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DEUTSCHERWERKBUND100 ANOSDE ARQUITETURAE DESIGNNA ALEMANHA

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Deutscher Werkbund100 anos de Arquitetura e Design na Alemanha

Uma exposição do Museu de Arquitetura da TUM – Universidade Técnica de Munique e do ifa – Instituto de Relações Internacionais, Stuttgart (www.ifa.de), em correalização com o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) e a Secretaria Municipal de Cultura e o Centro Cultural São Paulo (CCSP).

A exposição tem o apoio da temporada Alemanha + Brasil 2013-2014.

Direção do projetoWinfried Nerdinger

Em colaboração comMirjana Grdanjski e Irene Meissner

Diretora do Departamento de Arte, ifa StuttgartElke aus dem Moore

Organização, coordenação da itinerância no estrangeiro, ifa StuttgartInka Gressel

Organização e coordenação geral da itinerância no Brasil Martin Gegner e Sören Metz

Direção do DAAD no BrasilChristian Müller

Direção do Centro Cultural São Paulo (CCSP)Ricardo Resende

Organização e coordenação (CCSP)Márcio Harum

Design e montagem da exposiçãoBeate Rosalia Schmidt

Design dos painéis da exposiçãoIrene Meissner e Mirjana Grdanjski

Design das etiquetas dos objetos expostosAgnes Weegen

EditorialMartin Gegner e Sören Metz

TraduçãoVirginia Blanc de Sousa

Revisão de textos e tradução da apresentação da edição brasileiraRaquel Alves dos Santos

ReproduçõesReproline Genceller, Munique; Vijoga Papelería Técnica, Zamora

ModelosDepartamento de História e Teoria da Arquitetura (GTA) da Universidade Técnica de Darmstadt

Design gráficoAtual Design, São Paulo baseado em projeto do 4G Estudio Gráfico, Zamora

ImpressãoMedgrafpress

Pelo generoso apoio da exposição itinerante através de empréstimos, agradecemos ao Architekturmuseum der Technischen Universität München, Fachgebiet Geschichte und Theorie der Architektur (GTA) der Technischen Universität Darmstadt, Institut für Darstellen und Gestalten L1 und Architekturgeschichte, Universität Stuttgart, Arbeitsgemeinschaft Werkbundsiedlung München, Stankowski-Stiftung, Stuttgart.

CopyrightAutores, Fotógrafos, VG Bild-Kunst, Bonn 2008

Cover imagesWilhelm Wagenfeld, Herzvasen, 1935; © Die Neue Sammlung – Staatliches Museum für angewandte Kunst | Design in der Pinakothek der Moderne, München. Foto: Alexander LaurenzoHermann Gretsch: Coffee and tea set ‘1382’, 1931; © Die Neue Sammlung – The International Design Museum Munich. Foto: Alexander LaurenzoAndré Lurcat: Werkbund housing estate, Vienna, 1932; © & Foto: Margherita Spiluttini© VG Bild-Kunst, Bonn 2007

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Apresentação da Edição Brasileira

O Deutscher Werkbund, fundado em 1907 e em atividade até

hoje, é conhecido no Brasil somente em círculos especializados,

muito provavelmente por ele não ser e nem ter sido uma escola de

conceitos, mas sim uma associação, no qual seus próprios dire cio­

namentos formais e políticos eram de tempos em tempos discutidos

internamente de forma intensa. Essa é a diferença essencial entre

o Deutscher Werkbund e a Bauhaus, uma vez que este último é

considerado no Brasil a mais alta representação do modernismo

ale mão na arquitetura, no design e na arte. Desconhecido ficou,

no entanto, o fato de o Deutscher Werkbund ter sido o primeiro

movimento em prol de estabelecer uma arquitetura mais adequada

à era da industrialização, bem como de fundar os conceitos de um

design industrial mais funcional.

Entretanto foi esta associação de artistas, arquitetos e empresários

que, com a intensão de fabricar produtos industriais de alta qualida­

de, fundou, ainda antes da primeira guerra mundial, o design indus­

trial e o corporativo. Já no primeiro ano de guerra, em 1914, a grande

exposição do “Werkbund“ causou furor em Colônia. Nesse momen­

to, tornou­se alvo público a arquitetura moderna, primeiramente,

na forma das construções de Henry van de Velde, Walter Gropius e

Bruno Taut. Em 1924 foi elaborado o catálogo programático “Forma

sem Ornamento“ [„Form ohne Ornament“] para a exposição “A for­

ma“ [„Die Form“]. Três anos depois, em 1927, uma das mais famosas

exposições de arquitetura moderna foi realizada no Weiβenhof em

Stuttgart e atribuída a Bauhaus. No entanto, ela foi concebida por

iniciativa e sob a égide do Deutscher Werkbund.

No nacional­socialismo, o Deutscher Werkbund tentou, primeira­

mente, adequar­se, mas foi logo extinguido em 1938. Depois da

segunda guerra mundial o Werkbund voltou a ser inovador em vá­

rios aspectos. Em 1959 a questão ecológica passou a ser tema das

discussões internas da associação; 13 anos antes do Club of Rome

se expressar proeminentemente sobre o assunto. Mais tarde, o

Uma associação no qual seus próprios direcionamentos formais e políticos eram de tempos em tempos discutidos internamente de forma intensa.Essa é a diferença essencial entre o Deutscher Werkbund e a Bauhaus.

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Deutscher Werkbund levantou, de maneira mais uma vez pioneira,

a discussão sobre os temas da sociedade do desperdício, dos planos

participativos e da destruição das cidades. Entretanto, até mesmo

na Alemanha este pioneirismo do Deutscher Werkbund não teve o

reconhecimento merecido.

Essa situação só veio a mudar com a grande exposição sobre Deutscher

Werkbund que Manfred Nerdinger realizou juntamente com sua equi­

pe do Museu de Arquitetura da Universidade Técnica de Munique

(TU München) em cooperação com a área de GTA (História e Teoria

da Arquitetura) da Universidade Técnica de Darmstadt (TU Darmstadt)

para a comemoração do centenário de criação do Werkbund. Depois

de um recorde de público em Munique, a exposição, organizada pelo

Instituto de Relações Internacionais de Stuttgart (IFA) seguiu em turnê

por vários países europeus.

Na América Latina, a exposição fará sua primeira estadia no Centro

Cultural São Paulo entre os dias 29 de março e 18 maio de 2014.

Outras itinerâncias desse lado do Atlântico seguirão em direção a

Montevidéu, La Paz e Santiago do Chile. O Serviço Alemão de Inter­

câmbio Acadêmico (DAAD) e a Universidade Técnica de Munique

(TU München), encarregados pela organização local da exposição,

sentem­se muito honrados em poder sedia­la em uma instituição

que além de ser ícone da arquitetura moderna de São Paulo, é tam­

bém bastante voltada à arquitetura moderna (alemã). O prédio foi

a maior sede da 13ª Bienal de Arquitetura em 2013 e já em 2011

sediou o pavilhão alemão da 12ª Bienal de Arquitetura.

Assim, gostaríamos de agradecer a Ricardo Resende, Marcio Harum,

Cláudia Afonso e Priscilla Maranhão pela excelente cooperação.

Em especial gostaríamos também de agradecer a Inka Gressel do

Instituto de Relações Internacionais (IFA) que nos ajudou com to­

das as questões técnicas e esteve à disposição com conselhos

e ações sempre que precisamos. Pelo apoio financeiro e outros

apoios, agradecemos a „Temporada Alemanha+Brasil 2013­2014“ e

ao Centro Alemão de Ciência e Inovação São Paulo (DWIH­SP) na

pessoa de Anja Grecko. Sem a ajuda da Embaixada alemã nas pes­

soas do Sr. Embaixador Wilfried Grolig, do Sr. Conselheiro para Assun­

tos Científicos e de Intercâmbio Acadêmico, Dirk Schüller e da Sra.

Friederike Melzner, bem como do Consulado alemão em São Paulo,

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nas pessoas do Sr. Cônsul­Geral da Alemanha, Friedrich Däuble e

Sr. Cônsul Ralf Heinkele, seria impossível realizar essa exposição, a

eles deixamos também o nosso muito obrigado. A Christian Müller

e Bettina Dungs do DAAD no Rio de Janeiro, agradecemos imensa­

mente pela ajuda em todas as questões formais. Por fim, agra decemos

a Christoph Strieder pela versão em português desse “pequeno” ca­

tálogo. Nosso maior agradecimento direcionamos ao Prof. Manfred

Nerdinger e a Dra. Irene Meissner da Universidade Técnica de Munique

(TU München) que nos foram acessíveis não somente em questões re­

ferentes ao conteúdo, mas também pela possibilidade da visita guiada

pelo Museu de Arquitetura da TU München.

A todos os visitantes da exposição e todos os leitores e leitoras desse

catálogo desejamos uma aproximação e um acesso ao Werkbund de

muita informação e divertimento.

São Paulo, março de 2014

Martin Gegner e Sören Metz

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As Novas Formas da Cultura na Era Industrial

Frederic J. Schwartz

Nenhum historiador de arquitetura coloca em dúvida a importância dos anos da fundação do Deutscher Werk­

bund antes da Primeira Guerra Mundial. Foram os anos dos primórdios da arquitetura moderna, das influentes

experiências iniciais no domínio da arquitetura industrial de Peter Behrens, Walter Gropius, Bruno Taut e outros.

No geral, estas obras são valorizadas na medida em que souberam antecipar o desenvolvimento posterior do

movimento moderno “Neues Bauen” (Nova Forma de Construir), por exemplo, nos edifícios de Le Corbusier, entre

as duas guerras, de Gropius, na Bauhaus, ou nas obras mais tardias de Ludwig Mies van der Rohe. Estes pioneiros

do Werkbund parecem anunciar a chegada de uma arquitetura que admite decididamente a modernidade in­

dustrial, aceitando na íntegra a geometria, a impessoalidade e a normalização da produção fabril.

Este olhar para trás através da lente do posterior Estilo Internacional (“International Style”) não só distorce a im­

portância do Werkbund, como, no fundo, também distorce o objetivo específico dessa instituição que era até

então tão extraordinária. Por um lado, este olhar para trás é redutor, porque levanta a questão de saber em que

medida é que se pode considerar o Werkbund como um precursor da Bauhaus ou de Le Corbusier; por outro,

este olhar nos afasta do contexto no qual o Werkbund era entendido pelos seus próprios membros e pelos outros

nos primeiros anos do século XX. Isto porque os desenvolvimentos dos anos vinte e trinta representam a resposta

arquitetônica a uma fase tardia da modernidade, em uma altura em que se deixou de poder pressupor a hege­

monia cultural da burguesia, em que a prosperidade da “Gründerzeit” (época da fundação do Império Alemão) foi

reconhecida como instável e em que o capitalismo cultural parecia fixado de acordo com os modelos americanos

– cinema e Broadway – a “Indústria Cultural” segundo Theodor W. Adorno. O momento da reforma burguesa antes

da Primeira Guerra Mundial tinha uma estrutura e uma tonalidade totalmente diferentes. Era uma época em que

os efeitos da modernização já tinham se tornado reconhecíveis, mas ainda não se exibiam em sua totalidade,

uma vez que ainda não se encontravam envoltos no manto da familiaridade e da normalidade, destacando­se

ainda nítida e visivelmente em relação aos modelos e processos de produção e consumo anteriores. Os debates

sobre a cultura, dos quais surgiu o Werkbund, abarcavam, assim, a tentativa de compreender a essência de uma

modernidade que era entendida como algo novo, capitalista e assustador, mas, ao mesmo tempo, aberto a ne­

gociações e intervenções.

Este discurso sobre a cultura trazia agarrado a si um “pathos” que hoje nos é estranho. Mas a oscilação entre deses­

pero e utopia não deve nos impedir de ver o fato de que essas questões levantadas no final do Império Alemão

continuam ainda, em certa medida, vigentes. Os debates que deram origem a tendências reformistas como a do

Deutscher Werkbund, estão relacionados, nada mais nada menos, com a questão da cultura sob as condições do

capitalismo industrial: a sua natureza, os seus problemas e o seu potencial.

O arquiteto Fritz Schumacher exprimiu, no seu discurso programático na reunião da fundação do Werkbund, em

apenas três palavras, a grande preocupação e intenção da instituição. Descrevia os objetivos do grupo não como

um melhoramento puramente estético das artes aplicadas ou da unidade entre arte e indústria, como tão frequen­

temente citado (tendo a Bauhaus em mente), mas como uma “reconquista de uma cultura harmônica”.1 É necessário

refletir melhor sobre ambas as implicações desta significativa declaração de Schumacher, implicações essas que

eram evidentes para os círculos cultos da época: em primeiro lugar, que a verdadeira cultura é, pela sua essência,

sempre “harmônica” e em segundo lugar, que essa harmonia tinha se perdido. Com esta visão da cultura, a burguesia

define­se através de uma análise contundente e irrefutável da modernidade, tal como a burguesia a entendia.

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Esta análise era não só complexa como também ambivalente. Era, além disso, otimista, na medida em que os

pensadores burgueses estavam conscientes de que o seu mundo estava em mutação e que tinham agora a

possibilidade de o transformar de um modo novo, de um modo moderno, que – assim esperavam – represen­

taria um mundo cujas condições seriam determinadas pela sua classe. No entanto, esta análise era seriamente

perturbada pela percepção de que o mundo que iriam herdar se encontrava em uma profunda crise política e

cultural caracterizada pela alienação e profundamente dividido pelas forças da modernização capitalista, que por

vezes parecia ter ficado fora do controle. A industrialização e a economia de mercado tinham deixado cicatrizes

profundas na sociedade alemã no início do século XX. A transformação dos pequenos estados, originalmente

feudais, em uma nação industrializada com centros de poder urbanos, bem como o crescimento de um grande

proletariado urbano e de uma burguesia profundamente inquieta foram mais rápidos e completos do que na

maioria dos outros estados europeus.

Quando a crença liberal otimista de que uma economia de mercado livre conduziria a uma sociedade ordenada

e próspera começou a perder força, a nova modernidade incômoda do final do século XIX passou a ser descrita

das mais variadas formas opostas entre si. Basta pensar, por exemplo, na análise de Karl Marx sobre o trabalho e as

classes ou no conceito de Max Weber de um “mundo desencantado” e na sua teoria da racionalização. Mas os con­

ceitos com maior ressonância na Alemanha foram aqueles que mais tarde Georg Lukács classificou como “anti­ca­

pitalismo romântico”.2 Os críticos de então opunham ao mundo sem alma e racionalizado das cidades anônimas,

a produção em massa e a economia capitalista, que designavam como “sociedade”, a imagem (certamente mitifi­

cada) de uma existência enraizada, unida espiritualmente nas “comunidades” das pequenas cidades do passado.

Ou então confrontavam a “civilização” de um progresso puramente material com uma “cultura” perdida, baseada

em valores espirituais comuns (Fig. 1, 2).

Os textos dos primórdios do Werkbund mostram as raízes românticas, anti­capitalistas, do projeto de uma refor­

ma da arquitetura. No discurso que Hermann Muthesius queria fazer na cerimônia da fundação do Werkbund

(não o tendo podido fazer devido ao seu estatuto de funcionário público prussiano) escreve sobre “a fragmen­

tação e a confusão que ainda se podem observar no trabalho das artes e ofícios” como “uma imagem da frag­

mentação de toda a nossa vida moderna (...)” sendo “a recuperação da harmonia espiritual (...), de momento, a

aspiração mais premente da atualidade”.3 No seu discurso perante o Werkbund, em 1911, Muthesius referia com

admiração a bíblia do anti­capitalismo, o livro de 1890, “Rembrandt als Erzieher” (Rembrandt como Educador) de

Julius Langbehn. Com a crítica do “impulso febril de aquisição das pessoas do século XIX, a ocupação total do

intelecto pelo pensamento científico e técnico”, compreende­se a base ideológica da instituição, que colide, de

modo fundamental, com uma opinião ainda muito difundida, de que o grupo perseguia um princípio “funciona­

lista” e uma aceitação generalizada da produção moderna. O ideário do Deutscher Werkbund centrava­se na ne­

cessidade da expressão intelectual e não da expressão técnica. Estas ideias eram frequentemente extremamente

críticas face ao caminho para a modernidade tomado pela Alemanha e baseavam­se no ideal da recuperação de

uma harmonia considerada perdida (Fig. 3, 4). Eram profundamente retrógradas em sua problemática, tudo isto

apesar do objetivo do grupo ser: transformar o aspecto visual dos objetos do cotidiano, “da almofada do sofá até

o urbanismo”5 e, desta forma, conduzir a cultura em direção ao futuro.

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O discurso cultural do movimento de reforma soa, provavelmente, muito abstrato, mas críticos, artistas e arqui­

tetos traduziam estes conceitos para a linguagem das belas­artes. Peter Behrens, por exemplo, fala, em 1910, “do

objetivo que inicialmente designei como cultura e que até o momento encontrou na História a sua expressão per­

ceptível no estilo”.6 Retomando Friedrich Nietzche, continua, afirmando que essa “unidade na manifestação da for­

ma (é) a condição e o testemunho, simultaneamente, de um estilo. Pois na verdade, aquilo que entendemos como

estilo nada mais é do que a expressão homogênea da forma, resultante da totalidade das expressões espirituais de

uma época”.7 Se o “estilo” caracterizava a representação visível de uma vida sem alienação, os críticos descreviam

então como “moda” o estado inferior das formas modernas, em grande parte identificadas como historicismo do

século XIX. Assim era designado o reprocessamento industrial de formas anteriores, o ritmo rápido com o qual

eram introduzidos modelos novos a fim de sugerir a passagem de moda dos do ano anterior, o ciclo rentável

de uma substituição desnecessária. Na revista “Deutsche Kunst und Dekoration” (Arte e Decoração Alemãs), Karl

Widmer escreve que o historicismo como “um verdadeiro filho da nossa era do vapor. Com a velocidade frenética

da produção em massa moderna de milhares e milhares de produtos do gênio inventivo industrial, é impossível

à capacidade criativa manter o passo [...] Mas que dessa exigência permanente de mudança da moda pudesse

surgir um perigo para os produtores de objetos de artes e ofícios parecia impossível: os museus eram inesgotáveis

e as cópias de modelos antigos podiam ser realizadas com a prontidão exigida pela indústria e o mercado.”8

O problema era constituído pelo fato de, na economia de consumo em expansão na Alemanha, ser atribuído

de uma nova forma um valor de troca às formas visuais. Em um mercado direcionado para as massas, moldado

principalmente em função dos compradores que exprimiam a sua reivindicação de um estatuto social privilegia­

do através da exibição de artigos de consumo ao estilo da antiga aristocracia, os objetos do cotidiano, tal como

expresso pelo crítico Johannes Gaulke, pareciam “existir apenas em função do seu caráter ornamental.”9 Esta foi a

lógica econômica que separou a superfície da estrutura, que tornou a superfície de um objeto em uma superfície

publicitária do produto (Fig. 5). Até a arquitetura – agora na forma de habitação construída para especulação –

seguiu a mesma lógica. As fachadas, assim escreveu Karl Scheffler, autor influente e membro do Werkbund, só

existem agora para “recomendar o objeto comercial para o exterior”.10 “Estas fachadas de edifícios de aluguel só

se tornam diferentes com a chegada dos rebocadores e dos estucadores, com as suas cornijas e ornamentos em

estuque de um qualquer período e estilo, até serem colocados aleatoriamente os telhados e as torrezinhas, com a

sua orgia mais que conhecida de formas ornamentais proletarizadas.”11 Werner Sombart, economista de renome,

crítico de cultura e membro do Werkbund durante um curto período, não se inibiu ao comentar: “Com a conquis­

ta das artes e ofícios pelo capitalismo” a tarefa do artista passava apenas a ser “a participação na moda historicista

e a tradução dos tipos de estilos antigos para o capitalismo”.12 (Fig. 6)

Quando fala de “capitalista”, Sombart quer dizer que se o “estilo” era a língua materna do espírito, a “moda” era a

linguagem distorcida do capital. A moda era entendida como o estado de um caos semiótico que se tinha de­

senvolvido no final do século XIX como resultado de uma cultura capitalista e de um comércio especulativo. A

forma parecia ter fugido do controle; projetava­se a imagem de uma distopia da forma comercializada. A forma,

segundo os críticos da época, tinha caído no círculo vicioso do capital, que gerava os seus lucros através da de­

sestabilização do estado da cultura até então controlado.

