Post on 22-Jun-2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE GEOGRAFIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
POLÍTICAS PÚBLICAS, DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO E DESAFIOS NO PÓS-CONQUISTA DA
TERRA: a criação de assentamentos rurais no Triângulo
Mineiro/ Alto Paranaíba (1986-2009)
LUCIANA CARVALHO E SOUZA
Uberlândia
2010
LUCIANA CARVALHO E SOUZA
POLÍTICAS PÚBLICAS, DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO E DESAFIOS NO PÓS-CONQUISTA DA
TERRA: a criação de assentamentos rurais no Triângulo
Mineiro/ Alto Paranaíba (1986-2009)
Monografia apresentada ao Instituto de
Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia como requisito à obtenção
do título de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. João Cleps
Junior
Uberlândia
2010
Luciana Carvalho e Souza
POLÍTICAS PÚBLICAS, DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO E
DESAFIOS NO PÓS-CONQUISTA DA TERRA: a criação de
assentamentos rurais no Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba
(1986-2009)
Uberlândia 16 de dezembro de 2010
Banca Examinadora
_______________________________________________
Prof. Dr. João Cleps Junior - Orientador
_______________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti
_______________________________________________
Prof. Msc. Murilo Mendonça Oliveira de Souza
A minha avó Eurides.
Meu exemplo maior de dignidade, força e amor.
A você minha eterna admiração.
Obrigada pela presença...
AGRADECIMENTOS
A defesa de uma monografia significa a conclusão de uma etapa importantíssima
para o aluno de graduação. É a partir desse momento que paramos para refletir sobre
todos os momentos difíceis e também felizes que passaram, vendo agora, de maneira tão
rápida. É nesse momento também que percebemos o quanto foi importante a presença
de pessoas queridas ao nosso redor, que nos auxiliaram, deram força e acreditaram no
nosso potencial, muitas vezes, mais do que nós mesmos. Para isso, agradeço aqueles
que me fizeram chegar até aqui.
Primeiramente obrigada minha família querida. Mamãe, Tia Vera, Tia Fátima,
Tio Valdir, Roger e Joe. Sem vocês eu não sou ninguém. Para vocês meu amor
verdadeiro e o melhor de mim.
Meus queridos amigos da faculdade e com certeza amigos para a vida inteira.
Obrigada pelas conversas, pelos apoios, pelos trabalhos, pelas discussões proveitosas,
pelos conselhos e, claro, por todas as cervejas e torresmos compartilhados em todos os
momentos que, com certeza, foram essenciais para continuar a caminhada.
Aos meus amigos de longa data, que mesmo distantes geograficamente, pude
sentir o carinho de vocês próximo a mim e que ao lembrar do passado me encho de
alegria e saudade.
A minha segunda, e não menos importante família: Pai-pai Pedro, Mãe-mãe
Vanessa e meu querido e companheiro Pedrinho. Obrigada, obrigada, obrigada! Saibam
que levo vocês no meu coração.
Obrigada amigos e companheiros de luta do LAGEA aos quais pude
compartilhar idéias e ideais de vida e de conhecimento.
Meu muito obrigada a meu orientador João Cleps Junior, em que me concedeu a
oportunidade de crescimento acadêmico e com o qual aprendi o valor da pesquisa
cientifica. Juntos pudemos conquistar prêmios e títulos que foram extremamente
importantes para minha vida. Obrigada João pelos livros, pela leitura e pela confiança.
Também, deixo aqui meus agradecimentos para a Fundação de Amparo a
Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG, a que me fora concedida bolsas de Iniciação
Científica por três anos a qual me auxiliou a prosseguir com meus estudos.
E, OBRIGADA DEUS! Sem sua palavra confortante e ensinamentos preciosos
nada disso teria se realizado.
“Penso que cumprir a vida seja simplesmente
compreender a marcha e ir tocando em frente.”
Almir Sater – Tocando em Frente
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 - Criação de assentamentos em Minas Gerais por período
governamental
44
Mapa 1 - Minas Gerais: Espacialização Municipal dos Principais
Movimentos de Luta pela Terra com Maior Número de Ocupações
de 1988 a 2009
40
Mapa 2 - Assentamentos criados durante o governo de FHC de 1995 a 2002
50
Mapa 3 - Assentamentos criados durante o Governo de Lula de 2003 a 2009
53
Quadro 1 - Minas Gerais: Movimentos Socioterritoriais Atuantes no Estado,
Número de Ocupações, Famílias e Municípios com Ocupações de
1988 a 2009
38
Quadro 2 - Classificação dos Movimentos Socioterritoriais atuantes em Minas
Gerais
42
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Assentamentos Rurais Criados no Estado de Minas Gerais
Durante o Governo Sarney (1986 a 1989)
46
Tabela 2 - Assentamentos Rurais Criados no Estado de Minas Gerais
Durante os Governos Collor e Itamar (1990 a 1994)
47
Tabela 3 - Número de Assentamentos Criados pelos Governos e participação
de Minas Gerais de 1985 a 2009
54
Tabela 4 - Grau de escolaridade dos assentados da Fazenda São Domingos
73
LISTA DE SIGLAS
ACRQ – Associação das Comunidades dos Remanescentes de Quilombos
ACRQBC – Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo Brejo dos
Crioulos
ACUTRMU – Associação Comunidade Unida e Trabalhadores Rurais
ANOTER – Associação Nacional de Órgãos Estaduais de Terra
ASTST – Associação dos Trabalhadores Sem Terra
BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento
CCL – Comissões Camponesas de Luta
CLST – Caminho de Libertação dos Sem Terra
COERCO – Cooperativa Agropecuária Mista de Empreendimento Rural Comunitário
do Assentamento São Domingos
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DATALUTA - Banco de Dados da Luta pela Terra
FETAEMG – Federação dos Trabalhados da Agricultura de Minas Gerais
FETRAF – Federação da Agricultura Familiar
FST – Fórum Sindical dos Trabalhadores
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IDS - Índice de Desenvolvimento Social
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITER/ MG - Instituto de Terras de Minas Gerais
LAGEA - Laboratório de Geografia Agrária
LCP – Liga dos Camponeses Pobres
LOC – Liga Operária Camponesa
MAB – Movimentos dos Atingidos por Barragens
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MIRAD - Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário
MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra
MLSTL – Movimento de Libertação dos Sem Terra de Luta
MLT – Movimento de Luta pela Terra
MLUPT – Movimento Luta Unida pela Terra
MPRA – Movimento pela Reforma Agrária
MPST – Movimento Popular pelos Sem Terra
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTL – Movimento Terra Trabalho e Liberdade
MTR – Movimento dos Trabalhadores Rurais
MTST – Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto
N.I – Não Informado
OLST – Organização pela Libertação dos Sem Terra
OTC – Organização de Trabalhadores no Campo
P.A. – Projeto de Assentamento
PACTo – Programa de Apoio Científico e Tecnológico nos Assentamentos de
Reforma Agrária na Região do Triângulo Mineiro
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCH – Pequena Central Hidrelétrica
PIB – Produto Interno Bruto
PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária
PROGER RURAL – Programa de Geração de Emprego e Renda Rural
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROVAP – Programa de Valorização da Pequena Produção Rural
PSA – Programa de Segurança Alimentar e Nutricional em Acampamentos e Pré-
Assentamentos de Reforma Agrária
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
UDR – União Democrática Ruralista
UFU – Universidade Federal de Uberlândia
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................. 14
1. A NOVA CONFLITUALIDADE DO CAMPO BRASILEIRO:
agricultura familiar e agronegócio no centro das discussões da reforma
agrária............................................................................................................ 18
1.1 A importância do campesinato nas questões fundiárias e
agroecológicas............................................................................................................. 22
1.2 A Reforma Agrária como via de desenvolvimento................................... 26
2. A LUTA PELA TERRA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
FORMAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS: a criação de
projetos nacionais de reforma agrária e o reflexo territorial no campo
mineiro........................................................................................................... 33
2.1 Considerações da luta pela terra no Brasil................................................ 33
2.2 Os movimentos sociais de luta pela terra e suas atuações em Minas
Gerais.......................................................................................................................... 36
2.3 As políticas de 1986 a 2009 de Reforma Agrária e a criação dos
assentamentos rurais em Minas Gerais....................................................................... 42
2.3.1 O Governo José Sarney (1985 a 1989): os impactos do I PNRA e o
surgimento dos primeiros assentamentos mineiros..................................................... 45
2.3.2 O Governo Collor e Itamar (1990 a 1994): a extinção de uma
proposta de Reforma Agrária...................................................................................... 47
2.3.3 O Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002): o
neoliberalismo e a Reforma Agrária de Mercado....................................................... 49
2.3.4 O Governo Luiz Inácio da Silva (2003 a 2010): o apoio dos
movimentos sociais de luta pela terra e a manutenção das políticas de Reforma
Agrária......................................................................................................................... 51
3. CARACTERIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS EM ASSENTAMENTOS
RURAIS NO TRIÂNGULO MINEIRO/ ALTO PARANAÍBA............... 56
3.1 PA Cruz e Macaúbas – Santa Vitória........................................................ 56
3.2 PA Nova Santo Inácio Ranchinho – Campo Florido............................... 59
3.3 PA Rio das Pedras – Uberlândia.............................................................. 62
3.4 PA São Domingos – Tupaciguara............................................................ 65
3.4.1 O cooperativismo como alternativa de produção em assentamentos: o
exemplo da COERCO................................................................................................. 68
Considerações Finais................................................................................................. 76
Referências................................................................................................................. 79
14
Introdução
A presente pesquisa busca apresentar dados básicos referentes à questão agrária
na mesorregião Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba, principalmente no que tange a
análise das políticas públicas de Reforma Agrária adotadas principalmente a partir da
Nova República, bem como a criação de assentamentos rurais na região, realizando uma
análise ampla da atual situação dos assentados frente a uma crescente expansão do
agronegócio na região pesquisada e como isso reflete nos aspectos referentes ao
desenvolvimento econômico e meio ambiente.
Assim, buscando alternativas para a dicotomia no campo, surgem os
movimentos de luta pela terra. Estes participam ativamente, no estado e na região,
principalmente a partir da década de 1980, em meio ao processo de luta pela Reforma
Agrária e redemocratização do país. Para conseguir tais objetivos, os movimentos
desempenham seus papéis participando de decisões políticas e sociais que, de certa
forma, tendem a forçar o Governo a regulamentar e acelerar o processo da Reforma
Agrária e, ao mesmo tempo, encontrar um mecanismo de busca real da cidadania e de
justiça social.
Nesse período, surgem também os primeiros projetos de assentamentos no
estado de Minas Gerais, projetos estes que vêm se desenvolvendo a partir de diferentes
modos de organização e de produção, baseados, majoritariamente, na agricultura
familiar, com grande diversidade de produção e de organização do trabalho.
O tema sobre Reforma Agrária e assentamentos rurais no Brasil acumula um
expressivo conjunto de pesquisas realizadas, tanto de caráter censitário como de estudos
15
de casos, porém ainda não existe uma série histórica de dados que permitam
compreender as diferentes situações e experiências dos assentamentos no campo.
Como metodologia desta pesquisa, utilizou-se os dados referentes aos
assentamentos rurais, obtidos do Banco de Dados da Luta pela Terra – DATALUTA
que sistematiza as informações sobre assentamentos a partir de fontes como Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e Associação Nacional de
Órgãos Estaduais de Terra (ANOTER). A versão “DATALUTA Assentamentos” dispõe
de informações sobre os assentamentos rurais no Brasil desde 1969. Durante a
sistematização dos dados, constatam-se divergências entre alguns dados referentes aos
anos de origem dos assentamentos, número de famílias, tipologia, área e até mesmo na
própria localização, o que justifica parte desta pesquisa.
É importante salientar que, por intermédio do DATALUTA, foi possível
analisar, sistematizar e espacializar a luta pela terra no estado de Minas Gerais, através
do fornecimento de dados também referentes às ocupações de terra, movimentos
socioterritoriais e estrutura fundiária, facilitando, desta forma, a maior compreensão da
dinâmica territorial e a problemática da questão agrária, em âmbitos estadual e federal.
Há, contudo, muitas informações a serem exploradas nesse diversificado e rico
universo, principalmente no que tange a luta dos assentados no pós-conquista da terra e
a dicotomia entre agronegócio e agricultura familiar que permeia a atual estrutura
agrária brasileira.
Também como etapa metodológica da presente Monografia, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica acerca do tema proposto, ao qual auxiliou a formação e discussão
teórica presente neste estudo. Além disso, se fez necessário o trabalho de campo em
alguns assentamentos rurais criados na região sendo estes escolhidos pelo ano de
criação. Assim, foram selecionados um assentamento por período governamental desde
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a redemocratização brasileira, sendo eles o PA Cruz e Macaúbas, criado no período do
então presidente José Sarney; PA Nova Santa Inácio Ranchinho, instituído no período
Collor/Itamar; PA Rio das Pedras, criado no governo Fernando Henrique Cardoso e PA
São Domingos, originado no período governamental de Luiz Inácio da Silva.
A pesquisa de campo foi realizada com o fim de se estabelecer algumas
percepções da luta dos assentados e agricultores familiares em permanecer ligados a
terra e em outro momento, poder compartilhar de suas perspectivas futuras de vida e de
produção. Assim, foram realizadas entrevistas com as lideranças locais e com a
população assentada, o que contribuiu essencialmente para a concretização desta
pesquisa.
O tema proposto para o referido estudo se justifica, principalmente, pelo fato de
que o todo o processo de luta dos trabalhadores da terra envolve novas territorialidades.
Nesse sentido é importante maior conhecimento e sistematização das ocupações,
acampamentos e assentamentos em que os mesmos poderão ser utilizados para
elaboração de projetos de políticas públicas e pesquisas realizadas tanto pelas
organizações de trabalhadores quanto pelo público em geral.
Assim, o mesmo surge através de estudos realizados ao longo de três anos, por
meio de Iniciações Científicas e participação em projetos desenvolvidos pelo
Laboratório de Geografia Agrária – LAGEA da Universidade Federal de Uberlândia –
UFU acerca da temática em questão, em que se propôs em estudar as contradições do
desenvolvimento capitalista na agricultura e, sobretudo, a dinâmica dos assentamentos
rurais mineiros bem como o processo de ação dos movimentos de socioterritorialização
da luta pela terra.
