QUARTA TURMA
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RECURSO ESPECIAL NQ 6.351 - SP
(Registro nQ 90.0012207-4)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrentes: Gerhard Hantzschel e outros
Advogada: Dra. Marirosa Manesco
Recorridos: Banco de Crédito Nacional S/A - BCN e outros
Advogados: Drs. Denise Luci Bernardinelli Caramico e outros
EMENTA: Recurso. Aquiescência ao julgado.
- A aquiescência da parte vencida ao julgado faz inadmissível o recurso. - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Ruy Rosado de Aguiar. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 25 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Gerhard Hantzschel e outros moveram ação ordinária de anulação de ato jurídico, cumulada com indenização de perdas e danos, contra Banco de Crédito Nacional S/A - BCN e seus acionistas controladores, Pedro Conde, Armando Conde e Arlindo Conde, alegando,
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 243
em suma, que os aumentos de capital deliberados pelas assembléias gerais extraordinárias da companhia de 5/5/81, de 12/5/82 e de 15/2/ 85 contrariaram várias disposições legais.
A sentença julgou parcialmente procedente a ação,
"para declarar a prescnçao quanto à pretendida nulificação da AGE realizada a 05 de maio de 1981, decretar a nulidade das deliberações daAGE de 15/02/85 e reconhecer aos autores as indenizações por perdas e danos resultantes das diluições de dividendos e na participação do acervo social em virtude das irregularidades apuradas no corpo desta sentença quanto à fixação dos preços das ações novas emitidas em deliberações assembleares de 12 de maio de 1982 e 15 de fevereiro de 1985, do Banco de Crédito Nacional S/A., de responsabilidade solidária dos acionistas controladores Pedro Conde, Armando Conde e Arlindo Conde. Os valores serão apurados em processo de liquidação por arbitramento.
Em virtude da sucumbência parcial e dada a natureza da demanda, em que os autores pugnaram pela nulidade de três assembléias, responderão eles por 1/3 das custas e os réus por 2/3 delas. A verba honorária é fixada em 20% do valor dado à causa, observada a proporcionalidade das sucumbências nos terços acima referidos." (fls. 303/304)
O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou prescrita também quanto à assembléia geral extraordinária de 12/05/82 a ação, e, no tocante à diluição injustificada, em face das deliberações da assembléia geral extraordinária de 15/02/85, concluiu que não ocorrera, mercê do seguinte raciocínio:
"Primeiro há que se observar que as ações são sem valor nominativo, o que leva a regime jurídico diverso das com valor nominativo.
O que a lei impôs e o que a Doutrina tem entendido é que o critério a ser adotado seja justificado e que não fuja a um dos admitidos na lei.
O que foi escolhido, o valor de cotação em Bolsa, é o preferido pela maioria da Doutrina, e é decorrente da lógica, ou seja, se alguém quer vender algo tem que buscar o preço de mercado, senão não vende.
Ora, ações têm que ser postas à subscrição pelo preço que enseje compatibilização com os de Bolsa, sob pena de inexistir subscrição, mas compra em pregão.
A Doutrina citada pelos co-réus é muito clara, e mesmo o autor citado parcialmente pela r. sentença, com apoio nos autores da ação, são no sentido ora exposto.
Logo, o que se tem é que o critério, a par de justificado é admitido como legal.
Conseqüentemente não é inválido.
244 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Será que assim mesmo ocorreu a diluição injustificada?
Pode ter ocorrido a diluição pelo não exercício da subscrição, mas, não foi injustificada.
O que se vê é discordância, não lesão premeditada.
Daí o provimento ao apelo dos co-réus nesse passo, porque aAssembléia Geral Extraordinária de 15.2.85 não foi nula." (fls. 404/ 405)
O recurso extraordinário interposto por Gerhard Hantzschel e outros restou convertido em especial (fl. 277), que foi admitido nos termos da decisão de fls. 511/512, e dela extraio o seguinte:
"2. Alegam os recorrentes que o acórdão negou vigência aos artigos 13 e 14 da Lei das Sociedades Anônimas, ... alegam ainda que o acórdão deu à lei federal interpretação divergente da que lhe foi atribuída pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro."
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do recurso (fls. 559/566).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Antes mesmo
do juízo de admissibilidade do recurso expresso na decisão de fls. 511/512, fatos relevantes ocorreram no recurso.
À fl. 429, petição do Banco de Crédito Nacional S/A e outros de
"ida dos autos ao Sr. Contador para que seja efetuada a liquidação da condenação dos autores no pagamento das custas e honorários advocatícios."
A conta de liquidação se acha às fls. 431 e 432.
À fl. 436 encontra-se a sentença de homologação da referida conta.
Petição dos exeqüentes dizendo que
"o valor depositado pelos autores executados corresponde ao valor total da condenação ... ",
está à fl. 464.
O Juiz de Direito, na decisão de fl. 465, declarou
"satisfeita a obrigação e extinto o processo."
Ante o exposto, tenho que resta caracterizada a aquiescência da parte vencida ao julgado, o que faz inadmissível o recurso.
Destarte, d() recurso não conheço.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 245
RECURSO ESPECIAL NQ 12.285 - PR
(Registro n Q 91.0013282-9)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar Recorrente: Esso Brasileira de Petróleo Ltda. Advogados: Drs. André Campos Amaral e outros Recorridos: Waldomiro Gayer Júnior e cônjuge Advogado: Dr. José Tadeu Saliba Recorrido: Auto Posto M. V. Ltda. Advogado: Dr. Antenor Camili Penteado Sustentação Oral: Dr. André Campos Amaral, pela recorrente
EMENTA: Recurso especial.
- Falta de prequestionamento.
- Divergência jurisprudencial inencontrável em frente dos acórdãos-padrão.
- Não se divisa afronta a dispositivo da lei federal a que aludiu o acórdão quando a alusão é mero conseqüente de incólume proposição nele contida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Ruy Rosado de Aguiar. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 25 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro sÁLvro DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Cuidam os autos de recurso em ação de reintegração de posse promovida por Esso Brasileira de Petróleo S/A contra Waldomiro Gayer Júnior e sua mulher.
O acórdão recorrido expõe a seguinte suma:
"Possessória - Reintegração de posse - Improcedência. Se o contrato de locação firmado pela companhia distribuidora de petróleo está desviado de sua função típica, não pode servir de causa de mediação da posse (art. 486 do Código Civil)" (fi. 186).
246 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
o mencionado aresto negou provimento ao apelo que fora interposto pela autora contra a sentença de fls. 146/147 que dera pela improcedência da ação.
Esso Brasileira de Petróleo Limitada manifestou recurso especial (fls. 193/202), alegando negativa de vigência do art. 486 do CCB e dissídio jurisprudencial.
O recurso foi admitido nos termos da decisão de fls. 213/215.
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Por divergência de julgados não há conhecer do recurso. Os acórdãos-padrão não dizem com o quadro dos fatos que o aresto tempesteado guarda.
No que interessa ao mais, colho da decisão recorrida, a que não foram opostos embargos declaratórios, o seguinte passo:
"Com efeito, negar que a companhia distribuidora tem fundo de comércio, significa dizer que o contrato de locação está desviado da sua função. A posse de quem se diz locatário é uma posse causal: tem no contrato de locação sua causa (posse derivada). Se o contrato de locação na hipótese em exame está desviado de sua função típica (acórdão n Q 21.118 e 20.627) ele não pode servir de causa de mediação da posse entre locador e locatário (art. 486 do Código Civil)" - (fl. 190).
N os termos em que lançado o aresto que se pretende quebrantar, não diviso afronta ao art. 486 do diploma bevilaquiano, porquanto a alusão nele contida à norma mencionada é mero conseqüente da incólume proposição afirmativa do desvio do contrato de locação de sua função típica.
Posto isso não conheço do recurso.
EXPLICITAÇÃO DE VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Senhor Presidente, Srs. Ministros, a referência ao art. 486 é uma menção que decorre da afirmativa de que o contrato de locação fora desviado; porque desviado o contrato de locação da sua função típica, não tem aquele efeito do art. 486, o qual foi dado por violado.
Não foram opostos embargos de declaração ao Tribunal a quo, nem se cogitou de qualquer ofensa ao texto de lei referente à posse decorrente de locação. O que se traz como afrontado é o artigo do Código Civil que afirma a posse indireta em decorrência da locação, pois dizendo - se que o contrato de locação foi desviado da sua função típica, dizse, como conseqüência, que não há aquele efeito do art. 486 dado por violado.
Por isso, não encontrei violação do art. 486.
Em conseqüência de todo o exposto, não conheço do recurso, sem prejuízo das minhas homenagens ao brilhante advogado que esteve na Tribuna.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 247
RECURSO ESPECIAL Nº 15.309 - MS
(Registro nº 91.0020219-3)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Abelardo Pereira de Menezes - Espólio
Recorrido: Estado do Mato Grosso do Sul
Advogados: Drs. Antônia Cosme da Silva, e Candemar Cecílio Fechner Victório e outros
EMENTA: Civil. Inventário. Nova avaliação. Imposto causa mortis.
A avaliação só será repetida quando viciada por erro ou dolo do perito ou quando se verificar, posteriormente à avaliação, que os bens apresentam defeito que lhes diminui o valor (art. 1.010, CPC).
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 26 de maio de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro CESARASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 01-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: O recorrente agravou de instrumento contra despacho que deferiu a reavaliação dos bens inventariados para efeito de cálculo do imposto causa mortis, que foi indeferido pelos seguintes fundamentos:
"O artigo 1.010 determina o seguinte:
'O juiz mandará repetir a avaliação:
I - quando viciada por erro ou dolo do perito;
II - quando se verificar, posteriormente à avaliação, que os bens apresentam defeito que lhes diminui o valor.'
248 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Por sua vez, enuncia a Súmula n. 113:
'O imposto de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação.'
Todavia, ante os fatos existentes nestes autos, conclui-se que se impõe a reavaliação dos bens inventariados, pois, conforme se constata às fs. 11-2, a avaliação foi efetivada em 24.11.89 - com a qual concordaram as partes às fs.13-4.
A partir de então, o processo de inventário tramitou sem o recolhimento do imposto de transmissão até que, em 9.10.90, a Fazenda Pública (f. 16) requereu a discutida reavaliação, que foi deferida pelo magistrado a quo, dando ensejo a este agravo.
É indiscutível que o decurso de mais de dez meses após a data da avaliação sem o recolhimento do imposto justifica a reavaliação dos bens, em face do assustador fenômeno da inflação vivenciada no País.
O erário público não pode ser prejudicado, porque não foi ele quem deu causa ao atraso no recolhimento do tributo, cujo pagamento, como bem asseverou o juiz da causa em seu bem fundamentado despacho de sustentação de fs. 29-31, poderia ter sido feito celeremente por iniciativa do próprio interessado em sua quitação.
É evidente que, se recolhido o imposto com base na avaliação efetivada em novembro de 1989, haverá um enriquecimento sem causa dos herdeiros, em detrimento da Fazenda Pública.
Além disso, não há que se falar em prejuízo aos herdeiros com a reavaliação dos bens, visto que estes também se valorizam pelo decurso do tempo." (fls. 48).
Daí o recurso especial em exame lançado com base na alínea a por alegada violação ao art. 1.010 do Código de Processo Civil e o Enunciado n Q 113 da Súmula do Supremo Tribunal Federal ao argumento de que o imposto de transmissão cogitado é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação, e a avaliação só será repetida quando viciada por erro ou dolo do perito ou quando se verificar, posteriormente à avaliação, que os bens apresentam defeito que lhes diminui o valor.
Devidamente respondido, o recurso foi admitido na origem.
A douta Subprocuradoria Geral da República opinou pelo seu não conhecimento.
Recebi o processo, por atribuição, em 1 Q de fevereiro do 1996, e remeti-o para pauta no dia 09 de maio do ano seguinte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): Com razão o recorrente.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 249
A uma, porque o art. 1.010 do Código de Processo Civil estabelece pontualmente que a avaliação só será repetida quando viciada por erro ou dolo do perito ou quando se verificar, posteriormente à averbação, que os bens apresentam defeito que lhes diminui o valor e, na hipótese, nenhum dos motivos apontados ocorreu.
A duas, porque em sendo mantido o valor da primeira avaliação nenhum prejuízo haverá para a fazenda pública, pois o valor do imposto será atualizado desde a data da avaliação até o dia do seu efetivo pagamento.
A três, porque a realização de uma nova avaliação importará em elevação dos custos da ação, a que a moderna processualística desestimula.
A quatro, porque a manutenção daquela primitiva avaliação, com o imposto sendo pago pelo seu valor então apurado, mas devidamente corrigido, como assinalado acima, afastar-se-ão novas razões de retardamento do feito, pelos recursos que a nova aferição do valor dos bens poderão advir, o que não se afeiçoa ao salutar princípio da celeridade processual.
Diante de tais pressupostos, conheço do recurso e lhe dou provimento para o fim de, cassando o despacho agravado, determinar que ' o imposto de transmissão causa mortis seja pago pelo seu valor apurado na primeira avaliação, mas devidamente corrigido, da data em que foi apurado até o dia de seu efetivo pagamento.
RECURSO ESPECIAL NQ 33.815 - SP
(Registro n Q 93.0009441-6)
Relator: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: José Fernando Bastos Sampaio
Recorrida: Maria Beatriz Speers Cintra Gordinho
Advogados: Drs. Roberto Cruz Moysés e outros, e José Francisco Lopes de Miranda Leão
EMENTA: Civil. Família. Separação consensual. Alimentos. Renúncia.
Sendo o acordo celebrado na separação judicial consensual devidamente homologado, não pode o cônjuge posteriormente pretender receber alimentos do outro, quando a tanto renunciara por dispor de meios próprios para o seu sustento.
Recurso conhecido e provido.
250 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provime~to, nos termos do voto di) Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Bueno de Souza.
Brasília, 24 de junho de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro CESARASFOR ROCHA, Relator.
Publicado no DJ de 08-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Da douta decisão de primeiro grau, extraio, no que há de mais essencial, as seguintes passagens:
"Maria Beatriz Speers Cintra Gordinho ajuizou o presente pedido de alimentos a seu ex-marido José Fernando Bastos Sampaio. Esclarece a inicial que os litigantes separaram-se consensualmente, perante o MM. Juízo da 7ª Vara de Família e Sucessões, deste Foro Central, tendo ali ficado estabelecido que, durante o prazo de dois anos a con-
tar da separação, o varão pagaria alimentos à autora. Ocorre que, já verificado o termo e cesnada a obrigação alimentar do réu, continua a autora a necessit"l.r de seu concurso financeiro, uma vez que, apesar de exercer atividade profissional, "não ganha salário significativo". Por isso, quer ver o réu compelido a prestar-lhe alimentos, em quantia não inferior a Cr$ 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil cruzeiros) por mês, que era o valor dos alimentos à época de sua cessação. O pedido vem instruÍdo com documentos de fls. 4/30." (fls. 60).
