UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A FORJA DE VULCANO:
Siderurgia e Desenvolvimento na Amaznia Oriental e no Rio de Janeiro
Rodrigo Salles Pereira dos Santos
Rio de Janeiro
Novembro de 2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
A FORJA DE VULCANO:
Siderurgia e Desenvolvimento na Amaznia Oriental e no Rio de Janeiro
Rodrigo Salles Pereira dos Santos
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Sociologia e Antropologia do Instituto de
Filosofia e Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de
Doutor em Cincias Humanas (Sociologia).
Orientador: Prof. Dr. Jos Ricardo Garcia Pereira Ramalho
Rio de Janeiro
Novembro de 2010
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A FORJA DE VULCANO:
Siderurgia e Desenvolvimento na Amaznia Oriental e no Rio de Janeiro
Rodrigo Salles Pereira dos Santos
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Sociologia e Antropologia do Instituto de
Filosofia e Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de
Doutor em Cincias Humanas (Sociologia).
Aprovada em:
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Jos Ricardo Garcia Pereira Ramalho - Orientador (UFRJ)
Prof. Dr. Alice Rangel de Paiva Abreu (ICSU-LAC)
Prof. Dr. Iram Jcome Rodrigues (USP)
Prof. Dr. Marcelo Domingos Sampaio Carneiro (UFMA)
Prof. Dr. Neide Esterci (UFRJ)
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Santos, Rodrigo Salles Pereira dos. A Forja de Vulcano: Siderurgia e Desenvolvimento na Amaznia Oriental
e no Rio de Janeiro / Rodrigo Salles Pereira dos Santos. Rio de Janeiro, UFRJ/IFCS/PPGSA, 2010.
xi, 245 f.il.29,7cm Orientador: Jos Ricardo Garcia Pereira Ramalho. Tese (doutorado) UFRJ/IFCS/Programa de Ps-Graduao em
Sociologia e Antropologia, 2010. Referncias Bibliogrficas f.246-269.
Orientador: Jos Ricardo Garcia Pereira Ramalho.
1. Desenvolvimento econmico. 2. Siderurgia. 3. Rede de produo global. 4. Metacampo sdero-logstico. 5. Fenmeno cultural complexo. I. Ramalho, Jos Ricardo Garcia Pereira (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia). III. A Forja de Vulcano: Siderurgia e Desenvolvimento na Amaznia Oriental e no Rio de Janeiro.
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RESUMO
Esta tese toma como seu tema o desenvolvimento econmico e como objeto de pesquisa a siderurgia. Ambos, tema e objeto, por suas caractersticas particulares, produzem transformaes sociais estruturais nos territrios nos quais esto implantados. Este trabalho trata especificamente das regies sdero-logsticas da Amaznia Oriental e do Rio de Janeiro. Estes espaos so atualmente privilegiados, da perspectiva da atratividade territorial de operaes sdero-logsticas, por processos complementares de desintegrao geogrfica e integrao em rede das atividades produtivas dos principais agentes econmicos do setor siderrgico. A tese prope tambm, uma abordagem socioantropolgica de seus tema e objeto, ao apreender o desenvolvimento econmico, em particular, e as relaes econmicas, em geral, como fenmenos culturais complexos, envolvendo estruturas ou metacampos de agentes econmicos e no econmicos indivduos, grupos, organizaes e instituies polticos e sociais. A siderurgia, pela magnitude de seu potencial de transformao social, engendra, assim, metacampos sdero-logsticos dentro dos quais se defrontam, em mltiplas escalas, agentes dotados de recursos diversificados e conversveis, com capacidades mtuas de determinao, condicionamento e influncia sobre suas aes. Palavras-chave: desenvolvimento econmico, siderurgia, rede de produo global, metacampo sdero-logstico, fenmeno cultural complexo.
vi
ABSTRACT
The thesis takes economic development as its subject, and the steel industry as research object. Both subject and object, due to their particular features, produce structural changes in the territories in which they operate. This work specifically deals with the Eastern Amazon and Rio de Janeiro steel-logistic regions. These spaces are currently privileged from the perspective of territorial attractiveness for steel and logistics operations. This is because of the complementary processes of geographic disintegration and network integration which characterize the main steel players productive activities. The thesis also proposes a sociological and anthropological approach to its subject and object. It grasps economic development, in particular, and economic relations, more generally, as complex cultural phenomena, involving structures or metafields of economic and noneconomic agents political and social individuals, groups, organizations, and institutions. The steel industry, because of its potential for social change, engenders thereby steel-logistic metafields. Within these metafields, agents endowed with diversified and convertible resources, face each other at multiple scales, and determine, constrain and influence each others actions. Keywords: economic development, steel industry, global production network; steel-logistic metafield, complex cultural phenomenon.
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DEDICATRIA
Aos meus pais, Renato e Vania,
por seu amor incondicional!
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AGRADECIMENTOS
A realizao desta tese dependeu grandemente de algumas pessoas e instituies, as
quais eu gostaria de agradecer especialmente: Ao meu orientador, Prof. Dr. Jos Ricardo Ramalho, por uma convivncia ao longo de
7 anos desde o Mestrado, marcada por sua enorme capacidade de partilhar conhecimento e prover apoio e incentivo minha vida profissional. Na verdade, no Doutorado, as distines entre vida profissional e pessoal pareceram, em muitos momentos, bastante tnues. Muito obrigado por seu olhar paciente e pela generosidade de seus conselhos quando estes momentos se apresentaram. Agradeo pela compreenso silenciosa, permitindo respeitosamente que meu tempo flusse. Obrigado principalmente pela confiana.
Ao Prof. Dr. Huw Beynon, que me acolheu como orientando em Cardiff, Pas de Gales, me proporcionando o contato com novas abordagens tericas e me apoiando integralmente durante o perodo de vigncia da Bolsa Sandwich ofertada pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Agradeo aos colegas da Cardiff University, em especial Profa. Dra. Heike Dring, pela amizade e colaborao e a Gabriella Alberti, Gerbrand Tholen e Helen Blakely, todos colegas do Global Political Economy Group (GPE). Agradeo tambm aos funcionrios desta instituio, que viabilizaram o meu trabalho de pesquisa na universidade.
A todos os professores, funcionrios e colegas do PPGSA/UFRJ que, de diferentes formas, foram extremamente importantes em minha formao acadmica. Muito obrigado ao Prof. Dr. Marco Aurlio Santana. Aos professores Dr. Jorge Natal e Dra. Isabel Cristina da Costa Cardoso, pelos comentrios e crticas oferecidos durante o exame de qualificao. Sou tambm particularmente grato aos professores Dr. Andr Pereira Botelho, Dr. Benedito Souza Filho, Dra. Ednalva Maciel Neves, Dra. Elisabeth Beserra Coelho, Dr. Horcio Antunes de Santanna Jr., Dr. Luiz Antonio Machado da Silva, Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Dra. Maristela Andrade e Dr. Srgio Figueiredo Ferretti, que contriburam imensamente com suas sugestes e crticas durante o Seminrio Interno PROCAD UFMA/UFRJ: Amaznia e os Paradigmas do Desenvolvimento, realizado em So Lus. Muito obrigado a Raphael Lima e Mariana Massena, colegas de trabalho e bons amigos.
Agradeo especialmente Profa. Dra. Neide Esterci, por sua generosidade e enorme conhecimento. Tambm ao Prof. Dr. Marcelo Sampaio Carneiro, cujo apoio, particularmente durante os dois perodos de coleta de dados na Amaznia Oriental, foi condio sine qua non para a realizao deste trabalho. Novamente tenho a oportunidade de me beneficiar de seus conhecimentos, junto aos dos professores Dra. Alice Rangel de Paiva Abreu e Dr. Iram Jcome Rodrigues, com a formao da banca de avaliao desta tese. Obrigado a todos. Agradeo tambm, enormemente, a Claudia Vianna e Denise Alves, secretrias do PPGSA/UFRJ, por sua extrema dedicao e pacincia para resolver todos os problemas criados por esse meu terrvel hbito de adiar o cumprimento das exigncias burocrticas do programa. Pelas mesmas razes, agradeo profundamente a Angela Maria Dias da Rocha, por no cansar-se nunca (aparentemente) de salvar a mim e a outros orientandos quase cotidianamente. Desculpem-me pelo trabalho e muito obrigado.
Ao CNPq, pelo auxlio financeiro que possibilitou a realizao deste trabalho, permitindo minha pesquisa de doutoramento no Brasil, atravs da Bolsa de Doutorado, e o aprofundamento de minha formao como pesquisador no Pas de Gales, por meio de uma Bolsa Sandwich.
A Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), cujo auxlio financeiro, atravs do Programa Cientistas do Nosso Estado e, mais recentemente, do
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apoio ao projeto Desenvolvimento, Trabalho e Cidadania no Rio de Janeiro: As experincias da Baixada e do Sul Fluminense, vem sendo inestimveis.
A Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), que suportou financeiramente o Programa de Cooperao Acadmica (PROCAD) UFMA/UFRJ: Amaznia e os Paradigmas do Desenvolvimento, permitindo a colaborao entre docentes e discentes das duas universidades e o meu trabalho de campo na Amaznia Oriental.
Aos todos os meus entrevistados e contatos realizados durante o trabalho de campo. Espero estar altura de sua confiana e ter utilizado suas informaes com dedicao e cuidado. Espero, acima de tudo, que esta tese retorne a vocs e tenha uso prtico, ainda que imprevisto, na melhoria de suas vidas.
Aos amigos achados no Maranho, Diego, Rafael Moscoso, Leonardo e Emanuelle. Muito obrigado pelos papos, cervejas e iluses. Espero voltar em breve!
Aos amigos feitos em Gales, Avril e famlia, Ahmed, Beach, Estevam, Jude, Jessica e Matt. Obrigado especialmente a Tiago e Camila. Vocs me proporcionaram um ano absolutamente fantstico. Obrigado Mia, cada palavra e gesto de incentivo seus me fizeram seguir adiante, mesmo de longe. x
Aos amigos de todo o sempre. A rica, parceira da vida. Sua grandeza e capacidade de doao me assombram. A Rafaelle, obrigado por me pegar pela mo. Vocs duas me colocaram de p novamente! Obrigado Gisele e Michela pela amizade e alegria de viver com vocs. Obrigado Eric, Jos Carlos, Leonardo e Bruno amizades novas e pr-histricas. Obrigado a Brbara Frana e Maria Lcia, mentoras e amigas. A Brbara Rodrigues e seu carinho e incentivo. A Alan e especialmente, a Desire, minha maior defensora.
