A INOVAO NA TEORIA ECONMICA: UMA REVISO.
Ricardo Lobato Torres, IE/UFRJ, [email protected]
rea temtica: Economia da cincia, tecnologia e inovao.
Resumo
O progresso tecnolgico um tema j abordado nos escritos de Smith, Ricardo e Marx,
embora no como foco principal de anlise econmica. Apesar da conscincia da importncia
do progresso tecnolgico nesses autores, o tema passou para segundo plano com a revoluo
marginalista na teoria econmica. Foi somente com Schumpeter que o progresso tecnolgico
voltou a ser estudado como um elemento fundamental para o desenvolvimento econmico em
economias capitalistas. Inovao foi a palavra usada por Schumpeter para descrever uma
srie de novidades que podem ser introduzidas no sistema econmico e que alteram
substancialmente as relaes entre produtores e consumidores, sendo o elemento fundamental
para o desenvolvimento econmico. Uma srie de trabalhos foi realizada a partir dos anos
1930 para estudar a importncia do progresso tecnolgico para o desenvolvimento
econmico. Muitos focaram nos efeitos do progresso tecnolgico sobre as taxas de
crescimento do PIB. Outros tentaram explicar o ganho de produtividade a partir do estudo de
tecnologias especficas. O que presente trabalho prope apresentar uma breve reviso de
conceitos fundamentais que foram desenvolvidos na literatura econmica, a saber: inveno,
inovao, mudana tcnica, mudana tecnolgica e difuso de tecnologias. A partir dessa
conceituao, so apresentados e discutidos dois grupos de trabalhos tericos: aqueles que
focaram em quantificar e teorizar sobre os efeitos do progresso tecnolgico no crescimento
econmico e aqueles que buscaram teorizar sobre o processo de inovao e difuso de novas
tecnologias. Mesmo o trabalho seminal de Schumpeter careceu de uma teoria da inovao.
Desenvolvimentos tericos posteriores foram realizados, de forma que, hoje, h um
entendimento maior sobre o processo de inovao, ainda que no haja consenso. O presente
trabalho trata da discusso acerca das nuances do processo de inovao, embora no esgote
toda a literatura.
Palavras-chave: inovao, mudana tecnolgica, difuso.
1. INTRODUO
O progresso tecnolgico um tema j abordado nos escritos de Smith, Ricardo e Marx,
embora no como foco principal de anlise econmica. Em sua obra, A Riqueza das Naes,
Smith usou o exemplo da produo de alfinetes para mostrar como a mudana na organizao
do processo de fabricao, com a diviso social do trabalho e a especializao dos
trabalhadores em tarefas simples e repetitivas, aumentou significativamente a produtividade
do trabalho (FAGERBERG, 2005). Em O Capital, Marx tambm explorou a importncia do
progresso tecnolgico para a expanso do capitalismo. Chama ateno o fato de que sua
unidade de anlise no era o indivduo, ou um inventor ou inveno especfica, mas as
instituies sociais. Raramente, afirmou Marx, o progresso tecnolgico resultado do esforo
de um indivduo especfico. Ao analisar a evoluo do artesanato, da manufatura e da
revoluo industrial, Marx observou que foram as oportunidades de lucros pela descoberta da
Amrica, pela expanso das rotas comerciais com a sia e Austrlia, que estimularam o
progresso tecnolgico para a produo em volumes cada vez maiores. Marx foi tambm o
primeiro a propor um modelo econmico de dois setores: um produtor de bens de consumo e
outro de bens de capital. No processo de substituio da mo-de-obra na produo por
maquinrio, as prprias mquinas comearam a ser adotadas para a fabricao de novas
mquinas, o que alterou substancialmente a forma de produo capitalista (ROSENBERG,
1976).
Apesar da conscincia da importncia do progresso tecnolgico nesses autores, o tema
passou para segundo plano com a revoluo marginalista na teoria econmica. A escola
neoclssica buscou a formulao de modelos econmicos que pudessem ser representados
matematicamente, com foco em variveis como preos, quantidades e disponibilidade de
fatores de produo (capital e trabalho), sendo as instituies sociais abstradas dos modelos e
a tecnologia reduzida a um coeficiente tcnico de uma funo de produo. Foi somente com
Schumpeter que o progresso tecnolgico volta a ser estudado como um elemento fundamental
para o desenvolvimento econmico em economias capitalistas. Inovao foi a palavra usada
por Schumpeter para descrever uma srie de novidades que podem ser introduzidas no sistema
econmico e que alteram substancialmente as relaes entre produtores e consumidores,
sendo, na definio do autor, o elemento fundamental para o desenvolvimento econmico. E
neste ponto, Schumpeter se diferencia dos demais economistas de sua poca, pois o
desenvolvimento econmico no tratado como sinnimo de crescimento econmico este
sendo resultado do aumento do emprego dos fatores de produo, como no caso do fluxo
circular da vida , mas representa um crescimento espetacular da produo
concomitantemente que sua mudana estrutural, a partir do surgimento de novas tecnologias,
produtos e indstrias (SCHUMPETER, 1934).
Uma srie de trabalhos foi realizada a partir dos anos 1930 para estudar a importncia
do progresso tecnolgico para o desenvolvimento econmico. Muitos focaram nos efeitos do
progresso tecnolgico sobre as taxas de crescimento do PIB. Outros tentaram explicar o
ganho de produtividade a partir do estudo de tecnologias especficas (Rosenberg, 1971). O
objetivo deste trabalho discutir, a partir de uma reviso destes estudos, conceitos
fundamentais que foram debatidos na literatura, a saber: inveno, inovao, mudana
tcnica, mudana tecnolgica e difuso de tecnologias. Esses conceitos esto associados a
diferentes abordagens tericas, porm, no inteno deste trabalho dividi-las de acordo com
escolas de pensamento. A proposta aqui separar os estudos de acordo com aqueles que
procuraram quantificar e teorizar sobre os efeitos do progresso tecnolgico no crescimento
econmico e aqueles que procuraram teorizar sobre o processo de inovao e difuso de
novas tecnologias.
O trabalho est assim dividido: na segunda seo, trabalha-se com a conceituao dos
termos acima mencionados. Na terceira seo, apresenta-se uma breve reviso dos principais
trabalhos que buscaram quantificar os efeitos do progresso tecnolgico no crescimento
econmico. Na quarta seo, so discutidas as elaboraes tericas relacionadas ao processo
de inovao e de difuso de tecnologias. A quinta e ltima seo apresenta as consideraes
finais.