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Porém, o “estilo” era naturalmente um mito: os cientistas de hoje deixaram de acreditar na possibilidade de se

captar o “pulsar do tempo” através de um produto artesanal, por mais insignificante e casual que este seja, con­

forme foi formulado então pelo historiador de arte Heinrich Wölfflin.13 Sabemos que a “uniformidade visual” tem

muito mais a ver com as convenções da representação, com as necessidades representativas, com a formação

e, inclusivamente, como considera Adorno, com o poder.14 No entanto, os debates alargados, conduzidos pela

dicotomia de estilo e moda, têm de ser considerados, apesar da sua imaturidade, como um grande feito. A moda

foi o primeiro conceito através do qual o problema de uma cultura, cujo tom era determinado pelo capitalismo,

foi representado e analisado. Representa talvez a primeira teoria significativa da cultura de massas, à qual também

fazem referência teóricos posteriores como Adorno e Walter Benjamin.l5

Não devemos nos equivocar: como análises da modernidade, as teorias sociais, que se desenvolveram a partir do

“anti­capitalismo romântico”, foram radicalmente redutoras. Tinham tendência para minimizar as questões de classe,

da propriedade e dos meios de produção, bem como da distribuição do poder político como meros fenômenos se­

cundários de um movimento abrangente do espírito para uma racionalidade limitada. E, de fato, as discussões sobre

a cultura representaram um discurso nitidamente burguês. São claramente perceptíveis as limitações ideológicas do

discurso sobre a cultura na tentativa feita pelos membros de uma classe de encontrar um sentido no mundo que co­

nheciam e nas suas esperanças para o futuro. Mas, apesar de todas estas limitações, os debates no interior e no exterior

do Werkbund dão uma descrição convincente das mudanças das visões e das disposições íntimas da vida nessa época

e do novo modo como as pessoas percebiam os objetos ao seu redor. A era da indústria e da cultura que os criou con­

duzia a uma maneira historicamente nova e problemática de encarar os objetos da vida cotidiana.

Consideremos a descrição de Muthesius do contexto da queixa generalizada sobre a decadência do gosto na virada

do século XIX: o “perigo da produção em massa reside na nova relação que introduz entre os produtores e os con­

sumidores (...) Na produção individual (...) existiu sempre uma troca de opiniões entre o comprador e o produtor (...)

O produtor aconselhava o cliente sobre o que era tecnicamente adequado e bom (...) Porém, através da produção

em massa, deu­se uma alienação total entre o produtor e o consumidor.”16 Com efeito, o conceito de “alienação”

era mencionado, quase exclusivamente, em referência à troca de produtos nas discussões do âmbito das artes

aplicadas. Mas as palavras de Muthesius não são filhas únicas, pois é frequente discutir a cultura sob o domínio do

capitalismo com os conceitos deste tipo de alienação específico: o do consumidor dos bens que compra e conso­

me. O mesmo encontramos nas ideias sociológicas mais exigentes dessa época. O título do último capítulo do livro

“Philosophie des Geldes” (Filosofia do Dinheiro)17 de Georg Simmel é: “Der Stil des Lebens” (O Estilo de Vida) e oferece

uma fenomenologia espantosa da vida burguesa no contexto da produção em massa (Simmel interessava­se pelas

artes aplicadas e publicou “Deutsche Kunst und Dekoration” (Arte e Decoração Alemãs), um ensaio importante que

fazia referência à fundação do Werkbund18). Tanto na filosofia como na crítica de arte pode observar­se um desvio

importante: não se trata apenas de deslocar o conceito de alienação como um mal que atormenta o trabalhador

(como na tradição de Marx e John Ruskin) para um mal do comprador burguês, como também o consumidor passa

a ser implicitamente definido como sujeito da cultura. Trata­se de uma visão da cultura que generaliza a experiência

da burguesia, mas que, no entanto, a analisa com grande perspicácia. Se os críticos descreviam o estilo dos objetos

do cotidiano do passado como revelação transparente do espírito, agora, segundo Simmel, sob o capitalismo, os

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objetos tinham perdido a sua “determinação espiritual”. Não se tratava aqui, de modo algum, das queixas de estetas

ofendidos, mas sim da experiência fundamental de uma classe que abordava os bens como consumidora. Não era

um mero pessimismo cultural, uma vez que em cada crítica habita a correspondente utopia. A questão que preocu­

pava os artistas dessa época foi formulada, em conformidade, por Heinrich Waentig, um economista próximo dos

círculos das artes aplicadas. Questionava: “A cultura baseada no sistema econômico capitalista é de todo possível?”19

Para os membros do Werkbund a resposta foi um sim avassalador. Acreditavam poder restaurar o estado da cultura,

criar novamente um estilo, um vocabulário visual moderno, que poderia falar com uma só voz em nome da época e

da nação. A sua resposta foi aquilo que designaram como “a espiritualização do trabalho alemão”20.

Como é que esta deveria ser alcançada? A resposta baseava­se em uma compreensão dialética da origem do próprio

problema: a máquina. Se a produção em massa pudesse ser utilizada de outra forma (assim argumentavam personali­

dades como Simmel, Muthesius e outros), esta também poderia vir a ser a solução do problema. A máquina possuía a

capacidade de produzir milhares de vezes bens de alta qualidade. Se estes fossem de um gosto impecável, tornar­se­

­iam eles próprios meios de uniformidade estética. O caminho a percorrer para chegar ali era longo. A indústria tinha

de ser persuadida a produzir bens com responsabilidade estética, sem superfícies ornamentadas, e deixar que os

objetos revelassem a sua verdadeira natureza. Deveriam deixar de tentar falar a linguagem da aristocracia do passado

e mostrar, em vez disso, a realidade sobre a qual se baseava a modernidade: a produção industrial. Daí resultaram as

tentativas do Werkbund de envolver representantes das artes aplicadas no processo de fabricação e de centrar a sua

publicidade na qualidade e durabilidade das formas, contra a mudança rápida das modas. Os consumidores deviam

ser educados. Isto deu lugar a várias campanhas publicitárias de elevada qualidade e ao apoio a concursos de deco­

ração de vitrines. Tratava­se de restaurar a ligação entre produtor e consumidor. Assim, o Werkbund procurou formar

o pessoal do comércio varejista para o aconselhamento dos compradores sobre questões técnicas e organizou vários

projetos como o “Das Deutsche Warenbuch” (Catálogo de Produtos Alemães), para contornar os intermediários e es­

tabelecer uma ligação direta da fábrica com o lar (Fig. 7, 8). A publicidade devia libertar­se da confusão e do ruído do

mercado caótico e mostrar os objetos – como nos inúmeros cartazes de produtos dos artistas do Werkbund – na sua

pureza. As formas dos objetos do cotidiano e dos próprios edifícios (simples e honestas, burguesas e não aristocráti­

cas, modernas e não retrospetivas, sóbrias e não frívolas) deveriam deslocar­se na direção do “típico”. Daí provieram

as muitas tentativas de encontrar soluções estandardizadas que satisfizessem todos e não se tornassem vítimas dos

ciclos da moda: os “Typenmöbel” (móveis em série) das “Deutsche Werkstätte für Handwerkskunst” (associação das

oficinas de artes aplicadas alemãs), as formas exemplares dos produtos de Peter Behrens para a AEG, todo o projeto

de estandardização de formas que, em última análise, se revelou como motivo de divisão do Werkbund.

Mas tudo isto era uma resposta estética a um problema social, por isso não admira que a utopia do estilo acabasse

por fracassar. No entanto, o fracasso deste objetivo ambicioso, nos sete anos que antecederam a modificação da base

social e econômica do país quase até ao irreconhecível, é muito esclarecedor no que se refere aos projetos reformistas

burgueses representados pelo Werkbund. O fracasso revela que o objetivo da organização não era apenas a indus­

trialização da arte como uma espécie de venda de final da temporada ao poder do capital. De fato, o Werkbund pro­

curou utilizar a produção em massa como meio da estetização total da vida cotidiana e distribuir à sociedade os bens

criados por artistas na esperança de que isso pudesse trazer à vida da população uma forma de unidade que tinha se

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perdido (o aspecto esteticista do projeto mostra a continuidade com as raízes “Jugendstil” (Arte Nova) de muitos dos

membros). O Werkbund procurou tomar partido da indústria para domar as energias que esta tinha lançado sobre

a cultura, procurou submeter a indústria ao controle estético. Até se poderia dizer que o Werkbund tinha por meta

utilizar a indústria capitalista para os seus próprios objetivos românticos (culturais) anti­capitalistas.

Este objetivo normativo, prescritivo e elevado de uma cultura unificada estava condenado ao fracasso. Mas o debate

cultural de então e as contribuições do Werkbund para esse debate ajudaram a alcançar alguns conhecimentos fun­

damentais da essência da cultura na modernidade. Por um lado, os protagonistas dos debates do Werkbund enten­

diam que, em uma sociedade em que eram produzidos objetos e estes, por sua vez, eram colocados em circulação

como artigos de necessidade para as massas, a forma visual funcionava de uma maneira qualitativamente diferente

e nova. A análise da moda tinha mostrado que a forma era forçosamente manipulada pelos produtores para criar

uma identidade da marca e para levar os consumidores à compra de determinados bens. Por outro lado, tornou­se

claro que a forma também é manipulada pelos compradores que, com os objetos comprados, exercem um certo

tipo de trabalho cultural. Com o auxílio do vestuário, de móveis, livros e de todos os outros objetos imagináveis, dão

expressão a sua consciência de classe, exigem prestígio cultural e comunicam, de modo diferente, as suas circuns­

tâncias subjetivas. Por outras palavras, o mercado de massas era um domínio caótico que transformava as energias

incríveis da produção em energias igualmente impressionantes da representação. Para além disso, estas discussões

provocaram algo que poderíamos designar como fenomenologia da vida numa sociedade de consumo, uma expe­

riência com objetos, afastados da sua origem, que podem ser utilizados de uma maneira muito mais versátil do que

apenas no seu modo literal e funcional. Uma vez que o significado imediato da produção desaparecia, os invólucros

dos objetos do cotidiano eram preenchidos com novos conteúdos com os quais o sujeito moderno podia emitir e

comunicar afirmações. Deste modo, o objeto alienado seria necessariamente dotado de um significado subjetivo.

As discussões teóricas do círculo do Werkbund tornaram assim claro aquilo que se encontra no centro da atual

teoria da cultura: as funções tradicionais da cultura podem ser exercidas através do mercado e, na modernidade, o

mercado dos consumidores pode tornar­se, ocasionalmente, no espaço cultural mais importante. Nos debates que

se realizaram exatamente há um século podemos reconhecer os antecedentes de nossa própria pós­modernidade.

1 Schumacher, Fritz, Die Wiedereroberung harmonischer Kultur. Ansprache auf der Gründungsversammlung des Werkbunds, Munique, 5 de outubro de 1907, em: “Der Kunstwart”, 21, 1908, vol. 8, pág. 138

2 Lukács, Georg, A Teoria do Romance, 1962

3 De um manuscrito do espólio de Hermann Muthesius, Werkbundarchiv Berlin, Muthesius descreveu este texto como “Chamamento do Werkbund sem utilizar” em: “Werkbundarchiv” 1990, pág. 53

4 Muthesius, Hermann, Landhäuser. Abbildungen und Pläne ausgeführter Bauten mit Erläuterungen des Architekten, München l9l2, pág. l4

5 id. pág. l6

6 Peter Behrens, Kunst und Technik. Conferência de 26 de maio de 1910, na União dos Electrotécnicos Alemães, em: Buddensieg, Tilmann e Henning, Rogge, “Industriekultur: Peter Behrens und die AEG 1907 -1914”, Berlin 1979, pág. D282

7 id. pág. D279

8 Widmer, Karl, Mode und Kunstgewerbe, em: “Deutsche Kunst und Dekoration”, 8, 1905, 4, pág. 252 ss.

9 Gauke, Johannes, “Die ästhetische Kultur des Kapitalismus”, Berlin-Tempelhof, 1909, pág.107

10 Scheffler, Karl, „Die Architektur der Grosstadt“, Berlin l913, pág. 30

11 id., pág. 34

12 Sombart, Werner, „Kunstgewerbe und Kultur“, Berlin 1906, pág. 45 e 55

13 Wölfflin, Heinrich, „Kleine Schriften“, ed. por Joseph Gantner, Basel 1946, pág. 46

14 Horkheimer Max/ Theodor W. Adorno, „Die Dialektik der Aufklärung“, Amsterdam 1942, pág.155 I

15 Schwartz, Frederic J., „Der Werkbund. Ware und Zeichen 1900-1914“, Amsterdam/Dresden 1999, pág. 329-338

16 Muthesius, Hermann, “Die Einheit der Architektur. Betrachtungen über Baukunst, Ingeneurbau und Kunstgewerbe“, Berlin 1908. pág.11

17 Simmel, Georg, “Philosophie des Geldes”, Leipzig 1900

18 Simmel, Georg, „Das Problem des Stils“, em: „Deutsche Kunst und Dekoration“, XI, 1908, vol. 7

19 Waentig, Heinrich, “Wirtschaft und Kunst. Eine Untersuchung über Geschichte und Theorie der modernen Kunstgewerbebewegung“, Jena 1909, pág. 297

20 „Die Durchgeistigung der deutschen Arbeit“ (A Espiritualização do Trabalho Alemão), assim era o título do Anuário do Deutscher Werkbund de 1912

Este texto baseia-se nos argumentos do meu livro “Der Werkbund. Ware und Zeichen 1900 - 1914”

(O Werk doria e Marca 1900 - 1914) Amsterdam/Dresden 1999.

Page 15: Catalogo werkbund 100 anos de design na alemanha

15

Legendas das fotografias:

1 Rua em Augsburg. “Um traçado bom e reto da rua sem saída”, em: Paul Schulze-Naumburg, Kulturarbeiten, t.4: Städtebau, München 1906, pág. 60

2 “Exemplo de um traçado mau e reto da rua sem saída”, em: Paul Schulze-Naumburg, Kulturarbeiten, t.4: Städtebau, München 1906, pág. 61

3 Lado norte do Neumarkt em Colônia, em: “Jahrbuch des Deutschen Werkbundes 1913” (Anuário do Deutscher Werkbund 1913), Jena 1913

4 Lado sul do Neumarkt em Colônia, em: “Jahrbuch des Deutschen Werkbundes 1913” (Anuário do Deutscher Werkbund 1913), Jena 1913

5 Despertador num catálogo de venda por correio. A. Stukenbrok, 1912

6 Werner Sombart, “Kunstgewerbe und Kultur” (Artes Aplicadas e Cultura), Berlim 1908. Volume 26 e 27 da série “Die Kultur” (A Cultura)

7 Louça “Bunzlauer”, em: “Das Deutsche Warenbuch” (O Catálogo de Produtos Alemães), ed. Cooperativa Dürerbund-Wekbund, Leipzig 1915, pág. 95

8 August Endel. Vitrine da “Schuhgesellschaft Salamander” (Sociedade Salamander), em: “Jahrbuch des Deutschen Werkbundes 1913” (Anuá-rio do Deutscher Werkbund 1913), Jena 1913, imag. 96

9 Peter Behrens, Lista de preços de chaleiras da AEG, 1912

Page 16: Catalogo werkbund 100 anos de design na alemanha

As informações apresentadas nos painéis da exposição foram obtidas a partir dos

textos do catálogo original “100 Jahre Deutscher Werkbund 1907-2007”. A revisão

foi feita por: Winfried Nerdinger, Mirjana Grdanjski, Irene Meissner e Markus Eisen.

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Deutscher Werkbund 1907-2007

100 anos de Arquitetura e Design na Alemanha | Deutscher Werkbund 1907-2007

1860–1907 Antecedentes do Deutscher Werkbund

1907–1918 Da fundação à Primeira Guerra Mundial

1918–1933 O Deutscher Werkbund na República de Weimar

1933–1945 As Ideias do Werkbund no Período do nacional-socialismo

1945–1959 O Deutscher Werkbund no Período da Reconstrução

1959–1983 Mudança de Posição e nova Orientação

1983–2007 Fragmentação e Procura de sentido – O Werkbund ainda nos é necessário?

19072007

O Deutscher Werkbund (DWB) foi fundado em 1907, em Munique, com o objetivo de melhorar a qualidade

de todos os produtos produzidos industrialmente, a fim de alcançar de novo uma “cultura harmônica” em um mundo alterado pela industrialização e a urbanização. O trabalho da associação de arquitetos, artistas e empresários, que, segundo a máxima de um dos seus pais espirituais, Hermann Muthesius, se estende “da almofada de sofá até o urbanismo”, reflete, deste modo, a arquitetura, a arte e o design de todo um século nas suas relações políticas e econômicas. Ainda hoje emanam do Werkbund, na qualidade de entidade crítica, incentivos importantes no sentido de melhorar o meio ambiente e as condições da vida.Muitas das consecuções do Werkbund, como a “boa forma” dos produtos industriais ou a imagem corporativa das empresas, tornaram-se tão naturais em todo o mundo que a ligação que tinham com a sua fonte deixou de ser percebida. Do mesmo modo, marcos como a urbanização do Werkbund, de 1927, “Am Weißenhof”, em Stuttgart, uma manifestação de arquitetura moderna pioneira no século XX, a apresentação dos tão admirados novos conceitos habitacionais e da cultura alemã nas exposições de Paris, em 1930 e de Bruxelas, em 1958, ou a primeira chamada de atenção precoce, em 1959, para as consequências ambientais da industrialização e da urbanização, bem como para o desenvolvimento de uma nova consciência relativamente aos recursos e à utilização da técnica, não são hoje praticamente reconhecidas pelo público como iniciativas do Werkbund.A exposição concebida para marcar o centésimo aniversário do Deutscher Werkbund descreve, em sete seções estruturadas cronologicamente, os esforços, os sucessos e as concretizações de uma das instituições mais importantes e influentes do século XX, que também cunhou a vida cultural em outros países europeus.

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19061950

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Deutscher Werkbund 1907-2007

Cronologia do Deutscher Werkbund

1906III. Deutsche Kunstgewerbeausstellung (III Exposição de Artes e Ofícios Alemães) em Dresden. É apresentado o programa de móveis de produção mecânica (“Maschinenmöbel”) de Richard Riemerschmid. Mais tarde, a exposição é designada, em retrospetiva, como “Primeira Exposição do Werkbund”.

1907Agosto: o apelo para a fundação é assinado por 12 artistas e 12 empresas. 5 a 6 de outubro: fundação do Deutscher Werkbund no Hotel Vier Jahreszeiten, em Munique.Presidente: Theodor Fischer

1909Fundação do Deutsches Museum für Kunst in Handel und Gewerbe (Museu Alemão para a Arte no Comércio e nos Ofícios) ou “Werkbundmuseum”, em Hagen, por Karl Ernst Osthaus.

1911Walter Gropius concebe uma exposição de fotografia de edifícios industriais modernos sob a forma de exposição itinerante do Deutsches Museum für Kunst in Handel und Gewerbe.

1912Fundação do Werkbund Austríaco.1.º Anuário do DWB “Die Durchgeistigung der deutschen Arbeit” (A Espiritualização do Trabalho Alemão).

1913Fundação do Werkbund Suíço, Húngaro e Checo.

1914O DWB atinge 1870 membros.Exposição do Deutscher Werkbund em Colónia.7.ª Assembleia Anual: “Typenstreit” (disputa sobre a padronização) Hermann Muthesius e

Henry van de Velde e respectivos partidários.Fundação da Cooperativa Dürerbund-Werkbund.A associação sueca de artes e ofícios Svenska Slöjdföreningen é reestruturada segundo o modelo do DWB.

1915Na Inglaterra é fundada a Design and Industries Association segundo o modelo do DWB.Publicação do “Deutsche Warenbuch” (Livro de Produtos Alemães) da Cooperativa Dürerbund-Werkbund.

1917Exposição do DWB em Basileia, Winterthur e Berna.Lançamento da primeira pedra da “Casa da Amizade”, em Constantinopla.

1919Presidente: Hans Poelzig

1920Fundação do Werkbund Checoslovaco.

1924Exposição do Werkbund “Die Form” (A Forma) em Stuttgart.

1926Presidente: Peter Bruckmann; Vice- -presidente: Ludwig Mies van der Rohe

1927O DWB atinge 2567 membros.Exposição “Die Wohnung” (A Habitação) em Stuttgart. Construção da urbanização do Werkbund “Am Weißenhof” sob orientação artística de Mies van der Rohe.

