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AS MARCAS DO MERCADO FINANCEIRO PERTENCEM AOS CONSUMIDORES?
(base da palestra de José Roberto Martins no 1º Semark – Seminário de Marketing Financeiro em 25/11/04. Organização:Febraban)
José Roberto Martins * WWW.GLOBALBRANDS.COM.BRCopyrigth/2004 (versão: fev/2006)
Os ativos intangíveis são fontes de lucros futuros sobre bens ainda não reconhecidos
nas demonstrações financeiras da maioria das organizações. Embora nenhum banco
possa prescindir das suas marcas, reputação, listas de clientes, sistemas, processos,
softwares e equipe capacitada, nenhum desses exemplos de intangíveis está
formalmente reconhecido nos balanços, e tampouco através de métricas gerenciais
que possam orientar as empresas do setor, seja nas suas ações administrativas, ou
nos trabalhos de comunicação que precisam ser legitimados e valorizados por diversos
públicos.
Além do desconhecimento médio a respeito dos benefícios da mensuração formal dos
ativos intangíveis pela maioria das organizações, observamos, especialmente no setor
de serviços, que outra possível razão desse “desprezo” pode ser creditada aos
sistemas contábeis clássicos, os quais não admitem a perspectiva financeira, dos
ativos que não podem ser tocados (imateriais ou intangíveis). Normalmente, o tema é
interpretado como restrito à pesquisa e teoria econômica, cujas possibilidades são
consideradas de baixo interesse organizacional, já que aparentemente não têm relação
com os lucros táticos.
Vamos ao sentido prático. A contabilidade se acostumou a reconhecer os intangíveis
apenas como uma questão de “goodwill”, e embora tratando o “preço” dos intangíveis
como um sobrepreço nas eventualidades de fusão e / ou aquisição (M&A), ela não se
ocupou em apoiar a identificação do seu “valor a priori” da M&A, que é quando os
meios de valorização dos intangíveis são mais interessantes e oportunos, pois
eventualmente até ajudam a impedir que eles naufraguem por causa da má
administração ou as ameaças controláveis do mercado.
A compreensão sobre a importância e valor dos intangíveis está crescendo mesmo
entre os céticos, e curiosamente com maior vigor e organização nas indústrias, que
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possuem muito mais bens tangíveis que as empresas de serviços, em essência quase
absolutamente formadas de ativos intangíveis. No mercado financeiro, em especial, é
onde encontramos grandes oportunidades para estudar as melhores formas para a
correta dimensão, controle e alavancagem dos intangíveis, principalmente quando
tratamos da administração de marcas.
Além dos fracassos ocasionais de marcas no setor, as empresas de serviços
financeiros vivem um momento delicado das suas relações com a estrutura clássica de
comunicação e promoção de marcas, ainda que a maioria dos bancos não tenha se
dado conta disso. Enquanto algumas organizações não se ressentem da falta de
criatividade para a produção de peças de mídia ou ações nos pontos de venda (PDV),
um bom número de bancos se queixa do quase esgotamento da criatividade de
comunicação da maioria dos seus fornecedores, sejam eles agências de propaganda,
consultorias de marketing, ou mesmo o próprio staff, por vezes acusado da falta de
proatividade, notadamente ao buscar inteligência para o posicionamento de suas
marcas no mercado.
As empresas que se ocupam seriamente dessa questão estão preocupadas, já que
observam um crescente movimento de instabilidade, na nossa opinião causado pela
reconquista da autonomia dos consumidores os quais questionam as mensagens
recebidas pela mídia ou nos PDV. Torna-se cada vez mais clara a incapacidade de
entrega de promessas da maioria das marcas.
Do ponto de vista de muitas organizações, e segundo as nossas impressões gerais, os
consumidores permanecem avaliados como sujeitos integrados, aos quais basta
promover imagens de estilo de vida (lifestyle), tentando mostrar a capacidade da
organização como provedora de confiança e demais necessidades pontuais ou
emocionais, não raro até aos limites dos “receios escondidos” dos consumidores em
relação à segurança financeira (empréstimos, aplicações, seguros).