2. CONCEITUAO
Na Teoria do Desenvolvimento Econmico (TDE), Schumpeter faz uma enftica
distino entre inveno e inovao. Para o autor, a inveno a criao de um novo artefato
que pode ou no ter relevncia econmica. A inveno s se torna uma inovao se ela for
transformada em uma mercadoria ou em uma nova forma de produzir mercadoria, e que seja
explorada economicamente. A inovao refere-se a novas combinaes de recursos j
existentes para produzir novas mercadorias, ou para produzir mercadorias antigas de uma
forma mais eficiente, ou ainda mesmo para acessar novos mercados. Schumpeter define cinco
tipos de inovao: (1) novos produtos, (2) novos mtodos de produo, (3) novas fontes de
matria-prima, (4) explorao de novos mercados e (5) novas formas de organizar as
empresas (SCHUMPETER, 1934).
Em sua teoria, dois elementos so essenciais para a inovao: o empresrio e o crdito.
Enquanto o primeiro o agente transformador, ou seja, aquele que realiza as novas
combinaes, o segundo o meio atravs do qual o empresrio consegue obter recursos
financeiros para adiantar o pagamento dos fatores de produo em uma economia em
equilbrio. Atravs da inovao, o empresrio consegue oferecer novos produtos, produtos de
melhor qualidade, ou a custos reduzidos, que lhe permite auferir lucros mais elevados do que
os outros empresrios. As expectativas de lucros extraordinrios o incentivo para inovar e
a inovao o motor do desenvolvimento econmico na teoria de Schumpeter. a constante
introduo de inovaes que empurra a economia para alm da fronteira de possibilidades de
produo, isto , para um crescimento alm daquele de melhor alocao dos recursos de uma
economia, como no caso do fluxo circular da vida. Por outro lado, os lucros extraordinrios de
uma inovao so temporrios. Existe sempre a possibilidade de o inovador ser imitado pelos
demais capitalistas, atrados pela oportunidade de ganhos elevados. A imitao desencadeia
um ciclo de investimentos por parte dos outros empresrios que leva a difuso da tecnologia
introduzida pelo empresrio pioneiro. Durante esse ciclo h um crescimento econmico
espetacular, que se interrompe quando os lucros extraordinrios so diludos entre os
concorrentes, fazendo com que a economia encontre um novo ponto de equilbrio
(SCHUMPETER, 1934).
Ruttan (1959) argumenta que a definio de inovao de Schumpeter se aproxima da
definio de mudana tcnica utilizada pelos economistas do crescimento. A mudana tcnica
pode ser entendida como a mudana no produto final utilizando-se as mesmas quantidades de
fatores de produo (capital, trabalho, terra). Schumpeter parece deixar claro essa relao no
seu livro Business Cycles, conforme expresso na citao do prprio Ruttan (traduo nossa):
Vamos definir inovao mais rigorosamente por meio da funo de produo [...]. Essa
funo descreve a maneira pela qual a quantidade de produtos varia se a quantidade de
fatores varia. Se, ao invs da quantidade de fatores, variarmos a forma da funo, temos
uma inovao. [...] definiremos inovao simplesmente como o estabelecimento de uma
nova funo de produo. Isso cobre o caso de uma nova mercadoria bem como aqueles
de uma nova forma de organizao ou uma fuso, ou a abertura de novos mercados [...]
(SCHUMPETER, 1936, apud RUTTAN, 1959).
Como o prprio Ruttan conclui, essa a praticamente a mesma definio usada por
Sollow (1957). No entanto, convm ressaltar que, apesar disso, Schumpeter se diferencia dos
autores neoclssicos de sua poca quanto definio da funo de produo (que exclua o
capital como fator de produo) e, mais importante, que ele rejeitava a possibilidade de
mensurar os efeitos da inovao atravs de mudanas na funo de produo. Para
Schumpeter, a mudanas nos preos e o carter no-neutro da inovao limitariam a
capacidade de mensurao (RUTTAN, 1959).
Por outro lado, Ruttan (1959) considera que a distino entre inveno e inovao
menos relevante do que parece ser. Ao comparar os trabalhos de Usher (1955) e Schumpeter
(1934), o autor sugere que ambos os conceitos podem ser combinados em um s. Os
economistas geralmente associam palavra inveno aquelas inovaes que podem ser
patenteadas. A soluo de Usher foi definir inveno como o surgimento de novas coisas
que requerem atos de insight, que vo alm do exerccio normal das habilidades tcnicas ou
profissionais (USHER, 1955). Ento, para Ruttan, sob o guarda-chuva da inovao estariam
todas as novas coisas nas reas da cincia, da tecnologia e da arte. Assim, quando for
necessria maior preciso na definio, o termo inovao poderia ser acompanhado de um
adjetivo, como inovao cientfica, inovao tcnica, inovao organizacional. A
inveno seria apenas um subconjunto da inovao tcnica, para a qual se pode obter uma
patente. E, como a inveno pode ser explorada comercialmente, ela comportada dentro do
simples termo inovao.
O termo progresso tcnico (ou tecnolgico) tambm usual na literatura
econmica. Para Rosenberg (1982), o progresso tcnico pode ser entendido como o conjunto
de conhecimentos que torna possvel a produo, a partir de uma quantidade limitada de
recursos, (1) de um maior volume de produtos ou (2) de produtos qualitativamente superiores.
A importncia da segunda parte da definio deve ser ressaltada. comum o entendimento de
que o progresso tcnico trata-se do aumento do produto, mediante a mesma combinao de
fatores de produo. No entanto, a criao de novos produtos, ou o surgimento de novas
indstrias, fundamental para o entendimento do desenvolvimento econmico1. Como
exemplo, o autor cita o surgimento da ferrovia, do transporte martimo movido mquina a
vapor e dos avies a jato, como uma grande revoluo nos meios de transportes. Nas palavras
do prprio autor: no se trata da produo mais eficiente de carroas, mas da produo de um
produto qualitativamente superior e o gradual abandono do produto anterior. Fica claro que o
termo progresso tcnico empregado por Rosenberg tem o mesmo sentido de inovao de
Schumpeter, e que a questo do lanamento de novos produtos no uma mera questo de
mudana tcnica.
1 No sentido que Schumpeter (1934) utilizou.
Essa concepo remete idia de destruio criadora que Schumpeter em
Capitalismo, Socialismo e Democracia (CSD). Para o autor, as inovaes tecnolgicas
geravam descontinuidades nos produtos ou nas formas de produzir, ou seja, a criao de uma
nova tecnologia levava a destruio da velha tecnologia (SCHUMPETER, 1942). Esse
processo, no entanto, no radical, como apontaram Usher (1955) e Ruttan (1957): a
tecnologia antiga coexiste com a nova e h uma transio gradual.