Este trabalho está dividido em três capítulos, onde são colocadas as discussões e
análises realizadas durante a elaboração do referido estudo, organizados em:
17
O primeiro capítulo fundamenta-se na discussão referente à dicotomia entre
agricultura familiar e o agronegócio, tão presentes na mesorregião Triangulo Mineiro/
Alto Paranaíba. Para tanto, foram analisados e discutidos conceitos como território,
crescimento e desenvolvimento econômico, camponês, segurança e soberania alimentar
que são de suma importância para a compreensão do tema desenvolvido.
O segundo capítulo apresenta um breve histórico da questão agrária brasileira,
buscando a partir da criação dos movimentos sociais de luta pela terra e com o
surgimento da “Nova República”, análises acerca das políticas nacionais de Reforma
Agrária e o surgimento das primeiras ocupações de terra e, conseqüentemente, dos
primeiros assentamentos rurais mineiros.
O terceiro e último capítulo, descreve sobre as especificidades dos
assentamentos rurais mineiros bem como o relato de algumas experiências de
assentamentos criados nas ultimas décadas na região estudada, principalmente o que
tange o modo de vida e a organização de produção no interior dos mesmos.
Por último, são apresentadas as considerações finais desta pesquisa, ao qual são
realizadas algumas reflexões sobre a (não) implantação de políticas de Reforma Agrária
coerentes com a real necessidade do campo brasileiro e, mais especificadamente, em
Minas Gerais.
Esperamos que esta pesquisa possa contribuir para uma melhor compreensão da
luta pela terra no estado de Minas Gerias e da atual conjuntura ao qual se encontra os
assentamentos rurais brasileiros, facilitando assim, percepção das ações e a
espacialização dos movimentos sociais de luta pela terra e a importância das políticas
públicas de criação e incentivo aos assentamentos rurais como condição essencial ao
acesso da população aos seus direitos de cidadania.
18
1 A NOVA CONFLITUALIDADE DO CAMPO BRASILEIRO:
agricultura familiar e agronegócio no centro das discussões da reforma
agrária
Desde meados da década de 1980 o Brasil é regido por políticas neoliberais, cuja
principal característica se refere a uma intervenção cada vez menor do Estado nas
relações econômicas, sociais e de produção, dando desta maneira, maior liberdade de
articulação e dominação do agronegócio sobre e sob o campo brasileiro, atingindo de
maneira direta o pequeno agricultor e a agricultura familiar que agora tem como seu
maior oponente não mais o latifúndio, mas sim o agribusiness.
Para tanto é importante refletirmos sobre onde e como surge o agronegócio.
Segundo Almeida (2008),
O agronegócio não é novo, seu ideário é fruto da Revolução Verde ou Modernização da Agricultura como alguns denominam. O novo aí, se podemos chamar de novo, é aquele que agora aparece como categoria homegeneizadora, com isso o latifúndio perde o foco. (ALMEIDA, 2008, p. 309)
Através da expansão do agronegócio no campo brasileiro, temos o surgimento
de várias territorialidades dentro de um mesmo território em disputa sendo a agricultura
familiar centrada na família, no trabalho e na terra apenas mais uma perspectiva de
atuação frente à tomada de poder do agronegócio cujos princípios baseiam-se na lógica
do lucro e na produção de renda. Neste caso, entende-se territorialidade como sendo
“um fenômeno social, que envolve indivíduos que fazem parte de grupos interagidos
entre si, mediados pelo território; mediações que mudam no tempo e no espaço”
(SAQUET, 2010, p. 115).
19
Na atual fase capitalista, as alterações nas formas e nas relações de produção
tendem a se intensificar, tornando-se cada vez mais acelerada tendo desta forma o
território como grande alvo de disputa e de conseqüentes redefinições sendo necessário
que se faça um maior debate acerca das definições conceituais do mesmo. Segundo
Paulino (2008),
Considerando que não é o princípio da acumulação simples, mas o da acumulação ampliada a força motriz deste modo de produção, o que supõe uma avidez progressiva sobre quaisquer bens passiveis de converterem-se em mercadorias, atentar para a ordenação do território ganha relevância ímpar, porque é este que comporta as ações de produção, circulação e consumo, o tripé da valorização capitalista culmina na apropriação desigual da riqueza socialmente produzida (PAULINO, 2008, p .214).
Principalmente a partir do modelo neoliberal, o conceito de território vem
ganhando novas formas e funções sendo utilizado como controle social frente aos
interesses do capital financeiro das multi e transnacionais. Porém, o território é formado
por vários agentes modificadores, que através de tais políticas são sufocados e privados
de seus direitos de organização e reprodução do espaço.
Os camponeses são um desses grupos que por possuírem menor poder político
de decisão nas políticas públicas sofrem de maneira direta com as novas configurações
do campo, que passa de um território necessário à sobrevivência social e natural do
homem para um território que atenda os novos anseios do mercado configurando dessa
maneira, a formação da disputa entre agronegócio e campesinato sendo as ocupações de
terra a materialização dessas conflitualidade. Desta forma, Fernandes (2007) afirma que,
[...] a luta pela terra e a Reforma Agrária formam o principal fator de territorialização do campesinato no território nacional. O desenvolvimento territorial e Reforma Agrária são processos
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indissociáveis. Portanto, a obtenção de terras e o desenvolvimento dos assentamentos são processos inseparáveis. O capital forma os seus territórios e se territorializa, ou seja, se expande multiplicando o controle de enormes áreas em todas as regiões. Na atualidade, no campo brasileiro, o capital tem o nome de agronegócio, que procura se apropriar das terras e subalternizar o campesinato através da terceirização da produção (que muitos chamam de integração) ou expropriá-lo através da verticalização da produção, controlando todos os sistemas que o compõe (FERNANDES, 2007, p. 86).
É necessário que se pense o território em toda a sua complexidade, buscando
compreender os diversos interesses que acabam por gerar disputas e divergências de
caráter tanto conceitual quanto político e social que permeiam as relações entre
campesinato e agronegócio. A compreensão das disputas em questão é fundamental uma
vez que as escalas de ação para o enfrentamento dos desafios impostos à segurança
alimentar passam por diversos atores tais como o Estado, os governos sub-nacionais,
movimentos sociais, empresas privadas e públicas.
Mesmo que possa parecer tênue a relação entre segurança alimentar e disputas
territoriais, tais disputas estão alicerçadas a uma política comumente chamada de “nova
ordem mundial”, em que no campo restabeleceu novas formas de produção através da
implantação de técnicas, baseadas no uso de agrotóxicos e de uma produção voltada
essencialmente para a exportação, advindas principalmente pela disseminação da
Revolução Verde, colocaram em risco a soberania alimentar no Estado brasileiro.
Ademais, uma questão central tomada como referência nesta monografia é que
segurança alimentar transcende o conceito simples de deficiência alimentar e, em seu
entendimento deve-se buscar além dos seus conceitos, fatores como a desigualdade
social, de modo que o enfoque sobre a temática seja dado por uma visão intersetorial,
que reflita a complexidade da questão alimentar e os múltiplos fatores que a afetam
(MALUF, 2007).
21
Através da monocultura, o agronegócio expande suas fronteiras e atinge cada
vez mais regiões, ecossistemas e pequenos agricultores que vêem suas propriedades
cercadas por extensas plantações de soja e cana-de-açúcar, não tendo alternativa se não
arrendar suas terras sendo assim, muitas vezes, privados de seus direitos de escolha
autogerenciamento de produção ou até se vêem coagidos a venderem seus lotes para
grandes empresas.
Segundo Szmrecsányi (2007),
Dentro dessa perspectiva, as principais ameaças à soberania alimentar dos que de fato a possuem origina-se de um lado da expulsão do campo dos pequenos produtores agrícolas independentes, e, do outro, do aumento do desemprego, aberto ou disfarçado, tanto no campo como nas cidades. A primeira diminui a oferta local de alimentos para a população e provoca um aumento de seus preços, enquanto que o segundo reduz a demanda efetiva (ou solvável) dos mesmos. Ambas essas tendências acabam requerendo uma ampliação do assistencialismo compensatório, traduzindo-se isso facto num decréscimo da soberania alimentar. (SZMRECSÁNYI, 2007, p.151)
Através do Censo Agropecuário de 2006 publicado recentemente pôde-se
observar a importância da agricultura familiar no abastecimento da população brasileira
e a sua participação na economia nacional. Apesar de ocupar apenas um 25% da área
total cultivada no Brasil, a agricultura familiar responde por 38% do valor da produção
de alimentos, que abastecem o mercado interno e emprega quase 75% da mão de obra
no campo (IBGE, 2009).
Considerando os assentamentos rurais como um grande instrumento de
fortalecimento da agricultura familiar, os mesmos também participam de uma parcela
significante na produção e geração de renda no campo. Portanto, partindo deste
pressuposto, estudos acerca da problemática em questão são fundamentais para melhor
22
compreensão das políticas de Reforma Agrária desenvolvidas nos últimos anos bem
como compreender a importância da criação dos assentamentos rurais como forma de
garantir a segurança alimentar regional, principalmente em áreas de conflitualidade
territorial como é o caso do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba.
1.1 A importância do campesinato nas questões fundiárias e agroecológicas
A concentração de riqueza, a má distribuição de renda e também a grande
concentração fundiária, são fatores decisivos para a existência e reprodução da condição
da desigualdade social e da exclusão econômica, tanto da população urbana quanto da
população rural, em sua grande maioria, visto que campo-cidade estão altamente
relacionados.
Assim, cada vez mais, a população está vivendo com mais precariedade, sem
condições adequadas de moradia, de saúde, de educação e, principalmente, de
alimentação, visto que grande parte do que é produzido é destinado ao mercado externo,
através de grandes empresas agroindustriais, que defendem o modelo de produção
baseado na monocultura, que impacta negativa e intensamente o meio ambiente. Em
meio a esse sistema, surgem à discussão sobre a Reforma Agrária, agricultura familiar e
questões ecológicas como forma de buscar compreender e analisar tais problemáticas e
atenuar a concentração fundiária brasileira.
Neste sentido, se faz imprescindível considerar o papel da agricultura familiar e
do modo de vida camponês na sociedade contemporânea, além de procurar responder
questões, como quais são os fatores que permitem que tal configuração se estabeleça.
Atualmente, novos paradigmas que envolvem o campesinato e suas formas de
23
representação vêm sendo discutidos e, assim, colocados em reavaliação estudos
referentes ao capitalismo agrário.
Segundo Abramovay (1998),
Nada mais distante da definição do modo de vida camponês que uma racionalidade fundamentalmente econômica. Apesar disso, entretanto, o campesinato caracteriza-se não só por sua organização social específica, mas pela forma como se insere na sociedade global através de laços econômicos particulares (ABRAMOVAY, 1998, p. 115).
Percebe-se claramente a posição contrária do autor no que se refere às obras
clássicas que se propõe a uma análise do camponês e da questão agrária, como as
defendidas por Marx, Lênin e Kautsky que tratam o campesinato através,
principalmente, de noções de cunho econômico as quais não se encaixam nas categorias
sociais que determinam o modo de produção capitalista.
Todavia, Abramovay trabalha com o pressuposto que, o campesinato tende a sua
extinção perante o atual modelo de organização econômica e social. O autor se baseia
na idéia de que o camponês se configura como um sujeito cuja principal característica
de reprodução se estabelece a partir de relações extra-econômicas, o que faz sua
reprodução possível apenas em meios sócio-culturais bastante particulares.
A proposta então levantada pelo autor sugere uma espécie de transição, ainda
contínua, do camponês em agricultor familiar, ao qual se assume características de
mercado, o que o acaba por inserir e participar de maneira ampla e direta no sistema
econômico vigente. Assim temos que,
As mudanças sofridas pela produção familiar na agricultura de hoje são tão profundas que se não se encaminharam no sentido da diferenciação social, por outro lado não permitiam que as características centrais da produção camponesa permanecesse (ABRAMOVAY, 1998, p.57).
24
Esta inserção se dá pautada nas novas relações econômicas que a agricultura
familiar camponesa assume. Tal postura, tende a se diferenciar nos países centrais em
relação aos periféricos no que tange principalmente ao modo e a organização de
produção que estão diretamente interligados com o capital financeiro local.
É possível compreender a nova dinâmica do capitalismo agrário e as novas
perspectivas que assume a agricultura familiar camponesa. Neste caso, vale ressaltar
que a decisão da produção que irá determinar o período de safra é tomada
conjuntamente entre os membros familiares, pois os impactos destas decisões afetam a
vida e inclusive o padrão de consumo desses indivíduos.
Todavia, é notória a participação das agroindústrias na economia e também no
que se diz respeito à sua representativa nas questões fundiárias. Os avanços dessas
grandes empresas acabam por sufocar a agricultura familiar, colocando os camponeses
em situações de risco principalmente em relação à manutenção de suas propriedades.
Verifica-se que muitos agricultores, até mesmo assentados rurais, têm arrendado suas
terras e feito parcerias com tais empresas, pois esta seria uma das únicas formas de
conseguirem manter-se economicamente.
Ao analisar tal realidade do campo brasileiro, percebe-se que os autores como
Marx e Engels estavam corretos a respeito do desaparecimento do campesinato, pois
neste sentido, o camponês e a agricultura familiar se tornam reféns da burguesia (classe
social conceituada pelos mesmos), em que o campesinato e também sua propriedade
rural são explorados pelo grande capital, o que o torna um operário na lógica marxista.
Apesar de suas adaptações ao mercado, a agricultura familiar encontra novos
desafios, e vem resistindo de maneira significativa às práticas levantadas pela economia
neoliberal. Partindo do pressuposto de que, todo desenvolvimento econômico implica
em um conflito ambiental, estes camponeses vêm se superando e fazendo frente ao
25
agronegócio através de formas de produção que não sejam tão agressivas ao meio
ambiente e que de certa maneira, ainda o insere no mercado. Assim, podemos
considerar inclusive que “a agricultura familiar deveria ser eleita núcleo do
desenvolvimento sustentável no espaço rural.” (MOREIRA, 2007, p. 163).
Neste sentido, chegamos às contribuições de Joan Martínez Alier. Segundo o
autor, a corrente de pensamento conhecida como “Ecologismo dos Pobres”, a qual
inclusive dá nome a uma de suas principais obras, surgem com a intenção de tratar a
natureza e o meio ambiente como formas imprescindíveis a sobrevivência e a
subsistência dos pobres na atualidade. Assim, nota-se o interesse e a participação cada
vez maior de movimentos sociais e agricultores familiares em adotarem este
pensamento e formas de produção conhecido como agroecologia.
