7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
1/54
PS-GRADUAO LATO SENSU
EDUCAO E CULTURA
Editorao e Reviso: Editora Prominas e Organizadores
Coordenao Pedaggica
INSTITUTO PROMINAS
MDULO 7
Impressoe
Editorao
APOSTILA RECONHECIDA E AUTORIZADA NA FORMA DO CONV NIOFIRMADO ENTRE UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
E O INSTITUTO PROMINAS.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
2/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
2
SUMRIO
UNIDADE 1 - INTRODUO ..................................................................................................... 03
UNIDADE 2 - EXCLUSO E INCLUSO SOCIAL .................................................................... 08
UNIDADE 3 - A ESCOLA E SEUS SUJEITOS .......................................................................... 17
UNIDADE 4 - RELAES RACIAIS, CONDICIONANTES SOCIOCULTURAIS ..................... 24
UNIDADE 5 - PAULO FREIRE, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAO POPULAR ............ 29
UNIDADE 6 - TICA E CIDADANIA .......................................................................................... 46
REFERNCIAS ........................................................................................................................... 51
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
3/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
3
UNIDADE 1 - INTRODUO
A educao um processo que envolve diversos mbitos da vida de cada
indivduo, sendo estes determinantes para formao do mesmo. Atualmente, no
entanto, o processo educacional est, erroneamente, restrito s instituies de
ensino, ao passo que, cada ser humano deveria aprender com seu cotidiano,
incluindo os instantes destinados escola, mas no exclusivamente mesma.
No processo educacional h uma constante, na qual este se concentra a
aprendizagem. O termo aprender sem dificuldades outro dos diversos equvocos
cometidos pelos que o empregam. Alguns consideram que aprender algo diz
respeito ao instante em que os mesmos so capazes de fazer alguma coisa que
antes no faziam.
Porm, para a Psicologia, a definio de aprendizagem, enquanto fator
fundamental no processo educacional, no se constitui to simplificadamente. As
possibilidades de se apreender alguma coisa so diversas, isto , existem diversos
fatores que influenciam na apresentao de um comportamento at ento
desconhecido ao indivduo. E, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira (1996),
diferentes situaes e processos no podem ser generalizados num s conceito. Em
vista disso, a aprendizagem, enquanto processo, passou a ser objeto de
investigao da psicologia.
O processo de aprendizagem, a partir de alguns estudos, revela algumas
questes, cujas respostas tm provocado algumas controvrsias entre os que o
estudam. Dentre outras, destacam-se: Quais os limites da aprendizagem? Qual a
participao do aprendiz no processo? Qual a natureza da aprendizagem? H ou
no motivao subjacente ao processo?
Ante essas incgnitas, formaram-se inmeras teorias da aprendizagem.
Dessa forma, tais teorias poderiam ser divididas, de maneira genrica, em duas
categorias: as teorias do condicionamento, que definem a aprendizagem pelas suas
consequncias comportamentais e enfatizam as condies ambientais como foras
propulsoras da aprendizagem; e as teorias cognitivistas, estas definem a
aprendizagem como um processo de relao do sujeito com o mundo externo e que
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
4/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
4
tem consequncias no plano da organizao interna do conhecimento (organizao
cognitiva) (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 1996, p. 100).
De acordo com as teorias de condicionamento, a aprendizagem a conexo
entre o estmulo e a resposta. Ao passo que para a teoria cognitivista, a
aprendizagem um elemento oriundo de uma comunicao com o mundo e o que
se produz sob a forma de uma riqueza de contedos cognitivos. Conforme Bock,
Furtado e Teixeira (1996, p. 100): O indivduo adquire assim um nmero crescente
de novas aes como a forma de insero em seu meio.
A partir de diversas concepes sobre o processo educacional, alguns
tericos/estudiosos desenvolveram teorias sobre o ensino, buscando analisar e
sistematizar o processo de organizao das condies para aprendizagem.
Vale destacar a contribuio de Jerome Bruner. Este concebeu o processo
supramencionado como captar as relaes entre os fatos, adquirindo novas
informaes, adequando-as a novas situaes.
Um dos fatores que norteiam o processo educativo refere-se motivao.
Esta continua sendo um complexo tema para Psicologia. De acordo com os tericos:
Atribumos a motivao tanto a facilidade quanto a dificuldade de aprender.Atribumos as condies motivadoras o sucesso ou o processo dosprofessores ao tentar ensinar algo a seus alunos. E, apesar de dificilmentedetectarmos o motivo que subjaz a algum tipo de comportamento, sabemosque sempre h algum. (BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 1996, p. 106).
A motivao, afirmam os autores, constitui um processo que relaciona
necessidade, ambiente e objeto, e que mobiliza o organismo para a ao em busca
de saciar a necessidade. Quando ocorre o oposto, fala-se em frustrao.
Em todos os campos da vida, nos quais implicam o processo educativo, est
presente o processo de motivao. Sendo este uma das principais preocupaes
das instituies de ensino: um motivo para os alunos quererem aprender. Eis o
desafio: criar a necessidade e apresentar um objeto adequado para sua satisfao.
importante agora, relevar a relao entre o aprendizado e o
desenvolvimento. Nesta perspectiva vale ressaltar a viso vigotskyana sobre esta.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
5/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
5
Para Vigotsky, aprendizado e desenvolvimento esto inter-relacionados
desde o nascimento humano. Existe entre os dois processos supracitados uma
unidade, mas no uma coincidncia ou identidade. Segundo ele, o processo de
desenvolvimento mais lento e progride atrs do processo de aprendizagem.
Por outro lado, esta relao tem sido vista sob trs aspectos, dos quais
Vigotsky discorda em absoluto.
A primeira posio desvincula o aprendizado do desenvolvimento,
considerando-os como processos independentes. Nela o desenvolvimento como
precondio da aprendizagem, mas nunca como resultado dela. A segunda viso,
postula que aprendizagem desenvolvimento. Este ltimo visto como a
aprendizagem de hbitos e condutas. Por fim, a terceira concepo, que procura
combinar as outras duas, entende que o desenvolvimento se baseia em dois
processos diferentes, embora relacionados, e que cada um influencia o outro.
Na teoria vigotskyana, um aspecto vital aprendizagem o fato de que ela
desperta vrios processos internos de desenvolvimento, que so capazes de operar
quando o indivduo interage com seu meio social e ambiental numa troca
recproca de informaes. Bock, Furtado e Teixeira (1996, p. 110) dizem que:
Na viso de Vigotsky, o processo de ensino-aprendizagem tem um grandevalor, pois se compe de contedos organizados e transmitidos numarelao social que tem como finalidade o desenvolvimento das capacidadeshumanas e, portanto, a interao do homem em sua cultura e em suasociedade.
O processo de ensino e aprendizagem tem por uma de suas finalidades a
aquisio do conhecimento. Nesse sentido, a reflexo sobre a natureza doconhecimento humano deu origem a uma srie de problemas filosficos, que
constituem o assunto da teoria do conhecimento, ou Epistemologia. A maior parte
desses problemas foi debatida pelos gregos antigos e, ainda hoje, a concordncia
escassa sobre a maneira como deveriam ser resolvidos.
Outros problemas da teoria do conhecimento poderiam designar-se,
apropriadamente, por metafsicos, tendo em vista que abrangem certas questes
sobre as maneiras como as coisas parecem. As aparncias que as coisas
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
6/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
6
apresentam quando no percebemos, parecem ser subjetivas na medida em que
dependem, para a sua existncia e natureza, do estado do crebro. nesse campo
que se estabelecem as questes ligadas s verdades, dogmas, crenas, valores,
entre outros aspectos de cunho no material.
E quanto a esses aspectos subjetivos, vale ponderar as questes ligadas
cultura e interao social. A definio exata sobre o que Cultura e a dimenso que
esta atinge constitui ainda uma incgnita, para a qual surgem constantemente
proposies tentando elucid-la. Mas, buscar uma resposta nica, absoluta e
definitiva, ser uma decepo constante, porque, por vezes, as proposies so
divergentes, contraditrias, alm de, com frequncia, pretenderem ser exclusivas,
isto , as verdades nicas.
Uma das explanaes acerca da cultura que se pe de forma satisfatria,
sob a viso de Laraia (1999), afirma que a expresso cultura vem do termo
germnico Kultur, que era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de
uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilizationreferia-se principalmente
s realizaes materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por
Edward Tylor (1932-1917) no vocbulo ingls Culture, que tomado em seu amplo
sentido etnogrfico este todo complexo que inclui conhecimentos, crenas, arte,
moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hbitos de uma sociedade.
A apropriao desses aspectos constitui um processo que perpassa por toda
vida, ainda que em alguns momentos ocorra com maior intensidade, como na
infncia. Isso ocorre, sobretudo, a partir da relao que o indivduo vai manter com o
grupo de indivduos do qual faz parte e com o meio que o circunda.
A escola, nesse contexto, entra como um dos principais, se no o principal,elemento difusor desses valores, crenas, costumes, hbitos, entre outros. Que, por
sua vez, vo se solidificando nas relaes interpessoais e na interao com o meio
social.
