Faculdade Internacional Signorelli
Angela Souza da Fonseca Ramos
Neurobiologia da Aprendizagem
Taguatinga
2014
2
Angela Souza da Fonseca Ramos
Neurobiologia da Aprendizagem
Monografia apresentada à Faculdade Internacional
Signorelli como parte dos requisitos exigidos para
conclusão de Pós-Graduação em Psicopedagogia.
Orientadora Científica: Psicopedagoga Esp. Lourdes Dias Rodrigues
Orientadora Acadêmica: MSc. Andreia Oliveira Vicente
Revisora literária: Aglaia Costa de Souza
Taguatinga
2014
3
Dedico este trabalho a Deus primeiramente,
para que com ele tudo comece e tudo
termine. À minha família, em especial a
minha irmã Cecília pela inspiração e
incentivo e aos meus pequenos filhos Pedro,
Paulo e Laura.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus por tudo.
Agradeço ao meu esposo Cassius, que pelas mãos de Deus, salvou minha vida
recentemente de um grave acidente, de outra forma não poderia ter terminado este
trabalho. E a todos os amigos e família que tornaram minha recuperação possível e
menos dolorosa, apoiando-me integralmente nesta fase difícil, permitindo-me ainda
este ano finalizar o proposto.
Agradeço o incentivo que recebi desde o início da minha irmã Cecília, que sempre
me motivou nesta área do conhecimento e muito me enriqueceu com conhecimentos
da área de humanas. E do incentivo também da minha mãe e da minha irmã Mônica.
Agradeço muito às Psicopedagogas Andréa Presotti e Lourdes Dias Rodrigues da
Clínica de Psicopedagogia Aprender, que me acolheram no estágio de braços
abertos, ainda no início da pós-graduação, e que tanto me ensinaram, na prática e
na teoria.
Agradeço à Diretora do Centro Clínico Libertad que me recebeu e à Psicopedagoga
Isabelmile Militão Carneiro que me ensinou de forma tão receptiva.
Agradeço em especial à Psicopedagoga Esp. Lourdes Dias Rodrigues, pela
orientação deste trabalho.
Agradeço à equipe da Faculdade Internacional Signorelli, principalmente a atenção
da Coordenadora Simone, a solicitude da Juliana e o trabalho da Andréia.
Agradeço ainda, Weiss, Piaget e tantos outros que me falaram ao pé do ouvido por
meio de seus livros e tornaram-se estrelas norteadoras do meu caminho.
Agradeço Suzane Morais e Sônia Aparecida Rodrigues de Oliveira que em seus
cursos, blogs e livro forneceram valiosos materiais para a prática da profissão.
Agradeço à Associação de Psicopedagogia do DF, que pelos e-mails permanentes
não me deixaram desistir.
5
RESUMO
Este trabalho de revisão pretende contribuir para o entendimento da
aprendizagem e sua base neurobiológica, assim como sua aplicação à pedagogia e
à psicopedagogia, em especial na educação baseada na neurociência (brain-based
learning). Os fundamentos da neurociência são apresentados para o entendimento
dos dados da literatura vigente em neurociência e aprendizagem. Neste trabalho,
mostra-se que a plasticidade neural é fundamental para a aprendizagem e que
ocorre em todas as etapas da vida humana. Este trabalho relaciona estudos
científicos sobre a motivação, tão conhecida na área de gestão, com a
aprendizagem, inclusive com apresentação de estudos moleculares recentes do
efeito da recompensa e reforço. Esta monografia também mostra estudos nos quais
o estresse moderado contribui positivamente para a aprendizagem, em oposição ao
pensamento corrente. Uma técnica amplamente utilizada para estudo individual e
em escolas é apresentar o conteúdo escolar por diferentes acessamentos
sensoriais, por figuras, textos, sons. Este uso tem sido confirmado por estudos
recentes que mostram que estímulos multissensoriais congruentes melhoram a
aprendizagem. Dados mais recentes da neurociência estão relacionados com os
princípios básicos da educação baseada na neurociência (brain-based learning),
como mostrado neste estudo de revisão. Espera-se, com este trabalho, contribuir
para um modus operandi da Pedagogia mais voltado para o educando e para seu
funcionamento cerebral, tornando o aprendizado mais prazeroso e eficiente.
Palavras-chave: neurociência, aprendizagem, brain-based learning.
6
ABSTRACT
The aim of this review is to contribute to the understanding of learning and its
neurobiological concepts, also the application of this matter on the pedagogy and
psychopedagogy, in special the application on the brain-based learning. The general
principles of neuroscience are presented for the understanding of the data from
current research in neuroscience and learning. In this work, we show that the neural
plasticity is crucial for the learning and it occurs in all ages of humans. Here, the
motivation, well-known in the area of pedagogy and business, is related to the
learning, including molecular studies of the effect of reward and reinforcement. This
monograph shows studies about stress, where moderate stress improves learning, in
opposition to the current opinion. In school lessons, the use of technics with various
sensory accesses, for example, audio, visual and textual presentations, is very
common. This approach has been confirmed by scientific studies, which show that
multisensory congruent stimulus improve the learning. The basic principles of the
brain-based learning are related to the most recent data in neuroscience, as shown
here. The expected outcome of this work is to contribute for the modus operandi of
the Pedagogy in such way that the students and their cerebral functioning are the
principal point in order to learning become more pleasant and efficient.
Key words: neuroscience, learning, brain-based learning.
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LISTA DE ABREVIAÇÕES
AMPc Adenosina monofostato cíclica
AMPA Ácido Amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazol Propiônico
ATP Adenosina trifosfato
Ca2+ Íon de cálcio
Cl- Íon de cloro
CREB cAMP Responsiv Element Binding Protein – proteína ligante a elemento responsive a AMPc.
DNA Desoxiribonucleic acid – ácido desoxirribonucleico
fRMI Ressonância magnética funcional
GABA Ácido gama-aminobutírico
GMPc Guanosina monofosfato cíclica
K+ Íon de potássio
LTD Long-term depression – depressão de longo-prazo
LTP Long-term potentiation – potenciação de longo-prazo
MAPK Mitogen-activated protein kinase – proteína quinase ativada por mitogênese.
Na+ Íon de sódio
NMDA N-metil-D-aspartato
NO Óxido nítrico
PKA Protein kinase A - Proteína quinase A
PKC Protein kinase C - Proteína quinase C
RNA Ribonucleic acid – ácido ribonucleico
SNC Sistema nervoso Central
SNP Sistema nervoso periférico
TATAbox Promotor gênico com sequência TATA
TBP TATA-Box-Binding Protein – proteína ligante ao TATAbox
8
TFIIA, TFIIB, TFIIE, TFIIF, TFIIH
Transcription factors II A, B, E, F e H
Fatores de transcrição
UTP, ATP, CTP e GTP
Uracila trifosfato, adenosina trifosfato, citosina trifosfato e guanosina trifosfato
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SUMÁRIO
Introdução 10
Capítulo I – Fundamentação teórica 12
Por que aprendemos?
Aspectos Biológicos da Aprendizagem
12
Como o cérebro funciona? 14
Anatomia do cérebro 14
Fisiologia do Sistema Nervoso 18
Biofísica do Sistema Nervoso 23
Noções de Bioquímica e Biologia Molecular 28
Capítulo II – Neurociência da Aprendizagem 33
O que é a memória? 33
Plasticidade Neural e Aprendizagem 35
Memória e motivação 38
Memória contextualizada 39
Aprendizagem e estresse 39
Estímulo multissensorial e memória 40
Capítulo III – Como a neurociência pode auxiliar o modus
operandi da pedagogia
42
Brain-based learning 42
Considerações Finais 48
Referências 49
10
Introdução
Neurociência é a ciência que estuda o sistema nervoso, principalmente o
cérebro. O entendimento de como o cérebro funciona tem se expandido para além
de descrições anatômicas e fisiológicas. Cada vez mais, estuda-se como o cérebro
está relacionado com comportamento, pensamento e sensações. Para entender
profundamente o aprendizado, é impossível negligenciar o cérebro e como este
funciona. Como dito pela pesquisadora Leslie Hart: “Ensinar sem levar em conta o
funcionamento do cérebro seria como tentar desenhar uma luva sem considerar a
existência da mão” (HART, 2002). Por outro lado, Griz (2009) define “A
psicopedagogia é uma área de atuação que trata do processo de aprendizagem
humana e das dificuldades que ocorrem neste processo”. Portanto, é neste contexto
que este trabalho foi criado, com o objetivo de trazer para a psicopedagogia uma
visão neurobiológica de como atuar de forma baseada no funcionamento do cérebro.