Segundo Alier (2007),
No terceiro mundo, a combinação da ciência formal com a informal, a concepção de “ciência com pessoas”, antes que uma “ciência sem as pessoas”, caracteriza a defesa da agroecologia tradicional de grupos camponeses e indígenas, com os quais há muito que ser aprendido através de um autentico dialogo de saberes” (ALIER, 2007, p.36).
Por mais que os agricultores familiares não assumam, muitas vezes, um discurso
especialmente ambientalista, eles são fundamentais na construção de pensamento
complexo que relacione produção familiar, desenvolvimento e uso sustentável dos
recursos naturais. Isso tem sido reconhecido, sobretudo, a partir das convenções
internacionais que discutem a questão ambiental.
De outro lado, os movimentos de luta pela terra, como o MST (Movimento
Trabalhadores Rurais Sem-Terra) que declarou ser contra o cultivo de transgênicos, tem
um papel importante na preservação da sociobiodiversidade. Isso revela, ainda, o
combate a questões que podem colocar em risco a saúde da população e ao meio
26
ambiente além de repudiar ações de grandes empresas do agronegócio multinacional
como a Monsanto e a Syngenta que possuem grande representatividade no Brasil.
A partir de então, percebe-se que a visão ambientalista defendida por Alier, se
move em torno também dos grupos que são afetados pela produção em larga escala, que
utiliza práticas predatórias e ambientalmente insustentáveis ao longo do tempo e que são
complacentes ao Estado, o que torna a questão agrária um assunto repleto de grandes
dicotomias.
A agroecologia, ou economia ecológica, se sustenta em uma crítica à economia e
às práticas de produção convencional, adotadas por grande parte dos países do mundo e
que encontram respaldo no sistema capitalista. O que se propõe a partir de então, entre
outros fatores já mencionados, é a inclusão dos passivos ambientais na contabilidade
das empresas e até mesmo do poder público, o que tornará possível mensurar e corrigir
os impactos ambientais da região.
Por fim, falar em meio ambiente e questões fundiárias é ressaltar a importância
dos direitos humanos à saúde, educação, segurança alimentar, a trabalho e moradia.
Além disso, torna-se de suma importância a discussão acerca de como e onde estão
ocorrendo tais impasses de desenvolvimento ambiental e econômico principalmente nos
países do Sul, como o Brasil, retomando assim os embates acerca da dívida ecológica
bem como das trocas e relações comerciais desiguais, principalmente de produtos
primários internacionalmente.
1.2 A Reforma Agrária como via de desenvolvimento
A globalização, emergente a partir do século XX, é entendida entre muitos como
a quebra das barreiras territoriais, ampliação do mercado multinacional e do grande
27
acúmulo de riquezas, sendo todas essas características facilitadas pelos avanços da
comunicação, nos remeteu durante algum tempo a noção de que havíamos alcançado a
idéia de desenvolvimento econômico. Tal processo, também atingiu de maneira
determinante a produção agrícola e colaborou para a manutenção de uma estrutura
fundiária altamente concentradora.
Ao analisarmos não apenas a economia, mas também às questões sociais,
culturais e de acesso à população às condições mínimas de sobrevivência, nos
deparamos com a fome, a miséria, o desemprego e vários outros problemas deste
caráter, tanto nos centro urbanos quanto e, principalmente, no meio rural.
A diferença entre desenvolvimento e crescimento econômico é indispensável
para compreendermos a sociedade capitalista atualmente, bem como o modo de
produção vigente na sociedade. Neste sentido, estudiosos como José Eli da Veiga,
Amartya Sen e Celso Furtado, possuem pesquisas fundamentais para distinguir ambas
as idéias, o que nos auxilia “a nos defender dos falsos “consensos” que nos impingem as
metrópoles imperiais” (FURTADO, 2002, p.7).
O desenvolvimento já foi, e ainda é, muitas vezes, tratado apenas como algo
economicista, como por exemplo, o comparando ao PIB (Produto Interno Bruto) de um
país ou região, no qual envolve apenas o que se é produzido. Também é comum nos
depararmos com a noção de que o desenvolvimento é um mito ou até mesmo uma ilusão
utilizada como forma de alienação de alguns Estados.
Inicialmente, tomando como referência as contribuições de José Eli da Veiga
adotando como base o livro “Desenvolvimento Sustentável: o desafio no século XXI”
em que o conceito de desenvolvimento é amparado pelo de sustentabilidade, assim o
autor entende que desenvolvimento não deve ser entendido apenas pelos aspectos
econômicos e sociais, mas também por meio de um conjunto de características que
28
permite o entendimento da evolução humana no ambiente e quais são seus reflexos no
tempo e espaço.
É importante discutir se o desenvolvimento vem ou não sendo característica
principal das economias globais. Para Veiga (2005),
O desenvolvimento tem sido exceção histórica e não regra geral. Ele não é o resultado espontâneo da livre interação das forças do mercado. Os mercados são tão somente uma entre as várias instituições que participam do processo de desenvolvimento (VEIGA, 2005, p. 80).
A partir desta afirmação, pode-se perceber que a condição de desenvolvimento
não atinge a maior parte dos países do mundo, e assim fica clara a idéia de que o
crescimento econômico não deve ser considerado sinônimo deste processo, e sim uma
variante do mesmo.
Conclui-se, assim, que a quantificação do desenvolvimento é extremamente
complicada, visto que índices como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), PIB
ou o IDS (Índice de Desenvolvimento Social) apesar de trazer alguns aspectos sociais e
estruturais, não possuem a capacidade de mensurar a participação da população e
também dos movimentos socioterritoriais nas tomadas de decisões e sua liberdade de
ação em busca de melhores condições de vida e até mesmo de felicidade, assim, tais
valores simbólicos torna difícil a concepção através de índices e números.
Por outro lado, aparece a noção de desenvolvimento sustentável, ao qual o autor
se baseia na obra de SACHS (2002) que trabalha a sustentabilidade a partir de três
parâmetros básicos: “1) preservação do potencial da natureza para a produção de
recursos renováveis; 2)limitação do uso de recursos não renováveis; 3) respeito a realce
para a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais” (VEIGA, 2005, p.171).
29
Percebe-se que seguindo tais parâmetros para atingir o ápice do
desenvolvimento, é necessário fundamentalmente que se re-elabore e re-articule novas
concepções de produção agrícola bem como retomar a discussão referente à questão
agrária e fundiária brasileira.
Para VEIGA (2005), a adoção do termo desenvolvimento sustentável surgiu a
partir das necessidades de colocar em pauta que o crescimento econômico é muitas
vezes incompatível com o meio ambiente, e conseqüentemente, das necessidades de
mudanças de alguns paradigmas relacionados com o processo de industrialização e
mecanização do campo. O desenvolvimento sustentável pode ser considerado uma
utopia, numa referência direta ao autor, uma vez que se trata de um conjunto de planos e
metas que a sociedade moderna projeta para o futuro.
Já Furtado (2002), considera que no caso brasileiro, vários fatores são
condicionais para o (não) desenvolvimento do Estado nacional. Dentre eles, o autor
ressalta no início de seu livro “Em busca de novo modelo: reflexões sobre a crise
contemporânea” o endividamento externo construído historicamente e criado no intuito
de produzir a noção de “potência emergente”. Nesse sentido, parte dos recursos que
deveriam ser investidos no país é destinado ao pagamento da dívida o que compromete
diretamente a economia brasileira.
É importante salientar, que parte da divida assumida pelo Estado brasileiro
também se deu a partir da Revolução Verde, como forma de participar de maneira
íntegra dos novos “avanços” que a agricultura passava durante o período.
Grande parte do nosso “subdesenvolvimento” advém de um processo de
industrialização tardio amparado nos moldes e nos padrões europeus e norte-
americanos. Porém, o Brasil é um país cujas características tanto a nível econômico,
social e cultural, se distinguem de maneira considerável desses países que participam de
30
um modelo clássico de industrialização, o que acaba por tornar tal processo ainda mais
atrasado e repleto de contradições.
Tais incoerências são materializadas na desigualdade social que é refletida,
sobretudo, na carência alimentar e no padrão de consumo da sociedade brasileira. Desta
forma, partindo do pressuposto que desenvolvimento não pode ser confundido com
crescimento econômico, Celso Furtado defende que o legítimo desenvolvimento só
poderá acontecer onde ocorrer atenção e projetos voltados a extinguir a exclusão social.
Assim, temos que
[...] a maior preocupação industrial local é a de apresentar um artigo similar ao importado e adotar métodos de produção que o habilitem a competir com o importador. Assim sendo, os processos produtivos que se afiguram mais vantajosos são aqueles que permitem reproduzir com exatidão os artigos importados, e não os que facilitam a transformação da estrutura econômica pela absorção do setor de subsistência. (FURTADO, 2002, p. 31).
Desta maneira, uma das práticas possíveis para atingir uma menor exclusão
social e, conseqüentemente, alcançar um nível maior de desenvolvimento, é a
reestruturação fundiária a partir, principalmente, de políticas que estabeleçam, de
maneira direta, uma Reforma Agrária condizente com a realidade nacional.
Outra temática relevante nos trabalhos de Furtado é a noção de cultura. Como
vimos em VEIGA (2005), a lógica do desenvolvimento deve ser pautada também nos
fatores sociais ao qual se insere os aspectos culturais. Entende-se que quanto mais
acesso uma população possui aos bens culturais, mais se aproxima do conceito de
desenvolvimento. Contudo, a partir da difusão de um padrão cultural pré-estabelecido
pelas grandes potências mundiais, acabam por descaracterizar a cultura local e, portanto,
levar a uma crise de identidade. Então, pode-se afirmar que o Brasil se torna “frágil em
31
um mundo dominado por empresas transnacionais que tiram partido dessas
desigualdades.” (FURTADO, 2002, p. 42).
Resumidamente, através das análises realizadas das obras de Celso Furtado, é
possível pensar no ser - humano como um agente transformador da realidade em que
sua representatividade extrapola o “eu” e passa pelas questões organizacionais da
economia, da sociedade e do meio ambiente. Assim, o planejamento político de
desenvolvimento torna-se necessário, sobretudo, para que as pessoas tenham as mesmas
condições de acesso às atividades produtivas, a terra e a bens necessários para a
reprodução da vida.
Nota-se que a partir de uma leitura das obras, de Veiga como de Furtado, ambas
estão respaldadas nos escritos e as noção de desenvolvimento de Amartya Sen. Tal
embasamento teórico torna-se claro à medida que vão sendo construídas as idéias de
cultura e sustentabilidade.
Contudo, Sen enfoca como parte integrante do processo de desenvolvimento a
liberdade. Liberdade esta que, condicionaria os indivíduos a terem o poder de escolher o
que melhor atende suas necessidades e perspectivas de vida, sem imposição do Estado
ou até mesmo de modelos prontos e fabricados nos moldes de países economicamente
desenvolvidos.
Para que seja possível o cumprimento da liberdade, em que as pessoas possam
escolher o que consideram importantes para sua existência, Sen (200) trabalha com o
conceito de funcionamentos, que nada mais é do que o conjunto daquilo que o indivíduo
considera fundamental a sua existência e como alcançar tais preciosidades, ou seja, sua
capacidade de ação.
32
Entretanto, para que a capacidade se concretize é necessário que a população
esteja inserida em um ambiente participativo e democrático onde se faz imprescindível
o uso de liberdades políticas, facilidades econômicas e oportunidades sociais.
Temos assim, que o desenvolvimento conceituado por Sen (2000) é, “[...] a
eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as liberdades das
pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente” (SEN, 2000, p.10).
Enfim, torna-se extremamente difícil,
[...] entender como uma ordem mundial compassiva pode incluir tanta gente atormentada pela miséria extrema, pela fome persistente e por vidas miseráveis e sem esperança, e por que a cada ano milhões de crianças inocentes têm de morrer por falta de alimento, assistência médica ou social (SEN, 2000, p.320).
Este pensamento de Amartya Sen, retrata de maneira simples e dolorosa os
caminhos encontrados para um desenvolvimento justo e igualitário no momento atual e
que caracteriza muito o que foi buscado nas questões abordadas , e que enquanto não se
alcançar o desenvolvimento a partir também de políticas voltadas ao setor agrário,
entendido a partir dos conceitos trabalhados até então, não será possível almejar uma
melhor qualidade de vida e de acesso a bens fundamentais para a sobrevivência e
reprodução do campesinato
33
2 A LUTA PELA TERRA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
FORMAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS: a criação de
projetos nacionais de reforma agrária e o reflexo territorial no campo
mineiro
2.1 Considerações da luta pela terra no Brasil
Para entender melhor como se dá a luta pela terra no Brasil e o seu caráter
político atual, é necessário que se faça uma revisão histórica pela qual se possa
compreender a fundo o processo em que passou a formação e reestruturação da questão
agrária brasileira e, principalmente a questão fundiária.
Com a chegada dos portugueses ao Brasil, a terra recebeu um caráter novo, isto
é, passou de algo essencialmente natural, sem valor, para um meio de produção. Mesmo
que não tivesse valor comercial até a Lei de Terras de 1850, ela conseguia transferir
valor para os produtos originados dela. Portanto, podemos dizer que já apresentava,
mesmo sem ser mercadoria, um caráter mercadológico.
Com a chegada dos titulares das capitanias hereditárias no Brasil colônia, a
distribuição de terras aos sesmeiros (titulares das sesmarias) tornou-se uma prioridade,
pois foi a partir das sesmarias que a produção de açúcar, (plantations) se consolidou no
território. A partir deste momento, foi consolidada uma estrutura que passou a favorecer
o domínio das grandes propriedades no território nacional. Desde então, a sociedade
brasileira foi marcada pela concentração tanto de terra quanto de renda tornando-se, um
dos países com maior concentração de terras do mundo, o que se torna necessária a
discussão referente à limitação do tamanho da propriedade rural. Além disso, a não
34
existência de uma política de reestruturação e redistribuição dessas terras faz com que o
latifúndio, e atualmente o agronegócio, se torne cada vez mais um grande impasse
àqueles que dependem da terra para viver.
Apesar de se verificar durante toda a história do Brasil essa desigualdade quanto
à distribuição de terras e a hegemonia das grandes propriedades no campo brasileiro, as
resistências dos índios, escravos e trabalhadores rurais se mostraram durante todo o
período de colonização do país.