1929Exposição internacional do Werkbund “Film und Foto” (Cinema e Fotografia) em Stuttgart.Exposição do Werkbund “Wohnung und Werkraum” (Habitação e Espaço de Trabalho), em Breslau, com a urbanização

“An der Grüneiche”

1930“Section allemande” da exposição da Société des artistes décorateurs français, em Paris, organizada pelo DWB.

1933Abril: Ernst Jäckh negocia com Adolf Hitler e Alfred Rosenberg sobre o futuro do DWB.Junho: decisão do Conselho de Direção de transferir a direção do DWB para os nacional-socialistas Carl Christoph Lörcher e Winfried Wendland.O DWB é integrado no “movimento nacional-socialista” e submetido ao “princípio do Führer”.

1936Organização pelo DWB da contribuição alemão para a VI Trienal de Milão.Exposição do Werkbund “Kunst und Kunsthandwerk am Bau” (Arte e Artes Aplicadas na Construção), em Leipzig. 1938O Presidente da Câmara das Belas-Artes do Reich dissolve o DWB.

1947Antigos membros do DWB apelam à “construção de um novo mundo visível da nossa vida e do nosso trabalho” (“Märzaufruf” – Apelo de Março).1.ª Jornada do Werkbund depois da Segunda Guerra Mundial, em Rheydt.

1949Exposição do Werkbund “Neues Wohnen” (Novas Formas de Habitar) em conjunto com “Deutsche Architektur seit 1945” (Arquitetura Alemã desde 1945), em Colônia.

19503.ª Jornada do Werkbund, em Ettal, fundação do Deutscher Werkbund e. V. (associação registada).Presidente: Hans Schwippert

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Deutscher Werkbund 1907-2007

Cronologia do Deutscher Werkbund

19512007

1951Contribuição alemã para a IX Trienal de Milão em colaboração com o DWB.

1952Início da publicação “Werk und Zeit” (Obra e Tempo), revista mensal do Deutscher Werkbund.Outubro: assembleia constituinte do Conselho para o Design com base numa iniciativa do DWB.

1954Mia Seeger, membro do Conselho de Direção do DWB, organiza a seção alemã da X Trienal de Milão.

1955“Deutsche Warenkunde”, um índice em imagens do Deutscher Werkbund é publicado por Mia Seeger e Stephan Hirzel.

1957Equipamento de habitações modelo na Exposição Internacional de Construção e na mostra especial associada “Die Stadt von morgen” (A Cidade de Amanhã), em Berlim.

1958 O DWB tem 673 membros.A contribuição alemã para a Exposição Mundial de Bruxelas é concebida de acordo com um projeto global desenvolvido por Hans Schwippert e marcado pelas ideias do Werkbund.

1959Congresso do Werkbund em Marl: “Die große Landzerstörung” (A grande destruição do território), contribuições programáticas para os problemas do meio ambiente e da urbanização.

1960Encontro do Werkbund em Munique. Walter Rossow lê o manifesto “A paisagem tem de se tornar lei”.

1963Exposição “Heimat, deine Häuser” (Terra natal, as tuas casas), em Stuttgart, com o patrocínio do DWB.

1968Carta Aberta do DWB aos deputados do Bundestag contra a alteração das leis federais da construção e do regime hidrológico.

1971Exposição “PROFITOPOLI$ ou: o homem precisa de uma outra cidade”, em Munique, concebida com base em pensamentos centrais do Werkund.

1973Presidente: Julius Posener

19771.º Debate Internacional do Werkbund “Arquitetura e Participação”, em Darmstadt.

19783.º Debate Internacional do Werkbund “Arquitetura Ecológica – Construir com a Natureza”, em Darmstadt.Início do projeto de casas do Werkbund na urbanização Dörfle, em Karlsruhe.

1979Exposição “Weiter wohnen wie gewohnt?” (Continuar a habitar como habitualmente?), em Hamburgo.Exposição “Von PROFITOPOLI$ zur Stadt der Menschen” (De PROFITOPOLI$ até à Cidade dos Homens), em Munique.

1986Exposição “Schock und Schöpfung” (Choque e Criação), em Stuttgart.16.º Debate do Werkbund “Saneamento urbano é trabalho cultural”.Urbanização do Werkbund “Am Ruhrufer”, em Oberhausen.

1987Evento “O fim do desperdício? Reciclagem na arquitetura e no design”, em Berlim.Fundação da Werkbund Werkstatt Nürnberg.

1989Exposição “ex und hopp. Das Prinzip Wegwerf – eine Bilanz mit Verlusten” (Hoje aqui, amanhã desapareceu. O princípio do descartável – um balanço com perdas), em Frankfurt am Main.

1992Fundação do DWB Sachsen, primeira associação federal nos novos estados federais após a reunificação.

1994Fundação do Laboratorium der Zivilisation – Akademie Deutscher Werkbund (Laboratório da Civilização – Academia do Deutscher Werkbund), em Darmstadt.

1995Exposição “Welche Dinge braucht der Mensch?” (De que objetos precisa o Homem?), em Frankfurt am Main.

1997O projeto “Aus Hecken werden Häuser” (Das sebes nascem casas) da seção de Nordrhein-Westfalen do DWB torna-se um dos projetos oficiais da EXPO 2000, em Hannover.As associações federais do Norte, Berlim e Baviera saem do órgão central.

2005Concurso para a urbanização do Werkbund “Wiesenfeld”, em Munique.

2007O DWB tem 980 membros, o Werkbund da Baviera 255, o Werkbund de Berlim 205 e o Werkbund do Norte 200.

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Deutscher Werkbund 1860-1907

Antecedentes – Arts and Crafts, Movimento Werkstätten, Movimento Lebensreform

18601907

A industrialização e a urbanização conduziram, a partir de meados do século XIX, a alterações profundas em todos

os domínios da vida. Quem primeiro se rebelou contra a perda da qualidade artesanal e artística devido à produção industrial em massa de produtos segundo modelos padronizados de uma “indústria artística” foi o movimento inglês Arts-and-Crafts, que exigia um regresso ao modo de produção pré-industrial. As artes e ofícios deviam voltar a se unir, tal como nos grêmios ou nas oficinas da Idade Média, sem divisão do trabalho, em uma única pessoa. Os movimentos de reforma que, por volta de 1890, também começaram a surgir na Alemanha adotaram ideias da Inglaterra, em especial a ideia das oficinas, bem como a crença, propagada por William Morris e John Ruskin, na força moralizadora e educacional da atividade artística. No entanto, o princípio orientador dos reformadores deixou de ser a história para passar a ser a vida, que deveria fornecer modelos e formas para todos os aspectos do design; em vez de se orientarem pelo passado, esforçavam-se por um melhoramento dos produtos industriais e das formas de produção. Através de associações de produção constituídas por artistas e artesãos, nas quais a concepção obedecia às exigências do processo de produção de acordo com a função, o material e a construção, deveria ser alcançada uma reforma das artes decorativas. Produtos de qualidade duradouros substituíram as mercadorias de massa e de moda baratas.Princípios de design homogêneos deviam conduzir à recuperação de uma cultura harmônica e o trabalhador, alienado do processo produtivo pela máquina, devia voltar a ter “prazer no trabalho”, com o que se esperava também obter uma compensação das tensões sociais. Na III Exposição de Artes e Ofícios Alemães, em Dresden, foi apresentado o primeiro resultado destes esforços reformadores, dos quais surgiria no ano seguinte o Deutscher Werkbund.

Para fugir do presente e da fealdade da atualidade, Ruskin e Morris dirigiram o nosso olhar para a beleza das coisas antigas; mas, com isso, limitaram a aplicação prática das suas propostas e o efeito das suas criações (...). Sempre proclamou o princípio, que hoje reconhecemos em todas as expressões da existência moderna: o princípio fundamental da necessidade inevitável de todas as construções, de todas as formas, de todos os objetos, o princípio fundamental da concepção moderna, que não permite nada que assim não seja como deve ser, que não tenha um aspecto a não ser aquele que tem de ter! (...) O objeto completamente funcional, que foi criado segundo o princípio de uma construção racional e lógica, preenche a primeira condição da beleza.

Henry van de Velde, Der neue Stil, 1906

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19061950

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Deutscher Werkbund 1860-1907

1906

J á desde 1903 o arquiteto Fritz Schumacher planejava, com alguns amigos, uma exposição de grandes dimensões na

qual deviam ser apresentadas as novas tendências das artes aplicadas alemãs. Com origem nesta ideia foi inaugurada, em 12 de maio de 1906, a III Exposição de Artes e Ofícios Alemães, no palácio de exposições de Dresden, a qual foi um passo decisivo no caminho que levou à fundação do Deutscher Werkbund. O tipo e a seleção dos objetos expostos e dos espaços diferiam grandemente do até então habitual. A exposição não era constituída por objetos individuais; a totalidade da realidade social presente – da habitação operária, passando pela nave de uma estação até ao espaço de uma igreja – era mostrada paralelamente, em pé de igualdade. Havia a convicção de que objetivos próximos do cotidiano garantiriam também a funcionalidade de todos os objetos produzidos e seriam uma condição fundamental para toda a criação “genuína”, “verdadeira” e, só deste modo, “perfeita” na forma.Associada a este princípio existia uma reivindicação de concepção abrangente, que fazia de todos os domínios da vida objetos de modelação artística. Consequentemente, na seção “Indústria artística” também eram procuradas formas adequadas à época para os produtos de produção mecânica em massa – um objetivo que parecia ter sido alcançado pelos móveis de produção mecânica de Richard Riemerschmids, apresentados pela primeira vez.Quase todos os artistas participantes tinham recusado a imitação de formas estilísticas passadas e relacionado as suas obras estritamente com o presente. Uma vez que a exposição de Dresden tinha, deste modo, antecipado ideias centrais do Werkbund, pôde ser, desde muito cedo, designada retrospetivamente como a Primeira Exposição do Werkbund. De fato, em 1907, em Munique, 16 dos 19 comissários da exposição participaram no evento da fundação do Deutscher Werkbund e o organizador da exposição, Fritz Shumacher, proferiu o discurso inaugural.

Para além da apresentação de correntes artísticas gerais e de obras artísticas individuais, o terceiro aspecto da exposição deve ser constituído por produtos de artes decorativas para a produção dos quais seja determinante, não a mão, mas sim a máquina, na execução de um projeto artístico: a indústria artística. (...) Uma das tarefas culturais modernas mais importantes é a condução da criação desse tipo de objetos utilitários por vias sãs e que, na sua produção em massa, satisfaçam as necessidades e, deste modo, influenciem o gosto dos nossos tempos.

Do programa da III Exposição de Artes e Ofícios

Alemães, Dresden 1906

Impulso para a Fundação – III Exposição de Artes e Ofícios Alemães

Page 22: Catalogo werkbund 100 anos de design na alemanha

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Deutscher Werkbund 1907-1918

19071918

E m outubro de 1907 doze artistas e doze empresas reuniram- -se no Deutscher Werkbund. O objetivo da associação era

o “refinamento do trabalho industrial através da ação conjunta de arte, indústria e ofícios, da educação e da propaganda e de tomadas de posição conjuntas relativamente a todas as questões relevantes”. O trabalho do Deutscher Werkbund é determinado pelo objetivo de modelar a totalidade do mundo industrializado segundo pontos de vista artísticos e de “educar” a população com estes objetos “bem” concebidos.Através da ação conjunta com empresas que não só deixaram conceber os seus produtos por artistas, mas pela primeira vez também a totalidade da sua imagem empresarial, segundo os princípios do Werkbund, o movimento alcançou, antes da Primeira Guerra Mundial, uma importância e uma influência enormes. O “refinamento” dos produtos industriais estava ligado a interesses materiais e, frequentemente, nacionais, pois tratava-se de criar uma vantagem, em relação à concorrência, dos produtos alemães no mercado mundial, através da “arte” e da “qualidade”. Os esforços do Werkbund no sentido de atuar como “educador do povo” foram intensificados, de modo contínuo, através da divulgação de “modelos” exemplares em publicações e catálogos de vendas como o “Deutsches Warenbuch” (Livro de produtos alemães) ou do Deutsches Museum für Kunst in Handel und Gewerbe (Museu Alemão para a Arte no Comércio e nos Ofícios). Em 1914, o Deutscher Werkbund apresentou a sua produção numa grande exposição em Colônia. Na assembleia, que teve lugar a parte, estourou uma disputa grave entre os defensores da concepção artística individual, que se reuniram em torno de Henry van de Velde, e os representantes da padronização, difundida por Hermann Muthesius, correspondendo à produção fabril econômica. Durante a guerra reforçou-se o elemento nacionalista: a “forma alemã” e o trabalho de qualidade deveriam ajudar a obter a vitória.

Peter BehrensTheodor FischerJosef HoffmannWilhelm KreisMax LäugerAdelbert NiemeyerJoseph Maria OlbrichBruno PaulRichard RiemerschmidJakob Julius ScharvogelPaul Schultze-NaumburgFritz SchuhmacherP. Bruckmann & SöhneDeutsche Werkstätten für HandwerkskunstEugen Diederichs VerlagGebrüder KlingsporKunstdruckerei KünstlerbundPoeschel & TrepteSaalecker WerkstättenVereinigte Werkstätten für Kunst im HandwerkWerkstätten für deutschen Hausrat, Theophil MüllerWiener WerkstätteWilhelm & Co.Gottlob Wunderlich

Signatários do apelo à fundação 1907

Da Fundação à Primeira Guerra Mundial

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Deutscher Werkbund 1907-1918

O sucesso econômico das oficinas de artes e ofícios de Dresden, conhecidas, a partir de 1907, como Deutsche

Werkstätte für Handwerkskunst (Oficinas Alemãs de Artes Aplicadas), levou os seus fundadores e o diretor Karl Schmidt a erigirem uma nova fábrica que este ligou à construção de uma cidade-jardim em Hellerau, próximo de Dresden. A ideia original e central do movimento das cidades-jardim foi aqui concretizada: o solo permanecia propriedade de uma cooperativa e os contratos de aluguel não eram rescindíveis. Para além disso, o viver e trabalhar em um ambiente rural era visto como um caminho para a libertação das grandes cidades insensíveis, bem como para a solução das questões sociais.Karl Schmidt encomendou o planejamento da fábrica, assim como da cidade-jardim, a um dos membros fundadores mais cativos do Deutscher Werkbund, Richard Riemerschmid, mais tarde seu cunhado; este estruturou a urbanização iniciada em 1908 em quatro áreas: bairro de casas pequenas, bairro de moradias de grandes dimensões, instituições de beneficência e instalações de produção. Os polos aglutinadores da cidade--jardim eram constituídos por um lado pela fábrica, na qual máquinas produziam móveis (Maschinenmöbel), exemplo do “refinamento” dos produtos feitos à máquina, e por outro pelo “estabelecimento educacional”, erigido por Heinrich Tessenow para o pedagogo de ensino de dança e música suíço, Emil Jaques-Dalcroze, inaugurado em 1912. Os grandes espectáculos cênicos deste atraíam visitantes de toda a Europa e deram um reconhecimento internacional a Hellerau. Desenvolveu-se uma vida cultural intensa, na qual participava não só a administração do Werkbund, que tinha a sua sede em Hellerau desde 1909, como também a cooperativa Dürerbund-Werkbund, que, em 1915, publicou o primeiro “Deutsche Warenbuch” (Livro de Produtos Alemães).Hellerau, o “modelo para uma vida mais feliz” (Paul Claudel), foi-se transformando, até ao início da Primeira Guerra Mundial, num centro diversificado e vivo de atividades artísticas e reformadoras do modo de vida, que refletiam os objetivos e os ideais do Werkbund.

Pois a cidade-jardim (...) deve fomentar a união das forças que obtêm coisas da vida através das suas atividades e que pretendem modelá-las de modo útil, espiritual e materialmente (...). Também esperamos ver o dia em que a cidade-jardim deixará de ser encarada como um problema artístico e econômico, passando a ser uma realidade nova reconhecida por todos os alemães, uma arma branca no combate pela paz social.

Erich Haenel, “Die Gartenstadt Hellerau”, 1911

1908

Hellerau – a Cidade-Jardim como Modelo do Werkbund

Page 24: Catalogo werkbund 100 anos de design na alemanha

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Deutscher Werkbund 1907-1918

D e acordo com as ideias do Deutscher Werkbund, da colaboração entre arte, indústria e trabalho artesanal

deveria ser melhorada a qualidade dos produtos, aumentado o prestígio da Alemanha no estrangeiro e, ao mesmo tempo, fomentado o “bom gosto” da população. Estes objetivos abrangentes foram concretizados de modo espantosamente rápido através do desenvolvimento bem-sucedido da imagem de empresas específicas, segundo os princípios do Werkbund e através dos seus membros.Como consultor artístico e arquiteto da AEG (Allgemeinen Elektricitæts Gesellschaft), em Berlim, Peter Behrens cunhou, dos tipos de letra à arquitetura do edifício fabril, dos produtos até aos cartazes, a imagem da empresa e criou, deste modo, a primeira “corporate identity” da História do Design. Já em 1906, por ocasião da III Exposição de Artes e Ofícios Alemães, em Dresden, Behrens tinha desenvolvido para a apresentação da marca “Anker”, da fábrica de linóleo Delmenhorst, critérios de design homogêneos. O diretor da fábrica, Gustav Gericke, que também era membro da direção do Deutscher Werkbund, encomendou subsequentemente a artistas de renome a criação de padrões modernos para a estampagem do revestimento do pavimento.Fritz Hellmut Ehmcke realizou, para o fabricante de tabaco Joseph Feinhals, o design das embalagens de cigarros, dos carimbos térmicos e dos logótipos. Hermann Bahlsen, proprietário da fábrica de bolachas Bahlsen, em Hannover, e membro fundador do Werkbund, contratou Heinrich Mittag como designer gráfico para cartazes e embalagens e encomendou ao arquiteto Karl Siebrecht o projeto do edifício da administração da empresa, bem como de um “Pavilhão das Bolachas” para a exposição do Werkbund, de 1914, em Colônia. A venda das bolachas Bahlsen em uma “embalagem Werkbund” e dos produtos Feinhals como “cigarros Werkbund” em uma caixa “DWB”, comprova o enorme sucesso das ideias do Werkbund.

19071918

Até ao momento, no que se referia ao gosto, os comerciantes eram vistos como um mal necessário. Esperava- -se a salvação das mãos dos artesãos de tipo medieval. O Werkbund respeita os românticos, mas encara corajosamente o presente e o futuro. Na economia dos dias de hoje o fato decisivo é o empresário; se quisermos avançar, temos de o conquistar para o nosso lado; (...) As indústrias alemãs ligadas ao gosto (...) só se tornarão uma potência mundial se tivermos (...) também um gosto nacional próprio amadurecido para aplicar, baseado numa cultura nacional atual. Sem a arte permaneceremos amadores; com ela poderemos enfrentar qualquer rival. Que essa vontade de qualidade (...) não traz apenas honras, mas também lucros, começa a ser demonstrado pelas estatísticas comerciais.

Peter Jessen, “Der Werkbund und die Großmächte der

deutschen Arbeit”, 1912

“Trabalho de Qualidade Alemã” e Imagem Homogênea

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Deutscher Werkbund 1907-1918

O Deutsche Museum für Kunst in Handel und Gewerbe (Museu Alemão para a Arte no Comércio e nos Ofícios),

em Hagen, foi fundado em 1909, por Karl Ernst Osthaus com o objetivo de colecionar exemplos modelares de design, que deveriam servir para a formação e educação geral do gosto. Desde o início, o Deutscher Werkbund apoiou financeiramente a sua instalação, tornando-se este assim, efetivamente, parte integrante do trabalho cultural do grêmio, sendo por isso também designado como “Werkbundmuseum” (Museu do Werkbund). Como resultado da necessidade enorme e crescente de material ilustrativo para as inúmeras atividades didáticas e documentais do Werkbund, foi criada, em 1910, como departamento independente do Museu Alemão, o Centro de Fotografia e Diapositivos. Aqui foi construído um arquivo “para arquitetura e artes e ofícios modernos, bem como para urbanismo e arquitetura paisagista, que forneceu as fotografias para as exposições itinerantes, através das quais os modelos e exemplos escolhidos foram difundidos. As duas exposições de arquitetura, organizadas por Walter Gropius, “Moderne Baukunst” (Arte da Construção Moderna), de 1910, e “Industriebauten” (Edifícios Industriais), de 1911, tornaram-se especialmente famosas. Enquanto a primeira pretendia demonstrar a existência de uma “nova vontade de construir” em muitos países europeus, a qual conduziria a uma expressão arquitetônica unificada, a segunda mostrava que as forças do presente se condensavam em projetos funcionais exemplares, tais como silos de cereais e construções técnicas. Em especial as fotografias reunidas por Gropius de silos de cereais tornaram-se ícones da História da Arquitetura.Em 1913, no auge da sua atividade, o museu dispunha de cerca de trinta exposições, prontas a utilizar e, em parte, com expositores concebidos a propósito, que podiam ser solicitadas por catálogo e simplesmente enviadas, sem necessidade de conhecimentos prévios especiais nem de equipamento técnico, podendo ser combinadas em conformidade com o espaço disponível.