A toda a minha famlia, pelo apoio incondicional, incentivo e amizade. Sei que estou em dvida com vocs. Em especial, obrigado me, pai, Raquel e Jlia. Esta tese o resultado de um esforo de pelo menos 10 anos de estudo e trabalho ininterrupto, que nunca teriam sido possveis sem a participao de vocs.
A todos agradeo, profundamente.
Rodrigo Santos Niteri
07 de novembro de 2010.
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SUMRIO
1. INTRODUO ............................................................................................................................. 1
1.1. Esboo da Tese ....................................................................................................................... 1
1.2. Marcos Tericos e Analticos da Tese.................................................................................. 4
1.3. Diviso da Tese em Captulos ............................................................................................. 21
1.4. Metodologia ......................................................................................................................... 25
2. O PARADIGMA DAS REDES DE PRODUO GLOBAIS (RPGs) ................................... 34
2.1. Caracterizao Inicial ......................................................................................................... 34
2.2. O Valor e a Cadeia de Valor (CV) ..................................................................................... 36
2.3. Poder, Governana e Cadeia Global de Commodity (CGC) ............................................ 38
2.4. Governana como Direo ou Controle e Estruturas de PDCCs e BDCCs ................... 43
2.5. Cadeia Global de Valor (CGV): Governana como Coordenao ................................. 48
2.6. Avaliao Crtica do Paradigma das CGCs/CGVs .......................................................... 54
2.7. Rede de Produo Global (RPG): valor, poder e enraizamento ..................................... 61
3. A REDE DE PRODUO GLOBAL SIDERRGICA E A INFLUNCIA DA FINANCEIRIZAO ........................................................................................................................ 71
3.1. Indstria Siderrgica: caracterizao ............................................................................... 71
3.2. Minerao e Siderurgia: relaes de poder ...................................................................... 77
3.3. CSN e Corus: uma tentativa frustrada de fuso .............................................................. 83
3.4. Do producionismo financeirizao.................................................................................. 91
3.5. CSN e Tata: a tendncia financeirizao na consolidao da siderurgia .................. 100
4. A REGIO SDERO-LOGSTICA DA AMAZNIA ORIENTAL: O ENCADEAMENTO DE ESTADO E FIRMAS NA FORMAO DE UM ESPAO CENTRAL DE ACUMULAO .....................................................................................................................................................109
4.1. Estado e Desenvolvimento na Amaznia Oriental: modelos de ao estatal e representaes da modernizao induzida ................................................................................. 109
4.2. Desenvolvimento Econmico como Transformao Social Estrutural da Amaznia Oriental .......................................................................................................................................... 126
4.3. O Caso da Rede de Produo e Mercado Siderrgicos na Amaznia Oriental ........... 144
5. A TRANSFORMAO SOCIAL ESTRUTURAL PRODUZIDA NO TERRITRIO SDERO-LOGSTICO DO RIO DE JANEIRO ............................................................................ 166
5.1. A regio sdero-logstica e sua frao costeira: caracterizao e grandes projetos ..... 166
xi
5.2. Histria: a passagem do rural-agrrio para o urbano-industrial (ou transformao estrutural da sociedade/estrutura social) .................................................................................... 180
5.3. O acontecimento econmico apreendido como evento cultural complexo: a implantao da TKCSA e seu enraizamento social .......................................................................................... 208
6. CONCLUSO ........................................................................................................................... 235
7. BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 246
8. ANEXOS .................................................................................................................................... 270
1
O homem a medida de todas as coisas, das coisas que so, enquanto so,
das coisas que no so, enquanto no so.
(PLATO, Dilogos, Protgoras)
1. INTRODUO
1.1. Esboo da Tese
O fato bsico de que dependem todos os fenmenos que denominamos de scio-econmicos, no sentido mais amplo, o de que a nossa existncia fsica, tal como a satisfao das nossas necessidades mais ideais, depara por todo o lado com a limitao quantitativa e a insuficincia qualitativa dos meios externos que lhes so indispensveis; de que, para a sua satisfao, necessria uma previso planificada, o trabalho, a luta contra a natureza e a socializao com outras pessoas. A qualidade de um acontecimento que faz com que o consideremos como um fenmeno scio-econmico, no precisamente um atributo que lhe seja inerente de forma objetiva. Pelo contrrio, ela est condicionada pela direo tomada pelo interesse do nosso conhecimento, tal como resulta da importncia cultural especfica que conferimos, em cada caso, ao acontecimento em questo. Sempre que um acontecimento da vida cultural considerado segundo os elementos da sua particularidade que constituem para ns a sua importncia especfica est ligado diretamente ou mesmo do modo mais indireto ao fato citado, contm ou pode conter, se for esse o caso um problema de cincia social. Isto , torna-se o objeto de uma disciplina que a si prpria props, como alvo, estudar o alcance do fato bsico citado. (WEBER, 2003: 19-20).
O postulado elementar de que o fato ou acontecimento econmico assim qualificado
porque se relaciona busca da satisfao, material e imaterial, de necessidades humanas
certamente, pouco questionvel. Prope-se aqui, no obstante, um deslocamento de nfase
do substantivo necessidade para o adjetivo humano. Isto porque definindo estas
necessidades concretas e abstratas e agindo em funo delas que o ser humano define
tambm os sujeitos e objetos1 com os quais interage como econmicos ou no econmicos. O
ser humano constitui, portanto, a medida ltima das coisas econmicas e das no econmicas
1 A referncia noo de objeto deriva dos Estudos da Cincia e Tecnologia, capitaneados por Michel Callon, e sua nfase na performatividade da economia e na agncia dos objetos sobre os sujeitos econmicos por exemplo, dos padres tecnolgicos sobre as formas organizacionais das relaes econmicas (CALLON; MILLO; MUNIESA, 2007).
2
porque so a objetividade e a subjetividade de sua existncia que instituem a economia e a
deseconomia2 das coisas.
O desenvolvimento econmico, tema desta tese, considerado, tradicionalmente, um
fenmeno deste gnero econmico. Por sua vez, a siderurgia, objeto da mesma, constituiria
de modo similar, uma estrutura de agentes, relaes e acontecimentos tradicionalmente
definidos como econmicos: um setor ou indstria. Entretanto, este trabalho objetiva discutir
tais fenmenos econmicos (WEBER, 2003) a partir de uma perspectiva socioantropolgica.3
Isto porque, siderurgia e desenvolvimento econmico so, na realidade, fenmenos culturais
complexos.4 Desse modo, uma abordagem socioantropolgica5 objetiva recuperar a
centralidade da construo social da economia e deseconomia dessas coisas: siderurgia e
desenvolvimento econmico.
Avanando nesta abordagem, essa tese toma como hiptese central a ideia de que o
desenvolvimento econmico uma configurao, especfica temporalmente e localizada
territorialmente, do processo de mudana social (COSTA PINTO, 1972: 96) de uma dada
2 A opo pelo termo deseconomia em detrimento de no econmico, busca enfatizar a natureza seletiva da (des)construo das relaes entre, de um lado, sujeitos e objetos culturalmente complexos (totalidades concretas) e, de outro, o fato da satisfao das necessidades humanas. A natureza intrnseca de sujeitos e objetos concretos consiste no fato de que estes podem ser virtualmente tudo. 3 A premissa sobre a qual se baseia a de que, dada a arbitrariedade da distino entre os mundos econmico e no econmico, os fatos da economia podem e devem ser investigados fora do conjunto de postulados economicistas que institui e reifica a referida distino. Tal como os acontecimentos pertencentes ao mundo no econmico so economicizados, terica e empiricamente, suas contrapartes econmicas so pass veis de deseconomizao. No h, portanto, qualquer validade intrnseca, alm daquela derivada das relaes de fora no campo cientfico (BOURDIEU, 2003), da pretenso de exclusividade heurstica da economia sobre os problemas econmicos. Nesse sentido, homens e mulheres, porque produzem tais fenmenos, os afetam e so por eles afetados, constituem os pontos de partida e chegada da abordagem aqui defendida. 4 A consequncia imediata para a pesquisa socioantropolgica de assumir a complexidade de fenmenos culturais, neste caso o desenvolvimento e a siderurgia, que, no plano de uma totalidade cultural especfica, as distines tradicionais entre fatos econmicos e fatos polticos e sociais so transitrias. Desse modo, tais fatos adquirem feies especficas dentro de um contexto ou situao (JOAS, 1997) concreta, que demanda a existncia de agentes imersos em relaes. 5 Embora a abordagem socioantropolgica a qual se refere neste trabalho tenha sido desenvolvida de forma independente da scio-antropologia do desenvolvimento proposta por Olivier de Sardan (2005), ambas as abordagens possuem semelhanas muito importantes. A mais notvel dentre todas parece ser a ideia de que o desenvolvimento somente uma outra forma de mudana social (idem: 23) e que, portanto, indissocivel do problema-chave do qual padecem ambas as disciplinas sociologia e antropologia a saber, o problema da ordem/mudana social.
3
totalidade cultural.6 Esta hiptese se referencia em um complexo de eventos sintetizado no
movimento de transnacionalizao do setor siderrgico7 (WOLF, 2005), que marca a primeira
dcada do sc. XXI. Nesse sentido, seu evento8 cultural prototpico9 a implantao de usinas
siderrgicas integradas em regies costeiras no Brasil. Por sua vez, a referida hiptese toma
como substrato emprico dois territrios: as regies sdero-logsticas do Rio de Janeiro e da
Amaznia Oriental.