Outro fator que colaborou com tal desdobramento no setor rural brasileiro foi a
Lei de Terras estabelecida em 1850 que regulamentou o modelo da grande propriedade
no Brasil que é base legal até os dias atuais. Stédile (2005) afirma que:
Sua característica principal é, pela primeira vez, implantar no Brasil a propriedade privada de terras. Ou seja, a lei proporciona fundamento jurídico à transformação da terra – que é um bem da natureza e, portanto, não tem valor do ponto de vista da economia política – em mercadoria, em objeto de negócio, passando, portanto, a partir de então, a ter preço. A lei normatizou, então, a propriedade privada da terra. (STÉDILE, 2005, p. 22-23).
O caminho que a luta pela terra trilhou até a década de 1930 foi bastante
sacrificante. Várias guerras foram travadas durante todo o período: Palmares, Canudos,
Contestado, greves nos cafezais paulistas enfim, tantas outras batalhas que
reivindicavam por melhores condições de trabalho e acesso a terra no Brasil.
Em meados de 1945, ocorreu a formação das Ligas Camponesas. Naquele
momento que a luta pela terra no Brasil passa a constituir-se politicamente. Elas foram
criadas em vários estados brasileiros e organizaram milhares de camponeses a lutas
mais bem conduzidas e elaboradas. As mesmas eram vinculadas e dependentes do
Partido Comunista Brasileiro (PCB). “Em 1947, o governo Dutra declarou o PBC ilegal
35
e, como a repressão generalizada, as Ligas foram violentamente reprimidas, muitas
vezes pelos próprios fazendeiros e seus jagunços” (FERNANDES, 2000, p. 33).
Com o Golpe Militar de 1964, a tentativa do processo de Reforma Agrária então
iniciado pelo presidente João Goulart, foi totalmente extinguido. O autoritarismo
vivenciado na época era justificado como um “acelerador” da modernização. Porém,
segundo Becker (1994), “a modernização da agricultura foi extremamente desigual, com
implicações negativas nos preços dos alimentos e na renda real dos trabalhadores rurais”
(BECKER, 1994, p. 143).
O período da ditadura militar de 1964 a 1978 foi marcado pelo fim da
democracia e pelas incessantes repressões aos camponeses e suas lutas. Foi criado na
época pelo militares o Estatuto da Terra que tinha como função reter os conflitos
latifundiários e desarticular os camponeses. Toda construção e organização que os
trabalhadores até ali tinham constituído foram aniquiladas, os camponeses foram
reprimidos e violentados, quando não eram assassinados e exilados.
Todavia, não há opressão capaz de calar por muito tempo a população. Logo os
camponeses começaram a reagir e a resistir ao despotismo estabelecido. Já no final da
década de 1960 e início da de 1970, a luta pela terra emergiu. Como resultado nasceu
em 1975 a Comissão Pastoral da Terra, criada pela Igreja Católica com o compromisso
de ajudar as comunidades rurais. Já em 1979 começou a se formar na região sul do país
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) onde foram articuladas as
primeiras experiências de ocupações da terra no Brasil.
Desde então, a luta pela terra se intensifica em todo país. Movimentos sociais,
comissões e grupos de pessoas interessadas em combater as injustiças praticadas no
campo vêm crescendo a cada dia e com isso a luta pela terra vem tomando um caráter
cada vez mais político e social.
36
2.2 Os movimentos sociais de luta pela terra e suas atuações em Minas
Gerais
Para compreender o processo de formação e estruturação dos assentamentos
rurais mineiros, é imprescindível que inicialmente se discuta a ação dos movimentos
sociais de luta pela terra no estado, sendo os mesmos os grandes responsáveis pela
tentativa de reformular a estrutura fundiária atual.
A partir da análise da dinâmica de atuação dos movimentos socioterritoriais de
Minas Gerais, devemos compreender, antes de tudo, que estes são formados por pessoas
que possuem um anseio transformador em comum, principalmente quando este se diz
respeito à realidade em que vivem, travando, muitas vezes, embates nas esferas
políticas, físicas e legais, conforme destaca Fernandes (2004),
[...] movimento social e movimento socioterritorial são um mesmo sujeito coletivo ou grupo social que se organiza para desenvolver uma determinada ação em defesa de seus interesses, em possíveis enfrentamentos e conflitos, com objetivo de transformação da realidade. (FERNANDES, 2004, p.52).
Dessa forma, alguns movimentos transformam espaços em territórios, também
se territorializam e são desterritorializados e, por conseguinte, se reterritorializam,
carregando em suas ações pretensões de suas territorialidades.
Lembramos que a transformação do espaço em território acontece por meio da
conflitualidade, sendo que os territórios se movimentam, também, pela mesma, uma vez
que as formas de organização social, as relações e as ações acontecem no espaço, como
apontado por Fernandes (2004).
37
Assim, o conceito de movimento socioterritorial é uma tentativa de
desfragmentação do espaço e do território. Pode-se, então, fazer uma leitura mais ampla
a partir do conceito de movimento socioterritorial, pois conforme destaca Fernandes
(2004) “ela sempre será uma leitura parcial, porque a totalidade da realidade é um
processo coletivo que só pode ser compreendida no movimento de todos”
(FERNANDES, 2004, p.53).
A existência de inúmeros movimentos socioterritoriais no Brasil é uma
realidade. Porém, muitos deles, são formados para realizarem apenas uma ocupação, e
logo depois não há mais atuação. Também, existe o caso de movimentos que se
configuram apenas como socioespaciais, não ocupando terras diretamente. Assim, os
movimentos,
[...] são agências de mediação, [...] são sempre representações da reivindicação, de espaços e ou de territórios[...] Não são sujeitos reivindicando um território. [...] são entidades de apoio ou contrárias aos movimentos socioterritoriais e socioespaciais, são agências intermediárias, que produzem espaços políticos e se espacializam. (FERNANDES, 2005, p. 31).
Em Minas Gerais, surgiram de 1988 (ano em que inicia o processo de obtenção
de dados referentes às ocupações) a 2009, de acordo com o Projeto DATALUTA–MG1,
mais de 26 movimentos socioterritoriais atuantes em todo o estado, 477 foram
realizadas por movimentos nomeados, e 154 ocupações efetuadas por movimentos com
nomes não identificados ou por quilombolas e indígenas, visto que esta nomenclatura é
abrangente e pode ser designada a mais de um movimento que possui certa identificação
com os mesmos. Juntos, os movimentos sociais de luta pela terra foram responsáveis
por 641 ocupações de terras, conforme os dados do Quadro 1.
1 O projeto é responsável por catalogar as ocupações de terras em Minas Gerais e, por conseguinte, os movimentos que participam dessas ações.
38
Movimentos Socioterritoriais Ocupações Famílias
Municípios
com Ocupações
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
224 26349 86
N.I – Não Informado 146 11535 66
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
103 7522 57
MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra 35 6441 10
LCP – Liga dos Camponeses Pobres 22 1802 17
LOC – Liga Operária Camponesa 19 1323 10
MTL – Movimento Terra Trabalho e Liberdade 15 1455 5
FETRAF – Federação da Agricultura Familiar 10 480 4
Quilombolas 6 637 3
MLSTL – Movimento de Libertação dos Sem Terra de Luta
5 665 4
MPST – Movimento Popular pelos Sem Terra 5 547 3
MLT – Movimento de Luta pela Terra 5 202 4
ACRQBC – Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo Brejo dos Crioulos
4 370 2
MPRA – Movimento pela Reforma Agrária 4 256 2
OTC – Organização de Trabalhadores no Campo 3 330 3
Via Campesina 3 240 1
CPT – Comissão Pastoral da Terra 3 160 2
FST – Fórum Sindical dos Trabalhadores 2 200 1
OLST – Organização pela Libertação dos Sem Terra 2 180 1
CLST – Caminho de Libertação dos Sem Terra 2 91 2
ACRQ – Associação das Comunidades dos 2 80 2
39
Remanescentes de Quilombos
MTR – Movimento dos Trabalhadores Rurais 2 79 1
Índios 2 78 2
CCL – Comissões Camponesas de Luta 1 100 1
ACUTRMU – Associação Comunidade Unida e Trabalhadores Rurais
1 40 1
MTST – Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto 1 35 1
MAB – Movimentos dos Atingidos por Barragens 1 26 1
ASTST – Associação dos Trabalhadores Sem Terra 1 20 1
MLUPT – Movimento Luta Unida pela Terra 1 6 1
ASTT 1 5 1
Quadro 1: Minas Gerais: Movimentos Socioterritoriais Atuantes no Estado, Número de Ocupações, Famílias e Municípios com Ocupações de 1988 a 2009 Fonte: LAGEA, DATALUTA-MG, 2009. Org.: SOUZA,L.C. 2010.
Dentre os movimentos apresentados, observa-se que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST foi o mais atuante em Minas Gerais entre os
anos de 1988 a 2009, realizando 224 ocupações de terras (cerca de 35% do total) e
mobilizando também o maior número de famílias nessas ocupações (que totalizam
26349), o que representa 43% do total.
No entanto, esse número de famílias não expressa diretamente o número de
famílias que foram assentadas ou até mesmo que estão no movimento, mas sim o
somatório de famílias que participaram das ocupações registradas de 1988 a 2009 em
Minas Gerais. Isto se explica pelo fato de que antes mesmo de conquistarem a terra,
muitos são aqueles que acabam por desistir de seus lotes pelas dificuldades encontradas
no período de acampamento, ou também pode acontecer de algumas famílias se
40
deslocarem para outros acampamentos para mobilizar mais força durante o período da
ocupação.
Quando espacializados os dados dos municípios ocupados pelos movimentos de
luta pela terra com mais de 10 ocupações no estado, verificamos as diferentes coberturas
espaciais que estes desenvolvem, são eles: MST, CONTAG, MLST, LCP, LOC, MTL e
FETRAF (Mapa 1).
Mapa 1 – Minas Gerais: Espacialização Municipal dos Principais Movimentos de Luta pela Terra com Maior Número de Ocupações de 1988 a 2009.
41
Essa espacialização e atuação dos movimentos em Minas nos remetem à teoria
do processo geográfico dos movimentos de luta pela terra, no qual os movimentos
socioterritoriais podendo ser classificados como movimentos isolados ou
territorializados.
Segundo Fernandes (2005), os movimentos socioterritorias isolados são aqueles
que atuam em uma determinada microrregião ou num espaço geográfico equivalente
(2005, p. 32) como municípios concentrados, e os movimentos socioterritorias
territorializados, segundo o próprio Fernandes são,
[...] aqueles que atuam em diversas macrorregiões e formam uma rede de relações com estratégias políticas que promovem e fomentam a sua territorialização. Todos os movimentos territorializados começam como movimentos isolados. Estes ao se territorializarem e romperem com a escala local, se organizam em redes e ampliam suas ações e dimensionam seus espaços. (FERNANDES, 2005, p. 31).
Dessa forma, constatamos que, através do número de ocupações e de municípios
ocupados pelos movimentos é possível traçar um panorama de quais movimentos
podem ser classificados como isolados e territorializados no estado.
Para isso, considerou-se que os movimentos isolados seriam aqueles com até
cinco municípios ocupados e os movimentos territorializados seriam os que possuíssem
mais de seis municípios com registros de ocupações, entre os anos de 1988 a 2009
(Quadro 2). Para essa análise, foram excluídos os movimentos com nomes não
identificados, os movimentos Quilombolas e Indígenas, uma vez que seria errôneo tratá-
los apenas como um movimento.
42
Classificação Sigla do Movimento
Territorializados CONTAG, FETRAF, LCP, LOC, MLST, MST e MTL
Isolados
ACRQ, ACRQBC, ACUTRMU, ASTST, ASTT, CCL, CLST, CPT, FST, MAB, MLSTL, MLT, MLUPT, MPRA, MPST, MTR, MTST, OLST, OTC e Via Campesina
Quadro 2: Classificação dos Movimentos Socioterritoriais atuantes em Minas Gerais Fonte: LAGEA, DATALUTA-MG, 2009. Org.: SOUZA,L.C. 2010.
A partir dos dados apresentados, é possível concluir a importância de se estudar
a espacialização da luta pela terra em Minas Gerais e como este estado, tem grande
representatividade no que tange a formação e atuação de vários movimentos
socioterritoriais.
Assim, verificamos a existência sete movimentos socioterritoriais
territorializados e de 20 movimentos socioterritoriais isolados no estado de Minas
Gerais de 1988 a 2009.
Além disso, apesar de se mostrarem numerosos e, muitas vezes, desarticulados,
pois alguns são desmembramentos de movimentos maiores, verifica-se que a quantidade
de movimentos representa a importância da luta pela terra no estado de Minas Gerais e
que a atuação destes movimentos é verdadeiramente responsável pela distribuição de
terras e formação grande parte dos assentamentos rurais no campo mineiro.
2.3 As políticas de 1986 a 2009 de Reforma Agrária e a criação dos
assentamentos rurais em Minas Gerais
As políticas públicas referentes à Reforma Agrária possuem amplo alcance e um
expressivo impacto, tanto social quanto econômico, e com distintos níveis de
articulação, têm a habilidade de alavancar um novo padrão de desenvolvimento rural,
43
em todo o território. Por outro lado, elas ainda são marcadas pela exclusão, pela
dominação e pela fragilidade perante o Estado.
O tema do desenvolvimento rural ocupa espaço considerável no debate
acadêmico e no bojo das políticas públicas nacionais em diversos países do mundo. No
Brasil, notadamente a partir da década de 1960, não apenas o debate, mas especialmente
a ação pública ficou bastante concentrada em uma visão produtivista, deixando ao largo
questões sociais, dentre elas, a mais importante: a questão agrária. Contudo, as
discussões sobre concentração fundiária, luta pela terra e Reforma Agrária continuam
sendo temas além de importantes, bastante controversos no debate acadêmico.
É inegável o avanço agrícola pelo qual passou o país como um todo e mais
especificadamente, o estado de Minas Gerais. Porém, os impactos positivos da
modernização agrícola não se estenderam à totalidade do meio rural. O país não contou
com políticas consistentes de Reforma Agrária que visasse uma distribuição mais justa
de ativos fundiários. A elevada produtividade da agricultura brasileira, a partir da
modernização agrícola, fortaleceu o argumento de que mudanças na estrutura agrário-
produtiva do campo estariam ultrapassadas. Mesmo na ausência de política de Reforma
Agrária, no período principalmente no período pós ditatorial que foram criados grande
parte dos assentamentos rurais no país e em Minas Gerais.