De forma sinttica, fica exposto que, a cultura, em sentido amplo, diz
respeito a todo conjunto de obras humanas. esse elemento que distingue o
homem de outros animais. Nessa perspectiva, a cultura de qualquer sociedade
que se constitui da soma total e organizao de ideias, reaes emocionais
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
7/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
7
condicionadas e agregadas aos padres de comportamento habitual que os
membros dessa sociedade adquirem pela instruo ou pela imitao de que todos,
em maior ou em menor intensidade, participam.
A apropriao desses aspectos da cultura se consolida atravs de
mecanismos de aprendizagem, tanto no mbito da educao formal, como na
sociedade e nas relaes estabelecidas entre os seres humanos. esse se
apropriar que vai configurar a identidade, por conseguinte, contribuir para a
produo da cultura (SILVA, 2005).
No poderamos deixar de expor e discutir as to importantes relaes entre
educao e cultura, principalmente em se tratando de EJA, onde a cultura influencia
sobremaneira no aprendizado dos adultos que j trazem consigo toda uma bagagem
de vivncias.
Salientamos que este trabalho uma compilao de artigos de vrios
autores e material do que entendemos ser o mais importante em termos de
educao de jovens e adultos. Dvidas podem surgir e pedimos desculpas por
eventuais lacunas, mas tanto por isso, ao final da apostila esto diversas referncias
utilizadas onde podero aprofundar algum conhecimento que chame a ateno outenha despertado dvida.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
8/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
8
UNIDADE 2 - EXCLUSO E INCLUSO SOCIAL
Qualquer pessoa, mesmo com escassa escolaridade, entende o quesignifica excluso, e o seu contrrio, a incluso.
Tratando-se da excluso social, poderamos buscar na Histria uma
infinidade de exemplos que mostram as margens exatas do conceito aplicado
realidade. Como exemplos, poderamos indicar as mulheres impedidas de participar
das Olimpadas, na Grcia antiga; as mulheres hebreias excludas do convvio
quando eram declaradas impuras; no Brasil, negros excludos de clubes
recreativos de brancos; indgenas excludos de suas terras e condies desobrevivncia; agricultores excludos das possibilidades de continuar a
reproduzirem-se como tais por falta de uma poltica agrcola voltada aos seus
interesses, portadores de necessidades especiais, principalmente doentes mentais
confinados em manicmios.
Ferraro (1999) constri o conceito de excluso da escola e de excluso na
escola para identificar fenmenos de no acesso, evaso, reprovao e repetncia
de crianas das camadas populares; j Foucault (1996), em sua Aula Inaugural noCollge de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970, aborda as formas de
interdio ou de excluso do discurso, mostrando que essa excluso se concretiza
materialmente, de diferentes formas e com diferentes justificativas.
Segundo Fischer e Marques (2001) a excluso social remonta Antiguidade
grega, onde escravos, mulheres e estrangeiros eram excludos, mas o fenmeno era
tido como natural. A excluso torna-se visvel e substanciosa quando ocorre uma
evidncia da pobreza aps a crise econmica mundial da idade contempornea.
Sobre a origem do termo excluso social, as mesmas autoras pontuam que
tomou vulto a partir do livro Les Exclus(1974) de Lenoir, o qual define os excludos
como aqueles indivduos concebidos como resduos dos trinta anos gloriosos de
desenvolvimento da Frana.
Para Jaguaribe (apudDUPAS, 1999) excluso tem feies de pobreza.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
9/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
9
J Buarque (apud NASCIMENTO,1996), infere que a partir da dcada de
1980, a excluso social passou a ser vista como um processo presente, visvel e que
ameaava confinar grande parte da populao num apartheid informal, expresso
que d lugar ao termo apartao social.
Em essncia, a excluso multidimensional, manifestando-se de vrias
maneiras e atingindo diferentes sociedades, mas evidentemente, os pases pobres
so afetados em maior profundidade.
Embora provocada pelo setor econmico, tem tambm seus meandros
passando pela falta de vontade poltica e social.
Segundo Fisher e Marques (2001), os principais aspectos em que aexcluso se apresenta, dizem respeito falta de acesso ao emprego, a bens e
servios, e tambm falta de segurana, justia e cidadania, ou seja, suas
manifestaes aparecem no mercado de trabalho, no acesso moradia e aos
servios comunitrios, aos bens e servios pblicos, entre outros. Os excludos,
entre outros so: os idosos, os sem-terra, os portadores de deficincia, os
analfabetos, os grupos tnicos minoritrios.
At aqui o conceito tem uma propriedade fantstica; ele no deixa dvidas arespeito da mensagem que transmite. Ele transparente. Mas nessa
transparncia que reside a sua fragilidade, porque, se ele corresponde exatamente
realidade emprica cuja superfcie mostra, no entanto ele no consegue ir alm
desta, ou seja, no explica as razes que colocam algumas pessoas do lado de fora
e outras do lado de dentro; no identifica o(s) espao(s) e o(s) tempo(s) nos quais
acontecem, no nomeia os sujeitos que decidem quem ser includo ou excludo,
muito menos as suas justificativas.O que amarra o conceito ao emprico para explicitar-se o mesmo que
encerra a sua compreenso dentro deste limite. um conceito meramente descritivo
e, como tal, tem alguma utilidade, entretanto apresenta-se como impessoal e neutro.
Sem um adjetivo que o qualifique (social, escolar, entre outros), abstrato, e
para concretizar-se relaciona, de maneira contraditria, seres humanos posicionados
como sujeitos que excluem, de um lado, ou como objetos que so excludos, de
outro. Eis alguns riscos de seu uso quando no se tem mo o concurso de
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
10/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
10
categorias analticas que possam ampliar a compreenso do que excluso e
incluso to propriamente descrevem, ou, por outra, sem recorrer aos processos
histricos em cuja lgica est includa a excluso, como faz Marx (1982 apud
Ribeiro, 2006).
Vamos retomar o tema nas condies histricas que lhe conferem
visibilidade, na tentativa de criar um vnculo deste conceito com o de educao
social.
No que chamado de excluso se destacam dois pontos:
Os enfrentamentos com situaes de dominao que explicam o surgimento
de novos movimentos sociais;
A emergncia de uma nova questo social caracterizada pelo desemprego,
pelo surgimento de uma nova pobreza e, em decorrncia, pela violncia que
marca os processos migratrios na Europa (Castel, 1998; Forrester, 1997
apudRIBEIRO, 2006).
O conceito excluso tem o mrito de ampliar a compreenso de problemas
que fazem parte das relaes sociais no modo de produo capitalista, mas que no
podem ser explicados to somente pela expropriao da terra ou pela apropriao
do produto do trabalho, dos meios de produo e de sobrevivncia.
A nova questo social que d evidncia aos excludos dos benefcios da
riqueza produzida socialmente tambm inclui, no debate, a opresso, a
discriminao e a dominao, exigindo um tratamento terico-prtico adequado,
tendo por base as relaes sociais de explorao/expropriao, prprias do modo de
produo capitalista.
Todavia, mesmo tendo este mrito o de revelar questes que ficam, muitas
vezes, subsumidas na anlise das relaes de conflito entre as classes sociais o
conceito de excluso limitado, e a sua utilizao indiscriminada reveste-se de
impreciso e carece de rigor conceitual (Oliveira, 2004).
Alm de sua impreciso, ele impotente para a formulao de estratgias
de ruptura com aquelas relaes, as quais determinam que uma minoria decida
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
11/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
11
sobre a excluso social da terra, do trabalho e das condies de subsistncia da
maioria dos povos.
O contrrio da excluso a incluso, o estar dentro, o re-ingresso
condio da qual foi excludo(a). Da mesma forma, h sujeitos sociais com o poder
de incluir e h os que so considerados objetos e, portanto, que so includos ou
que, numa perspectiva assistencialista e de manuteno do status quo, so
colocados para dentro novamente.
Se considerarmos que os processos de excluso social so inerentes
lgica do modo de produo capitalista, veremos que as polticas de incluso e/ou
insero social so estratgias para integrar os objetos os excludos ao sistema
social que os exclui e, ao mesmo tempo, de manter sob controle as tenses sociais
que decorrem do desemprego e da explorao do trabalho, mveis da excluso
social (RIBEIRO, 2006).
Esse, portanto, o limite do conceito excluso. Ele oculta a postura
autoritria da classe que opta por acomodar os conflitos, armar-se contra a violncia,
porque no pretende atravessar a superfcie do fenmeno para ir ao fundo, ou sua
essncia. Nesse fundo, possvel ver a barbrie que avana tanto sobre aspopulaes pobres quanto sobre as condies de sobrevivncia no planeta Terra,
tendo em vista a necessidade de preservao dos recursos naturais no renovveis
e que so essenciais manuteno da vida (RIBEIRO, 2006).
A incluso/excluso no campo da educao
O pressuposto nesta discusso proposta por Streck (2009) de que
conceitos so instrumentos para a leitura de nosso mundo. Se, por um lado, sua
criao e uso tm um inescapvel grau de arbitrariedade, tambm necessria uma
legitimao social e pblica para a sua eficcia na comunicao.
O uso do binmio excluso social/incluso social encontra sua pertinncia
no contexto da denncia e do pragmatismo, onde paradoxalmente tambm se
revelam os seus limites, como bem dito por Ribeiro (2006).