O conceito de inovao geralmente desdobrado em dois tipos: inovao de produto e
inovao de processo, sendo que este ltimo englobaria as demais definies de Schumpeter
(1934) que no novos produtos. Blaug (1963) e Rosenberg (1982) argumentam que a diviso
inovao de produtos e inovao em processos um tanto artificial. A produo mais
eficiente de antigas mercadorias pode ser feita mediante o uso de um novo equipamento. No
entanto, tal equipamento pode ser um novo produto introduzido pela indstria de bens de
capital que melhora o processo produtivo das demais indstrias. Da mesma forma, melhorias
no processo produtivo que reduzam os custos de produo podem viabilizar o lanamento de
novos produtos. Apesar disso, ainda sobra o caso em que o simples rearranjo ainda no
tentado da forma de produzir (inovao organizacional) d margem para reduo dos custos
unitrios. Assim, do ponto de vista analtico, novas formas de fazer coisas antigas podem ser
distinguidas das velhas formas de fazer novidades. Portanto, uma inovao de processo pode
ser definida como qualquer melhoria na tcnica de produo que reduza os custos unitrios da
produo mesmo que os preos dos insumos no se alterem (BLAUG, 1963).
Mudana tcnica e mudana tecnolgica so dois conceitos que merecem ateno.
Muitas vezes esses termos so tratados como sinnimos na literatura, independente da escola
de pensamento. A mudana tcnica pode ser entendida como a alterao no produto final a
partir do emprego da mesma quantidade de fatores de produo (como capital e trabalho),
geralmente entendido como variaes na produtividade dos fatores (SOLOW, 1957). J a
mudana tecnolgica pode se entendida como o processo de inveno, inovao e difuso de
uma tecnologia. Assim, mudana tecnolgica pode ser entendida como sinnimo de progresso
tecnolgico ou progresso tcnico, conforme definio apresentada acima (ROSENBERG,
1982). Convm destacar a questo da difuso das novas tecnologias e suas implicaes sobre
o sistema econmico que aparece nessa definio e est de acordo com a teoria de
Schumpeter.
Pode ocorrer que ganhos de produtividade uma mudana tcnica seja resultado da
mudana tecnolgica, ou seja, que a introduo de novas tecnologias no sistema produtivo
aumente a produtividade total dos fatores. Porm, possvel que a mudana tcnica decorra
de outras causas como na existncia de economias de escala crescente , sem que haja
qualquer mudana tecnolgica. Assim, trabalhos como a teoria do crescimento de Sollow
(1957) explicam a mudana tcnica e no mudana tecnolgica. Mesmo o trabalho de Romer
(1990), intitulado Endogenous Technological Change, trata da mudana tcnica, embora
incorpore elementos relacionados mudana tecnolgica, como a qualificao da mo-de-
obra e pessoal dedicado pesquisa e desenvolvimento, que podem ser interpretados como
insumos necessrios para gerao de inovaes2, mas no descrevem por completo o processo
de inveno, inovao e difuso de novas tecnologias.
Por outro lado, os economistas que se dedicam a explicar o processo de criao e
difuso de novas tecnologias muitas vezes usam o termo mudana tcnica para descrev-lo.
Para evitar essa confuso conceitual, sero seguidas, ao longo deste trabalho, as distines
supracitadas: mudana tcnica para se referir a alteraes na produtividade dos fatores de
produo, e mudana tecnolgica para descrever o processo de inovao e difuso de novas
tecnologias em uma economia.
A difuso de novas tecnologias to, ou talvez mais, importante do que a prpria
inovao. A capacidade de criar idias novas um passo necessrio para o progresso
tecnolgico, mas sem a difuso, teria pouco valor para o estudo do desenvolvimento
econmico. Se as inovaes ficassem restritas a um grupo de indivduos ou firmas especficas,
os impactos sobre o total da economia poderiam ser irrelevantes. Mas, o amplo uso de uma
nova tecnologia, com o uso de mquinas movidas a energia eltrica ao invs de queima de
carvo ou outros combustveis fosseis, por exemplo, que permite a mudana tcnica,
descrita acima, em nvel agregado (HALL, 2005). A difuso de inovaes um processo
social conflitante. Do ponto de vista do inovador, interessante manter o monoplio sobre
uma inovao, pois isso lhe proporciona lucros extraordinrios, conforme teorizado por
Schumpeter (1934). Do ponto de vista social, uma nova tecnologia se amplamente utilizada,
pode elevar o padro de vida da sociedade, seja pela maior produo com o uso de menos
recursos, seja pela produo de mercadorias de melhor qualidade, como definido por
Rosenberg (1982). Alm disso, a difuso no um processo simples. A transferncia de
tecnologia pode ocorrer por imitao, licenciamento, engenharia reversa, compra de
equipamentos com a nova tecnologia incorporada, etc. A forma de difuso vai depender da
2 Ambas as teorias sero revistas em detalhes na prxima seo.
natureza da tecnologia, das possibilidades de apropriao (como direitos de propriedade
intelectual), dos conhecimentos e capacitaes necessrios para sua incorporao, etc.
Buscou-se, nesta seo, clarificar alguns conceitos fundamentais antes de prosseguir
para a discusso dos efeitos e das causas da inovao. Em sntese, uma inveno pode ser
entendida como a criao de uma nova idia ou de novo conhecimento. Para os economistas,
comum associar a inveno a uma inovao patentevel, pois o prprio sistema legal de
proteo dos direitos de propriedade intelectual utiliza esse termo. Sugeriu-se que o conceito
de inovao mais amplo do que uma inveno patentevel, sendo que esta pode ser includa
como uma dentre vrias possibilidades de inovao. A inovao, portanto, se refere a novas
combinaes dos recursos ainda no tentadas, para utilizar a definio de Schumpeter (1934),
e de acordo com sua natureza, pode receber um adjetivo complementar, como inovao
tecnolgica, inovao organizacional, etc., como sugeriu Ruttan (1959). Foi estabelecida
ainda uma diferena entre mudana tcnica e mudana tecnolgica, sendo a primeira
entendida como uma alterao no produto final a partir do emprego dos mesmos fatores de
produo, e a segunda definida como o processo de inveno, inovao e difuso de novas
tecnologias. Os termos progresso tcnico e progresso tecnolgico podem ser vistos como
sinnimos da mudana tecnolgica. Por fim, por difuso tecnolgica, entende-se o amplo uso
de uma nova tecnologia pelos agentes de uma determinada economia. Geralmente, a difuso
ocorre por imitao, transferncia voluntria ou a descoberta de outras aplicaes para a nova
tecnologia.