As análises subseqüentes retomarão o período de 1986 a 2009, em que se
estabelecem as primeiras políticas voltadas essencialmente à questão agrária como a
elaboração do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), o surgimento da atuação
dos movimentos socioterritoriais em Minas Gerais e concomitantemente a formação dos
primeiros assentamentos, além da disponibilidade de dados para este mesmo período.
Com isso, os governos analisados são respectivamente José Sarney, Collor,
Itamar, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Assim é possível a partir dos dados
44
referentes à criação dos assentamentos (Gráfico 1) perceber a importância das políticas
públicas e as ações governamentais na criação dos assentamentos mineiros.
Gráfico 1: Criação de assentamentos em Minas Gerais por período governamental Fonte: LAGEA, DATALUTA-MG, 2010. Org: SOUZA, L.C., 2010
Como pode ser observados através do gráfico, existem entre os períodos
governamentais demonstrados, momentos em que a criação de assentamentos rurais foi
negligenciada, como durante o mandato de José Sarney e Collor/Itamar enquanto que
em outros, houve um significativo aumento nos assentamentos rurais em Minas Gerais,
como nos primeiros mandatos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Assim, a análise das políticas públicas de Reforma Agrária é fundamental para análise
da questão agrária brasileira e compreender como se configura a luta pela terra no
estado.
45
2.3.1 O Governo José Sarney (1985 a 1989): os impactos do I PNRA e o
surgimento dos primeiros assentamentos mineiros
No início do seu mandato, em 1986, o então Presidente da Republica José
Sarney, criou em seu governo o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário
(MIRAD) e também elaborou um plano pautado sobre o Estatuto da Terra que visava
em sua íntegra, a redemocratização da distribuição da terra no país, esse plano ficou
conhecido como Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Segundo Stédile (2005),
O PNRA buscava, a principio, atender às demandas sociais mais urgentes no âmbito rural, visando a desapropriação que permitissem o assentamento de trabalhadores sem terra nas áreas de maior potencial de conflito do país, sobretudo no Norte - Pará e Maranhão – e o Nordeste. Sintomaticamente, no entanto, os mais virulentos ataques ao PNRA partiram – para surpresa de seus idealizadores – não de latifundiários “tradicionais”, mas justamente de São Paulo, capitaneando outros Estados “desenvolvidos” do Sul e Sudeste. (STÉDILE, 2005, p. 92)
Além da redemocratização quanto ao acesso e à distribuição de terra, o plano
estabelecia metas de longo, médio e curto prazo quanto à extensão das áreas a serem
desapropriadas e o número de famílias a serem assentadas propondo, assim, o
estabelecimento de zonas prioritárias de Reforma Agrária em todo território brasileiro.
Porém, diante de pressões contrárias à Reforma Agrária, o PNRA sofreu
alterações significativas, dificultando assim grande parte do processo de desapropriação.
Segundo estudo, “o número de beneficiários de projetos de Reforma Agrária no final do
governo Sarney (1990) não atingiu 10% da meta inicial” (RANIERI, 2003, p. 13).
Mesmo com um baixo número de assentamentos concluídos e efetivados, foi
nesse período, mais especificadamente no ano de 1986, que se estabeleceram os
primeiros assentamentos rurais no estado de Minas Gerais (Tabela 1).
46
Tabela 1: Assentamentos Rurais Criados no Estado de Minas Gerais Durante o Governo Sarney (1986 a 1989)
Mesorregião Município Nome Do
Assentamento
Capac. De
Famílias Obtenção Criação
Forma de obtenção
Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba
Limeira Do Oeste
PA Iturama 131 1985 1986 Desapropriação
Noroeste De Minas
Unaí PA Palmeirinha 174 1984 1986 Desapropriação
Norte De Minas
Urucuia PA Vereda Grande 250 1983 1986 Desapropriação
Jequitinhonha
Padre Paraiso PA Córrego Comprido 43 1986 1987 Desapropriação
Jequitinhonha
Pedra Azul PA Aliança 95 1986 1987 Desapropriação
Noroeste De Minas
Unaí PA Bálsamo 63 1986 1987 Desapropriação
Norte De Minas
Manga PA Japoré 102 1987 1988 Desapropriação
Norte De Minas
Riachinho PA São João Do
Boqueirão 600 1987 1988 Desapropriação
Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba
Santa Vitória PA Cruz e Macaúbas 24 1987 1988 Desapropriação
Noroeste De Minas
Arinos PA Mimoso 59 1988 1989 Desapropriação
Norte De Minas
Riachinho PA Brejo Verde 63 1988 1989 Desapropriação
Norte De Minas
Verdelândia PA Boa Esperança 30 1988 1989 Desapropriação
Fonte: Projeto DATALUTA, 2009. Org. SOUZA, L.C., 2010
De acordo com os dados da tabela 1, podemos observar que o número de
assentamentos foi muito pequeno, quando comparado com a real demanda e com a
grande concentração fundiária situada em Minas Gerais. Apenas quatro, das 12
mesorregiões mineiras, foram contempladas com assentamentos rurais, sendo elas
Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba, Noroeste de Minas, Norte de Minas e
Jequitinhonha. Porém, vale ressaltar que mesmo com poucos assentamentos criados no
período, todos ocorreram a partir de desapropriações de terra, ou seja, com a
redistribuição de terras que não estavam exercendo seu papel social, de acordo com a
Constituição Federal.
47
2.3.2 O Governo Collor e Itamar (1990 a 1994): a extinção de uma proposta
de Reforma Agrária
No governo Collor (1990-1992), o MIRAD foi extinto e, juntamente com o
órgão, a proposta de Reforma Agrária, visto que, durante o período, não foram
realizadas criações de assentamentos através de desapropriações de terras, sendo obtido
e criado em Minas Gerais apenas o PA João Pinheiro, no município de Funilândia,
através de um processo de doação de terras.
No governo seguinte, de Itamar Franco (1992-1994), as iniciativas de projetos de
Reforma Agrária foram resgatadas. A partir de uma medida emergencial, o Governo
retomou a desapropriação para fins de Reforma Agrária e criou o Programa de
Valorização da Pequena Produção Rural – PROVAP, cujo objetivo era destinar créditos
com taxas mais baixas aos agricultores familiares. Porém, os recursos do Programa
eram concedidos pelo BNDES, o que dificultava, aos pequenos produtores, atenderem
as exigências do sistema financeiro. Na tabela seguinte, apresentam-se a relação dos
assentamentos criados em Minas Gerais e a forma como foram legitimados durante os
governos Collor e Itamar.
Tabela 2: Assentamentos Rurais Criados no Estado de Minas Gerais Durante os Governos Collor e Itamar (1990 a 1994)
Mesorregião Município Nome Do
Assentamento
Capac.
De
Famílias
Obtenção Criação Forma
Jequitinhonha Minas Novas PA Adrião Capivari 14 1992 1992 Compra
Norte De Minas
Urucuia PA Água Branca 20 1991 1992 Desapropriação
Jequitinhonha Novo Cruzeiro PA Aruega 24 1988 1992 Desapropriação
48
Noroeste De Minas
Bonfinópolis
De Minas PA Assa Peixe 50 1989 1992 Desapropriação
Metropolitana De Belo Horizonte
Funilândia PA João Pinheiro 21 1991 1991 Doação
Jequitinhonha Sen. Modestino
Gonçalves PA Lagoa Bonita 53 1988 1991 Desapropriação
Norte De Minas
Jaíba PAMocambinho 176 1986 1992 Reconhecimento
Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba
Campo Florido PA Nova Santo
Inácio Ranchinho 118 1991 1994 Desapropriação
Norte De Minas
Januária PA Picos Januária 65 1989 1992 Desapropriação
Noroeste De Minas
Pres. Olegário PA Prata Dos Netos 21 1988 1991 Desapropriação
Vale Do Mucuri
Itaípe PA Santa Rosa/
Córr. das Posses 34 1992 1992 Desapropriação
Noroeste De Minas
Unaí PA São Pedro Cipó 80 1988 1992 Desapropriação
Norte De Minas
Montalvânia PA Vaca Preta 85 1989 1991 Desapropriação
Jequitinhonha Minas Novas PA Adrião Capivari 14 1992 1992 Compra
Fonte: Projeto DATALUTA, 2009. Org. SOUZA, L.C., 2010
Como demonstram os dados, foram criados e obtidos apenas seis assentamentos
no período de 1990 a 1994, sendo que dois foram obtidos por compra, um por doação e
quatro por desapropriação de terras. Os oito assentamentos relacionados na tabela foram
apenas legitimados no período, ou seja, já haviam sido obtidos pelo governo anterior.
Na mesorregião Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, foi criado apenas um assentamento,
na cidade de Campo Florido, o PA Nova Santo Inácio Ranchinho com capacidade para
118 famílias.
49
2.3.3 O Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002): o
neoliberalismo e a Reforma Agrária de Mercado
Durante o Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), foi adotada uma
política neoliberal que na área rural, que dentre suas características destaca-se a
prioridade da produção para atender o mercado externo, deixando em segundo plano o
abastecimento interno. Além disso, o fato do Estado não intervir de forma direta na
economia, fez com que a economia agrícola brasileira se subordinasse aos interesses dos
países mais ricos e das grandes transnacionais que monopolizam o setor de produção de
insumos e o comércio de produtos nesse setor. Segundo Alentejano (2004) houve
durante aquele período,
Eliminação praticamente absoluta das restrições às importações (inclusive de produtos agrícolas); abertura para a entrada maciça do capital estrangeiro, particularmente os de natureza especulativa, provocando forte vulnerabilidade; crescimento da dívida externa, apesar do pagamento de juros crescentes; entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro através do processo de privatização. Somados, estes processos se traduzem num aumento da vulnerabilidade brasileira frente às grandes empresas transnacionais e às principais potências estrangeiras, particularmente, os EUA (ALENTEJANO, 2004, p.3).
Percebendo que as medidas usadas no governo FHC acabariam dificultando o
processo de Reforma Agrária no país, os movimentos sociais de luta pela terra se
organizaram e reivindicaram por melhores condições de vida no campo. A pressão feita
pelos movimentos sociais com a ampliação das ocupações nesse período pressionou o
governo FHC a ampliar as áreas de assentamento (Mapa 2) e também alguns programas
sociais voltados ao campo como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
50
Familiar (PRONAF); o Programa de Geração de Emprego e Renda Rural (PROGER
RURAL) e a Previdência Rural. -50
-50
-45
-45
-40
-40-20 -20-15 -15
N
50 0 50 Kilometers
Nº de Assentamentos01 - 45 - 89 - 1213 - 17
Mesorregiões
LEGENDA
Fonte: LAGEA, DATALUTA-MG, 2009.Base: www.geominas.com.br, 2009.Org.: GONZAGA, H. T.; SOUZA, L. C. 2009.
Mapa 2 – Assentamentos criados durante o governo de FHC de 1995 a 2002
Porém, grande parte desses programas não passaram de medidas compensatórias
e que o os financiamentos de custeio com recursos do programa apresentaram encargos
totais muito superiores a todas as taxas que aferem o processo inflacionário. Além disso,
foi atestado que o financiamento era destinado apenas aos produtores que eram
integrados às empresas agroindustriais ou por cooperativas por elas ministradas. Para
Fernandes (2001),
Essas políticas têm o capital e o mercado como principais referências, de modo que procura destituir de sentido as formas históricas de luta dos trabalhadores. A luta pela terra, que tem como princípio o enfrentamento ao capital, defronta-se com esse programa, por meio do qual pretende convencer os pequenos agricultores e os sem-terra a aceitarem uma política em que a integração ao capital seria a melhor forma de amenizar os efeitos da questão agrária (FERNANDES, 2001, p.21).
51
Outro marco importante no Governo FHC foi a criação do Banco Terra. O
projeto constituía-se em um mecanismo criado para compra e venda de terras destinadas
a Reforma Agrária através do Banco Mundial, assim temos que
As políticas do Banco Mundial voltaram-se para ações que pudessem promover alguma desconcentração deste bem, a fim de contribuir nesse sentido. Outra motivação diz respeito aos baixos investimentos realizados no meio rural [...] logo nada mais oportuno que promover programas voltados para a atração de investimentos privados para essas áreas rurais que se articulem. Por fim, a preocupação, meramente retórica de redução ou alivio da pobreza (e não com sua eliminação). (RAMOS FILHO, 2005 p.03)
Mais uma vez atuação do Governo foi criticada, pois além de encarecer o preço
da terra, o processo de arrecadação de terras e seleção das famílias era descentralizado,
ou seja, ficava sob responsabilidade dos municípios gerando assim um fortalecimento
das elites locais e dificultando a pressão popular que reivindicava uma Reforma Agrária
que não fosse à de mercado adotada pelo presidente.
2.3.4 O Governo Luiz Inácio da Silva (2003 a 2010): o apoio dos movimentos
sociais de luta pela terra e a manutenção das políticas de Reforma Agrária
Foi nesse cenário que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência da
República no ano de 2003, com o apoio de grande parte das entidades populares de luta
pela terra. Tal apoio fez com que entidades, como o MST e a Contag, tivessem o poder
de indicar pessoas influentes, dentro de suas coordenações, a assumirem cargos
importantes dentro do Governo, como os presidentes do Incra e MDA.
Mesmo com a significativa participação dos movimentos, durante o Governo
Lula, a bancada ruralista foi responsável por indicar o nome que assumiria o Ministério
52
da Agricultura, o que manteve o padrão de desenvolvimento no campo voltado
essencialmente para agronegócio e a exportação. Além disso,
Com o forte apoio da mídia, os ruralistas mobilizaram-se contra a política agrária do governo Lula e conseguiram anular a primeira desapropriação executada no município de São Gabriel, no Estado do Rio Grande do Sul. Também se organizaram em todo o país, realizando marchas a cavalo ou carreatas, cercando acampamentos de famílias sem-terra e obstruindo estradas com o gado. Com a intensificação da reação dos ruralistas, aumentou o número de trabalhadores sem-terra mortos por pistoleiros. (FERNANDES, 2003, p.38)
Durante sua campanha, Lula apresentou um plano de metas para o setor agrário
brasileiro. Dentre essas estavam: a ampliação do programa de fortalecimento da
agricultura familiar e dos assentamentos de Reforma Agrária; o crédito rural; educação
para o meio rural; luz para todos; associativismo e cooperativismo entre tantas outras
que, como a maioria destas citadas, não conseguiu alcançar seu objetivo, pois,
A Reforma Agrária no governo Lula não tem capacidade de alterar a estrutura fundiária. Os únicos resultados positivos se referem ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o que é pouco para sustentar a afirmativa de que Reforma Agrária de qualidade está a ser efetivada. O que ainda diferenciava o governo Lula dos demais era a sua postura em relação aos movimentos sociais. Agora, nem isso. Sua política é inócua ao latifúndio. Não atinge o monopólio da terra (CARVALHO FILHO, 2006, s/p).