Esta monografia trata-se de um breve estudo dos aspectos neurobiológicos
da aprendizagem no senso restrito. Aqui o aprender é tratado apenas como ato de
adquirir um conhecimento teórico ou prático e acessar a memória sobre este
conhecimento, além de associá-lo em sequência. Outras formas mais complexas de
inteligência ou habilidade não serão tratadas neste trabalho, assim como aspectos
de formação de caráter e princípios morais, tão importantes na área da educação.
Apresentaremos também noções de aprendizagem baseada na neurociência
(Brain-based learning), já bastante divulgada no exterior, e em expansão no Brasil.
Justificativa
Existem muitos estudos, livros, apresentações e monografias disponíveis
sobre neurociências, neuroaprendizagem, neuroeducação, cérebro e pedagogia e
muitos outros similares. Neste trabalho, espera-se trazer alguma contribuição
diferencial, aproximando um pouco mais a Pedagogia da Biologia, explicando em
detalhes o funcionamento do cérebro e como retemos e acessamos algo da
memória. Serão trazidas as últimas descobertas da neurociência no Brasil e exterior.
Para isto, é necessário restringir o assunto e não será tratada a importância da
capacidade sensorial para acionar nossa memória.
11
O objetivo geral desta monografia é trazer importantes informações sobre as
últimas descobertas na área a Neurociência e mostrar a aplicação destas
informações no processo ensino-aprendizagem dentro do arcabouço do brain-based
learning.
Os objetivos específicos são: 1) Elicitar questionamentos do ponto de vista
evolutivo sobre o Aprender; 2) Apresentar os fundamentos do funcionamento do
cérebro: noções de anatomia, fisiologia, biofísica e biologia molecular do cérebro; 3)
Apresentar revisão bibliográfica atualizada sobre a neurobiologia da aprendizagem;
4) Sugerir aplicação dos conhecimentos descobertos pela neurobiologia ao processo
ensino-aprendizagem sob à luz do aprendizado baseado no cérebro (brain-based
learning).
Para realizar este trabalho, foi realizado levantamento de artigos científicos
internacionais publicados em revistas científicas indexadas no banco de dados
Medline e Scielo. Dentre os artigos encontrados, foram selecionados
preferencialmente aqueles publicados por cientistas de renome em revistas de
grande credibilidade, cujo enfoque foi a estruturação do conhecimento sobre o
funcionamento fisiológico e molecular do cérebro, trazendo comprovações
irrefutáveis que podem contribuir para o entendimento do aprendizado.
Paralelamente pesquisou-se sobre o assunto de neuroeducação e brain-based
learning, apoiando-se em livros da área. Ao final a autora concatenou as novas
informações científicas com o que se tem propagado na linha da brain-based
learning.
12
Capítulo I – Fundamentação teórica
Por que aprendemos? Aspectos biológicos e evolutivos da aprendizagem Neste item trataremos como a pressão evolutiva proporcionou mudanças no
ser humano, que o tornaram muito mais capaz e propenso à aprendizagem que
outros animais.
A era do Plioceno foi um tempo de calor e aridez prolongados, quando a
maior parte das florestas da África e do sul da Ásia se transformou em deserto.
Alguns primatas saíram das árvores e migraram para os gramados abertos. Manter-
se na floresta levava com grandes chances à extinção, o que ocorreu com a maioria
dos primatas desta época. Os sobreviventes que se mantiveram na floresta deram
origem aos gorilas, chipanzés e orangotangos. Aqueles que se aventuraram no solo
deram origem aos australopitecos e futuramente ao Homem (HOEBEL e FROST,
2006). Como nos campos não havia a riqueza alimentar das florestas, o ser humano
evoluiu para um comportamento carnívoro. Segundo Morris (2001), esta mudança
acarretou várias outras alterações que influenciaram o desenvolvimento mental do
Homem. Morris fez um dos estudos mais profundos de zoologia sobre o Homem.
Esta obra é referência para etologia humana, pois tratou de forma muito profunda o
comportamento humano. Um dos aspectos importantes estudado, oriundo da
alteração de comportamento alimentar do ser humano é a relação entre a fome e
prazer em adquirir comida e comer, que nos primatas frutívoros estão interligados.
Os frutívoros, assim que têm o impulso de comer, já alcançam as frutas nas árvores
e imediatamente as devoram. Já os carnívoros não alcançam tão rapidamente assim
suas presas e precisam ter como motivação, o prazer em caçar e o prazer em
comer, separadamente. Isto é observado facilmente em cães e gatos, ou animais de
zoológico, que têm a necessidade de “brincar” de caçar bolinhas, ou presas vivas.
Como o ser homem evoluiu de um comportamento frutívoro para carnívoro, foi
necessário desmembrar a motivação (o prazer) de comer. Como nos outros
carnívoros, é necessário ter o prazer por si só em capturar, preparar e apenas
depois comer a presa. No caso de carnívoros tradicionais, capturar significa apenas
correr, pular, atacar e por fim matar. Embora, haja estratégias de caça em lobos e
leões, são muito mais rudimentares do que as estratégias dos primeiros homens.
Ademais, suas armas são naturais e estratégias instintivas, enquanto o homem
13
precisava fabricar suas lanças e elaborar e aprender suas táticas. Assim, além de
preparar seu alimento e consumi-lo, o homem precisava, por motivos de
sobrevivência, ter prazer e motivação em criar estratégias, descobrir novas soluções
e, como é proposto nesta monografia, precisava ter prazer em aprender e ensinar as
estratégias conquistadas ao longo de décadas, senão séculos, de cultura. Outro
aspecto importante na passagem do comportamento frutívoro para o carnívoro é a
necessidade de agir em grupo para capturar a caça. Assim, na motivação da caça
está implícito, no caso de humanos, o prazer em sentir-se parte do todo, sentir que
sua participação é importante e que contribuiu para se alcançar o resultado. Tudo
isto trará consequências relevantes para a motivação do ato de aprender (MORRIS,
2001).
Para desenvolver essas características necessárias à adaptação a ambientes
hostis e ao comportamento de caça, o ser humano passou por diversas mudanças,
que só foram possíveis graças ao fenômeno de neotenia (MORRIS, 2001). Neotenia
é a retenção de caracteres larvais ou fetais na fase adulta. Vários outros animais
apresentam neotenia. No Homem, a neotenia foi o grande passo para a evolução
intelectual, proporcionou a posição correta do pescoço que permite a posição ereta
(proporcionando melhor utilização das mãos) e a fala, permitiu o crescimento do
cérebro por um período muito maior em comparação com outros primatas (até cerca
de 23 anos) e ocasionou a perda de pelos, característica presente em fetos de
macaco, característica tão explorada por Morris. Estas características foram
selecionadas positivamente devido à grande mudança de comportamento do
Homem ao passar para savanas, havendo necessidade da caça. Se ainda houvesse
naquela época florestas em abundância, talvez os primeiros ancestrais que sofreram
neotenia não tivessem predominado. Para a educação, o fato de o ser humano
passar grande parte da vida (ou toda ela) na fase cerebral infantil é de enorme
importância, principalmente por possuir alta capacidade de plasticidade neural,
crucial para aprendizagem (GIBSON e PETERSEN, 1991). Assim, o ser humano é
movido pela curiosidade insaciável, é dado a jogos e brincadeiras, de forma que
pode aprender e inventar durante toda sua vida. Isto ocorre de modo muito
moderado e por um período muito curto em outras espécies. Estas características
inatas, aliadas ao prazer de aprender e ensinar, levaram o ser humano à tecnologia
tão desenvolvida que temos hoje. É apenas a sede de curiosidade e de divertimento
14
que impulsiona o aprendizado e a ciência, e não a busca do conforto, como muitos
pensam.
Como o cérebro funciona?