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
12/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
12
O seu potencial como fator de denncia fica evidente na grande marcha que
a cada ano realizada sob os auspcios de setores progressistas da Igreja Catlica
com o nome de Grito dos Excludos e tambm na mistura de pessoas e de grupos
que compem o Frum Social Mundial (STRECK, 2009).
H uma correspondncia entre excluso social e os assim chamados novos
movimentos sociais, que tm no reconhecimento identitrio uma importante bandeira
de luta. Podem ser as mulheres, os jovens, os negros, os ndios, os sem-terra ou os
sem-teto, cada um deles por sua vez eventualmente subdividido em novos grupos.
Na ecologia pode haver grupos que lutam pela sobrevivncia de uma espcie
vegetal ou animal, grupos que lutam pela preservao da Amaznia, contra a
ocupao predatria do solo, entre outros. Todos eles encontram sob o manto da
excluso social algum tipo de abrigo.
Talvez se pudesse dizer que o deslizamento lingustico da
opresso/libertao para excluso/incluso social implica um deslocamento do
poltico para o tico. Libertao era um conceito de mobilizao poltica da classe
oprimida em busca da construo de outra sociedade. Na medida em que os
contornos do horizonte dessa libertao se tornaram mais difusos, o conceito perde
muito de sua fora. Isso se deve tanto a fatores internos, com a assuno do poder
por foras progressistas que frustram expectativas, como a fatores externos
simbolizados na queda do muro de Berlim e consequente sensao da
impossibilidade de construo de alternativas que tenham condies de se sustentar
no cenrio global (STRECK, 2009).
Grosso modo, a excluso social pode ser definida como a limitao de
acesso s condies de vida consideradas dignas dentro de critrios ticos com
reclamos de universalidade. So cada vez mais as prprias diferenas que dizem o
que digno a partir de suas particularidades. Isso pode levar, como j foi alertado
por Pierucci (1999), a um relativismo que em ltima instncia refora desigualdades
existentes ou cria novas. Por isso a necessidade de princpios que digam respeito a
toda a sociedade e a todas elas.
Em Paulo Freire, o reconhecimento da diferena como riqueza da
humanidade combinado com o que ele chama de tica universal do ser humano. A
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
13/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
13
identificao do que seja a dignidade tem a ver com o contexto especfico, mas
tambm com uma compreenso de pertencimento a uma mesma espcie planetria.
As condies de diferenciao entre os ricos pelo rtulo do vinho e outras
sofisticaes tm a ver com a indignidade da fome em pases do Terceiro Mundo. A
partir da tambm se d o inescapvel encontro do tico com o poltico. , no
entanto, uma sinalizao de que a conquista de espaos e de poder, em si, no
condio suficiente para a transformao da sociedade.
O binmio excluso social/incluso social tem tambm um inegvel valor
pragmtico. J apontamos seu uso no debate de polticas pblicas em vrias reas
das prticas sociais. Se isso traz ambiguidades, tambm possibilita acordos entre os
campos polticos para promover incluses que, embora subalternas do ponto de
vista da estrutura social existente, representam avanos para quem delas se
beneficia.
O uso pragmtico tambm se verifica no mundo acadmico e ali cumpre um
papel semelhante ao que desempenha no campo das polticas. Este pragmatismo se
manifesta de duas formas: pela possibilidade de descrever indicadores e aproximar
a reflexo terica da busca de dados empricos e pelo desdobramento em diferentes
nomes a partir de distintas leituras da realidade.
No primeiro aspecto, destaca-se o amplo trabalho que Mrcio Pochmann
(2004) e sua equipe de pesquisa vm divulgando periodicamente no Atlas da
excluso social. Para a investigao que possibilita este mapeamento so
indispensveis indicadores que permitam organizar dados estatsticos j existentes
ou levantar outros pertinentes.
A excluso social pode ser medida a partir dos seguintes ndicesdesenvolvidos pela equipe:
a) para a dimenso vida digna pobreza dos chefes de famlia, taxa de emprego
formal sobre a Populao Economicamente Ativa (PEA), desigualdade de
renda;
b) para a dimenso conhecimento taxa de alfabetizao, nmero mdio de
anos de estudo do chefe de famlia;
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
14/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
14
c) para a dimenso vulnerabilidade porcentagem de jovens na populao e
violncia.
Estes indicadores so passveis de discusso e outros pesquisadores
podem desenvolver outros atlas com base em outras definies. No deixa de ser
relevante, no entanto, que o conceito facilita ou at exige esta proximidade com a
concretude das condies de vida.
Fernando Gil (2002 apudSTRECK, 2009), por sua vez, distingue entre um
enfoque simples e um enfoque complexo da excluso social.
No primeiro caso, o enfoque simples trata-se de uma viso maniquesta
segundo a qual todos sabemos quem so os excludos e o que cabe fazer, desde asolidariedade por parte dos cidados vontade poltica. Numa viso complexa
reconhece-se a multiformidade da excluso social considerando seus graus e nveis,
os processos causadores de excluso, a relao entre os diversos tipos de
excluso, a relao entre os efeitos excludentes e includentes dos fenmenos
sociais, e a conscincia e o conhecimento do carter paradoxal destes fenmenos.
Quanto ao segundo aspecto apontado, basta ver os muitos significados
atribudos excluso social, numa indicao de que o estado a que este conceito serefere passvel de leituras diferentes e mesmo divergentes. Ao longo da histria
esse mesmo estado teve o sentido de ostracismo entre os atenienses, de proscrio
em Roma, do pria na civilizao hindu ou do gueto da Idade Mdia (Xiberras,
1993). Nas teorias sociolgicas clssicas podia significar a dominao de classe
(Marx), a ruptura da coeso social (Durkheim, Simmel, Weber) ou o desvio da norma
(Escola de Chigago).
As anlises atuais traduzem a excluso social como desfiliao, descarte,invisibilizao, desqualificao, o mundo dos sobrantes, quarto mundo,
desintegrao, entre outros tantos sentidos. Este fato no pode ser atribudo
simplesmente falta de rigorosidade conceitual dos cientistas sociais, que fazem
suas opes entre os termos existentes ou criam outros a partir de novas
combinaes. Parece que a elasticidade do conceito excluso social favorece o
encontro de perspectivas e as coloca diante do desafio de explicitao,
questionando a rotulao fcil a partir de uma ou outra teoria.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
15/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
15
Os mesmos motivos anteriormente apontados, que justificam o uso do
conceito de excluso social, tambm j indicam os seus limites. A amplitude e a
pragmaticidade esto ligadas basicamente ao fato de lidarem com os sintomas da
realidade social sem os referir s estruturas da sociedade, responsveis por sua
produo e reproduo. Este ocultamento dificulta posicionar as aes dentro de um
quadro de referncia que indique um horizonte de transformao social para alm
das incluses de carter geralmente compensatrio e subordinado.
Talvez o jeito do autor Paulo Freire lidar com o problema conceitual em sua
historicidade possa servir de exemplo ou inspirao. Houve, em suas obras,
importantes deslocamentos conceituais vinculados com as mudanas da sociedade
e as respectivas leituras.
Em Educao como prtica da liberdade, a ideia de trnsito do homem-
objeto ao homem-sujeito, da sociedade fechada sociedade aberta, da conscincia
ingnua conscincia crtica expressa a expectativa de uma mudana em vias de
realizao por meio dos projetos que, naquela poca de grande mobilizao popular,
estavam sendo desenvolvidos.
Na Pedagogia do oprimido torna-se central a noo de conflito entreoprimidos e opressores, numa ruptura com a linearidade sugerida pelo conceito de
trnsito.
Em Pedagogia da esperana, a metfora da trama indica novos tempos,
novas leituras e novas pedagogias. A continuidade no est dada pelo apego a uma
ou outra teoria, mas deve-se escuta das prticas educativas que, em seu tempo,
desafiam a busca de novos referenciais. Continua o desafio do trnsito da
conscincia, do ser humano e da sociedade em direo ao "ser mais". A luta pelalibertao dos oprimidos no perdeu a sua vigncia. Mas ambos os processos so
ressignificados em outro contexto sociopoltico.
O argumento de Santos (1996) de que estamos num perodo de mudanas
paradimticas encontra eco na busca por uma linguagem que traduza a realidade.
Os usos do binmio excluso social/incluso social na rea da educao parecem
ser uma expresso de incertezas epistemolgicas que, conforme este autor,
acompanham estes perodos de transio. Se, por um lado, a multiplicidade de
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
16/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
16
vozes torna difcil reconhecer caminhos e direes, por outro, ela tambm desafia
criatividade e ao dilogo (STRECK, 2009)
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
17/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
17
UNIDADE 3 - A ESCOLA E SEUS SUJEITOS
A Educao de Jovens e Adultos apresenta hoje uma identidade que adiferencia da escolarizao regular e essa diferenciao no nos remete apenas a
uma questo de especificidade etria, mas, primordialmente, a uma questo de
especificidade scio-histrico-cultural.
Os novos rumos da Educao Brasileira enfatizam a difuso dos valores de
justia social e dos pressupostos da democracia, do respeito pluralidade fundados
crena na capacidade de cada cidado ler e interpretar a realidade, conforme sua
prpria experincia, o que exige reorientar o olhar para propostas educativas queincluam o desenvolvimento da pessoa humana de forma integrada e completa, no
atendimento de suas necessidades cognitivas, afetivas, motoras e sociais.
