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capitulo 5
Giuseppe Cocco
Alexander Patez Galvao
Gerardo Silva
(orgs.)
Capitalismo cognitivo
trabalho, redes e inovacao
Antonella Corsani
Fabio Malini
Jean-Louis Weissberg
Maurizio Lazzarato
PascalJollivetRichard Barbrook
Yann Moulier-Boutang
Traducao de Eliana Aguiar
Entre producao e recepcao:
hlpermedlacao, uma mutacao dos
saberes simb61icos
lean-Louis Weissberg*
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capftulo 5 Entre producao e recepcao:
hiperrnedlacao, uma mutacao dos
saberes simbollcos
Jean-Louis Weissberg *
Quando evocamos as condicoes atuais do trabalho intelectual-
trabalho que tende a constituir 0centro de reorganizacao da producao
de riqueza - e muito freqiiente esquecer a natureza dos instrumentos
mobilizados. Trabalho comunicacional, atividade relacional,
producao lingiiistica, todas estas categorias mobilizam as tecnologias
digitais que formam um verdadeiro tecido social conjuntivo. Esta
comunicacao pretende mostrar que esse instrumental intelectualveicula
uma verdadeira transforrnacao da natureza das relacocs entre
recepcao e producao, transforrnacao essa ern que as l6gicaspr6prias
do digital encontram os movimentos culturais da cooperacao
produtiva (que talvez, no £Undo,nao sejam mais que dcnominacoes
distintas para os mesmos processos em pianos de irnanencia
diferentes).' Assim, essas mutacoes afetam profundamente os papeis
sociais e revolucionam as relacoes de forca, seclimentadas na cultura
do impresso (que e claramente tambern a cultura da grande industria),
* Professor da Universidade de Paris VIII, Franca.
1 Se, com a ernergencia da Arpanet, estuda-se a genese das redes numericas
(que, diga-se de passagem, tern sido frequenternente apresentada como de
origem militar; 0que configura urn grave contra-sense), percebe-se que 0
horizonte cultural - 0modelo anti-hierarquico da comunicacao horizontal
- vai ao encontro das aberturas tecnologicas: cornunicacao numerica por
pacotes, especialmente (ver, a este respeito, SERRES,000). Uma tecnologia
intelectual maior se estabiliza quando se instala urn processo de auto-
reforco entre inclinacao cultural e realizacao tecnocientifica.
DP&A editora
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entre produtor ereceptor de inforrnacoes, Em suma, as tecnologias
intelectuais de multimidia erigem 0amador individual e coletivo
(nem receptor ne6fito nem pro fissional especializado) como figura
politica cardinal.
A hipermediacao e considerada urn espa<;otecnocultural singular,
no qual autores e receptores comerciam atraves de programas-
instrumentos interpostos. Radicalizando aquilo que a escritura e a
imprensa ja anunciavam - 0projeto da "Republica das Letras" na
Europa dos "modernos", onde cada urn e tanto escritor quanto
leitor - a hiperrnediacao nos faz mergulhar em urn meio muito
mais favoravel para experimentar arranjos ineditos entre essas duas
posturas. Para chegar ao essencial, sugiro reconhecer e consolidar 0
estatuto interrnediario entre essas duas posicoes: nem leitura, que
deixa intocado 0texto lido, nem escritura, cujo ideal consiste em
permanecer inalterado,nocoes que s6 tern sentido hist6rico em relacao
a suportes estaveis, ("Leitura" e "escritura" devem ser consideradas
aqui emurn sentido ampliado, proximo de "recepcao" e "producao'")
o percurso aqui proposto visa uma associacao dos niveis semi6tico(l6gicas das inscricoes e das linguagens nurnericas), pragmatico
(modalidades sociais de uso e de arranjamento destas duas formas
expressivas) e politico (emerjzenciae consolidacao de subjetividades
ligadas a esses principios).
o home multimedia: entre recepcao e producao
Em urn primeiro tempo, parece-me necessario distinguir,edefinir
tres tipos de frequencia dos programas hiperrnidia em suas rclacoes
com a recepcao / producao que, como veremos, possuem sua
legitimidade propria, embora suas fronteiras sejam m6veis:
• a criacao como autor, artista ou pro fissional, tipica de urna
atividade com finalidade claramente editorial;
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• sitnetricamente a posicao de autor, a navegacao nos conteudos
estaveis (CD-ROM ou sites da internet) onde, parece-me, a situacao
de leitura deve ser diferenciada da atividade de escritura, embora os
suportes digitais se abram para urn conceito de leitactura;
• enfim, a producao de tipo home mul timedia , estrategica de varies
pontos de vista, que consolidaria uma producao interrnediaria entre
recepcao e expressao.