1909

O movimento no sentido de uma cultura moderna (...) pressupõe que o público comprador possua uma certa formação, que tem de começar por ser difundida, e uma vez que tudo depende desta, uma das tarefas essenciais do movimento é a formação contínua do público.

Karl Ernst Osthaus, “Das Deutsche Museum für Kunst in

Handel und Gewerbe”, 1909

Pretende ser o museu do movimento moderno; os produtos do trabalho de qualidade de inspiração artística dos nossos dias devem ser reunidos, na medida do possível, na sua totalidade, todos os documentos relativos ao movimento artístico moderno devem ser coligidos e conservados.

Franz Meyer­Schönbrunn, “Das Deutsche Museum für

Kunst in Handel und Gewerbe”, 1912

“Werkbundmuseum” e Coleções de Modelos de Design

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Deutscher Werkbund 1907-1918

Q uando, em 16 de maio de 1914, a grande exposição, localizada na margem do Reno, em Colônia, foi

inaugurada, inúmeras personalidades da política, da economia e da arte tinham marcado presença para participarem na primeira mostra da produção do Werkbund que, entretanto, corporificava de modo incontestável o progresso. Só a cidade de Colônia tinha contribuído com cinco milhões de marcos para a exposição, envolvido 134 funcionários nos trabalhos prévios e disponibilizado o terreno com 350.000 m2 para a construção. Pelo lado político, para além do prefeito de Colônia, Max Wallraf, participaram ativamente os vereadores da cidade de Colônia, Carl Rehorst e o jovem Konrad Adenauer. Cerca de um milhão de pessoas visitaram a mostra projetada pelos 48 arquitetos de maior renome da Alemanha e da Áustria.Algumas das construções de Colônia entraram na História da Arquitetura como obras pioneiras. São de destacar o edifício de vidro de Bruno Taut, que antecipou visões expressionistas da arquitetura, o edifício de escritórios de Walter Gropius, com umas traseiras envidraçadas espetaculares e duas caixas de escadas em vidro, bem como o teatro de Henry van de Velde, cujas formas fluídas revolucionaram a concepção tradicional de paredes e volumetria. Em contrapartida, as obras dos representantes do Werkbund, tais como a nave principal neo-renascentista de Theodor Fischer, a estrutura neoclássica monumental de Peter Behrens e Josef Hoffmann ou a instalação para a mostra de cores de Hermann Muthesius, têm um aspecto mais tradicional.A eclosão da Primeira Guerra Mundial no dia 1 de agosto de 1914 pôs também um fim abrupto à exposição, não tendo por isso a mostra da produção do Werkbund podido desenvolver o resultado planejado.

Foi produzido trabalho, aqui em Colônia, em uma escala que não tínhamos nos permitido sonhar. (...) O auge da criação artística alemã ainda não foi atingido. Da ideia de que o nosso tempo precisa procurar a sua própria expressão já tinha convencido a muitos; no entanto, temos de nos esforçar, em um trabalho sério, pela forma dessa expressão. (...) Nossas oficinas estão cada vez mais competentes, cada vez mais aperfeiçoadas, já praticamente não existem dificuldades técnicas, o comércio abre-se cada vez com maior compreensão a nossas ideias. (...) assim possa o material exposto na nossa primeira exposição do Deutscher Werkbund difundir uma luz brilhante sobre o lado artístico do nosso trabalho futuro.

Peter Bruckmann, discurso proferido na 7.ª Assembleia

Anual do Deutscher Werkbund, em 1914, em Colônia

1914

Deutsche Werkbund-Ausstellung Köln” – Exposição da Produção e Balanço

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Deutscher Werkbund 1907-1918

N a 7ª Assembleia Anual do Deutscher Werkbund, de 2 a 6 de julho de 1914, que teve lugar em Colônia por ocasião

da primeira grande exposição do Werkbund, deu-se uma disputa grave entre dois grupos do Werkbund, que entrou na História com o nome de “Typenstreit” (disputa sobre a padronização). O debate foi acionado por dez princípios orientadores formulados por Hermann Muthesius, que este tinha apresentado à assembleia por escrito e explicado em uma conferência. O conceito central era a “padronização”, com o qual era exigido o desenvolvimento de “padrões” na arquitetura e nas artes aplicadas como necessidade estética, política e econômica. Só pela via de uma “concentração saudável” no padrão seria possível alcançar uma “cultura harmônica”, (...) um “gosto seguro” e uma “difusão no estrangeiro”.A exigência de Muthesius provocou o protesto furioso dos membros do Werkbund que só conseguiam ver nestas normas impostas uma limitação de sua liberdade artística. Em representação da oposição, Henry van de Velde apresentou dez princípios antitéticos, nos quais a individualidade artística e a inspiração pessoal eram defendidas contra qualquer interferência exterior. Os dois adversários encontraram no debate subsequente defensores calorosos. Os “individualistas” acabaram por conseguir se impor, Muthesius recuou na maioria das suas teses e até propôs a sua saída do Werkbund. No entanto, acabou por ser uma vitória de Pirro, uma vez que a economia de guerra, que pouco depois entrou em vigor, e a miséria econômica do período da guerra e do pós-guerra impuseram, por si mesmas, uma padronização da produção. Quando o Deutscher Werkbund, em meados dos anos vinte, se virou totalmente para a nova construção e a produção industrial em massa, a posição de Muthesius provou ser aquela que realmente indicava o futuro.

1914

A arquitetura, e com esta a área das atividades criativas do Werkbund, impele para a padronização, e só através desta poderá recuperar a importância geral que lhe era intrínseca em épocas de cultura harmônica.

Hermann Muthesius, princípios orientadores para a

conferência “Die Werkbundarbeit der Zukunft”, 1914

Enquanto existirem artistas no Werkbund e enquanto estes ainda tiverem influência sobre o seu destino, protestarão contra qualquer proposta de um cânone ou de uma padronização. O artista é, no seu âmago mais íntimo, um individualista ardente, um criador livre e espontâneo; nunca se submeterá de livre vontade a uma disciplina que lhe imponha um padrão, um cânone.

Henry van de Velde, princípios orientadores, 1914

Padronização versus Individualização – Muthesius contra van de Velde

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Deutscher Werkbund 1907-1918

A partir de 1912, é publicado, como órgão de publicação central do Werkbund, um anuário com cujos temas

principais vão variando. Os volumes constituídos por textos programáticos e extenso material ilustrativo destinam-se principalmente a membros, industriais e artesão de artes decorativas. A intensa procura assegura o aumento das edições. O primeiro anuário “Die Durchgeistigung der deutschen Arbeit. Wege und Ziele in Zusammenhang von Industrie, Handwerk und Kunst” (A espiritualização do trabalho alemão. Vias e objetivos na relação entre indústria, ofícios e arte) foi uma espécie de declaração de intenções. Tratava-se de infundir conteúdos intelectuais e artísticos nos produtos industriais, de transformar conquistas técnicas em bens culturais através do design.A posição da economia alemã no mercado mundial, bem como os meios e vias para o melhoramento de sua competitividade eram temas de discussão.Os anuários “Die Kunst in Industrie und Handel” (A arte na indústria e comércio) de 1913 e “Der Verkehr” (A circulação) de 1914 propagaram a indústria, a técnica e a circulação como elementos marcantes da época, fornecendo, deste modo, incentivos essenciais para o desenvolvimento de novas formas do design.Pela primeira vez foi feita a apresentação de construções técnicas e de objetos técnicos, como navios a vapor, automóveis ou comboios, como modelos exemplares para o design.O quarto anuário “Deutsche Form im Kriegsjahr” (Forma alemã no ano da guerra), de 1915, documentava a primeira grande mostra da produção do Werkbund, a exposição do Werkbund, em Colônia, prematuramente terminada pela eclosão da guerra. O conteúdo do anuário de 1916/1917, “Kriegsgräber im Felde und daheim” (Cemitérios de guerra em campanha e na terra natal) foi determinado pela própria Primeira Guerra mundial. Em 1920 foi publicado o sexto e último anuário “Handwerkliche Kunst in alter und in neuer Zeit” (Artes e ofícios nos tempos antigos e modernos). Tendo como pano de fundo as consequências de uma guerra de condução industrial, esse retorno à tradição era a expressão de uma crença abalada no progresso e um ceticismo generalizado face às concretizações da indústria como algo de absoluto.

O bonito Anuário do Deutscher Werkbund para 1912 recém- -publicado na época (...) mostra que a totalidade do mundo da concepção, tanto no que se refere à organização da produção como no que se refere a esta própria, foi incluída no âmbito dos objetivos do Werkbund.

Adolf Vetter, por ocasião do V Congresso do DWB,

Viena 6 a 9 de junho de 1912

19121920

Os Anuários do Deutscher Werkbund, 1912–1920

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Deutscher Werkbund 1907-1918

O escritor e editor Ferdinand Avenarius fundou, em 1887, a revista “Kunstwart” (Guardião da Arte), que se tornou

a orientadora favorita em questões de gosto para uma vasta camada da burguesia. Em 1902, iniciou o Dürerbund, com o objetivo principal da educação estética do povo e do apoio à cultura. O Dürerbund tinha um centro de aconselhamento que oferecia ajuda prática em questões de decoração, economia doméstica e questões do cotidiano. Face à enorme afluência de pessoas que procuravam aconselhamento, Avenarius anunciou, em 1912, a edição para breve de um catálogo de produtos alemães. Ainda no mesmo ano, o centro sem fins lucrativos para a promoção do trabalho de qualidade alemã instituído pelo Dürerbund publicou um catálogo ilustrado com o título “Gediegenes Gerät für das Haus” (Equipamento Perfeito para o Lar) que era acompanhado por uma exposição com o mesmo nome em Hellerau, próximo de Dresden.O “Deutsche Warenbuch” (Catálogo de Produtos Alemães) apareceu em 1915, publicado pela cooperativa Dürerbund- -Werkbund fundada com esse propósito, a qual, com uma central de promoção em Hellerau, assumiu, ao mesmo tempo, o papel de mediador entre artistas, produtores, comércio especializado e compradores. Com um layout de design pragmático do designer gráfico Fritz Hellmut Ehmcke, este guia para a educação do gosto apresentava uma oferta alargada de produtos de uso cotidiano. Nas 258 páginas ilustradas são apresentados por volta de 1600 artigos, do copo até as ferragens de mobiliário. Um prefácio, uma introdução programática e textos sobre a qualidade, produção e materiais complementam o guia de aconselhamento sobre cultura do cotidiano. Um grupo constituído por artistas e especialistas técnicos decidiu a seleção dos produtos. A qualidade dos produtos recomendados era garantida pelo símbolo comercial do Dürerbund-Werkbund como selo de qualidade em lojas da especialidade selecionadas que se comprometiam a manter um estoque de uma gama de artigos acordados. A reação era predominantemente positiva e os produtos vendiam-se muito bem.

O catálogo de produtos “pretende oferecer artigos produzidos em massa exemplares para o lar e, deste modo, ganhar uma influência significativa sobre a cultura alemã. (...) O nosso objetivo é disponibilizar uma lista de preços amplamente ilustrada dos produtos produzidos em massa de maior utilidade, perfeição e beleza” que se “distinguem pela utilização de matérias-primas de qualidade, execução confiável e design adequado à função.”

Josef Popp, introdução do “Deutsches Warenbuch”,

1915

Projeção do Trabalho de Qualidade Alemã – “Deutsches Warenbuch”

1915

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Deutscher Werkbund 1907-1918

D urante da Primeira Guerra Mundial, o Werkbund desenvolveu uma atividade espantosa. Enquanto outras

associações e organizações tiveram de suspender, ou pelo menos limitar drasticamente o seu trabalho, o Werkbund continuava a dispor, através do apoio de alguns executivos e fundadores de indústrias, como Robert Bosch na linha da frente, de grandes recursos financeiros. Sob o efeito de uma euforia nacional generalizada, no início da guerra, o Werkbund, cada vez mais politizado, identificou-se inteiramente com a causa nacional. Assim, o anuário de 1915 apresentou-se com o título marcial “Deutsche Form im Kriegsjahr” (Forma Alemã no Ano da Guerra) e membros dirigentes redigiram contribuições para o panfleto de propaganda “Der Deutsche Krieg” (A Guerra Alemã) publicado por Ernst Jäckh, o então diretor do Werkbund.O concurso lançado em 1916 pelo Werkbund para uma “Casa da Amizade em Constantinopla”, que deveria servir de “emblema visível da camaradagem de armas alemã-turca”, assinala o auge do empenho do Werkbund na guerra. No entanto, o projeto historicista premiado de German Bestelmeyer não ultrapassou a colocação da primeira pedra, em 1917.No mesmo ano, foi possível organizar uma exposição do Werkbund em Berna, que devia demonstrar o elevado nível de qualidade dos produtos alemães e, deste modo, criar uma imagem positiva no exterior. Com esta entrou-se em concorrência direta com as exposições culturais da França, igualmente instrumentalizadas do ponto de vista propagandístico, que tiveram lugar na Suíça neutra mas politicamente dividida. A mostra foi em seguida levada para Basileia, Winterthur e Copenhagen, tendo produzido um efeito considerável. Esta viria a ser a última apresentação pública importante do Deutscher Werkbund até à exposição “Die Form” (A Forma), de 1924, em Stuttgart.

Nestes dias de conflito, em que grandes perigos cortam a respiração de todos, uma vez que a Alemanha encontra-se em um combate pela sua existência, no qual é necessário manter até o último nervo sob tensão, um capítulo que se ocupe das formas exteriores (...) pode parecer de importância altamente secundária. (...) E no entanto, (...) o objetivo é maior do que dominar o mundo, do que financiá-lo, educá-lo, inundá-lo com mercadorias e bens. O objetivo é dar-lhe um rosto. Só a nação que realmente consegue realizar esse feito alcança verdadeiramente o topo do mundo; e a Alemanha tem de se tornar essa nação.

Hermann Muthesius, “Die Zukunft der Deutschen

Form”, 1915

19161917

O Deutscher Werkbund durante a Guerra – “A Casa da Amizade”

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Deutscher Werkbund 1907-1918

O sucesso que o Deutscher Werkbund demonstrava poucos anos depois de sua fundação conduziu rapidamente a

toda uma série de organizações sucessoras em outros países europeus. No dia 10 de junho de 1912, foi constituído o Werkbund Austríaco, cujos protagonistas, Josef Hoffmann e Otto Wagner, tinham marcado, em parte, a criação do Deutscher Werkbund. A sua participação na exposição do Werkbund de 1914, em Colônia, com um pavilhão próprio, foi impressionante. Dividido e em conflito depois da Primeira Guerra Mundial, o Werkbund Austríaco conseguiu, em 1932, com a sua urbanização de Viena, organizada por Josef Frank, trazer, uma vez mais, uma contribuição importante para a demonstração das novas formas de habitar. Em 1973, o Werkbund Austríaco foi dissolvido por “incapacidade de atuação”.No inverno de 1913/14 é publicado em uma revista vanguardista de arte de Praga o manifesto fundador do Werkbund Checo, o qual se reorganizou, em 1920, como Werkbund Checoslovaco. A urbanização do Werkbund em Brno e em Praga, bem como numerosos escritos e exposições, são testemunhos da dinâmica desta instituição que foi dissolvida em 1948. O Werkbund Húngaro, criado em 1913, não passou de um mero episódio.O Werkbund Suíço, fundado em 17 de maio de 1913, em Zurique, pode ser considerado como a organização mais independente e ativa segundo o modelo do Deutscher Werkbund. A sua atividade pública chega aos dias de hoje através de projetos e publicações. O seu correspondente suíço-francês, existente também desde 1913, L‘OEuvre, foi dissolvido em 2003. Com a associação de artes e ofícios sueca, Svenska Slöjdföreningen, reformada em 1914 e hoje conhecida como Svensk Form, e a Design and Industries Association, organização rival inglesa criada em 1915, existem ainda hoje duas outras organizações inspiradas nas ideias do Werkbund.

Quem quer que entenda bem o movimento do Werkbund sabe que este tem de ser por natureza ligado à terra e nacional (...). No entanto, todo o trabalho cultural real tem significado internacional, (...) devido aos métodos através dos quais retira os seus frutos da terra natal. (...) Os métodos do Deutscher Werkbund são (...) de valor para todas as nações que tenham de resolver problemas semelhantes. (...) O movimento de espírito novo, que encontra a sua expressão neste grupo, estendeu as suas ondas por toda a Europa.

Adolf Vetter, “Die Bedeutung des Werkbundgedankens

für Österreich”, 1912

1912

O Deutscher Werkbund como Modelo – Seguidores no Estrangeiro

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Deutscher Werkbund 1918-1933

D epois da guerra, da revolução e da inflação, o Deutscher Werkbund regressou, com a exposição “Die Form” (A

Forma), de 1924, a uma declaração programática que estabelecia uma ligação com atividades anteriores à guerra. Um design “sem ornamentos”, dirigido contra a decoração e as formas estilísticas históricas, tornou-se a partir de então um fio condutor do trabalho do Werkbund. Várias exposições de grandes dimensões organizadas pelo grupo demonstraram a vontade de uma abordagem abrangente do design de todos os objetos com base nos novos desenvolvimentos técnicos e tendo em vista um mundo em mutação radical. A exposição “Die Wohnung” (A Habitação) e a urbanização do Werkbund, “Am Weißenhof”, em Stuttgart, mostraram, em 1927, com obras da vanguarda arquitetônica internacional, novas formas de habitar e novas vias para a padronização da construção. Hoje em dia, a urbanização “Am Weißenhof” faz parte dos exemplos mais famosos em todo o mundo da arquitetura moderna do século XX.Na sequência da experiência habitacional de Stuttgart surgiram, com as urbanizações do Werkbund de Brno, Wrocaw, Praga, Neubühl e Viena, mais modelos de habitação e urbanismo para as “pessoas modernas”. A exposição organizada pelo Werkbund “Film und Foto” (Cinema e Fotografia), em 1929, em Stuttgart, um ponto alto cultural da década de 20, reuniu a vanguarda internacional que se dedicava, então, a experiências com os novos meios de comunicação. Deste modo, o Deutscher Werkbund participou, em uma posição de relevo, nas experiências de design mais importantes para o mundo futuro dominado pela técnica, a internacionalidade e a mobilidade. A seção alemã da exposição de artes e ofícios de Paris, em 1930, da responsabilidade do Werkbund, apresentou uma visão, muito admirada, dos espaços habitacionais de uma sociedade móvel futura. Em uma exposição abrangente sobre os novos tempos, “Die Neue Zeit”, de 1932, deveria ser oferecido um resumo da produção de até então e a perspectiva de um mundo em mutação radical. A crise econômica mundial impediu a realização do projeto.

O Werkbund tem de se tornar a consciência da nação.

Hans Poelzig, “Werkbundaufgaben”, 1919

Por todo o lado o processo de criação das formas no trabalho de concepção está intimamente ligado aos problemas originados pela nova orientação das formas de trabalhar e viver (...). No sentido desta verificação, a forma não é para nós um problema estético, mas sim construtivo.