O censo de 2000 j indicava, na Educao de Jovens e Adultos, uma
parcela de aproximadamente trs milhes de estudantes, sendo que, desse total,
cerca de 79% so jovens, o que caracteriza um novo perfil de alunado. A principal
preocupao relacionada aos dados que a presena deste contingente de jovens
se apresenta como novidade nesta modalidade de ensino e exige que se pensesobre formas de lidar para alm dos conceitos da facilidade e reduo de tempo na
concluso do curso e obteno do certificado.
Uma primeira considerao deve ser a de reconhecer este jovem como um
sujeito, cuja histria no a mesma de outros jovens da mesma idade, que esto
ingressando num nvel superior de escolaridade ou buscando cursos de
especializao profissional para acessar ou se aprimorar para o mercado de
trabalho. O jovem da EJA deve ser visto como uma pessoa, cujas condies deexistncia, remetem dupla excluso, de seu grupo de pares da mesma idade e do
sistema regular de ensino, por evaso ou reteno.
Este jovem, pertencente ao mundo do trabalho, ou do desemprego, como
mais comum, incorpora-se ao curso da EJA, objetivando, na maioria das vezes,
concluir etapas de sua escolaridade para buscar melhores ofertas do mercado de
trabalho por sua insero no mundo letrado. Desta forma, assemelha-se ao adulto
que sempre buscou este tipo de curso para sua formao, mas diferencia-se dele
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
18/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
18
em suas condies biolgicas e psicolgicas, apontando para uma demanda
diferente da do adulto no atendimento escolar.
Situar este jovem num mundo cultural concreto, de uma determinada poca
da histria, faz contraponto viso de existncia do adolescente universal, com
caractersticas emocionais tpicas de desenvolvimento (como as de naturalmente
fazer oposio ao adulto, criar situaes constrangedoras, ser rebelde, entre outras),
como se a idade biolgica pudesse ser, por si s, o nico determinante de um
conjunto de comportamentos comuns e de uma viso de mundo caracterstica.
Nesta fase de desenvolvimento, o jovem que se encontra no mercado de
trabalho e lutando para garantir sua sobrevivncia, apresenta caractersticas
diferenciadas pelo contato imediato com a realidade social, daquele jovem universal,
abstrato, que s responde s etapas biolgicas de seu crescimento, representadas
por um conjunto de transformaes corporais e psicolgicas entre a infncia e a
idade adulta, tipificadas como adolescncia.
As teorias de desenvolvimento humano, que se sustentam numa viso de
homem constituda em dupla determinao, biolgica e social, enfatizam a formao
humana num movimento constante de vir a ser, em que cada fase da vida se definepor um conjunto de caractersticas e necessidades biolgicas, psicolgicas e sociais,
imbricadas, de forma que se realiza, simultaneamente, a formao da personalidade
e o conhecimento do mundo objetivo.
O conjunto de caractersticas e necessidades bio-psquico-social recria-se
nas etapas do desenvolvimento, tendo como base o que foi gerado na fase anterior
e o que se oferece no presente, num processo constante de atualizao.
O processo de desenvolvimento dinmico e decorre da insero do sujeitoem um determinado meio, das atividades em que se envolve, do sentido que atribui
a essas atividades, das escolhas que faz ou deixa de fazer. Estes sentidos so
incorporados do conjunto mais amplo das relaes sociais, mediante a interpretao
de cada um da perspectiva do lugar social que ocupa, pela bagagem cultural de sua
trajetria e pelas caractersticas regionais de seu grupo.
Entender o desenvolvimento humano dessa forma significa compreender
que as mudanas pessoais no so resultados exclusivamente de processos
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
19/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
19
individuais e biolgicos, mas tm como parmetros as condies objetivas que o
meio social impe a cada fase da vida (FERRARI; AMARAL, 2003).
Nessa perspectiva, a experincia na instituio escolar assume um papel
mais abrangente do que o de emissora de certificados. Enquanto trabalho e
enquanto escola, o jovem que frequenta a EJA est mergulhado num meio que
pertence ao adulto, que ele desconhece na qualidade de agente da sua histria, cuja
prioridade est em se manter no mercado de trabalho para garantir a sobrevivncia.
Esta condio de existncia o configura como sujeito, cujas necessidades pessoais
so perpassadas de maneira imediata, no apenas pelas necessidades sociais,
dadas pelo que a sociedade impe aos de sua idade em condio social privilegiada
(o preparo para uma profisso, em carter de aprendiz), mas s necessidades que a
sociedade impe ao perfil do adulto: sobrevivncia, luta pela vida, enfrentamento do
mundo do trabalho.
O conflito, as contradies e ambivalncias prprias da fase do crescimento
biolgico esto presentes, mas subordinadas e direcionadas pelas necessidades
que a realidade impe, pelas condies que oferece e pela expectativa que decorre
de como superar esses enfrentamentos.
A to propalada revolta do adolescente e seus atritos com os adultos
apresentam-se, ao jovem que frequenta a EJA, como crtica ao educativa que
pretende mant-lo na condio de criana, ou mesmo de jovem, com a qual ele no
se identifica; e como questionamento sobre o processo que o mantm distante dos
temas de sua poca e que lhe dizem respeito diretamente, em favor de um rol de
contedos tradicionalmente estabelecidos e sem significado para ele, que no o
levam compreenso de sua integridade como pessoa, sua interao com os
grupos dos quais se sente excludo e tampouco alimentam suas expectativas de
mudana de vida a longo prazo (FERRARI; AMARAL, 2003).
Via de regra, a viso de adolescente universal, que justifica a excluso do
jovem tambm na sala de aula, pode desencadear novos bloqueios e interromper o
fluxo de estmulos que o levaram a dar continuidade ao seu processo de formao.
Um meio escolar, que visa (e que deve visar) ao desenvolvimento integral da
pessoa em seu contexto ambiental e social, apresenta condies de propiciar
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
20/54
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
21/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
21
diferenciada: motora, cognitiva, afetiva e social e minimizar qualquer uma delas
significa comprometer o processo como um todo.
O aluno leva para a escola caractersticas de seu ser biopsquico
indissociado de suas condies materiais e sociais de existncia, e a escola, como
um fator que introduz no cotidiano um tempo de dedicao e exige inmeras
adaptaes no pode se furtar ao trabalho de ensino/aprendizagem
descomprometido com o processo de desenvolvimento intelectual, social e moral,
que ocorre simultaneamente aquisio de contedos e disposio para avaliaes.
Ferrari (2001), ao investigar se a insero em um curso supletivo noturno, de
uma escola da periferia da cidade de So Paulo, teria provocado ou no mudanas
substanciais nos alunos, constatou que, na viso dos jovens, as mudanas
principais diziam respeito diversidade de interaes propiciada pelo convvio
escolar, j que, diferentemente do universo em que tinham vivido at ento, o
espao escolar lhes dera a chance de, segundo eles, conhecer mais o mundo e as
pessoas. A frequncia escola aparece citada tambm como a possibilidade de
superao do medo e da vergonha, antes impeditivos de participao em atividades
que demandavam escolarizao, e em superao do estigma de fracasso escolar
que nutriam a seu prprio respeito. Principalmente para os mais jovens, a
frequncia ao curso oportunizava a elaborao de projetos de vida e diferentes
perspectivas de futuro, com a esperana de possvel melhora de oferta de trabalho e
continuidade dos estudos.
Embora considerando que o ensino ofertado no atende as necessidades de
aluno trabalhador, constata-se que aqueles que o frequentam apresentam
mudanas, relacionadas principalmente adeso, at ento, ao forte preconceito
que pesa socialmente sobre o analfabeto ou sobre quem no estudou.
Ao indicar seus planos para o futuro, os jovens sujeitos da pesquisa,
acreditam estar em p de igualdade com outros alunos egressos de outras escolas
num mesmo nvel.
A pesquisa de Ferrari aponta que os alunos no percebem que o curso
supletivo, da forma como se apresenta, considerado um curso de segunda linha
frente s exigncias do ensino regular, no d sustentao a tal crena.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
22/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
22
Possivelmente, iro se sentir novamente excludos, quando tentarem buscar um
emprego que exige melhor qualificao ou mesmo procurarem dar continuidade aos
estudos num patamar superior.
Evidenciando o distanciamento da necessidade dos jovens, essa escola no
tem como prioridade alargar a compreenso que o indivduo tem de suas condies
sociais concretas e continua deixando em segundo plano uma formao mais
abrangente que incluiria, inclusive, a possibilidade de crtica a este modelo educativo
que, num espectro mais amplo, acaba reconduzindo o sujeito a um mesmo patamar
de subordinao.
O curso supletivo (em sua ampla concepo) hoje a nica possibilidade de
reinsero escolar para aqueles alunos com defasagem srie/idade, quer seja pelo
afastamento dos estudos pelas exigncias de trabalho precoce, quer seja pela
excluso do sistema regular de ensino por reprovaes sistemticas.