Trata-se de um ciclo, o qual explicamos ao constatar, principalmente entre os grandes
bancos de varejo, no qual os consumidores, ainda que em constante transformação e
movimento, não deixam de emitir sinais que fazem com que sejam tratados como seres
estereotipados aos quais podem ser oferecidas soluções padronizadas geralmente
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desde um plano horizontal de segmentação, normalmente formulado sob as rotulações
“small”, “medium ”, “corporate ” ou “private”, que há muitos anos regulam as diferenças
de tratamento dos consumidores na maioria dos bancos.
Observamos nesse formato de segmentação como certas marcas estão mais ou
menos organizadas para disponibilizarem seus produtos, competências e profissionais
ao mercado. Alguns bancos já se incomodaram com o nivelamento generalizado e
resolveram partir para o que acreditam ser o “branding ideal da segmentação”. Assim,
as “marcas genéricas” “small”, “medium”, “corporate” e “private”, têm sido substituídas
por nomes “exclusivos”, alguns instalados nas próprias agências como “unidades”
especiais, enquanto outros foram acomodados em edifícios próprios e até com
sistemas on-line e staff exclusivos, além de uma sinalização gráfica diferenciada.
Com tudo isso, constatamos que esses modelos operam basicamente sob o patrocínio
e tutela de imagem da marca de origem, esteja ela ou não em harmonia com o
posicionamento que se pretende seja percebido e comprado pelos “novos” targets.
Enquanto alguns sistemas transmitem uma impressão – em geral ilusória – que o
cliente conta com uma massa crítica especial formulada exclusivamente para atender
as suas necessidades (observe, por exemplo, que a tesouraria costuma ser a mesma
para todos…), a verdade é que a maioria dos projetos produziu “puxadinhos de luxo” às
agências e modelos de sempre.
O processo tornou-se estético e até funcional, todavia à custa de alguns paradoxos.
Certos bancos acabaram optando pela construção e promoção de marcas monolíticas,
termo que sinaliza a idéia de uma única marca capaz de sinalizar e vender tudo o que a
organização é capaz de produzir. Em nome dessa aparente simplicidade e
racionalidade, muitas marcas altamente interessantes têm sido sugadas pelos buracos
negros da lógica monolítica, o que ajuda a macular ainda mais o objetivo primordial dos
puxadinhos.
As constantes fusões e aquisições do setor são fontes emblemáticas de análise dessa
constatação, notadamente quando estudamos a respeito da legitimidade de
segmentação e reposicionamento de algumas marcas do setor. Por exemplo, quando o
Bradesco assumiu o BCN, decidiu descartar uma marca que estava bem posicionada
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nos segmentos “small” e “middle” corporativo, prestando serviços de qualidade e
reconhecidos pelos consumidores, repentinamente alçados à condição de “viúvas do
BCN”, para “as” quais não importava as eventuais mazelas administrativas ou
acionistas da instituição, já que a rotina de negócios indicava que ela era capaz de
sustentar a entregar as promessas da marca BCN.
O Bradesco conduziu a gestão e promoção da marca BCN por um determinado
período, mas acabou sucumbindo diante do apelo irresistível da economia de escala
monolítica, mesmo à custa da legitimidade conquistada junto aos consumidores. Dentre
outros senões, “o pessoal do BCN” deveria operar segundo os sistemas e as normas
ditadas pelo “pessoal do Bradesco”. Não tinha mesmo que funcionar e, portanto, a
coisa certa a fazer foi fundir a rivalidade de imagem das duas marcas, segurando o que
fosse possível da carteira de clientes e demais valores do BCN, além de sua
capilaridade. Tão enfraquecida, a imagem de marca do BCN foi desaparecendo,
restando apenas a impressão de que o Bradesco nada mais fez do que simplesmente
espanar o problema da marca BCN da sua frente.
O soterramento da marca BCN foi, sem dúvida, ancorado no critério legítimo de
economia de escala, dentre outros possíveis méritos e valores da inteligência e
“estrutura Bradesco”. Se tudo isso não deixa de ser funcional, é possível que os
elementos de sinergia tenham sido excessivamente valorizados, justamente por terem
sido apreciados sob a ótica do próprio Bradesco, e não com a lógica das modernas
práticas de branding, o que implicaria em não descartar as impressões, necessidades e
desejos da massa de consumidores da marca BCN.