Walter Curt Behrendt, “Die Form”, 1925

19181933

O Deutscher Werkbund na República de Weimar

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Deutscher Werkbund 1918-1933

A seção de Württember do Werkbund, fundada em 1920, apresentou, no verão de 1924, com “Die Form” (A Forma),

a sua primeira grande exposição de impacto suprarregional. A mostra que ainda pode ser vista em 1924 e 1925 em Mannheim, Frankfurt am Main, Kaiserslautern e Ulm, devia transmitir “impressões claras da boa forma alemã, tal como se desenvolveu até hoje” e, além disso, exercer uma ação educativa e esclarecedora sobre a formação do gosto dos potenciais compradores. Na seleção dos objetos expostos, o Werkbund libertou-se, de maneira descomprometida, das formas de design correntes até então: o critério decisivo para os produtos produzidos pelos ofícios e pela indústria do metal, vidro, pele e madeira, era a ausência de ornamentos. Os objetos utilitários expostos – dos faqueiros, passando pelos serviços, pelos móveis e pelos fogões, até às lápides funerárias – ofereciam uma gama surpreendentemente vasta de opções de design, que ia das formas objetivas minimalistas da Bauhaus até às formas orgânicas arcaicas. A revista “Die Form onhe Ornamente” (A forma sem ornamentos) publicada por Walter Riezler, em 1924, por encomenda do Werkbund, explicava, em retrospetiva, o grande alargamento do conceito da “boa forma”: não era apenas “a forma técnica” que cumpria o objetivo do Werkbund de encontrar um estilo que correspondesse à época, mas também a que se encontrava em seus opostos, a “forma primitiva”. Se bem que completamente contrárias no seu caráter, ambas reprimiam a ornamentação, pois ambas transportavam em si a “ambição da simplicidade”: “ambas são modernas, ambas a expressão de uma e a mesma época!” “Forma sem ornamentos” tornou-se o lema do Werkbund até 1933. No entanto também existiam vozes críticas, que apontavam para o fato de o design não ser criado pela “ausência” de decorações exteriores, mas sim “a partir do interior”, em sua correspondência com o material, a construção e a função.

Com a exclusão de todos os trabalhos ornamentados pretende--se mostrar como a forma pura – independentemente de se tratar de objetos funcionais ou decorativos – pode ser concebida artisticamente, através de uma força criadora, em qualquer material, da forma mais simples à mais impressionante, sem que seja necessário recorrer à adição decorativa de um ornamento.

Brochura da exposição, 1924

Exposição “Die Form”, Stuttgart – Tema: a Forma sem Ornamentos

1924

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Deutscher Werkbund 1918-1933

E m 1922, devido à falta de dinheiro por causa da inflação, foi posto um fim à tentativa de Walter Riezler de lançar

“Die Form” (A Forma) uma “revista mensal de design” como órgão de publicação do Werkbund. No início de 1925, a revista surge de novo, agora com um novo editor, Walter Curt Behrendt, e quase logo a seguir, com um design gráfico novo. Na primeira contribuição da revista a “forma” é articulada como conceito programático fundamental. Estabelecendo uma ligação com o tema central dos anuários anteriores à Primeira Guerra Mundial, Behrendt exigia como objetivo do Werkbund a compreensão do processo de design como parte da reorganização de todas as formas de trabalho e de vida através da industrialização. Até 1933, a revista “Die Form” teve um perfil orientado para o futuro e a técnica. Em conjunto com a coleção “Bücher der Form” (Livros da Forma), cujo primeiro volume foi publicado em 1924 por ocasião da exposição “Die Form” (A Forma), foram apresentadas todas as áreas do design, que foram discutidas de forma crítica e muitas vezes controversa. Tanto um comunista convicto, como Roger Ginzburger, como o conservador Paul Schultze-Naumburg puderam expor aqui as suas posições. Para além de temas sobre arquitetura, urbanismo e edificação, encontram-se contribuições sobre a “nova tipografia”, produtos industriais produzidos em série ou artigos sobre experiências de cinema e fotografia. Esta plataforma aberta e liberal foi tornada possível sobretudo por Walter Riezler, que marcou decisivamente a revista como editor, de 1927 a 1933.Até à publicação do último número como revista especial da repartição nacional-socialista “Beleza do Trabalho” e do encerramento forçado da revista em 1935, foram apresentadas na “Die Form” todas as ideias e programas importantes do Werkbund e debatidas todas as questões significativas. As contribuições documentam, deste modo, tanto a reivindicação de influenciar de modo abrangente a forma e o design em todos os domínios da vida, como também os problemas inerentes ao Deutscher Werkbund.

Especialmente nós, no Werkbund, estamos aqui, por um lado para combater o formalismo vazio, mas por outro lado também para procurar, com todas as forças, que aqueles a quem tenha sido confiado o trabalho de design do nosso tempo, não descansem enquanto todos os objetos, do mais ínfimo ao mais importante, não tiverem sido “enformados” até ao seu último pormenor. É aí que eu vejo os objetivos propriamente ditos da nossa revista e, por isso, acredito que o seu nome “A Forma” o usa por direito.

Walter Riezler para Ludwig Mies van der Rohe, “Die

Form”, 1925, vol. 1

“Die Form” – Revista de Design do Werkbund

19221935

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Deutscher Werkbund 1918-1933

A urbanização modelo “Am Weißenhof”, erigida no âmbito de um programa de construção de habitação municipal, foi a

componente central da exposição “Die Wohnung” (A Habitação), de 1927, organizada pelo Werkbund em Stuttgart. Pouco tempo depois de Ludwig Mies van der Rohe ter sido encarregado, em 1925, de projetar o plano geral, surgiram tensões com os arquitetos da reconhecida Escola de Stuttgart, seguidores de uma arquitetura tradicional, e que, por isso, não foram levados em consideração no planejamento concebido como manifesto da nova construção. Os tradicionalistas criticaram, sobretudo, a utilização uniforme da cobertura plana. Paul Bonatz comparou a urbanização, de forma polêmica, com um “subúrbio de Jerusalém”.Para o projeto dos 21 edifícios foram convidados exclusivamente representantes famosos da vanguarda internacional. Sobretudo os dois edifícios de Le Corbusier, nos quais este apresentou, de modo programático, os seus “5 pontos para uma nova arquitetura”, bem como as casas em banda minimalistas de J.J.P. Ouds contam-se hoje entre os exemplos clássicos da arquitetura moderna. Mies van der Rohe erigiu no alto da colina um edifício dominante, de quatro pisos, cuja estrutura em aço permitiu plantas variáveis.No período do nacional-socialismo, a urbanização “Am Weißenhof” esteve prestes a ser demolida. Durante a Segunda Guerra Mundial, as casas foram, em parte, extremamente danificadas, em parte totalmente destruídas. O preenchimento das lacunas entre edifícios por construções novas muito simples, bem como as alterações desfiguradoras levadas a cabo na década de 50, adulteraram a imagem da urbanização. Só no final dos anos 70 é que começaram os trabalhos de restauração com o objetivo a longo prazo de uma reposição alargada do estado original. Os trabalhos atingiram um ponto alto provisório em 2006, com a instalação de um museu Weißenhof na edificação geminada de Le Corbuiser.

Não é completamente supérfluo destacar expressamente hoje, que o problema da nova habitação é um problema das artes construtivas, apesar da sua vertente técnica e econômica. Não é um problema complexo e, por isso, só pode ser resolvido através de forças criativas e não através de meios matemáticos ou organizativos. Com base nessa crença considerei ser necessário, apesar de todos os chavões em vigor atualmente como “racionalização” e “padronização”, retirar as tarefas não resolvidas em Stuttgart do ambiente da parcialidade e do doutrinário. Esforcei-me por iluminar o problema de modo abrangente e, por isso, desafiei os representantes do movimento moderno a tomarem posição sobre o problema da habitação.

Ludwig Mies van der Rohe, prefácio de “Bau und

Wohnung”, 1927

1927

Urbanização “Am Weißenhof” – Nova Construção e Arquitetura Internacional

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Deutscher Werkbund 1918-1933

N a exposição de 1927 do Werkbund, “Die Wohnung” (A Habitação), na urbanização “Am Weißenhof”, em Stuttgart,

tratou-se da apresentação de novas formas de habitar como parte de uma “luta” por novas formas de vida em uma nova época vindoura. O cartaz da exposição, de Willi Baumeister, mostra, por isso, uma sala de estar do final do século XIX, com móveis de estilo, riscada agressivamente em cruz com barras vermelhas. Apesar da grande variedade de espaços habitacionais apresentados, a unidade no interior do Werkbund era constituída pela caracterização da “nova habitação” através de uma nova relação dos móveis com o espaço. A velha forma de mobiliar as salas com uma decoração uniforme, um conjunto de móveis, que formava uma mobília completa, era recusada por princípio como “erro fundamental” e a seleção de peças de mobiliário de “modelos de qualidade disponíveis” era designada como distintiva da nova forma de habitar objetiva.A revista do Werkbund “Die Form” (A Forma) destacou em especial os móveis de Ferdinand Kramer nas casas de J.J.P. Oud e de Ludwig Mies van der Roh. Nestes prevalecia “o espírito, que vai conduzir a ideia da nova habitação à vitória”. Os trabalhos de Kramer foram descritos como “o melhor equipamento doméstico concebível” nos espaços simples da nova casa. Os móveis de madeira leves e simples de Kramer representavam, deste modo, ideais do Deutscher Werkbund.Em espaços neutros objetivos deviam ser colocados móveis padronizados como objetos utilitários que, em caso de necessidade, poderiam ser simplesmente removidos; a capacidade de alteração dos espaços deveria, assim, corresponder à mobilidade das pessoas da nova época. Se essa forma de habitar era apreciada pelos potenciais moradores não tinha qualquer importância, pois, de acordo com o ideal pedagógico do Werkbund, a “grande massa dos trabalhadores (...) tinha de ser firmemente educada e influenciada” e os seus “hábitos habitacionais” radicalmente alterados.

1927

A melhor habitação será aquela que venha se tornar um objeto funcional completo e, deste modo, reduza ao mínimo todos os obstáculos da vida cotidiana. Isso será alcançado quando a habitação, que antigamente tinha uma função representativa e hoje se encontra relativamente limitada, seja organizada de tal modo que os seus espaços individuais e o seu equipamento tenham sido concebidos de modo a corresponderem ao seu objetivo e a sua função. É claro que todos terão à sua disposição um espaço habitacional com um quarto e um banheiro. Mas, em contrapartida, todos os outros espaços de estar, para as refeições, para o entretenimento, etc. serão cada vez mais despidos do seu caráter pessoal. Em seu lugar surgirão verdadeiros espaços de socialização, tal como já acontece hoje em um bom hotel.

Ludwig Hilberseimer, “Die Wohnung als

Gebrauchsgegenstand”, 1927

Nova Construção – Nova Forma de Habitar. Habitações Modelo “Am Weißenhof”

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Deutscher Werkbund 1918-1933

P or ocasião do décimo aniversário da República Checoslovaca, em 1928, foi organizada, em Brno, no

novo local da feira industrial, uma “exposição da cultura contemporânea”, a fim de demonstrar a dinâmica cultural do jovem estado. Neste âmbito, foi projetada por nove membros do Werkbund da Checoslováquia, sob a direção de Bohuslav Fuchs e Jaroslav Grunt, próximo do local da feira, uma urbanização modelo, Nový Dům (Nova Casa). As 16 casas de linhas simples, agrupadas em ângulo reto em torno de um espaço interior semelhante a um pátio, devedoras da urbanização do Werkbund “Am Weißenhof”, em Stuttgart, adotaram consistentemente a linguagem formal da Nova Construção. As edificações de três pisos, planejadas para a classe média, foram edificadas e comercializada pela empresa de construção local Uherka & Ruller. No entanto, devido a sua localização periférica, só em meados da década de 30 é que todas as casas tinham sido vendidas ou alugadas. A urbanização manteve-se até hoje em sua substância base, mas sofreu alterações significativas.O Werkbund Checoslovaco erigiu uma segunda urbanização na encosta da colina Baba, virada para o rio Vlatava, no limite noroeste do centro da cidade de Praga. Ao contrário do que aconteceu na urbanização de fraco sucesso comercial, em Brno, as casas foram aqui construídas por proprietários individuais, que, em consenso com o diretor do planejamento geral, Pavel Janák, escolheram os seus próprios arquitetos e abriram as suas casas aos visitantes, no âmbito das exposições de 1932 e 1933. Apesar da concepção urbanística clara, com faixas de moradias unifamiliares implantadas paralelamente às curvas de nível do declive, a urbanização apresenta uma imagem global heterogênea. As moradias, de dimensões dominantemente generosas, foram parcialmente desfiguradas, no período do pós-guerra, através de alterações que as transformaram em habitações para várias famílias. No entanto, a imagem original da urbanização foi em grande medida preservada.

19281932

A arquitetura moderna no estado da Checoslováquia começa com o seu nascimento. (...) Possui especificidades, mas no fundamental, não se distingue da modernidade mais recente no resto da Europa. (...) No entanto, em comparação com o programa da urbanização “Am Weißenhof”, o da “Das neue Haus” (A Nova Casa) é algo reduzido. Porém é necessário levar em consideração a situação local, em especial a preferência generalizada pelas moradias unifamiliares, a habitação própria. (...) Contudo, tal como “Am Weißenhof”, foi prestado ao público o mesmo serviço generoso, na medida em que foram erigidas casas que servem, para a maioria das pessoas, como material ilustrativo, a melhor forma de instrução.

Wilhelm Bisom, “Das Neue Haus. Eine Mustersiedlung

in Brünn”, 1929

Urbanizações “ Nový Dům “ em Brno e “Baba” em Praga

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Deutscher Werkbund 1918-1933

1929

A penas dois anos após a espectacular urbanização “Am Weißenhof”, o Deutscher Werkbund realizou, no âmbito

da exposição “Wohnung und Werkraum” (WUWA), em Breslau (atual Wrocław) uma segunda urbanização de grandes dimensões. Mesmo que desta vez tenha participado no projeto um arquiteto de obras tradicionalistas, Gustav Wolf, a Nova Construção também triunfou na urbanização da WUWA. Ao contrário da mostra de Stuttgart “Die Wohnung” (A Habitação) dirigida a um público internacional, a exposição de Breslau foi concebida como medida de desenvolvimento para uma região periférica. Por esse motivo, os vários edifícios foram todos projetados por membros do Werkbund da Silésia.A direção artística da urbanização da área próxima do terreno da feira industrial estava nas mãos de Adolf Rading e Heinrich Lauterbach. No entanto, o seu planejamento parece bastante arbitrário, com uma combinação heterogênea de tipos de habitação, incluindo casas unifamiliares, passando por casas agrupadas e mutifamiliares até aos edifícios de apartamentos. Entre as cerca de quarenta edificações encontrava-se um jardim infantil e até uma casa de campo modelo de edificação temporária. Mas foram os dois edifícios dominantes, de Adolf Rading e Hans Scharoun, localizados nas extremidades da urbanização, que suscitaram a maior admiração. Enquanto o lar de terceira idade, projetado por Scharoun, que se integrava de forma orgânica na paisagem semelhante a um parque, com pequenos apartamentos requintadamente deslocados uns em relação aos outros e grandes instalações comunitárias, suscitou um entusiasmo quase unânime, as edificações de Rading, inicialmente previstas como prédios em altura, foram altamente criticadas devido a sua solução de implantação fora do comum.Depois de a cidade de Breslau (actual Wrocław) ter se tornado polonesa, a seguir a 1945, a urbanização foi caindo cada vez mais no esquecimento. Só recentemente é que o interesse voltou a surgir, de ambos os lados da fronteira, e foi iniciado um processo de reabilitação de acordo com os princípios de conservação.

À urbanização falta o caráter revolucionário da “Am Weißenhof”, em Stuttgart, e isso é bom, pois uma demonstração assim tão arrojada dois anos depois de Stuttgart teria se tornado uma repetição, que não teria podido suplantar a de Stuttgart em clareza e em força. Além disso, a direção da exposição teve de construir apenas com arquitetos autóctones, uma vez que se pensou, desde o início, em trazer, em primeira linha, novos estímulos construtivos à Silésia e ao Leste. Não se trata, como não será necessário sublinhar, de uma adaptação aos modos de construir locais, mas antes de determinar quais são os problemas mais prementes que aí existem.

Wilhelm Lotz, exposição do Werkbund “Wohnung und

Werkraum” (Habitação e Espaço de Trabalho), Breslau,

1929

Urbanização e Exposição “Wohnung und Werkraum”, Breslau

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Deutscher Werkbund 1918-1933

A urbanização de Neubühl, no alto de uma colina acima do lago de Zurique, a poucos quilômetros do centro

da cidade, difere claramente no seu princípio concepcional das outras urbanizações do Werkbund. Ao contrário das outras casas modelo, no geral em competição entre si, das urbanizações iniciais, neste caso um coletivo de arquitetos membros do Werkbund Suíço projetou um conceito habitacional consistente. Através de anteprojetos foram investigados, inicialmente, os desejos dos futuros locatários. Em seguida, os arquitetos projetaram vários modelos para casas uni e multifamiliares. Princípios de projeto uniformes, que iam da orientação das construções, passando pelo sistema de acessos até à pormenorização e especificação das cores, garantiram uma imagem global homogênea da urbanização; além disso, a sociedade Wohnbedarf GmbH, fundada em 1931, em conexão com a construção da urbanização, colocou à disposição dos habitantes equipamento e mobiliário condizente. A imagem exterior da urbanização, construída entre 1928 e 1932, manteve-se em grande medida inalterada até aos dias de hoje.Com a urbanização construída em Viena, em 1932, da responsabilidade do Werkbund Austríaco, dá-se um regresso à linha internacional da urbanização “Am Weißenhof”. Cerca de um terço da urbanização erigida na periferia oeste da cidade baseia-se em projetos de arquitetos estrangeiros. Se bem que em Viena também tenham sido criadas casas modelo individuais, o arquiteto-chefe do projeto, Josef Frank, conseguiu alcançar um elevado grau de homogeneidade urbana através de um projeto centrado predominantemente em casas geminadas e agrupadas, bem como da concepção uniforme das vedações. O foco não residia em modos de construção experimentais, nem em novos conceitos do habitar, mas sim na apresentação de habitações unifamiliares funcionais no sentido de um modernismo consolidado. O conjunto foi recuperado nos anos 80 sob a orientação de Adolf Krischanitz e Otto Kapfinger.

A urbanização internacional do Werkbund em Viena pretende mostrar como as pessoas irão alcançar, de modo crescente, uma vida feliz em habitações verdadeiras. Nesta urbanização encontram-se poucas plantas que definam demasiado, de início, o modo de vida dos seus ocupantes, pouco equipamento doméstico, cuja uniformidade pode ser satisfatória, mas que impede os habitantes na sua escolha do mobiliário. (...) O arquiteto tem o seu papel como órgão executor da sociedade, se não quiser ser um sonhador pouco realista.

Otto Neurath, “Die Internationale

Werkbundsiedlung Wien 1932

als »Ausstellung«“, 1932

19281932

Urbanizações em Neubühl I Zurique e Viena

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Deutscher Werkbund 1918-1933

O Deutscher Werkbund organizou, em 1929, sob a direção de Gustav Stotz, em Stuttgart, a exposição “Film und

Foto” (Cinema e Fotografia), que faz parte das etapas mais significativas e importantes da adoção e difusão da moderna arte dos meios de comunicação no século XX. Com mais de mil objetos expostos, a mostra das “novas mídias” abrangia, pela primeira vez, o seu potencial visual desenvolvido internacionalmente e as suas possibilidades de aplicação. A fotografia e o cinema deixaram de ser selecionados e apresentados à discussão segundo um entendimento tradicional e artístico, mas sim segundo o aspecto da multiplicidade das suas aplicações: fotografia de objeto, retrato, fotografia aplicada, fotografismo, cinema experimental, etc. Tanto o interesse nas possibilidades de design dos meios imagéticos tecnicamente condicionados e na “Nova Visão”, como também na concepção internacional e na orientação da exposição foi excepcional. Gustaf Stotz e a sua comissão de seleção conseguiram a participação da elite dos artistas experimentais da Europa e dos EUA, de El Lissitzky, László Moholy-Nagy, Edward Steichen, Edward Weston, Piet Zwart até Man Ray e Hans Richter. Para o design e o texto das publicações que acompanharam a exposição foi possível obter o envolvimento de Werner Graeff, Jan Tschichold e Franz Roh.Os filmes e as fotografias apresentados na mostra foram um ponto alto da cultura dos anos 20 e tiveram um enorme efeito sobre o desenvolvimento de uma “Nova Visão”, que alterou, de modo decisivo, os hábitos de visualização tradicionais no que se refere aos novos meios técnicos. A exposição “Film und Foto” que também foi vista em Zurique, Berlim, Danzig (atual Gdansk), Munique, Viena e Zagreb, exerceu uma enorme influência sobre a prática moderna da fotografia e do cinema. Como organizador do evento, o Werkbund demonstrou, com sucesso, a sua reivindicação de desenvolver o design em todas as áreas da vida moderna.