Essa constatao nos aponta, enquanto educadores, necessidade de
assumir o curso como oportunidade concreta para os jovens e importncia de
avanar no significado do que seja instruo, contemplando em seus currculos a
formao do homem-cidado profissional, na perspectiva de uma educao comoapropriao da cultura, enquanto integrao de todas as atividades humanas e
determinante da humanizao.
O convvio entre diferentes faixas etrias, do jovem com o aluno adulto, pode
se enriquecedor, se estiverem includas as necessidades do aluno jovem: tanto no
que diz respeito a maior necessidade de movimentao na sala, quanto a seu ritmo
de aprendizagem, priorizando atividades que estimulem parcerias, em lugar da
competio com os mais velhos, organizando atividades que promovam a reflexosobre os valores e as condutas e que propiciem a formao de vnculos positivos e
respeito forma de pensar, agir e sentir do outro.
A escola precisa ser um ambiente onde o sujeito aprenda a vida social e
democrtica no s pela transmisso ordenada das lies dos livros, mas tambm
pelas experincias da vida cotidiana, por meio de pesquisas, anlise, reflexo de
sua condio e troca de ideias em que possa refletir sobre a condio do outro,
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
23/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
23
perceber em que aproximam ou se distanciam, quais so os conflitos e quais os
consensos possveis.
Deve propiciar aos jovens uma anlise crtica da estrutura social,
administrativa e poltica para acompanhar as mudanas sociais de seu tempo, a fim
de que no fique alijado da vida real e deve ainda se responsabilizar pela sua
formao integral, desenvolvendo uma postura tica, fundada em valores dignos de
um cidado comprometido com os problemas sociais vigentes em sua realidade.
Enquanto organizadora de novas perspectivas para os alunos, tanto no sentido de
satisfao da necessidade pessoal mais imediata, como aprender a ler e escrever
para atender demanda de uma sociedade letrada e garantir a prpria
sobrevivncia, quanto para alargar gradativamente a perspectiva de cidado, num
sentido mais social, mais amplo, ao transformar sua necessidade pessoal de saber
ler e escrever numa atividade de participao crtica da vida em sociedade.
Cabe escola conjugar, ao mesmo tempo, os contedos do ensino e as
disciplinas escolares com o gosto pela verdade, o esprito crtico, a conscincia de
suas responsabilidades sociais, objetivando a conquista da autonomia da pessoa do
jovem.
O grupo de professores e o professor de cada sala em particular precisa
ter em conta que sua prtica pedaggica no pode se esgotar na relao contedo-
rendimento-indivduo, que essa prtica pode alcanar o desenvolvimento da pessoa
integrada e completa, fortalecendo a postura de cada um e a conscincia do grupo
enquanto cidados e priorizando o respeito por si mesmo e pelos outros (FERRARI;
AMARAL, 2003).
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
24/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
24
UNIDADE 4 - RELAES RACIAIS, CONDICIONANTESSOCIOCULTURAIS
O Brasil conta com uma populao de aproximadamente 191 milhes sendo
que destes 50,2 milhes de jovens (26,4% da populao) esto compreendidos na
faixa etria de 15 a 24 anos. Apesar desse nmero expressivo da juventude,
percebe-se que as formulaes de polticas pblicas focadas nesse seguimento
social so ainda recentes e integram todo um movimento de conquista popular e de
protagonismo juvenil.
Os jovens brasileiros, sobretudo os pobres, enfrentam nos dias atuaisproblemas da ordem social, econmica, educacional, violncia urbana, entre outros.
No Brasil, a luta pelo acesso e permanncia escola de qualidade por parte
das camadas populares como uma garantia do direito educao no recente no
decorrer da histria brasileira. O campo educacional da Educao de Jovens e
Adultos segue nessa direo. A sua trajetria scio-histrica marcada por
enfretamentos, lutas, embates polticos e pedaggicos que, a partir da dcada de
1960, por meio de aes populares teve, na Educao Popular, a forma deexpresso mais visvel de reivindicao por um processo de ensino e aprendizagem
que garantisse o direito educao bsica de qualidade para todos, contemplando
principalmente os setores sociais menos favorecidos da populao.
Miguel Arroyo (2005, p. 31) argumenta que o campo educacional da EJA
sempre apareceu vinculado a um outro projeto de sociedade, um projeto de incluso
do povo como sujeito de direitos. Foi sempre um dos campos da educao mais
politizados, o que foi possvel por ser um campo aberto, no fechado e nemburocratizado, por ser um campo de possveis intervenes de agentes diversos da
sociedade, com propostas diversas de sociedade e do papel do povo.
O autor acima citado diz ainda que, desde a sua constituio como campo
educacional, os jovens e adultos presentes na EJA so os mesmos, ou seja, na
maioria das vezes no decorrer da histria da educao brasileira foram esses jovens
e adultos que tiveram os seus direitos educao bsica negligenciados.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
25/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
25
Arroyo (2005, p. 29) afirma que desde que a EJA EJA os jovens e adultos
so os mesmos: pobres, desempregados, na economia informal, negros, nos limites
da sobrevivncia. So jovens e adultos populares. Fazem parte dos mesmos
coletivos sociais, raciais, tnicos, culturais. O nome genrico: educao de jovens e
adultos oculta essas identidades coletivas. Tentar reconfigurar a EJA implica
assumir essas identidades coletivas.
Na mesma direo, a anlise do campo educativo da EJA, no entendimento
de Juarez Dayrell (2005) se d de forma bastante ampla abrangendo aspectos
sociais, culturais e histricos, isto quer dizer que, ao se referir educao, est
implcito que a tradio da EJA sempre foi muito mais ampla que o ensino, no se
reduzindo escolarizao, transmisso de contedos, mas dizendo respeito aos
processos educativos amplos relacionados formao humana, como sempre
deixou muito claro Paulo Freire (DAYRELL, 2005, p. 53).
Na opinio desses autores, o campo educacional da EJA no se esgota nos
processos de transmisso de contedos e nem se reduz escolarizao. Sendo
assim, ao focar os sentidos e significados atribudos pelos jovens negros aos
processos de escolarizao no tempo e espao da EJA, o nosso olhar pode
destacar a identidade tnico-racial como uma das identidades coletivas juvenis
construdas pelos sujeitos que participam da EJA. H aqui o entendimento da EJA
como uma modalidade de ensino que no se limita ao aprendizado de
conhecimentos especficos, mas se realiza como uma experincia de formao que
mobiliza diferentes sujeitos (GOMES, 2004).
Na mesma direo, Andrade (2006) analisa que os jovens que se inserem
na modalidade de ensino da EJA demandam por uma relao diferenciada pautada
pelo dilogo entre o(a) professor(a) e o(a) jovem e adulto. Os jovens demandam de
um tipo de relao humana e pedaggica diferente daquela que tem recebido.
Parece que, no interior de algumas escolas, h choque entre culturas e geraes
que se expressaria como desrespeito ao() aluno(a) como sujeito social e cidado()
portador(a) de direitos. Desse modo, os jovens tambm demandam um maior
dilogo e um maior vnculo entre eles, ou falam da necessidade de os professores
conhecerem melhor quem somos ns, os alunos (ANDRADE, 2006, p. 66).
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
26/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
26
Vamos focar o segmento juvenil negro, uma vez que diante dos dados
oficiais esse o segmento da populao que apresenta os elevados ndices de
evaso escolar, a defasagem idade/srie, as dificuldades na insero no mercado
de trabalho, a alta incidncia de mortalidade por armas de fogo, a privao de
acesso aos bens simblicos e culturais, a consternao do preconceito e da
discriminao racial, entre outros.
A pesquisa Desigualdade Racial no Brasil: evoluo das condies de vida
na dcada de 90, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA),
retrata as desigualdades raciais a partir dos indicadores que abrangem a faixa
etria, condio de moradia, empregabilidade, educao, entre outros, destinados
populao negra, sobretudo, no que se refere situao dos jovens e adultos
negros. Os dados sobre a escolarizao dos jovens negros apresentados por essa
pesquisa revelam uma profunda desigualdade nas trajetrias de negros e brancos
no Brasil.
Esse quadro complexo nos leva a refletir que os jovens negros constroem
suas trajetrias de vida e escolar de maneira muito acidentada. Esta situao de
excluso pode estar desencadeando um outro tipo de retorno desse pblico na
busca de um lugar nos bancos escolares, porm, na modalidade EJA.
Esse contexto nos leva a indagar os motivos que levam esses jovens negros
a persistir e resistir em continuar o seu processo de escolarizao. E, mais, nos leva
a questionar se os processos de escolarizao da EJA esto atentos a essas
questes e como reagem diante dela na sua organizao escolar, na seleo dos
contedos, nas vivncias, nas discusses, relao com o saber e com a diversidade.
Na mesma direo, os dados do IBGE analisados atravs do mapa doanalfabetismo do Brasil pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP) confirmam o que vrios pesquisadores tm apontado por meio de suas
pesquisas: para a caracterizao real das desigualdades sociais, econmicas,
histricas e culturais brasileiras necessrio desagregar o fator raa/cor. Como nos
mostra a tabela abaixo:
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
27/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
27
Tabela 1.
Taxa de analfabetismo de 15 anos ou mais por cor ou raa, 1992-2001
Fonte: IBGE, Pnad, 1992-2001.