O desenvolvimento econmico concebido como um fenmeno que engloba uma
ampla variedade de agentes (sujeitos e objetos) e de relaes, tanto econmicas, quanto no
econmicas. Visto que o desenvolvimento econmico vem reassumindo uma dimenso
crucial da vida cultural de totalidades territoriais concretas, pois que significativo para as
condies objetivas e subjetivas da existncia humana, ele torna-se, sobretudo, um problema
social real. Nesse sentido, correto afirmar que a centralidade contempornea da categoria
desenvolvimento econmico deriva em especial, dos significados e usos prticos (e por isso,
disputveis) que os agentes lhes atribuem em suas relaes cotidianas em detrimento de sua
relevncia terico-cientfica. 10
6 Esse tratamento faz parte de uma tentativa mais ampla de retomar a tradio e principais contribuies da Sociologia do Desenvolvimento no Brasil, sintetizadas na abordagem do desenvolvimento como mudana social processual de Costa Pinto (1972; 1978) e Lopes (1976). 7 A premissa subjacente a de que a siderurgia constitui uma estrutura de relaes entre agentes, grupos, organizaes e instituies com capacidade de transformao social estrutural. Esta propriedade no , obviamente, exclusiva siderurgia, e tampouco uma condio necessria de sua operao concreta. A siderurgia no produz automaticamente desenvolvimento econmico. A situao prtica que envolve padres tecnolgicos, comerciais, legais, etc., mas, sobretudo, as estruturas sociais ou totalidades culturais, mais ou menos engajadas ou refratrias mudana, nos quais projetos siderrgicos concretos so planejados, implantados e operados, , nesse sentido, decisiva para a compreenso da transformao que pode ou no ser provocada por ela. Para Sahlins, [...] necessrio insistir em que a possibilidade do presente vir a transcender o passado e ao mesmo tempo lhe permanecer fiel depende tanto da ordem cultural quanto da situao prtica. (1990: 189) 8 O conceito de evento empregado aqui inspira-se na abordagem de Marshall Sahlins, que o define como a relao entre um acontecimento e um dado sistema simblico. (1990: 191) Em nossos prprios termos, a idia de estrutura ampliada da dimenso simblica proposta por Sahlins para abranger a vida de um dado agrupamento humano uma totalidade cultural. Assim, o evento representaria uma figura intermediria entre o fato e a totalidade cutural (estrutura social). 9 O evento prototpico constitui meramente um tipo ideal, cuja funo estabelecer uma referncia a partir da qual eventos concretos possam ser diferenciados e apreendidos. 10 O debate clssico, formulado nos marcos das teorias da dependncia e do sistema-mundo wallersteiniana, e resumido nas categorias polares de desenvolvimento e subdesenvolvimento, deve ser transcendido em favor de
4
1.2. Marcos Tericos e Analticos da Tese
Desse modo, faz-se necessrio precisar os marcos terico-analticos desta abordagem
socioantropolgica dos processos de desenvolvimento econmico promovidos pela siderurgia
no Rio de Janeiro e na Amaznia Oriental. Um arqutipo de definio econmica do
desenvolvimento o caracterizaria como o resultado de um complexo de acontecimentos ou
fatos produzidos no mbito das relaes econmicas11 e que se efetivaria, isto , produziria
efeitos, nos nveis social e poltico dos agrupamentos humanos.
A substituio de uma definio econmica por uma socioantropolgica do
desenvolvimento econmico se assenta em trs postulados que se interrelacionam.
Primeiramente, de modo a rejeitar o determinismo implcito definio econmica
arquetpica12 do fenmeno, o desenvolvimento econmico deve ser considerado como um
uma abordagem socioantropolgica e nominalista do desenvolvimento econmico. Nominalista porque atravs do fenmeno da retomada do desenvolvimento como categoria explicativa nativa desacompanhada do seu negativo, o subdesenvolvimento de processos socioeconmicos localizados, que essa abordagem se institui. Aqui vale um breve parntese. Meu interesse intelectual pelo tema do desenvolvimento surgiu durante a pesquisa inicial para a dissertao de mestrado. No esteio do processo de redefinio dos papis institucionais do Estado brasileiro redemocratizado e da consequente descentralizao federativa estimulada pela Carta Constitucional de 1988, observou-se um fenmeno acelerado de desnacionalizao do desenvolvimento econmico. Sua contraparte ao nvel subnacional foi a entrada deste fenmeno no lxico e na pauta de aes dos agentes pblicos municipais e estaduais com clara predominncia discursiva inicialmente. A proliferao de secretarias municipais de desenvolvimento econmico na mesorregio Sul Fluminense (RJ) foi o indicador inicial de que as bases da legitimidade do poder poltico local dependiam, de modo indito, da construo social do desenvolvimento, equacionado atratividade econmica do territrio. O desenvolvimento havia descido do pedestal e agora, impregnava os discursos e as aes dos 'tomadores de deciso' locais. Eu devo a explicitao desta abordagem socioantropolgica e nominalista do desenvolvimento econmico s interpelaes dos participantes do Seminrio Interno PROCAD UFMA/UFRJ: Amaznia e os Paradigmas do Desenvolvimento, realizado em So Lus, Maranho, 2007. Neste evento, realizei a apresentao oral A recomposio da cadeia siderrgica no Rio de Janeiro e na Amaznia Oriental: possvel falar em desenvolvimento econmico?, e sou particularmente grato aos comentrios e crticas dos professores Jos Ricardo Ramalho (UFRJ), Luiz Antonio Machado da Silva (UFRJ/IUPERJ), Marcelo Sampaio Carneiro (UFMA) e Neide Esterci (UFRJ). 11 Abre-se mo aqui, conscientemente, de investigar as causas econmicas do desenvolvimento econmico, tal como as concebem as correntes heterodoxas ps-keynesiana e neo-schumpeteriana, atribuindo, ao investimento produtivo e tecnologia (inovao), respectivamente, capacidades motrizes. Busca-se ressaltar, sobretudo, uma investigao dos contedos e formas do desenvolvimento econmico, em detrimento de suas causas potenciais. 12 Uma segunda definio arquetpica e implicitamente econmica do desenvolvimento econmico o equaciona a um suplemento indeciso e virtualmente infinito de fatores sociais tais como nveis de educao, sade e participao poltica sobre um ncleo duro: o conceito macroeconmico de crescimento. Enquanto fatores
5
fenmeno cultural concreto e total. Seus aspectos econmico, poltico e social so, nesse
sentido, expresses da referida totalidade. Desse modo, o desenvolvimento econmico no
gera a mudana social, ele a prpria mudana, pois que se identifica com a totalidade
cultural. A economia, compreendida como uma frao desta totalidade, incapaz de
determin-la.13 Trocando em midos, a ocorrncia do desenvolvimento econmico
determinada pela evidncia de mudana social, seu contedo substantivo.
Em segundo lugar, ele constitui um tipo especfico de mudana social, visto que
conjura uma transformao profunda da natureza dos agentes (sujeitos e objetos), de suas
relaes e da estrutura social (ou totalidade cultural) dentro da qual ambos, agentes e relaes,
se do. Assim, o desenvolvimento econmico, na perspectiva aqui adotada, representa uma
redefinio em grande escala das relaes entre os agentes econmicos, polticos e sociais, em
situaes especficas ou contextos (JOAS, 1997), em dimenses temporais e espaciais dotadas
de densidade cultural. A acelerao que produz transforma qualitativamente a estrutura social.
Resumidamente, o desenvolvimento como mudana no existe abstratamente, mas opera em
um plano concreto uma situao ou contexto no qual agentes se defrontam.
A mudana da totalidade parte necessariamente da transformao dos elementos que a
compem agentes e relaes. Estes, por sua vez, agem e reagem (engajam-se) ativa e
sociais os referidos nveis so duplamente caracterizados. Em primeiro lugar, so automaticamente definidos como fenmenos economicamente relevantes (WEBER, 2003), embora subordinados ao crescimento condio necessria e fora motriz desenvolvimentista. Em segundo lugar, estes nveis so tambm definidos como os efeitos, finalidades ou funes isto , fenmenos economicamente condicionados (idem), do desenvolvimento econmico, em um processo de representao moral do sentido da mudana. 13 A questo fundamental aqui diz respeito ao insulamento e reificao intelectual de dimenses da vida concreta. Nesse sentido, a abordagem pretendida vai de encontro s pretenses acadmicas tanto de economizao, quanto de socializao da experincia humana. Opta-se aqui por tomar o termo totalidade cultural e lhe emprestar o carter genrico da vida tal como esta experimentada por um dado grupo humano. Nesse sentido, as dimenses econmica, poltica e social de uma dada totalidade representam apenas feies abstraveis (menos concretas) da vida como esta se apresenta para indivduos, grupos, organizaes e instituies. Interessa aqui, explorar mais especificamente, as feies no econmicas do fato econmico. Entretanto, preocupa-se aqui menos com a rigidez nominal do que com a preciso semntica desta abordagem. Nesse sentido, a literatura da qual se toma de emprstimo a noo de desenvolvimento como mudana social, isto , a Sociologia do Desenvolvimento brasileira, alude ao mesmo sentido de transformao ou transio ampla de uma totalidade cultural: a formao da sociedade urbano-industrial brasileira entre os anos 1940 e 1970. Nesse sentido, a noo mesma de economia, se considerada como o fato bsico da necessidade de satisfao humana, pode ser equacionada prpria totalidade cultural.
6
assimetricamente, formando sistemas de relaes de valor, de poder e de compromisso.14 No
que concerne forma do desenvolvimento econmico, o que est em jogo o processo
concreto de transformao estrutural; as alianas e conflitos que emergem medida que uma
dada estrutura social impactada por um fato e, mediante esse impacto, desenvolve-se um
evento em geral definido como econmico. O evento capaz de fortalecer e enfraquecer, criar
e destruir agentes em quaisquer das dimenses ou campos (BOURDIEU, 2003) da vida
cultural. Sua forma especfica relaciona-se a uma propriedade de catalisao das relaes
culturais de um territrio, esboroando as distines entre as dimenses e forjando uma espcie
de metacampo. Neste caso, forjando metacampos sdero-logsticos.
Nesse sentido, agentes (sujeitos e objetos) estabelecem relaes e conjuntos ou redes
de relaes entre si. Ambos, agentes e relaes, no plano cultural e, portanto, significativo de
espao e tempo especficos, assumem feies econmicas, polticas e sociais. Na verdade, so
conjuntos especficos de relaes culturais que definem o desenvolvimento econmico. O
desenvolvimento econmico , por conseguinte, uma configurao espao-temporal
especfica de relaes culturais. Melhor ainda, o desenvolvimento econmico a
configurao transicional entre duas configuraes especficas; entre duas totalidades
culturais que definem determinadas capacidades da satisfao das necessidades humanas.
Entretanto, essa transio no , necessariamente, positiva, no sentido de ampliar a referida
capacidade de satisfao.
Mudana e permanncia so propriedades imanentes a quaisquer totalidades culturais.