Sim, a exposição está, consciente e propositadamente, no mais ofensivo contraste com a concepção ainda corrente de que um efeito fotográfico-artístico só pode ser obtido através da suavização, da imprecisão e em especial do retoque manual das fotografias. Pelo contrário! A base de toda a obra fotográfica verdadeira é constituída pela objetiva, aquela pequena lente com a qual todos os objetos são captados de modo claro, nítido e preciso. (...) A intenção da exposição foi, desde o início, a obtenção dos trabalhos o mais completos possível daquelas pessoas que foram as primeiras a reconhecer a câmera como o meio de concepção mais adequado ao nosso tempo e que trabalhem em conformidade com esta. (...) a máquina sozinha não o faz. O decisivo é a pessoa que se encontra por detrás e a trabalhar com esta.

Gustav Stotz, catálogo “Internationale Ausstellung des

Deutschen Werkbunds Film und Foto”, 1929

1929

Exposição Internacional do Werkbund “Film und Foto”

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Deutscher Werkbund 1918-1933

A Société des artistes décorateurs français (Sociedade dos artistas decoradores franceses) complementou, pela

primeira vez, em 1930, a sua exposição anual no Grand Palais, em Paris, com uma seção estrangeira e convidou a Alemanha, sua antiga opositora na guerra, para a projetar. A organização foi confiada ao Deutscher Werkbund, que nomeou Walter Gropius como chefe de projeto artístico.O arquiteto e antigo diretor da Bauhaus em Dessau desenvolveu, em conjunto com os antigos mestres da Bauhaus, Herbert Bayer, Marcel Breuer e László Moholy-Nagy, uma demonstração do habitar moderno e de produtos industriais estandardizados, bem como formas de apresentação completamente inovadoras. Foi dada uma ênfase especial ao design de dois pequenos apartamentos e de uma sala de estar comunitária num edifício de dez andares, com os quais se pretendia apresentar a nova forma de habitar da futura sociedade móvel, a vida como num hotel ou numa pensão residencial, com pequenas habitações e salas de estar comunitárias de dimensões generosas.Para o enorme sucesso da muito admirada mostra contribuiu, em especial, o novo modo de apresentação. A partir de uma rampa com várias mudanças de direção, constituída por uma grelha de aço, era possível ver, a partir de diferentes níveis, a decoração dos diferentes interiores das cinco salas. Os objetos estavam parcialmente empilhados uns sobre os outros nas paredes, fotografias de grandes dimensões foram montadas suspensas em vários ângulos de acordo com a linha de visão do observador. A percepção alterada e a encenação simultânea de arquitetura e objetos do cotidiano davam uma maior profundidade à impressão de se poder lançar um olhar sobre o mundo da habitação e da vida de um futuro determinado pela técnica, a mobilidade e a internacionalidade. A mostra, de uma modernidade radical, revelou não só uma atitude totalmente diferente da do anfitrião, mas também desencadeou uma discussão na França sobre as diferenças nacionais dos valores culturais.

Tendo em vista o significado extraordinário atribuído a esta primeira apresentação da alemanha em paris depois da guerra, o governo do reich declarou-se disposto a apoiar esta exposição também do ponto de vista financeiros. A seção alemã no grand palais deve demonstrar de modo evidente em uma mostra concisa, a importante participação da Alemanha no desenvolvimento de artigos de artes e ofícios, bem como industriais modernos, em especial de um produto padrão bem desenhado.

Walter Gropius às empresas e associações alemães,

1929

Exposição no 20e Salon des Artistes Décorateurs Français, Paris

1930

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Deutscher Werkbund 1918-1933

J á por altura da exposição de 1927 do Werkbund, em Stuttgart, tinha se chegado a conclusão de que, com

a crescente mobilidade da sociedade, o modo de habitar corresponderia no futuro à vida num hotel, com pequenas áreas habitacionais e grandes instalações comunitárias e de serviços.Esta ideia da habitação e da vida determinou muitas discussões e manifestações do Werkbund nos anos seguintes. No centro da urbanização de 1929 do Werkbund, em Breslau, encontrava-se, de modo programático, o lar de terceira idade de Hans Scharoun, no qual habitações mínimas, com minicozinha para solteiros ou casais, eram combinadas com um restaurante e áreas comunitárias, numa espécie de “mistura entre hotel e casa de aluguel”. Com um olhar sobre a América, a “pensão residencial” era declarada como a forma de habitar do futuro. A família seria cada vez menor, as pessoas cada vez mais móveis e, por isso, eram suficientes salas de estar e quartos de dormir relativamente pequenos e neutros, nos quais se entrava e saía rapidamente com poucas malas. Aquilo que faltava nas habitações seria compensado, tal como na vida num hotel ou durante um cruzeiro, através de espaços comunitários e instalações de serviços. Quando, em 1930, foi transferido para o Werkbund o planejamento da contribuição alemã para a exposição de artes e ofícios de Paris, Walter Gropius apresentou um espaço comunitário com bar, pista de dança, recantos para as atividades de leitura, jogos e música, biblioteca, mural de notícias, bem como uma área de ginásio e ofereceu, deste modo, uma visão muito admirada do mundo do habitar futuro. Na exposição da construção alemã, de 1931, em Berlim, os membros do Werkbund equiparam apartamentos modelo, bem como espaços sociais e desportivos numa pensão residencial, que no rés-do-chão possuía um restaurante de dimensões generosas para todos os “hóspedes do hotel”. Com as consequências da crise econômica, estas ideias de novas formas de habitar para pessoas móveis, desportivas e internacionais dissolveram-se por si próprias.

Habitar nos Novos Tempos – Modelos para a Sociedade Móvel

Tem-se dito do homem urbano moderno que este tem semelhanças com os nômades eternos do deserto (...). Esta comparação tem, em si, indubitavelmente qualquer coisa de verdadeiro; no entanto, só se tornou uma “descoberta” literária quando também a burguesia se sentiu puxada para o centro do redemoinho e do desassossego do capitalismo moderno em revolução contínua. (...) O novo costume, em rápido crescimento, de equipar as novas habitações com móveis embutidos, principalmente armários, surge da necessidade de uma mudança mais fácil e favorece o “nomadismo” do habitante urbano moderno.

Albert Sigrist, “Das Buch vom Bauen”, 1930

19291931

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Deutscher Werkbund 1933-1945

19331945

As Ideias do Werkbund no Período do Nacional-Socialismo

D epois da tomada do poder pelos nacional-socialistas, em 1933, a maioria dos membros da direção do Deutscher

Werkbund procurou salvar o grupo da dissolução transferindo a direção para alguns membros do partido e alterando os estatutos segundo ideias nacional-socialistas. O Werkbund “politicamente uniformizado” foi integrado primeiro na “Kampfbund für deutsche Kultur” (Liga da luta pela cultura alemã) e depois na Câmara de Cultura do Reich. Ao contrário de lendas posteriores e branqueamento histórico, a instituição manteve a sua existência até 1938 com o seu próprio presidente, tendo sido possível realizar ainda algumas exposições e publicações; no entanto, todas as atividades foram adaptadas à ideologia nacional-socialista. Assim, a mostra internacional “Die Neue Zeit” (Os Novos Tempos), a ser preparada desde 1925 pelo Werkbund, foi transformada na exposição do Reich “Schaffendes Volk” (Povo Trabalhador) de 1937, em Düsseldorf. Mesmo que os trabalhos de artes e ofícios e os materiais tradicionais tivessem sido apoiados de modo mais intenso, a colocação da técnica e da produção racional ao serviço da causa nacional-socialista fez com que muitos produtos funcionais do Werkbund, em parte já desenvolvidos antes de 1933, fossem muito utilizados no equipamento de escolas, edifícios de membros do partido ou cantinas de fábricas. O serviço de louça de Hermann Gretsch ou os copos de Wilhelm Wagenfeld tornaram-se, só a partir deste momento, verdadeiros produtos de massa. Na Repartição Pública com o nome “Schönheit der Arbeit” (Beleza do Trabalho), parte integrante da “Deutsche Arbeitsfront” (Frente de Trabalho Alemã), o design do Werkbund continuou a existir sob a forma de produtos adaptados, considerados como “boa forma alemã”, ao serviço do nacional- -socialismo.Em 1938, o Deutscher Werkbund é finalmente dissolvido. No entanto, manteve-se um contínuo das pessoas e do design que vai da República de Weimar, passando pelo período nacional- -socialista até à República Federal.

Não pretendemos ignorar o fato, e também queremos admiti-lo honestamente, de que o caminho para a urbanização “Am Weißenhof”, em Stuttgart, o caminho para a urbanização “Dammerstock”, para a “WuWa”, resumidamente, o caminho para o modernismo foi um erro do Werkbund.

Winfried Wendland, “Der Deutsche Werkbund im

neuen Reich”, 1937

O objetivo do grupo é a criação e a manutenção de um caráter dos ofícios alemães, no sentido da transmissão da cultura alemã, em todos os domínios da concepção artística, em colaboração com todos os que exercem atividades nesta área, através da educação e da propaganda no âmbito público alemão.

Novo estatuto do Werkbund, outono de 1933

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Deutscher Werkbund 1933-1945

O planejamento e a construção, de 1925 a 1927, da urbanização do Werkbund “Am Weißenhof”, em Stuttgart,

expuseram os conflitos há muito latentes entre os arquitetos alemães e levaram à sua divisão em dois grupos. Os modernos, arquitetos berlinenses, na sua maioria, reuniram-se no “Ring” (Anel). A este opunha-se o “Block” (Bloco) dos conservadores, entre os quais se contavam em particular os representantes da escola de Stuttgart como Paul Bonatz ou Paul Schmitthenner. Já em 1927 Schmitthenner tinha proposto, como contra-modelo da urbanização “Am Weißenhof”, a “urbanização experimental Am Kochenhof”. Esta deveria ser constituída principalmente por casas unifamiliares com telhados de duas águas convencionais; no entanto, esta não correspondia, assim, ao programa de construção de habitação municipal que previa sobretudo habitações multifamiliares. Em 1931, o projeto foi novamente discutido, uma vez que agora se pretendia fomentar a indústria madeireira de Württemberg através de uma urbanização experimental em madeira. A sociedade “Zweckgemeinschaft Deutsches Holz für Hausbau und Wohnung, Stuttgart e.V.” (Sociedade Alemã da Madeira para Construção de Casas e Habitações), fundada em 1932, também pertencia ao Werkbund, que encomendou a Richard Döcker o planejamento de uma exposição de construção de orientação moderna. Döcker, que já tinha participado no planejamento da urbanização “Am Weißenhof”, desenvolveu um plano geral e convidou, como colaboradores, representantes reconhecidos da “Nova Construção”, entre os quais Hugo Häring e Konrad Wachsmann. A urbanização, concebida com coberturas planas, deparou-se com uma oposição fortíssima. Em março de 1933, a assembleia municipal de Stuttgart, dominada pelos nacional-socialistas, retirou a encomenda do Werkbund e transferiu-a para Schmitthenner e Heinz Wetzel. Logo no final de julho de 1933 foi celebrada a cerimônia do pau de fileira da urbanização “Am Kochenhof” que abrangia 25 moradias unifamiliares em madeira, projetadas pelos arquitetos de Stuttgart. As casas, construídas segundo o modo de construção com gaiolas, blocos, painéis e treliças e com duas águas, deviam demonstrar as vantagens da construção em madeira. A urbanização, muito próxima da “Am Weißenhof”, conservou-se em grande medida sem alterações.

As construções devem mostrar “a casa urbana em madeira”. Não devem ser transplantadas casas rurais nem chalés suíços para a cidade numa expressão de sentimentalismo. Em contrapartida, também não deve ser promovida a arquitetura experimental de máquinas habitacionais. O objetivo é mais uma tentativa consciente de fazer reviver a antiga casa burguesa urbana. A urbanização adota, por isso, a boa tradição como, por exemplo, a casa com jardim de Goethe, em Weimar, corporizada nas inúmeras casas burguesas de cidades pequenas e grandes anteriores à década de 1870.Não se pretendeu criar artificialmente novos problemas habitacionais e procurar a sua solução. Pelo contrário, procurou-se solucionar, da forma mais simples e melhor possível, as necessidades de habitação antigas e imutáveis dos habitantes das grandes cidades.

Erich K. Hengerer, “Die 25 Einfamilienhäuser der

Holzsiedlung am Kochenhof”, 1933

19321933

Da Urbanização do Werkbund à Urbanização Propagandística “Am Kochenhof”

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Deutscher Werkbund 1933-1945

W ilhelm Wagenfeld, já representado em 1924 na exposição do Werkbund “Die Form” (A Forma) e membro do

Deutscher Werkbund desde 1926, iniciou, em 1931, a sua colaboração na fábrica de vidros Schott & Gen., em Jena. Os produtos projetados por este, até 1937, para a empresa de renome internacional, refletem, do ponto de vista formal, claramente as ideias do Werkbund do final da década de 20. Os objetos de vidro eram “simples e claros, mas precisos e pertinentes como aparelhos técnicos”. Wagenfeld conseguiu manter uma das ideias centrais do Deutscher Werkbund, o design de objetos práticos, adequados ao material e “belos”. Estes produtos foram, então, produzidos em massa pela primeira vez. A partir de 1935, Wagenfeld passou a ser diretor artístico da Vereinigte Lausitzer Glaswerke, a maior empresa vidreira ao nível europeu de então. Obteve, com projetos modernos, parcialmente descomprometidos, primeiros prêmios e menções honrosas, numa série de sucessos, que também não diminuíram depois de 1945.Hermann Gretsch, membro do Werkbund desde 1925, e membro do partido nacional-socialista desde 1933, tornou-se, em 1935, presidente do Deutscher Werkbund. Também Gretsch procurou a “beleza associada à função” de acordo com as “condições inerentes ao material e ao processo de produção” e falava da forma simples que devia “parecer adequada e pertinente”. No entanto, também devia “ajudar a formar um entorno natural e saudável”, uma expressão na qual o tom reivindicante da época é claramente inteligível. Alguns dos seus projetos para a fábrica de porcelana Arzberg podem ser considerados entre os de maior sucesso do século XX como, por exemplo, os modelos “1382” e “1495”, que continuam a ser produzidos até hoje. Estas obras altamente galardoadas entre 1933 e 1945 continuaram a ser produzidas no período do pós-guerra. Wagenfeld e Gretsch representam, deste modo, a continuidade das ideias do Werkbund da República de Weimar, passando pelo período nacional-socialista e até à República Federal.

Design significa determinar formas adequadas às verdadeiras necessidades da vida de um povo. Os limites que, por este meio, são impostos ao designer, são determinados pelos hábitos de vida, nos quais este possa se projetar. (...) O designer tem de levar em conta, no seu projeto, as condicionantes e as exigências impostas pelo material e pelo processo de trabalho, bem como as ditadas pela utilização, e tem de o alterar e trabalhar até alcançar a única forma possível, como se esta não pudesse de modo algum ser diferente. Só quando consegue isto é que a forma fará sentido e será natural.

Hermann Gretsch, “Vom Gestalten”, 1941

Design na Década de 1930 – Wilhelm Wagenfeld e Hermann Gretsch

19301945

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Deutscher Werkbund 1933-1945

N o início do ano de 1935, é publicada a última edição da revista do Werkbund “Die Form” (A Forma) como um

número especial dedicado ao tema “Schönheit der Arbeit” (Beleza do Trabalho). O título remete para o serviço “Beleza do Trabalho”, dirigido por Albert Speer, que, como departamento da associação nacional-socialista “Kraft durch Freude” (Força através da Alegria), fundada pela Deutsche Arbeitsfront, era responsável pelo melhoramento das condições de trabalho. Mostra, por um lado, que o Werkbund tinha sido, entretanto, integrado no movimento nacional-socialista e, por outro, que uma organização nacional- -socialista se podia identificar com o nome “Werkbund”.Significativamente, encontram-se nas publicações do serviço “Beleza do Trabalho”, para além de edifícios destinados a membros do partido, de estilo regional tradicional, também edificações fabris de aspecto moderno, cujos espaços interiores comprovam claramente a utilização de ideias do Werkbund. As áreas de produção apresentam-se como laboratórios funcionais, as cantinas e as áreas de lazer estão equipadas com objetos modelo, que o serviço “Beleza do Trabalho” tinha mandado projetar. Estes produtos, fabricados em massa e introduzidos no cotidiano da população, utilizados também para equipar edifícios nacional-socialistas como, por exemplo, os centros educacionais “NS-Ordensburgen”, eram mantidos, quase na sua totalidade, com formas funcionais simples e não ornamentadas, como o Werkbund defendia há muito. O serviço de louça das cantinas de Heinrich Löffelhardt ou os objetos de vidro de Bruno Mauder do período do nacional-socialismo integram-se, na perfeição, na cadeia de objetos concebidos de acordo com as ideias do Werkbund, da República de Weimar até ao período do pós- -guerra. Também os modelos de mobiliário desenvolvidos por Hans Stolper e Karl Nothhelfer mostram, no seu design simples e funcional, ideias emprestadas quase até o plágio, por exemplo, de projetos de Adolf Schneck. Através do serviço “Beleza do Trabalho” sobreviveram, deste modo, à vista de todos, elementos de design do Werkbund, propagados pelo próprio regime nacional-socialista.

Saudável, bela e digna – são estas as exigências base colocadas a uma boa empresa na nova Alemanha. São expressão do forte ânimo de vida de uma nova época cultural, cujas forças criadoras nascem das ideias de comunidade e do bem comum. (...) Para a concretização da “Beleza do Trabalho” é necessária uma nova concepção pertinente de todas as coisas, grandes e pequenas, que constituem o contexto cotidiano dos indivíduos produtivos. (...) O sentido e o objetivo desta ação é dar uma forma mais bela ao cotidiano, contribuir para que o ambiente dos indivíduos produtivos se torne luminoso, limpo e amigável.

Albert Speer, “Was hat »Schönheit der Arbeit« mit

guter Beleuchtung zu tun?” sem data

Utilização do Design do Werkbund – Serviço “Beleza do Trabalho”

19331945

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Deutscher Werkbund 1933-1945

O Werkbund tinha começado a planejar, em 1925, uma mostra global, internacional e abrangente, com o título

programático “Die Neue Zeit” (Os Novos Tempos) do mundo moderno. Em condições completamente diferentes das esperadas pelo Werkbund, as ideias aí desenvolvidas foram introduzidas nas duas últimas grandes exposições de propaganda do regime nacional-socialista.Carl Christoph Lörcher, primeiro presidente de um Werkbund submetido à “uniformização política”, em 1933, agarrou rapidamente a ideia de uma exposição de grandes dimensões e conduziu negociações com as cidades de Düsseldorf e Colônia. Depois de, em 1935, Düsseldorf ter sido aceita, começaram planejamentos intensivos do Werkbund, mas a sua influência direta foi sendo cada vez mais afastada. Quando, no dia 8 de maio de 1937, foi inaugurada a grande exposição do Reich “Schaffendes Volk” (Povo Trabalhador) como mostra da produção nacional numa área de 780.000 m2 e em 42 naves, o Werkbund não se mostrou; no entanto, tinha especificado os pontos temáticos principais da exposição.Na exposição do Reich “Gebt mir vier Jahre Zeit” (Dêem-me um período de quatro anos) inaugurada no dia 30 de abril, em Berlim, não houve participação do Werkbund, mas os seus meios de concepção desenvolvidos durante a República de Weimar foram aqui muito visivelmente utilizados ao serviço da propaganda nacional-socialista. Na Nave II, projetada por Egon Eiermann, que apresentava uma mostra de produtos comerciais e técnicos sob a forma de “relatório de contas do governo”, lembra o posicionamento enviesado expressivo das fotografias de grandes dimensões da exposição do Werkbund em Paris, em 1930. O efeito direto da técnica foi apresentado através de máquinas trabalhando e motores em funcionamento, tal como já previsto para a exposição do Werkbund “Die Neue Zeit”, tendo contribuído para que a mostra fosse uma vivência impressionante. Contudo, qualquer distanciamento crítico tinha sido conscientemente evitado.

Em resumo, pode dizer-se que os promotores da exposição impuseram a si próprios a tarefa de unir (...) os diferentes elementos numa mostra global da nova época. Não só a economia comercial nas suas várias organizações e o estado da agricultura do Reich, mas também, e sobretudo, as seções do partido serão incorporadas de modo orgânico na imagem global, de modo que o conceito do povo trabalhador seja transmitido aos visitantes da exposição.