A apelação foi provida, fundamentalmente porque "à mulher que dispensa alimentos quando da separação ou mesmo convenciona prazo para a vigência deles, é facultada a possibilidade de reavê-los, e tal, condicionada ao binômio possibilidade-necessidade" (fls. 104).
Daí o recurso especial em exame lançado com base nas alíneas a e c do permissor constitucional por sugerida dissidência com o julgado que indica e por alegada violação aos arts. 19 e 34, § 29 , da Lei n 9
6.515/77.
A douta Subprocuradoria Geral da República opinou pelo provimento do recurso.
Recebi o processo, por atribuição, em 5 de fevereiro do corrente ano de 1997, e remeti-o para pauta no dia 10 de junho.
É o relatório.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 251
VOTO
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (Relator): Discute-se no presente recurso se a mulher que, quando da separação judicial consensual, renuncia ao direito de receber alimentos de seu marido, pode, posteriormente, demandar para ser por este pensionada, por alegada mudança em suas condições de fortuna.
No caso em tablado, a separação judicial do casal foi requerida conjuntamente e devidamente homologada, sendo fixado o prazo de dois anos para a vigência da obrigação de pagamento de pensão alimentícia, na forma pactuada, vindo a ser confirmada quando a separação foi convolada em divórcio.
Sempre aceitei com reserva, com reverência, embora, o Enunciado n Q
379 da Súmula do STF.
A uma, porque o art. 404 do Código Civil, que cuida da irrenunciabilidade dos alimentos, não se aplica ao caso de separação ou divórcio, porque ali está cogitada apenas a hipótese dos alimentos que os parentes podem exigir uns dos outros.
Todavia, cônjuge não é parente, como é de curial sabença, e a obrigação alimentar que entre eles se impõe decorre do dever de mútua assistência, prevista no art. 231, lU, do Código Civil, que cessa com a separação ou o divórcio, salvo nos casos em que a lei expressamente excepciona.
A duas, porque no acordo celebrado na separação, o item "alimentos"
é estipulado tendo em conta outras disposições que são acertadas naquela transação, como, por exemplo, a destinação que é dada aos bens. De tal sorte assim é, que não raramente um cônjuge abre mão de determinado bem em favor do outro, exatamente para se livrar do encargo alimentar definitivamente.
Não seria, então, compreensível, que depois viesse a ser surpreendido com uma demanda para arcar com o ônus de que se livrara, proposta por quem fora contemplado com um maior quinhão dos bens partilhados.
A três, porque na separação judicial, mais do que em qualquer outro tipo de ação, o juiz que preside o seu processamento busca solucioná-la pela via consensual, evitando a litigiosidade entre as partes, para evitar que os eventuais deslizes de um ou de ambos os separandos, para com os seus anteriores deveres conjugais, fiquem consignados de forma indelével nos autos.
Ora, se o cônjuge inocente não tivesse a garantia de que o culpado j amais poderia renunciar à renúncia ao pensionamento, certamente não iria aceitar a conversão da separação litigiosa em consensual, pelo risco que correria de, a qualquer momento, se tornar devedor do encargo, logo ele que dispunha de meios probatórios para demonstrar que o outro seria culpado, pelo que este perderia, por força expressa da lei, o direito de receber alimentos do inocente.
Aliás, esta posição está consolidada nas egrégias Terceira e Quarta Turmas desta Corte, conforme
252 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
dão conta, pelo menos, os julgados nos REsps ns. 9.286-RJ e 94.121-SP, relatados, respectivamente, pelos eminentes Ministros Eduardo Ribeiro e Ruy Rosado de Aguiar.
Diante de tais pressupostos, conheço do recurso e lhe dou provi-
mento, para reformar o r. aresto hostilizado e restaurar a douta decisão monocrática, condenando a autora no pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados no percentual de 15% sobre o valor da causa.
RECURSO ESPECIAL N9 53.363-5 - SP
(Registro n9 94.0026710-0)
Relator: O Sr. Ministro Fontes de Alencar
Recorrente: Banco Bamerindus do Brasil S/A
Advogados: Drs. José Walter de Sousa Filho e outros
Recorridos: Benedito Coelho Siebra e outro
Advogados: Drs. Dulce Soares Pontes Lima e outros
EMENTA: Recurso especial.
- A alusão à negativa de vigência de preceito constitucional não é própria do recurso especial; nem a alegação genérica de negação de vigor de uma lei.
- Divergência jurisprudencial não demonstrada.
- Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar.
Brasília, 22 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro FONTES DE ALENCAR, Relator.
Publicado no DJ de 25-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Benedito Coelho Siebra e Luiz Gomes Carneiro promoveram em face do Banco Bamerindus do Brasil S/A e do Banco de Crédito
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 253
Nacional S/A ação de cobrança, que foi julgada improcedente nos termos da sentença de fls. 118/125.
A Primeira Câmara do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, por votação unânime, deu provimento à apelação manifestada pelos autores
"para julgar procedente a ação, condenado os apelados ao pagamento das importâncias correspondentes às diferenças existentes entre a inflação encontrada para o mês de janeiro de 1989 e os valores creditados nas poupanças dos apelantes, a ser apurado em liquidação de sentença, além dos juros de 0,5% ao mês, devidamente atualizadas e acrescidas de juros moratórios a partir da citação até o pagamento" - (fls. 216/217).
Embargos declaratórios, rejeitados (fls. 227/230).
Recursos especiais foram interpostos. O do Banco de Crédito N acional S/A foi indeferido na origem; e admitido, pela alínea c do permissor constitucional o do Banco Bamerindus do Brasil S/A. (fls. 292/ 296).
Diz o recorrente, além de alegar divergência pretoriana, que
"nega o julgado recorrido, vigência ao art. 5Q
, inciso II da
Constituição Federal, pois restou aos Bancos somente a obrigação de cumprir o ordenamento vigente, a citada Lei n Q 7.730, de 31 de janeiro de 1989, e as instruções do BACEN e demais dispositivos legais."
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): A alusão à negativa de vigência de preceito constitucional não é própria do recurso especial. Também não lhe é adequada a alegação genérica de negamento do vigor de uma lei, no caso, a de n Q 7.730/89.
A divergência jurisprudencial argüida não restou demonstrada. Com efeito, o primeiro dos precedentes trazidos à colação (Ap. Cív. 163.111-1-0/SP) diz de expectativa de direito, enquanto o acórdão afirma a inalterabilidade do contrato pela edição de normas gerais de direito financeiro; o segundo, chega aos autos por simples transcrição de ementa com referência a tabela de deflação; o 3Q
, alude a previdência privada e ao salário mínimo; o 4Q
,
não cuida do tema que é mérito desta causa; finalmente, o 5Q dos que cotejados trata de legitimidade de parte.
Posto isso, do recurso não conheço.
254 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
RECURSO ESPECIAL Nº 65.691 - SP
(Registro nº 95.0022943-9)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrenteil: Tereza de Oliveira e outro
Recorrido: José Vitriano de Oliveira
Advogados: Drs. Hélio José Miziara e outros, e Maviael José da Silva
EMENTA: Direito de Família e Processual Civil. Ação de exoneração de alimentos. Reconvenção. Possibilidade. Dispositivo explícito e discriminado. Exceção. Doutrina e jurisprudência. Prejuízo para a parte reconvinte. Nulidade do processo. Art. 315, CPC. Recurso parcialmente provido.
I - Conforme entendimento da doutrina e da jurisprudência, é cabível a via reconvencional em ação de exoneração de encargo alimentício.
11 - Em linha de princípio, a ação e a reconvenção devem ser julgadas na mesma sentença, com dispositivo explícito e discriminado, sem embargo de relatório e fundamentação conjuntos.
111 - Inadmissível a alegação de que o pedido reconvencional de majoração do percentual da pensão foi implicitamente apreciado pela sentença que julgou o pedido de exoneração, uma vez que, no caso, o indeferimento da reconvenção importou prejuízo para os réus.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial. Votaram com o Relator os Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Fontes de Alencar. Ausente, justificadamente, o Ministro Barros Monteiro.
Brasília, 24 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 04-08-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: O autor propôs ação de exoneração de pensão alimentícia contra sua ex-mulher e contra seu filho, alegando, em síntese, que a primeira exerce atividade laboral, reside em imóvel próprio e recebe ajuda financeira
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dos filhos, e que o segundo atingiu a maioridade civil.
Em preliminar de contestação, os réus argüiram a inépcia da inicial. Além disso, ofereceram reconvenção visando ao aumento do percentual da pensão, de 25% para 33% dos rendimentos líquidos do alimentante.
Contra a decisão que rejeitou a preliminar e indeferiu a reconvenção, os réus interpuseram agravo retido.
No mérito, a sentença julgou parcialmente procedente o pedido, exonerando o autor do pagamento de pensão ao filho e fixando o percentual devido à ex-mulher em 12,5%.
O Tribunal de Justiça de São Paulo reputou renunciado o agravo retido contra a decisão que rejeitou a preliminar de inépcia, porque não reiterado nas razões de apelação, e prejudicado o agravo contra a decisão que indeferiu a reconvenção. À apelação, negou provimento.
Do voto condutor, extrai-se o seguinte trecho:
"Com relação ao agravo retido interposto contra a r. decisão que indeferiu o processamento da reconvenção, o certo é que a ação exoneratória de pensão reclama o procedimento especial da Lei de Alimentos (artigo 1 Q, C.C. o art. 13, da Lei 5.478/68), pelo que perfeitamente cabível era aquela modalidade de resposta, visando a majorar o valor da pensão prestada pelo apelado.
O indeferimento da reconvenção, todavia e em que pesem às
excelentes razões deduzidas no parecer ministerial, não tem o condão de acarretar o decreto de nulidade do processo, a partir da audiência de instrução e julgamento, pois, ao julgar parcialmente procedente a ação, exonerando o apelado de pensionar o apelante, seu filho, por óbvio que, embora implicitamente, acabou, também, por apreciar e julgar a referida reconvenção, em face da íntima conexão existente entre ambas as causas".
Irresignados, os réus interpuseram recurso especial alegando, além de dissídio, violação ao art. 315, CPC, e aos "requisitos da Lei Substantiva de Alimentos", por ter o acórdão inadmitido o processamento da reconvenção.
Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem.
O Parecer da Subprocuradoria Geral da República concluiu pelo provimento do recurso pela alínea a do permissor constitucional.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): O recurso não merece ser conhecido quanto ao dissídio pretoriano, seja porque os recorrentes se limitaram a transcrever ementas, deixando de fazer o confronto analítico entre os arestos paradigmas e o recorrido, seja pela não-indicação dos repositórios de jurisprudên-
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cia em que aqueles se acham publicados. Além disso, alguns dos acórdãos apontados como divergentes são do próprio Tribunal que proferiu a decisão impugnada.
Resta, assim, apenas a verificação da suposta ofensa ao art. 315, CPC, visto que os recorrentes deixaram de indicar os dispositivos relativos aos "requisitos da lei substantiva de alimentos" tidos por violados e que não se pode extrair, da argumentação expendida, qualquer ofensa à legislação federaL
O Tribunal, embora acatando a tese da admissibilidade da via reconvencional, entendeu que, ao julgar parcialmente procedente o pedido, acabou por apreciar e julgar, embora implicitamente, a referida reconvenção, em face da íntima conexão existente entre as causas, inexistindo razões para se anular o processo.
Em primeiro lugar, é de assinalar-se inexistir controvérsia quanto ao cabimento de reconvenção nas ações de exoneração de alimentos. A doutrina e a jurisprudência têm caminhado no sentido positivo, como se depreende da lição de Arnaldo Marmitt:
"A reconvenção tem cabimento em todas aquelas hipóteses nas quais a pretensão alimentícia é articulada através de rito ordinário, e nas ações de revisão e de exoneração. Absolutamente nada impede o seu uso nestes casos. A lei não veda a resposta reconvencional, e a jurisprudência a tem por adequada em todos esses ca-
sos de rito ordinário: "É admissível o pedido reconvencional em ação de alimentos, desde que o feito seja do feitio ordinário. De regra, é admissível a reconvenção nas ações de alimentos ou em qualquer outra, que não tenha rito sumaríssimo" (RT 517/127)". (Pensão Alimentícia, 1993, Capo 10, n Q 4, pág. 143).
Aliás, o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo assim decidiu ao julgar o Agravo de Instrumento n Q
234.127, relatado pelo seu então Desembargador Sydney Sanches (RT 479/92), com esta ementa:
"A lei não impede a reconvenção em ação ordinária que visa à exoneração de alimentos prestados pelo marido".
Por outro lado, doutrina e jurisprudência têm se inclinado no sentido de que o julgamento da reconvenção deva ser expresso, sob pena de nulidade. Nessa direção, verbi gratia, o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior, citando Alexandre de Paula:
"Após a contestação, a reconvenção integrará a marcha normal do processo e, a final, será julgada, de forma explícita, juntamente com a ação, numa só sentença (art. 317). "É co gente e não facultativa a norma peremptória que manda julgar na mesma sentença a ação e reconvenção" e com resposta de forma explícita ao pedido do reconvinte. Decorre de ser a reconvenção não
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um simples meio de defesa, mas, sim, uma ação autônoma. Ainobservância dessa norma conduz à nulidade da sentença" (grifei). (Processo de Conhecimento, 3ª ed., n Q 394, pág. 421).
E traz à colação precedentes jurisprudenciais:
"É nula a sentença que não julga explicitamente a reconvenção" (STF, RE 78.963, reI. Min. Oswaldo Trigueiro, ac. de 7.6.64, in R.T., 472/254).
"Anula-se a sentença quando omissa em relação à procedência de reconvenção, devendo ser explícita a decisão sobre a matéria reconvencional, não valendo o argumento de que a sentença, acolhendo integralmente o pedido do autor, implicitamente teria julgado improcedente a reconvenção" (T.A.-MG, Ape1. 7.879, reI. Juiz Oliveira Leite, ac. de 29.10.75, in D. Jud.-MG, de 31.12.75).
