
e o início do século XX para às incertezas
permanentes do fim do século XX e do
início do século XXI.
Até mesmo a função do Estado fora
redimensionada, dado que um sistema
jurídico apenas calcado em Códigos não
está mais apto a enfrentar os problemas
sociais contemporâneos que se acumulam
e o próprio Direito deixa de atingir então
o seu prior objetivo que é, o de obter a
pacificação social.
Isso quer dizer que o Código deve ser
pensado a partir de sua finalidade e de
eixos temáticos fundada em sólidas bases
teóricas. É preciso imprimir ao NCPC
uma linha teórica para uma adequada
compreensão de sua unidade.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 121
O NCPC assume nitidamente
compromissos constitucionais sem
embargo de nosso sistema constitucional
densificado. A rigor, não se pode cogitar
num Código sem que se exprima um
sistema.
Um CPC revela um compromisso
inafastável com o foro. E, o compromisso
deve ser adimplido dentro de um quadro
técnico coerente. A recíproca implicação
entre a teoria [47] e prática deve ser
constante a fim de que a legislação
processual civil possa constituir muito
efetivamente idôneo para orientar a
sociedade civil e o Judiciário a respeito do
significado do direito e para resolver os
problemas concretos apresentados pelas
partes.
O processo deve ser pensado e
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 122
percebido pela teoria da tutela dos
direitos. Essa é então a finalidade do
processo civil no Estado Constitucional e
constitui o eixo central de onde deve ser
lido, estudado, interpretado e aplicado.
O sentido do direito depende de uma
outorga de sentido a textos e a elementos
não textuais da ordem jurídica então a
interpretação judicial do Direito seja no
nível ordinário (dos juízes de primeiro
grau, dos TJs e os Tribunais Regionais
Federais) com a formação da
jurisprudência [48] – fonte de
permanente de colaboração para a
formação de precedentes judiciais pelos
órgãos responsáveis seja no nível
extraordinário das Cortes Supremas, ou
seja, do STF e do STJ com a formação de
precedentes judicias conta como elemento
de decisiva importância para a segurança
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 123
pública, da liberdade e principalmente da
igualdade de todos perante o Direito.
[47] A Teoria Geral do Direito e a
epistemologia do direito formam campos
complementares do conhecimento
jurídico, porém podem ser diferenciadas
uma da outra, nas palavras de Miguel
Reale. A Epistemologia jurídica aprecia
os problemas das fontes ou do processo
interpretativo do direito como condições
transcendentais logicamente prévias a
toda e qualquer experiência jurídica
possível, passada ou futura; a Teoria
Geral do Direito, ao contrário, indaga das
fontes e dos processos interpretativos
vigentes em nossa época, discriminando-
lhes as formas, as modalidades, os limites
e as funções nos quadros do ordenamento
jurídico pátrio, em confronto com os dos
Países de correlato sistema cultural.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 124
[48] Enfim, a atuação da jurisprudência
se revela fundamental para amoldar as
concepções antiquadas de um Código à
uma realidade presente, atuação esta,
sempre somada à vigência de novas leis
especiais conforme já sustentou Henri
Capitant in verbis: "ilfaut en conclure
que Ia codification ne doitpas être trop
souvent répétêe. 11 est préférable de
vivre sur un Code vieux, tout en le
modifiant par des lois spèciales,
plusfaciles à élaborer, quant à ses parties
qui ne correspondent plus aux
conceptions actuelles, et de laisser à Ia
jurisprudence, êclairèe et dirigèe par Ia
doctrine, le soin de travailler sur ce fonds
de textes, de les remanier, de les
transformer insensiblement". E conclui
dizendo que "c 'est à elle qui ilfaut, en
première religne, confier Ia tache de
réparer les fissures qui se produisent
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 125
dans 1'edifice, au besoin même d'y
changer quelques pierres, d 'en modifier
quelques parties. C 'est par elle. toujours
en contact avec Ia vie, que se fera
désormais e progrés du droit, son
adaptation au milieu social, et ainsi, avec
une base solide et rèsistantefaite de droit
ècrit, on laisser au droit toute sa
souplesse, toute son aptitude à se
modifier, en même temps que les faits
eux-mêmes, pour être toujours d'accord
avec eux " (Cf. Henri Capitant
Introduction a Vètude du Droit Civil:
Notions Gènêrales . 3a cd.. p. 71).
Daí a razão pela qual os precedentes
da Corte Suprema constituem evidente
enriquecimento do direito vigente e
servem para lhe outorgar a unidade seja
retrospectiva, solvendo problemas
interpretativos, seja prospectiva,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 126
desenvolvendo-o para atender às novas
necessidades sociais.