Não restam dúvidas de que foi operacionalmente muito mais fácil (e econômico) tatuar
o BCN e a sua massa de clientes com o carimbo Bradesco, segmentando a nova
marca dentro da estrutura clássica da organização, ou até sob o novo nome “Bradesco
Prime”, mesmo que ele em nada coadune com os valores fundidos das marcas
Bradesco e BCN.
Afinal, e extrapolando o exemplo, é possível mesmo “separar” a monolítica marca
Bradesco do luxuoso puxadinho Bradesco Prime? Serão os consumidores assim tão
míopes? Há o risco de os “primeless” se sentirem desprestigiados? Como lidar com os
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consumidores que, embora targets, podem não receber as promessas da comunicação
Prime, por exemplo, ao residirem em bairros onde não existam condições para os
“points exclusivos”, um staff equipado para entrega ou mesmo a infraestrutura
organizacional esperada pela massa?. A “nova” capilaridade não irá estabelecer novos
focos de conflitos e tornar ainda mais complexa a administração dos riscos e
oportunidades de branding?
Outro fato instigante nos pretensos “projetos de segmentação com branding” é o clima
elitizado de marca da média das novas embalagens. A idéia geral é que apenas um
grupo privilegiado de consumidores da marca original poderá contar com o modelo
(estético) de eficiência dos “novos” bancos, doravante travestidos não apenas de
tecnologia, mas revestidos de um layout a la Daslu representado por um grupo seleto
de profissionais que “falam a língua” dos clientes e, não raro, até se parecem com eles.
Tudo isso é reforçado pelas benesses de um espaço físico refrigerado, sem aquários
de segurança, filas, profissionais desmotivados, além de outras amenidades e
condições “especiais de convivência” que, antes acessórios de fábrica integrados ao
cotidiano dos bancos de sucesso médio para cima, tornaram-se benefícios alçados à
categoria de quase luxo. Nada de mais em tudo isso, mas é preciso não se esquecer
que o branding requer altas doses de legitimidade para os efeitos desejados.
É verdade que os bancos possuem algumas funções públicas, muitas vezes
conflitantes com os seus interesses e desejos de branding. É justamente o paradoxo da
dualidade “público x privado” o maior desafio de inteligência das organizações que
desejam crescer de forma sustentada, todavia segundo a lógica dos seus
consumidores. Sem inteligência extraordinária a maioria dos bancos não conseguirá
superar os desafios da dualidade, o que irá custar-lhes um preço bastante alto.
Ainda que os focus groups possam revelar os consumidores como massa capaz de
sustentar os novos modelos, é preciso considerar seriamente a possibilidade de eles
também indicarem que não querem mais ser percebidos de maneira segmentada, pelo
menos enquanto perceberem a maioria dos vícios de origem dos puxadinhos. Tanto
quanto os bancos, resultado é tudo o que interessa para os consumidores. A firula do
marketing nada pode fazer para mascarar a incapacidade de produzir resultados
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sustentados. Pesquisas, afinal, mostram quase sempre as mesmas coisas para todos
que desejam ver apenas as mesmas coisas.
Um bom número de bancos insiste em prolongar as suas políticas de segmentação, o
que pode revelar sinais de exaustão intelectual ou de eficiência da comunicação do
modelo do negócio, gerando dúvidas acerca da capacidade de dirigir várias marcas do
sistema para além da feição clássica ganha-ganha das relações.
Não existe muito espaço e tempo para teorias. A linha de frente precisa e deve
produzir, e tudo indica que ela desenvolveu bem essa capacidade, ainda que
eventualmente corra o risco de nivelar-se aos clássicos vendedores dos carnês do Baú
da Felicidade, o que não é demérito para ninguém, especialmente se essa volúpia
produtiva estiver em linha com o posicionamento de marca que a organização escolheu
para competir no mercado. Isso pode caber no Bradesco, mas certamente não caberá
nos puxadinhos.