3. EFEITOS DA INOVAO
O trabalho de Abramovitz (1956) foi um dos primeiros a tentar separar a contribuio
dos fatores de produo (capital e trabalho) para o crescimento do produto dos Estados
Unidos3. A teoria econmica geralmente atribui o crescimento do produto ao crescimento de
ambos os recursos e ao aumento na produtividade dos fatores. Em seu artigo, Abramovtiz
observa que, no perodo de 1870 a 1953, o produto nacional lquido per capita praticamente
quadriplicou, enquanto a populao e o capital per capita triplicaram. Esses dados sugerem
que o incremento no se deve apenas ao aumento na disponibilidade de recursos, mas tambm
de outro elemento, nomeadamente, ganhos de produtividade. Em um exerccio experimental,
estabelecendo a produtividade constante em um perodo base, observa-se que o crescimento
total dos fatores foi de somente 14 por cento. Para que o produto atingisse o nvel quatro
3 Tentativas anteriores, mas para perodos de tempo mais curtos, foram conduzidas por Simon Kuznets (1952).
vezes maior do que nos anos 1870, a produtividade total dos fatores deve somar, ento, um
crescimento de 250 por cento. O autor reconhece as limitaes das estatsticas e at mesmo
dos conceitos, como a formao bruta de capital fixo, que uma definio limitada para o
estoque de capital da economia. O processo de urbanizao, incorporao do trabalho
feminino, retirada de crianas e adolescentes e idosos da produo pela regulamentao do
trabalho, entre outros fatores, tambm modificaram substancialmente a composio, no
adequadamente captado pelas estatsticas de populao ou horas de trabalho. As dificuldades
de mensurao podem levar a uma subestimao do papel do aumento do estoque de capital e
da fora do trabalho no crescimento do produto e superestimar a contribuio dos ganhos de
produtividade. Por outro lado, Abramovitz no nega que, mesmo que esses problemas
pudessem ser superados, ainda haveria um papel importante para os ganhos de produtividade,
cujas causas deveriam ser mais profundamente estudadas.
Abramovtiz argumenta que uma poro do crescimento e talvez uma poro crescente
esteja associada a gastos especficos na economia, como investimento de recursos em
pesquisa, educao e sade, que resultam nos ganhos de produtividade, tanto do trabalho,
quanto do capital. Nas palavras do prprio autor (traduo nossa):
[...] podemos, eventualmente, ser capazes de atribuir com preciso a contribuio de cada
um desses recursos medida que aprendermos a traar a conexo entre esse investimento
no conhecimento e sua contribuio marginal social [...]. Alm deste ponto, no entanto,
existe o crescimento gradual do conhecimento aplicado que , sem dvida, o resultado da
atividade humana, mas no desse tipo de atividades que envolvem a escolha custosa que
ns pensamos como insumo econmico (ABRAMOVITZ, 1956).
O trabalho de Solow (1957) prope uma maneira simples de separar as variaes no
produto per capita em funo da mudana tcnica e da mudana na disponibilidade dos
fatores de produo (capital e trabalho). A base terica dada pela seguinte funo de
produo agregada:
Onde representa o fator acumulado de mudana tcnica ou fator tecnolgico,
insumos de capital fsicos e insumos de trabalho. A formulao acima pressupe que a
mudana tecnolgica neutra, ou seja, afeta a produtividade de ambos os fatores e na
mesma magnitude.
Partindo do pressuposto de retornos constantes de escala, pode-se definir que o produto
por trabalhador dado por:
Onde , , , mostrando que as variveis explicativas do produto
por trabalhador, que uma proxy do produto per capita.
Tratado em termos de variao percentual, a equao acima pode ser rescrita, aps
algumas manipulaes algbricas, da seguinte maneira:
Onde a variao do produto por trabalhador, variao no fator tecnolgico, a
participao relativa do capital4 e a variao do capital por trabalhador. A equao acima
representa, portanto, a variao percentual do produto por trabalhador como funo da
variao percentual do fator tecnolgico e do capital por trabalhador, este ponderado pelo
coeficiente .
Assim, com um exerccio economtrico, pode-se estimar a contribuio da mudana
tecnolgica ao longo do tempo. Solow fez essa estimativa para a economia estadunidense no
perodo de 1909 e 1949, usando dados do PNB e de FBCF5, este ponderado pela participao
dos rendimentos de propriedade na renda nacional, sendo o fator tecnolgico obtido por
resduo. Seus resultados sugerem, apesar de todas as consideraes metodolgicas que devem
ser levadas em conta, que o PNB per capita estadunidense dobrou ao longo do perodo, sendo
que a contribuio da mudana tcnica respondeu por 87,5%, enquanto o incremento no
capital por trabalhador respondeu por apenas 12,5% da variao do produto per capita. Como
conclui o prprio autor (traduo prpria):
claro que isso no significa dizer que a taxa observada de progresso tcnico seria
persistente se a taxa de investimento tivesse sido muito menor ou reduzida a zero.
Obviamente muitas, se no quase a totalidade, das inovaes devem estar embutida em
novas plantas e equipamentos a ser realizado, afinal (SOLOW, 1957).
Ambos os trabalhos anteriores apresentam medidas da contribuio da mudana
tecnolgica para como um resduo. Dentro da conceituao discutida na seo anterior, esses
modelos mostram, na verdade, a medida da mudana tcnica, que pode ser decorrente, ao
menos em parte, de uma mudana tecnolgica ocorrida no perodo de anlise dos autores.
4 Pressupe-se tambm que os fatores so remunerados de acordo com sua produtividade marginal. Assim, a
participao do capital foi mensurada pela participao das remuneraes de propriedade no total das
remuneraes na economia estadunidense (SOLOW, 1957). 5 Formao bruta de capital fixo.
Portanto, os modelos tericos em que se baseiam adotaram a mudana tecnolgica como
exgena.