Os ndices apresentados na tabela acima nos mostram que a taxa de
analfabetismo incide de forma mais expressiva sobre a populao que se
autodeclara como negra. Alm disso, podemos verificar que a distoro srie/idade
da populao negra ocorre tanto no ensino fundamental quanto no ensino mdio.
Assim sendo, os dados expostos acima, confirmam que, no decorrer dos anos, o
dficit relacionado distoro srie/idade incide de forma mais acentuada sobre apopulao juvenil negra.
Os dados expostos nos fazem refletir que o quadro de desigualdades e
excluso social, revelado pelas pesquisas oficiais, faz-se presente na educao
escolar de maneira geral.
Porm, esse quadro tem afetado de maneira mais direta o segmento pobre e
negro da populao. Ao constatar o grande nmero de jovens e adultos negros em
processo de excluso social, questiona-se: onde esse pblico se insere quando
retorna para a escola? Apesar de no existir pesquisas muito especficas sobre o
assunto, os estudos sobre relaes raciais e educao existentes nos levam a
ponderar que, no Brasil, esse segmento deve estar localizado na EJA, ou seja, o
campo da EJA possui como uma de suas caractersticas fundamentais no somente
o recorte socioeconmico e geracional, mas tambm o racial.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
28/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
28
Acreditamos com isso, que o combate e a superao das desigualdades
raciais que atingem de forma mais incisiva a populao afro-brasileira precisa fazer
parte das reflexes e das aes educativas desenvolvidas pelos docentes no interior
das escolas. Essa questo atinge tambm a EJA. Assim sendo, Gomes (2004, p. 84)
aponta que:
As desigualdades raciais que acontecem historicamente na sociedadebrasileira foram, aos poucos, sendo naturalizadas. Esse processo contribuipara a produo de uma reao perversa entre ns: ao serem pensadascomo processos naturais, essas desigualdades tornam-se imperceptveis.E, mesmo quando percebemos, muitas vezes no reagimos a elas, poisnosso olhar docente e pedaggico est to acostumado com essa
realidade social e racial na escola, que tendemos a naturaliz-la e no aquestionarmos.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
29/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
29
UNIDADE 5 - PAULO FREIRE, MOVIMENTOS SOCIAIS EEDUCAO POPULAR
O artigo redigido em 2010 por Danilo Streck intitutado Entre emancipao e
regulao: (des)encontros entre educao popular e movimentos sociais, trabalho
originalmente preparado para integrar o painel Educao popular e movimentos
sociais: tenses e desafios na Amrica Latina, na 32 Reunio anual da ANPEd,
realizada de 4 a 7 de outubro de 2009, cabe bem no contexto desse estudo, portanto
foi colocado na ntegra.
A educao popular tem como uma de suas marcas acompanhar omovimento de classes, grupos e setores da sociedade que entendem que o seu
lugar na histria no corresponde aos nveis de dignidade a que teriam direito. Isso
pode significar a reivindicao de espao na estrutura existente, mas pode tambm
representar o engajamento na luta por rupturas e pela busca de novas
possibilidades de organizao da vida comum.
O elemento definidor, neste caso, no tanto o projeto final, mas a
disponibilidade para sair do lugar, o mover-se em direo a um horizonte queapenas deixa entrever sinais do que Paulo Freire chamou de inditos viveis.
Quer definamos a educao popular com base nos objetivos, no mtodo, no
contedo, no contexto ou nos sujeitos, sempre haver dvidas sobre o que ela de
fato. Acredito que nisso reside uma de suas virtudes e um dos motivos pelos quais
ela no se dissolve como outras modas pedaggicas dispostas a trazer solues
mais ou menos definitivas (STRECK, 2010).
Isso tem a ver com a sua origem. H unanimidade entre os historiadores da
educao popular de que ela se forma no movimento da sociedade. Se temos
nomes que servem de referncia porque pessoas se dispuseram e tiveram a
habilidade de captar a pedagogia que se realizava nesse movimento. No entanto,
enquanto processo, ela maior que cada um desses nomes e continua sendo
recriada nesse movimento da sociedade.
Uma das contribuies das teses e dissertaes nos programas de ps-
graduao o desvelamento de pedagogias invisibilizadas pelo projeto pedaggico
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
30/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
30
hegemnico, preocupado com estatsticas e resultados que habilitam os alunos a
serem econmica e socialmente competitivos no cenrio posto. Ao consenso de
Washington, na economia, parece ter se sucedido um consenso pedaggico gerado
com base nos centros de poder (STRECK, 2007).
Neste artigo, Streck prope discutir a relao entre a educao e os
movimentos sociais, tendo como pressuposto que a origem da educao popular
est nos movimentos sociais e que, na medida em que os movimentos sociais se
reconfiguram no cenrio regional, nacional e internacional, tambm a educao
popular precisa perguntar-se pelo lugar de onde faz a sua leitura de mundo e a sua
interveno.
O desafio o mesmo que Paulo Freire coloca no incio de Pedagogia do
oprimido, quando diz: Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da
hora atual, se propem, a si mesmos, como problema. Descobrem que pouco
sabem de si, de seu 'posto no cosmos', e se inquietam por saber mais (1981, p. 29).
Streck acredita ser esta uma tarefa que se coloca para cada gerao e que ela
precisa responder lanando mo das ferramentas disponveis em seu tempo.
A origem no movimento
A histria da educao popular geralmente contada a partir da dcada de
1960, que no Brasil coincide com uma forte mobilizao popular na qual se
encontrava inserida a educao, em especial a alfabetizao de adultos. A
referncia mais marcante desse movimento pedaggico-poltico-cultural o projeto
de Paulo Freire em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963.
Dentre os movimentos implantados no Nordeste, todos no incio da dcada
de 1960, podem ser citados o Movimento de Cultura Popular (MCP), criado na
Prefeitura de Recife; a campanha De p no cho tambm se aprende a ler,
instituda pela Prefeitura de Natal; e o Movimento de Educao de Base (MEB),
criado pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil em convnio com o governo
federal.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
31/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
31
Em sua anlise desse perodo, Scocuglia (2000, p. 51) conclui que embora
continuassem sob o patrocnio do Estado, sob seu financiamento, esses movimentos
transcenderam o controle estatal e imiscuram-se na sociedade civil, aprofundando
suas razes. Uma das razes para isso teria sido a viso da educao como
integrada cultura enquanto expresso criativa de homens e mulheres.
H, nesse sentido, uma coincidncia com experincias em outros lugares do
mundo: o movimento estudantil naquela poca reivindicava uma democratizao das
relaes nas universidades e escolas; as mulheres deixavam os seus lugares
tradicionais, nas casas, para reclamar uma participao igualitria em todos os
setores da sociedade; o movimento dos direitos civis colocava em xeque a
dominao baseada na cor da pele; as ainda existentes colnias africanas
declaravam a sua emancipao.
Essa relao dos movimentos sociais no contexto internacional com o
surgimento da educao popular est expressa na nota de rodap de Paulo Freire,
em Pedagogia do oprimido:
Os movimentos de rebeldia, sobretudo de jovens, no mundo atual, quenecessariamente revelam peculiaridades dos espaos onde se do,manifestam, em sua profundidade, esta preocupao em torno do homem edos homens, como seres no mundo e com o mundo. Em torno do que e docomo esto sendo. Ao questionarem a civilizao do consumo, aodenunciarem as burocracias de todos os matizes; ao exigirem atransformao das Universidades, de que resulte, de um lado - odesaparecimento da rigidez nas relaes professor-aluno; de outro - ainsero delas na realidade; ao proporem a transformao da realidademesma para que as Universidades possam renovar-se; ao rechaaremvelhas ordens e instituies estabelecidas, buscando a afirmao doshomens como sujeitos de deciso, todos estes movimentos refletem osentido mais antropolgico do que antropocntrico de nossa poca
(FREIRE, 1981, p. 29-30).
Essa citao contm elementos que compem a compreenso de Freire
sobre os movimentos sociais e que coincidem com grande parte das definies que
encontramos em autores que estudam o tema.
Os movimentos sociais:
a) so aes coletivas, com certo nvel de organizao;
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
32/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
32
b) so portadores de uma rebeldia que impulsiona as mudanas na
sociedade;
c) so localizados, respondendo a desafios especficos de uma classe, de
um grupo social, de uma questo social emergente;
d) so ao mesmo tempo portadores de uma preocupao essencial, de
carter universal, que no caso seria a busca de humanizao;
e) so lugares de constituio do homem e da mulher como sujeitos;
f) da atualidade indicam a ultrapassagem de uma viso antropocntrica em
direo a uma viso antropolgica.
Importa destacar o fato de que a educao popular, em sua origem,
praticamente se encontra fundida com os movimentos sociais populares. Na medida
em que ela corresponde a uma pedagogia do oprimido (e no para ele), a fonte de
inspirao ser o prprio movimento da sociedade.
Os movimentos sociais populares so considerados por Freire como a
grande escola da vida. Neles, a ao por melhorias concretas no bairro ou das
condies de vida anda de mos dadas com a reflexo sobre o entorno e sobre
estratgias de luta. De acordo com Freire; Nogueira (1989, p. 66): por esse
caminho, (...), que o Movimento Popular, vai inovando a educao Eles so uma
fora instituinte nas prticas educativas.