No entanto, o ingresso de agentes significativos e a acelerao das relaes em territrios em
desenvolvimento as transforma qualitativamente. O planejamento, a implantao e a operao
de usinas siderrgicas gigantescas, com a entrada em cena de firmas estatais e/ou privadas,
14 Os conceitos bourdiesiano de campo e joasiano de situao/contexto inspiram mas no circunscrevem esta abordagem.
7
vai de encontro a estruturas sociais estabelecidas, nas quais as referidas relaes de valor, de
poder e de compromisso se encontram mais ou menos cristalizadas e operam enraizando os
agentes.
O setor siderrgico, tomado como objeto de estudo, prov casos exemplares de
mudana social estrutural. A mobilizao de estoques de valor, poder e compromisso que
engendra produz, com certa frequncia, a transformao do tipo que esta tese define como
desenvolvimento econmico. Por fim, avanando os postulados anti-determinista e de
especificidade do desenvolvimento, assume-se ento que, o desenvolvimento econmico um
fenmeno amoral embora plena e tradicionalmente moralizvel.
A transformao estrutural das relaes entre e o impacto diferencial sobre os agentes,
grupos, organizaes e instituies implica que o desenvolvimento econmico um
fenmeno moralizvel. Nesse sentido, positivo, neutro ou negativo quanto posio do
agente, por exemplo, a de grupos de pescadores artesanais afetados15 em suas condies de
reproduo ou a dos acionistas de firmas siderrgicas. tambm, moralizante, visto que
atribui qualidades ou propriedades morais aos agentes.16
15 interessante notar que a teoria econmica de base neoclssica j modelou as relaes conflituais entre pescadores artesanais e firmas siderrgicas em termos da economizao da natureza bens pblicos nos termos de Pindyck & Rubinfeld (1994). Em realidade, as teorias e metodologias acerca da mensurao do valor dos recursos naturais que emergem no campo econmico representariam, para Callon, Millo & Muniesa (2007), mtricas ou linguagens de valor. Isto , conhecimento econmico objetificado (objetos econmicos) com poder de agncia ou performatividade, medida que produzem efeitos em termos das aes concretas dos quadros tecno-gerenciais das companhias siderrgicas que se defrontam com organizaes profissionais de pescadores, por exemplo. A economizao das relaes entre pescadores e siderrgicas produz um quadro referencial segundo o qual as presses sociais e polticas, que rangem da organizao popular mais difusa ao enfrentamento jurdico, so apreendidas em termos de custos operacionais, que deve exceder os custos da adequao scio-ambiental para que esta ltima seja implementada concretamente. Neste caso, a materialidade dos instrumentos metodolgicos de valorao dos recursos ambientais (objetos econmicos) institui e transforma agentes e relaes (tradicionalmente sujeitos econmicos), modelando a realidade concreta. A questo subjacente performatividade das chamadas mtricas de valorao levantada pelos autores e que nos pertinente : como as coisas econmicas tornam-se calculveis atravs das linguagens ou mtricas de valor? Em nosso caso especfico, como as coisas econmicas tornam-se seletivamente econmicas, ignorando suas mltiplas feies como fatos culturais, atravs de processos de economizao? 16 Por exemplo, Eike Batista pode ser visto, ao mesmo tempo, tanto como o novo Midas do empreendorismo nacional (INSTITUTO MAGNA, 2008), quanto como uma espcie de Tio Patinhas na representao dos pescadores artesanais em Itagua. Uma representao do capitalista industrial tpico cujos principais atributos morais so a implacabilidade e a ganncia (SENNETT, 2004: 72). Aparentemente, a descrio de Sennett acerca
8
Entretanto, o desenvolvimento econmico amoral, no sentido de que sua
demonstrao independe da evidncia de resultados positivos em termos de desempenho
econmico e poltico-institucional17. Nesse sentido, o desenvolvimento econmico no
bom ou mau, nem possui aspectos positivos ou negativos; ele vivido, de forma
diferenciada, a partir de categorias morais. Assim, a recomposio da vida social
predominantemente vivida como redefinio das relaes de valor, de poder e de
compromisso entre os agentes, podendo ser experimentada inclusive, como tragdia.
Dito de outra forma, o desenvolvimento econmico uma transformao moralizvel,
mas no moral como tem sido concebido corriqueiramente. Da perspectiva moral do
desenvolvimento econmico, a mudana positivamente universal, isto , ela moralizada.
Da perspectiva adotada nesta tese, ao contrrio, a mudana estrutural no necessariamente
positiva, visto que, de um ponto de vista socioantropolgico e histrico-cultural (WEBER,
2003), a existncia concreta dos homens que determina o carter da transio pela qual
passam. E essa existncia concreta nica e diferenciada. Parte dela impactada por
da verso flexvel desta figura ideal capitalista, qual se acrescem o desapego e a tolerncia fragmentao, propicia uma descrio ideal de traos cruciais do carter (pblico e publicizado) de Eike Batista, famoso por sua capacidade de abraar o risco e criar e destruir firmas do dia para a noite. (idem: 72-73) O porto que eles vo construir... Vo construir um porto e vo torrar praticamente R$2 bilhes. [INTERVENO DO ENTREVISTADOR] Exatamente. Ento, aquilo que a gente fala, cara, a gente fala embasado, porque a gente sabe que voc pra operar um porto desse aqui... a LLX... eles no vo ter nem 1.000 empregados, cara. Voc imagina: eles vo gastar praticamente R$2 bi pra empregar menos de 1.000 pessoas. Eles com um projeto desses... o projeto orado pela APAIM com os 41 barcos custa R$6.150.000,00. P, vai gerar emprego pra 400... praticamente a mo-de-obra que eles vo empregar num porto de R$2 bilhes. P, uma lgica... que no d pros caras chegarem e dizerem assim: , ns estamos trazendo progresso e emprego. No! Eles esto trazendo... Eles no esto trazendo progresso e emprego. Porque o emprego... voc pode gerar o emprego com um custo muito menor e gerar renda pra muito mais gente. O que eles esto trazendo pra c o seu projeto pessoal de vida. O sr. Eike Batista... ele quer se tornar... O projeto pessoal de vida dele se tornar o homem mais rico do mundo. Agora, ele vai se tornar o homem mais rico do mundo s minhas custas? s custas do Alcides? s custas dos outros? No! Pera! Ningum aqui ta afim de impedir o progresso. Isso uma conseqncia. O pas ta... [INTERVENO DO PESQUISADOR] No! Ningum aqui ta querendo impedir o progresso, entendeu? A gente tem conscincia de que o pas precisa crescer, o pas precisa se inserir no mundo de forma forte, a passos firmes e ser respeitado pelo resto do mundo como uma grande potncia. A gente tambm quer isso. Ns somos brasileiros! Ns somos patriotas! Agora, no pode o Sr. Eike Batista encher o rabo de dinheiro e me deixar na merda. Deixar o Alcides na merda, deixar os outros na... (GARCIA, 2010b) 17 exatamente neste sentido que deve ser entendido o no tratamento da categoria subdesenvolvimento, construda de forma residual e dicotmica em relao a um padro moral de desenvolvimento, e que, em uma grande variedade de abordagens econmicas e sociolgicas, ignora sua subjetividade e relatividade histrica.
9
benefcios e outra, por malefcios. O desenvolvimento econmico representa,
simultaneamente, as duas condies.
Alm das premissas analticas que informam esta concepo socioantropolgica do
desenvolvimento econmico, necessrio precisar tambm seus marcos tericos. Nesse
sentido, a mudana social apresentada como o prprio contedo do desenvolvimento
econmico, no sentido de que este se produz sempre que as relaes culturais entre
indivduos, grupos, organizaes e instituies manifestem uma confrontao explcita entre
um acontecimento (apresentado como) econmico datado ou complexo destes e a
estrutura social de um territrio especfico, que termina por transformar ambos, relaes e
estrutura. Em concordncia com Marshall Sahlins,
[...] um evento no apenas um acontecimento caracterstico do fenmeno, mesmo que, enquanto fenmeno, ele tenha foras e razes prprias, independentes de qualquer sistema simblico.18 Um evento transforma-se naquilo que lhe dado como interpretao. Somente quando apropriado por, e atravs do esquema cultural, que adquire uma significncia histrica. [...] O evento a relao entre um acontecimento e a estrutura (ou estruturas): o fechamento do fenmeno em si mesmo enquanto valor significativo, ao qual se segue sua eficcia histrica especfica (SAHLINS, 1990: 15).
A abordagem culturalista de Sahlins19 problematiza as oposies (onto)lgicas do
folclore nativo e do pensamento acadmico ocidentais, organizadas em termos de
estabilidade e mudana. Desse modo, sustenta a indissociabilidade fenomenolgica da
estabilidade e da mudana no mundo prtico. Nos termos prprios em que as explicaes
econmicas arquetpicas reduzem esta oposio, estagnao e crescimento constituiriam
momentos discretos do processo global de satisfao das necessidades humanas.
A abordagem socioantropolgica do desenvolvimento econmico se diferencia da
explicao econmica arquetpica porque rejeita duplamente a representao discricionria
18 Adaptado para nossos propsitos, sistema ou totalidade cultural. 19 Em oposio ao funcionalismo de Radcliffe-Brown e ao estruturalismo lvi-straussiano.
10
(estanque) evolutiva e a generalizao da estabilidade e da mudana como estagnao e
desenvolvimento. O culturalismo de Sahlins e sua abordagem em termos da relao entre o
fato ou acontecimento e a estrutura cultural (mediada pela figura hbrida do evento) representa
a negao radical desta representao discricionria e evolutiva, da qual o arqutipo
econmico constitui apenas um exemplo.
No entanto, a indissociabilidade fenomenolgica da mudana e da estabilidade em
Sahlins est baseada em uma premissa generalista. Nesse sentido pode-se supor que um dado
sistema cultural tornar-se-ia incongruente na evidncia (lgica) da mudana generalizada
desenvolvimento em nossos termos. Obviamente no preciso supor que uma totalidade
cultural inteira se encontre na presena de processos de mudana global que, no limite, torn-
la-iam ininteligvel. Mesmo eventos revolucionrios contm muitos aspectos de permanncia.
O que se postula que, para contingentes humanos significativos de uma dada totalidade
cultural, em tempo e espao delimitados, o nvel de descontinuidade de um evento pode
assumir e assume concretamente propores tais que, para este grupo, os aspectos de
permanncia ficam obscurecidos, e a mudana completa e irreversvel pode tornar a vida
cotidiana uma tragdia.