Em uma tentativa de elaborar um modelo de crescimento econmico em que a mudana
tecnolgica fosse explicada internamente foi realizada por Romer (1990). A formulao
terica do autor parte de trs premissas: (1) a mudana tecnolgica o corao do
crescimento econmico; (2) a mudana tecnolgica decorre da ao intencional das pessoas
de acordo com incentivos no mercado; e (3) o custo de criar uma inveno fixo, mas ela
pode ser usada varias vezes sem custos adicionais. O componente de nvel tecnolgico do
modelo apresenta dois componentes distintos: o primeiro o invento em si, cujas instrues
uma vez criadas, podem ser reproduzidas sem custos relevantes. Ou seja, o conhecimento
novo gerado pelos seres humanos pode ser reproduzido sem custos. Isso daria um carter de
bem pblico ao conhecimento: no rival e no exclusivo. Os direitos de propriedade
intelectual alteram em parte essa natureza: o conhecimento continua no-rival, mas
exclusivo por determinao da lei. Porm, a transformao das instrues, ou do
conhecimento, em uma mercadoria ou uma forma de produzir, efetivamente, demanda
habilidades profissionais do trabalhador. O trabalhador qualificado, em si, tanto rival quanto
exclusivo, j que no pode trabalhar em vrias empresas ao mesmo tempo. Portanto, existe
um componente do nvel tecnolgico que tem as caractersticas dos bens econmicos
tradicionais e, portanto, pode ser explorado economicamente, servindo de incentivo
mudana tecnolgica para a iniciativa privada. A este componente, Romer denomina de
capital humano, que justamente a habilidade e conhecimento profissional dos
trabalhadores. Toda atividade devotada para o avano do conhecimento que determina o nvel
tecnolgico apresenta dois efeitos: um efeito spillover, ou seja, parte do conhecimento
tornada pblica, e um efeito restritivo, que impacta na concorrncia empresarial, que permite
o ganho de algum grau de monoplio para a empresa inovadora. justamente esse efeito
restritivo que torna atrativa a atividade inventiva por parte das empresas. Em ambos os casos,
quanto maior a atividade inventiva e o capital humano, maiores devem ser os efeitos sobre o
crescimento do produto de uma nao.
O modelo de crescimento de Romer (1990) representado da seguinte maneira:
Onde o produto da economia, o estoque de capital, o estoque de idias,
o nmero de trabalhadores e um parmetro com valor entre 0 e 1.
Alm disso, o estoque de idias, que o parmetro responsvel pela produtividade dos
fatores de produo (capital e trabalho) determinado por:
Onde o nmero de trabalhadores dedicados atividade de descoberta de novas
idias (em P&D, por exemplo) e a taxa qual eles descobrem novas idias. Portanto,
d o total de trabalhadores de uma economia.
Assim, o progresso tecnolgico ser mais intenso quanto mais pessoas tiverem
empregadas em atividades inventivas e quanto maior o nmero de idias que essas pessoas
conseguem descobrir. Obviamente existe um limite para a primeira condio, pois ao
empregar pessoas em atividades inventivas, reduz o nmero de pessoas empregadas em
atividades produtivas. Ento, empregar 100% do pessoal em atividades inventivas
representaria produo nula. Esse modelo tem algum respaldo na observao emprica: pases
com maior nvel de renda costumam a ter maior nmero de pessoas empregadas em atividade
de P&D, bem como tendem a gastar mais nessa atividade, em termos relativos ao total de
trabalhadores e ao PIB, respectivamente. Apesar dos avanos em relao s elaboraes
tericas anteriores, o modelo assume que as inovaes so resultado da dedicao exclusiva
de pessoas descoberta de novas idias, como aquelas que trabalham em departamento de
P&D de empresas, em universidades ou institutos de pesquisa. Porm, em uma conceituao
mais ampla de inovao, como em Schumpeter (1934), a atividade inventiva, como P&D,
apenas uma fonte para o progresso tecnolgico. Outras inovaes podem surgir no mbito da
produo, a partir do aprendizado dos trabalhadores6, por exemplo. Alm disso, o modelo trs
a concepo de que uma inovao surge a partir dos esforos cientficos para depois serem
empregados na produo e finalmente comercializados no mercado, o que o aproxima da idia
do chamado modelo linear de inovao que ser discutido na prxima seo.
4. PROCESSO DE INOVAO
Schumpeter (1928) buscou demonstrar que o capitalismo possui uma fora interna que
gera uma instabilidade no prprio sistema. Essa instabilidade no aquela causada por fatores
polticos e sociais, como uma guerra mundial, ou por fatores externos, como a abertura ou
acesso a novos mercados consumidores no exterior. Trata-se da dinmica de novas
combinaes de recursos e fatores de produo, no tentadas anteriormente, que resultam em
6 Conforme elaborao terica de Arrow (1962a).
novos produtos ou novas tcnicas de produo e comercializao de mercadorias. Tais
inovaes normalmente tm como efeito a gerao de lucros extraordinrios, ou quase-rendas,
para o inovador, ainda que possam ser temporrios medida que a imitao por parte dos
outros capitalistas leve competio e queda da taxa de lucro. Essa concepo da inovao
se afasta da anlise econmica tradicional, que assume uma curva de demanda negativamente
inclinada e uma curva de oferta positiva inclinada, em que o efeito das externalidades seria
apenas o descolamento de tais curvas. Na verdade, a proposta de Schumpeter que, com
inovaes, a funo agregada de produo constantemente alterada, gerando contnuos
desequilbrios. Schumpeter (1928) no rompe completamente com a idia de equilbrio, mas
trabalha com o conceito de ciclos de negcios. A introduo de um novo produto e de uma
nova tcnica de produo ou de comercializao proporciona ao inovador uma quase-renda.
Os demais capitalistas ao se aperceberem disso, passam a copi-lo. Produtos ou mtodos
antigos de produo coexistem, at que sejam completamente substitudos ou que se ajustem a
participao relativa de cada um (antigo e moderno). A inovao gera, portanto, um distrbio
no equilbrio, mas medida que os demais capitalistas respondem ao choque imposto pelo
inovador, a economia tende a caminhar para um novo equilbrio, at que o ciclo se repita com
a introduo de inovaes subseqentes.
No capitalismo competitivo, o inovador o empresrio individual (TDE). No
capitalismo monopolstico, o inovador a grande corporao (CSD). Schumpeter (1928) usa
essas duas denominaes para separar os perodos histricos do capitalismo entre os
primrdios (mais precisamente de meados XVIII, tambm denominado de capitalismo
industrial), do perodo mais recente (final do sculo XIX e incio do sculo XX). Apesar de
explicar a importncia da inovao para o desenvolvimento econmico e de enderear os
atores responsveis pela introduo de inovaes no sistema econmico, Schumpeter no
elaborou uma teoria de inovao propriamente dita.