Temos observado o recrudescimento da “empurroterapia” no sistema, não sendo raras
as organizações formalmente acusadas da prática de vendas casadas, ou mesmo a
pressão psicológica sobre clientes, “convidados” a praticarem necessidades formuladas
a partir do seu receio de perda da referência, ou provisão de recursos financeiros.
Repentinamente, os gerentes outrora capacitados, pensadores e fomentadores de
negócios, são miscigenados a vendedores de produtos de prateleira, alguns bem
abaixo do que poderia ser esperado de uma estrutura sofisticada de branding, como,
por exemplo, consórcios e seguros domésticos, muitas vezes oferecidos sem critérios
aos consumidores.
No longo prazo, toda essa vulgarização de branding poderá transformar alguns bancos
em mega centros de “negocinhos de varejo”, nos quais qualquer commodity poderá ser
contratada online, mesmo entre os clientes PJ, aos quais restará um serviço de
qualidade sofrível, ainda que indispensável. Tudo pode ter a sua lógica econômica e
financeira, mas é produtivo alertar que quase não há espaço para reconhecimento e
remuneração do valor de marca em modelos assim.
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Observamos nas agências de alguns bancos que além da grande crise de identidade o
setor atravessa uma crise de eficiência. Em grande parte, muitas dicotomias foram
causadas pela inconsistência do modelo de aquisições, no qual vimos engordadas as
carteiras de clientes, todavia à custa do inchaço orgânico na estrutura, em geral
despreparada ou pelo menos audaz para combater as possíveis ofensas ao
posicionamento de suas marcas. A tão sonhada sinergia de carteiras não foi suficiente
para colher os supostos benefícios do crescimento orgânico do número de clientes.
Sem levar em conta os impactos no branding e demais intangíveis (lembremo-nos que
eles não existem formalmente), os custos de adaptação de agências, treinamento e
remoção de pessoal fora do modelo são elevados.
O serviço de “instituições mais reclamadas” do Banco Central tem baixo valor
estatístico, mas possui alto poder inspirador para quem desejar. Em novembro de 2004
observamos o total de 989 queixas procedentes (nas quais houve descumprimento das
normas do Banco Central), e 74 improcedentes, nas quais as instituições não
descumpriram os atos normativos do Conselho Monetário Nacional ou do Banco
Central do Brasil. É um abismo preocupante...
A ineficiência dos bancos, somada à falência certa do modelo dos puxadinhos, pode
contribuir rapidamente para o deslocamento dos consumidores para fora do modelo de
convivência adequado para as principais marcas do setor, sendo ainda mais grave para
aquelas que desejam se estabelecer com equilíbrio e competitividade no mercado, mas
que acabaram copiando os bancos líderes. Portanto, não é lógico exigir que a linha
média de gestão de alguns bancos consiga responder satisfatoriamente às demandas
tangíveis e intangíveis de branding, com chances de superarem as expectativas dos
clientes e até mesmo do staff.
Um desafio muito grande para alguns bancos tem sido a busca do equipamento
intelectual que os auxilie a darem o próximo salto, caminhando em direção ao nível
eficaz de comunicação, oferecendo mensagens que sejam interpretadas claramente,
legitimamente e de encontro ao processo de “libertação” dos seus consumidores, se for
essa a ótica de algumas marcas. Evidentemente, o desafio é a busca pela viabilidade
econômica e financeira do processo desde essa perspectiva.
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Essas questões e argumentações podem parecer um pouco abstratas ou até
pessimistas, ainda que alguns sinais da “nova” lógica já tenham sido semeados nas
linhas anteriores deste texto e nos próprios terrenos do mercado. É realmente possível
que a nossa perspectiva não seja percebida como uma questão emergente, já que o
desenho organizacional da maioria dos bancos funciona em termos táticos
(operacionais): o staff demonstra produtividade, as metas são invariavelmente
alcançadas e superadas, a segmentação e o cross-selling produzem, com funcionários
que não se cansam de ter idéias para reduzir custos e aumentar as receitas. Então,
onde estão os problemas?