Nesse sentido, em um plano fenomenolgico, mudana e estabilidade so aspectos
permanentes de uma totalidade cultural e, portanto, so indissociveis. No plano da existncia
cultural concreta, entretanto isto , aquele da vida prtica dos indivduos, grupos,
organizaes e instituies este par se apresenta de forma muito diferenciada. Este plano
existencial, dentro do qual os agentes se percebem e estabelecem relaes concretas entre si,
certamente, um plano segmentado e parcial, de modo que as representaes, aes e relaes
que engendram no podem ser genricas ou integrais. Mudana e estabilidade so
propriedades que se lhes apresentam de forma bastante assimtrica podendo estar, inclusive
ausentes, temporariamente, de sua experincia subjetiva. Assim, o mundo particular daquele
11
que deslocado ou que se v impedido de reproduzir-se como categoria social , muitas
vezes, um mundo completamente instvel e, por isso mesmo, trgico. Um hospcio talvez?
Nesse sentido, Sahlins toma como objeto as relaes entre um evento crtico e a
estrutura cultural da sociedade havaiana e seu mtuo condicionamento de modo a propor uma
teoria abrangente da histria. Em seu modo prprio de formular o problema, j clssico, da
ordem (ou da ao, como quisermos) social, Sahlins integra a reproduo e subverso da
estrutura a partir do que define como o duplo risco da prtica via engajamento ativo dos
agentes (isto , via ao social) e via disjuno das categorias estruturais e da situao ou
contexto especfico.
Assim, o desenvolvimento econmico demanda, em realidade, a emergncia de um
evento (SAHLINS, 1990) de magnitude representativa e que, por isso, capaz de transformar
qualitativamente toda a totalidade significativa de um territrio. Em termos mais prticos,
inspirando-se na abordagem de Marshall Sahlins, ainda que a subvertendo20, a estrutura social
se transforma: seja a partir da intruso de uma usina siderrgica de capital transnacional em
um espao semi-urbano, como o municpio de Itagua, no Rio de Janeiro; seja pela repulso
de um projeto similar em So Lus, Maranho.
Tais eventos recompem assim, ampla e profundamente, as relaes entre os agentes
econmicos, polticos e sociais nestes espaos. Acontecimentos potencialmente
transformadores desse tipo tornam-se eventos significativos a partir, entretanto, da redefinio
20 A abordagem de Sahlins encontra-se subvertida em dois pontos principais. Em primeiro lugar, o conceito de estrutura do autor refere-se em particular, dimenso simblica da vida humana, ainda que produza efeitos sociais concretos. Nesse sentido, a definio de cultura que se adota nesta tese tambm difere da de Sahlins, por referir-se, genrica e prioritariamente, vida cotidiana das situaes concretas. Assim, nossa prpria definio de estrutura social como totalidade cultural aponta para o mesmo generalismo includente dos fenmenos definidos seletivamente econmicos, polticos e sociais. Em segundo lugar, em nome da mesma prerrogativa fenomenolgica que Sahlins pleiteia para explicar a indissociabilidade entre mudana e estabilidade em sua teoria da histria, busca-se discutir as relaes entre evento (econmico) e estrutura (social) a partir das percepes e reaes ao desenrolar histrico em situaes concretas. Nesse sentido, embora nenhuma mudana possa ser to completa ao ponto de tornar a estrutura completamente ininteligvel, indivduos, grupos, organizaes e instituies inteiros experimentam o desenvolvimento econmico em termos de mudana social brusca e dolorosa, tornando, para eles, o seu mundo, ininteligvel.
12
engajada (intencional) e contextual (situacional) das relaes entre agentes econmicos,
polticos e sociais, assim como dos limites para as suas respectivas capacidades de agir de
forma autnoma.
A implantao de um projeto siderrgico ou, mais genericamente, de um grande
projeto (CASTRO, 1995)21, pode ser definida, mais fielmente, como um acontecimento ou
fato provocado por uma deciso-ao (uma deciso de investimento, por exemplo). Em
realidade, como um complexo de decises-aes e de fatos. Acontecimentos culturais
fundadores deste tipo tornam-se eventos porque se relacionam fundamentalmente, estrutura
social ou totalidade cultural na qual se inserem e so, por isso mesmo, interpretados luz das
relaes de valor, de poder e de compromisso que tanto se reproduzem quanto se transformam
na vida cotidiana. O que se defende nesta tese que, a coliso entre certos acontecimentos e
estruturas em tempo e espao especficos, engendra eventos disruptivos capazes de alterar
profundamente a vida de contingentes populacionais muito expressivos e, no limite,
transformar a estrutura social.
Se, para Sahlins, o evento uma interpretao do acontecimento, e se tais
interpretaes so variadas, deve-se buscar evidenciar essas diferentes interpretaes. Ao
ressaltar a moralizao do desenvolvimento econmico, alude-se essencialmente a uma verso
genrica que o equaciona evoluo positiva das condies materiais de agrupamentos
humanos. Nesta tese, entretanto, busca-se evidenciar algumas verses trgicas ou no limiar
da tragdia produzidas pelo acontecimento siderrgico em contato com territrios
concretos, isto , pelo evento disruptivo que os transforma profundamente.
21 Castro define originalmente grandes projetos como os empreendimentos ou complexos produtivos de grande porte identificados por massivos investimentos e instalados a partir dos anos 70 (1995: 02). Da perspectiva aqui defendida, centrada na capacidade (des)estruturadora do fato econmico e considerando a importncia e magnitude assumida pelos sistemas logsticos em redes de produo globais (DICKEN, 2007), parece ser necessrio ampliar o conceito para incluir as infra-estruturas ou capitais de larga escala e grande durabilidade (HARVEY, 2006: 224) decisivos para os processos de captura de valor. Infra-estruturas porturias, ferrovirias, rodovirias, energticas, etc. podem constituir tambm, nesse sentido, grandes projetos ou empreendimentos.
13
O evento disruptivo conforme estabelecido por Sahlins a respeito do choque entre
a chegada do capito Cook ao Hava e do imperativo da significao desta chegada na
cosmologia e estrutura social havaianas pode assumir, entretanto, mltiplas formas. No caso
da Amaznia Oriental, da perspectiva da transformao regional mais ampla, a ao
demirgica do Estado (EVANS, 2004) que, via firma estatal, produz a infra-estrutura
ciclpica necessria converso do Brasil no maior produtor e exportador de minrio de ferro
do mundo. essa infra-estrutura especfica, o complexo mina-ferrovia-porto da ento
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), um objeto econmico pleno, que transforma a
estrutura social oriental amaznica e define um metacampo sdero-logstico regional. Este
objeto econmico condiciona assim, os limites da ao e a dinmica das relaes entre os
agentes inclusive aqueles (agentes e relaes) que precedem a sua criao.
No caso do territrio sdero-logstico do Rio de Janeiro, processos de urbanizao e
industrializao prvios, em ordem de importncia, configuraram uma estrutura social sui
generis no Brasil, no completamente urbana em espaos especficos do territrio estadual.
Mesmo a Regio Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), seu espao mais urbano e
industrial, conserva algumas ilhas semi-urbanas, tais como Itagua. Aqui, a Companhia
Siderrgica Nacional (CSN), enquanto firma estatal, atuou de forma anloga da mineradora
Vale, no sentido de que promoveu a mudana social estrutural e recomps o metacampo
regional a partir de Volta Redonda um distrito de Barra Mansa at 1954.
Novamente, verifica-se no Rio de Janeiro, mais propriamente em Itagua, a
implantao de uma usina siderrgica, imediatamente a maior da Amrica Latina.
Diferentemente, no entanto, o territrio em que se instala semi-urbano e no mais rural
como Barra Mansa em 1946, mas os processos de transformao social e recomposio das
relaes entre agentes apresentam similaridades fundamentais. Aqui, em 2010, o capital
industrial-financeiro que desempenha o papel outrora atribudo ao Estado.
14
tambm necessrio ressaltar que os processos de desenvolvimento econmico dos
territrios sdero-logsticos do Rio de Janeiro e da Amaznia Oriental so apreendidos sob um
contexto de desintegrao geogrfica e integrao funcional da produo siderrgica. Nesse
sentido, uma abordagem em termos de redes de produo globais (RPGs) necessria de
modo a compreender algumas das determinaes estruturais dos eventos que so aqui
definidos como prototpicos. Dessa forma, atravs das motivaes e formas de ao de
firmas e grupos econmicos concretos que fatos ou acontecimentos exgenos gigantescos,
como a implantao dos grandes projetos industriais em territrios de tipo greenfield
(SANTOS, 2006a), como Itagua, ou sem qualquer tradio em siderurgia, como So Lus,
que o estudo do potencial transformador do evento econmico tem incio.
Na realidade, estas motivaes e formas de ao, com nfase na descentralizao
concentrada (DICKEN, 2007) e em processos de financeirizao22 (FROUD et al., 2000) do
origem, no Brasil, a um formato especfico da transnacionalizao siderrgica: a de
greenfields costeiros low-tech. Alm de uma perspectiva estrutural acerca da operao de
processos econmicos transnacionais, a abordagem das RPGs capaz de integrar
potencialmente, os processos de valor, de poder e de compromisso que compem a
transformao social e a redefinio do metacampo sdero-logstico em ambos os territrios.
Isto porque adota tambm uma perspectiva relacional acerca das transformaes econmicas
territoriais impulsionadas pelos referidos processos, fazendo emergir uma abordagem que
integra os agentes no econmicos em sua formao e direcionamento. Nesse sentido, aponta
22 Em setores econmicos maduros como o siderrgico, no qual as possibilidades de rupturas tecnolgicas e lucros extraordinrios so escassas, processos de captura de valor so determinantes nas estratgias empresariais. Nesse sentido, lgicas de financeirizaco (shareholders value) e de desmaterializao da produo se apresentam como cruciais.
15
para a superao da firma e do Estado23 como matrizes unitrias de fenmenos econmicos
de grande monta, como o desenvolvimento.
Nesse sentido, esta abordagem inegavelmente importante para este trabalho. No
entanto, esta tese avana na pretenso da proposio da abordagem das RPGs de uma
abordagem multi-agente e multi-relacional. Desse modo, assume como foco primordial a
importncia da qual se investem os agentes e as relaes no econmicos na constituio da
economia concreta, real. Assim, a anlise em termos de fenmenos economicamente
relevantes e/ou condicionados assume precedncia sobre a dos fatos econmicos
propriamente ditos.