Basicamente, o cérebro funciona da seguinte forma: recebemos estímulos
externos ou internos por meio de receptores específicos, levamos estas informações
por vias neurais, p. ex., estes estímulos podem ativar ou inibir regiões do cérebro.
Este, por sua vez, emite impulsos nervosos para o corpo, resultando em uma reação
ao estímulo. Esta é uma descrição muito simplista, mas ajuda a formar uma visão da
estrutura cerebral.
Para conduzir os impulsos nervosos, o cérebro precisa conectar os neurônios
quimicamente, isto porque células vivas não são bons condutores elétricos como, p.
ex., um fio de cobre, que pode conduzir uma corrente elétrica por quilômetros. Ao
final de cada célula (neurônio), um componente químico (neurotransmissor) passa o
impulso elétrico para a próxima célula. Esta conexão (sinapse) permite também um
ajuste fino do caminho do impulso nervoso pelas vias. Existem vários tipos de
neurotransmissores distribuídos no sistema nervoso. Após a sinapse vários eventos
moleculares podem ocorrer, ocasionando a memória ou plasticidade, como veremos
mais a frente.
Para melhor entendimento da neurobiologia da aprendizagem, neste capítulo
será explicado o funcionamento do sistema nervoso sob vários pontos de vista.
Anatomia do Sistema Nervoso
O Sistema Nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC), que
processa e organiza as informações do ambiente, formado pelo encéfalo e medula
espinhal e sistema nervoso periférico (SNP), que integra o sistema nervoso central e
o ambiente, formado por receptores sensoriais, neurônios aferentes primários e
neurônios motores somáticos e autônomos e gânglios nervosos (SOBOTTA, 2000;
NETTER, 2000).
15
O SNP é dividido em sistema nervoso autônomo, que trata do funcionamento
dos órgãos e movimentos involuntários; e pelo sistema nervoso somático, que
conecta o sistema nervoso central com o ambiente externo. O sistema nervoso
somático é composto por: neurônios aferentes (sensitivos), responsáveis pela
recepção dos estímulos externos captados pelos receptores sensoriais e os levam
ao SNC; e neurônios eferentes (motores), responsáveis pelos movimentos motores
voluntários. O sistema nervoso autônomo exerce controle sobre funções viscerais,
como secreção de glândulas e contração de musculatura lisa e cardíaca. No sistema
nervoso autônomo também existem neurônios aferentes, que estão ligados a
viscerorreceptores, levando os sinais para o SNC e neurônios eferentes, que estão
ligados a gânglios nervosos, e estes a glândulas e à musculatura lisa (SOBOTTA,
2000; NETTER, 2000).
Os nervos são feixes de fibras nervosas, formados por axônios e células
envoltórias. Os Gânglios nervosos são formados de corpos celulares situados fora
do SNC e interligam os neurônios e estruturas do organismo, geralmente
relacionado com o sistema nervoso autônomo(SOBOTTA, 2000; NETTER, 2000).
Neste trabalho, trataremos principalmente do SNC, onde ocorre o
aprendizado formal.
O encéfalo, principal parte do SNC, é composto pelo tronco cerebral (bulbo,
ponte e mesencéfalo), cerebelo, diencéfalo (tálamo, hipotálamo, epitálamo e núcleo
subtalâmico), córtex cerebral (hemisférios cerebrais), sistema límbico (hipocampo,
amígdala e corpo mamilar) e gânglios da base (caudato, putamen, globo pálido,
núcleo subtalâmico e substância negra).
O Tronco encefálico tem as seguintes funções principais: bulbo – centro vital
que controla respiração, pressão arterial e alguns reflexos, como mastigação,
movimentos peristálticos, secreção lacrimal e vômito; ponte – atividade encefálica e
vias motoras; mesencéfalo – controle motor, movimentos oculares, controle da dor,
atividade encefálica e vias motoras (SOBOTTA, 2000; NETTER, 2000).
O Cerebelo possui função motora bastante específica – ajuste postural e
equilíbrio, ajuste de execução de movimentos, execução de atividades motoras
16
adquiridas. É muito importante para o desenvolvimento da capacidade motora
relacionada com a escrita (SOBOTTA, 2000; NETTER, 2000).
O diencéfalo está bastante envolvido com emoções, mas veremos mais
adiante que a aprendizagem também depende muito deste órgão: tálamo –
retransmissão de sinais motores e sensoriais; hipotálamo – regulação do sistema
endócrino, termorregulação, hemodinâmica, controla processos motivacionais
rudimentares (fome e sede) e comportamento, uma importante área para a
aprendizagem; epitálamo – regulação do comportamento emocional; subtálamo –
relacionado com movimentos das extremidades (SOBOTTA, 2000; NETTER, 2000).
Os gânglios da base têm função de controle motor.
O córtex cerebral é, sem dúvida, a parte mais nobre do sistema nervoso
central, onde a maioria das decisões acontece, onde está armazenada a memória,
onde são processados todos os estímulos sensoriais. Cada hemisfério cerebral pode
ser dividido em lobos (fig. 1), e estes, descritos por seus sulcos e giros (fig. 2).
Naturalmente, devido a sua complexidade, nem todas as funções do cérebro foram
mapeadas, mas as pesquisas não param de progredir e temos informações cada
vez mais detalhadas. O córtex possui lobos: frontal, temporal, parietal, occipital e da
ínsula (SOBOTTA, 2000; NETTER, 2000).
Lobo Frontal
Lobo Temporal
Lobo Parietal
Lobo Occipital
Lobo da Ínsula
Figura 1 - Imagem do cérebro evidenciando os lobos do córtex cerebral. Disponível em
http://www.auladeanatomia.com/neurologia/telencefalo.htm.
17
Figura 2 – Representação dos giros de cada lobo do córtex cerebral. Disponível em
http://www.auladeanatomia.com/neurologia/telencefalo.htm. Fonte: SOBOTTA, 2000.
O hipocampo é responsável pela formação da memória de longa duração,
quando o hipocampo é destruído não se grava nada mais na memória. A amigdala
tem importante papel na mediação e controle das atividades emocionais, como
afeição, humor. A porção frontal do giro cingulado coordena odores e visões com
memórias agradáveis de emoções anteriores (fig. 3 - AMARAL e OLIVEIRA, 2014)
lobo occipital
18
Figura 3 – Representação do fórnix e hipocampo. Fonte: NETTER, 2000.
O corpo caloso situa-se entre os hemisférios e sua função é principalmente a
integração da atividade motora, sensorial e cognitiva entre os hemisférios esquerdo
e direito (fig. 4).
Embora o cérebro funcione de forma integrada, algumas funções estão
concentradas em determinadas regiões cerebrais como indicado na figura 4. Como
principais áreas para a aprendizagem, temos: as regiões de percepção sensorial
(captação das informações), sendo visual, auditiva e motora; região de compreensão
da linguagem (área de Wernike); área motora da fala (área de Broca) e área
associativa límbica (ligado à motivação). No capítulo II, citaremos várias destas
áreas e relacionaremos com a aquisição e evocação da memória.
Figura 4 – Mapa das áreas funcionais no córtex cerebral. GUYTON e HALL, 2006, pg. 717.
19
Fisiologia do Sistema Nervoso
A unidade funcional do sistema nervoso é o neurônio, que funciona com
células auxiliares que o circundam, células da glia. Como foi dito no item anterior, o
sistema nervoso baseia-se na recepção de estímulos e resposta a estes estímulos,
além da manutenção do funcionamento de órgãos vitais. Para receber e responder a
estes estímulos é necessário que a informação seja levada de um ponto a outro. A
condução destas informações ocorre por impulsos elétricos através dos neurônios.
Os neurônios são células especializadas, formadas pelos dendritos, que
recebem o impulso nervoso; corpo celular, onde fica o citoplasma e núcleo; pelo
axônio, extensão que conduz o impulso; e axônios terminais, que transmitem o
impulso nervoso a outras células (fig. 5).
Figura 5 – Representação esquemática de um neurônio presente no encéfalo e suas partes
funcionais mais importantes. GUYTON e HALL, 2006, pg. 556 – adaptado.