Nessa mesma linha, o magistério de Barbosa Moreira:
"Processadas em conjunto,julgam-se as duas ações, em regra, "na mesma sentença" (art. 318), que necessariamente se desdobra em dois capítulos, valendo cada um por decisão autônoma, em princípio, para fins de recorribilídade e de formação da coisajulgada. No tocante a ambos os capítulos devem observar-se os requisitos do art. 458; o relatório e
os fundamentos comportam exposição conjunta, mas no dispositivo, sob pena de nulidade, o juiz há de julgar explícita e discriminadamente a ação originária e a reconvenção" (grifei). (O Novo Processo Civil Brasileiro, 18ª edição, Capo I, § 4Q
, IV, n Q 3, pág.55).
Ademais, vale transcrever as lições de CHto Fornaciari Júnior:
"Já se decidiu que a sentença que seja omissa quanto ao julgamento da reconvenção é nula, outra devendo ser proferida em seu lugar, isto, contudo, desde que a parte não tenha se valido dos embargos de declaração, que é uma forma de se evitar a nulidade. No silêncio da sentença não pode ser aceito o entendimento de que, sendo acolhida a ação, ipso facto está desacolhida a reconvenção, pois o conteúdo de ambas é independente.
A sentença, desde que tenha sido proposta a reconvenção, decide dois conflitos de interesses, sendo, portanto, atributiva de
. mais de um bem da vida, devendo, como toda sentença, conter relatório, fundamentação e decisão.
O seu relatório e a sua fundamentação constituem um único instrumento, necessitando fazer referência a ambas as demandas, examinando as questões de uma e de outra. Na parte dispositiva deve decidir expressamente tanto a ação, como a reconvenção,
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sob pena de nulidade". (Da Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, 2ª ed., nº 61, pág. 195).
E de José Rogério Cruz e Tucci:
"Todavia, saneado o processo, se ambas as demandas caminharem pari passu, sem que tenha surgido qualquer ocorrência produtora da extinção ou do sobrestamento de uma delas, serão julgadas - como, aliás, já era da tradição dos ordenamentos jurídicos anteriores - na mesma sentença, (art. 318), que deverá ser expressa quanto à ação e à reconvenção, preenchendo, outrossim, os requisitos previstos no art. 458". (Da Reconvenção: perfil histórico-dogmático, 1984, Capo VI, nº 5.11, pág. 82).
Certo é que a jurisprudência tem, por vezes, mitigado essa rigidez. A respeito, há, inclusive, precedente desta Turma, REsp nº 40.619-RJ, DJU de 18.4.94, de que foi relator o Sr. Ministro Barros Monteiro, com esta ementa:
"Reconvenção. Silêncio do magistrado no dispositivo da sentença a respeito.
Não importa em nulidade da decisão o defeito formal ocorrido, quando a procedência da ação implica necessariamente na rejeição do pedido reconvencional".
Desse aresto, extrai-se:
"A despeito de conter a sentença um defeito formal, a alegação
de nulidade invocada pela ré restou escorreitamente repelida pela Segunda Instância. É que, acolhido o pedido formulado pelo autor, consistente na devolução do sinal devidamente atualizado, o MM. Juiz de Direito necessariamente afastou a pretensão veiculada em reconvenção, concernente à perda da quantia paga mais "perdas e danos".
Assim, ainda que implicitamente, o Magistrado julgou a reconvenção oferecida".
In casu, todavia, não se aplica a mesma solução, pois, ao julgar a ação principal, o Juiz não apreciou o pedido de elevação do percentual da pensão, constante da peça reconvencional, porquanto a indeferiu. Limitou-se ao exame do pedido de exoneração, julgando-o improcedente em relação à ex-mulher do autor. Não levou em consideração, porém, a possibilidade de majoração do encargo, causando, assim, a meu sentir, prejuízo aos reconvintes. Destarte, ainda que se reconheça a conexão entre as causas, não se poderia compreender, na espécie, o julgamento da reconvenção como implícito no da ação principal.
Em face do exposto, reputo violado o art. 315, CPC, ainda que de modo reflexo, pelo que conheço do recurso e lhe dou provimento parcial para anular o processo a partir da audiência de instrução e julgamento e para admitir o processamento regular da reconvenção.
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RECURSO ESPECIAL NQ 77.344 - RJ
(Registro n Q 95.0054528-4)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrentes: José Augusto Teixeira Tavares e cônjuge
Recorrida: Comepar Comércio e Empreendimentos Ltda.
Advogados: Drs. Carlos Evaristo da Silva, e Maurício Elias Avvad e outros
EMENTA: Civil e Processual Civil. Recurso especial. Prequestionamento. Necessidade. Resolução do contrato por inadimplemento. Duas empresas originariamente promitentes-vendedoras, com posterior cessão de crédito de uma à outra. Inocorrência de litisconsórcio ativo necessário. CC, art. 892. Recurso desacolhido.
I - Ausente a manifestação do Tribunal de origem sobre as questões federais suscitadas no recurso especial, inviável sua análise, ante a ausência de prequestionamento, consoante Enunciado n. 282 da Súmula/STF.
11 - Dispensável é a formação de litisconsórcio ativo em ação de resolução de contrato de compromisso de compra e venda entre duas originárias promitentes-vendedoras se, posteriormente, o crédito de uma é cedido à outra e o motivo da resolução é o inadimplemento das prestações a que se obrigaram os devedores.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso pela divergência, mas lhe negar provimento. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Fontes de Alencar.
Brasília, 23 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 26-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Ajuizou a recorrida ação de resolução de escritura pública de promessa de compra e venda de um imóvel situado no Rio de Janeiro, celebrada com os recorrentes, sob o argumento de inadimplemento destes no pagamento das prestações, mesmo depois de notificados para tanto. Plei-
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teou, ainda, reintegração na posse do imóvel e condenação dos ocupantes em perdas e danos.
Relata a autora que a transação foi feita, originariamente, por ela e pela empresa Ribenboim Engenharia Ltda., ambas detentoras da propriedade do bem, tendo a última lhe cedido posteriormente os seus direitos de crédito, motivo pelo qual comparecia sozinha na demanda como autora.
Os réus contestaram e apresentaram reconvenção, alegando compensação, uma vez que o varão teria prestado serviços advocatícios à empresa vendedora em troca da quitação das prestações restantes à época, compensando-se a dívida com a remuneração que receberia.
A sentença, proferida pelo Dr. Gamaliel Quinto, julgou parcialmente procedentes os pedidos da autora, declarando a resolução, com perdas das prestações pagas, e deferindo a reintegração na posse do apartamento, não tendo havido condenação em perdas e danos por falta de demonstração de prejuízos. O pedido reconvencional, por sua vez, foi julgado improcedente por dois motivos: o primeiro, porque o réureconvinte seria credor de outra empresa que não a autora da demanda; o segundo, porque o seu crédito não seria líquido e não estaria vencido.
Apelaram as partes.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou provimento à apelação dos réus e proveu parcialmente a da autora.
Entendeu o Colegiado a desnecessidade da formação do litisconsórcio ativo com a empresa Ribenboim, originariamente vendedora, e que depois cedeu seus direitos à autora, ao argumento de que esta autora teria legitimidade para, sozinha, pleitear a resolução do contrato, já que fora também parte na relação de direito material.
Reputou a Turma, ainda, estar comprovada a falta de pagamento das parcelas, mesmo depois de notificados os réus.
No tocante à insurgência da autora, acolheu-a no sentido de condenar os réus em perdas e danos, consistentes nos encargos do imóvel que não tinham sido quitados, como taxas de condomínio, imposto predial e multas.
Manifestados declaratórios pelas partes, foram eles parcialmente acolhidos para fazer constar declaração de voto do Revisor e para esclarecer que nas perdas e danos estariam incluídas penalidades legais e convencionais sofridas pela autora em relação ao imóvel objeto dos autos.
Irresignado, o réu-varão, agora independentemente da mulher, interpôs recurso especial alegando, além de dissídio, violação:
a) dos arts. 1 Q, 126, 267-§ 3Q e 301-X-§ 4Q
, CPC, sustentando que não poderia ocorrer preclusão quanto à questão da ilegitimidade ativa de parte pelo fato de o juiz, no saneador, ter dito que o processo se encontrava regular. Diz ser necessário o enfrenta-
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mento do tema pelo juiz, com decisão a respeito, para que se pudesse cogitar de preclusão;
b) dos arts. 3Q, 6Q e 47, CPC,
por ser defeso à autora ajuizar a ação, sem que convocada a outra vendedora, parte no negócio jurídico, o que levaria ao reconhecimento da ilegitimidade ativa ad causam. Assinala, outrossim que a cessão de crédito nunca ensejaria sucessão na posição jurídica de promitente-vendedora.
Contra-arrazoado, foi o recurso admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): 1. Afasta-se, em primeiro lugar, o cabimento do recurso quanto às supostas violações dos arts. 1 Q,
3Q, 6Q
, 126 e 301-X-§ 4Q do Código de Processo Civil haja vista a ausência do necessário prequestionamento dos temas neles versados pelo acórdão hostilizado.
Presente, portanto, o óbice a que se refere o Enunciado n. 282 da Súmula/STF, a impedir a análise do inconformismo do recorrente no ponto.
2. No que concerne ao art. 267, § 3Q
, CPC, não restou ele malferido e nem mesmo se configurou dissídio a respeito.
A propósito do tema da preclusão, tem proclamado esta Turma:
"Processo Civil. Carência da ação. Impossibilidade jurídica. Apreciação de ofício. CPC, arts. 267, § 3Q
, 463, 512 e 515. Necessidade de prequestionamento na instância extraordinária.
I - O Tribunal da apelação, ainda que decidindo o mérito na sentença, poderá conhecer de ofício da matéria concernente aos pressupostos processuais e às condições da ação.
II - Nas instâncias ordinárias não há preclusão para o órgão julgador enquanto não acabar o seu ofício jurisdicional na causa pela prolação da decisão definitiva" (REsp n Q 24.258-0-RJ, DJU de 20.06.94, Código de Processo Civil Anotado", Saraiva, 6i! ed., 1996, art. 267, págs. 192/193).
In casu, porém, embora tenha o Tribunal afirmado no início que teria havido preclusão, veio ele a enfrentar a matéria, concluindo, corretamente, aliás, pela legitimidade ativa da autora, promitente-vendedora do imóvel.
3. Quanto ao art. 47, CPC, decidiu também com acerto o Colegiado de origem, embora caracterizado o dissídio com outros Pretórios do país.
As duas empresas originariamente figurantes no pólo ativo do contrato eram proprietárias, cada uma, de 50% do imóvel alienado, pelo que firmaram o compromisso de compra e venda na qualidade de promitentes-vendedoras. Posteriormente, uma delas cedeu à autora o crédito que tinha, através de escritura pú-
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blica. A cessionária e co-proprietária, então, interpelou o devedor e, em face do seu inadimplemento, ajuizou a ação resolutória.
Ora, havendo pluralidade de credores, pode cada um exigir a dívida, nos termos do que dispõe o art. 892 do Código Civil, verbis:
"Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira. Mas o devedor ou devedores se desobrigarão pagando;
I - A todos conjuntamente.
II - A um, dando este caução de ratificação dos outros credores".
Assim, era perfeitamente possível à autora pleitear a resolução do contrato por inadimplemento do devedor no pagamento das prestações.
O Desembargador Araken de Assis, ao tratar em sede doutrinária do litisconsórcio ativo na demanda resolutória, assinala:
"c. . .) É caso de invocar as regras concernentes à demanda de cumprimento, especialmente o art. 892, caput, primeira parte, do Código Civil: se um dos credores, isoladamente, pode exigir a dívida por inteiro, não parece lógico, nem razoável, impor ao desfazimento a presença de todos no pólo ativo da relação processual. Não há, contudo, identidade absoluta de fundamentos. Sempre se objetaria que resolver o con-
trato, atingindo a esfera jurídica do parceiro mais inclinado à tolerância quanto ao retardamento, se mostra bem diferente de obter, em proveito da comunidade, os benefícios econômicos da prestação. Embora séria a objeção, subsistem os motivos de conveniência, que, tudo somado, inspiraram a norma referida. À semelhança do que ocorre na demanda de cumprimento, cujo êxito concreto nada assegura, com inegáveis prejuízos ao figurante omisso, cabe a cada um dos parceiros solidários promover a ação resolutória, decaindo os demais, na hipótese de êxito, do interesse em propugnar a resolução ou buscar a prestação agora extinta.
Portanto, conclui-se pela existência de litisconsórcio :acultativo no pólo ativo da demanda" (Resolução do Contrato por Inadimplemento, RT, 1991, n. 4.7.2. pág. 116).
Assim, mesmo que não houvesse a cessão de crédito, lícito seria a uma das empresas pleitear a resolução do contrato, j á que através de um único contrato foi feita a promessa de venda do imóvel, incumbindo aos devedores o pagamento das prestações a qualquer das promitentes-vendedoras.
Se antes da cessão não era necessário o litisconsórcio ativo, com muito mais razão passou ele ser dispensável após uma das vendedoras ter cedido seu crédito à outra. Ten-
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do somente a empresa remanescente o direito de cobrar a dívida, porque titular do direito, não seria justificável que se exigisse a interveniência da pessoa jurídica que já não mais tinha relação creditícia no negócio.
Em suma, considerando que a resolução tem por causa o inadimplemento, motivo estreitamente ligado ao direito de crédito, o ajuizamento da ação prescindiria da convocação da cedente para também figurar no pólo ativo.
4. Em face do exposto, conheço do recurso pela divergência, mas lhe nego provimento.
VOTO- VISTA
o SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Sr. Presidente, pedi vista dos autos para examinar as circunstâncias em que foi executado o contrato, assim como admitido pelas instâncias ordinárias.
Nada tenho a aditar ao voto do Eminente Ministro-Relator, a quem acompanho.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, estou de acordo com o voto de V. Exa., notadamente quanto aos pontos principais do litígio. Em primeiro lugar, não ocorreu o prequestionamento tocante a vários preceitos legais enumerados por V. Exa.
Já quanto à preclusão, embora tenha havido uma certa impropriedade da decisão recorrida de início, em seguida o Tribunal enfrentou a matéria em debate para admitir a legitimidade de parte ativa, ad causam, da autora.
Finalmente, no tópico alusivo à possibilidade de apenas um dos condôminos vir a pleitear a rescisão, restou claro ser perfeitamente prescindível no caso a convocação da cedente, inclusive porque transferido in totum o seu crédito à empresa demandante, consoante acentuou V. Exa. na parte final de seu douto voto.
Desde que se acha presente o dissídio jurisprudencial, acompanho o voto de V. Exa., conhecendo do recurso, mas negando-lhe provimento.