Weber enfatiza a importncia cultural especfica que engendra, em cada caso, um
problema social24, econmico ou no. , no entanto, o interesse cognitivo, canalizado por esta
hierarquia cultural da importncia das coisas, para aquelas relacionadas necessidade de
satisfao humana, em detrimento de outras, que constituiria um problema de cincia social
(WEBER, 2003: 19). Certamente, problemas sociais e problemas sociolgicos no se
resumem25 ao fato bsico da satisfao das necessidades humanas.
No entanto, este parece ser um bom caminho para desenvolver uma anlise
sociolgica de problemas tradicionalmente considerados econmicos; para instituir uma
sociologia econmica e do desenvolvimento independente da anlise econmica neoclssica
23 Classicamente, a abordagem histrico-institucional sobre as funes estatais nos processos nacionais de desenvolvimento econmico (EVANS, 2004; GERSCHENKRON, 1962; HIRSCHMAN, 1961) ilumina de modo crucial um desses agentes-chave, o Estado. 24 A noo de problema social assume aqui, o sentido genrico de um fenmeno cultural relevante. O conceito de social ser utilizado frente, para definir uma subcategoria englobada pelos fenmenos culturais, em conjunto com os fenmenos econmicos e polticos. 25 Obviamente, supor que a posio de Weber acerca do objeto prprio da Sociologia se reduz aos fenmenos relacionados vida econmica ignorar a importncia que o autor atribui, por exemplo, poltica e ideologia na formao dos fenmenos sociolgicos. Weber trata aqui, no mbito da luta entre as tradies historicista alem na qual se insere, e psicolgica austraca no campo econmico, de ressaltar a dimenso cultural de toda ao humana, rejeitando o estruturalismo matemtico e a-histrico institudo pela revoluo marginalista.
16
(marginalista) e de seus fundamentos psico-estruturalistas26. Interessa discutir as coisas
econmicas em funo dos agentes que as instituem, por meio de suas relaes que as
transformam, e dos impactos que exercem sobre essas (relaes) e aqueles (agentes). Importa
discutir a economia atravs daqueles que a fazem concretamente. Nesse sentido, a tipologia
dos fatos econmicos proposta por Weber esclarecedora. As coisas propriamente
econmicas, as economicamente relevantes e as economicamente condicionadas fazem assim,
parte do universo da satisfao humana (2003).
Assim, opta-se por enfatizar os papis desempenhados por aqueles agentes aos quais o
estabelecimento de contedos e formas de fenmenos econmicos complexos
recorrentemente negado. Nesse sentido, esta tese busca promover os agentes sociais a uma
posio de centralidade na discusso sobre o desenvolvimento econmico. Reconhecendo o
carter propulsor da firma (em especial a firma transnacional) e do Estado no
desenvolvimento econmico, afirma-se a relevncia analtica dos agentes polticos
subnacionais e dos indivduos, grupos, organizaes e instituies sociais na constituio dos
ambientes que o canalizam e mesmo, em alguns casos, o determinam.
Nesse sentido, a propulso de processos desenvolvimentistas deve necessariamente,
encontrar os elementos comburentes que iro aliment-los a um ponto em que os
componentes de estabilidade da estrutura social predominem novamente sobre os de mudana
na experincia cotidiana dos homens e mulheres de um dado territrio. Assim, a
transformao que se produz, por exemplo, com o estmulo passagem de pescadores
26 A chamada Nova Sociologia Econmica (NSE), epitomizada por Mark Granovetter e Richard Swedberg, a principal matriz terica contempornea na anlise sociolgica do fato econmico. No entanto, a crtica que este trabalho faz a este arcabouo terico centra-se no seu ecletismo incongruente. Apesar de grandemente apoiada na sociologia compreensiva weberiana, seu projeto intelectual complementar economia neoclssica, em detrimento de uma crtica profunda e necessria de seus fundamentos psico-estruturalistas. importncia atribuda pela NSE s relaes sociais e de suas redes como constitutivas da ao econmica aqui, substituda pela concepo de que as relaes (e no mais aes) econmicas so um subtipo de relaes culturais mais gerais, que lhes conferem significado e sentido prprios. Nesse sentido, rejeita-se, sobretudo o individualismo metodolgico comum economia neoclssica e NSE, em favor de uma abordagem relacional explcita.
17
artesanais, ribeirinhos, quilombolas, indgenas condio de trabalhadores assalariados ou
desempregados urbanos o combustvel que alimenta a implantao de greenfields costeiros
low-tech em Itagua e em So Lus. O transtorno individual e cultural que esta transformao
implica deve-se, portanto, duplamente, incapacidade de reproduo intergeracional e de
converso imediata de contingentes humanos significativos.
Ademais, a atribuio de um papel exclusivo de agentes e relaes economicamente
condicionadas a estes indivduos, grupos, organizaes e instituies pouco condizente
realidade. Os papis que efetivamente so desempenhados quando da evidncia de processos
de mudana social estrutural demonstram que estes sujeitos se rebelam, e podem influenciar
decisivamente as motivaes e aes dos agentes propulsores do desenvolvimento
econmico. Nesse sentido, embora geralmente dotados de estoques menos abundantes e
menos capazes de mobilizar importantes formas de capital (BOURDIEU, 2003), em contextos
especficos, alguns destes agentes e grupos pem em xeque fenmenos culturais complexos
como a converso de reas rurais de uso comum em espaos industriais para a instalao de
complexos siderrgicos, como em So Lus.
Dessa forma, ao menos potencialmente, agentes no econmicos so capazes de
mobilizar as formas simblica, social e poltica do capital no sentido da interpretao do fato
ou acontecimento econmico e de sua converso em uma ameaa decisiva reproduo seja
das formas de vida e trabalho tradicionais, seja das formas de vida e trabalho urbanas das
camadas mdias. Isto , estes grupos de agentes so capazes de transformar o acontecimento
em evento atravs da relao que estabelecem entre o fato bsico da deciso econmica da
firma e/ou poltica do Estado com a sua prpria reproduo social, projetada em uma imagem
de risco da transformao da estrutura como um todo.
Embora o fato e o evento ou fenmeno econmicos sejam elementos-chave do
entendimento da economia real, pois que significativos, a relao que os institui, transforma e
18
se transforma por meio deles, de igual importncia. To relevante quanto a deciso de
implantar uma usina de tipo mini mill em Resende, Rio de Janeiro, a matriz das relaes
entre agentes econmicos, como a Votorantim Siderurgia S.A. (VS), e no econmicos, por
exemplo, as secretarias municipais de desenvolvimento e meio ambiente e associaes de
moradores, que assume preeminncia nesta anlise.
Nesse sentido, agentes no econmicos decisivos nestes dois territrios sdero-
logsticos a Igreja Catlica, os sindicatos de trabalhadores metalrgicos, os movimentos
scio-ambientais, as populaes tradicionais, as representaes empresariais regionais e
locais, etc. so decisivos para a configurao das relaes de poder, de valor e de
compromisso em contextos especficos. A noo de enraizamento do modelo das RPGs,
particularmente a proposta por Hess (2004), decisiva no entendimento de que os agentes e
as redes de relaes sociopolticas (SANTOS, 2007; 2006a; RAMALHO, 2006) impactam
decisivamente sobre aes e relaes econmicas de grande importncia.
Neste ponto, parece necessrio discorrer sobre a distino prvia dos agentes entre
sujeitos e objetos, e relacion-la tipologia weberiana do objeto sociolgico. Far-se- uso das
premissas histrico-cultural e socioantropolgica da economia e deseconomia das coisas que
so adotadas neste trabalho. De acordo com elas, os limites entre sujeitos e objetos
econmicos so cognitivamente parciais e mutveis. impossvel essencializar o agente, seja
ele econmico ou no econmico. De um lado, tecnologias tipicamente definidas como
objetos, como o Forno Eltrico a Arco (EAF), agem no sentido de transformar o padro de
qualificao da fora de trabalho siderrgica, a forma de interao com a natureza e a
possibilidade de criao e captura de valor (COE et al., 2004) em um territrio especfico, por
exemplo. Desse modo, a simples transformao de um padro tecnolgico, da usina
siderrgica integrada, baseada em coque, para a semi-integrada operada por energia eltrica,
19
constitui uma forma de agncia, pois que institui e transforma relaes econmicas, polticas e
sociais preexistentes.
Por sua vez, indivduos, grupos, organizaes e instituies, tipicamente concebidos
como sujeitos, em virtude de aes e decises econmicas extralocais, por exemplo, os planos
de enxugamento da fora de trabalho, como o que atravessou a CSN e o municpio de Volta
Redonda, entre 1989 e 1993, previamente a sua privatizao, convertem-se em objetos. Isto ,
a agncia prpria dos metalrgicos e de suas instituies de representao e defesa foi
bloqueada temporariamente. Nesse sentido, um evento (SAHLINS, 1990) externo especfico,
como o que obstou a agncia de organizaes como o Sindicato dos Metalrgicos de Volta
Redonda, abre, no entanto, possibilidades de agncia individual e de grupo27, assim como
outras frentes de luta por poder. Nesse ltimo caso, a ascenso do presidente deste sindicato
prefeitura de Volta Redonda em 1989 fora sintomtica. Em funo do bloqueio da agncia
sindical, o locus da representao trabalhista deslocou-se da relao trabalhador-firma para a
relao cidado-cidade. Do campo econmico da firma ao campo poltico do municpio
(BOURDIEU, 2003).