Se tudo vai sempre muito bem, estranhamos, até com certa freqüência, que alguns
bancos acabem comprando organizações que acabaram no mercado como marcas
que não vingaram, embora paradoxalmente também estivessem anteriormente em
condições aparentes de vantagem e praticando táticas lógicas de branding. É possível
que muitas organizações fracassem, ou pelo menos que não acompanhem o sucesso
das demais, simplesmente porque não conseguem compreender e administrar seus
diversos públicos (stakeholders), ou mesmo não sejam capazes de conter a própria
vaidade, outro elemento intangível que não conta com métrica de eficiência validada
pelo mercado.
Tudo pode ser uma mera questão de opção pelas métricas corretas, adequadas a cada
organização e não ao setor em geral, muito mais acostumado às medidas quantitativas
táticas de performance. Será que o que funciona para o setor funciona para as
peculiaridades de cada banco? Será que as métricas que têm valor são legitimadas
pelas impressões gerais e reações dos consumidores?
Refletimos também sobre o seguinte: as organizações mais gordas (de maiores
volumes de ativos), são em geral referidas como melhores, ainda que outras possam
pesar menos e serem formadas de carne magra, muito mais saudável. Mas, o que é
“gordura” e o que é “músculo” no branding do mercado financeiro?
Como este espaço é limitado, vamos especular a respeito dessas e de outras questões
observando os consumidores no varejo, deixando as feições e interesses táticos do
interbancário um pouco de lado. Portanto, queremos começar com as seguintes
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perguntas: existem sinais de algum processo de reconquista de autonomia por parte
dos consumidores de serviços financeiros? E, se eles existem, podem transformar as
marcas do mercado financeiro?
Descentração
Uma idéia geral interessante e bastante promissora, também aplicável a vários
negócios, é que tudo indica que as pessoas não identificam mais seus interesses
sociais exclusivamente em termos de classes, que não podem servir como dispositivos
discursivos ou categorias mobilizadoras através das quais todos os variados interesses
e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e
representadas.1
Sempre se acreditou que as estruturas eram estáveis; que não estavam sujeitas a
mudanças estruturais. Há não muito tempo, as pessoas julgavam que só seria possível
ter acesso à informação através da leitura corriqueira de jornais, livros e revistas. O
computador pessoal e a Internet eram coisas inimagináveis. Hall também lembra que
as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, o qual
não tem controle direto sobre as transformações que ele mesmo causa. Mais adiante,
será fácil compreender esse paradoxo.
Segundo essa perspectiva, o fato é que as identidades modernas estão sendo
“descentradas”. Nós, segundo Hall, não somos mais compostos de uma única
personalidade, já que estamos constantemente nos fragmentando, formando várias
personalidades, muitas vezes contraditórias e até não-resolvidas. Somos cada vez
mais provisórios, variáveis e problemáticos, o que não significa que não podemos nos
identificar com nenhuma das nossas possíveis identidades. Isso nos caracteriza como
“sujeitos pós-modernos”, conceito em evolução desde os anos 60. Teorias ainda mais
recentes até se referem ao sujeito “hipermoderno”, o qual trabalha no individualismo de
escolha das diversas opções disponíveis para o próprio prazer. Nesse nível, quase não
existe espaço para a comunicação massiva de marcas.
1Hall, 2004.
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Mas se formos mesmo sujeitos instáveis, inconstantes e móveis, pelo menos por
enquanto adaptáveis, como podemos nos relacionar classicamente com a estrutura
que nos rodeia e que, também segundo Hall, se “desloca”, já que seu centro não é
substituído por outro, mas sim por uma pluralidade de centros de poder pois
atualmente as transformações mais importantes estão sendo promovidas da periferia
para o centro.
Afinal, de onde emana o poder do mercado financeiro? Ele é coercitivo ou
participativo? Ele é temido ou respeitado? Se ele transmitir as imagens negativas,
certamente irá provocar (abreviar) o surgimento dos movimentos de deslocamento dos
indivíduos para além da capacidade de retenção das organizações, o que trará
conseqüências imprevisíveis para as marcas do sistema, sejam de que tamanho forem,
mesmo revestidas de logotipos dourados ou exclusivos.