Porém, dentre as políticas adotadas durante o período, a que mais teve destaque
foi à elaboração do o II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA), que retomava a
necessidade de se estabelecer políticas coerentes voltadas ao pequeno produtor e a
criação de novos assentamentos rurais no Brasil (Mapa 3).
53
Mapa 3 – Assentamentos criados durante o Governo de Lula de 2003 a 2009
O II PNRA foi concebido com a participação dos movimentos sociais. Porém,
mais uma vez, as metas do programa não foram atingidas em sua totalidade,
É possível perceber a critica de diversos setores da sociedade, tais como a Igreja Católica, partidos políticos, dentre outros, em relação a política adotada pelo Governo Lula. Em vez de realizar mudanças na estrutura agrária, com políticas públicas de criação e desenvolvimento de assentamentos, preferiu apoiar e incentivar ainda mais o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. (CARDOSO, 2010, p. 27)
Além disso, muitos dados foram inflados, maquiando assim a realidade do
campesinato brasileiro. Segundo Oliveira
“[...] tudo indica tratar-se de reconhecimento das famílias já assentadas para fins de sua inserção nas políticas do governo, mas nunca, novos assentamentos do governo LULA. São, portanto, casos típicos de reordenação de assentamentos antigos“ (OLIVEIRA, 2006).
54
Assim, considerando as recentes políticas de Reforma Agrária abordadas no
presente trabalho, podemos, verificar a participação efetiva dos governos federais na
implementação de assentamentos rurais no estado de Minas Gerais (Tabela 3).
Tabela 3: Número de Assentamentos Criados pelos Governos e participação de Minas Gerais de 1985 a 2009
Anos Governos
Assentamentos criados Relação do n° de assentamentos
criados em MG e no Brasil (%)
MG Brasil
1985 - 1989 SARNEY 12 516 2,3
1990 - 1994 COLLOR / ITAMAR
13 369 3,5
1994 - 1998 FHC 1 102 2329 4,4
1998 - 2002 FHC 2 85 1975 4,3
2002 - 2006 LULA 1 108 2383 4,5
2006 - 2009* LULA 2 29 836 3,4
TOTAL 349 8408 4,1
Fonte: PROJETO DATALUTA, 2009. Org.: SOUZA, L. C., GONZAGA, H.T.; 2010.
Estes expressivos números explicam-se pelo fato de que Minas Gerais ainda ser
um estado com grande concentração fundiária, o que torna a criação de assentamentos
rurais uma necessidade. Tal fator justifica a alta concentração de assentamentos rurais,
principalmente nas mesorregiões do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba e Norte de
Minas, sendo um dos principais motivos da concentração dos assentamentos, nessas
regiões, a grande concentração fundiária e as políticas de incentivo ao agronegócio,
fazendo, desta maneira, com que as ocupações de terra, nesses locais, sejam mais
pontuais e numerosas.
55
Devemos compreender os assentamentos como uma forma de representação
territorialmente construída, ou seja, são os espaços produzidos pelos movimentos
socioterritoriais. No entanto, as políticas (compensatórias) de criação de assentamentos
rurais têm sido implantadas a partir da concepção de mundo neoliberal exercida pelos
governos, nas últimas décadas
Além disso, grande parte dos assentamentos rurais mineiros ainda possuem
grandes dificuldades quanto suas formas de organização e permanência do trabalhador
no campo. Tais barreiras são encontradas independentemente do ano de criação desses
assentamentos, evidenciando a ineficácia e até mesmo ausência de políticas públicas
compatíveis com a real necessidade do sem-terra e da concretização de uma agricultura
familiar sólida.
Apesar de apresentar números significativos no que tange à questão agrária
como um todo, é importante ressaltar que os números de assentamentos rurais existentes
no estado de Minas Gerais ainda são muito inferiores a real necessidade e que a região
exige, o que torna a luta e a conquista pela terra um processo que demanda dos
movimentos muita articulação, lutas e sacrifícios.
Assim, o presente trabalho busca, através da pesquisa de campo, compreender
como se estabelece a estrutura e a organização nos assentamentos rurais, bem como as
famílias, agora assentadas, enfrentam novos desafios no pós-conquista da terra. Para
isso, foram analisados quatro assentamentos rurais localizados na mesorregião
Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba criados em períodos governamentais diferentes,
sendo possível, uma análise comparativa das políticas públicas efetivamente
implementadas e seus impactos territoriais.
56
3 CARACTERIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS EM
ASSENTAMENTOS RURAIS NO TRIÂNGULO MINEIRO/ ALTO
PARANAÍBA
Os assentamentos analisados foram escolhidos pela forma de obtenção, ano de
criação e histórico de luta. Para tanto, utilizou-se como base inicial de dados o projeto
DATALUTA. Neste primeiro momento foram coletadas informações no que se refere à
localização, o ano de criação, a área do assentamento e a capacidade de famílias
assentadas.
No momento da escolha dos assentamentos, houve a preocupação em selecionar
aqueles próximos do município de Uberlândia e também criados em períodos
governamentais diferentes, pois além da facilidade de locomoção para as visitas de
campo, também como parte metodológica, se sustenta de maneira mais eficiente uma
análise comparativa.
Posteriormente, por meio de pesquisas bibliográficas, foram utilizados trabalhos
e pesquisas que analisavam os assentamentos escolhidos, facilitando assim uma análise
mais aprofundada sobre o tema. Em uma etapa final foram realizados trabalhos de
campo onde foi possível vivenciar o cotidiano das famílias assentadas através de
entrevistas e conversas com lideranças e a comunidade assentada como um todo.
3.1 PA Cruz e Macaúbas – Santa Vitória
O PA Cruz e Macaúbas localiza-se no município de Santa Vitória, próximo ao
distrito de Chaveslândia, ambos localizados na mesorregião Triângulo Mineiro/ Alto
57
Paranaíba, com uma distância de aproximadamente 50 km da sede municipal e 25 km
da sede do distrito.
O assentamento foi criado em 1986 durante o período de governo de José
Sarney, sendo um dos primeiros PA´s implementados em Minas Gerais. Desta
maneira, sua forma de obtenção foi bastante peculiar e diferenciada da maioria dos
assentamentos rurais da região.
A Fazenda Cruz e Macaúbas pertencia ao fazendeiro Joaquim Júlio que há
muito tempo não produzia no local. Após laudos realizados pelo INCRA, em 1986, foi
constatado que a fazenda, de aproximadamente 693 hectares, não estava cumprindo
com sua função social e assim, estaria passível de desapropriação.
Como forma de agilizar o processo de desapropriação da fazenda, o Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Santa Vitória realizou uma ocupação relâmpago que,
segundo informações de um dos assentados do PA Cruz e Macaúbas, que participou da
ação, esta foi aconselhada pela INCRA, que cerca de 11 pessoas permaneceram
acampadas por 10 dias na área. Após o período, o INCRA realizou a ordem de despejo
do proprietário.
Em 1989, através de sorteio, foram selecionadas as famílias assentadas e
divididos os lotes da fazenda. Inicialmente foram assentadas 24 famílias, todas ligadas
ao STR da região, em lotes que variam de 22 a 35 hectares. Vale ressaltar que o
módulo rural da região é de 30 hectares, ou seja, alguns lotes possuem área inferior a
um módulo, o que dificulta a produção para o auto-consumo.
Por ter sido o segundo assentamento rural criado na região do Triângulo
Mineiro/ Alto Paranaíba, todo o processo legal foi bastante rápido. Após um ano, os
assentados receberam o um incentivo governamental, no valor de R$20.000,00, o que
os auxiliou na construção de casas e na compra de sementes e gado. Já em 1992, três
58
anos após a divisão e distribuição dos lotes às famílias, o assentamento foi
emancipado.
Todavia, segundo alguns assentados, tal processo não contribuiu, de maneira
significativa, para as famílias, de uma maneira geral, visto que, depois de emancipado,
o assentamento perdeu alguns recursos. Desta maneira, acredita-se que a emancipação
ocorreu pela de articulação de alguns grandes fazendeiros da região, como forma de
desestabilizar o assentamento, visto que, após a emancipação, os assentados tiveram
que pagar seus lotes além de deixarem de receber alguns benefícios.
O PA Cruz e Macaúbas também contou, por algum tempo, com uma escola no
interior do assentamento, que atendia crianças de toda a região. Porém, em 2002, a
escola foi deslocada para o PA Nova Jubran, também localizado em Santa Vitória,
devido a uma maior demanda de alunos e crianças em idade escolar. Atualmente
(2010), a escola foi nomeada Escola Municipal Luiz Dib e atende um total de 100
crianças da educação infantil, até o nono ano, e segue um regime convencional de
ensino.
Durante as décadas de 1980 e 1990, o principal produto cultivado no
assentamento era a mandioca. Seguindo certa tendência da regional, todos os lotes têm,
como principal fonte de renda, a criação de gado de corte e também leiteiro. Porém, o
gado não é suficiente para o abastecimento das famílias; desta forma, também há
produção de hortaliças, fabricação de polvilho e criação de peixes.
Além disso, grande parte dos produtores trabalham em uma usina de cana-de-
açúcar que se localiza próxima ao PA Cruz e Macaúbas, como forma de garantir a
manutenção das famílias, visto que a falta de incentivos faz com que a produção seja
insuficiente para as necessidades daquelas.
59
Recentemente (2010), restam apenas oito famílias que participaram da
formação do assentamento desde o princípio. Cerca de 16 lotes foram vendidos para
terceiros, sendo que dois destes foram arrendados para a produção de cana-de-açúcar.
Assim, podemos verificar que, apesar de inicialmente o processo de desapropriação da
fazenda e emancipação do assentamento ter acontecido de maneira ágil, isto não foi o
suficiente para que as famílias permanecessem na terra e ali constituíssem uma
agricultura familiar sólida.
3.2 PA Nova Santo Inácio Ranchinho – Campo Florido
O processo de criação do PA Nova Santo Inácio Ranchinho iniciou-se no dia
24 de janeiro em 1990, quando cerca de 200 trabalhadores rurais sem-terra vinculados
a CUT, FETAEMG, STR e CPT, ocuparam a Fazenda Colorado, de mais de 5000 ha,
localizado no município de Iturama, Minas Gerais.
Um dia após a ocupação, as famílias acampadas foram despejadas da fazenda
pela Polícia Militar, respaldada pela União Democrática Ruralista – UDR. Desta
maneira, os trabalhadores rurais sem-terra se dirigiram ao centro da cidade e lá
acamparam como forma de manifestação contra o ocorrido e de pressão para que o
INCRA desapropriasse a fazenda, que era considerada improdutiva.
Porém, após conflitos com a polícia e também com algumas entidades públicas,
o movimento decidiu transferir o acampamento para a BR 497. Segundo Guimarães
(2002, p. 73), “desta forma, o acampamento nas margens de uma rodovia federal
tornou as lutas dos trabalhadores visíveis para a sociedade local, constituindo-se como
locus das práticas de resistência e organização”.
60
Parte do grupo permaneceu durante nove meses acampados na BR 497 entre os
municípios de Uberlândia e Iturama, aguardando, sem sucesso, providências do
INCRA e do Governo Federal para a desapropriação do latifúndio. Desta maneira, os
sem-terra decidiram ocupar a Fazenda Varginha, também localizada na região, e que se
encontrava improdutiva. Porém, desta vez, a reação dos membros da UDR e da Polícia
Militar foi instantânea. A expulsão dos trabalhadores aconteceu de forma
extremamente violenta; as famílias foram humilhadas e alguns trabalhadores foram
amarrados e afogados e suas esposas sexualmente agredidas.
Segundo Guimarães (2002),
A violência exercida pela polícia contra os trabalhadores marcou a presença dos fazendeiros, declarando a luta aberta contra os ocupantes da terra. Nesse sentido, a ação do Estado sobre os conflitos no campo foi permeada por práticas repressivas sobre os movimentos, ora abertas como intervenções policiais nos conflitos, ora veladas, pela omissão quanto às ações das milícias privadas dos grandes proprietários (GUIMARÃES, 2002 p. 77).
Mesmo depois de ter sofrido tantas atrocidades, o grupo de trabalhadores sem-
terra não desistiu de lutar e fazer valer seus direitos. Voltaram para o acampamento na
BR 497 e restabeleceram-se moral, física e psicologicamente, realizando freqüentes
manifestações como forma de mobilizar a sociedade em prol da luta pela Reforma
Agrária.
É nesse momento que a Fazenda Nova Santo Inácio Ranchinho, de 3.890 ha,
em Campo Florido, foi indicada como área passível de desapropriação, para fins de
Reforma Agrária. Foi por meio de muita luta e, principalmente, de pressão exercida
pelos sem-terra ao INCRA que, em 16 de abril de 1991, foi realizada a desapropriação
da fazenda. Porém, apenas em 1993 as famílias se fixaram na propriedade.
61
Durante a fase de acampamento no PA Nova Santo Inácio Ranchinho, os
trabalhadores rurais buscaram, coletivamente, conquistar e defender seus direitos no
pós-conquista da terra. O parcelamento dos lotes foi realizado com 107 famílias por
meio de sorteio, seguindo critérios de afinidade e parentesco entre os membros. Além
disso, também foram demarcadas áreas de uso coletivo.
Todavia, a organização coletiva no assentamento não durou muito tempo, pelo
fato de algumas ações serem questionadas e não acordadas de maneira única pelo
grupo. Assim, os assentados, principalmente após a definição dos lotes, decidiram por
um modelo de produção individual, o que, conseqüentemente, acabou distanciando os
trabalhadores.
Após várias tentativas de produção e frustrações, grande parte dos assentados
vem arrendando suas propriedades para usinas de cana-de-açúcar. Silva (2007) ressalta
que:
O arrendamento de parte das parcelas a fazendeiros vizinhos ao assentamento não começou com a cana. Antes dela, devido ao alto valor alcança.do pela soja no mercado daquele período (em torno do ano 2000), a demanda por áreas do seu plantio aumentou significativamente. Assim, principalmente durante os poucos anos nos quais a cotação da soja esteve em seu auge, alguns assentados arrendaram parte de suas parcelas para fazendeiros que já produziam em suas terras e naquele momento buscavam novas áreas (SILVA, 2007 p. 123).