Sujeitos e objetos tipicamente econmicos, por exemplo, os Chief Executive Officers
(CEOs) de firmas transnacionais (indivduo28), os departamentos ou setores intra-firma
(grupo), a prpria firma (organizao) e o padro de terceirizao de servios (instituio),
27 Um contingente de cerca de 8.000 (24.000 ao total) trabalhadores fora dispensado nestes quatro anos de enxugamento. Suas estratgias individuais e grupais de reconverso profissional, por exemplo, so construdas a partir do obstculo do evento externo. Assim, trabalhadores e associaes de representao profissional so, duplamente, sujeitos e objetos. So, por isso mesmo, economicamente relevantes e condicionados, visto que se relacionam necessidade da satisfao humana. 28 curioso o fato que, na literatura acadmica, referncias a indivduos econmicos sejam virtualmente inexistentes, em face da abundncia de menes a grupos, organizaes e instituies econmicas. Aparentemente, a totalidade concreta de uma personalidade individual resistente reduo intelectual que permite considerar, por exemplo, uma pessoa jurdica, objetivamente, como uma organizao econmica e, portanto, determinada a priori por fins exclusivamente econmicos (reificao). Em realidade, ambas as pessoas, fsica e jurdica, tanto quanto grupos de interesse e instituies, so irredutveis a quaisquer motivaes nicas, sejam elas o prestgio ou o lucro. Apoiando-se em Weber, novamente, o interesse cientfico, guiado por significados culturais atribudos subjetiva e objetivamente, que conferem a aura de econmico a fenmenos essencialmente complexos. As coisas so, dessa forma, mais reais porque apresentam mais propriedades do que os significados que lhes so atribudos. (SAHLINS, 1990: 09)
20
dentre outros, assumem tambm feies polticas e sociais. Relaes de poder e de
compromisso, para alm dos processos relacionados ao valor, os definem tambm como
agentes sociopolticos. Por exemplo, firmas estabelecem relaes de prestao de servios
e/ou de subsidiaridade a transnacionais siderrgicas em funo de motivaes diferentes das
relacionadas ao lucro, como a fidelizao e a submisso a um cliente ncora e/ou o acesso a
mercados dificilmente alcanveis.
O exemplo da Ferro Gusa Carajs (FGC), produtora independente de ferro gusa e
subsidiria integral da Vale, demonstra, dentre outras questes, a importncia do valor
simblico na formao do valor econmico (entendido como valor de mercado em suas
facetas operacional e financeira). A necessidade de justificao moral (BOLTANSKI;
CHIAPELLO, 2009) da produo siderrgica primria na Amaznia Oriental impacta
decisivamente, nas decises de operao e investimento da firma regional ncora, a Vale, e
sua controlada, a FGC. Nesse sentido, o agente propulsor da mudana social estrutural busca
reagir e responder s presses polticas e sociais que emanam das relaes e agentes no
econmicos no ambiente transformado.
De outro lado, indivduos, grupos, organizaes e instituies no econmicas, isto ,
no concebidas em funo de uma motivao econmica dominante, importam, em uma
variedade de situaes concretas. Camadas mdias urbanas e sua preocupao contempornea
com os efeitos socioambientais de empreendimentos industriais constituem coalizes anti-
desenvolvimentistas29 (NEL; MARAIS; GIBB, 2004), por sua vez capazes de influenciar
decises empresariais de operao e, mesmo de investimento. Dessa forma operam tambm,
agentes duplamente organizacionais e institucionais, como a Igreja Catlica, e grupos de
interesse organizacionalmente constitudos com vistas representao de categorias
29 Esta noo cunhada aqui, para opor-se ao conceito tradicional de coalizo desenvolvimentista. Na realidade, o primeiro seria uma noo negativa, que englobaria uma variedade de agentes, defendendo posies propriamente anti-desenvolvimentistas, scio-preservacionistas e ambientalistas, dentre outras.
21
profissionais e populaes tradicionais, como pescadores artesanais, agricultores familiares,
metalrgicos, grupos indgenas e quilombolas, etc.
Nesse sentido, um conjunto variado de sujeitos e objetos no econmicos so
heuristicamente relevantes porque importam para uma melhor compreenso de configuraes
concretas de relaes econmicas. Eles so, em termos weberianos, economicamente
relevantes (WEBER, 2003). Estas relaes no podem ser concebidas seja como unvocas ou
mesmo dominantes em situaes especficas. Para os propsitos deste trabalho, relaes
econmicas, polticas e sociais constituiriam as unidades bsicas da interao em totalidades
culturais concretas: indivduos, grupos, organizaes e instituies.
Certamente, este conjunto vasto de sujeitos e objetos no econmicos so, por sua vez,
impactados pelas coisas econmicas propriamente ditas, assim como pelas relaes que
estabelecem com estas. Desse modo, motivaes originalmente no econmicas por
exemplo, a preservao de biomas frgeis, como o mangue , convertem-se em suas
contrapartes econmicas demandas por indenizao individual a pescadores artesanais. Do
mesmo modo, indivduos agregam-se e desprendem-se de grupos e organizaes;
organizaes surgem e/ou renovam-se, enquanto outras perdem relevncia e/ou so
dissolvidas; instituies mantm a aparncia, mas experimentam a transformao de seus
contedos; etc. Tudo isto em face da ao exercida por coisas econmicas e/ou atravs da
mera interao com elas. Nesse sentido, tais coisas no econmicas podem ser definidas como
fenmenos economicamente condicionados (WEBER, 2003).
1.3. Diviso da Tese em Captulos
Assim, alm desta introduo, esta tese composta de 4 captulos. O primeiro deles
descreve a abordagem das redes de produo globais (RPGs), relacionando este modelo
22
analtico aos seus predecessores. Em particular, analisada a abordagem das cadeias globais
de commodities (CGCs). Aqui, relaes de valor, de poder e de compromisso so os pontos
cruciais do entendimento dos processos econmicos centrados na localizao de firmas
transnacionais em territrios especficos.
No segundo captulo, toma-se para anlise a escala global da produo siderrgica e
sua organizao no formato de redes, articulando agentes e influenciando relaes em
territrios descontnuos. D-se especial nfase ao processo de encadeamento e luta entre
atividades econmicas que tem na siderurgia seu ponto de partida (indstrias de bens de
consumo) e de chegada (minerao), de modo a compreender a centralidade deste setor nos
processos de formao de valor. A esse respeito, aponta-se um processo especfico de
financeirizao deste ncleo de firmas criadoras de valor siderrgicas e mineradoras, pondo
em xeque o processo mesmo de criao de riqueza.
O terceiro captulo esboa alguns dos nodos mais importantes das redes de produo
siderrgica globais na Amaznia Oriental. Neste territrio especfico, a construo social da
economia e da deseconomia das coisas permanece aberta. Sujeitos e objetos, neste territrio,
comparativamente ao do Rio de Janeiro, no passaram pelos processos de comodificao
capazes de lhes atribuir um sentido econmico dominante. Nesse sentido, a importncia social
e econmica dos parques guseiros da Amaznia Oriental se expressa atravs do processo de
converso da natureza, da terra e do trabalho em mercadorias.
A dimenso da transformao territorial promovida pela siderurgia, em geral,
manifesta por algum grau de comodificao de recursos naturais, como ecossistemas
marinhos (mangue) e as terras de uso comum; da reconverso profissional ou migrao, na
formao de uma fora de trabalho industrial especfica siderurgia. Particularmente no que
concerne natureza, processos de disputa em torno dos direitos consuetudinrios de uso da
23
Baa de Sepetiba e dos recorrentes acidentes poluentes da CSN no Rio Paraba do Sul
demonstram simultaneamente a deseconomia e a relevncia econmica da natureza.
Na Amaznia Oriental, no entanto, processos de comodificao prvios, necessrios
formao dos mercados de insumos (de trabalho no segmento de carvoejamento e de carvo
vegetal), transformam qualitativamente a economia e a deseconomia das coisas. O fato
fundamental da incompletude do processo de comodificao da natureza principalmente, e
por conseqncia, da terra e do trabalho, na Amaznia Oriental influencia decisivamente o
modo como operam a economia e a deseconomia das coisas neste espao. Em particular, este
fato bsico fundamenta contemporaneamente o modo como se do as relaes de valor, de
poder e de compromisso. Na Amaznia Oriental, o evento cultural prototpico
completamente subvertido por esse fato, de modo que a deseconomizao das coisas
econmicas expresso da correlao de valor, poder e compromisso entre os agentes
econmicos e no econmicos envolvidos no metacampo sdero-logstico.
O quarto captulo apresenta o caso da regio sdero-logstica do Rio de Janeiro. Dadas
as caractersticas de urbanizao e industrializao mais antigas deste espao, so notveis
algumas das similaridades que apresenta em relao Amaznia Oriental. O processo
histrico de formao da conurbao Volta Redonda-Barra Mansa, em termos da
transformao social que representou dependeu fortemente da comodificao do trabalho de
um enorme contingente populacional migrante, de origem rural e nordestina, como o que
alimentou a criao do complexo mina-ferrovia-porto da Vale. No entanto, a comodificao
da natureza e da terra neste espao fora completada pelo menos dois sculos antes, com o
auge do ciclo cafeicultor.
Nesse sentido, o desenvolvimento econmico deste espao assumiu a forma precisa de
desenvolvimento industrial, enquanto a Amaznia Oriental vem experimentando desde a
dcada de 1970, um processo mais bem caracterizado como de desenvolvimento capitalista
24
isto , de introduo do capitalismo via capital industrial. No territrio sdero-logstico
fluminense, por outro lado, o processo de substituio do capital agrrio pelo capital
industrial em seu processo de evoluo econmica. No por acaso, os principais trabalhos
socioantropolgicos acerca da CSN e do operariado regional enfatizam os aspectos ficionais
da produo de uma classe trabalhadora urbano-industrial. Este certamente o aspecto
decisivo do desenvolvimento do territrio sdero-logstico sul fluminense no perodo 1946-
1989.
Dessa forma, a implantao da Companhia Siderrgica do Atlntico (TKCSA) em
Itagua prov um exemplo intermedirio entre a comodificao completa provocada pelo
Complexo de Carajs e a comodificao parcial demandada pela CSN. Se a construo social
de uma classe trabalhadora urbana e industrial em Itagua pde se beneficiar das
aglomeraes urbanas da Zona Oeste do Rio de Janeiro, em particular, e das regies
Metropolitana e Sul Fluminense, por que ento o processo migratrio dos estados nordestinos
tem se apresentado de forma to impressionante neste espao? Do mesmo modo, se os
processos de concentrao fundiria e comodificao da terra so prvios deciso de
investimento da ThyssenKrupp, no menos verdadeiro que a expanso da especulao
imobiliria no municpio seja espetacular, assim como a prpria TKCSA tenha enfrentado
uma situao de ocupao do terreno da planta pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST).