A ao dos movimentos, por outro lado, no gera a sua pedagogia em um
vazio terico. Nesse contexto, pode-se apenas lembrar que existe uma rica tradio
pedaggica pouco integrada na reflexo terica, mas que funciona como um
manancial subterrneo que alimenta as novas experincias. Talvez a figura maisexpressiva seja Jos Mart, com sua insistncia na formao de homens e mulheres
para o que ele chamava de nossa Amrica, uma educao que reconhecesse as
peculiaridades deste subcontinente e que formasse cidados e governantes para as
jovens naes que aqui nasciam. H uma longa lista de nomes que merecem ser
trazidos luz das discusses, entre eles Jos Maritegui (Peru), Jos Pedro Varela
(Uruguai), Nsia Floresta (Brasil), Elizardo Prez (Bolvia) e Gabriela Mistral (Chile).
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
33/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
33
O caminho para uma refundamentao consistente passa pela apropriao crtica
dessa memria submersa e subversiva.
O estado da discusso
Verifica-se nos ltimos anos uma preocupao crescente em torno do tema
da educao popular e dos movimentos sociais. Os motivos para isso so diversos,
mas Streck (2010) destaca como o principal deles a necessidade de reencontrar-se
com prticas sociais que hoje traduzem efetivas perspectivas de transformao.
Como assinalado por Pedro Pontual (2008, p. 3) na apresentao de um
nmero especial da revista La Pirgua inteiramente dedicado ao tema em pauta,
com o ttulo de capa Educacin Popular y movimientos sociales hoy: nuevos retos y
compromisos: Los movimientos sociales son el sujeto poltico protagonista de las
mas sustantivas transformaciones histricas em nuestro continente y de las prcticas
de educacin popular1. Ou seja, h em sua viso uma coincidncia entre aes
transformadoras na sociedade e na educao popular, ambas impulsionadas pelos
movimentos sociais.
Na abertura de outra obra que rene reflexes de pesquisadores brasileiros
e portugueses, encontramos ainda de maneira mais explcita a busca de lugares que
estejam fora ou na margem do mbito da institucionalidade das polticas de
educao dirigidas a pblicos adultos e que se conforma aos ditames da nova
economia. Nas palavras de Rui Canrio, no prefcio do livro Educao popular e
movimentos sociais (2007, p. 8):
Transitou-se de uma perspectiva de humanizao do desenvolvimento ede promoo social, imagem de marca do movimento de educaopermanente impulsionado pela UNESCO, para uma clara subordinaofuncional da formao de adultos a uma racionalidade econmica, em queimpera a lgica e o poder das empresas multinacionais.
O objetivo da publicao por ele referida , por um lado, questionar essa
compreenso estreita da educao de adultos e, por outro, identificar
1 Os movimentos sociais so o tema de liderana poltica das transformaes mais substantivas na histrica donosso continente e das prticas de educao popular.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
34/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
34
potencialidades de emancipao na ao transformadora. Mais uma vez, o olhar se
volta para os movimentos sociais.
Um terceiro livro inicia com uma referncia exausto do modelo de
organizao social que no mais corresponde s mais generosas aspiraes dos
Humanos e do Planeta. Afirma Callado (2008, p. 10), prefaciador do livro Educao
popular e movimentos sociais: aspectos multidimensionais na construo do saber:
Os Movimentos Sociais Populares com projeto alternativo de sociedade emergem
como protagonistas principais no atual cenrio socio-histrico. A possibilidade de
uma outra sociedade estaria vinculada a uma efetiva organizao dos ncleos ativos
que se encontram na base.
A coincidncia dos ttulos sinaliza que se est diante de um tema prioritrio
para a educao popular. Tendo a leitura do mundo como um de seus axiomas
bsicos, esta preocupao corresponde experincia de ter que redefinir o lugar de
onde feita essa leitura. Consultam-se ento os cientistas sociais para compreender
a dinmica dos movimentos sociais e encontram-se ali surpresas nas discusses.
Por exemplo, quem no ouviu falar dos novos movimentos sociais? Ou dos
novssimos? Vejamos o que diz Follari (2008, p. 21 apud STRECK, 2010) a esse
respeito:
Los "nuevos movimientos sociales" no siempre son nuevos; como en elcaso de los indgenas o los grupos cristianos, resulta absurdo denominarlosas. Lo que siempre es nuevo, es su descubrimiento por parte de losintelectuales, que apelaron a ellos cuando se quedaron sin discursopropositivo em los aos noventas, trs la cada del socialismo real. A faltade sociedad alternativa, bueno resulto hablar de la sociedad civil2.
O mesmo autor desmistifica a relao maniquesta entre os bons
movimentos sociais e as ms instituies polticas. Segundo ele, ambos cumprem
funes diferentes e so necessrios na sociedade. Os movimentos sociais no
podem funcionar como partidos polticos e governos, nem desempenhar o papel
2 Os "novos movimentos sociais" no so sempre novos, como no caso dos grupos indgenas e dosgrupos cristos, resultando no absurdo de cham-los assim. O que sempre novo a descoberta porintelectuais, que recorreu a eles quando se enquadraram no discurso dos anos 90, aps a queda do
socialismo real. A falta de sociedade alternativa, expressa bons resultados para falar sobre asociedade civil.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
35/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
35
destes; da mesma forma, se a racionalidade dos movimentos sociais que por
natureza tem um foco de ao restrito prevalecesse, perder-se-ia a tenso entre
as singularidades dos movimentos e as polticas gerais.
Com base no que sabemos sobre a relao entre movimentos sociais e
educao, os estudos podem ser divididos em dois grandes blocos, que na realidade
so as duas faces do mesmo fenmeno. Por um lado, procura-se compreender a
pedagogia dentro do movimento, no sentido de potencializar os processos ali
desenvolvidos e extrapolar as lies para outros lugares pedaggicos, com base no
pressuposto de que ali ocorrem aprendizagens que podem servir de referncia para
outros contextos pedaggicos. Por outro lado, outra dimenso dos estudos o
movimento, em si, como um momento pedaggico para a sociedade.
Dentre as aprendizagens nos movimentos podem ser destacados os
seguintes:
a) o redimensionamento do popular, ampliando o seu significado para alm
da tradicional viso classista;
b) o enraizamento como uma necessidade para uma educao que se
prope a reconstruir identidades;
c) ao mesmo tempo, a ruptura e a insurgncia como parte da pedagogia dos
movimentos sociais;
d) a participao como um princpio metodolgico, uma vez que a
solidariedade entre os integrantes de um movimento constitutiva do prprio
movimento;
e) uma nova compreenso de sujeito, como emergncia na ao e nocomo instncia fixa;
f) a produo de saberes especficos da rea de atuao dos movimentos
sociais, tais como ecologia, direitos humanos, a questo da terra e moradia;
g) a relao com o poder, devendo este ser recriado em funo tanto da
eficcia da ao quanto da solidariedade interna;
h) o redimensionamento do local e do global.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
36/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
36
Em termos de significado para a sociedade, os movimentos sociais se
caracterizam por introduzir o conflito como um elemento pedaggico. A mdia
desempenha um papel fundamental nesse ensino baseado nos movimentos
sociais. H, hoje, uma forte tendncia nos meios de comunicao hegemnicos
criminalizao dos movimentos sociais, classificando os seus integrantes como
perturbadores da ordem e, portanto, sujeitos represso policial (SEONE, 2008
apudSTRECK, 2010).
Em contrapartida, os prprios movimentos criam estratgias pedaggicas
muito efetivas. A prtica do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
de visitar cidades e estabelecer dilogo com igrejas, entidades e rgos pblicos,
certamente contribuiu para que, apesar das represses, se encontrasse
disseminado na opinio pblica um reconhecimento de justia na causa da luta dos
trabalhadores sem-terra. Atualmente, cada vez mais, a Internet ajuda a construir
redes de informao alternativas que fazem o contraponto opinio emanada em
meios de comunicao, aos quais o povo s tem acesso como espectador ou
coadjuvante nos programas das tardes de domingo.
A agenda dos movimentos sociais e da educao popular
A tendncia anteriormente indicada de reencontro da educao popular com
os movimentos sociais indica tambm que houve um distanciamento, quando no
um divrcio. Um dado importante que a crise dos movimentos sociais, associada
queda do muro de Berlim, em 1989, coincide, na educao popular, com a busca de
refundamentao ou, como querem alguns, de refundao. Passada a avalanche
neoliberal, o momento atual parece traduzir-se exatamente por esse reencontro
numa luta j com contornos um pouco mais definidos.
Roberto Leher (2007, p. 20) aponta que as contradies ensejadas pelas
polticas de ajuste estrutural neoliberal provocaram relativa ascenso das lutas
sociais, assim como recolocaram na agenda dos movimentos sociais a necessidade
de repensar suas estratgias. Por isso, segundo ele, possvel verificar um
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
37/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
37
extraordinrio revigoramento da educao popular e, em particular, da formao
poltica.