Tudo isso corrobora, parcialmente, a nossa idéia a respeito da dualidade “público x
privado” do setor, a qual questiona a idéia geral de que as marcas do mercado
financeiro não pertencem aos seus titulares, mas sim aos consumidores. Acreditamos
que essa idéia funciona, mas apenas nas organizações nas quais os consumidores
tenham alguma ingerência nas ações, obtendo sinais claros, sistemáticos e
inconfundíveis sobre a capacidade de entregar as promessas do posicionamento de
cada marca. Na realidade, a vida dos bancos cujas marcas pertencem ao mesmo
tempo aos consumidores e acionistas é tão dura e desafiante, que é difícil acreditar que
eles possuam equipamento humano em número suficiente, capaz e motivado para
executar tarefa tão vital e complexa.
Tudo indica que organizações, indivíduos e a sociedade, não podem ser
individualizados ou segmentados (integrados) da maneira clássica, já que tudo leva a
crer que não existem mais centros de poder que sejam capazes de implementar e
sustentar políticas duradouras de vendas e comunicação, por exemplo, muito mais
tempo que a emergência das necessidades das identidades descentradas, visivelmente
em ritmo avassalador de transformação.
O fato é que as identidades estão sempre abertas e inacabadas e, portanto,
permanentemente permeáveis a várias idéias e abordagens, muitas vezes igualmente
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conflitantes. Tudo isso também causa impactos no sentimento de posse das marcas
pelos consumidores, infelizmente (para as organizações) afastando-os do interesse
pela manutenção sustentada da relação, pelo menos em harmonia com os modelos
clássicos de viabilidade econômica de comunicação e branding.
Enquanto isso, nas muralhas da maioria das organizações que se regem pelo modelo
de “aprisionamento e rotulagem” do indivíduo, através dos eufemismos da “fidelização”
e “segmentação”, uma boa dose de energia tem sido investida para burlar a trilha da
descentração e insistir na imposição da homogeneização das culturas e as métricas
convenientes que, por diversas razões controláveis e incontroláveis, são incapazes de
se “autorevolucionar”. Os consumidores são quase sempre convidados a trocar isso
por aquilo, esse por aquele, A por B, em geral a partir de regras herméticas formuladas
do centro para as bordas.
Por exemplo, a Internet não nasceu do mercado financeiro e conforme a sua
conveniência, já que muitos bancos já dispunham de redes exclusivas de comunicação
e troca de dados, muito antes que a massa crítica de clientes. A Internet veio das
bordas para o centro, e a partir da quebra do monopólio da AT&T, marca até então
dominante em comunicação. Dentre outras coisas, a Internet demonstra,
primeiramente, a possibilidade de estreitar laços ou simplificar a existência das
pessoas, coisas muito distantes da idéia de um sistema eficiente de oportunidade de
contenção de custos operacionais pelos bancos. Não interessa às pessoas como o
banco funciona, ou o quanto ele gasta com a sua manutenção e tecnologia. Elas estão
interessadas é na capacidade dos bancos em tornar as nossas vidas menos
estressadas e preocupantes.
Graças às conveniências da Internet, muitos bancos se viram forçados e tentados a
“afastarem” os indivíduos dos seus espaços físicos, lançando-os à conveniência do
espaço virtual. Atualmente, o consumidor descentrado quase não precisa mais do
contato físico com as marcas do mercado financeiro. Especialmente se ele não for
“branded as elite”, sabe que é inconveniente mergulhar no espaço real da maioria dos
bancos nos quais ele foi segmentado abaixo da linha. Portanto, sua presença física no
banco é inconveniente e não merecedora das facilidades apregoadas pelos novos
padrões de branding da segmentação projetados nos puxadinhos. Chegou-se a um
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ponto em que na cidade de São Paulo, por exemplo, foi aprovada uma lei que visa
impedir que os clientes esperem mais do que 15 minutos para serem atendidos. É a
eficiência agora regida por Lei?
Observemos ao redor e, francamente, pensemos sobre se o espaço real da maioria
dos bancos convida à integração. Guardadas as devidas exceções e os senões de
cada banco, a ficha dessa constatação pueril ainda não caiu na mente das
organizações excessivamente e eficazmente dirigidas pelas políticas eficientes de
controle de custos e sinergias, ainda que elas sejam incapazes de garantir a eficiência,
progressão e até a permanência de muitas marcas no mercado.