O neurônio pode receber o impulso de outro neurônio ou de um receptor
sensorial, e pode transmitir o impulso, igualmente, a outro neurônio, ou a uma célula
muscular, um gânglio neural ou ainda a uma glândula. Por este parâmetro, podemos
classificar os neurônios como na figura 6:
20
Figura 6 – Tipos de neurônios de acordo com sua localização e função. Disponível em http://bio-
neuro-psicologia.usuarios.rdc.puc-rio.br/sn.html. Acessado em 22/10/14.
Estrutura da rede neural em humanos
Convergência e Divergência
Para a captação de informações, precisamos algumas vezes de alta
sensibilidade (capacidade de detectar baixos sinais de estímulos) ou de alta
acurácia (capacidade de distinguir os estímulos). Para termos alta sensibilidade, um
estímulo muito pequeno deve ser captado. Para excitar um neurônio é necessário
que muitos terminais nervosos estejam ligados aos dendritos ou ao corpo celular,
quando vários receptores estão ligados a um único neurônio isto ocorre e um
pequeno estímulo, por exemplo, leve pressão no tato, já pode iniciar um potencial de
ação e a captação do estímulo. Desta forma é possível que uma impressão leve de
estímulo, seja táctil, visual ou auditiva, possa acionar um impulso nervoso e
consequentemente a captação do sinal pelo cérebro. Em fisiologia isto se chama
21
convergência e permite uma somação dos sinais (fig. 7). Outro caso de
convergência ocorre no controle motor, onde a medula espinhal recebe sinais de
diferentes locais no sistema nervoso central vindo de diferentes neurônios que se
ligam em um único neurônio para o controle fino do movimento. Por outro lado,
quando é necessária uma grande acurácia, por exemplo, a capacidade que as
pontas dos dedos têm para distinguir sinais e perceber texturas, ocorre uma
amplificação de um único sinal, assim um único neurônio liga-se a vários outros e
assim sucessivamente. Desta forma, um único estímulo chega ao cérebro de forma
amplificada, permitindo a captação do sinal de um único neurônio, identificando que
apenas uma pequena área e não as circunvizinhas foram estimuladas. Outro caso
importante, para este tipo de organização de rede neural é no caso de um único
neurônio piramidal no córtex motor cerebral enviar a mensagem para número
suficiente de neurônios motores, para efetuar um movimento. Outro caso ainda, em
que ocorre a divergência é quando um sinal deve ser enviado para diferentes locais
(GUYTON e HALL, 2006). Em fisiologia isto é chamado de divergência amplificadora
(fig. 8).
Figura 7 – Esquema de convergência nas vias neuronais. GUYTON e HALL, 2006, pg. 580.
22
Figura 8 – Esquema de divergência nas vias neuronais. A) divergência de amplificação; B)
Divergência para diferentes áreas (GUYTON e HALL, 2006, pg. 580).
Inibição e Facilitação
Em alguns casos, é necessário que um neurônio transmita um sinal
excitatório para um neurônio e um inibitório para outro neurônio. Um caso clássico é
o circuito de inibição recíproca que ocorre em pares antagonistas de músculos. Para
efetuar um movimento de estiramento da perna os músculos da frente devem ser
excitados e os músculos de trás devem ser inibidos (fig. 9). Ocorre ainda, em casos
mais complexos, de diferentes neurônios ligados a um mesmo ponto, sendo que um
excita e outro inibe. Isto ocorre, por exemplo, nos receptores do tato, que quando
estimulados, são capazes de inibir o circuito dos receptores de dor (GUYTON e
HALL, 2006). Daí o reflexo de esfregar uma área dolorida.
A B
Figura 9 – Representação de circuitos inibitórios. Fontes: A) GUYTON e HALL, 2006, pg. 581; B)
http://www.uff.br/fisiovet/Conteudos/sistema_nervoso.htm acessado dia 29/10/14.
23
Biofísica do Sistema Nervoso
Passagem da corrente elétrica pelas vias neurais: impulso nervoso e
sinapse
Passagem do impulso nervoso
A passagem do impulso nervoso ocorre devido ao potencial de repouso. Este
potencial trata-se da polarização da membrana, onde há um polo positivo no exterior
da célula e um polo negativo no interior da célula. Quando os polos se invertem,
chamamos de potencial de ação. Este potencial de ação percorre o neurônio sempre
na mesma direção: dos dendritos ou corpo celular para o axônio. O percurso do
potencial de ação, denominamos impulso nervoso, fundamental para o
funcionamento do sistema nervoso (GUYTON e HALL, 2006).
O potencial de repouso é mantido pela bomba Na+/K+ presente na membrana
plasmática, que bombeia 3 íons de sódio para fora e 2 íons de potássio para dentro
da célula com gasto de energia (ATP). Como os ambientes intra- e extracelulares
são ricos em Cl-, o fato de haver menor quantidade de carga positiva no interior,
causa a polarização negativa na parte interna da membrana celular (fig. 9).
Figura 9 – Bomba sódio-potássio, fundamental para a manutenção da polarização da célula (potencial
de repouso). Devido à presença de Cl- e como menos cargas positivas são mandadas para dentro, 2
K+ em comparação com as enviadas para fora 3 Na
+, o interior torna-se negativo. Fonte: GUYTON e
HALL, 2006, pg. 53.
Para que ocorra a passagem do impulso nervoso, o neurônio deve ser
excitado eletricamente ou quimicamente, causando primeiro a abertura dos canais
de Na+, presentes na membrana do neurônio. Quando isto ocorre, como o exterior
está repleto de Na+, estes íons entram na célula, trazendo grande quantidade de
carga positiva. Neste momento ocorre a despolarização da célula, ou seja, o interior
24
antes negativo fica mais positivo que o exterior. Logo após, os canais tardios de K+
da membrana plasmática, abrem-se, como o interior está repleto de K+, estes íons
saem da célula. A saída destes íons causa a repolarização e hiperpolarização da
membrana, o que é reforçado pelo fechamento dos canais de Na+(GUYTON e HALL,
2006). Assim, o interior volta a ficar negativo e o exterior positivo (fig. 10, 11 e 12).
Figura 10 - Funcionamento dos canais de Na+ e K
+. GUYTON e HALL, 2006, pg. 62.
Figura 11 – Abertura e fechamento dos canais Na+
e K+
durante o potencial de ação.
25
Figura 12 – Gráfico do potencial de ação. GUYTON e HALL, 2006, pg. 61.
Como os canais tanto de Na+, como de K+ são voltagem-dependentes,
quando há uma despolarização na região vizinha aos canais, estes se abrem,
propagando o impulso nervoso (fig. 13). Para evitar que o impulso retroceda pelo
mesmo caminho, ativando os canais recém-abertos, os canais de Na+ possuem um
mecanismo de fechamento secundário, impedindo que haja passagem dos íons de
Na+ para dentro da célula, mesmo quando a “porta” voltagem-dependente do canal
esteja aberta, o que iniciaria outra despolarização (fig. 10). Desta forma, o impulso
segue sempre uma única direção: dos dendritos (ou do corpo celular) para terminais
do axônio (GUYTON e HALL, 2006).
26
Figura 13 – Propagação do potencial de ação, ou seja, impulso nervoso. GUYTON e HALL, 2006,
pg.65.
A inativação dos canais de Na+ após a passagem do potencial de ação não
permite que o impulso percorra nas duas direções, pois ele fica impedido de
retroceder o caminho recém-percorrido (GUYTON e HALL, 2006).
Sinapse
Sinapse é um ponto de confluência entre um neurônio e o seguinte. É a
sinapse que determina o sentido de transmissão do sinal nervoso (GUYTON e
HALL, 2006). A transmissão sináptica é a passagem do impulso nervoso de um
neurônio a outro por meio químico (fig. 14). Diferentemente de um fio de cobre, as
células humanas e o meio intercelular não são bons condutores elétricos. Por este
motivo a propagação de um impulso elétrico dever ocorrer pelo transporte de íons
carregados eletricamente, como descrito no item acima. Entre as células nervosas, o
meio de propagação torna-se ainda mais difícil, com uma mistura de sais no meio
extracelular, além da grande distância entre as membranas plasmáticas. Para que a
transmissão do impulso elétrico ocorra, é necessário que compostos químicos,
chamados neurotransmissores, ativem o neurônio subjacente. Este mecanismo
proporcionou uma grande vantagem, pois se pode controlar quimicamente, se um
27
impulso será propagado ou interrompido, o que ocorre de modo natural no corpo ou
artificial, por meio de medicamentos.