RECURSO ESPECIAL NQ 84.077 - SP
(Registro n Q 95.0070041-7)
Relator: O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrente: Yuri José Tavares Leite - menor impúbere
Representado por: Maria Aparecida Tavares Leite
Recorrido: Fernando Baptista Correia
264 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Advogados: Drs. Maria Apparecida Arruda de Três Rios e outro, e Aloysio Raphael Cattani e outros
EMENTA: Alimentos. Pretensão não fundada na Lei n 9 5.478/68. Ausência de prova pré-constituída da paternidade. Sentença como termo inicial de incidência. Evolução do posicionamento da Turma. Distinção em relação às ações de revisão de alimentos. Recurso desprovido.
I - A Lei n Q 5.478/68 (art. 13), pela sua própria teleologia, não incide nas ações em que se postula alimentos inexistindo prova pré-constituída da paternidade.
n - Destarte, em não se aplicando a referida Lei, o dies a quo da incidência dos pretendidos alimentos não pode ser a data da citação, mas sim a da sentença, mesmo que sujeita a apelação (CPC, art. 520-U).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso pelo dissídio, mas lhe negar provimento, vencido o Ministro Barros Monteiro. Votaram com o Relator os Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Fontes de Alencar.
Brasília, 20 de fevereiro de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 17-03-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Cuida-
se de aç"ão de investigação de paternidade cumulada com alimentos, cujos pedidos foram julgados procedentes, atribuindo-se a paternidade do autor ao réu, com a condenação ao pagamento de alimentos a partir da sentença.
Apelou o réu, pleiteando a reforma total do julgado e, adesivamente, recorreu o autor, pugnando pela fixação da data da citação como termo inicial da prestação alimentar.
O Tribunal de Justiça de São Paulo desproveu ambos os recursos, afirmando, com relação ao recurso adesivo do autor, que "os alimentos são mesmo devidos desde a sentença, quando declarada a paternidade atribuída ao réu".
Interpôs o autor o recurso especial em exame, fundamentado em ambas as alíneas do autorizativo constitucional, argumentando, além de divergência jurisprudencial, com violação do art. 13, § 2 Q
, da Lei 5.478/68.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 265
Contra-arrazoado, foi o recurso inadmitido na origem, motivando agravo a que dei provimento para melhor exame da espécie.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): 1. O tema concernente à fixação do termo inicial do pensionamento na data da citação ou na data da sentença restou suficientemente debatido nas instâncias ordinárias, não se podendo afirmar a ausência do prequestionamento da matéria contida no dispositivo legal apontado como vulnerado.
Quanto à divergência, restou ela também suficientemente demonstrada, razão pela qual, quanto ao ponto merece ser conhecido o recurso.
Desmerece, entretanto, acolhida a irresignação.
A propósito, já em 28.5.91, em voto-vista no REsp n Q 6.583-SP, consignei, vencido:
"Solicitei vista dos autos para ter oportunidade de reexaminar mais detidamente a matéria, sobre a qual sempre tive entendimento diverso do esposado no douto voto do em. Ministro-Relator, entendimento que, inclusive, tenho expressado a nível docente na Universidade de Brasília. Ademais, entendi de bom alvitre, pelo relevo do tema, debatê-lo em sessão na qual estivesse atuando
a Turma com sua composição plena.
Tenho para mim, com a mais respeitosa vênia, que os dois votos até então proferidos incorrem em equívoco, a reclamarem reexame, sob pena do nosso precedente vir a ensejar umajurisprudência de discutível acerto, especialmente nesta fase de reconstrução jurisprudencial proporcionada pela criação desta Corte.
Trata-se de processo no qual foram cumulados pedidos de reconhecimento da paternidade e alimentos.
Ar. sentença fixou a pensão em 30% sobre os rendimentos líquidos do réu, a contar daquela data. Em grau de apelação, a ego Câmara desproveu o recurso da autora e reduziu o percentual a 20%, acentuando que, quanto ao termo a quo, seria aplicável o disposto no art. 5Q da Lei 883/49.
Recorreu a autora postulando a retro ação da pensão à data da citação, com suporte nos arts. 13, § 2Q
, da Lei n Q 5.478/68, 5Q da Lei de Introdução, e 51 e 54 da "Lei do Divórcio" (nQ 6.515/77).
O em. Relator conhece, nessa parte, do recurso pela alínea a do permissivo constitucional, e o provê.
Entendeu S. Exa. malferido o art. 13, § 2Q
, da Lei n Q 5.478/68, chegando a essa conclusão sob o fundamento central de que o art. 5Q da Lei n Q 883/49 diria respeito apenas aos alimentos provisionais.
266 R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Para alicerçar a sua conclusão, traz à colação precedente da ego Terceira Turma e três outros do Tribunal de origem, com destaque para o que se encontra publicado em RJTJESP 90/94, do qual extraiu o voto do em. Des. Aniceto Lopes Aliende, verbis:
"A circunstância de se cuidar de pedido de alimentos sem prova pré-constituída da relação de parentesco não opera o efeito de dilatar a exigibilidade da pensão para a data do trânsito em julgado da sentença.
Apenas impede a concessão inicial de alimentos provisionais, ou a fixação de alimentos provisórios. E em relação aos provisionais é que atua a regra do art. 5º da Lei nº 883, ao dispor que 'terá o autor direito a alimentos provisionais desde que lhe seja favorável a sentença de 1 i! Instância, embora se haja, desta, interposto recurso'.
A possibilidade de concessão de alimentos provisionais, a partir da data da sentença de 1 º Grau, favorável ao investigante, criada pela Lei nº 883, coexiste com a regra de que os alimentos, uma vez concedidos, retro agem à data da citação inicial. A lei questionada não impôs um termo inicial para os alimentos definitivamente fixados: facultou ao investigante pleitear o benefício que, concedido pendente lite,
pode eventualmente cessar com a decisão final da causa" (RJTJESP, voI. 90, pág. 50)".
E, a seguir, transcreve lição doutrinária de Caio Mário, segundo a qual "a sentença que os conceder retrotrai nos seus efeitos à data da citação inicial, a partir de quando as prestações são devidas (Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, art. 13, § 2º)" ("Instituições de Direito Civil", voI. V, 5ª ed., Forense, 1985, pág. 287).
Quer-me parecer que tais colocações atritam com o sistema legal vigente.
Como se sabe, em se tratando de alimentos, duas são as vias contempladas em nossa legislação para a sua obtenção, a saber:
a - se se trata de pretensão não alicerçada em prova pré-constituída da paternidade, de vínculo conjugal ou de laços de parentesco, a via é a ordinária, a exemplo do que se dá nos casos de ação de investigação de paternidade c/c alimentos;
b - se ocorrente a referida prova pré-constituída, rege-se a ação pela Lei n Q 5.4 78/68, de rito mais célere e procedimento mais simplificado (cfr. RE 72.173, RTJ 95/635, relator o Ministro Cunha Peixoto; RT 601/194), a cujo propósito, em voto proferido no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Cordeiro Guerra teve oportunida-
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de de registrar as razões pelas quais a referida lei foi editada, tendo, inclusive, participação em sua elaboração, pela experiência que vinha vivenciando no foro do Rio de Janeiro.
Feita tal distinção, vê-se que dela não discrepa a transcrita doutrina de Caio Mário, uma vez que, efetivamente, em se tratando de hipótese submetida à Lei nº 5.478/68, os alimentos são devidos desde a citação, como determina o seu art. 13. E assim é porque, aí, há prova pré-constituída do vínculo legal entre alimentante e alimentando. Tanto que a mencionada lei autoriza (art. 4º) que os alimentos provissórios, também conhecidos como provisionais, sejam fixados desde logo pelo juiz, ao despachar a inicial, "salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita" .
Afastado esse argumento, vêse que no caso em tela se trouxe à consideração o que proclamou, em ementa, a ego Terceira Turma, no REsp 2.203-SP, de que relator o em. Ministro Waldemar Zveiter:
"Ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos - Execução por título judicial Fixação do termo inicial da pensão alimentícia a partir da citação.
I - A ação de investigação de paternidade, dotada de natureza declaratória, que não cria laço de parentesco, mas tão-
somente estabelece sua certeza jurídica. Segundo a doutrina, seus efeitos deverão retrotrair à data do nascimento e ou até à da concepção do reconhecido.
II - Reconhecida a paternidade, a obrigação de alimentar, em caráter definitivo, exsurge, de forma inconteste, desde o momento em que exercido aquele direito, com o pedido de constrição judicial, qual seja, quando da instauração da relação processual válida, que se dá com a citação, inteligência do § 2º, do art. 13, da Lei nº 5.478/68.
III - Recurso conhecido mas que se nega provimento."
Fundou-se aquele r. aresto na natureza declaratória da ação de investigação de paternidade, trazendo a lume lições de Carlos Maximiliano, Pontes de Miranda e Arnoldo Medeiros da Fonseca, que, data venia, não se ajustam ao instituto dos alimentos, sobretudo porque a ação de alimentos é de natureza condenatória, e não meramente declaratória, pelo que dá ensejo a execução por quantia certa (CPC, art. 732), além das hipóteses especiais previstas nos arts. 733/734 do mesmo diploma. Como se vê, não há identidade ou similitude de situações.
A bela argumentação desenvolvida naquele julgado, se ajustável ao reconhecimento da paternidade, com eficácia retroati-
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va da decisão por força da sua natureza declaratória, pertinência alguma tem com a ação de alimentos, de carga condenatória, como já adotado.
Restaria, destarte, o exame da espécie pelo cotejo dos textos legais, na busca de uma interpretação sistemática.
Com mais razão, aqui, inaplicável a tese da recorrente.
Com efeito, a Lei n Q 5.478/68, art. 13, trata das hipóteses de "desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções", consoante expressa o seu caput, motivo pelo qual, em qualquer desses casos, de prova pré-constituída, os alimentos retro agem à data da citação. Já o art. 5Q da Lei n Q 883/49 se insere em um diploma caracterizado pela constante evolução verificada, através dos anos, no Direito de Família, daí suas freqüentes alterações. Diz ele:
"N a hipótese de ação investigatória da paternidade, terá direito o autor a alimentos provisionais desde que lhe seja favorável a sentença de primeira instância, embora se haja, desta, interposto recurso".
Como se nota, de plano, o que objetivou o legislador, sabiamente, diga-se de passagem, foi amparar aqueles que, embora sem a prova pré-constituída,· alcan-
çassem uma sentença favorável, mesmo que sujeita a recurso, porque, então, já disporiam de um dado concreto, e não simples afirmações de filiação.
Ademais, não foi por outro motivo que o legislador de 1973, ao editar o Código de Processo Civil, ao disciplinar os alimentos provisionais no Livro do processo cautelar, previu também o seu deferimento "nos demais casos expressos em lei" (CPC, art. 852 - lU), dentre os quais, como lembra Theodoro Jr. ("Processo Cautelar", Leud, 1983, capo X, n Q
258), se coloca a hipótese do art. 5Q da Lei 883/49.
Em suma, segundo a sistemática vigente, em casos de prova pré-constituída incide a Lei n Q
5.478/68, com a imposição dos provisionais, salvo dispensa; para os casos de inexistência daquela, o art. 5Q da Lei 883/49; para as hipóteses de pretensão cautelar, o disposto no art. 852, CPC.
Najurisprudência, dentre muitos precedentes, além do citado no acórdão da Terceira Turma, do ego Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (RT 613/167), mencionem-se outros do próprio Tribunal de origem (v.g., Lex 94/33) e oRE 91.043-3, de que foi relator o Ministro Rafael Mayer (DJU de 15.3.85, pág. 3.139), com a seguinte ementa:
Leis 883/49 (artigos 4Q e 5Q)
e 5.478/68 (artigos 2Q e 4Q).
Filho adulterino. Alimentos provisionais.
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Legitimado o filho adulterino para acionar o pai (art. 4º da Lei 883/49), deve, contudo, aguardar sentença de 1 º Grau, reconhecendo a paternidade (art. 5º), para ter direito aos alimentos provisionais.
Recurso extraordinário conhecido e provido".
N a doutrina, infelizmente, parcos são os pronunciamentos, limitando-se a mencionar ou transcrever os textos legais.
Marco Aurélio S. Viana ("Teoria e Prática do Direito de Família", Saraiva, 1983 ,nº 157, pág. 219), porém, é explícito, ao escrever que, "Na hipótese de ação investigatória de paternidade, o autor terá direito aos alimentos provisionais apenas quando a sentença de primeira instância lhe seja favorável, ainda que interposto recurso (art. 5º da Lei nº 883/49)".
N esse mesmo sentido, ainda mais enfático é o magistério de YussefCahali ("Dos Alimentos", RT, 1984, capo X, nº 3, pág. 556), verbis:
"Quanto aos descendentes, sem a prova pré-constituída da relação de parentesco, o ilegítimo não terá ação fundada na Lei nº 5.478/68; resta-lhe, apenas, as vias ordinárias da ação de alimentos da Lei nº 883/49 (art. 4º), com o seu pedido cumulado ou incidente de investigação da paternidade.
Neste caso, a rigor, os alimentos provisionais somente
poderão ser concedidos com a sentença de procedência da ação, embora pendente de recurso (art. 5º, da Lei nº 883/ 49)".
Impende reconhecer, a bem da verdade, que em casos excepcionais doutrina e jurisprudência mitigam a rigidez desse sistema, como decidiu o ego Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo 74.480-1, de 19.8.86, de que foi relator o em. Des. Renan Lotufo (RT 615/50):
"Em ação de alimentos cumulada com investigação de paternidade entende-se admissível a fixação dos provisórios no curso da demanda se a demora no processamento da investigatória decorre de diligência requerida pelo alimentante e o alimentando encontra-se em situação aflitiva em virtude de ação de reintegração de posse movida pelo suposto pai, tudo aliado ao fato de haver fortes indícios no sentido da efetiva paternidade" .
Nessa direção, também o entendimento de Cahali (op. cit.):
"Não seria de afastar-se, porém, a pretensão de alimentos provisionais com base no CPC, mesmo em favor do filho ilegítimo não reconhecido de qualquer modo, através de procedimento cautelar inominado - ante a perspectiva da morosidade do processo principal
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- condicionada todavia a provisão liminar, inclusive "sem audiência do requerido" (art. 854, parágrafo único), ao prudente arbítrio do juiz, em presença de fumus boni iuris; essa possibilidade mais se legitima, quando se tem em conta que alguma jurisprudência tende a aceitar certas provas de reconhecimento indireto da paternidade de fato até mesmo para autorizar desde logo a ação especial de alimentos".
Essa, induvidosamente, a orientação que, a meu juízo, melhor se afeiçoa ao sistema jurídico vigente e mais atende à realidade da vida, recordada a magistral observação de Max Rumpf de que o direito é vida, ciência brotada da vida e destina à própria vida".