O espaço virtual ganha cada vez mais representatividade na vida social, apesar dos
inconvenientes, inclusive a tentadora ampliação da noção de independência e prova de
que a descentração funciona, ainda que ela seja irreconhecível nos processos
decisórios. Com essa realidade em pleno vigor, falar em “banco de relacionamento”,
pode ser, finalmente, uma mera questão de retórica.
Em um tempo possivelmente não tão distante, talvez a única coisa que ainda retenha o
consumidor no espaço virtual do mercado financeiro sejam as “marcas certificadoras”.
Qual será a marca certificadora de maior sucesso no mercado financeiro daqui a dez
anos? Qual era o significado e o sentido da frase “marca certificadora” há cinco anos?
As marcas têm sido muito festejadas como ativos valiosos. Sendo isso verdade,
precisamos também compreender profundamente que as marcas somente têm sentido
como signos de um contexto de branding, verdade em geral de natureza um tanto
abstrata para a compreensão prática dos líderes responsáveis pelo planejamento
estratégico das organizações excessivamente dependentes das políticas das
tesourarias, invariavelmente conflitantes com as demandas dos demais stakeholders
do sistema.
Esse fato, na maioria das vezes, é ignorado por muitos executivos e consultorias, em
especial quando elas se dedicam aos próprios interesses, criando iscas para atrair
clientes despreparados. Em maior ou menor grau, uma marca só pode ganhar
relevância (e valor) quando confrontada com certos códigos de significações conforme
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a hierarquia da massa de indivíduos (descentrados) dos quais ela depende. Como os
centros de valor de marca se alteram de empresa para empresa, é improvável que
qualquer métrica generalizada consiga, principalmente à distância, indicar as
diferenças de valor que realmente contam.
É complexa a base de dados que poderia nos levar a dizer que essa ou aquela marca
do sistema pertence aos seus consumidores, ou ainda quanto ela vale. Mesmo o
conceito de “valor do consumidor da marca” é prejudicado, pois, ao invés de ele ser o
centro de valorização para as empresas, na maioria das vezes acaba sendo referido
como pivô dos conflitos e dilemas organizacionais. É quase como se o consumidor real
tivesse se tornado um empecilho.
Segundo as melhores práticas do sistema e os modelos vigentes de segmentação,
pensamos que os bancos possuem a noção ótima das necessidades dos seus clientes,
talvez muito mais que qualquer outro negócio. É essa noção de excelência que orienta
a base do negócio bancário, no qual, classicamente, os clientes são agrupados
conforme as suas necessidades médias, mais ou menos como uma confecção que
produz roupas de tamanho pequeno, médio e grande. Quanto mais clientes um banco
conseguir dentro desse perfil, e quanto maior for o número de produtos que ele
conseguir lhes vender, maior será o seu lucro. Nesse modelo a força de captação e
repasse dos bancos está fortemente relacionada à qualidade e diversidade da sua
carteira de clientes, além de como ela pode ser administrada e ampliada.
Conclusões
Acreditamos que a segmentação clássica, mesmo proporcionando resultados
funcionais, seja atualmente a maior causadora dos conflitos de gestão e comunicação
da maioria dos bancos, que insiste em promover a idéia de particularização da
comunicação. Falando de forma igual para todos, os bancos pretendem atingir
emoções, sensações e expectativas diferentes.
Os resultados visíveis indicam que isso já não faz sentido, especialmente para o sujeito
pós-moderno, que normalmente não irá comprar (validar) essa comunicação, já que ela
não legitima a capacidade de entrega da marca. Isso significa que é recomendável
avaliar a oportunidade de redimensionar os investimentos em comunicação, além de
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repensar a adequação ótima do modelo de posicionamento de cada marca, por
exemplo, como sendo capaz de estabelecer contato legítimo, próximo e duradouro com
os consumidores descentrados.