O processo da sinapse ocorre da seguinte forma, primeiramente ocorre um
estímulo que ocasiona um potencial de ação nos terminais nervosos, ou seja, a
despolarização da membrana. Os canais de Ca2+ voltagem-dependentes abrem-se
diante da despolarização. A entrada de Ca2+ na célula estimula a exocitose das
vesículas sinápticas contendo os neurotransmissores. Estes são liberados na região
entre os neurônios (fenda sináptica). O acoplamento do neurotransmissor no
receptor pode causar a entrada de Na+ na célula quando se trata de uma sinapse
excitatória (fig. 15), ou causar a entrada de Cl-, quando a sinapse é inibitória. No
caso de uma sinapse excitatória, ocorre a despolarização da membrana iniciando
um impulso nervoso no neurônio pós-sináptico. Após a transmissão do sinal na
sinapse, o neurotransmissor é destruído. Caso isto não ocorra, o neurotransmissor
continua excitando a célula pós-sináptica, causando uma disfunção na passagem
química do impulso nervoso (GUYTON e HALL, 2006).
Figura 14 – Anatomia fisiológica da sinapse. GUYTON e HALL, 2006, pg. 560.
Existem vários tipos de neurotransmissores, na tabela 1 encontramos os
principais neurotransmissores encontrados no sistema nervoso humano.
28
Figura 15 – Acoplamento do neurotransmissor (acetilcolina) ao receptor, causando a entrada de Na+
na célula. Fonte: GUYTON e HALL, 2006, pg. 87.
Tabela 1 – Tipos de Neurotransmissores. Fonte: GUYTON e HALL, 2006, pg. 562.
Bioquímica e Biologia Molecular do Cérebro
Eventos pós-sinápticos: transdução de sinal e regulação gênica
A interação da célula com seu meio é de extrema importância para o
funcionamento correto do corpo. A principal forma de interação ocorre entre
compostos e receptores proteicos presentes na membrana plasmática, que
transmitem a informação bioquímica externa para o interior da célula. A este evento,
denomina-se transdução de sinal. A resposta a este sinal podem ser alterações no
metabolismo celular, na expressão gênica ou modificações no formato da célula e
capacidade de a célula dividir-se.
A forma básica de funcionamento da transdução de sinal ocorre pela
interação de um composto com uma proteína que atravessa a membrana (receptor),
29
que no lado externo liga-se ao composto e no lado interno gera um sinal químico
AMPc (adenosina monofosfato cíclica) ou GMPc (guanosina monofosfato cíclica –
fig. 16). Este composto liga-se a determinada proteína que fosforila outras proteínas
(cascata de quinases), ou seja, catalisa a ligação química de um grupamento fosfato
a um resíduo de aminoácido específico da segunda proteína. Cada proteína
fosforilada fosforila outra em uma cascata de reações químicas (fig. 17). Existem
várias vias de transdução de sinal conhecidas. As principais são as da PKC, Ras e
PKA.
Figura 16 – Sistema de transdução de sinal em um neurônio. Respostas ao sinal: 1) Abertura de
canais; 2) Formação dos segundos mensageiros AMPc e GMPc; 3) ativação de proteínas; 4) ativação
de expressão gênica. Fonte: GUYTON e HALL, 2006, pg. 561.
30
Figura 17 – Visão geral das vias de transdução de sinal em mamíferos. Disponível em
http://en.wikipedia.org/wiki/File:Signal_transduction_v1.png acessado em 03/11/2014.
Regulação gênica
As informações que codificam a formação de um ser vivo estão totalmente
contidas em seu DNA (genótipo). Dependendo do tipo de célula ou do momento de
desenvolvimento ou ainda de uma resposta ao meio, o DNA poderá ser expresso ou
não. O conjunto de genes que serão expressos nas diferentes fases da vida
determinam as informações que realmente serão encontradas nas características
deste ser vivo (fenótipo). Em Biologia Molecular, o termo “expressão” significa a
transcrição deste DNA em RNA e a tradução deste RNA em uma proteína, que
executa uma determinada função (fig. 18).
31
Figura 18 – Esquema geral do controle da função celular pelos genes (GUYTON e HALL, 2006, pg
28).
Regulação gênica é um conjunto de eventos que regulam a expressão dos
genes e ocorre por uma série de mecanismos que determinam quando um
determinado gene (porção funcional do DNA) será expresso. Muitas vezes a
transdução de sinal (que liga a célula com estímulos externos) aciona a expressão
de determinado gene. Em algumas células, a função é muito dependente da
expressão gênica, principalmente controlada por estímulos externos, como por
exemplo, as células do sistema de defesa (imunológico). Nas células nervosas isto
também pode ocorrer e este evento está relacionado com a memória de longo
prazo.
A regulação gênica funciona basicamente da seguinte forma: um fator de
transcrição (tipo de proteína) liga-se a uma região de DNA chamada promotor, a
RNA-polimerase reconhece o fator de transcrição e inicia a formação do RNA (fig.
19). Algumas vezes, regiões do DNA longe do gene também estão envolvidas neste
processo, chamados de enhancers.
32
Figura 19 – Esquema de regulação gênica simples, onde os fatores de transcrição TBP, TFIIA, TFIIB,
TFIIE, TFIIF, TFIIH e outros se ligam ao promotor TATA box e são reconhecidos pela RNA
polimerase II. A RNA polimerase sintetiza RNA a partir de unidades de nucleotídeos (UTP, ATP, CTP
e GTP). Fonte: ALBERINI, 2009.
33
Capítulo II – Neurociência da Aprendizagem
A aprendizagem ocorre em diversos animais e é crucial para a sobrevivência.
Aprender como procurar alimentos ou a afastar-se de algo nocivo permite a
perpetuação da espécie. Em humanos, a aprendizagem inclui procedimentos, como
a habilidade de andar de bicicleta, nadar (memória procedural); trajetórias, como
aprender rotas, caminhos (memória espacial e perceptiva); aprender a classificar e
organizar (memória declarativa semântica); realizar procedimentos não automáticos,
como fazer uma receita culinária (memória declarativa episódica, que inclui
lembranças de fatos). Como vemos, os diferentes tipos de aprendizagem estão
relacionados com tipos de memórias, como veremos adiante neste capítulo.
O que é a Memória?
Segundo Guyton e Hall (2006, pg. 723), a memória pode ser definida
fisiologicamente da seguinte forma:
“Fisiologicamente, memórias são armazenadas no cérebro pela mudança da sensibilidade básica da transmissão sináptica entre neurônios, como resultado da atividade neural prévia. As vias novas ou facilitadas são chamadas de traços de memória. Eles são importantes porque uma vez que os traços são estabelecidos, eles podem ser seletivamente ativados pelos processos mentais para reproduzir as memórias.”
De acordo com Squire (2009), temos principalmente dois sistemas de
memória: a memória declarativa (explícita) que é armazenada no lobo temporal
medial e no hipocampo; e a memória não-declarativa (implícita), que é armazenada
no cerebelo, estriatum e amígdalas (fig. 20). Temos quatro tipos de memória não-
declarativa: priming, que é a memória relacionada ao reconhecimento de palavras,
ocorre no neocórtex; procedural, que está relacionada a procedimentos motores,
como quando andamos de bicicleta ou dirigimos, acontece no estriatum, associativa,
que está relacionada aos condicionamentos e depende da amígdala ou do cerebelo
quando é exclusivamente motora; e não-associativa, que inclui a habituação e
sensibilização e depende de várias vias reflexas (BARRETT et al., 2010). A
aprendizagem formal escolar está relacionada com o sistema da memória
declarativa, que inclui fatos, eventos, lugares, objetos, aquela memória presente no
34
consciente, que se pode declarar (KANDEL, 2009). A memória declarativa pode ser
classificada como episódica, referente à percepção, sensações e sequência de
fatos, também pode ser a memória de lembranças; ou como semântica, com
organização e hierarquização de informações, p. ex. saber que Paris é a capital da
França, mais relacionada ao conhecimento formal.