2. Esta Turma, ao tratar de revisão de cláusula alimentícia, situação bem diversa, como já assinalado, por unanimidade, e com acerto a meu juízo, vinha fazendo incidir a eficácia do novo quantum a partir da citação, como proclamado, v.g., no REsp 40.436-3-RJ, verbis:
"Alimentos. Revisão de cláusula. Vigência. Citação inicial. Julgada procedente a ação de modificação de cláusula alimentar, a nova provisão deve ter eficácia a partir da citação inicial, na forma do art. 13, § 2Q
, da Lei 5.478/68.
Recurso conhecido e provido".
No mesmo sentido, também o REsp n Q 51.781-8-SP, por mim relatado.
3. Em se tratando da tese ora em debate, todavia, de alimentos cumulados com investigação de paternidade, em 28 de maio do ano passado, no REsp 56.905-2-RS, mudou, por 4 votos a um, sua jurisprudência. A ementa desse precedente proclamou:
"Investigação de paternidade. Alimentos. Início.
Os alimentos, na ação de paternidade julgada procedente, são devidos desde a sentença. Peculiaridade do caso.
Art. 5Q da Lei 883/49. Voto vencido".
Assinalou na tese o voto condutor:
"2. A regra do § 2Q, do artigo
13 da Lei 5.478/68: "Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação", refere-se especificamente às situações criadas nos processos regulados pela Lei de Alimentos, a qual pressupõe uma prova pré-constituída da obrigação alimentar e, por isso mesmo, impõe ao Juiz o dever de fixar alimentos provisórios já ao despachar a inicial (artigos 2Q e 4Q
). Como nos processos submetidos a esta lei sempre serão deferidos alimentos provisórios, a eventual revisão deles, na forma do § 1 Q, do artigo 13, implicará a retroação, não integral (à data do despacho inicial) mas à da citação (§ 2Q do artigo 13).
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Diferentemente ocorre na ação de investigação da paternidade, onde se está em busca da prova da relação de filiação, suporte do dever alimentar. Para estes, não se deferem provisórios, nomenclatura restrita à Lei 5.478; sobrevindo sentença favorável ao investigante, o artigo 5Q da Lei 883/49 autoriza a concessão de provisionais. Penso eu que apenas a partir da sentença, uma vez que não existe, para o caso, regra semelhante àquela do artigo 13, que favorece os que encontram abrigo na lei especial.
O sistema legal, assim interpretado, merece aplausos. Enquanto na hipótese da Lei 5.478 haveria apenas a necessidade de reajustar prestações devidas desde a citação, nas ações de investigação da paternidade o réu seria confrontado, ao final de um processo sabidamente demorado, com o dever de pagar o valor equivalente a 30, 40 ou mais prestações, relativas ao tempo pretérito, o que significa a constituição de uma dívida dificilmente suportável pelo comum dos cidadãos, à qual se acrescenta a pena de prisão.
Para este entendimento muito pesa a reflexão sobre as conseqüências da decisão, de que nos fala Hassemmer, preocupação que devo ter sempre presente.
N essa linha de raciocínio pondero, ainda, que o investigante chegou à sentença de primeiro grau independentemente do deferimento dos provisionais e a
sua concessão a posteriori, com efeito retroativo, mais servirá para indenizar o autor do que para alimentá-lo o que parece ser um desvio de finalidade.
Essa a argumentação que expendera no julgamento do REsp 44.927-8-SP, de 17.5.94, quando votei acompanhando o voto vencido do eminente Min. Sálvio de Figueiredo, que entendeu contrariar o sistema a concessão de alimentos, na ação de investigação de paternidade, com efeito retroativo à citação.
O caso dos autos evidencia bem a gravidade da situação que resultará do deferimento da pensão desde a citação inicial, para a qual chamo a atenção da ego Turma: o réu, que é garçom, está sendo condenado a pagar uma dívida de 96 salários mínimos, correspondente ao tempo pretérito, desde março de 1987, pois a ação se arrasta há mais de oito anos, além das prestações vincendas. É fácil deduzir que o investigado não tem condições econômicas para fazer frente a esse débito, criando-se com isso uma situação insustentável, com a constituição de dívida impagável, cujo descumprimento, porém, pode resultar em prisão. Se o devedor percebe 4,5 salários mínimos por mês, deverá passar os próximos três anos reservando a totalidade da sua renda para resgatar o débito já vencido e pagar a prestação mensal vincenda, que é de um salário mínimo mensal".
272 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
4. Idêntica orientação foi reiterada no julgamento do REsp 64.158-MG, de que fui relator, cuja ementa restou assim redigida:
"Alimentos. Pretensão não fundada na Lei n Q 5.478168. Ausência de prova pré-constituída da paternidade. Sentença como termo inicial de incidência. Evolução do posicionamento da Turma. Distinção em relação às ações de revisão de alimentos. Recurso desprovido.
I - A Lei n Q 5.478/68 (art. 13), pela sua própria teleologia, não incide nas ações em que se postula alimentos inexistindo prova pré-constituída da paternidade.
II - Destarte, em não se aplicando a referida Lei, o dies a quo
da incidência dos pretendidos alimentos não pode ser a data da citação, mas sim a da sentença, mesmo que sujeita a apelação (CPC, art. 520-II)".
5. Em face do exposto não vislumbro a alegada violação do art. 13 da Lei 5.478/68, conheço do recurso pelo dissídio mas o desprovejo.
VOTO - VENCIDO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, peço vênia a V. Exa. para persistir no meu entendimento de que os alimentos fluem a partir da citação, não somente de acordo com a antiga orientação desta Turma, como também da Egrégia Terceira Turma deste Tribunal.
RECURSO ESPECIAL NQ 85.182 - PE
(Registro n Q 96.0000965-1)
Relator Originário: O Sr. Ministro Fontes de Alencar Relator pl acórdão: O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha Recorrente: Geoteste Ltda. Recorridos: José Edson Nunes dos Santos e cônjuge Advogados: Drs. Arthur Cezar Ferreira Pereira e outros, e Solange Manzi
e outros
EMENTA: Civil. Compromisso de compra e venda de imóvel. Perda de parte das prestações pagas. Código de Defesa do Consumidor.
A regra contida no art. 53 do Código de Defesa do Consumidor impede a aplicação de cláusula contida em contrato de promessa de compra e venda de imóvel que prevê a perda total das prestações já pagas, mas não desautoriza a retenção de um certo percentual que, pelas peculiaridades da espécie, fica estipulado em 10%.
Recurso conhecido mas parcialmente provido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 273
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro-Relator, conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro reformularam os anteriormente proferidos. O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar acompanhou o voto do Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 14 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro CESARASFOR ROCHA, Relator p/ acórdão.
Publicado no DJ de 08-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Trata-se de ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de apartamento, em construção, em que os promitentescompradores não suportando o excessivo aumento das prestações, requereram o distrato com a devolução das quantias pagas, em moeda de valor corrigido.
A Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Pernambuco manteve a procedência da ação, nos seguintes termos:
" ... o art. 51, lI, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que são nulas de pleno direito as cláusulas que subtraiam do consumidor a opção de reembolso de quantias pagas nos casos previstos no mencionado Código, o seu art. 53 é mais contundente quando estipula que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor, em razão do inadimplemento, da resolução do contrato e da retomada do produto alienado.
E, dentro desse raciocínio, foi a decisão proferida, onde a sentença recorrida estampa:
"Deflui claramente que, a estipulação de cláusulas, "como se vê in casu, que estabeleçam a perda total das prestações pagas representa notório abuso que o Código de Defesa do Consumidor houve por bem proibir. A meu sentir a perda das parcelas pagas em benefício do credor, significaria verdadeiro enriquecimento ilícito. Daí porque as situações, como as que ora se examina, a interrupção no pagamento das prestações por parte do compromissário, que não agiu de má-fé, há que ser tolerada, tendo este, direito a receber as prestações pagas, acrescidas dos juros e correção da lei."
274 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Dessa maneira, não tinha outra alternativa o Juiz a quo, salvo acolher a ação proposta para, considerando rescindido o contrato de promessa de compra e venda, determinar a restituição das parcelas pagas, corrigidas monetariamente, sem que possa se falar em prejuízo para a Apelante, vez que o apartamento se encontra em construção e o seu valor cresce na proporção do andamento da obra." (fls. 61/62)
Geoteste Ltda. manifesta recurso especial com fulcro no art. 105, lII, a, da Constituição Federal, alegando ofensa aos arts. 51 e 53, do Código do Consumidor.
Pelo despacho de fls. 84 a 85, o recurso foi admitido.
Registro que o acórdão recorrido está incrustado nos autos da Ação Cautelar (fls. 55/65), quando deveria ficar nos da Ação Ordinária de Rescisão de Contrato Cumulada com Indenização por Perdas e Danos (em apenso). O mesmo acontece com o próprio recurso especial (fls. 66/73).
VOTO
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR (Relator): Ao que consta do acórdão de fls. 55/65, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, por unanimidade, negou provimento a apelo interposto por Geoteste Ltda. contra sentença que acolhera
" ... o pedido dos Apelados e ao declarar rescindido o contrato de
promessa de compra e venda firmado entre as partes litigantes determinou que a Apelante restituísse aos Apelados a quantia correspondente a todas as parcelas pagas, corrigidas monetariamente" (fl. 58).
Como visto na exposição da causa, a Corte pernambucana fincou suporte nos arts. 51 e 53 do Código de Defesa do Consumidor. E o fez corretamente, longe de vulnerar os mencionados dispositivos legais.
Ressalto ter o aresto frisado que a devolução das prestações, no caso, não acarretaria prejuízo para o recorrente,
"vez que o apartamento se encontrava em construção e o seu valor cresce na proporção do andamento da obra" (fl. 62).
Isto posto, não conheço do presente recurso.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: Peço vênia ao Ministro Fontes de Alencar para reformular o meu voto e acompanhar também o Ministro Cesar Asfor Rocha, ao entendimento de que a solução dada por S. Exa., embora sem o rigor formal que caracteriza o recurso especial, atende melhor à missão constitucional deste Tribunal.
É nessa linha que reformulo o voto, acompanhando o Ministro Cesar Asfor Rocha, com os acréscimos
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 275
do voto do Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, também peço vênia ao Eminente MinistroRelator para acompanhar o voto do Eminente Ministro Cesar Asfor Rocha, conferindo uma interpretação mais flexível ao art. 53 do Código de Defesa do Consumidor.
VOTO- VISTA
O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: O eminente Ministro Fontes de Alencar assim historiou o feito:
"Trata-se de ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de apartamento, em construção, em que os promitentes-compradores, não suportando o excessivo aumento das prestações, requereram o distrato com a devolução das quantias pagas, em moeda de valor corrigido.
A Primeira Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Pernambuco manteve a procedência da ação, nos seguintes termos:
' ... o art. 51, II, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que são nulas de pleno direito as cláusulas que subtraiam do consumidor a opção de reembolso de quantias pagas nos casos previstos no mencionado
Código, o seu art. 53 é mais contundente quando estipula que nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor, em razão do inadimplemento, da resolução do contrato e da retomada do produto alienado.
E, dentro desse raciocínio, foi a decisão proferida, onde a sentença recorrida estampa:
'Deflui claramente que, a estipulação de cláusulas, como se vê in casu, que estabeleçam a perda total das prestações pagas representa notório abuso que o Código de Defesa do Consumidor houve por bem proibir. A meu sentir a perda das parcelas pagas em benefício do credor significaria verdadeiro enriquecimento ilícito. Daí porque as situações, como as que ora se examina, a interrupção no pagamento das prestações por parte do compromissário, que não agiu de má-fé, há que ser toledada, tendo este, direito a receber as prestações pagas, acrescidas dos juros e correção da lei.'
Dessa maneira, não tinha outra alternativa o Juiz a quo,
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salvo acolher a ação proposta para, considerando rescindido o contrato de promessa de compra e venda, determinar a restituição das parcelas pagas, corrigidas monetariamente, sem que possa se falar em prejuízo para a Apelante, vez que o apartamento se encontra em construção e o seu valor cresce na proporção do andamento da obra.' (fls. 61/62)
Geoteste Ltda. manifesta recurso especial com fulcro no art. 105, lII, a, da Constituição Federal, alegando ofensa aos arts. 51 e 53, do Código do Consumidor.
Pelo despacho de fls. 84 a 85, o recurso foi admitido.
Registro que o acórdão recorrido está incrustrado nos autos da Ação Cautelar (fls. 55/65), quando deveria ficar nos da Ação Ordinária de Rescisão de Contrato Cumulada com Indenização por Perdas e Danos (em apenso). O mesmo acontece com o próprio recurso especial (fls. 66/73)".
Ao proferir o seu judicioso voto, o Senhor Ministro-Relator, prestigiado que foi pelos eminentes Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, assim pontificou:
"Ao que consta do acórdão de fls. 55/65, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, por unanimidade, negou provimento a apelo interposto por Geoteste Ltda. contra sentença que acolhera
' ... o pedido dos Apelados e ao declarar rescindido o contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes litigantes determinou que a Apelante restituísse aos Apelados a quantia correspondente a todas as parcelas pagas, corrigidas monetariamente' (fi. 58).
Como visto na expOSlçao da causa, a Corte pernambucana fincou suporte nos arts. 51 e 53 do Código de Defesa do Consumidor. E o fez corretamente, longe de vulnerar os mencionados dispositivos legais.
Ressalto ter o aresto frisado que a devolução das prestações, no caso, não acarretaria prejuízo para o recorrente,
'vez que o apartamento se encontrava em construção e o seu valor cresce na proporção do andamento da obra' (fI. 62).
Isto posto, não conheço do presente recurso".
Pedi vista dos autos para melhor exame da matéria.
N a hipótese, como visto, os recorridos e os recorrentes celebraram contrato de promessa de compra e venda de imóvel ainda em construção, em regime de incorporação, cujo pagamento seria efetuado, além do sinal, em quarenta e seis prestações mensais, corrigidas pela variação do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), como é habitual.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 277
Por não suportarem mais o encargo assumido, os recorridos, após pagarem o sinal e mais três parcelas, afirmaram "que não mais interessaram-se em dar continuidade ao contrato pactuado, procurando incontinenti a rescisão do mesmo, com a devolução da quantia paga" (fls. 4), tendo a recorrente respondido que aceitaria a rescisão desde que nada tivesse a devolver do quanto já recebido.
As instâncias ordinárias, já agora prestigiadas pelos doutos votos antecedentes, entenderam que o contrato poderia ser rescindido e que a promitente-vendedora deveria restituir aos promitentes-compradores a quantia correspondente a todas as parcelas pagas, corrigidas monetariamente.
Ouso, contudo, e com o devido respeito, discordar dos judiciosos pronunciamentos já destacados.