Mesmo indo, muitas vezes, contra seus valores e identidade de luta, a maioria
dos assentados do PA Nova Santo Inácio Ranchinho não vislumbra uma alternativa
mais eficiente, economicamente, tendo em vista as dificuldades encontradas durante
todo o período de pré e pós-conquista da terra, como perseguições e falta de
incentivos. Porém, ainda vale destacar que, mesmo grande parte dos assentados tendo
62
aderido ao arrendamento, muitos acreditam e esperam que tal situação seja temporária
e que, em breve, haja condições de se reerguerem na agricultura familiar.
3.3 PA Rio das Pedras – Uberlândia
A ocupação da Fazenda Rio das Pedras, localizada no município de Uberlândia
nas margens da BR 365, sendo considerada a primeira ocupação de terras ocorrida no
município, deu-se em abril de 1997, quando cerca de 170 famílias do Movimento de
Libertação dos Sem-Terra – MLST ocupou o local.
Contudo, o proprietário da então fazenda entrou com um mandato de
Reintegração de Posse, que foi concedida ainda no mês de abril e estipulou um prazo
de 72 horas para que as famílias sem-terra desocupassem a área. Por meio de um
acordo entre advogados do movimento e a Polícia Federal, foi estipulado um novo
prazo para a desocupação da área. Durante esse período, o MLST entrou com um
mandato de segurança contra a reintegração de posse e, após vistoria do INCRA, a
propriedade de 1900 hectares, foi considerada improdutiva, pois apenas 20% dela eram
utilizados, para o cultivo de soja. Segundo definições do órgão em questão, para não
ser considerada improdutiva a propriedade deveria ser utilizada, para produção, em
pelo menos 80% de sua área.
Das 170 famílias que participaram do processo de ocupação da área, apenas 87
foram assentadas, cerca de um ano e meio após a ocupação, período no qual ficaram
acampadas onde hoje se encontra a sede do assentamento. Na época, orientadass pelo
MLST, as famílias foram selecionadas e organizadas, cada uma em lotes com cerca de
20 hectares. Nos últimos anos, aproximadamente metade das famílias assentadas já
não reside mais no PA.
63
Segundo Medeiros (2008),
Todo período de ocupação da fazenda Rio das Pedras transcorreu de modo pacífico não havendo violência policial, fato este que se justifica, em parte, pela conduta do proprietário da fazenda que não colocou empecilhos, ou seja, muitas objeções para que a fazenda fosse desocupada imediatamente, preferindo, assim, esperar os resultados dos trâmites legais (MEDEIROS, 2008 p. 129).
Na ocasião da ocupação da propriedade pelas famílias, pouco restava da fauna
e da flora originais. Na área da fazenda e nas propriedades vizinhas , predominavam na
época e hoje, mais ainda, imensas áreas para a prática da pecuária extensiva e para o
cultivo, principalmente de soja.
No intervalo de tempo marcado pela ocupação até a consolidação do
assentamento, as famílias experimentaram o cultivo coletivo de gêneros de
subsistência, como arroz, feijão, milho, mandioca e hortaliças, mas tal prática não teve
continuidade, após a distribuição dos lotes.
Predominam, no assentamento, áreas para a criação de gado leiteiro de baixa
linhagem. Em muitos casos, a criação do gado bovino no assentamento caracteriza-se
como um problema, pois é comum encontrarmos animais utilizando áreas de nascentes
e veredas como locais de pastagem. O pisoteamento do solo por estes animais destrói a
vegetação nativa, compactando o solo e introduzindo espécies invasoras como
gramíneas e leguminosas. Essas áreas vêm sofrendo intenso impacto antrópico, que
afeta, principalmente, a preservação das áreas de abastecimento natural de água para o
assentamento.
Outro fator que afeta os recursos hídricos são os desvios dos cursos d’água,
realizados para disponibilizar água para as áreas de plantações. Quase que em sua
totalidade, os rios e córregos da região não dispõem de água própria para o consumo
64
humano, pois se encontram contaminados por esgoto e por agrotóxicos utilizados nas
grandes lavouras das fazendas vizinhas. As fontes de água boa para o consumo ficam,
então, por conta das cisternas e poços artesianos espalhados por todo o assentamento.
A disposição de lixo e esgoto não é feita de forma sustentável. É comum
encontrarmos nos lotes valas em que o lixo é jogado e, posteriormente, queimado sem
nenhum tipo de manejo, seleção ou coleta.
A criação de suínos e de aves é outra atividade comum para os assentados,
apesar de não se configurar como uma atividade comercial. O modo de criação dos
porcos é bastante interessante, pois reflete a técnica adquirida pelo trabalhador rural
em experiências anteriores. Existem dois ambientes em que os porcos são criados: o
chiqueiro, no qual o animal é colocado com a finalidade da engorda para o abate, e o
mangueiro, no qual geralmente são colocados um macho e uma fêmea, com o intuito
da reprodução para o aumento do rebanho. Tal técnica reflete a sabedoria adquirida
pelo trabalhador do campo, configurando-se em algo que modela a paisagem de acordo
com a aplicação da cultura.
As áreas de cultivo do assentamento são geralmente para a exploração de
espécies que servem de alimento para a criação, como cana, o milho entre outros.
Outro aspecto relevante é que tais plantações não são feitas de forma coletiva, assim
como todo cultivo de hortaliças é feito de forma individual. Desta maneira nota-se que,
no assentamento, não há o espírito de trabalho em grupo, ou seja, cada lote configura-
se como uma propriedade particular, em que cada proprietário produz, sozinho, aquilo
que necessita.
O PA Rio das Pedras possui uma área comunitária onde se localiza a sede, além
de um amplo espaço para a realização de reuniões entre os assentados. É importante
ressaltar que o PA participou do Programa de Apoio Científico e Tecnológico nos
65
Assentamentos de Reforma Agrária na Região do Triângulo Mineiro – PACTo,
desenvolvido pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, com a participação de
vários institutos e faculdades. Durante o projeto (de 2001 a 2006), foram elaborados e
sugeridos modelos de trabalho coletivo, por meio de cooperativas; todavia, tais
projetos não foram efetivamente implantados.
Outro projeto, também desenvolvido durante o PACTo, foi a instalação de um
viveiro de mudas, que seria utilizado por toda a comunidade assentada, porém, apesar
de a estrutura ter sido montada, ela não está sendo utilizada, o que demonstra grande
dificuldade de articulação e integração entre as famílias assentadas.
Na mesma área há o projeto de uma farinheira. A farinheira encontra-se
praticamente completa, com todo o maquinário instalado e pronto para ser utilizado.
Não há, contudo, incentivos públicos financeiros ou técnicos para que se possa iniciar
a produção de farinha dentro do assentamento.
Por fim, é interessante observar e compreender as transformações sociais e
espaciais ocorridas na área do PA Rio das Pedras. Mesmo com a participação em
projetos de vínculo direto com a Universidade Federal de Uberlândia, os assentados
ainda encontram barreiras a serem transpostas, não apenas na inter-relação pessoal,
mas também na falta de apoio público e políticas eficazes; e não apenas em
implementação de projetos e maquinários, mas, sobretudo, no acompanhamento das
famílias no campo.
3.4 PA São Domingos – Tupaciguara
A história de criação do PA São Domingos inicia-se não como a maioria dos
assentamentos do Triângulo Mineiro, e até mesmo do Brasil, mediante a luta pela terra,
66
ou seja, em que a ocupação “é tida como principal forma de acesso ‘a terra’” (GOMES,
2004). Nesse sentido, Fernandes destaca que “para os sem-terra a ocupação como
espaço da luta e resistência representa a fronteira entre o sonho e a realidade, que é
construída no enfrentamento cotidiano com os latifúndios e o Estado” (FERNANDES,
2001).
O assentamento inicia-se com um processo considerado até mesmo pacífico, no
que tange à não ocupação da propriedade, posto que, foi através de uma solicitação de
vistoria da terra da Fazenda São Domingos, localizada no município de Tupaciguara-
MG, no ano de 1997, reivindicada pelo Movimento de Libertação dos Sem Terras –
MLST junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA que
iniciou a desapropriação da área.
Nessa solicitação do movimento ao INCRA, foi apontado o caráter improdutivo
da fazenda, esta não atendendo sua função social, como destacado pelo Estatuto da
Terra, de 1964, e incorporado às constituições posteriores, que em geral enfatiza que
quando a terra, não atingir os índices de produtividade de cultura por área, bem como
não cumprir sua função social, esta pode ser desapropriada, com fins para Reforma
Agrária.
Com a vistoria da área, a fazenda foi considerada improdutiva em primeira
instância, atendendo aos requisitos legais para desapropriação e criação do
assentamento. Mas, em decorrência do alto valor solicitado pelo proprietário da terra,
para que a mesma fosse desapropriada, o processo de criação do assentamento foi
encerrado naquele momento, mediante o INCRA não concordar em pagar mais do que
os preços tabelados para a compra de terras, esse fator sugere que o valor cobrado para
que a terra não fosse desapropriada foi planejado, possivelmente pelo proprietário de
terra, que queria manter sua propriedade.
67
Durante alguns anos a área deixou de ser foco dos movimentos sociais para a
criação de um assentamento. Porém, em 23 de Junho de 2003, o Movimento Terra
Trabalho e Liberdade – MTL, originado em decorrência de problemas internos do
MLST, ocupou a Fazenda São Domingos com cerca de 400 pessoas. Mas, pouco tempo
depois, foi emitido um mandato de reintegração de posse ao proprietário da fazenda.
Mesmo assim, os manifestantes voltaram a ocupar a área, sendo muitas vezes forçados a
desocupar a terra mediante reintegrações de posse.
Somente em 2004, após uma nova reintegração de posse da área, os
manifestantes deixaram as mediações da fazenda, uma vez que estes foram levados para
alojamentos montados no aterro da cidade, resultado de acordo feito entre o INCRA e a
prefeitura local. Esta ação foi aceita como alternativa para famílias se instalarem até que
o INCRA encontrasse uma localidade para alojá-las. Outro fator reside que, naquele
momento, o proprietário da área conseguiu mandatos de segurança impedindo que
novas ocupações ocorressem na Fazenda São Domingos.
No alojamento do aterro da cidade, os trabalhadores viviam em situação
precária, e decidiram abandonar a área e continuar suas manifestações em outras
localidades. Assim, os militantes foram divididos em dois grupos, o primeiro foi
enviado para ocupar a Fazenda Água Viva enquanto o segundo grupo foi direcionado
para ocupar a Fazenda Taperão. É importante salientar que nessa última ocupação
ocorreram fortes discussões ente os manifestantes e a polícia, que fazia a segurança da
propriedade, porém os manifestantes conseguiram ocupar a área.
Pouco tempo depois, alguns integrantes da ocupação da Fazenda Água Viva
foram deslocados, juntamente com outros militantes do MTL da região, para uma nova
ocupação da Fazenda São Domingos. Porém, como a fazenda possuía um mandato de
segurança judicial, que impedia a ocupação da terra, os militantes montaram acamparam
68
as margens das estradas próximas à fazenda, e de certa forma controlaram o fluxo de
entrada e saída de pessoas das áreas próximas da propriedade.
Esse processo de conquista da terra mediante a ocupação da área foi cessado,
porém os embates políticos para a transformação da área em assentamento não pararam.
Tanto que o MTL apresentou junto ao Ministério Público Federal e a Justiça Federal,
projetos de implantação de cooperativas de produção comunitária, coordenada pelo
movimento.
Mediante esse processo, o INCRA se viu forçado pelo Ministério Público
Federal e a Justiça Federal, a agilizar o processo de compra de terras para a implantação
do projeto de cooperativa. O MTL reivindicou, junto às entidades, que o projeto
ocorresse na Fazenda São Domingos, assim o INCRA intensificou suas ações de
negociação para a aquisição da terra e, em 25 de maio de 2006, foi cedido ao MTL à
posse da Fazenda São Domingos, sendo que esta repassada a cooperativa do
movimento, nomeada de Cooperativa Agropecuária Mista de Empreendimento Rural
Comunitário do Assentamento São Domingos – COERCO.
3.4.1 O cooperativismo como alternativa de produção em assentamentos: o
exemplo da COERCO
É importante salientar neste trabalho que em todo o Brasil ocorrem experiências
de cooperativismo em assentamentos rurais, em Campo Florido, Uberlândia e Unaí.
Porém, estes são criados e auto-geridos pelos assentados, cuja posse da terra é atribuída
aos trabalhadores. Neste caso, a proposta de cooperativa, coordenada pelo movimento
MTL e implantada no assentamento São Domingos desde sua criação foge a essas
características comuns apontadas dos outros assentamentos.
69
A cooperativa orienta as diretrizes de coletividade no que tange principalmente o
trabalho, atribuindo funções, cargos e responsabilidades aos associados. Quanto à posse
da terra, esta fica ao MTL, pois “não há divisão de lotes entre as famílias e os lucros são
repartidos proporcionalmente às horas de trabalho nas lavouras” (SOUSA, 2007).
Dessa forma, os “assentados”, não possuem áreas do tamanho comum a outros
assentamentos de Minas Gerais, que variam em média de 17 a 30ha. Os associados, da
COERCO, são locados numa área de uso individual de cerca de 2ha de terras, na qual
podem construir sua moradia e fazer a escolha de uso de produção nesse pequena área,
sendo os lucros obtidos nessa área individual não vinculados ou repassados a
cooperativa.
O restante da área da fazenda, excluindo-se as áreas de uso individual, é
destinada à cooperativa onde o uso e o tipo de produção que serão realizados no local
são votados entre os cooperados, mediante a indicação de possibilidades de produção
idealizadas pelo MTL, que é objetivada através de reuniões.