Figura 20 – Formas de memória, declarativa e não-declarativa. Fonte: BARRETT et al., 2010, pg 285.
Segundo Squire (2009), enquanto o conteúdo da aprendizagem está
relacionado à memória declarativa, o hábito de aprender e a habilidade de aprender
fazem parte da memória não-declarativa (inconscientes). Na memória não-
declarativa, experiências modificam comportamentos, mas não requerem nenhuma
memória consciente.
A memória trata-se de uma facilitação de uma via neural, que reproduz uma
percepção, seja visual, auditiva, táctil, olfativa ou integrativa. A memória pode ser de
curto prazo, de médio prazo e de longo prazo. Podemos descrever o processo da
memória como facilitação, solidificação e por fim evocação da memória. A primeira
está relacionada com a memória de curto-prazo, também chamada de traços de
memória, depois com a formação da memória de médio e longo prazo e finalmente
com a capacidade de resgatar determinada informação guardada na memória. A
memória é acessada quando o cérebro repete o mesmo estado de atividade
cerebral, presente no estado original quando um dado é percebido, uma imagem,
som, cheiro ou informação. Áreas do hipocampo e córtex entorrinal participam deste
processo (GELBARD-SAGIV et al., 2008).
35
A formação da memória de longo prazo está intimamente ligada à
aprendizagem e tem sido uma das grandes perguntas da neurociência. Barrett e
colaboradores explicam a formação da memória em termos de plasticidade neural.
Plasticidade Neural e Aprendizagem
A alteração da memória de curto prazo para memória de longo prazo está
ligada à alteração da força de conexões sinápticas específicas, que envolve
transdução de sinal, alteração dos canais iônicos da membrana plasmática dos
neurônios e ativação de genes e síntese proteica. A formação da memória pode
ocorrer quando determinada via neural é facilitada ou formada. Isto é realizado pela
potenciação de longo prazo (LTP). Quando ocorre o oposto, ou seja, quando a força
sináptica de uma via neural é diminuída, os estímulos externos deixam de provocar
uma resposta. Este é o caso da habituação, que ocorre pela depressão de longo
prazo (LTD).
LTP e LTD ocorrem em todos os tipos de memória, em diferentes organismos
vivos.
Em Aplysia, a memória implícita não-associativa de curto-prazo transforma-se
em memória de longo-prazo da seguinte forma (fig. 21): Ocorre a estimulação do
terminal pré-sináptico facilitador no mesmo momento em que o terminal sensorial é
estimulado, liberando serotonina no terminal sensorial; A serotonina age nos
receptores serotoninérgicos na membrana plasmática do terminal sensorial, que
ativam a enzima Adenil ciclase no interior da célula, iniciando a transdução de sinal
com a formação do AMPc (adenosina monofosfato cíclica); AMPc ativa uma proteína
quinase que fosforila um componente do canal de K+, bloqueando-o; O bloqueio
destes canais levam a um potencial de ação prolongado (pois atrasam a
hiperpolarização e finalização do potencial); o potencial de ação prolongado causa a
ativação dos canais de Ca2+, com grande entrada de Ca2+ no interior do terminal
sináptico sensorial. Estes íons de cálcio aumentam a liberação de neurotransmissor,
facilitando a transmissão sináptica para o neurônio seguinte. Além disto, a repetição
do estímulo nocivo causa ativação gênica e síntese de proteínas, levando ao
crescimento de novas sinapses (MAYFORD et al., 2012).
36
Figura 21 – Plasticidade neural. Formação de memória de longo-prazo por LTP e de novas sinapses (MAYFORD et al., 2012).
A memória declarativa de longo-prazo é formada por LTP no hipocampo
(BARRETT et al., 2010). O neurotransmissor glutamato liberado pelo neurônio pré-
sináptico se liga aos receptores AMPA e NMDA na membrana plasmática do
neurônio pós-sináptico. A despolarização iniciada pela ativação dos receptores
AMPA atenua o bloqueio de Mg2+ no canal do receptor NMDA e o Ca2+ entra no
neurônio pós-sináptico com o Na+. O aumento do Ca2+ ativa a calmodulina quinase,
a proteína quinase C e a tirosina quinase. Estas induzem a LTP. A calmodulina
quinase II fosforila os receptores AMPA, aumentando sua condutância e aumenta o
número de receptores AMPA na membrana celular. Após a indução da LTP, um
sinal químico (NO) é liberado pelo neurônio pós-sináptico e é transmitido ao
neurônio pré-sináptico, causando um aumento da duração na liberação do glutamato
(fig. 22).
Figura 22 – Mecanismo da formação de LTP na memória declarativa. Fonte: Barrett et al., 2010 pg.
287.
37
Outra forma de plasticidade neural com formação de memória declarativa
ocorre com a participação de receptores de glutamato (GluR1) e pela ativação
gênica pelo fator de transcrição CREB-1. Neste mecanismo de indução de LTP e
memória, a transdução de sinal ocorre via receptor de NMDA (NMDAR). A
plasticidade de curto prazo (algumas horas) é produzida pela sinalização de Ca2+
dependente de NMDAR e o recrutamento de novos receptores de glutamato. A
plasticidade de longo prazo (dias) requer ativação gênica dependente de CREB pela
ação de múltiplas proteínas quinases. A plasticidade e a memória também requerem
a síntese constitutiva da isoforma ativa de PKC (fig. 23 - MAYFORD et al., 2012).
Figura 23 – Plasticidade neural de curto e longo prazo. (MAYFORD et al., 2012).
A plasticidade neural, também denominada flexibilidade cognitiva, tem se
mostrado ativa para todas as idades. Cavallini e colaboradores (2014) mostraram
que idosos com idade entre 70 e 99 anos responderam a métodos de treinamento
cerebral, apresentando melhoras na capacidade cognitiva e memória.
38
Memória e motivação
Todo professor sabe que a relação emocional de seu aluno com o conteúdo
ou até com o próprio professor é crucial para a aprendizagem, podendo-se tornar
grande fonte de motivação ou grande bloqueio contra determinado aprendizado.
Guyton e Hall (2006) explicam isto da seguinte forma:
“Áreas especiais nas regiões límbicas basais do cérebro determinam se uma informação é importante ou não e tomam a decisão subconsciente de armazenar a informação como um traço de memória sensibilizada ou suprimi-la.”
Deve-se enfatizar que o sistema límbico está relacionado com as emoções.
Em estudo de caso médico, comprovou-se que a retirada do hipocampo
impossibilitava a formação de memória a longo ou médio prazo. Guyton e Hall
(2006) sugerem que isto ocorra, pois esta região é responsável pela punição e
recompensa:
“Estímulos sensoriais ou pensamentos que causam dor ou aversão excitam
os centros límbicos de punição, e os estímulos que causam prazer,
felicidade ou uma sensação de recompensa excitam os centros límbicos de
recompensa. Todos eles juntos fornecem o humor básico e as motivações
da pessoa. Entre estas motivações está a força motriz do cérebro para
lembrar aquelas experiências e pensamentos que são agradáveis ou
desagradáveis. Especialmente os hipocampos e, em um grau menor, os
núcleos médio=dorsais do tálamo, outra estrutura límbica, mostraram-se
especialmente importantes pra tomar a decisão de quais dos nossos
pensamentos são importantes o suficiente numa base de recompensa ou
punição pra serem dignos da memória.”
Outros trabalhos confirmam a importância do sistema de recompensa para a
aprendizagem (FIELD et al., 2007; REBOLA et al., 2010; SHIGEMUNE et al., 2010).
A recompensa pode também ser o prazer de saciar a curiosidade. Precisamos de
motivação para aprender! Isto não é mais apenas uma impressão difusa oriunda da
experiência como educandos ou professores, é neurociência. O centro de motivação
é o hipocampo e está definida sua importância para a consolidação da memória.