No entanto, de especial importncia a comodificao da natureza expressa na
incorporao logstico-produtiva da Baa de Sepetiba. Neste espao, diferentemente da
Amaznia Oriental, a incorporao da natureza em redes de produo globais no provoca a
criao de mercados em substituio e em paralelo s formas tradicionais de satisfao de
necessidades humanas. Em Itagua, a substituio simples da produo artesanal de
pescado siderurgia integrada. De modo que, embora quaisquer das transies apresentadas
25
sejam profunda e dolorosamente traumticas, a que se processa em Itagua oferece opes
mais estritas de confronto entre os agentes que vem ameaada sua reproduo fsica e social:
assimilao ou resistncia.
Dessa forma, o movimento que vai do primeiro ao ltimo captulo descreve uma
trajetria abstrato-concreta, iniciando com a descrio e discusso de uma matriz terica
capaz de explicitar alguns condicionantes estruturais da transnacionalizao da siderurgia: as
redes de produo globais ou RPGs. No segundo, fragmentos das diversas redes de produo
siderrgica globais so discutidos em maior detalhe, buscando integrar algumas das principais
tendncias da operao da siderurgia transnacional e seu encadeamento com outras atividades
econmicas fundamentais.
No terceiro e quarto captulos, que so fundamentados mais diretamente no trabalho
de campo necessrio confeco desta tese, os modos como as diversas redes se materializam
nos territrios sdero-logsticos da Amaznia Oriental e do Rio de Janeiro so explorados em
detalhe. Ademais, o que est em foco, fundamentalmente, como essas redes econmicas
so, na prtica (em contextos concretos), invadidas por agentes exgenos (sujeitos e objetos),
isto , no econmicos. De modo que, seu contedo e formato so expressos primariamente,
nas transformaes estruturais das totalidades culturais territoriais que lhes precedem e dos
metacampos sdero-logsticos que so inaugurados pelos eventos econmicos que
representam.
1.4. Metodologia
A seleo das duas reas de abrangncia da pesquisa foi motivada pela participao do
autor no projeto Amaznia e Paradigmas de Desenvolvimento no mbito do Programa
Nacional de Cooperao Acadmica (PROCAD) da Coordenao de Aperfeioamento de
26
Pessoal de Nvel Superior (CAPES). De 2006 a 2009, a colaborao entre o Programa de Ps-
Graduao em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e o Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais (PPGCS) da
Universidade Federal do Maranho (UFMA) quanto anlise da implantao e operao dos
chamados grandes projetos (CASTRO, 1995)5 na Amaznia Oriental produziu ento, um
acmulo considervel de material terico e emprico sobre este territrio.
Nesse sentido, a primeira visita exploratria ao Maranho, em janeiro de 2007,
permitiu ao autor construir uma reflexo terica inicial que fundamentou um projeto30 de
pesquisa comparativo entre a Amaznia Oriental e o Rio de Janeiro. No caso, o estado do Rio
de Janeiro em particular, a mesorregio Sul Fluminense deste estado, vem sendo o objeto do
Grupo de Pesquisa Trabalho, Sindicato e Desenvolvimento, liderado pelo Prof. Dr. Jos
Ricardo Ramalho, desde, pelo menos, a implantao de um plo automotivo naquela regio
em meados dos anos 1990.
Esta regio, marcada primordialmente, pela transformao estrutural promovida pela
criao da CSN, em Volta Redonda, em 1946, constituindo ento, o maior centro siderrgico
da Amrica Latina, fora definida a partir da dcada de 1990, como um territrio estratgico
por algumas das novas plantas automobilsticas que buscavam ingressar no mercado nacional.
Assim, alm da Volkswagen, implantada em Resende em 1995, a Peugeot-Citren se instalou
em Porto Real no ano de 2000.
30 O projeto de pesquisa A Forja de Vulcano: Siderurgia e Desenvolvimento na Amaznia Oriental e no Rio de Janeiro foi qualificado perante banca composta pelo professor-orientador Dr. Jos Ricardo Ramalho (PPGSA-UFRJ) e pelos professores Dra. Isabel Cristina da Costa Cardoso (UERJ) e Dr. Jorge Natal (IPPUR-UFRJ) em 2008. Este projeto deu origem tambm, ao projeto de pesquisa apresentado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e contemplado com a bolsa de pesquisa para o Doutorado Sandwich por um ano, na Cardiff University, Pas de Gales.
27
A definio deste territrio como espao sdero-logstico31 depende, no entanto, do
encadeamento produtivo que os principais centros industriais da mesorregio Sul Fluminense
(Volta Redonda, Resende, Barra Mansa e Porto Real) estabelecem com os centros logsticos
de Angra dos Reis e, sobretudo, de Itagua e do municpio-sede. Considera-se assim, a
importncia decisiva da infra-estrutura ferro-porturia para a operao das seguintes usinas
siderrgicas: Gerdau Aos Longos S.A. (Gerdau Cosigua); Usina Presidente Vargas (UPV),
de propriedade da Companhia Siderrgica Nacional S.A. (CSN); Companhia Siderrgica do
Atlntico S.A. (TKCSA); e Usina Barra Mansa (SBM)32 e Usina Resende (SR), controladas
pela Votorantim Siderurgia S.A. (VS).
Nesse sentido, em detrimento de uma avaliao global do estado do Rio de Janeiro,
optou-se por delimitar, operacionalmente, este territrio sdero-logstico a dois eixos: de um
lado, os municpios de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende; e, de outro, o de Itagua e o
prprio municpio-sede.33 Por proximidade e caractersticas de conurbao e industrializao,
o primeiro eixo pode ser tratado como um territrio integrado, com rede urbana bem
desenvolvida e concentrao de produto e renda elevada.
O segundo, por sua vez, apresenta caractersticas complementares. Toma-se como
referncia para a anlise, apenas uma parte do municpio-sede, sua Zona Oeste, altamente
urbanizada. Itagua, por outro lado, constitui um territrio semi-urbano, sobre o qual se
projetam interesses econmicos e polticos que transcendem a escala local. Ambos, Zona
Oeste do Rio de Janeiro e Itagua assim como os espaos semi-urbanos adjacentes e
31 Nesse sentido, a noo de territrio sdero-logstico simultaneamente, ampla de modo a dar conta dos principais fluxos materiais e imateriais que envolvem a produo siderrgica. 32 Ambas as siglas, SBM e SR, se referem a Siderrgica Barra Mansa e Siderrgica Resende, que como a mdia especializada e a prpria VS as nomeiam. No entanto, as denominaes apresentadas acima so baseadas em seus nomes-fantasia oficiais. 33 Essa definio explicitamente exclui os movimentos recentes em torno da construo do Porto do Au, em So Joo da Barra, Norte Fluminense; de um mineroduto, ligando Minas Gerais a este municpio; e de um projeto siderrgico, associado firma chinesa Wuhan Iron & Steel (Wisco). Esses trs investimentos so diretamente relacionados ao empresrio Eike Batista e prometem alterar o panorama da siderurgia no estado e no Brasil e, sobretudo, promover uma transformao estrutural ainda maior do que a que se verifica em Itagua.
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suplementares de Mangaratiba e Angra dos Reis esto unidos por caractersticas de
renda/produto elevadas e pobreza extrema. Nesse sentido, demonstram uma dissociao
profunda entre industrializao e urbanizao.
So particularmente relevantes aqui, os municpios de Volta Redonda, que conta com
a presena, desde 1946, da CSN, primeira siderrgica integrada nacional; e o de Itagua, pelas
caractersticas concentradoras de carga de seu porto e pelos projetos siderrgicos, tambm
integrados, recentes: TKCSA (joint venture da ThyssenKrupp e Vale)34 e CSN. Ademais,
deve-se enfocar Resende pelas caractersticas inovadoras, para a regio e atpicas
nacionalmente, de sua usina semi-integrada (mini mill), baseada em aciaria eltrica.
No so poucas as diferenas que a Amaznia Oriental guarda em relao ao Rio de
Janeiro. Na Amaznia Oriental, o territrio ou complexo sdero-logstico atravessa dois
estados da federao, o Par e o Maranho. Alm disso, diferentemente da predominncia
cultural em geral, e do peso econmico, em particular, que desfruta a indstria siderrgica no
Rio de Janeiro, no complexo oriental amaznico a minerao de ferro que imprime uma
marca dominante sobre as relaes econmicas, polticas e sociais territoriais, redefinindo sua
estrutura social. Concorre para essa predominncia da minerao o fato de a siderurgia
implantada neste territrio possuir uma estrutura produtiva (HENDERSON et al., 2002)
inteiramente diferente sub-integrada, por assim dizer em relao industria integrada
coque. O parque siderrgico da Amaznia Oriental se encontra atualmente composto de 18
34 Na verdade, a TKCSA se encontra em operao no Distrito Industrial de Santa Cruz, Rio de Janeiro. No obstante as decisivas implicaes tributrias que a relacionam a este municpio, a TKCSA opera, de fato, no territrio de Itagua no sentido de que este municpio constitui a base real de algumas de suas principais decises operacionais. Por exemplo, sua poltica de contratao de mo-de-obra, com claras implicaes para o processo migratrio e para a rede urbana municipal; e sua poltica ambiental (ou ausncia de uma), de modo que seus principais interlocutores e opositores so as associaes de pescadores e/ou agricultores artesanais sediados em Itagua; dentre outras.
29
produtores independentes de ferro gusa (cf. Anexo, Tabela 3), e apenas um produtor
integrado.35
Esses trs principais elementos, organizao interestadual, eixo minerrio e estrutura
produtiva desintegrada, dentre outros, aparentemente solapam quaisquer possibilidades de
uma anlise comparativa entre os dois territrios. No entanto, para alm de uma anlise
comparativa entre territrios similares ou comparveis, o que se busca com essa tese
elaborar um esboo de modelo de anlise socioantropolgica do desenvolvimento econmico.
Nesse sentido, as dessemelhanas profundas entre as respectivas formaes culturais dos
territrios sdero-logsticos da Amaznia Oriental e do Rio de Janeiro no escondem algumas
propriedades essenciais de processos concretos de desenvolvimento econmico.
Assim, busca-se avaliar em que medida estes territrios especficos ilustram processos
de transformao social estrutural e que importncia possuem, para cada um, as relaes que
indivduos, grupos, organizaes e instituies estabelecem a partir da emergncia de um
evento cultural total, como a implantao de uma usina siderrgica. No limite, todo e qualquer
territrio, como unidade emprica, possui dessemelhanas estruturais. O que se postula, no
entanto, nesta tese, que os fenmenos culturais associados produo siderrgica em ambos
os territrios assumiram a feio
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