Se, em uma perspectiva particular,
ter um direito significa antes de tudo ser
uma posição juridicamente tutelável,
então é evidente que é imprescindível
primeiro identificarem-se quais são as
tutelas possíveis aos direitos.
Só depois disso é possível cogitar da
segunda etapa, aferir quais as técnicas
processuais que devem ser prestadas
mediante o processo justo para a
realização do direito material. O binômio
do Estado Constitucional é a técnica
processual e a tutela dos direitos.
A tutela dos direitos constitui ao
mesmo tempo a finalidade do processo
civil no Estado Constitucional e o eixo a
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 127
partir do qual a interpretação do codex
deve ser pautada.
A estrutura do CPC/2015 abriga uma
parte geral [49] e uma parte especial.
Sendo que a parte especial está dividida
em processo de conhecimento e
cumprimento da sentença, processo de
execução e os processos nos tribunais e os
meios de impugnação das decisões
judiciais.
Partindo-se do pressuposto de que o
Estado Constitucional se caracteriza pelo
seu dever de outorgar a tutela aos
direitos, então, o CPC sintonizado com os
seus fins, deve ser apreciado a fim de
promove-la e, deve ser pensado
exatamente nessa perspectiva.
[49] A categoria denominada de Teoria
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 128
Geral do Processo é muito difundida, não
há um consenso sobre seu conteúdo e nem
seus exatos contornos científicos. Apesar
de certas divergências doutrinárias, pode-
se afirmar que a teoria geral do processo é
um sistema de conceitos e princípios
elevados ao grau máximo de
generalização útil e condensados
indutivamente a partir do confronto de
diversos ramos do direito processual.
É certo que do estudo de conceitos teóricos
que formem uma estrutura apta a
fornecer elementos para a construção
positivada de sistema de direito
processual. Mas, não se confunda,
portanto, com o próprio direito positivo,
mas o transcende. É a teoria geral do
processo uma disciplina jurídica
destinada à elaboração, organização e
articulação dos conceitos jurídicos
fundamentais processuais. Que são
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 129
conceitos lógicos-jurídicos processuais
todos aqueles indispensáveis à
compreensão jurídica do fenômeno
processual, onde quer ele ocorra.
Há quem defenda que “o
conhecimento desses conceitos e
princípios gerais facilita a compreensão e
a aplicação das disposições legais
consignadas na parte especial” do código.
Essa posição, adotada pela
esmagadora maioria da comunidade
jurídica brasileira, está arraigada a um
paradigma semelhante ao da
“jurisprudência dos conceitos”
(Begriffsjurisprudenz) ápice da ciência
das pandectas, equivalente alemão da
école de l’exégèse francesa.
Assim, por influência do
Bürgerlichesgesetzbuch (BGB) alemão,
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 130
nitidamente pandectista, o nosso Código
Civil absorveu conceitos do século XIX,
apostando na ideia de que o ato de julgar
pudesse repousar sobre um procedimento
mecânico, quase silogístico.
A função pretendida por uma Parte
Geral é, então, a de auxiliar a
interpretação do que vier a ser a Parte
Especial de um texto normativo.
Nessa medida, é importante
compreender até que ponto as disposições
de uma Parte Geral [50] de uma lei
processual devam coincidir – se é que
deve haver essa coincidência [51] – com
as proposições e construções de uma
teoria geral do processo [52].
[50] Para Egas Moniz de Aragão, a
ausência de uma parte geral, no Código de
1973, ao tempo em que promulgado, era
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 131
compatível com a ausência de
sistematização, no plano doutrinário, de
uma teoria geral do processo. E advertiu
o autor: “não se recomendaria que o
legislador precedesse aos doutrinadores,
aconselhando a prudência que se aguarde
o desenvolvimento do assunto por estes
para, colhendo-lhes os frutos, atuar
aquele” (Comentários ao Código de
Processo Civil: v. II. 7.a Ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1991, p. 8). O profundo
amadurecimento do tema que hoje se
observa na doutrina processualista
brasileiro justifica, nessa oportunidade, a
sistematização da teoria geral do
processo, no novo CPC.
[51] Sobre a necessidade de uma nova
teoria do conhecimento jurídico, afirma
que as causas de defasagem da teoria
clássica do direito são elementos de uma
nova feição cultural. São elas, em resumo:
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 132
1. a chamada ascensão das massas e, a
locomoção de novos grupos sociais dentro
de uma mesma sociedade, agora
detentores de interesses juridicamente
tuteláveis;
2. imprescindibilidade de utilização do
Direito como sistema de controle social;
3. a necessidade de reconstrução
conceitual do Direito, fugindo da dedução
dogmática;
4.o problema da ineficiência da
autoridade (e de falta de efetividade da
justiça).
Defende-se naturalmente que o direito
positivo deve acompanhar o momento
histórico.
