ALENTEJO – uma SEARA VOCABULAR – 04
Monografia de Vila Verde de Ficalho
Francisco Valente Machado
Edição da Biblioteca – Museu de Vila Verde de Ficalho, 1980,
pp. 294, 295 e 297
04 Machado
Vila Verde de Ficalho
Uma vista geral - antiga
José Rabaça Gaspar – 2012 11
recolha e proposta de estudo de José Rabaça Gaspar
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Monografia de Vila Verde de Ficalho
Francisco Valente Machado, 1980 (Francisco Valente Machado 1900 - )
Pode ver em pdf: http://catbib.cm-beja.pt/MULTIMEDIA/ASSOCIA/TEMATICABMB/FUNDOREGIONAL/908MONOGRAFIAS/MONOGRAFIADEVILA
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Monografia de Vila Verde de Ficalho Francisco Valente Machado
Edição da Biblioteca – Museu de Vila Verde de Ficalho, 1980
pp. 294, 295 e 297
Biblioteca-Museu de Vila Verde de Ficalho Património, Tradição e Cultura | Museus
Espaço fundado a 22 de Dezembro de 1934 por iniciativa de
Francisco Valente Machado com o apoio de gentes da terra e
da Junta de Freguesia. Para além de Biblioteca-Museu este espaço desenvolve projectos em diversas áreas,
nomeadamente culturais e ambientais.
http://www.lifecooler.com/Portugal/patrimonio/BibliotecaMuseudeVilaVerdedeFicalho@1
Alentejo – seara vocabular 04 – Monografia de VVFicalho – Francisco Valente Machado
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LINGUAGEM (294 - 296)
A linguagem dos ficalhenses apresenta certas particularidades dignas de serem
anotadas. Sofreu grande influência árabe e amiudadas vezes nos deparamos com os
vestígios dessa origem e que lhe dão notável enriquecimento. Por outro lado a
vizinhança com a Espanha permite a fácil importação de muitos vocábulos espanhóis, modificados pelo seu aportuguesamento. O próprio povo também insensivelmente
vai alterando a língua nacional introduzindo-lhe inúmeros plebeísmos. Pode até dizer-
se que é o próprio povo quem forma a língua que falamos; o gramático, depois,
regula-a e o escritor conserva-a através dos livros que escreve e publica.
No domínio da pronúncia talvez seja onde se verificam mais modificações. A fala da
gente de Serpa é um pouco cantada com óptima sonoridade, ao passo que a de
Aldeia Nova de S. Bento possui um tom quase exclamativo. Em Ficalho fala-se um pouco diferentemente, talvez pausadamente em excesso, não obstante pertencer ao
mesmo agregado concelhio. Antigamente, quando o nível cultural era mais baixo,
quase todos os ficalhenses invariavelmente mudavam para ‘i’ o ‘ei’ da terminação da
primeira pessoa do pretérito perfeito do indicativo dos verbos acabados em ar. Hoje
tal prática vai já rareando até se extinguir um dia. Por exemplo, em lugar de andei diziam, e muitos ainda dizem, andi.
recolha e proposta de estudo de José Rabaça Gaspar
4 Os plebeísmos constituem uma riqueza linguística apreciável e merecem ser objecto
de estudo especial. Muitas expressões e modos de dizer têm carácter exclusivamente
local porque resultam de factos acontecidos e de circunstâncias verificadas, que apenas têm ligação com determinada localidade. São peculiares uma vez que
somente nela se usam. Por exemplo, uma curta duração respeitante a uma pessoa
ou a uma coisa, é frequente ser referenciada do seguinte modo: «Isso pára alí tanto
tempo como Chico Saleiro à de Pedro Vasques». Começou a empregar-se tal expressão por motivo de uma vez alguém ter ido acompanhar um rapazinho, com
aquele nome, até um monte de uma pessoa chamada Pedro Vasques, monte que
ainda existe. O rapaz foi ajustado para lá ficar a prestar serviço; foram-lhe dados
conselhos para ter uma boa conduta, o que ele ouviu, sem nada dizer, o que parecia ser sinal de total acatamento. No entanto aconteceu que o portador, ao voltar a
Ficalho, já aqui encontrou o rapazinho recentemente ajustado, desligado de todos os
compromissos tomados, por sua livre vontade.
Às vezes nota-se a deslocação de sílabas ou de sons como sucede com a palavra
Doluvina vez de Ludovina; o mesmo fenómeno de metátese em Rosairo - Rosário, e
em memoira - memória.