O revigoramento referido por Leher talvez corresponda mais propriamente a
um deslocamento de foco e uma viso mais clara do panorama que se coloca diante
de ns. Streck analisa dois aspectos deste panorama, cruzando na discusso a
perspectiva dos movimentos sociais e da educao popular. So eles: a
configurao de novos territrios de resistncia e suas pedagogias; e as novas
governabilidades e suas formas de regulao.
Os territrios de resistncia e suas pedagogias
O Frum Social Mundial, cuja primeira edio ocorreu em 2001 e que
retornou a Porto Alegre em 2010, revelou que, em paralelo globalizao do
mercado, existe tambm uma confluncia de movimentos que buscam novas formas
de regulao coletiva e democrtica.
O livro Mundializacin de las resistencias (Amin & Houtart, 2004 apudSTRECK, 2010) d um panorama desses movimentos em todos os continentes em
que pesem as diferenas decorrentes das especificidades do contexto social,
econmico e cultural, h ampla convergncia expressa no slogando Frum Social
Mundial: Um outro mundo possvel.
Desde a luta dos Dalits na ndia aos movimentos indgenas e campesinos na
Amrica Latina, comea a haver a construo de uma agenda comum como sinal do
reconhecimento da necessidade de superar a clssica fragmentao dos
movimentos sociais em busca da construo de um mundo no qual, na bela
expresso dos zapatistas, caibam todos (STRECK, 2010).
O mapa dos movimentos sociais na Amrica Latina tambm surpreende pela
quantidade e variedade. Em resumo, segundo o estudo de Caccia Bava e Santos
(2008 apudSTRECK, 2010), as regies apresentam as seguintes caractersticas:
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
38/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
38
a) no Mxico, na Amrica Central e no Caribe, o estudo aponta o grande
esforo para garantir direitos;
b) na zona andina, em virtude da maior polarizao entre direita e esquerda,
luta-se por uma refundao democrtica, de carter mais radical;
c) no cone sul, onde a institucionalidade democrtica foi capaz de integrar
novos atores polticos, o conflito se processa por meio de canais de participao
dentro de uma proposta de carter reformista.
Trata-se de um mapa em permanente mudana, segundo a prpria dinmica
reativa e propositiva dos movimentos sociais em relao aos desafios da conjuntura.
Nessa viso panormica da sociedade, merece ateno a ideia de territrio,
por sua vez associado com a luta de resistncia. Um movimento social , por
princpio, a busca de um outro lugar social. Ele se d a partir daqueles que rompem
a inrcia e se negam a continuar vivendo no lugar que historicamente lhes estava
designado. Partindo desse mover-se, formam-se territrios que se orientam por uma
lgica distinta da hegemnica. Conforme a definio de Zibechi (2008, p. 31): El
territrio es entonces el espacio donde se despliegan relaciones sociales diferentes
a las capitalistas hegemnicas, aquellos lugares en donde los colectivos puedenpracticar modos de vida diferenciados3.
O autor comenta a seguir que a ideia de territrio introduzida pelos povos
indgenas unida s noes de autonomia, autogoverno e autodeterminao significa
uma verdadeira revoluo terica e poltica, porque pressupe a possibilidade de
uma nova distribuio do poder, rompendo a centralizao exclusiva no Estado-
nao.
No caso da Bolvia, esse novo territrio construdo pela revoluo
democrtico-popular que se realiza e ganha novo mpeto com a eleio do primeiro
presidente indgena, Evo Morales. Uma novidade dessa revoluo ser entendida
essencialmente como um processo cultural, que traz novas vises e outros valores
para conformar a organizao social. Trata-se nada menos do que do desafio de
estruturar a sociedade para que todas as culturas tenham espao em um Estado
3 O territrio , ento, o espao onde as diferentes relaes sociais e da hegemonia capitalista se relacionam, solocais onde os grupos podem praticar diferentes estilos de vida.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
39/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
39
plurinacional e pluricultural. Engana-se, no entanto, quem imagina que essa
conquista surge do nada. Ela se d tanto no contexto de lutas recentes pela gua e
pelos minerais, quanto pela memria de experincias revolucionrias como
Warisata, uma escola idealizada e desenvolvida dentro da comunidade indgena,
com base nela e com ela. H, no caso, uma importante ressignificao do sentido de
indgena, como explicado nesta passagem:
Lo indgena no es tanto un retorno al pasado o a la vivencia de una tradicinancestral, sino ante todo, lo indgena desde la perspectiva poltica es unproyecto de sociedad en construccin, que apela a la raz ancestral y eligedel pasado (o crea) elementos simblicos y discursos relevantes para el
presente y el futuro
4
(CENPROTAC, 2006, p. 25 apudSTRECK, 2010).
Tambm os zapatistas compreendem que no existe apenas uma forma de
governo e que, com base na autonomia, possvel encontrar mltiplas alternativas
de organizao e administrao da sociedade. O seu mandar obedecendo, quebra a
lgica da autoridade vertical e prope uma compreenso de poder como servio
baseado na condio indgena e revolucionria. Seu ideal revolucionrio no
transformar o Mxico num territrio zapatista, mas a construo de uma sociedade
na qual haja lugar para todos. "Por trabalhar nos matam, por viver nos matam. No
h lugar para ns neste mundo de poder.
Do ponto de vista pedaggico, o reconhecimento desses territrios de
resistncia e de experimentao poltica importante porque implica o encontro com
pedagogias distintas nesse multiforme e cambiante mapa de territorialidades.
A pedagogia do oprimido desdobra-se em pedagogias, no plural: de grupos
juvenis, de direitos humanos, de ecologia, dos sem-teto, da terra e muitas outras. Aeducao popular passa a ser uma espcie de metapedagogia que abriga essas
diferenas, tendo como desafio manter, na expresso segundo Paulo Freire, a
unidade na diversidade.
4 O ndio no tanto um regresso ao passado ou a experincia de uma tradio antiga, mas acima de tudo, os
indgenas, do ponto de vista poltico, uma construo social que apela a raiz ancestral a escolher o ltimo (oucriar) os elementos simblicos e discursos relevantes para o presente e o futuro.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
40/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
40
A tarefa no consiste na pretenso de educar os movimentos no sentido de
enquadr-los num mesmo esquema, mas permitir a emergncia de novas
possibilidades pedaggicas. Para isso necessrio afinar o olhar.
So inmeros os exemplos de prticas educativas que se valem de
estratgias diferenciadas e que a partir disso enriquecem o j vasto campo da
educao popular.
As novas governabilidades
A Amrica Latina se caracteriza no cenrio mundial por ter sido o lugar de
experimentao das polticas neoliberais, implantadas sob o peso de ditaduras.
Paradoxalmente tambm o lugar onde mais cedo se verificaram os movimentos de
resistncia. Um exemplo importante da mobilizao popular para participar nas
decises de sua cidade o Oramento Participativo implantado em Porto Alegre no
ano de 1989 pela Administrao Popular, representando o acmulo de muitas outras
experincias de participao popular que estavam ocorrendo no Brasil.
A Amrica Latina tambm o continente que abrigou o Frum Social
Mundial, um fato emblemtico na busca de alternativas ao pensamento nico
fomentado pela globalizao com base nos interesses do mercado (STRECK, 2010).
Nos ltimos anos, o mapa poltico revela uma forte inclinao para a
esquerda com a eleio de governantes identificados, em graus diferenciados, com
polticas que introduzem atenuantes ao neoliberalismo dominante em dcadas
anteriores. Isso tem algumas implicaes importantes para os movimentos sociais e
para a educao popular.
Por um lado, seria contraditrio no reconhecer que a presena desses
governos se deve intensa mobilizao da sociedade, com conflitos que custaram a
vida de muitos concidados.
A eleio de Lula no Brasil, de Evo Morales na Bolvia, de Fernando Lugo no
Paraguai, de Rafael Correa no Equador e de Jos Mujica no Uruguai, apesar das
diferenas, foi festejada como uma vitria de foras que foram construindo sua
participao no poder ao longo de dcadas.
7/31/2019 EDUCAO E CULTURA--MDULO 7
41/54
Site: www.ucamprominas.com.brE-mail:[email protected] ou [email protected]
Telefone: (0xx31) 3865-1400Horrios de Atendimento: manh - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas
41
Por outro lado, paira no ar um sentimento de que as mudanas esto muito
aqum do esperado. Da tenso entre a conquista pelos movimentos sociais e da
fora das elites para manter o seu poder, surge o que Zibechi (2008, p. 103 apud
STRECK, 2010) chama de novas governabilidades:
Son el punto de interseccin entre los movimientos (no como institucionessino como capacidad de mover-se) y los estados, y a partir de ese"encuentro", en el proceso de encontrar-se, van naciendo las nuevas formasde dirigir estados y poblaciones. Ms que punto o puntos de encuentro,quiero dar la idea de algo mvel y en construccin y re-construccinpermanente. O sea, que las nuevas governabilidades no son ni unaconstruccin unilateral ni un lugar fijo, sino una construccin colectiva y enmovimiento5.
J no estaramos no contexto de Estados de bem-estar social, nem de
Estados neoliberais num sentido estrito, mas em Estados que procuram manter a
sobrevivncia das polticas existentes com novas formas de legitimao e com
novas estratgias de governar os movimentos de baixo. Exemplos disso so as
polticas compensatrias, os muitos tipos de bolsa que interferem
Top Related