Solo (1951) faz algumas crticas incisivas teoria da inovao de Schumpeter. Em
primeiro lugar, a economista discorda da distino, e principalmente, da possvel desconexo,
entre inveno e inovao. Todo estado da arte inclui o conhecimento tecnolgico potencial e
o efetivamente em uso, argumenta. Assim, se inveno definida como a criao de novo
conhecimento, a mudana tecnolgica resulta da aplicao desse novo conhecimento (ou do
seu efetivo uso), que Schumpeter chama de inovao. Mas este no pode ocorrer sem
aquele. Em segundo lugar, argumenta que Schumpeter no explica a origem da inspirao do
empreendedor para realizar novas combinaes. Schumpeter explica que pode haver situaes
em que o inventor e o empreendedor sejam a mesma pessoa, mas que raramente este o caso.
O empreendedor aquela que realiza novas combinaes, rene os fatores de produo
necessrios para a criao do novo nova empresa, novo produto, novo processo produtivo,
etc. Mas tal ao no possvel sem a inveno prvia. Mesmo que o empreendedor seja
aquele que explore de forma comercial uma inveno, ele deve obter a idia de algum
inventor, possivelmente comprando os direitos de propriedade intelectual. Assim, haveria um
mercado para invenes e, mais importante, uma relao entre a inveno (muitas vezes
associada pesquisa cientfica bsica) e a introduo da inovao em si no mercado.
O segundo ponto fundamental de sua crtica a observao de que as atividades de
introduo de novos produtos ou processos, ou melhoramentos dos antigos, so parte
integrante da competio empresarial. A concorrncia via preos apenas parte das armas
disponveis para enfrentamento no mercado: a inovao talvez a principal forma de
competio capitalista. Assim, todas as empresas naturalmente se esforam para inovar por
trs razes bsicas: usar suas inovaes na competio, diminuir os riscos da empresa e tentar
garantir a sobrevivncia de longo prazo e o crescimento da firma. Solo argumenta que as
empresas mantm a atividade de pesquisa e desenvolvimento e que, embora Schumpeter
reconhea esse fato no CSD, ele ainda no abandona a idia de que o novo homem de negcio
(empreendedor) fundamental para a introduo da inovao, mesmo dentro das grandes
corporaes. Como parte da atividade rotineira, afirma Solo, a inovao no requer
necessariamente novas empresas e novas instalaes, as invenes e sua aplicao podem ser
feitas pelas empresas j estabelecidas, j que esta estratgia faz parte da natureza da
competio empresarial. Nesse aspecto, sua crtica est orientada mais para a idia de que a
inovao no , sem si, um fator perturbador do equilbrio, j que todas as firmas usam da
inovao como uma forma de competio. Por outro lado, reconhece que a anlise tradicional
da competio (via preos) no d conta de explicar a verdadeira forma de concorrncia
empresarial e, portanto, a obra de Schumpeter tem o mrito de enderear a verdadeira fora da
expanso capitalista (Solo, 1951).
Dois trabalhos foram fundamentais para descrever a importncia das invenes e, em
especial, da pesquisa cientfica bsica para o progresso tecnolgico. O primeiro foi o artigo de
Nelson (1959). Para o autor, a pesquisa bsica apresenta natureza distinta, embora
relacionada, com a pesquisa aplicada. Enquanto a segunda est voltada para a soluo de um
problema prtico, a primeira est associada ao avano no conhecimento. Geralmente, a
pesquisa bsica mais livre, e seus objetivos no so claramente definidos antes do incio de
um projeto. Por esse motivo, a pesquisa bsica possibilita o redirecionamento da ateno dos
pesquisadores para novos caminhos no previstos anteriormente. As revolues cientficas
decorrem muitas vezes dessas mudanas de trajetrias e quase sempre so dependentes do
conhecimento cientfico desenvolvido at o momento. As grandes mudanas dependem
revolues cientficas, como no caso da telecomunicao por ondas de rdio ou da produo
de vacinas. Por outro lado, os resultados da pesquisa bsica so incertos e a transformao do
novo conhecimento em uma inveno til para sociedade e mesmo em uma mercadoria pode
apresentar um grande intervalo de tempo. Por essas caractersticas, argumenta Nelson (1959),
a pesquisa bsica tem sido financiada, em sua grande maioria, pelos governos e por instituio
sem fins lucrativos, como as universidades. Apesar disso, algumas firmas se envolvem na
pesquisa bsica. Geralmente, so aquelas que possuem uma ampla base de conhecimento
cientfico. Como a pesquisa bsica pode dar origem a descobertas no planejadas, as empresas
que dominam os princpios cientficos podem usufruir dos benefcios da nova trajetria, ao
transformar o novo conhecimento em novo produto ou processo produtivo. J firmas com
base de conhecimento restrita, preferem focar seus esforos em pesquisa aplicada, orientada
para a soluo de um problema prtico, cujo resultado e foco da pesquisa podem ser
estabelecidos ex-ante.
Embora muitas invenes ocorram sem a necessidade da pesquisa bsica, outras so
dependentes das revolues cientficas. Deve haver um limite para as inovaes por esforos
sistemticos de atingir um objetivo prtico particular. Nelson (1959) defende que a pesquisa
cientfica est cada vez mais acoplada s invenes. Nem toda pesquisa cientfica est
associada soluo de problemas prticos, algumas esto focadas apenas no avano do
conhecimento. Mas a relao entre conhecimento puro e aplicao prtica no binria, h
um espectro entre esses dois extremos. medida que se avana em direo pesquisa bsica,
aumenta o grau de incerteza sobre os resultados, e as metas so pouco claras e menos
relacionadas a um problema especfico do ponto de vista prtico. Essas caractersticas
reduzem os incentivos privados ao investimento em pesquisa bsica. Por outro lado, h uma
maior probabilidade da pesquisa bsica gerar ganhos substanciais de externalidade, o que
justificaria, do ponto de vista social, a orientao de recursos para esse tipo de pesquisa. Isso
porque o novo conhecimento pode ser de grande valor como um insumo chave para outros
projetos de pesquisas, como aqueles aplicados a soluo de problemas prticos. E a
possibilidade de se apropriar do resultado de tais solues prticas faz com que as firmas
concentrem seus esforos na pesquisa aplicada.
O segundo trabalho a explorar o papel das invenes e da pesquisa bsica no sistema
econmico foi de Arrow (1962b). O autor define a inveno como a produo de
informaes. Se pensssemos na informao como uma mercadoria, existiriam problemas
para a sua comercializao decorrente de trs fatores: incerteza sobre os resultados da
atividade inventiva, indivisibilidade da informao e a capacidade apropriao da informao.