É certo que o art. 53 do Código de Defesa do Consumidor afasta, com toda ênfase, a possibilidade de, nos contratos de compra e venda de imóveis, o devedor perder totalmente as prestações já pagas, em benefício do credor.
Nem por isso, contudo, terá o devedor, necessariamente, o direito de receber do credor todas as prestações já pagas, sobretudo quando, como na hipótese, a iniciativa do rompimento do contrato é do próprio devedor e por razões que não foram causadas pelo credor, mas apenas porque não puderam mais suportar o cumprimento das obrigações assumidas, em face da correção monetária incidente.
Ora, tão injusto quanto impor ao devedor a perda das prestações já pagas é impor ao credor a devolução de todas as recebidas, sobretudo quando nem um nem outro deram causa à impossibilidade do cumprimento de tudo quanto foi pactuado.
É preciso ver que o vendedor suporta despesas com publicidade, corretagem, elaboração de contratos e muitas outras, para efetuar a venda de um imóvel, isso sem falar com as perdas e danos que sofre com a desistência, pela dificuldade que enfrentará para efetuar uma nova venda.
Com efeito, é razoável entenderse que esses encargos, sobretudo no caso em exame em que nenhuma culpa teve o vendedor pela impossibilidade de os compradores não continuarem vinculados ao contrato, quanto mais porque foi deles mesmos a iniciativa de rompê-lo, devem ser suportados pelos compradores.
N essa linha, a lição de Arruda e Thereza Alvim exposta no "Código de Defesa do Consumidor" (2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, págs. 261/262), a saber:
"No caso, todavia, de venda de móveis ou imóveis, mediante pagamento de prestações, parecenos que, em face do veto presidencial ao § 1º, deste artigo, deve prevalecer a solução que mais se coaduna com os princípios que informam nosso Direiro. A nosso ver, seria a seguinte: impõe-se, de qualquer forma, ao fornecedor o
278 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
dever de devolver as parcelas já pagas pelo consumidor inadimplente, pena de enriquecimento ilícito daquele primeiro. Todavia, dessa restituição, poderão ser descontados as perdas e danos a que o consumidor tiver dado causa (nessas perdas e danos, podem ser incluídos, não apenas a vantagem econômica auferida com a fruição, de que tratava o vetado § 1 Q, o que corresponderia, v.g. à cobrança de aluguel pelo período que o consumidor usufruiu do imóvel, cuja compra e venda não veio a ser realmente implementada, mas também lucros cessantes, despesas gerais decorrentes do inadimplemento etc.)."
Aliás, os precedentes que colhi desta ego Quarta Turma são todos no mesmo sentido, vale dizer, impondo-se ao vendedor o dever de devolver as parcelas já pagas pelo consumidor inadimplente, devidamente corrigidas desde cada desembolso, mas autorizando-se a retenção de um certo percentual.
A propósito, os seguintes julgados, cujas ementas são transcritas, na parte que há de útil:
"Mesmo celebrado o contrato antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, o que impunha considerar eficaz previsão contratual de perdas das quantias pagas pelo promissário adquirente, pode o juiz, autorizado pelo disposto no art. 924, CC, reduzila a patamar justo, com o fito de evitar enriquecimento sem causa que de sua imposição integral
adviria à promitente-vendedora. Circunstâncias específicas do caso impõem a perda de 25% (vinte e cinco por cento) do que foi pago pelos compradores." (REsp 43.544-SP, Relator eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 24.02.97).
"Compromisso de compra e venda de imóvel. Perda das prestações pagas. Contrato pactuado na vigência do Código de Defesa do Consumidor. Nulidade da cláusula. Retenção por parte da construtora. Recurso parcialmente acolhido.
- Nula é a cláusula que prevê a perda das prestações pagas de um contrato de compromisso de compra e venda, celebrado na vigência do Código de Defesa do Consumidor, podendo a parte inadimplente requerer a restituição do quantum pago, com correção monetária desde cada desembolso. Por outro lado, autoriza-se a retenção, na espécie, de dez por cento (10%), em razão do descumprimento do contrato." (REsp 74.448-SP, Relator eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 04.11.96).
No mesmo sentido os REsp's nnE 94.271/SP e 94.640/DF, relatados pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Observo, ademais, que, não fora assim, o comprador teria sempre uma situação cômoda: se o bem adquirido não se valorasse no mesmo patamar do dinheiro corrigido, ele desvincularia da promessa de com-
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pra pactuada, caso contrário, se a valorização fosse superior ao dinheiro corrigido, ele manteria o vínculo contratual.
Diante de tais pressupostos, dou parcial provimento ao recurso para o fim de determinar à recorrente que devolva aos recorridos 90% (noventa por cento) de todas as parcelas que por estes j á foram pagas, devidamente corrigidas desde cada desembolso, com respeitosas desculpas aos eminentes Ministros que votaram em contrário.
VOTO- VOGAL
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Peço vênia ao Ministro Fontes de Alencar para acompanhar o Ministro Cesar Asfor Rocha. Já julgamos recurso onde se tratava de contrato firmado na vigência do Código de Defesa do Consumidor, alegando-se violação ao art. 53. Entendeu-se que, dentro do sistema do Código, a nulidade, uma vez presente, nem sempre implica o afastamento da regra, permitindo ao Juiz a sua modificação para atender a uma necessidade de equilíbrio do contrato (REsp 94.4601DF e REsp 113.602IDF), cujas ementas são as seguintes:
"Promessa de compra e venda. Restituição das importâncias pagas. Cláusula de decaimento de 90%. Modificação judicial.
N a vigência do Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula de decaimento de 90% das importâncias pagas pela promissária-compradora de imóvel.
Cabe ao juiz alterar a disposição contratual, para adequá-la aos princípios do Direito das Obrigações e às circunstâncias do contrato.
Ação proposta pela promissária-compradora inadimplente. Artigos 51 e 53 do Codecon. Art. 924 do CCivil.
Recurso conhecido e provido, para permitir a retenção pela promitente-vendedora de 10% das prestações pagas." (REsp 94.640-DF, 4ª Turma, de minha relatoria)
"Promessa de compra e venda. Restituição.
A promitente-vendedora tem o direito de reter parte das prestações pagas, a título de indenização pelo desfazimento do negócio, mas não de acordo com cláusula de perda proporcional, e sim no quantitativo de 10% sobre o total das prestações pagas.
Recurso provido em parte." (REsp 113.602-DF, 4ª Turma, de minha relatoria)
É possível, portanto, interpretar a nova lei de modo a permitir a interpretação proposta, com simples modificação da cláusula.
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Não se pediu essa interpretação.
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Mas sou levado a admiti-la. Reclamando a parte por ofensa ao art. 53, admite-se que a ofensa existiu por causa da inter-
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pretação assim como foi anulada a cláusula, a vendedora, que não deu causa ao rompimento do contrato, sofre o prejuízo da rescisão e nada pode reter.
O SR. MINISTRO FONTES DE ALENCAR: Mas não houve prejuízo.
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: O v. acórdão disse que não houve prejuízo por estar o imóvel em construção, pois normalmente ele se valorizaria. O que se está deferindo é uma verba a título de indenização pelas despesas que, necessariamente, teve a vendedora na realização desse contrato, com publicidade, corretagem, etc.
Há outro argumento que me parece importante: assim como se tem usado do art. 924 do C.Civil para
beneficiar o comprador, penso que temos também de usar dessa mesma liberdade para beneficiar na outra 'ponta a vendedora, quando ela é que ficaria no prejuízo na hipótese de extinção do contrato, nada retendo e sofrendo todos os ônus decorrentes do desfazimento do negócio. Parece-me justo que a Turma assuma essa posição de equilíbrio.
Daí porque também faço minhas as palavras do Eminente Ministro Sálvio de Figueiredo, isto é, o Ministro Fontes de Alencar tem razão em apontar ofensa à tecnicidade do recurso especial, mas também é conveniente para este e para os futuros julgamentos que se caminhe na direção mais flexível proposta pelo Eminente Ministro Cesar Asfor Rocha.
RECURSO ESPECIAL NQ 106.326 - PR
(Registro n Q 96.0055328-9)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: AGF Brasil Seguros S/A
Recorridos: Geova Fortunato Paulino e cônjuge
Interessada: Lipater Limpeza Pavimentação e Terraplanagem Ltda.
Advogados: José Olinto Nercolini e Eliel Schoneborn de Moraes
EMENTA: Responsabilidade civil. Filho menor. Indenização. Seguro. Dano moral é dano pessoal. 1. A indenização pelo dano moral decorrente da morte de filho menor com cinco anos de idade, que ainda não trabalhava e não auxiliava no sustento dos pais, pode ser calculado sobre a possível contribuição que prestaria durante a sua provável sobrevi da, até o limite de 25 anos. 2. O contrato de seguro por danos pessoais compreende o dano moral. Recurso conhecido e provido em parte.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 281
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Fontes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teixeira. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 25 de março de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 12-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Geová Fortunato Paulino e sim moveram ação de reparação de danos materiais e morais contra Terpa Lipater Ltda., em razão de atropelamento que causou a morte do filho Rodnei Martins Paulino, com 5 anos de idade. Dizem que no dia 17 de outubro de 1992, por volta das 8:20 horas, um caminhão da ré, conduzido pelo motorista Luiz Bento da Silva, movimentou o veículo em marcha a ré, vindo a atropelar e matar o menor. Pleiteiam indenização por danos material e moral, tomando-se por
base a idade da vítima no evento até completar 65 anos de idade.
A ré, ao contestar a ação, denunciou à lide AGF - Brasil Seguros SIA.
A sentença julgou a ação parcialmente procedente, condenando a ré à reparação dos danos morais no valor de R$ 9.240,00, apurado com a multiplicação de um salário mínimo pelo número de meses entre o período de 14 a 25 anos de idade, durante o qual se presume que a vítima auxiliaria na manutenção dos pais. Declarou o direito da ré de haver da litisdenunciada, até o limite do contrato celebrado, o que despendeu nesta ação.
A litisdenunciada e os autores apelaram.
A ego 5ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Paraná deu provimento parcial ao apelo da litisdenunciada e também ao dos autores, para declarar que a indenização a ser calculada tomará por base a idade limite de 65 anos, na base de 2/3 do salário mínimo, mantida no mais a sentença. Eis a ementa:
"Reparação de danos. Atropelamento. Imprudência. Vítima menor de idade. Indenização reclamada pelos pais. Seguradora denunciada à lide. Motorista que dá marcha a ré, sem se aperceber de que crianças estavam atrás do caminhão, vindo em conseqüência atingir uma delas, passando por sobre seu corpo, agindo assim com culpa. Indenização estabelecida em favor dos pais do menor, na base de 2/3 do salário
282 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
mínimo. Apelação manifestada pelos autores acolhida. Recurso da litisdenunciada provido em parte." (fl. 197).
Inconformada, a seguradora ingressou com recurso especial, por ambas as alíneas, alegando afronta ao art. 1.460 do Código Civil e dissídio jurisprudencial. Sustenta: a) - o seguro somente abrange os danos materiais e pessoaip" não alcançando os danos morais; b) - divergência de interpretação quanto ao limite de indenização entre o v. aresto recorrido e os paradigmas apresentados, devendo ser aceito o limite dos 25 anos.
Sem contra-razões, o Tribunal a quo admitiu o recurso especial, subindo os autos a este ego STJ.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. A seguradora recorreu, propondo duas questões: o cálculo da indenização pelo dano moral, decorrente da perda de filho menor que não trabalhava, se tomada em consideração a eventual contribuição para o sustento dos pais, deve ser feito até o limite dos 25, e não dos 65 anos da idade provável da vítima; não se inclui entre o dano coberto pelo contrato de seguro o de natureza moral.
2. Sobre a questão da fixação do quantum indenizatório do dano moral, para reparar a morte de filho menor, tendo sido deferido um valor que leva em conta o tempo em
que a vítima auxiliaria para a alimentação dos pais, esta ego 4ª Turma tem estabelecido a seguinte distinção: se a vítima era de tenra idade e não prestava contribuição para o sustento da família, a indenização pode ser calculada sobre uma possível contribuição que prestaria até os 25 anos de idade, e o quantum assim apurado, pago de uma só vez, ou em prestações mensais, corresponde à reparação do dano moral pela perda do filho. Se a criança j á trabalhava e contribuía, ou tinha condições de auxiliar no sustento dos pais, o limite a considerar se eleva para 65 anos.
No REsp 57.872-CE, com a ementa que segue, assim fundamentei o voto:
"Responsabilidade civil. Morte de filho menor de tenra idade. Dano moral. Limite temporal da pensão.
1. O dano sofrido pelos pais em decorrência da morte de filho menor de tenra idade, que ainda não trabalhava e tampouco contribuía para o sustento da família, é de natureza extrapatrimonial e pode ser indenizado através de uma pensão mensal.
2. Nesse caso, o limite temporal do pensionamento pode corresponder à data em que a vítima completaria vinte e cinco anos de idade.
Recurso não conhecido."
"A jurisprudência desta ego 4ª Turma tem concedido indenização por morte de filho menor de
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tenra idade a título de reparação pelo dano extra patrimonial ou moral, uma vez que inexiste o dano material, pois a criança, que ainda não trabalhava, tampouco contribuía para o sustento da família. No julgamento do REsp n Q
55.209-5/MG, tive oportunidade de afirmar: "Tratando-se de vítima de tenra idade, que ainda não trabalhava, a indenização corresponde à reparação do dano moral sofrido pelos pais, podendo ser estipulada em quantia fixa, ou na forma de pensão, para cujo cálculo se toma em consideração, como termo ad quem, a data em que a vítima completaria vinte e cinco anos de idade. Nos demais casos, contando com mais de 14 anos, contribuindo para o sustento dos pais, ou podendo para isso contribuir, o limite a considerar é o de quando ela atingiria a idade de sessenta e cinco anos, ou a expressa na tabela progressiva de duração provável de vida, adotada pela previdência social, como mais recentemente vem sendo decidido". Invoquei como precedente o EREsp 19.186-0/SP, relator em. Min. Sálvio de Figueiredo, que citava, por sua vez, o REsp 28.861-0-PR e o REsp 32.573-4/ES. Nos autos já foi feita remissão ao REsp n Q 28.809-0/ PR, 3i! Turma, reI. em. Min. Dias Trindade: "A indenização pela morte de filho de tenra idade, fixada em forma pensional, dura até quando a vítima atingiria 25 anos".