É muito vulgar o acrescentamento de sons às palavras como em assabão, arrã e ametade; a substituição de vogais ou de consoantes, como em madronho -
Alentejo – seara vocabular 04 – Monografia de VVFicalho – Francisco Valente Machado
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medronho e bescoço - pescoço; a supressão de sons em 'maginação - imaginação e a
deslocação de letras como em drento - dentro e estrecar - estercar.
A redução dos ditongos ‘ei’ e ‘o’u para ‘ê’ e ‘ô’, como cadêra - cadeira, lête -leite,
cêfar - ceifar, é próprio da linguagem sul-alentejana, por isso, aparece na de Ficalho
normalmente.
No nosso vocabulário emprega-se com frequência o diminutivo terminado em ito e
ira em vez do sufixo inho e inha, muito em uso até, como canito - cãozinho e manita
- mãozinha. Penso que o facto seja devido a influência espanhola.
Há o costume de se empregar o género feminino nos apelidos das pessoas. Senhoras
da família Lagarto, as da família Leitão, as da família Valente, as da família Soeiro,
etc., são as Lagartas, as Leitoas, as Valentas e as Soeiras, etc. É também curioso
sublinhar que muitas vezes se toma como apelido ou se passa a ser conhecido pelos lugares onde se reside ou se residiu. Por exemplo designavam-se por Francisco da
Horta, Isabel da Horta e António da Horta, três irmãos que foram criados e viveram
na Horta Baixo. José da Cadeia, pedreiro, natural de Serpa, que construiu o primeiro
edifício escolar de Ficalho, era conhecido por aquele apelido por ser filho dum
carcereiro. José da Coutada, natural de Barrancos, veio com o padrasto, a mãe e vários irmãos para todos se fixarem numa herdade da nossa freguesia, chamada
Coutada, que haviam arrendado e, deste facto, resultou o apelido que passou a
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6 identificá-lo. José das Casas Novas, um rapaz com dezasseis anos de idade em 1939,
ficou assim conhecido devido a ter ido morar para umas casas novas com os pais.
Dois irmãos, um chamado Bento e o outro, Maria, eram conhecidos, ele por Bento de
Maria e ela por Maria de Bento. Outro caso com interesse foi o de Manuel de Chica de
José Estêvão, assim chamado por ser filho de uma Francisca, tratada por Chica, e
esta, por sua vez, filha de um José Estêvão. No tratamento dado ao Manuel observa-se a ligação genealógica de três gerações.
Um estudo, mesmo que fosse breve, sobre a pronúncia, a significação e a
diferenciação dos numerosos plebeísmos que formam a colectânea que recolhi na minha terra, suscitaria, porventura, grande interesse. Não podendo, porém, dar o
devido desenvolvimento ao tema, limitar-me-ei a deixar aqui registados, somente
alguns dos elementos que reuni, como:
Alentejo – seara vocabular 04 – Monografia de VVFicalho – Francisco Valente Machado
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‘alguns dos elementos que reuni’ - FVMachado
Abençua bênção
Abespêro vespeiro
Acabadoiro estado agonizante
Acabantes de visto que.. uma vez que
Alaclara lacrau
Alberca alverca Machado 296
Almanzém armazém
Alquitete arquitecto
Alzubêra algibeira
Amentolia almotolia
ametade metade
Andaço epidemia, contágio
Andâncias diligências, esforços
andi andei
António da Horta vivia na Horta Baixo
Aquaso acaso
Arção acção
arrã rã
Arrabolar rebolar
recolha e proposta de estudo de José Rabaça Gaspar
8 Arreceber receber
Arreceio receio
Arrodeio rodeio
Arrodioscas evasivas
Artemove automóvel
Arve árvore
Arvela alvéola
assabão Sabão
Asservar observar
Assubir subir
Atão então
Avaluar avaliar
Avoar voar
Bacina vacina
Baranda varanda
Bassoira vassoira
Bento de Maria Era um Bento filho de uma Maria…
Bescoço pescoço
bescoço pescoço
Bestigo postigo
Bigote bigode
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Bobedêra bebedeira
Brabo bravo
Brunho abrunho
Cá! interpeição dubitativa: pois sim! Não
pode ser!