O modelo ideal de segmentação, portanto, será aquele capaz de coexistir com as
demandas do sujeito descentrado, enquanto otimiza as condições adequadas de oferta
dos bancos, tanto em termos de desenho e desempenho dos produtos, quanto na
facilitação de sua colocação pela linha de frente, a qual deve ser extremamente
participativa no processo, já que ela é a estrutura capaz de identificar e lidar com os
valores reais contidos nos segmentos, os quais não podem ser vistos apenas sob a
ótica das tesourarias e marketing. Os bancos podem avançar em qualidade e
diferenciação, contudo sem prescindirem de um modelo de avaliação de performance e
resultados que seja legitimado por toda a organização. Enquanto isso não ocorrer,
qualquer ação inteligente de branding será percebida como mais um centro de custo.
Os bancos em estado adiantado de diagnóstico reconhecem os limites e a instabilidade
do modelo clássico de segmentação, como igualmente reconhecem sua incapacidade
de estabelecer uma linha de comunicação que seja compreendida simultaneamente
pelos vários públicos que prospectam, inclusive o interno. Se evoluíssem um pouco
mais, esses bancos poderiam experimentar a idéia de possuir não linhas de produtos,
mas sim linhas de clientes, não em termos de classe social e rentabilidade, analisando
cada cliente como uma carteira, mas sim como centros de aprendizado e
acompanhamento, no qual o próprio banco vai apoiando a sua evolução, vendendo-lhe
os produtos commodity e desenhando “soluções individuais”. Essa idéia rompe com o
modelo atual, e requer doses elevadas de ótima qualidade de conhecimento do staff.
Intuitivamente, ou por modismo em certos casos, alguns bancos optaram pelos
modelos de “gestão do conhecimento”, no qual o suposto mapeamento da inteligência
residente seria capaz de apoiar a convergência aos interesses dos clientes e próprios.
Em muitos casos houve a escolha pelos modelos propostos pelo prêt-à-penser da
escola norte-americana, além do mapeamento de competências, os quais carecem de
legitimidade interna e externa na maioria das empresas. Qualquer mapa perde seu
sentido imediatamente quando o banco rompe com qualquer um dos seus códigos, por
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exemplo, eliminando uma divisão, demitindo muitas pessoas, vendendo uma de suas
operações ou até mesmo segmentando a segmentação (“resegmentando”).
Os bancos, portanto, deveriam pensar em mapeamento de competências, gestão do
conhecimento, comunicação, segmentação, diagnóstico e gestão do brand equity,
apenas após realizarem uma ampla, geral e irrestrita “autorevolução” do seu branding,
o que irá consumir energia e vontade. É também muito importante refletir sobre as
métricas que servem para o banco sem levarem em conta o mercado consumidor.
A concorrência no setor é fortíssima no país. Muitos bancos estrangeiros capitularam
diante da complexidade do mercado, além da base local de marcas muito bem
posicionadas e altamente velozes na formulação de produtos e serviços em linha com
o perfil psicográfico dos consumidores tupiniquins.
Alguns estrangeiros ainda permanecem, trabalhando a tabela “tesouraria + tecnologia”,
utilizando muito bem as ótimas fontes de funding que possuem. Entretanto, se
considerarmos o fim do ciclo dos bons negócios de compra, é bem provável que o
Citibank, Bankboston, HSBC, ABN e Santander não consigam responder ao rápido
desenvolvimento da base local de megabancos brasileiros.
Com exceção dos bancos Santander, que pode muito bem tocar sua vida (ainda que
modestamente) através do Banespa, e o ABN, que tem na base adquirida do Real uma
plataforma atraente de negócios, os demais modelos carecem de legitimidade local de
posicionamento para as suas bandeiras, fato inúmeras vezes comprovado até pela
comunicação prêt-à-porter que esses bancos já vincularam por aqui.
Além disso, falta-lhes um “modelo de banco” que justifique a presença sustentada de
varejo, para além das feições de boutiques de negócios em moeda local e estrangeira.
Despertamos a nossa atenção no momento em que não conseguimos identificar um
modelo lógico de posicionamento de marca, o que pode afetar seriamente a
continuidade local dessas marcas, pelo menos enquanto insistirem em replicar os
modelos praticados pelos megabancos locais.
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Olhar para a história das marcas internacionais que já se foram pode ser um excelente
começo.
Referências:
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*Fundador da GlobalBrands e autor de Branding – Um manual para você criar, gerenciar eavaliar marcas.
www.globalbrands.com.br
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