Dada a incerteza dos resultados, os recursos alocados para a sua produo pela iniciativa
privada seriam menores do que o socialmente desejado, mesmo que mecanismos de proteo
(seguros) ou de repartio dos custos fossem adotados. Alm disso, a comercializao da
informao apresenta um problema associado indivisibilidade entre a informao em si e a
informao necessria para saber se aquela informao valiosa ou no, do ponto de vista da
demanda. Portanto, seria impossvel precificar, ex-ante, a informao, sem saber o que a
informao realmente . Mas, ao divulgar a informao, o inventor no conseguiria apropriar-
se dos seus benefcios, j que ela se tornaria um bem pblico. As patentes resolvem apenas
em parte esse problema. Ao garantir os direitos de propriedade intelectual de uma
determinada inveno, as patentes permitem a divulgao e a comercializao da informao.
No entanto, apenas um nmero restrito de invenes pode ser codificado e registrado sob
forma de patente. Assim, ainda haveria um espao para sub-alocao de recursos em
atividades inventivas, associada incapacidade de apropriao dos benefcios do invento. A
informao, alm de ser um produto da atividade inventiva, poder ser um insumo para ela
mesma. Mas, dada a incerteza dos resultados, em cada etapa de deciso sobre os caminhos a
seguir, menor o leque de possibilidades de trajetrias possveis e maior a dependncia de
informaes anteriores, o que concentra o risco das atividades inventivas. Por esses motivos,
Arrow conclui que o esforo inventivo da iniciativa privada menor do que o socialmente
desejado, e que esse espao pode ser preenchido pelo governo, universidades e institutos de
pesquisa, cujo incentivo atividade inventiva no reside exclusivamente na explorao
comercial de seus resultados (como o caso da pesquisa bsica).
Assim, a partir da concepo terica de Nelson (1959) e Arrow (1962b) pode-se
entender que, se no a totalidade, boa parte das inovaes relevantes so decorrentes de
avanos cientficos. Um trabalho emprico da mesma poca, no entanto, apontou em outra
direo. Schmookler (1962), ao estudar a relao entre as invenes (medida pelo nmero de
patentes) e o produto (medido pela formao bruta de capital fixo) em algumas indstrias,
como a do refino do petrleo e da produo de equipamentos de transporte ferrovirio,
observou uma correlao estatstica entre essas variveis, verificando que tanto no longo
prazo, quanto em perodos mais curtos, o comportamento dos dados era semelhante, com
pequena tendncia do nmero de invenes aumentarem aps o aumento do produto. A partir
dessa observao emprica, Schmookler (1962) descarta a tese de que as invenes precedem
as vendas, ou seja, que o modelo linear da descoberta cientfica, ou dos gastos em P&D,
precede o lanamento de novos produtos. Assim, parece haver um fator externo que
condiciona o comportamento tanto das vendas quanto do esforo inventivo. O autor defende
que a demanda da sociedade exerce influncia determinante sobre a atividade inovadora. O
autor argumenta que a atividade inventiva requer gastos e pessoal empenhado na pesquisa,
desenvolvimento e melhoramento de produtos. Esse custo s efetivamente realizado, no
entanto, se existe perspectiva de retorno sobre os custos incorridos nos esforos inventivos.
Assim, poucos inventores podem, em um primeiro momento, lanar novos produtos no
mercado. Mas geralmente, esses prottipos necessitam de melhoramentos. A partir do
momento que h perspectiva de vendas e presso social para melhoramentos daquele novo
produto, as empresas passam tanto a comercializ-lo quanto a buscar formas de melhor-lo.
Com mais pessoal empregado e maior volume de vendas, tem-se tanto mais pessoas
envolvidas na atividade inovativa, quanto recursos financeiros para isso (mesmo que
percentual, como o aumento das vendas, o montante de recursos dedicados a P&D se eleva).
Portanto, nas palavras do prprio Schmookler (traduo nossa): o ponto essencial que o
incentivo para fazer uma inovao, como o incentivo de produzir outra mercadoria qualquer,
afetado pelo excesso de retorno esperado sobre os custos esperados. Enquanto o custo do
esforo inventivo pode ser considerado fixo, os retornos de tal investimento variam com as
circunstncias. Ento, a deciso de incorrer em custos com a atividade inventiva depende da
existncia, potencial ou efetiva, de demanda social por uma inveno.
Esses e outros trabalhos deram origem a um intenso debate sobre a direo da inovao
tecnolgica: se os avanos cientficos permitiam as inovaes no sistema econmico ou se as
necessidades sociais (ou a demanda) direcionavam os esforos inventivos. O trabalho de
Freeman (1979) encerra essa discusso mostrando que o processo inovativo mais complexo
do que ambas as linhas de pensamento pressupem. O autor argumenta que a importncia da
demanda para guiar a inovao depende das mudanas nos ciclos (surgimento, crescimento e
declnio) e descontinuidades das indstrias. Partindo de um estudo da indstria qumica
fabricao de produtos de plstico, mais especificamente mostra que houve uma mudana
no padro de inovao: de novos produtos para melhoria nos processos e nos produtos. No
surgimento da indstria qumica, os avanos cientficos foram fundamentais para as
inovaes. medida que a indstria cresceu e foi maturando, foram as necessidades dos
consumidores que passaram a guiar os esforos inovativos.
Alm disso, Freeman (1979) argumenta que a relao entre cincia, tecnologia e
inovao distinta em cada setor de atividade. Essa idia deu origem taxonomia
desenvolvida por Pavitt (1984), que props uma classificao de setores econmicos de
acordo com a criao ou incorporao de inovaes tecnolgicas, estabelecendo quatro
categorias. A primeira denominada de setores dominados por fornecedores, ou seja, aqueles
setores cujo avano tecnolgico no gerado por si mesmo, mas depende de avanos dos
fornecedores de insumos e maquinaria. o exemplo da agricultura, que depende de avanos
tecnolgicos em fertilizantes, sementes e tratores para aumentar a produtividade. Outra
categoria so os setores intensivos em escala, em que as fontes de inovao so tanto internas
quanto externas. o exemplo da indstria automobilstica, em que avanos de design e
engenharia so criados internamente, mas outras inovaes podem ser promovidas por
fornecedores ou em parcerias com estes. A terceira categoria formada por fornecedores
especializados, como o exemplo dos fabricantes de bens de capital. A caracterstica
principal de inovao o conhecimento tcito acumulado pela especializao na produo de
uma pequena linha de produtos. Por fim, os setores baseados em cincia, onde pode se
enquadra a indstria farmacutica, em que o processo inovativo depende de pesquisa
cientfica bsica.
Mais importante do que a inovao original, no entanto, a difuso da inovao.