N a espécie, a r. sentença, mantida quando do julgamento da
apelação, deferiu uma verba única a título de indenização pelos dois danos: "Nesta verba indenizatória única, portanto, se inclui a indenização referente aos danos patrimonial e moral". Se algum reparo tivesse que ser feito a essa decisão, seria para excluir a referência ao dano material, o que se mostra inviável por se tratar de recurso interposto pelo autor.
Para a definição do limite de tempo para a duração do pensionamento, já foi dito acima qual o parâmetro que deve ser adotado em casos tais: escolhe-se a idade de vinte e cinco anos porque permite a concessão de um quantitativo de indenização que satisfaz a necessidade de reparação do dano moral sofrido pelos pais com a perda do filho."
A divergência ficou demonstrada apenas com a transcrição de ementas, muitas deste ego STJ onde o tema tem sido objeto de reiteradas decisões, pelo que penso que o dissídio ficou caracterizado.
Conhecendo, dou provimento, para fazer prevalecer a orientação aqui predominante, no sentido de que em casos tais a indenização deve levar em conta o limite temporal de 25 anos de idade provável da pequena vítima.
Observo que a sentença deferiu o valor integral do salário mínimo, e estipulou o marco de 25 anos. O v. acórdão elevou o termo para 65 anos de idade, mas diminuiu o quantitativo para 2/3 do salário mínimo.
284 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Considerando as circunstâncias do caso e os valores indicados nos autos, proponho que seja restabelecida a sentença por inteiro, inclusive quanto ao valor integral do salário, sem a diminuição de 1/3, porquanto do contrário seria por demais reduzido o valor indenizatório.
3. A alegada ofensa ao disposto no art. 1.460 do CCivil não aconteceu. Em primeiro lugar, porque a conclusão do r. acórdão está fundada na análise de cláusulas contratuais, onde os julgadores não viram a limitação argüida. Em segundo, porque se inclui no dano pessoalque desenganadamente se encontra no âmbito do contrato de seguro -tanto o de natureza patrimonial como o extra patrimonial, ou moral. Tudo é dano pessoal e por ele se responsabilizou a seguradora. Aliás, sobre isso, esta 4ª Turma já assim decidiu:
"No conceito de dano pessoal, isto é, dano à pessoa, cuja cobertura estava prevista no contrato de seguro, inclui-se necessariamente o dano moral. Como já foi unanimemente aprovado no II Congresso Internacional de Danos, Buenos Aires, 1991, "o dano à pessoa configura um âmbito lesivo de funda significação e transcendência, podendo gerar prejuízos morais e patrimoniais" (Dãnos a la persona, RDPC, 1/31)." (AG nº 97.831-RS, de minha relatoria, DJ 12/04/96)
4. Posto isso, conheço em parte do recurso, pela divergência, e lhe dou parcial provimento, para restabelecer a sentença, na parte em que fixou o valor da indenização pelo dano moral.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 111.961 - RS (Registro nº 96.0068323-9)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: Aramy Viterbo Santolim e cônjuge
Recorrida: Imobiliária Praia Brava Ltda.
Advogados: Luiz Luizi e outro, e Luiz Germano Rothfuchs Neto e outro
EMENTA: Nota promissória. Endosso. Vinculação a contrato constante do verso do título. A nota promissória que contenha no verso expressa vinculação ao contrato subjacente perde a característica de abstração, podendo ao endossatário ser oposta a defesa que o devedor teria em razão do contrato.
Recurso conhecido e provido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 285
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relatar os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Cesar Asfor Rocha. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Barros Monteiro.
Brasília, 11 março de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 12-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Aramy Viterbo Santolim e sim opuseram embargos à execução que lhes moveu a Imobiliária Praia Brava Ltda., alegando que a nota promissória objeto da execução ficou vinculada à transação imobiliária efetivada com o casal Teles de Loureiro Campelo, transação esta desfeita porque o imóvel fora prometido vender sem ônus, mas estava gravado com duas hipotecas. A sentença julgou procedentes os embargos e desconstituiu o título executivo, concluindo que a vinculação, mediante declarações no verso da cártula de promessa de compra e venda entre o emitente e o casal
Tales de Loureiro Campelo desvirtuou o título, pelo que o endosso constante na nota promissória em execução tem efeito de mera cessão civil, sujeitando o endossatário às exceções pessoais advindas do negócio a que o título fora vinculado, podendo opor o credor a exceção pessoal de contrato não cumprido, pois a cláusula 5ª do contrato dispõe que o bem deveria ser entregue sem quaisquer ônus reais, e, na hipótese, duas eram as hipotecas sobre o imóvel.
Interposta apelação, a ego 9ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, por votação majoritária, negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado:
"N ota Promissória. Vinculação a Contrato. Endosso. Contendo a promissória, expressa referência ao contrato a que está vinculada, pode o emitente invocar, contra o endossatário, exceções decorrentes do pacto.
Apelação não provida. Voto vencido." (fi. 100)
Opostos embargos infringentes, o ego 4º Grupo Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, acolheu os embargos. Eis ementa:
"Nota promissória. Endosso. Título à ordem. Mesmo que nascente de um contrato, havendo endosso que não se revela tardio, há de se prestigiar a força cambiária das cártulas. A prova de
286 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
proceder conscientemente em detrimento do devedor deve ser feita pelo obrigado (art. 17 LUG). Circulando o título, há transferência de um credor para outro.
No caso, ainda se adiciona o fato de haver resolução judicial da promessa de compra e venda na qual foi reconhecida a culpa dos devedores (emitente).
Recurso provido por maioria." (fi. 164)
Rejeitados os embargos de declaração, os embargantes ingressaram com recursos extraordinário e especial, este pela alínea c. Sustentam, com apoio nos precedentes, que a cláusula expressa no verso do título, vinculando-o ao negócio subjacente, determina a perda da autonomia cambial, configurando-se uma simples cessão de crédito.
Com as contra-razões, o Tribunal de origem inadmitiu o recurso especial, subindo os autos a este STJ por força do provimento do AG n Q
106-649/RS (autos apensos).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): A divergência ficou bem demonstrada com a transcrição de fundamentação de r. acórdão da 6ª Câmara do ego Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:
"Quem por endosso adquire cambiais de cujos versos expres-
samente conste a vinculação ao negócio subjacente, se equipara ao cessionário de crédito. No caso, que é o dos autos, decai, excepcionalmente, o princípio da autonomia cambial, consoante esta Câmara tem decidido, em harmonia com a jurisprudência".
Tenho que deve ser prestigiado o paradigma.
Este Tribunal reconheceu, em precedentes inúmeros, a autonomia e a abstração da cambial, mesmo quando vinculada a contrato (REsp 21.913/RJ, 4ª Turma, reI. em. Min. Torreão Braz, REsp 41.164/GO e REsp 3.257/RS, 3ª Turma, reI. em. Min. Waldemar Zveiter; REsp 296/ RS, 4ª Turma, reI. em. Min. Barros Monteiro; REsp 3.037/RS, 4ªTurma, reI. em. Min. Athos Carneiro).
No entanto, também tem afirmado que "não são absolutos os princípios da abstração e da autonomia quando a cambial é emitida em garantia de negócio jurídico subjacente" (REsp 8.288/SP, 3ª Turma, reI. em. Min. Cláudio Santos).
Especificamente, quando se trata de vinculação registrada no próprio título, esta 4ª Turma, no REsp 14.012/RJ, reI. em. Min. Sálvio de Figueiredo, assim decidiu:
"Ainda que de boa-fé, o endossatário de notas promissórias, das quais conste expressa vinculação a contrato, fica sujeita às exceções de que disponha o emitente com base no ajuste subjacente. Os títulos, em hipóteses tais, perdem a natureza abstra-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997., 287
ta que lhe é peculiar, sendo oponível ao portador, mesmo nos casos em que tenha havido circulação por endosso".
Observo, ainda, que anotapromissória foi emitida pro solvendo e,
por isso, ligada ao cumprimento do contrato de promessa de compra e venda.
Posto isso, estou em conhecer e dar provimento para restabelecer a sentença.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 113.630 - DF
(Registro nº 96.0072550-0)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: Osvaldo Natsuo Sacakura
Recorrida: Cavesa Administradora de Consórcio S/C Ltda.
Advogados: Drs. Dirceu de Faria e outros, e Einstein Lincoln Borges Taquary e outros
EMENTA: Alienação fiduciária. Ação de depósito. Defesa oposta pelo Curador Especial por negativa geral. Assertiva de não recebimento da notificação prévia pelo devedor.
- Na falta de elementos, é permitido ao Curador Especial contestar o pedido inicial de modo genérico, não se lhe aplicando o ônus da impugnação especificada (art. 302, parágrafo único, do CPC).
- Dissídio interpretativo não configurado.
- Fundamento consignado no V. Acórdão por si só suficiente, que não foi objeto de impugnação por parte do recorrente (Súmula nº 283-STF).
- Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unani-
midade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fontes de Alencar e Sálvia de Figueiredo Teixeira.
288 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Brasília, 15 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 09-06-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: "CavesaAdministradora de Consórcios S/C Ltda. ajuizou pedido de busca e apreensão fundado em alienação fiduciária de veículo contra Osvaldo Natsuo Sacakura. Convertido em ação de depósito, o MM. Juiz de Direito julgou-a procedente.
A Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por unanimidade, negou provimento ao apelo interposto, pelos seguintes fundamentos na pai-te em que ora interessa:
"Com efeito, o apelante encontrava-se preso quando foi citado, sendo-lhe nomeado Curador Especial. Este, como se sabe, atua no âmbito do processo civil como defensor do réu preso. Suas funções visam a dar pelo menos uma igualdade formal entre ação e defesa, dando eficácia a princípios de origem constitucional, como ressalta o Promotor Hugo Nigro Mazzilli.
Ajurisprudência, por seu turno, vai mais longe e admite inclusive que a falta de contestação, por parte do curador espe-
cial, não enseja a nulidade do feito:
'Não há nulidade na ausência de expressa contestação do curador à lide, nomeado ao réu, pois não se trata de atividade estreitamente demarcada e sim de atividade livre, atuando o nomeado como entender em sua consciência (RT 419/160).'
Ressalte-se que a contestação ofertada por curador especial exclui os efeitos da revelia, havendo ou não impugnação específica.
Vê-se, portanto, que a defesa por negativa geral não importa prejuízo para o defendido, já que a sentença, excluindo a presunção de veracidade, irá levar em conta tão-só matéria fática devidamente comprovada."
"Por último, não vislumbro nulidade da notificação de fl. 14, solicitando o comparecimento do apelante para efetuar o pagamento das parcelas em atraso. O fato de haver sido recebida por outra pessoa diversa da do destinatário não lhe retira o efeito de constituir em mora o notificado. A carta foi remetida ao endereço residencial do apelante, donde se presume tenha ele a recebido." (fls. 81/82 e 83/84).
Os embargos declaratórios foram rejeitados.
Inconformado, o réu manifestou o presente recurso especial com
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 289
fundamento nas alíneas a e c do permissor constitucional. Apontou, além de dissenso pretoriano com aresto do STF, violação dos arts. 9Q
,
II, parágrafo único e 333, I, ambos do CPC. Sustentou que, embora se tratasse de réu preso, não lhe foi nomeado curador, mas defensor, o qual não apresentou defesa efetiva, manifestando-se apenas de maneira formal. Alegou, ainda, ser inviável a ação de depósito sem a demonstração inequívoca da mora, não se prestando para tanto a simples postagem de correspondência.
Sem contra-razões, o recurso foi admitido pela alínea c.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): 1. Não se verifica a nulidade do processo em virtude de o Curador Especial haver contestado a ação por negativa geral.
A defesa, nos moldes em que oferecida, é permitida pela lei processual civil (art. 302, § único). Segundo o magistério de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, "a curadoria especial é munus público, incumbindo ao curador o dever de, necessariamente, contestar o feito. Na falta de elementos, pode contestar genericamente (CPC, 302, parágrafo único), não se lhe aplicando o ônus da impugnação especificada. Contestando genericamente, o curador especial controverte todos os fatos descritos na
petição inicial, incumbindo ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito (CPC, 333, I). Não há, neste caso, inversão do ônus da prova, mas aplicação ordinária da teoria do ônus da prova. Caso o curador não conteste, o juiz pode destituí-lo e nomear outro para que efetivamente apresente contestação na defesa do réu" (Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, pág. 231, ed. 1994).
Desassiste razão, pois, ao recorrente ao insurgir-se contra a defesa simplesmente genérica apresentada pelo Dr. Curador Especial. Aliás, em sede doutrinária, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira vai além: em escólio ao referido art. 9Q
do CPC, considera S. Exa., que "o curador não tem a obrigatoriedade de contestar ou embargar. Poderá fazê-la, se reputar conveniente e possível. O imprescindível será a sua efetiva atuação, sobretudo de fiscalização" (Código de Processo Civil Anotado, pág. 10, 6ª ed.).
2. Há uma segunda argüição de nulidade pelo ora recorrente, qual seja, a da notificação prévia, resultante da falta de prova de que ele a recebera.
N esse tópico da irresignação recursal, nenhuma contrariedade se vislumbra quanto ao art. 333, inc. I, do estatuto processual civil, acerca do qual, aliás, o Acórdão recorrido nada ventilou. Ausente aí o requisito do prequestionamento (Súmula n Q 282-STF).
De sua vez, o dissenso de julgados não se aperfeiçoa, como de mis-
290 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
ter. A rigor, os Acórdãos postos em confronto não se mostram discrepantes entre si. O aresto paradigma diz ser necessário que se comprove ter o destinatário recebido a correspondência; a decisão recorrida não faz afirmação em sentido contrário: apenas reputa que, remetida a carta ao endereço residencial do recorrente, se presume que a tenha recebido.
3. Estas circunstâncias conduzem à inadmissibilidade do REsp, não bastasse haver ainda o recorrente
deixado de impugnar o fundamento, por si só suficiente, que fora expendido pelo Sr. Desembargador Revisor, de conformidade com o qual não era dado ao Tribunal conhecer dos fatos narrados pelo apelante, uma vez que não alegados em 1 Q
grau e, conseqüentemente, não apreciados pelo Juiz singular. Invocável ainda, portanto, o princípio constante da Súmula n Q 283-STF.
4. Ante o exposto, não conheço do recurso.
É o meu voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 114.090 - SP
(Registro n Q 96.0073567-0)
Relator: O Sr. Ministro Barros Monteiro
Recorrente: AGF Brasil Seguros S/A
Recorrido: Condomínio Edifício Carpeaux
Advogados: Drs. Luiz Antônio de Aguiar Miranda e outros, e Marco Antônio Simões Gouveia e outros
EMENTA: Intimação. Sentença. Não inclusão dos nomes dos advogados da ré.