39
Memória contextualizada
Recentemente, Miller e colaboradores (2013) demonstraram que humanos
tem maior tendência de lembrar-se de dados consecutivos, quando estes estão
contextualizados a localizações espaciais. Este grupo testou a memória de humanos
para lembrar itens comprados em uma cidade virtual com rotas definidas. Em outras
palavras, quando os dados estão inseridos em um ambiente espacial, mesmo sendo
virtual, podemos nos lembrar de forma mais rápida e mais fácil. Neste mesmo
trabalho, o grupo mostrou padrões da atividade neuronal no hipocampo, amígdala e
córtex entorrinal, em células responsivas a localização. Comprovaram também a
atividade relacionada a contextualização espacial durante a vocalização dos itens,
ou seja, o conteúdo formal da aprendizagem.
Aprendizagem e estresse
Evidências do trabalho de Roozendaal e colaboradores (2009) demonstram
que hormônios do estresse liberados pelas glândulas adrenais estão criticamente
envolvidos na modulação da consolidação da memória. Epinefrina (antes
denominada adrenalina) e glicocorticoides administrados após a exposição a
situações de estresse aumentaram a consolidação da memória de longo prazo, pela
ativação de mecanismos noradrenérgicos no complexo basolateral da amígdala. Em
contraste ao aumento do efeito de consolidação, altos níveis de circulação dos
hormônios do estresse dificultam o acesso à memória e a memória de trabalho. Ou
seja, o estresse moderado pode ajudar a consolidação da memória, entretanto altos
níveis podem prejudicá-la (ROOZENDAAL et al., 2009). Outros grupos de pesquisa
confirmam estes dados, de que estresse moderado pode facilitar memória de dados,
enquanto estresse agudo tem efeito oposto (QIN et al., 2012; BOS et al., 2014).
Tubon e colaboradores (2013) afirmam que o fator de transcrição CREB está
envolvido com diferentes sistema de formação de memória de longo prazo e
plasticidade. Neste artigo, também afirmam que CREB implica na regulação de
centenas de genes e é capaz de responder a uma ampla variedade de sinais,
incluindo estresse. Curiosamente, este fator de transcrição não está relacionado a
comportamentos.
40
Alberini (2009) descreve a importância do fator de transcrição CREB para a
ativação de genes envolvidos com a memória e mostra como o estresse pode estar
ativando este fator (fig. 24).
Figura 24 – Esquema geral da ativação do fator de transcrição CREB por meio de transduções de
sinal, vias PKA, MAPK e Ras. O estresse é um fator que estimula a via MAPK para ativação do fator
de transcrição CREB (ALBERINI, 2009).
Estímulo multissensorial e memória
Alguns grupos de pesquisa em diversos países têm mostrado que o estímulo
multissensorial tem efeito positivo sobre a aprendizagem. A Finlândia ocupa o
primeiro lugar no ranking mundial de qualidade de ensino, o PISA (Programme for
International Student Assessment). O grupo finlandês, de Heikkilä e colaboradores
(2014), enfatiza que a percepção é essencialmente multissensorial em humanos e
investigaram os efeitos de estímulos audiovisuais no desempenho da memória. Os
participantes memorizaram estímulos auditivos e visuais, congruentes ou
incongruentes ou neutros. Foi mostrado que o desempenho da memória mostrou-se
melhor quando os estímulos visuais e auditivos concomitantes eram
semanticamente congruentes. Estes resultados sugerem que experiências
multissensoriais semanticamente congruentes resultam em uma melhora da
memória cognitiva.
41
Thelen e Murray (2013) sumarizam em seu artigo de revisão evidências de
que experiências multissensoriais têm efeito de longo prazo sobre estímulos
unissenssoriais visuais ou auditivos. Também colocam em seu artigo que estímulos
multissensoriais só apresentam eficiência após múltiplas repetições. Concluem que
associações multissensoriais formadas influenciam o processamento unissensorial
posterior a promover distintas representações do objeto, o que manifesta-se como
uma rede neural diferenciável, cuja atividade está relacionada ao desempenho da
memória.
Neste capítulo, vimos como diferentes aspectos da memória estão
relacionados com a aprendizagem. No próximo capítulo veremos como estes dados
da neurociência podem auxiliar o processo ensino-aprendizagem, seja em sala de
aula, seja em intervenção psicopedagógica individual.
42
Capítulo III – Como a neurociência pode auxiliar o modus operandi da
pedagogia
Brain-Based Learning
Segundo Leslie Wilson (2013), brain-based learning ou aprendizagem
baseada no cérebro é uma abordagem baseada em como a pesquisa atual da
neurociência pode prover um arcabouço biológico para o processo ensino-
aprendizagem, e ajuda a explicar comportamentos de aprendizagem. Segundo
Wilson, trata-se de um metaconceito que inclui uma mistura eclética de técnicas.
Esta forma de aprendizagem também engloba os seguintes conceitos educacionais:
estilos de aprendizagem, múltiplas inteligências, aprendizado cooperativo,
simulações práticas, aprendizagem experimental, aprendizagem baseada em estudo
de caso, educação psicomotora.
Os princípios centrais que norteiam a brain-based learning estão listados abaixo
(adaptado de CAINE et al., 1999). A literatura em Neurociência tem confirmado
estes princípios. Relacionamos alguns dos tópicos com a os achados de
neurociência descritos no capítulo anterior, citando as referências.
1. O cérebro é um processador em paralelo (RAIJ et al., 2014), mas não pode
realizar muitas atividades ao mesmo tempo.
2. O cérebro percebe o todo e as partes simultaneamente.
3. A informação é estocada em múltiplas áreas do cérebro, consequentemente
há múltipla memória e múltiplas vias neuronais (fig. 20, BARRETT et al.,
2010).
4. Aprender engaja todo o corpo. A aprendizagem é mente e corpo: movimento,
alimentação, ciclos de atenção e aprendizagem modulada quimicamente.
5. A busca por significados é inata nos humanos.
6. A busca por significados ocorre por meio de padronização.
7. As emoções são críticas para a padronização e dirige nossa atenção e
memória (LEAL et al., 2014).
8. O significado é mais importante que uma informação isolada (THELEN e
MURRAY, 2013).
9. Aprender envolve atenção focada e percepção periférica (MILLER et al.,
2013).
43
10. Nós temos dois tipos de memória: espacial e de rotas (BAHAR e SHAPIRO,
2012).
11. Nós entendemos melhor quando fatos estão inseridos na memória espacial
natural (MILLER et al., 2013).
12. O cérebro é social, desenvolve melhor em contato com outros cérebros.
13. O aprendizado complexo é ativado pelo desafio e inibido pelo estresse agudo
(SCHACHER e HU, 2014).
14. Cada cérebro organiza seu aprendizado de forma única (GANDINI et al.,
2008).
15. Aprender é um desenvolvimento.
Aqui, nesta monografia, acrescentamos:
16. A exposição a diferentes ambientes promove a plasticidade neural e
consequentemente o aprendizado (FRANK et al., 2004).
17. O cérebro humano é modulado pela repetição de estímulo (PEDREIRA et al.,
2009; MITTNER et al., 2014).
18. O estresse moderado, como desafio, estimula a aprendizagem (BOS et al.,
2014).
Alguns elementos de ensino interativo emergem destes conceitos
neurocientíficos. Implicações para uma melhor prática de ensino e uma
aprendizagem otimizada:
Imersão orquestrada: procurar reconstruir o objeto de estudo no ambiente de
sala de aula ou levar os alunos até o mais próximo possível da realidade estudada.
Esta técnica é baseada nos itens 9 e11 descrito acima e procura imergir o conteúdo
na percepção espacial do aluno.
Estado de alerta relaxado: Deve haver um esforço para eliminar o medo
enquanto mantém um ambiente altamente desafiante. Esta técnica é baseada nos
itens 7 e 13. Wilson sugere que o professor use música erudita calma, luz mais
próxima da natural e que use um aroma de baunilha. Estas estratégias permitem
acalmar os alunos, além de estimular vários sentidos, remetendo ao item 4.
Processamento ativo: o estudante é capaz de consolidar melhor novo conteúdo
se este foi deduzido a partir de conhecimentos do próprio aluno. Assim a nova
44
informação será conectada com as pré-existentes. Esta estratégia baseia-se nos
itens 3, 5 e 8.