Geralmente o processo de difuso lento, somente empregado quando o custo de sua
implementao menor do que os custos de manter a tecnologia antiga. Alm disso, o
impacto sobre a produtividade agregada ser maior ou menor de acordo com o emprego da
nova tecnologia em vrios setores da economia. As relaes inter-setoriais tambm so
importantes. Por exemplo, a melhoria nos transportes, pode aumentar a produtividade em
outros setores, como na agricultura (escoamento e preservao da produo). Uma inovao
isolada, portanto, no responsvel pelo aumento da produtividade. Mais importante a
capacidade de gerar inovaes em uma economia, a capacidade de gerar solues alternativas
e complementares que promovam o progresso tcnico de maneira generalizada (Rosenberg,
1982).
Difuso o termo usado para descrever o processo pelo qual indivduos e empresas de
uma sociedade adotam uma nova tecnologia, ou substituem uma tecnologia antiga por uma
mais nova. A difuso no apenas a ampla utilizao de uma nova tecnologia que til para a
sociedade, ela parte do processo de inovao e envolve o aprendizado, a imitao e o
feedback em torno da inovao original (HALL, 2005).
Griliches (1960) foi o primeiro economista a estudar a difuso de sementes hbridas de
milho nos EUA. Seu estudo enfatizou o papel dos fatores econmicos como os lucros
esperados e a escala de produo para determinar as diferentes taxas de difuso da semente
hbrida no pas. O autor verificou que a variao na data inicial de seu uso dependeu da
velocidade em que as sementes foram adaptadas para o uso em regies geogrficas
especficas. Isto , a difuso dependeu, em certa medida, da capacidade dos fornecedores em
adaptar as sementes s condies locais, o que mostra que a tecnologia original sofre
alteraes no processo de difuso.
Outros estudos observaram comportamento semelhante na difuso de outras tecnologias
de tal forma que se tornou um fato estilizado que a adoo de uma nova tecnologia, se
representada graficamente ao longo do tempo, apresenta uma curva em formato de S. Isso
implica que o ritmo de difuso lento no incio, acelerando-se rapidamente aps um tempo, e
ento declinando, conforme a nova tecnologia esteja saturada ou outra tecnologia mais nova
esteja iniciando um processo de substituio. O Grfico 1, a seguir, apresenta um exemplo da
adoo do motor eltrico na indstria estadunidense. Como apontado, a saturao ocorreu por
volta de 90%, provavelmente porque para usos especializados outros tipos de motores podem
ser preferidos (HALL, 2005).
Grfico 1 Adoo de motores eltricos na indstria estadunidense. Fonte: Hall (2005).
O trabalho de Mansfield (1961) procurou explicar como e quanto tempo leva para que
uma inovao, uma vez introduzida por uma empresa, seja imitada pelas demais. Sua
elaborao terica propunha que a probabilidade de uma empresa introduzir uma nova tcnica
uma funo crescente da proporo de empresas que j a adotaram e da rentabilidade de
faz-lo, e uma funo decrescente do tamanho o investimento necessrio. O autor aplicou seu
modelo a doze invenes em quatro setores industriais distintos, obtendo resultados empricos
satisfatrios. Com isso, pde verificar a existncia de diferenas inter-industriais na taxa de
imitao.
Sintetizando essa discusso, a literatura econmica sobre o processo de inovao mostra
que h uma importante relao entre a cincia (ou a pesquisa bsica) e a gerao de novos
produtos e processo de produo de mercadorias (bens e servios), sendo que, nas palavras de
Nelson (1959), h um limite para as inovaes que resultam da experincia na busca por
solues prticas, o que mostra a importncia dos avanos cientficos para grandes
transformaes econmicas. Por outro lado, no se pode ignorar o papel da demanda e das
necessidades sociais para direcionar os esforos inovativos, tanto da pesquisa aplicada, quanto
da pesquisa bsica. Um exemplo disso so os esforos cientficos devotados para a busca pela
cura do cncer ou do de fontes alternativas de energia para o combustvel fssil. As invenes
e inovaes originais s tm relevncia, do ponto de vista econmico, quando so difundidas,
ou seja, amplamente empregadas em uma determinada economia. A difuso envolve no
apenas a imitao, mas o aprendizado, o aperfeioamento e a realizao de inovaes
complementares inovao original.
5. CONSIDERES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi revisar conceitos fundamentais associados teoria da
inovao nas cincias econmicas, bem como elaborar uma breve discusso sobre o
tratamento da inovao do ponto de vista terico. Ao invs de dividir as teorias por escolas
de pensamento, os trabalhos foram divididos entre aqueles que procuraram analisar ou
explicar o efeito das inovaes sobre o crescimento e desenvolvimento econmico, e aqueles
que procuraram elaborar, propriamente dito, uma teoria da inovao. Do ponto de vista do
crescimento econmico, a teoria tradicional no provia explicao suficiente quando o
fenmeno era observado empiricamente. Os expressivos ganhos de produtividade dos fatores
de produo foram atribudos pelos economistas, ao menos em parte, ao progresso
tecnolgico. Estudos de casos, como da semente hbrida de milho, conduzida por Griliches
(1960) mostram como algumas inovaes podem aumentar significativamente a
produtividade. Modelos de crescimento econmicos mais sofisticados foram elaborados para
quantificar o efeito do progresso tecnolgico, como o de Solow (1957), e outros tentaram
inclusive endogenizar o progresso tcnico, como o de Romer (1990).
No entanto, o processo de inovao mais complexo do que pressupunham esses
autores, e uma medida nica para o agregado da economia esconde nuances importantes.
Mesmo o trabalho seminal de Schumpeter, que destacou o papel da inovao como um
elemento fundamental para o desenvolvimento econmico, careceu de uma teoria da
inovao. Desenvolvimentos posteriores foram realizados, de forma que, hoje, h um
entendimento maior sobre o processo de inovao, ainda que no haja consenso. Por um lado,
a pesquisa cientfica bsica vista como fundamental para a gerao de inovaes radicais,
como defende Nelson (1959), por outro, inovaes resultantes da pesquisa aplicada e guiadas
pela demanda, como argumenta Schmookler (1962). Deve-se considerar, no entanto, como
lembrou Freeman (1979), que cada vez mais a inovao est ligada cincia, dada a crescente
complexidade das novas tecnologias, como o caso das tecnologias de informao e
comunicao. Alm disso, deve-se ter em mente, tambm, que a difuso pelo menos to
importante quanto inovao, j que esse processo envolve a substituio da antiga
tecnologia, o aprendizado, a aperfeioamento e a gerao de inovaes complementares que
so to importantes quanto inovao original.
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