Os recursos obtidos pela COERCO são divididos entre os associados de forma
igualitária, respeitando o trabalho desenvolvido por cada um. Porém, um fator que
ocorre de forma bastante generalizada, é o retorno do lucro obtido repassado para a
própria COERCO. Como destacado a seguir,
Grande parte dos assentados retorna para a cooperativa, o que recebeu na divisão dos lucros. Ilda Pereira Araújo, tesoureira da Coerco, disse que isso se deve ao “sonho de ver dar certo o projeto”. “Mesmo morando em barracos de lona, queremos ver a cooperativa se tornar uma grande empresa e por isso estamos investindo.” (SOUSA, 2007)
Pode-se verificar que os lucros são divididos de forma igualitária e o serviço
também, todavia deve-se destacar que às mulheres e as crianças são atribuídas funções
menos penosas do que o trabalho braçal do campo, como a debulha de milho, além de
70
que a essas mulheres é reservado um período para o desenvolvimento de trabalhos
domésticos de dona de casa. Conforme destacado por Sousa,
A divisão dos trabalhos e as demandas coletivas são discutidas em assembléias que acontecem uma vez por semana e, extraordinariamente, em situações emergenciais. “Todos tem voz e vez. O que fica deliberado é o que prevalece, pois o que vale é o coletivo”, afirmou Claudete Souza, casada com um dos cooperados. De acordo com ela, as mulheres fazem trabalhos coletivos, mas exercem funções consideradas menos penosas, como descascar manualmente o feijão e separar os grãos pretos dos de feijão carioquinha. “Além disso, há o trabalho doméstico de cada dona de casa.” As cerca de 50 crianças e adolescentes, além de irem à escola, fazem trabalhos mais leves. “Debulhar o milho, por exemplo, acaba em brincadeira e diversão para eles”, disse Claudete Souza. (SOUSA, 2007)
Outro fator, que de certa forma acaba sendo um pouco contraditório e que ocorre
na COERCO, é que a área de uso individual é passível de reivindicação do movimento
mediante o não desenvolvimento das tarefas do assentado para com a cooperativa,
sendo este expulso do assentamento, sem a possibilidade de obter o valor da terra em
que ocupava. Somente as benfeitorias que o assentado realizou na área individual, é que
são pagas pela cooperativa ao ex-associado, verificando-se assim que o “assentado” não
possui a posse de sua terra.
Devemos deixar claro que a maioria dos assentados da Fazenda São Domingos,
não são mais, os mesmo que participaram da ocupação inicial e final da terra, mas
famílias ligadas ao MTL que optaram em trabalhar no assentamento, concordando com
os termos e as premissas de funcionamento da mesma.
Conforme destacado pelo dirigente da COERCO, em entrevista ao “Página 9”,
entidade informativa ligada a Universidade Federal de Uberlândia, foi informado que “a
cooperativa acertou com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
71
(INCRA) que teriam assento no projeto apenas famílias quem concordasse com o
modelo de assentamento coletivo”.
De acordo com o MTL e as lideranças do assentamento, além da COERCO, os
motivos de funcionamento desse sistema de cooperativa estão baseados na tentativa de
criação de um modelo de política de Reforma Agrária diferenciada, que possibilite os
assentados serem instalados como cooperados de uma associação. Através da
coordenação de um movimento, os assentados podem de maneira mais igualitária ser
beneficiados por políticas governamentais.
Com isso, esperam-se mudar a atual realidade para com o acesso à terra e os
assentados, onde estes são individualmente postos na terra, porém dificilmente recebem
auxilio, técnico e financeiro, para o desenvolvimento de atividades em seus lotes.
Atualmente (2010) o assentamento possui 62 unidades familiares assentadas em
uma área de 2144 hectares. A expectativa e limite máximo a serem assentadas são de
100 famílias. O tipo de produção, como já destacado, é decidida entre os cooperados da
COERCO.
Um importante fator que deve ser ressaltado é que toda a produção, e
conseqüentemente os seus meios, são realizados manualmente, com quase nenhum uso
de maquinário, implemento ou insumo químico-industrial, voltando assim suas
atividades à aplicação de sistemas agro-ecológicos, como realizados em algumas
experiências de agricultura familiar da região do Brasil e disseminado em alguns países
europeus.
Na safra de 2007, foram cultivadas manualmente cerca de 726 ha de hortaliças e
frutas, voltados para a subsistência das famílias da cooperativa. Além de produzirem
arroz em 39 ha, 29 ha de feijão e 24 ha de milho, estes foram comercializados por R$
350 mil, de acordo com a COERCO. Essa produção foi a primeira safra comercializada
72
pela cooperativa. De acordo com Sousa (2007), nessas áreas de produção apresentadas,
foram colhidas 1,2 mil sacas de arroz, 40 sacas de feijão preto, 34 sacas de feijão
carioquinha, além de dezenas de sacas de milho.
Desta produção, o arroz e feijão foram comercializados com a COCAL
Alimentos, enquanto que o milho foi vendido a CEMILHO Comércio, Importação e
Distribuição de Alimentos. Deve ser observado que, uma pequena parte desta produção
foi repassada para os assentados, para o consumo próprio. As expectativas dos
assentados é de crescimento da produção, mediante os recursos obtido e do aumento da
força da COERCO, conforme entrevista realizada com o dirigente da cooperativa,
cedida ao correio e reproduzida pela “Página 9”.
Além das expectativas mencionadas pelos dirigentes da cooperativa, existem
ainda outras possibilidades de crescimento da mesma, como o aumento da horta criada
inicialmente para suprir as demandas do assentamento, que passará da área atual para
3ha. Isso ocorrerá mediante o fornecimento de alface, couve, agrião, cebolinha, jiló e
chuchu, para canteiro de obras da pequena central hidrelétrica (PCH) de Malagone, que
se instalará na foz do rio Uberabinha no rio Araguari, para as refeições dos
trabalhadores da usina.
Outra possibilidade de crescimento para a cooperativa reside em sua inserção no
Programa de Segurança Alimentar e Nutricional em Acampamentos e Pré-
Assentamentos de Reforma Agrária no Estado de Minas Gerais – PSA, criado pelo
Instituto de Terras de Minas Gerais – ITER/MG, que inicialmente disponibilizou as
sementes para iniciar a produção no assentamento.
Dessa forma, é possível verificar que o assentamento São Domingos,
coordenado pela COERCO, tende a ampliar seus horizontes de crescimento focando
73
assim sua força. Isso pode também ser constatado mediante o não abandono das
famílias do assentamento desde o início das atividades da cooperativa.
Já quando analisado o perfil de escolaridade dos moradores no assentamento São
Domingos, observamos que grande dos entrevistados, possuem pouca instrução, tanto
que a maioria não conseguiu iniciar o ensino médio, conforme tabela 4.
Tabela 4 – Grau de escolaridade dos assentados da Fazenda São Domingos
Grau de escolaridade anunciado Quantidade Porcentagem (%)
analfabeto(a) / ou não informado 1 8
1ª série 1 8 2ª série 1 8 3ª série 3 23 4ª série 1 8 5ª série 0 0 6ª série 1 8 7ª série 2 15 8ªsérie 0 0 Ensino médio 2 15 Superior icompleto 1 8 Superior completo 0 0
Total: 13 100 Fonte: CLEPS JR, J. et all, 2007.
Porém, isso não impediu que estes assentados desenvolvessem suas atividades
produtivas de forma eficiente. Suas experiências de vida no campo superaram, em
grande parte, os problemas resultantes da falta de instrução.
É importante ressaltar que o assentamento possui uma escola localizada nas
dependências do Projeto Assentamento São Domingos - Escola Família Rural, que está
situada na antiga sede da fazenda e oferece aulas de ensino médio com técnico agrícola,
74
porém ainda não acessível aos cooperados da COERCO ou aos filhos dos associados
por não possuírem idade para o mesmo.
Ainda não existem indicativos de desenvolvimento de programas voltados à
educação e alfabetização dos adultos assentados. Os filhos dos assentados em idade
escolar estão matriculados nas escolas em Tupaciguara–MG, estes vão para a cidade de
Vans que a prefeitura local disponibiliza.
A Escola Família Rural que está instalada dentro do assentamento São
Domingos, iniciou suas atividades no PA Tangará (município de Uberlândia-MG), em
2004, com alunos que cursavam o ensino médio concomitante ao técnico, voltado às
diretrizes da proposta da pedagogia da terra, com focos ao desenvolvimento educacional
de técnicos agrícolas com formação agro-ecológicas.
Nesse período inicial, a escola ficava junto ao acampamento do pré-
assentamento Tangará, onde era possível observar, em alguns momentos, certos
conflitos mediante o funcionamento de uma escola voltada ao nível médio e
profissionalizante, enquanto que os filhos dos pré-assentados da Fazenda Tangará, de
diferentes idades e escolaridades, tinham que se deslocar para as escolas municipais e
estaduais do entorno, que chegava a mais de 15 km de distância. Além disso, houve o
problema de que na fase de pré-assentamento existiam muitos jovens com idade
compatível para freqüentarem os cursos, porém por motivos, não confirmados na
pesquisa, esses eram impedidos de freqüentar a escola.
Concomitantemente ao problema identificado, ocorreram dois fatores que
culminaram na mudança da escola para atual localidade, PA São Domingos, os pré-
assentados conseguiram a distribuição dos lotes na Fazenda Tangará e era chegada à
conclusão e formatura da turma de estudantes da Escola Família Rural.
75
Dessa maneira, apoiado pelo MTL, decidiu-se mudar a sede da escola para a
Fazenda São Domingos, mediante a difusão de um projeto diferenciado de
assentamento rural que se instalava na São Domingos e que o apoio que a Escola
Família Rural poderia dar a COERCO, gerariam pontos fundamentais para a mudança
de localidades e crescimento do projeto da escola.
Independente do problema, atualmente os alunos que estudam na Escola Família
Rural não pertencem ao assentamento, e sim são advindos de cidades próximas e em sua
maioria não possui vínculo nenhum com a terra.
Dessa maneira ocorre uma distorção sobre o papel da escola no PA São
Domingos, visto que esta foi trazida para atender a demanda de estudantes do
assentamento, dando-lhes formação política e pratica para trabalharem com a terra e
fortalecerem o movimento.
Assim, é possível constatar que historicamente a Escola Família Rural, pouco
desenvolveu diretamente, aos assentados dos PA’s em que ela se instalou ações que
visassem unir as atividades educativas da escola para com estes no que tange a falta de
interação de filhos ou assentados do PA como alunos da escola ou até mesmo o
desenvolvimento de atividades dos alunos em parceria técnica para com a COERCO.
Uma vez resolvidos esses problemas, o PA São Domingos poderia tornar-se,
mais do que uma referência no desenvolvimento da agricultura em assentamentos rurais
através de uma associação, passando também a ser um modelo de assentamento, ao unir
a educação técnica de uma escola para assentados com um modelo diferenciado de
assentamento rural gerido por uma cooperativa e por um movimento de luta pela terra.
76
Considerações Finais
A partir de uma análise temporal das políticas de Reforma Agrária nos últimos
25 anos, principalmente a partir da década de 1980, com a “Nova República”, e também
com a formação dos principais movimentos sociais de luta pela terra, é possível
estabelecer uma discussão relativa à territorialização da luta pela terra no estado de
Minas Gerais e compreender a formação e a estruturação dos assentamentos rurais na
mesorregião Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.
Verifica-se uma diversidade de realidades e situações, protagonizada por
diversos atores sociais, especialmente as lutas empreendidas pelos movimentos de luta
pela terra, as políticas usadas setores governamentais e contra-ofensiva de demais
segmentos sociais, como entidades, partidos políticos, etc.
As iniciativas de organização política dos trabalhadores rurais, no bojo do
processo de modernização da agricultura, na década de 1970, tiveram grande
importância ao surgimento da luta por acesso à terra, que aparece como uma das
questões centrais da mobilização dos movimentos sociais do campo na década de 1980
e anos seguintes, no estado de Minas Gerais.
Neste sentido, os movimentos socioterritoriais vêm-se organizando, nos últimos
anos, de maneira diferenciada e articulada, lutando por melhores condições de vida e
acesso à terra. De acordo com o projeto DATALUTA, em Minas Gerais somam-se,
atualmente (2010), mais de 25 movimentos sociais e organizações de luta pela terra,
com atuação em todo o estado. Desta maneira, começam a surgir, no estado os
primeiros assentamentos rurais, criados, essencialmente, a partir da luta desses
movimentos pela Reforma Agrária.
77
Com a estruturação dos projetos de assentamentos, têm início os desafios de
reprodução socioeconômica das famílias beneficiárias, em garantir níveis satisfatórios
de renda e boas condições de vida. Neste contexto, as reivindicações dos movimentos
de luta pela terra e das famílias assentadas, alcançam outro patamar de negociação, e
primam pela reivindicação por ações e medidas governamentais que garantam a
viabilidade econômica e social dos assentamentos, como crédito, assistência técnica,
qualidade ambiental, educação, saúde etc.
Apesar dos fatores naturais, culturais e sociais serem extremamente importantes
entre as diversas regiões do estado, o fator humano ainda é decisivo para o sucesso e a
construção da trajetória das questões agrárias, bem como a materialização das
perspectivas que os assentados trazem para o seu cotidiano.
Na verdade, há casos em que nem o ambiente e nem a questão cultural em si
constituem o elementos principais de sucesso, mas sim a história dos beneficiários e sua
real relação com a terra, bem como suas perspectivas de vida para aquilo que os levaram
a ser participantes do processo de reforma agrária.
Por meio da pesquisa, foi demonstrada a presença de assentamentos rurais,
principalmente na região do Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba e no Norte de Minas,
sendo um dos principais motivos da concentração dos assentamentos, nessa região, a
grande concentração fundiária e as políticas de incentivo ao agronegócio, fazendo, com
que as ocupações de terras, sejam mais pontuais e numerosas.
Conclui-se que os assentamentos representam uma forma territorialmente
construída, ou seja, são os espaços produzidos pelos movimentos socioterritoriais. No
entanto, essa política (compensatória) de assentamentos rurais tem sido implantada a
partir da concepção de mundo neoliberal exercida pelos governos do século XX.
78
Foi possível verificar, de maneira clara, que os assentados ainda possuem
grandes dificuldades quanto sua organização e permanência no campo. Tais barreiras
são encontradas em todos os períodos e governos trabalhados, evidenciando a ineficácia
e até mesmo ausência de políticas públicas compatíveis com a real necessidade do Sem-
Terra e da concretização de uma agricultura familiar sólida.
Por fim, o presente trabalho buscou compreender a realidades dos assentamentos
no estado de Minas Gerais, em especial a mesorregião Triângulo Mineiro/ Alto
Paranaíba, de maneira que foi possível através dos dados do DATALUTA, apresentar
um pouco da realidade em que se encontra o processo de Reforma Agrária, bem como
demonstrar que as políticas nacionais vêm sendo aplicadas de maneira excludente e
monopolizadora.
79
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