Já Morais (2014) traz em seu livro as seguintes observações para uma
aprendizagem de sucesso:
Morais (2014) coloca que a memória e as emoções são interligadas. Também
sugere que se promovam atividades sociais, nas quais os neuroaprendizes possam
discutir os tópicos e se ensinarem mutuamente. Este tópico remete aos itens 7 e 12
de Caine, descritos acima.
Morais (2014) afirma “Estruturalmente e aos poucos o cérebro se modifica em
sua arquitetura cognitiva como resultado das experiências”. Sugere o uso de
práticas para que o neuroaprendiz sofra experiências e indica que devemos desafiá-
lo a associar experiências prévias com as novas que está mediando
(correspondente aos itens 5, 8 e 11).
“Quanto mais estímulos, incentivos, desafios e recompensas, maiores e
mais densas serão as redes sinápticas se conectando. A capacidade de
aprender não cessa. A Plasticidade Neuronal, capacidade de se renovar e
gerar novos neurônios mostra que diante de tarefas mais complexas que
“exijam” maior quantidade de atributos das funções executivas envolvidas
(atenção, concentração, memória, criatividade), mais eficientes se tornam!”
(MORAIS, 2014).
Esta citação de Morais refere-se aos itens 1, 2, 3 e 4 de Caine, descritos no
tópico acima.
“A Fisiologia cerebral funciona naturalmente para perceber, detectar e gerar
padrões. Isso faz parte da evolução biológica do ser humano: Checar e
testar hipóteses. Leve para sala desafios de resolução de casos reais e ou
simulativos. As simulações trabalham muito a criatividade e a inovação. O
pensar em saídas e soluções. São neurométodos eficazes de apreensão do
conhecimento ali gerado, pois ocorrem internamente as tentativas e
aproximações, além da busca de evidências que comprovem ou refutem as
hipóteses.”
Esta citação de Morais relaciona-se com o item 6 de Caine, descrito acima.
45
Outro importante trabalho na área trata-se do artigo de Friedlander e
colaboradores (2011), que utiliza a neurociência para sugerir aos estudantes e
professores de medicina como o processo ensino-aprendizagem pode ser
melhorado. Estes autores afirmam que a memória é um processo dinâmico, no qual
a informação representada é um sujeito para as nossas experiências pessoais, o
contexto ambiental do aprendizado, eventos subsequentes, níveis de atenção,
estresse e outros fatores. O artigo apresenta o aprendizado como uma alteração
funcional e estrutural da rede neural e baseia-se em experimentos celulares,
moleculares e funcionais (fMRI – ressonância magnética funcional).
Abaixo descrevemos os aspectos a serem considerados para melhorar o
aprendizado de estudantes de medicina e relacionamos com estudos de
neurociência mais recentes:
Repetição: Os autores sugerem que os professores trabalhem os tópicos
diversas vezes por diferentes perspectivas (MITTNER et al., 2014). Propõe-se que
isto não se trata de redundância, mas que os tópicos podem ser tratados de forma
mais profunda em diferentes momentos. Estudos cognitivos utilizando fMRI em
humanos têm demonstrado que o aumento da memória de reconhecimento (quando
um assunto é reconhecido por quando é repetido) resulta da redução do processo, o
que é caracterizado como supressão neural de repetição (encurtamento de um
processo neural – VIDYASAGAR et al., 2010).
Recompensa e Reforço: Segundo os autores, recompensa é a chave da
aprendizagem em o todos os estágios da vida, para todas as espécies, incluindo
humanos (SHIGEMUNE et al., 2010). Explicam que trata-se que um processo
biológico de detecção de associações, principalmente se o estímulo e a recompensa
ocorrerem concomitantemente. A eficiência das recompensas é compreendida
inclusive molecularmente (REBOLA et al., 2010). Além disto, o sistema intrínseco do
cérebro de recompensa, presente nos neurônios da área tegmental ventral,
representa o principal papel para o reforço do comportamento aprendido do
educandos (FIELD et al., 2007).
Visualização: A visualização, tão bem conhecida por cirurgiões, engaja não
somente vias tálamo-corticais visuais superiores do cérebro humano, mas também
provê a oportunidade para o desenvolvimento e refinamento das representações
46
internas de objetos complexos e sólidos e sua localização no espaço. Este aspecto
da aprendizagem pode ser alcançado por assistir a um procedimento, por exemplo
(KAWAMICHI et al., 2007)
Engajamento ativo: Evidências neurobiológicas mostram que alterações
funcionais no circuito neuronal que estão associadas com a aprendizagem ocorrem
se o aprendiz estiver ativamente engajado (BAUMANN et al., 2010). Aqui também
consideramos outros autores da aprendizagem baseada na neurociência (brain-
based learning), como Morais (2014) e os trabalhos clássicos de Caine e
colaboradores (1999 e 2009).
Estresse moderado: Apesar das consequências do estresse serem
geralmente consideradas prejudiciais, há evidências que sinais moleculares
associados ao estresse podem facilitar a potenciação de sinapses nos circuitos
cerebrais envolvidos na formação de memória e no reforço de aprendizagem
comportamental. Entretanto, altos níveis de estresse têm efeito oposto
(ROOZENDAAL et al., 2009)
Sono e descanso: O sono e o descanso têm papel fundamental na
consolidação da memória e na memória de curto prazo. Está relacionado à
recapitulação dos eventos ocorridos durante o sono (DIEKELMANN e BORN, 2010).
Além do sono propriamente dito, momentos de pausa são importantes entre
resoluções de problemas e atividades de raciocínio.
Focar, evitando distrações: Os autores ressaltam que realizar diferentes
atividades ao mesmo tempo diminui a eficiência da aprendizagem, e portanto,
impede uma compreensão profunda e completa. Recomenda-se uma abordagem
multimodal, integrando diferentes formas de apresentação das informações
relevantes para o tópico e encorajando os estudantes a utilizarem diferentes
mecanismos de atenção ao foco, diminuindo a dispersão. O uso de tecnologias
podem proporcionar multitarefas relacionadas ao conteúdo (MISHRA et al., 2013).
Estilos individuais de aprendizagem: Existem diferentes estilos de
aprendizagem, vários tipos de inteligência. Cada estudante deve encontrar sua
própria estratégia de estudo. O professor, por sua vez, deve incentivá-los a fazer isto
47
e procurar diferentes métodos nas aulas, para que alcance todos os tipos de
inteligência (GANDINI et al., 2008).
Processamento multissensorial: Os autores sugerem que o ensino siga
múltiplas abordagens que acessem diferentes processos sensoriais para
potencializar o processo de aprendizagem (THELEN e MURRAY, 2013). Eles
propõem que maior quantidade de neurônios envolvidos de diferentes áreas
cerebrais contribui para um melhor armazenamento da memória.
48
Considerações Finais
Este trabalho pretendeu contribuir para a apresentação da base
neurobiológica para o entendimento da aprendizagem e sua aplicação na pedagogia
e psicopedagogia, em especial na educação baseada na neurociência (brain-based
learning). É interessante notar que embora esta linha pedagógica tenha surgido há
várias décadas, seus princípios têm-se confirmado pelos estudos mais recentes da
neurociência. Relacionamos os princípios, descritos por diferentes autores, à
literatura vigente, embasando-os. Neste trabalho, apresentou-se estudos sobre a
memória e como ela funciona. Mostrou-se que a plasticidade é fundamental para a
aprendizagem e que ocorre em todas as etapas da vida humana. A motivação, tão
conhecida na área pedagógica e de gestão, foi cientificamente relacionada à
aprendizagem, inclusive apresentando estudos moleculares recentes do efeito da
recompensa e reforço. De forma oposta à mais comumente divulgada, apresentou-
se estudos, nos quais o estresse moderado contribui positivamente para a
aprendizagem. Uma técnica amplamente utilizada para estudo individual e em
escolas é apresentar o conteúdo por diferentes acessamentos sensoriais, por
figuras, textos, sons. Este uso tem sido confirmado por estudos recentes que
mostram que estímulos multissensoriais congruentes melhoram a aprendizagem.
Dados mais recentes da neurociência estão relacionados com os princípios da
educação baseada na neurociência (brain-based learning). Procurou-se, assim,
contribuir para um modus operandi da Pedagogia mais voltado para o educando e
para seu funcionamento cerebral, tornando o aprendizado mais prazeroso e
eficiente.
49
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