[52] A teoria geral postula uma “visão
metodológica unitária do direito
processual”. Essa visão metodológica
desenvolveu-se a partir do
reconhecimento da autonomia do plano
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 133
processual, em detrimento da relação
material subjetiva. Como conteúdo básico
da teoria geral do processo construíram-
se os institutos fundamentais da ação,
jurisdição, processo e defesa. Esses
conceitos é que, historicamente, foram
mais bem trabalhados pela teoria geral, a
fim de fornecer matéria-prima para a
dogmática processual.
Boa parcela da doutrina opta por girar a
teoria geral em torno do conceito de
jurisdição – como é o caso da obra de
Dinamarco –, outra, em torno da ação –
como fizeram, com muita clareza, Pontes
de Miranda e processualistas como
Ovídio Baptista da Silva e Carlos
Alberto Álvaro de Oliveira. Outros
estudiosos, ainda, centralizam a teoria na
ideia mesma de “processo” (o que, para o
estudo aqui apresentado, parece ser a
mais adequada).
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 134
Uma perspectiva contemporânea do
estudo do processo civil deve contemplar,
portanto, a abertura de possibilidade
para que o juiz se utilize dessa
flexibilidade legislativa, a fim de
encontrar soluções jurídicas mais rentes
à realidade.
Essa flexibilização tem intimamente
contato com a atividade do juiz, que
deixou de ser mecanizada, automática,
para ser também criativa. Assim, já
prevista no Código Civil a adoção de
cláusulas gerais e de conceitos
indeterminados “incrementou – e em
muito – os poderes do magistrado entre
nós por causa da sua indisfarçável
necessidade de interpretação-aplicação-
criação pelo juiz.
No fundo, o direito subjetivo (direito
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 135
material) não existe em si mesmo,
existiria na verdade uma projeção sua
através do processo, que por seu rigor
técnico poderia transformar e deformar o
que eram as pretensões (frise-se: no
campo de direito material) originárias.
Ocorrera tal predomínio da técnica
que vigorava como pensamento científico
quando da elaboração do CPC vigente.
Porém, há muito tempo que tal
paradigma dicotômico fora superado, no
plano da ciência jurídica.
"Com o Código de Processo Civil de
1973, diploma normativo que inaugurou
entre nós, inequivocamente, o
processualismo, impondo um método
científico ao processo civil à força de
construções alimentadas pela lógica
teórico-positiva, evadindo-o da realidade.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 136
” E, mais adiante, “o formalismo-
valorativo no Brasil desembarca com a
Constituição de 1988.
É nela que devemos buscar as bases
de um processo cooperativo, com
preocupações éticas e sociais. Superado
aquele estágio anterior de exacerbação
técnica, de vida breve entre nós, recobra-
se a consciência de que o processo está aí
para concretização de valores, não sendo
estranho à função do juiz a consecução do
justo, tanto que se passa a vislumbrar, no
processo, o escopo de realizar justiça no
caso concreto. ”.
O “modelo” processual
contemporâneo, portanto, exige esse
abrandamento de formalismo
(processualista) para dar lugar ao
formalismo-valorativo, que leva em
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 137
consideração o arcabouço ideológico que é
próprio das opções políticas da
Constituição vigente.
Os processos de conhecimento como o
de execução no CPC/2015 são sincréticos,
portanto, o processo de cognição não é de
conhecimento somente, bem como o de
execução não revela a pureza absoluta.
Também nada justifica o processo nos
tribunais e dos recursos em livro próprio.
O apropriado é que o assunto seja
disciplinado na parte geral ou no processo
de conhecimento.
Tal qual no direito alemão,
Zivilprozessodnung [53] (Ordenança
Processual Civil) reservou livro próprio
para o direito recursal. Registre-se que os
códigos processuais atuais possuem
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 138
semelhante divisão é o caso do processo
italiano e do espanhol.
O ideal é que o CPC seja percebido a
partir da ideia de tutela de direitos. É o
compromisso do Estado de Constitucional
com a tutela dos direitos e, em termos
processuais civis, com a efetiva tutela
jurisdicional dos direitos em sua dupla
dimensão que existe no Estado
Constitucional. Onde vige um verdadeiro
dever geral de proteção dos direitos.
A interpretação do NCPC que o novo
merece ser caracterizada como
sintomático deslocamento do processo à
tutela de direitos. Daí ser totalmente
apropriada a reconstrução interpretativa
do sistema a partir da teoria da tutela dos
direitos [54].
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 139
[53] O princípio do contraditório
materializa-se por meio da participação
ativa das partes no processo e, do diálogo
que deve ter o órgão jurisdicional com as
partes. Desta concepção decorrem várias
consequências, como a de que não pode o
órgão jurisdicional proferir decisão com
surpresa para as partes. E, algumas
legislações já preveem isso expressamente.