Catálogo “Schaffendes Volk”, 1937

1937

Ideias do Werkbund em Exposições de Propaganda Nacional-Socialista

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Deutscher Werkbund 1945-1959

D epois do fim da Segunda Guerra Mundial, membros do Werkbund voltaram a reunir-se em várias cidades,

organizando-se e participando na reconstrução. Em 1947, estes grupos juntaram-se em Rheydt e lançaram o desafio da construção de um “novo mundo”. Já em 1949 pôde ser organizada uma grande exposição do Werkbund em Colônia, que deveria fornecer especificações e padrões para a reconstrução, bem como formas de habitação futuras. Aqui, foi apresentada a contribuição do Werkbund Suíço, a mostra “Die gute Form” (A Boa Forma) montada por Max Bill, que proporcionou e demonstrou a ideia que seria o fio condutor das duas décadas seguintes, ou seja de que o design dos produtos industriais tinha se desenvolvido de tal forma em nível internacional, que as inovações individuais tinham deixado de ser importantes, tendo a tônica passado para a seleção adequada de uma paleta de produtos alargada.Assim que o Deutscher Werkbund e.V., oficialmente fundado de novo em 1950, passou a estar estruturado de uma forma federalista, a sua primeira grande atividade teve por objetivo o estabelecimento de um Conselho de Design superior, política e financeiramente seguro. Este foi decretado pelo Bundestag, em 1952, e, desde então, funciona como instância de consultoria e avaliação para produtos industriais, reconhecida pelo estado. É claro que com isto, o Werkbund perdeu alguma de sua importância anterior, pois agora deixava de atuar por si próprio, sendo uma outra instituição a representar as suas ideias. No entanto, o Deutscher Werkbund e as suas seções federais desenvolveram na década de 1950 inúmeras atividades. Organizaram a seção alemã das Trienais de Milão, equiparam habitações modelo na Exposição de Construção Internacional de Berlim, em 1957, desenvolveram o projeto para a contribuição alemã na Exposição Mundial de Bruxelas, em 1958, e enviaram para escolas “Pacotes do Werkbund” com modelos da “boa forma” para educar e formar o gosto.

Já não se trata de um refinamento estético de uma “forma de vida segura”, mas sim de reconhecer, querer e conceber o sentido e a forma da existência na Alemanha de hoje.

Declaração dos grupos do Werkbund, em Rheydt, 1947

Procuramos, com as melhores intenções, com a melhor das boas vontades, melhorar a produção. Tornamo-nos corresponsáveis, na realidade acessórios, de uma produção que em determinada medida dizia respeito ao necessário, mas numa medida maior ao desnecessário. (...) É importante reconhecer a situação humana e regressar a essa modéstia.

Hans Schwippert, “Warum Werkbund?”, 1955

19451959

O Deutscher Werkbund no Período da Reconstrução

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Deutscher Werkbund 1945-1959

N o ano da fundação da República Federal da Alemanha, o Deutscher Werkbund inaugurou, em Colônia, nas naves

da feira industrial de instalação provisória, a primeira exposição abrangente de mobiliário e arquitetura do pós-guerra. Uma parte deste evento cultural de grandes dimensões foi a exposição “Neues Wohnen” (Novas Formas de Habitar), na qual devia ser demonstrado que também era possível, com objetos simples e sem uniformização, modificar, de forma variada, e decorar, de modo confortável, as habitações. O que tinha sido oferecido, desde os anos do fim da guerra até à reforma monetária, no que se refere a peças de mobiliário, só raramente correspondia às exigências do “bom gosto”. A produção provinha da necessidade e a compra era quase sempre feita sem espírito crítico. Foi a partir desta situação que o Werkbund retomou o seu trabalho: “É especialmente na nossa pobreza que não podemos nos permitir a produção de um único utensílio que também não seja um manjar para a alma.”Os móveis-modelo apresentados em Colônia deveriam servir de padrão para um design industrial em série posterior. Jupp Ernst falou da “forma saída da máquina” que era agora necessário desenhar. Era atribuída uma importância especial à experimentação com novos materiais e métodos de fabricação, bem como com novas técnicas de produção, para as quais Gustav Hassenpflug e Gerhard Weber, entre outros, apresentaram propostas muito interessantes. Principalmente por motivos econômicos, o objetivo era a concepção de móveis desmontáveis, uma vez que isso permitia reduzir os custos de transporte e armazenamento. A exposição de fotografia organizada por membros do Werkbund, sob a direção de Alfons Leitl, “Deutsche Architektur seit 1945” (Arquitetura Alemã desde 1945) deu uma visão geral sobre os projetos arquitetônicos dos primeiros anos do pós-guerra. A exposição apresentava uma mostra programática dos projetos da geração de arquitetos mais jovem; entre estes contam-se Otto Bartning, Richard Döcker, Egon Eiermann, Rudolf Schwarz, Otto Ernst Schweizer, Hans Schwippert, sobre cuja “adequação qualitativa” não existiam dúvidas.

Se quisermos começar agora de novo, devemos lembrar-nos que o objetivo do nosso trabalho é dar de novo dignidade humana à vida das pessoas. (...) A primeira grande exposição do Werkbund mostra objetos tais como são necessários em todas as habitações, e quer mostrar que esses objetos podem ser tão bonitos e também tão baratos que até quem for pobre os pode adquirir. (...) Depurado e testado pela necessidade, cada objeto deve limitar-se a ser aquilo que deve ser: uma cama, uma mesa, um tacho. Todos estes objetos simples de que as pessoas necessitam para ter uma vida verdadeira, devem entrar na casa do pobre na sua forma pura, sem qualquer embelezamento que não seja o seu próprio sentido.

Rudolf Schwarz, “Werkbund­Ausstellung Neues

Wohnen. Deutsche Architektur seit 1945”, 1949

1949

Exposição em Colônia – “Novas Formas de Habitar”, “Arquitetura Alemã desde 1945”

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Deutscher Werkbund 1945-1959

P or encomenda do Werkbund Suíço, Max Bill organizou a mostra programática “Die gute Form” (A Boa Forma),

que, em 1949, foi apresentada simultaneamente na feira de modelos, em Basileia, e na exposição do Werkbund, em Colônia. Em oitenta painéis fotográficos de grandes dimensões foram combinadas fotografias da natureza, de obras de arte, de objetos utilitários, de arquitetura e de aparelhos técnicos com textos. Em complemento, eram apresentados sobre pedestais produtos originais selecionados. Com esta justaposição Max Bill demonstrou que o que interessava era escolher os produtos “certos” de um leque de produtos de produção industrial cada vez maior. Definiu a “beleza” dos objetos também como um dos critérios de seleção. Bill considerava esta como função que também tinha de ser modelada pelo design.Com esta posição encontrava-se em oposição à ideia até então corrente de que as formas funcionais eram automaticamente “belas” e de que a “boa forma” surgia por si própria através da satisfação do objetivo utilitário. A exposição que, em seguida, pode ser vista em inúmeras cidades, no país e no estrangeiro, deveria educar os visitantes no sentido do “bom gosto” e proporcionar uma orientação para o bom design.“Die gute Form” tornou-se, nas duas décadas seguintes, uma característica de qualidade e um conceito orientador. Por iniciativa e com o apoio do Deutscher Werkbund foram fundadas instituições como o Conselho de Design, a Associação para a Forma Industrial ou o Instituto para a Nova Forma Técnica. A partir de 1954, projetos industriais bem desenhados passaram a ser premiados na Alemanha e publicados regularmente pelo Werkbund, até 1971, nas publicações “Warenkunde”, “Made in Germany” e “Werk und Zeit”. A partir de 1969, passou a ser atribuído o prêmio anual “Gute Form” pelo Conselho de Design e pelo Ministério da Economia Federal que, desde 2002, passou a ter o nome “Prêmio de Design da República Federal da Alemanha” como distinção de design oficial do Ministério Federal para a Economia e a Tecnologia.

Por boa forma entendemos uma forma de um produto desenvolvida a partir das suas condicionantes funcionais e técnicas, que corresponde inteiramente ao seu objetivo e é bela simultaneamente.

Max Bill, “Die gute Form”, 1949

A produção de artigos de consumo de massa deve ser concebida de tal modo que, não só surja uma beleza relativa das suas funções, mas também que essa beleza se torne ela própria em função. (...) Os artigos de consumo de massa tornar-se-ão, no futuro, o padrão para o nível cultural do país.

Max Bill, “Schönheit aus Funktion und als Funktion”, 1949

“A Boa Forma” – Beleza da Função e como Função

1949

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Deutscher Werkbund 1945-1959

N as primeiras décadas depois da Segunda Guerra Mundial, as exposições com o tema da habitação constituíram um dos

pontos centrais do trabalho público do Werkbund. Habitações modelo totalmente equipadas deviam apresentar ao público aquilo que é “belo, útil e prático”. Também se tornou cada vez mais importante para o Werkbund mostrar aos visitantes a relação entre objetos utilitários “bons” e a modelação correta da vida. Assim, em 1952, a exposição “Wir bauen ein besseres Leben” (Construímos uma Vida Melhor), copatrocinada pelo Werkbund, apresentava, através de uma família constituída por atores numa habitação modelo, o modo de vida originado por este ambiente.Também no maior evento expositivo da Alemanha na década de 1950, a “Internationale Bauaustellung – Interbau” (Exposição Internacional de Construção) de 1957, em Berlim, o Werkbund apresenta-se como guardião do “bom habitar”: a decoração das 78 habitações modelo no Hansaviertel foi projetada, de modo competente, por membros do Werkbund sob a direção de Hans Gottwald e Mia Seeger. As habitações foram concebidas em função da idade, do número ou da profissão dos moradores, existindo espaços para a jovem solteira em início de carreira, para o casal sem filhos ou para a família com crianças. Também as habitações modelo da mostra especial organizada por Karl Otto “Die Stadt von morgen” (A Cidade do Amanhã) foram projetadas pelos membros do Werkbund Mia Seeger, Vera Meyer-Waldeck e Hilde Weström. A adição tradicional de espaços foi substituída por espaços fluídos com mobiliário leve, que deviam exprimir uma nova sensação de viver.A participação oficial do Werkbund na Interbau foi feita através de postos de aconselhamento habitacional, instalados segundo o exemplo do aconselhamento dos consumidores introduzido pela primeira vez, em 1953, em Mannheim. Na sequência da exposição Interbau, o Werkbund abriu, em 1958, em Berlim, a “Ständige Ausstellung Wohnen” (Exposição Permanente da Habitação) e divulgou as habitações modelo sob o título “Wohnen in userer Zeit” (Habitar no Nosso Tempo).

O desejo de mobilidade dos indivíduos modernos – o desejo de fazer parte do fluxo do desenvolvimento com os filhos, a sociedade, com a cultura emergente – condiciona uma forma de habitar em conformidade com cada nova situação, da família em crescimento, no seu auge e até o momento em que ela se reduz (...) – que é variável no espaço e no tempo! A habitação deve garantir a cada membro da família o seu espaço pessoal, a fim de lhe dar a possibilidade do viver em comunidade sem restrições. (...) A capacidade de transformação da habitação, numa separação clara ou numa intercomunicação desejada, permite o desenrolar de uma vida familiar diversificada sem impedimentos mútuos. Serenidade e satisfação são os dois elementos que mais se destacam neste habitar em beleza e saúde.

Deutscher Werkbund, “Wohnen in unserer Zeit”, 1958

Habitações Modelo do Werkbund – “Habitar no Nosso Tempo”

1957

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Deutscher Werkbund 1945-1959

D epois da Segunda Guerra Mundial, o Werkbund continuou os seus esforços no sentido da formação de uma

“consciência estética” junto dos consumidores e descobriu, como novo grupo alvo, os estudantes. Uma vez que, por si só, as exposições e as conferências pareciam não ser suficientes para atrair os jovens, a transmissão do design e a educação artística foram transferidas diretamente para as escolas, em colaboração com os professores de educação visual. O “pacote do Werkbund” foi desenvolvido como instrumento para esse efeito, o qual, como forma de transmissão inovadora, representava, de modo exemplar, uma das ideias base do Werkbund: a educação para o “bom gosto” e para a “boa forma”.No intervalo de poucos anos surgiram pacotes do Werkbund em cerca de vinte variantes e designações, no Badischer Landesmuseum de Karlsruhe, na Neue Sammlung de Munique, no Werkbund da Baixa Saxônia, bem como no Werkbund de Berlim. Mesmo que tenham se distinguido bastante no que se refere à constituição e composição, tinham todas o mesmo objetivo didático: despertar e formar a capacidade de emitir juízos estéticos nos jovens. Isto deveria ser efetuado, por um lado, através de painéis didáticos sobre, por exemplo, urbanismo ou plantas modelo de habitações, por outro, através de objetos de design exemplar, no sentido do Werkbund, colocados nas mãos dos alunos pelos professores de educação visual. Nas aulas, os vários objetos modelo da “boa forma” podiam ser analisados no que se refere ao design ou às proporções, bem como estudados em relação a questões como o material, a cor, a utilidade e a função. A reivindicação do Werkbund de atuar como “educador do povo” atingiu o seu ponto alto com os pacotes do Werkbund, com os quais, através de uma seleção exemplar de objetos, a educação do gosto era já levada a cabo na escola.

Os pacotes do Werkbund destinam--se às escolas. Já há muito existe entre os professores o desejo de despertar, entre os jovens que lhes foram confiados, o interesse pela modelação do seu entorno. (...) Estes pacotes devem seguir para as escolas e classes, mas as atividades em torno destes não devem sobrecarregar o plano curricular sob a forma de uma disciplina adicional. Devem, pelo contrário, servir para relaxar. Os objetos foram selecionados segundo a forma, o material, a cor, a qualidade e a utilidade. (...) Destinam-se a suscitar tomadas de posição e trocas de ideias sobre a questão de saber porque é que um objeto é bom ou o que nele poderia ser ainda ser melhor.

Annemarie Lancelle, “Werk und Zeit”, 1955

A “Boa Forma” faz Escola – Pacotes do Werkbund como Instrumento Pedagógico

19541967

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Deutscher Werkbund 1945-1959

N a primavera de 1954 foi feito à República Federal da Alemanha um convite para participar na Exposição Mundial

de 1958, em Bruxelas. O Deutscher Werkbund conseguiu intervir na sua concepção. No final de novembro de 1955 foram nomeados oficialmente para o conselho do comissário geral da seção alemã da exposição dois membros centrais do Werkbund, nas pessoas de Mia Seeger e do presidente do Werkbund, Hans Schwippert. Ao ser confiado o projeto arquitetônico a Sep Ruf e a Egon Eiermann, dois membros igualmente importantes do Deutscher Werkbund, a participação de membros do Werkbund no planejamento tornou-se significativa.Assim, em fevereiro de 1956, prevaleceu o conceito detalhado elaborado por Hans Schwippert que previa a exemplificação da “Vida na Alemanha” em nove seções: agricultura, artes e ofícios, trabalho industrial, cidade e habitação, necessidades pessoais, tarefas sociais, tempos livres, saúde e ajuda, bem como educação e formação. A elaboração do design e dos conteúdos foi quase da exclusiva responsabilidade de membros do Werkbund.À apresentação contida e discreta, conforme se pretendia, da República Federal da Alemanha no estrangeiro, correspondia o design simples e funcional – um ponto central da ideia do Werkbund. Também a arquitetura do Pavilhão Alemão devia demonstrar, através de formas flutuantes leves e transparentes, que a sociedade federal alemã se tinha inserido no desenvolvimento democrático do mundo ocidental.Na sua primeira apresentação deste tipo no estrangeiro, a República Federal da Alemanha distanciou-se, deliberadamente, da arquitetura nacional-socialista marcada pela monumentalidade, a simetria e fachadas em pedra natural.

Era necessário encontrar uma resposta para as questões de como devia ser visto o progresso no nosso tempo e qual poderia ser exatamente a contribuição da Alemanha para esse balanço de um mundo mais humano. O fato de ter sido um arquiteto da tradição do Deutscher Werkbund a dar uma resposta a essas questões não é um acaso (...). Mostramos em Bruxelas algo, de uma Alemanha que, sem desejo de reconhecimento, se encontra no caminho de se integrar na grande comunidade da humanidade que desejamos. Mostramos algo da Alemanha que (...) se esforça por modelar essa vida (...) de uma forma luminosa, agradável e livre.

Gustav Barcas von Hartmann, do catálogo

“Deutschlands Beitrag zur Weltausstellung Brüssel

1958”, 1958

“Vida na Alemanha” – A Contribuição para a Exposição Mundial de Bruxelas

1958

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Deutscher Werkbund 1959-1983

N o Congresso “Die große Landzerstörung” (A grande destruição do território), de 1959, em Marl, o Deutscher

Werkbund articulou, de novo, um tema da maior relevância para a globalidade da sociedade. Pela primeira vez foram submetidos a uma análise crítica os problemas da sociedade industrial e as consequências ecológicas de um crescimento orientado exclusivamente para o lucro. O presidente, Hans Schwippert, declarou que em cinquenta anos tinham conseguido copos bons, mas de que servia isso se entretanto a água tinha se transformado num “caldo desnaturado”. Por isso, o problema tinha deixado de ser a produção de produtos bons, tendo passado a ser a cultura do consumo e da utilização.Nos anos seguintes, as consequências da urbanização e as questões ecológicas foram fortemente debatidas e levadas a público através de exposições, publicações e campanhas. As discussões sobre a proteção do ambiente, os direitos do solo e a responsabilidade social da indústria conduziram, de modo consequente, a uma politização crescente. A “comunidade de opinião” do antigo Werkbund tornou-se uma “comunidade de ação”, que se imiscuía na política e na economia. Nem todos os membros quiseram seguir este caminho. A tragédia do Werkbund é a de ter sido o primeiro – muito antes do Club of Rome, da fundação do partido “Os Verdes” e do movimento ecológico – a reconhecer e a nomear os problemas decisivos do futuro, mas de ter se desintegrado face à magnitude da tarefa.No decurso de violentas lutas intestinas e da mudança de orientação, o Werkbund virou-se para novos temas, tais como a cultura do cotidiano, a sociedade do descartável, o planejamento participativo, a destruição urbana ou o “design invisível”. O Deutscher Werkbund deveria deixar de ser uma instância normativa da educação estética para passar a contribuir, através das suas atividades e publicações, para a autodeterminação de cidadãos livres, também em questões de gosto.

O Werkbund ergueu a qualidade como bandeira desde o seu início. Mas não nos iludamos, pois não se tratava, desde o início, da qualidade da habitação, do mobiliário, as muito discutidas chaleiras; tratou-se, desde o início, da qualidade de vida. Arrumamos alguns adereços, que se interpunham entre o Werkbund e os seus objetivos últimos, em especial a sobrevalorização da arte como agente de reforma da vida. Trata-se hoje, de um modo muito mais direto do que antes, da qualidade de vida e da resistência contra as ameaças que trabalham na sua destruição. É esta a questão, quer se trate da poluição do ambiente, dos direitos do solo, ou da manutenção da substância urbana e da educação.

Julius Posener, “Wirken und Wirkung”, 1973

19591983

Mudança de Posição e Nova Orientação

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Deutscher Werkbund 1959-1983

E m 1957, o Werkbund traz a público um tema sociopolítico da maior relevância. Na exposição especial “Die Stadt von

morgen” (A Cidade de Amanhã), que foi apresentada no âmbito da Exposição Internacional de Construção de Berlim, Walter Rossow criticava, através de imagens e de texto, a destruição de paisagens através da industrialização e da urbanização, bem como os erros cometidos na reconstrução do pós-guerra. Hans Schmitt-Rost apresentou, num encontro do Werkbund, em Berlim, a minuta de uma jornada com o tema “Die große Landzerstörung” (A grande destruição do território) que teve lugar, em outubro de 1959, em Marl, na Vestefália. Na sessão de abertura, Hans Schwippert exigiu que “finalmente se falasse das necessidades em vez de se falar da produção”.Esta mudança de orientação, de produtor para consumidor, como foco do Werkbund, também foi sublinhada por Walter Rossow. Evocou a responsabilidade pelo destino das gerações futuras: “Vivemos numa época do desaparecimento da natureza relativamente intocada. Este processo está ocorrendo com uma velocidade tal que, no intervalo de uma geração, a paisagem terá em certos lugares um aspecto totalmente diferente.” Karl Otto postulou uma mudança fundamental do planejamento urbano. As “cidades nascidas de uma concentração cancerígena de indústria, economia, circulação e pessoas” tinham “devorado, destruído e tornado a paisagem doente”. Sobre o futuro não se deveria planejar apenas “de dentro para fora – consumindo gananciosamente o território como até agora – antes pelo contrário, é necessário um planejamento efetivo de fora para dentro”, o planejamento urbano deve começar pelo planejamento regional. A jornada em Marl, onde os problemas futuros da sociedade industrial foram articulados com uma clareza até então desconhecida, deu origem a discussões fervorosas, que se arrastaram durante anos na revista do Werkbund “Werk und Zeit” (Obra e Tempo) e que conduziram o Deutscher Werkbund para uma direção completamente nova.