Se o Juiz, ante a argüição de nulidade, defere a restituição do prazo recursal, conta-se este prazo da intimação da interlocutória proferida e não da data em que a parte compareceu aos autos para denunciar o fato.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:
Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por una-
nimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fon-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 291
tes de Alencar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília, 15 de abril de 1997 (data do julgamento).
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro BARROS MONTEIRO, Relator.
Publicado no DJ de 09·06·97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO: "Condomínio Edifício Carpeaux" ajuizou ação de cobrança contra "AGF Brasil Seguros S.A." objetivando o recebimento de verba indenizatória remanescente em razão de sinistro coberto por contrato de seguro.
Contra a sentença que julgou procedente o pedido, foi interposto recurso de apelação.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, não conheceu do apelo. Do acórdão merece transcrito o seguinte excerto:
"Publicada a r. sentença de fls. em 17 de novembro de 1994, dela não teve ciência o procurador da apelante, cujo nome não constava da intimação (fls. 85). Em 13 de fevereiro de 1995, entretanto, ingressou a apelante nos autos com pedido de nulidade dos atos praticados a partir da fl. 69 e isto porque o nome de seu procurador não constava das intimações dos despachos proferidos a partir de então. Alegou a apelante que 'so-
mente tomou conhecimento do fato através da intimação de 07.02.95', requerendo, afinal, a devolução do prazo integral do recurso a que a requerente tem direito da decisão proferida nos autos, por este Juízo.
Ocorre que nesta data, 13 de fevereiro de 1995, passou a fluir seu prazo recursal, posto que primeira manifestação de ciência inequívoca da decisão proferida. O prazo para interposição de recurso escoou-se em 28 de fevereiro de 1995, terça-feira de carnaval, prorrogando-se, conseqüentemente, ao primeiro dia útil seguinte, 1 Q de março, data de expediente normal no Tribunal de Justiça.
O recurso foi interposto somente em 10 de março de 1995 sendo, pois, manifestamente intempestivo." (fls. 128/129).
Inconformada, a ré manifestou recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Apontou, além de dissídio interpretativo com julgados desta Corte, afronta aos arts. 183, § 2Q
, 507, 240 e 180, todos do Código de Processo Civil. Sustentou que o prazo recursal só começou a fluir a partir do momento em que o juízo permitiu a prática do ato, sendo essencial a publicação dessa decisão interlocutória.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido apenas pela alínea c do permissor constitucional, subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
292 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241·298, novembro 1997.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator): A espécie apresenta uma situação peculiar.
Argüida pela ré a nulidade do processo a partir de fls. 69, em virtude de não ter a intimação da sentença incluído o nome de seus procuradores, o MM. Juiz de Direito deferiu às expressas a restituição do prazo, conforme consigna o despacho de fls. 86.
Daí a interposição do recurso apelatório pela ré tão-somente a contar da publicação desta última decisão interlocutória.
O Tribunal a quo, porém, computou o prazo recursal a partir do momento em que a ré manifestara nos autos a ciência inequívoca da sentença proferida, ou seja, desde 13 de fevereiro de 1995, e, em conseqüência, não conheceu da apelação por intempestiva.
A particularidade do caso evidencia que a razão assiste à ré-recorrente, nos termos, aliás, do que já teve oportunidade de proclamar a C. Terceira Turma em ao menos dois julgamentos. Num deles, que constitui o primeiro e efetivo aresto paradigma (REsp n Q 34.407-8/SP, relator o em. Ministro Nilson N aves), aquele órgão fracionário assentou que, "se o juiz, diante da petição mostrando irregularidade na intimação (da publicação não havia constado o nome do advogado), determina a republicação da sentença, conta-se então o prazo para apelação desta intimação" (in DJU de 22-11-93).
A dissidência dejulgados acha-se suficientemente demonstrada pela recorrente, pouco relevando que no precedente acima aludido se tenha determinado a republicação da sentença e que aqui se tenha, através de interlocutória, determinado a devolução do prazo. As duas situações são, em substância, idênticas.
O mencionado acórdão-modelo trazido à colação pela ora recorrente reporta-se, de sua vez, a um outro julgado daquela C. Turma, o REsp n Q 6.153-RS, relator o il. Ministro Eduardo Ribeiro, o que -bem se vê - enfoca de todo igual à que ora se submete ao crivo desta Turma. Ali se decidiu:
"Intimação - Irregularidade - Ciência inequívoca.
Se a parte peticiona, alegando irregularidade na intimação referente a determinado ato processual e assim revela que dele teve ciência, da data em que o faz fluirão os prazos recursais, não se fazendo necessária outra intimação. Se o Juiz, entretanto, determina que aquela se faça, cria-se a convicção de que a efetivação dessa seria o termo inicial. A hipótese é assimilável à justa causa, devendo contar-se o prazo da intimação" (in DJU de 27-05-91).
É exatamente isto o que se deu na hipótese em exame. O deferimento do pedido formulado pela ré (restituição do prazo) criou-lhe a convicção de que o prazo recursal somente começaria a fluir a contar da publicação daquela mesma deci-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 293
são interlocutória e não de seu comparecimento a juízo para denunciar a falta.
Tenho, nessas condições, como demonstrado, o dissentimento pretoriano e, de outro lado, na forma do precedente mencionado (REsp n Q 6.153-RS) assimilável a espécie à ocorrência de justa causa, pelo que contrariado restou o disposto
no art. 183, § 2Q, do Código de Pro
cesso Civil.
Do quanto foi exposto, conheço do recurso, por ambas as alíneas do admissivo constitucional, e dou-lhe provimento, a fim de que, afastada a preliminar de intempestividade, o Eg. Tribunal de origem julgue a apelação como entender de direito.
É o meu voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 116.798 - GO
(Registro n Q 96.0079277-1)
Relator: O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: Antonio de Padua Bertelli e outros
Recorrido: Elias Jorge Daher
Advogados: Saleh Aziz Badue e Elias Jorge Daher (em causa própria)
EMENTA: Arrematação. Imissão na posse.
1. O arrematante pode obter do juízo mandado de imissão na posse do imóvel arrematado, independentemente de outras providências.
2. A circunstância de estar sendo a posse exercida pro diviso ou pro indiviso, assim como não impediu a penhora e o depósito, não é causa suficiente para obstar a ordem judicial para que o depositário transfira aos arrematantes a posse que exerce.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do
recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relatar os Srs. Ministros Fontes de Alencar, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha.
Brasília, 15 de abril de 1997 (data do julgamento).
294 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Presidente. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Relator.
Publicado no DJ de 12-05-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR: Antônio de Pádua Bertelli e outros interpuseram agravo de instrumento contra despacho que negou aos agravantes imissão na posse de imóvel por eles arrematado, nos autos da carta precatória, extraída dos autos da execução promovida pelos requerentes contra Elias Jorge Daher e outros.
A ego Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade, negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado:
"Agravo de instrumento. Arrematação de imóvel pro diviso. O adquirente de imóvel pro diviso, em alienação judicial, só pode ser imitido na posse após promoção da ação de divisão, para que não ocorra a hipótese de que, terceiro que não tomou parte na execução, venha a sofrer os seus efeitos. Agravo improvido." (fl. 63)
Rejeitados os embargos declaratórios, interpuseram os agravantes recurso especial, com fundamento no art. 105, III, alíneas a e c da Constituição Federal, alegando negativa de vigência aos arts. 165, 458, II, 515, 535, I e II, 128 e 623 do
CPC, além de divergênciajurisprudencial. Sustentam a nulidade dos julgamentos proferidos em segunda instância, quando da apreciação do agravo de instrumento e dos embargos declaratórios, que seriam desfundamentados e omissos, apreciando matéria não suscitada pela parte. No mérito alegam ofensa ao art. 623 do CPC e divergência com julgados do ego STF e deste Tribunal. Pretendem que a imissão na posse dos bens arrematados seja efetuada mediante simples expedição de ofício.
Não houve conta-razões.
Inadmitido o recurso especial no Tribunal de origem, dei provimento ao agravo de instrumento n Q
115.238/GO, subindo os autos a este ego STJ.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR (Relator): 1. Os recorrentes estão desprovidos de razão quando investem contra a validade dos julgamentos proferidos na segunda instância. Nesta foram apreciados os fatos, assim como defluem dos autos, e julgada a causa pelos fundamentos expendidos nos votos, nos limites da controvérsia. Inexistente omissão no acórdão proferido no agravo, descabia acolher os embargos declaratórios. Realmente, admitido o fato da indivisão, serviu ele de fundamento para a conclusão a que chegaram os dignos julgadores e o reconhecimento daquele fato
R. Sup. Trib. Just .• Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997. 295
decorreu do exame dos elementos da prova, ainda que tal conclusão não tenha satisfeito aos interesses dos ora recorrentes.
2. O disposto no art. 623 não foi objeto de prequestionamento, nem interessa ao julgamento deste feito.
3. A divergência ficou suficientemente demonstrada, com a invocação de dois precedentes.
No julgamento do RMS 118/MG, esta ego 4ª Turma, sendo relator o em. Min. Bueno de Souza, assim decidiu: "Seria incoerente que o terceiro, adjudicatário dos bens penhorados (portanto, apreendidos pelo Juízo da execução) devesse dirigirse a outro juízo, a fim de obter aquilo que o Estado, ao consumar a desapropriação, lhe atribuiu no processo de execução" ... "Razão alguma, seja de ordem jurídica ou (menos, ainda) de ordem prática (que no processo, como instrumento de realização do direito, há de refletir) aconselha remeter o adjudicatário (o próprio exeqüente ou terceiro) a outro ou ao mesmo juízo, propondo outra demanda, de modo a obter as conseqüências práticas da adjudicação, que, no entanto, já terá servido aos fins do processo de execução; o qual, no entanto, não pode ignorar os legítimos interesses do adjudicatário" .
O RE 95.389/RJ, do ego STF, reI. em. Min. Décio Miranda, tem a seguinte ementa:
"Civil-Arrematação. Imissão de posse. Bens arrematados em praça,apósjulgadosimproceden-
tes embargos à execução. Imissão de posse que não podia ser recusada ao arrematante. Ao portador da carta de arrematação não pode ser oposta matéria pertinente às relações entre exeqüente e executado." (fl. 126)
Conheço, portanto, do recurso e lhe dou provimento, para reiterar o entendimento desta 4ª Turma quando à dispensabilidade de outro procedimento que não o de simples expedição de mandado para a imissão dos arrematantes na posse dos bens que estavam penhorados e depositados judicialmente. Cabe ao depositário entregar a posse que exerce, recebida por ocasião da penhora e do depósito.
A circunstância de o bem penhorado estar em comunhão com outros, com posse pro diviso ou pro indiviso, assim como não impediu a penhora não pode calçar a sua transferência para o arrematante. O mais que daí decorre ou possa ser alegado pelos executados ou por terceiros, deverá ser objeto de defesas por estes exercidas, mas sem que impeçam o cumprimento do ato que o Estado se comprometeu a completar quando penhorou o bem e o levou à hasta pública.
4. É nesse sentido o entendimento predominante na doutrina:
- "A execução de carta de arrematação e de adjudicação.
Não será demasiado admitir, contudo, como outrora, que a imissão, de caráter executório, fosse possível não só na execução de
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sentença proferida em ação real imobiliária, mas também em execução de carta de arrematação ou adjudicação de bens.
O que não é crível é que o arrematante ou o adjudicador de bens imóveis tenha que, com a respectiva carta em mãos, promover uma ação de imissão na posse para entrar no imóvel que, afinal, vem de adquirir diante da autoridade da própria Justiça:
"O certo será que, como decorrência natural da expedição da carta, perante o próprio Juízo que a assinou, o adquirente da coisa, por vendajudicial, obtenha imissão na posse (não como ação), mas como simples ato de execução seqüente à expedição da carta que contém os requisitos do artigo 703 (arrematação ou mesmo adjudicação sem licitantes) ou os do artigo 703, além de sentença de adjudicação no caso de ter havido licitação (§ 2Q do art. 715).
À carta, que é ordem do Juízo, ou como ato decisório no sentido lato que verdadeiramente é, dar-se-ia cumprimento, imitindo na posse o arrematante ou o adjudicador se o executado dela não se demitir." (Gildo dos Santos -As ações de imissão de posse e cominatórias - págs. 70/71)
"Só mesmo o apego da doutrina dos países de tradição romanística a certos institutos total-
mente divorciados da realidade de nossos dias leva à manutenção de sistemas e soluções de caráter tão pouco prático e tão inconvenientes como essa da dualidade de processos autônomos para cognição e execução de sentença.
Esse deletério ranço romanístico chega a tão extremo comprometimento do processo executivo, que, no final do longo e difícil procedimento da execução forçada, surgem opiniões doutrinárias que chegam ao absurdo de defender a tese de que o arrematante dos bens penhorados teria que abrir um outro processo (uma terceira ação) para conseguir que o depositário (preposto do órgão judicial executivo) cumpra a ordem de entrega dos bens que o Estado lhe vendeu em hasta pública." (Humberto Theodoro -Execução de sentença e a garantia do devido processo legal -pág.221)
5. Neste Superior Tribunal de Justiça encontramos outros precedentes da ego 3ª Turma:
- "Imóvel. Arrematação. Imissão na posse.
O adquirente, em hasta pública, de bem que se encontra em poder do executado, como depositário, será imitido na respectiva posse mediante simples mandado, nos próprios autos da execução, desnecessária a propositura de outra ação. O possuidor do bem penhorado passa a depositá-
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rio, atuando como auxiliar do juízo, cujas determinações haverá de obedecer incontinenti." (REsp 61.002-GO, 3ª Turma, reI. o em. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 22/05/ 95)
- "Arrematação de imóvel em hasta pública. Imissão na posse. Desnecessidade de ação.
1. ° adquirente do bem não necessita, para imitir-se na sua posse, intentar ação, ou execução, contra o executado que a estiver exercendo. Imite-se de logo na posse, mediante simples mandado, uma vez expedida a carta de arrematação. Código de Processo Civil, art. 703.
2. Mandado de segurança, requerido pelo executado, de que o acórdão local não tomou conhecimento, "por não reconhecer direito líquido e certo".
3. Recurso Ordinário Constitucional a que a 3ª Turma do ST J negou provimento." (RMS 1.636-AL, 3ª Turma, reI. o em. Min. Nilson Naves, DJ 24/08/92)
6. Posto isso, estou em conhecer do recurso, pela divergência, e lhe dar provimento para cassar a decisão impugnada (fl. 41), a fim de que seja expedido mandado imitindo os arrematantes na posse do imóvel arrematado.
É o voto.
298 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 9, (99): 241-298, novembro 1997.
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