Çabola cebola
Cadêra
Cambra câmara
canito
cavalage cavalagem
cavandelas 303
cavilar pensar com insistência na mesma
coisa
cêfar
Chica de José Estêvão Uma Francisca que era filha de um
José Estevão
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conloio conluio
crujeiro chuva miúda e branda
de engatinhas de gatinhas
degote decote
desbulhar debulhar
recolha e proposta de estudo de José Rabaça Gaspar
10 descandilizar escandilizar
desinfeliz infeliz
desinquieto inquieto
desriscar riscar
drento dentro
drumir dormir
Dulovina Ludovina
enjoelhar ajoelhar
enlustre ilustre
estamporte transporte
esteio parte do recheio que uma noiva
adquire para a sua futura casa,
constituído pelas cadeiras, meias-cómodas, cama, lavatório, arca,
mala revestidas de folha, estanheira,
cabides. «papagaios», etc.
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estralo estalo
estrecar estercar
Famila família
ferruge ferrugem
fituro futuro
Alentejo – seara vocabular 04 – Monografia de VVFicalho – Francisco Valente Machado
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Francisco da Horta vivia na Horta Baixo
franela flanela
galhandêra alegre, bem disposta, activa
gargalejo gargarejo
garrear guerrear
garreia Grande discussão, ‘guerra’,
desentendimento
gorpelha golpelha
gravejar vestir bem
Gudiana Guadiana
ingreja igreja
Isabel da Horta vivia na Horta Baixo
José da Cadeia Porque era filho do carcereiro
José da Coutada vivia no monte da Coutada
José das Casas Novas Foi morar para uma ‘casas novas’
juar jejuar
Lagartas, As senhoras da família Lagarto
lavarito barulho, algazarra
lLavuta labuta
Leitoas As senhoras da família Leitão
lête leite
recolha e proposta de estudo de José Rabaça Gaspar
12 liorna confusão, embrulhada
lismos limos
madronho medronho
maginação imaginação
malear abortar
maluta luta
manita
manual meloal
Manuel da Chica de José Estêvão
Era um Manel, filho de uma Francisca que era filha de um José
Estevão
maracotão pêssego
Maramela calma. calor do Sol
Maria de Bento Uma Maria casada com um Bento
marlé Frenesim, irritabilidade, má
disposição permanente
memoira memória
movília mobília
munto muito
nesquinha pequena porção
nodas nódoas
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ócalos óculos
prantar Plantar, pôr
rasmono rosmaninho
ringedêras rangedeiras
Rosairo Rosário
Soeiras as senhoras da família Soeiro
tamém também
trédulo traquinas, irrequieto
trouve trouxe
valdoregas beldroegas
Valentas as senhoras da família Valente
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JOGOS INFANTIS – lista 31
«A relação de jogos infantis populares que se praticavam em Vila Verde de Ficalho,
ainda, há menos de meio século, (1980) é extensa, pois compreende trinta e quatro,
que eu saiba.
Porque a descrição de todos eles, embora de grande interesse, se tornaria longa em demasia para a índole deste trabalho, limitei-me a descrever apenas quatro dos mais
vulgares, e para que não desapareçam, ao menos os seus nomes, a seguir enumero
os restantes:
Ao Aldarejo, Ao Algurevão,
A Barra,
Ao Bicho,
A Calha (quatro modalidades), Ao Corno,
A Cabra-Cega,
Ao Chapeuzinho,
A Chapa,
A Corra-à-Rata, A Covinha,
A Cara ou lar,
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Aos Esconderelos,
Ao Empurra-Gatos,
A Fossa, Ao Funcho,
A Linha Roxa,
A La-Bichinha,
Ao Lencinho Escondido, Ao Malhanito,
A Paredinha,
Ao Primeiro Pular sem Travar,
Ao Perra-Canivete, Aos Pares ou Nunes,
A Pela,
Ao Rabo da Gata,
Ao Risco, Ao Sol e à Sombra,
Ao Tira-Terra,
Aos Tortos e Direitos, e
à Varinha.»
Página 265 ver em http://www.joraga.net/contos/pags/53_05_FVMachado_VVFicalho.htm
recolha e proposta de estudo de José Rabaça Gaspar
16 Outras obras de Francisco Valente Machado
Memória Histórica e
Descritiva da IGREJA
MATRIZ de Vila Verde de
Ficalho - 1978
FICALHO DOUTROS TEMPOS E DE HOJE
1940
O PROFESSOR CONDE DE
FICALHO 1837 – 1903 ()
Alentejo – seara vocabular 04 – Monografia de VVFicalho – Francisco Valente Machado
17
trabalho realizado
por @ JORAGA
Vale de Milhaços, Corroios, Seixal
2012
JORAGA
JORAGA
recolha e proposta de estudo de José Rabaça Gaspar
18
04 - Machado
Corroios - www.joraga.net - 2012