A terra natural como matéria- -prima, excluindo os mares e os polos, desapareceu e tornou-se paisagem civilizacional. Tudo pertence ao Homem. Mas as forças em operação na economia industrial continuam na direção da exploração total dos recursos naturais segundo a sua velhíssima ideologia (...). Já não levará muito tempo até não existir paisagem intocada, rio desregulado, ar puro, água não filtrada e sossego.

Hans Schmitt­Rost, minuta para a jornada “Die große

Landzerstörung”, 1957

“A Grande Destruição do Território” – Mudança de Orientação Programática

1959

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Deutscher Werkbund 1959-1983

E m 1963, na procura de alternativas para a destruição da paisagem natural com cada nova urbanização, através

de novas formas de edificação, um grupo de arquitetos de Stuttgart, em torno de Max Bächer, Walter Belz e Hans Kammerer, organizou a exposição “Heimat, deine Häuser” (Terra natal, as tuas casas), que apresentava, através de painéis fotográficos de grandes dimensões, exemplos repelentes e estimulantes de urbanizações. Numa retrospetiva histórica demonstrou-se que as “oportunidades oferecidas pela reconstrução do pós- -guerra” não tinham sido exploradas. A mostra incluía exemplos recentíssimos de urbanizações de elevada densidade e desafiava o estado a criar “uma nova lei de utilização do território que garantisse direitos de planejamento, em áreas de concentração populacional elevada, sobre a propriedade privada dos terrenos”. Sob o patrocínio do Deutscher Werkbund, esta “exposição sobre a construção alemã de habitações” pôde ser vista em mais de cinquenta cidades nos anos seguintes.Em 1967, no âmbito da mostra de jardins federal, em Karlsruhe, teve lugar a exposição “Land + Wasser = Goldener Boden” (Território + Água = Solo Dourado). A ideia e o projeto para o evento comum do Deutscher Werkbund e de outras instituições são da autoria de Walter Rossow. Fazendo referência à jornada programática do Werkbund “Die große Landzerstörung” (A grande destruição do território) de 1959, a exposição devia documentar e apresentar a divisão do território através do crescimento contínuo das cidades, e o modo “como é desperdiçado o território que nos dá alimentos, água e repouso, os perigos que nos ameaçam através da utilização errada da paisagem e a forma como esses perigos podem ser eliminados.” Ao lado de resultados assustadores de processos de industrialização e urbanização incontrolados, eram apresentados exemplos modelo de planejamentos do território suprarregionais e projetos de ordenamento regional bem- -sucedidos. As relações complexas entre o planejamento urbano e paisagístico, entre a eliminação de lixo e a distribuição de água, o abastecimento de energia e o consumo de recursos também eram esclarecidas de modo explícito.

Os limites naturais alargados das paisagens e os limites políticos, de pequena escala, de aldeias, cidades, municípios e estados federais não se sobrepõem. Contradizem-se. Os limites políticos dividem uma unidade de grandes dimensões contínua e interdependente em parcelas individuais. As leis e a ordem da entidade de grandes dimensões são prejudicadas. Tal resulta em prejuízos para o presente e em perigos para o futuro próximo. Os limites dos municípios, cidades e aldeias são intocáveis. Os limites da sustentabilidade da paisagem são lesados. O território é consumido como uma mercadoria. A sua estrutura biológica com as suas diferenças de valor naturais não é reconhecida. O território é desgastado segundo as necessidades do dia.

Walter Rossow, texto para a exposição, 1967

“Terra Natal, as tuas Casas” e “Território + Água = Solo Dourado”

19631967

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Deutscher Werkbund 1959-1983

L ogo através do título da exposição “PROFITOPOLI$ oder: Der Mensch braucht eine andere Stadt” (PROFITOPOLI$ ou:

o Homem precisa de outra cidade), inaugurada em 1971, em Munique, exprime claramente o descontentamento dos membros dedicados do Werkbund, Josef Lehmbrock e Wend Fischer, com o ambiente urbano. Na combinação de grande eficácia entre imagens de grande formato e citações penetrantes foram denunciadas, de uma forma radical e agressiva, as condições insatisfatórias das cidades, tais como poluição do ar, predomínio da circulação automóvel ou a total falta de consideração pelos membros mais frágeis da sociedade. Um conceito de cidade, desenvolvido por Lehmbrock a partir de pontos de vista puramente funcionais, era apresentado no fim como uma alternativa humana às condições vigentes. Numa poderosa sequência de acusações, apelos e propostas era apresentado de forma radical um desafio ao protesto e à iniciativa individual num estado democrático – resumindo, assim, objetivos centrais do Werkbund na década de 1970. A exposição itinerante foi vista, em seguida, em mais de 140 cidades.A exposição subsequente “Von PROFITOPOLI$ zur Stadt der Menschen” (Da PROFITOPOLI$ para a cidade do Homem), realizada em 1979, mostrava sob a impressão de uma influência crescente dos cidadãos no urbanismo, um caráter claramente diferente. Já não seguiu o caminho do confronto direto, procurando antes estimular e sensibilizar. Deste modo, nas apresentações preliminares de Hugo Kükelhaus era já exigida a redescoberta da sensualidade como condição base da vida humana.Temas como a conservação da substância histórica construída ou a relação correta entre trabalho e lazer suplantavam as grandes questões sociais e urbanísticas. Abandonando a posição do projetista que planeja acima de todas as coisas, Lehmbrock e Fischer tinham-se aproximado da perspectiva do habitante, tendo permanecido, deste modo, fiéis à “proximidade do cidadão”, o lema de então do Werkbund.

Uma exposição que trata do estado das nossas cidades e das alterações necessárias desse estado é, inevitavelmente, uma exposição política. A preocupação com o futuro das nossas cidades é idêntica à preocupação com o futuro da nossa democracia. Pois o estado, no qual se encontram as nossas cidades, força a pergunta sobre os valores da nossa sociedade. A resposta que somos obrigados a dar-nos dispõe-nos à resignação ou ao compromisso.

Josef Lehmbrock, Wend Fischer, “PROFITOPOLI$ oder:

Der Mensch braucht eine andere Stadt”, 1971

“PROFITOPOLI$” 1971 e 1979 – Duas Exposições Programáticas

19711979

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Deutscher Werkbund 1959-1983

A sede do Deutscher Werkbund e.V. foi transferida, em 1971, de Berlim para Darmstadt. Além disso, Michael

Andritzky veio substituir Gustav Barcas von Hartmann no lugar de secretário-geral, ocupado por este desde 1964. Sob a égide de Andritzky, o Werkbund publicou vários livros em formato de bolso, com repercussão entre o público, que se debruçavam sobre os temas do saneamento urbano, da cultura habitacional e da ecologia. O objetivo destes era informar a população sobre as possibilidades da concepção urbana e da habitação e, deste modo, capacitá-la para a participação e a codeterminação. Para que estas medidas pedagógicas começassem a alcançar a população já a partir dos alunos, o Werkbund compilou e distribuiu materiais de acompanhamento adequados para as aulas: em anexo ao livro técnico em dois volumes da editora rororo, “Lernbereich Wohnen” (Área de Estudo Habitação), encontram-se propostas para fichas de trabalho, brochuras, cartazes e séries de postais, bem como séries de diapositivos relativos à concepção urbana e habitacional. As séries de diapositivos eram acompanhadas por textos curtos explicativos, que podiam ser lidos quando utilizados em escolas ou outras instituições de ensino.Também os volumes colecionáveis “Grün in der Stadt – von oben, von selbst, für alle, von allen” (Espaços verdes na cidade – de cima, espontâneos, para todos, de todos) e “Für eine andere Architektur” (Para uma Arquitetura Alternativa) incluíam inúmeras contribuições para os quais era possível obter as séries de diapositivos correspondentes. Michael Andritzky e Klaus Spitzer compilaram para o tema “A democratização dos espaços verdes públicos” uma série de diapositivos em quatro partes. Aí eram mostradas medidas através das quais os cidadãos podiam exercer influência sobre a concepção dos espaços verdes urbanos como, por exemplo, através do ajardinamento do espaço à frente da própria habitação ou através de ações coletivas de plantio de árvores. Com a saída de Andritzky do Werkbund, no final de 1983, surgiram críticas internas a estas ações e a produção e distribuição das séries de diapositivos foram canceladas.

A ação independente implica sempre também o não se ter medo da opinião dos outros. (...) Mais coragem para seguir a própria fantasia e menos medo do estatuto parecem ser necessários para a conservação do domínio da habitação como uma das últimas reservas de autodeterminação potencial, onde seria possível a libertação de constrangimentos sociais (...). No entanto, por outro lado, o livro não quer prescrever como é que se deveria viver melhor, com maior beleza, maior razoabilidade, ou como quer que seja; não se procura postular quaisquer valores, nem educar o gosto num determinado sentido. Pois o habitar não deve ser nem ordenado nem estandardizado, porque um habitar correto é sempre um ato individual de autoexpressão individual e específico de um estatuto social.

Michael Andritzky, Gert Selle, “Was will »Lernbereich

Wohnen«“?, 1979

Ofensiva dos Meios Multimídia Pedagógicos na Década de 1970

1970

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Deutscher Werkbund 1983-2007

D epois de uma fase turbulenta e politizada, houve novamente, na década de 1980, uma mudança de

orientação no Werkbund: novas direções esforçaram-se pela consolidação e por um novo alinhamento. Através da mudança da central para Frankfurt am Main, a associação obteve, pela primeira vez, espaços de exposição próprios, uma segurança financeira que lhe permitiu cooperações e jornadas internacionais. Com grandes exposições sobre a cultura jovem, a sociedade de consumo ou o design ambiental, bem como urbanizações experimentais do Werkbund, procurou-se reestabelecer a ligação com sucessos antigos.No entanto, o levantar de questões e o questionamento transformou-se também num ritual autorreferencial, os múltiplos temas sempre em mudança dissolviam-se em jornadas, discussões, comissões e na produção de publicações. Em 1986, o então presidente do Werkbund, Julius Posener colocou a pergunta “O Werkbund ainda nos é necessário?”. Em meados da década de 1990, dificuldades internas levaram à saída de três associações federais da federação e a fragmentação reduziu a eficácia pública do trabalho do Werkbund.Em 2007, o Deutscher Werkbund festejou a sua existência centenária e pôde lançar um olhar retrospetivo sobre uma história ilustre e de sucesso. Pôde ser, juntamente com a Bauhaus, celebrado como a instituição cultural mais importante da Alemanha do século XX e teve o grande mérito e ter sido o primeiro a nomear os problemas ecológicos da sociedade industrial e a sensibilizar o público para a proteção do ambiente, a alertar para a destruição do território. O Deutscher Werkbund continua a ser um importante monitor e impulsionador e a sua voz crítica deveria conseguir de novo mais atenção.

O Werkbund era um grupo de pessoas que sabiam que olhar para o lado não era uma resposta; que as coisas de que as pessoas não conseguem se apropriar no seu entorno são perturbadoras, mesmo quando não se está consciente de tal fato; e que tudo isso cala muito fundo, muito mais fundo do que aquilo de que se tem consciência: que faz parte de uma vida feliz o estar realmente em casa no seu ambiente. Gostaria de resumir tudo o que sei do Werkbund nas seguintes palavras: procurar transmitir uma sensação de proximidade. (...) Caso a continuidade do Werkbund deva ter um sentido, então, este será o de procurar transmitir-nos continuamente a experiência da proximidade, da confiança no mundo com o qual nos envolvemos. Isto torna-se, eu sei, cada vez mais difícil a cada ano que passa. Isto torna-se, também se sabe, mais importante a cada dia que passa.

Julius Posener, “Brauchen wir den Werkbund noch?”,

1986

Fragmentação e Procura de Sentido – O Werkbund Ainda nos é Necessário?

19832007

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Deutscher Werkbund 1983-2007

E m meados da década de 1980, depois da fase extremamente politizada da década de sessenta e setenta, foram abordados

por uma nova direção do Werkbund novos problemas e, uma vez mais, colocados à discussão pública através de exposições e jornadas. Com “Schock und Schöpfung” (Choque e Criatividade) o Werkbund tocou, em 1986, na influência dos jovens sobre o mundo do consumo e da comercialização da cultura jovem. Estabelecendo uma ligação com a tradição dos anuários do Werkbund, que tanto êxito tinham tido, surgiu a proposta de investigar e apresentar, de forma crítica, os problemas importantes da época, com base em diferentes temas anuais. No entanto, o início foi feito com a retrospetiva “O Deutscher Werkbund, 1907, 1947, 1987...”, que foi apresentada nas novas salas por ocasião da mudança da sede de Darmstadt para Frankfurt am Main. A esta seguiu-se, em 1989, a exposição “ex und hopp”, uma discussão provocadora sobre a sociedade do desperdício. Com a reunificação da Alemanha, em 1989, as perspetivas alargaram-se e, em 1990, foi fundada a seção da Saxônia do Werkbund e mostrada uma retrospetiva do design na RDA “Vom Bauhaus nach Bitterfeld” (Da Bauhaus para Bitterfeld). Com a exposição “Welche Dinge braucht der Mensch?” (De que objetos precisa o Homem?), em 1995, a cultura do cotidiano está novamente sob análise. Devido a uma crise financeira da sede do Deutscher Werkbund, uma parte do apoio financeiro foi cancelado pelos poderes públicos. Na sequência disto, as seções federais da Baviera, Berlim e do Norte saíram da federação e concentraram-se, com os seus meios, em projetos regionais. Depois do regresso da sede a Darmstadt, no ano de 1999, foi possível retomar as jornadas do Werkbund, em ligação com a Werkbundakademie Darmstadt e.V., fundada em Dezembro de 2000; porém as atividades foram se deslocando cada vez mais para as seções federais e a repercussão pública foi diminuindo continuamente.

Seria presunçoso dar respostas válidas às questões relacionadas com o princípio do descartável. Em vez disso, foram surgindo sempre novas questões durante a elaboração do tema. A impotência é uma prova de como o princípio do descartável penetrou profunda e secretamente em muitas áreas, se ocultou e transformou, de tal modo que quase não se consegue localizar. (...) Talvez o resultado mais importante da análise do princípio do descartável seja este: termos de admitir claramente que não temos qualquer solução para determinados problemas.

Ot Hoffmann, introdução de “ex und hopp. Das Prinzip

Wegwerf – eine Bilanz mit Verlusten”, 1989

O Werkbund à Procura de sua Posição

19862007

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Deutscher Werkbund 1983-2007

A urbanização Dörfle do Werkbund distingue-se, de modo fundamental, de todas as suas antecessoras. O objetivo

já não era a inovação arquitetônica, mas sim a recuperação do centro da cidade como local de habitação. Em 1977, um grupo de membros do Werkbund de Karlsruhe elaborou um extenso projeto de reabilitação do bairro do Dörfle, um antigo bairro heterogêneo de artesãos no limite oriental do centro da cidade de Karlsruhe. A cidade colocou à disposição do grupo um terreno para a realização de habitações unifamiliares exemplares com vários andares, no interior de uma estrutura de blocos urbanos.Antes de ser sorteada entre os arquitetos cada uma das doze parcelas, estes começaram por desenvolver uma regulamentação conjunta que deveria garantir um efeito de conjunto simples. No entanto, durante a realização continuada até 1992, essas especificações deixaram cada vez mais de ser cumpridas em favor de uma individualização mais forte dos projetos, de modo que a unidade procurada para o conjunto das habitações não foi alcançada.A urbanização “Am Ruhrufer”, erigida entre 1982 e 1988 pelo Werkbund numa antiga área de exploração carbonífera em Oberhausen-Alstaden, é um excelente exemplo de uma participação dos cidadãos no processo de planejamento. O projeto previa uma “muralha da cidade”, acessível a peões, como espinha dorsal da urbanização. Deveria conter as instalações técnicas, tais como banheiros e cozinhas, permitindo um segundo nível de acesso às casas. Enquanto as frentes da “muralha da cidade” viradas para as áreas públicas foram planejadas de modo uniforme pelos projetistas, os habitantes puderam conceber eles próprios as fachadas das suas casas do lado virado para o jardim, existindo uma variedade de modelos à disposição. No entanto, a participação dos cidadãos não ocorreu sem atritos, uma vez que os proprietários das casas ignoraram as regras de concepção para as fachadas viradas para a rua, tendo os arquitetos, por sua vez, esperado maior poder de decisão individual no que se referia aos projetos para as fachadas dos jardins.

Urbanizações Dörfle e Am Ruhrufer – Recuperação Urbana e Participação

As casas do Werkbund na urbanização Dörfle são um produto clássico da década de 1980, com os seus debates em torno da renovação urbana e do pós-modernismo com a sua inclinação para a recuperação da cidade antiga consolidada em detrimento da “construção nova no campo”. (...) Os objetivos da urbanização “Am Ruhrufer” têm a sua origem no debate sobre a participação da década de 1970, que era por sua vez expressão do mal-estar no anonimato da habitação massificada da década anterior. A urbanização é não só uma contribuição para esse debate mas também um dos mais sutis e inteligentes.

Martin Albers, “Werkbund und Wohnen”, Jornada

Werkbund Suíço na ETH de Zurique, 2001

19771992

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Deutscher Werkbund 1983-2007

N uma área de 5,5 hectares de um antigo quartel militar, a sul do parque olímpico de Munique, deverá ser erigida a

urbanização do Werkbund Wiesenfeld. Foram planejadas 520 habitações com uma área bruta total de 45.000 m2. Metade das habitações deverão ser financiadas por fundos públicos e a outra metade através de investimento privado. Além disso, foi proposta uma área de 4000 m2 para escritórios, bem como um berçário com 1270 m2. O objetivo explícito do Werkbund é poder dar, com a nova urbanização, respostas aos desafios da vida urbana do século XXI. A “qualidade integrante da vida urbana densa” deverá fomentar a vida em comunidade de famílias tradicionais, monoparentais, solteiros, pessoas de idade e de portadores de deficiência. Também são levadas em consideração questões relacionadas com a ecologia, os novos materiais de construção e a participação.Do concurso internacional para um projeto urbanístico com 415 participantes destacou-se como vencedor o arquiteto japonês de Tóquio, Kazunari Sakamoto. O seu projeto, constituído por “mini edifícios em altura” de quatro, oito e onze pisos com áreas de implantação de 12 x 12 metros no máximo, apresenta uma imagem urbana incomum para as escalas centro-europeias, que deixa transparecer a estética japonesa e uma preferência asiática pelas estruturas filigranadas. Sakamoto fala de um “island plan”, em que os edifícios parecem erguer-se como ilhas do mar dos pequenos pátios murados ajardinados. No seu projeto urbanístico vê-se uma “ordem suave” que também voltou a desenvolver nos seus três tipos de habitações em três níveis visuais diferentes: “terra, árvore e céu”. Na maior parte das habitações pode-se observar o entorno a partir de três lados, vivenciando esta assim de uma forma muito mais abrangente do que seria o caso na construção de blocos convencionais. Sakamoto considera que também através deste meio consegue aproximar-se um pouco mais da sua teoria da “poética do cotidiano”.

O Werkbund pertence às fileiras do projeto da modernidade, um projeto que tem por objetivo melhorar as condições de vida de todos e de cada um, hoje e nas gerações futuras. (...) As atuais alterações sociais aceleram transformações radicais em todos os níveis. O projeto da urbanização Wiesenfeld do Werkbund procura respostas para as questões da habitação do futuro na cidade. Os estilos de vida e os modelos de residências familiares são cada vez mais variados. A separação tradicional de vida profissional e privada dilui-se cada vez mais; com a divulgação de novos meios de comunicação pode--se (...) consequentemente trabalhar em qualquer lugar em qualquer momento. Mas que aspecto têm as habitações, o entorno, o bairro urbano adequados a essa situação?

Urbanização do Werkbund Wiesenfeld, memória

descritiva do concurso, 2006

Urbanização Wiesenfeld – Habitação Urbana no Século XXI

2007

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DEUTSCHERWERKBUND

29 MARÇO – 18 MAIO 2014

100 ANOS DEARQUITETURA E DESIGNNA ALEMANHA

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