Por exemplo, o art. 3º, nº3 do CPC
português dispõe que "o juiz deve observar
e fazer cumprir, ao longo de todo o
processo, o princípio do contraditório, não
lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta
desnecessidade, decidir questões de
direito ou de fato, mesmo que de
conhecimento oficioso, sem que as partes
tenham tido a possibilidade sobre elas se
pronunciarem. Existe previsão similar no
ZPO, no §139, 2. É possível dizer, até, que,
na dúvida, o magistrado deve reputar
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 140
admissível (válido) o procedimento. Do
mesmo modo, não deve o magistrado
indeferir a petição inicial, tendo em vista
a obscuridade do pedido ou da causa de
pedir, sem antes pedir esclarecimentos ao
demandante - convém lembrar que há
hipóteses em que se confere capacidade
postulatória a não-advogados, o que torna
ainda mais indispensável o cumprimento
desse dever.
[54] Tutela de direitos, ou tutela
jurisdicional, é uma decorrência do
estudo da jurisdição, da ação, do processo
e da defesa, no “modelo” de processo civil
contemporâneo. A partir da noção de
efetividade da jurisdição, decorrente do
próprio art. 5º, XXXV, da Constituição,
significa verdadeiramente a “realização
concreta do direito que foi lesado ou
ameaçado. Seja para o autor, quando ele
tem razão, seja para o réu quando ele, o
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 141
réu, tem razão”. Essa conceituação de
tutela permite extrapolar a mera
declaração de direitos (o reconhecimento
de um direito em juízo), fazendo com que
a satisfação, a efetivação dessa situação
jurídica declarada faça parte do exercício
da jurisdição. Quer dizer, à jurisdição
calha aplicar o direito, e não somente
fazê-lo incidir no caso concreto.
Dogmaticamente importa dividir o
NCPC em três grandes linhas: a primeira
– teoria do processo civil responsável pela
construção dos conceitos de base do
direito processual civil;
Segunda: preocupação com a tutela
dos direitos mediante o procedimento
comum âmbito teórico em que situados
todos os temas ligados à tutela padrão dos
direitos.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 142
Terceira: vocacionada à tutela de
direitos mediante procedimentos
diferenciados.
O NCPC utiliza em pontos
nevrálgicos as expressões que permitem a
construção de um sistema para a tutela
de direitos capaz de não só prestar a
tutela repressiva voltada contra o dano e
vocacionada para proteção de direitos
patrimoniais.
Em atenção aos novos direitos, o
NCPC cogita em tutela do direito contra
o ilícito, o dano, fazendo alusão inclusive
à possibilidade de inibição do ilícito e de
sua remoção (art. 497, § único).
Para promove-las, arrola inúmeras
técnicas processuais que podem ser
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 143
usadas pelo juízo, como as técnicas
antecipatórias (art.294 ss.) e as técnicas
executivas (art. 139, IV, 497, 498, 536,
537 e 538).
A compreensão da técnica processual
a partir da tutela de direitos faz com que
seja possível alcançar às partes “tutela
específica” aos direitos inclusive a tutela
preventiva contra o ilícito, ou seja, a
tutela inibitória quebrando-se com isso o
círculo vicioso da violação dos direitos e
do seu simples ressarcimento em
pecúnia, como resposta padrão do
processo civil.
O uso de expressões abertas no NCPC
é da maior relevância para a tutela de
direitos não patrimoniais tais como os
direitos da personalidade, o direito ao
meio ambiente equilibrado, o direito à
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 144
higidez do mercado de ações e financeiro,
direito à educação, à segurança no
trabalho, dentre vários outros.
Não atende ao Estado Constitucional
o binômio condenação-execução forçada,
cujo resultado acabava sempre em uma
tutela pelo equivalente monetário.
Daí a razão pela qual a adoção pelo
NCPC de expressões como tutela dos
direitos, perigo na demora e medidas
necessárias justamente porque abertas e
moldáveis concretamente às mais
diferentes situações do direito material
carentes de tutela. O que comprova sua
atenção à realidade social e ao direito
material que lhe cabe efetivamente
tutelar.
O direito à prestação jurisdicional
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 145
efetiva engloba:
1) o direito à técnica processual
adequada;
2) o direito de participar por meio de
procedimento adequado, e
3) o direito à resposta do juiz.
Significa que são necessárias a norma
processual, o procedimento em si, e o
reconhecimento do direito pelo Estado-
juiz, para se poder falar em tutela efetiva.
Nessa perspectiva, a concepção de
tutela jurisdicional pode passar a ser o
eixo metodológico do moderno estudo de
direito processual civil, pois é aí que
reside o contato mais próximo entre o
processo e o direito material.
A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos
Gisele Leite - 146
Referências:
ABELHA, Marcelo. Manual de Execução
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