Concentraremos nossa atencao nas duas ultimas situacoes,
embora a primeira nao sofra de falta de legitimidade, apesar de ter
que enfrentar a pesquisa de linguagens ineditas,
Uma 'teitecturs'; e nao uma escritura
A navegacao interativa nao e uma escntura. 0 corrvite a
navegacao hipertextual se conjuga em numeros de comentadores,
com a supressao da separacao entre leitura e escritura.A argumentacao
se coristroi cornecando por sublinhar que toda leitura e uma
reescritura interna do texto lido. Ler urn texto, cornpreende-Io
(etimologicamente, "receber ern si"), consiste efetivamente em
reescrever internamente atraves de uma serie de idas e voltas entre a
predicao do que vern a seguir e0reajuste do sentido do que precede
(como para a apropriacao oral). Ao enfraquecer a distincao entre
leitura e escritura, da-se mais urn passo no sentido de tentar fundir
autor e leitor. Urna forma dessa tentativa consiste em considerar,
por exemplo, que, em razao disso, a navegacao hipertextual- por
menos que ela possa modificar 0grafo de circulacao (acrescentar
nos, reforcar carninhos) - iriatransformar-se em escritura. E oleitor-navegador metamorfosear-se-ia, entao, em autor. Mas, embora 0
leitor possa modificar laces ou acrescentar nos, seria isso sempre
uma escritura? Incontestavelmente, para 0leitor seguinte que
percorrera 0hipertexto transformado, as significa<,;:oeso documento
terao evoluido. Se determinados carninhos sao sublinhados, talvez
ele fique inclinado a torna-los (ou a desviar-se deles). De qualquer
maneira, sua circulacao seria remanejada.
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Mas se pode assim mesmo falar em escritura? Claro, pode-se
argumentar que a escrituranao se confunde com a producao semantica
(podem-se anotar listasde palavrase de numeros sem tentar transcrever
o pensamento; era justamente isso que as primeiras inscricoes
pretendiam). Mas, hoje em dia, como eliminar do campo da escritura
a producao de ideias, de argumentos ou de expressoes de estados
afetivos, sobretudo quando tratamos de textos argumentativos?
Arranjar de maneira diferente a organizac;:aofisica de urn texto so
gera producoes semanticas e posturas sensiveis apaixonantes, se 0
dispositive de rearranjamento torna-se ele mesmo urn componente
essencial da obra, interrogando suasdiferentes instanciacoes possiveise abalando os costumes de leitura. (Os jogos caligraficosou tipograficos
intencionais podem, elestambem, abrir campos de expressao semantic»
e estetica originais.) Mas nesse caso, e mesmo que uma instanciacao
suscite urna modificacao interpretativa para urn futuro leitor, podemos
conferir-lhe 0titulo de escritura? Nesse sentido, nao importa qual
sucessao de palavras escolhidas ao acaso e alinhadas em uma pagina
(ou tela) pode disparar uma onda de associacoes. Isto nao e , contudo,
urn texto nem urn poema; trata-se apenas de urn exercicio autornatico
ou urn teste projetivo, exceto se0dispositivo de tiragem for pensado
enquanto tal pelo autor - e esse gesto que se torna propriamente uma
obra (os C ent m ille m illiards de p o e m e s , de Queneau, por exemplo, nao
tern interesse senao pelo dispositive imaginado para produzi-Ios e
nao como conteudos).
A teitecturs. uma atividade em emeraencie
Detecta-se uma tendencia infeliz a analisar as novas P9sturas e
as producoes permitidas pela digitalizacao remetendo-as a formas
antigas, por exemplo atraves de negacoes muito rapidamente
colocadas (como: 0leitor tornou-se autor). Sim, a leitura hipertextual
intensifies a leitura em suportes estaveis. Nao, nao e , em si, uma
escritura. Mesmo as nocoes de co-autor ou de co-produtor parecem
demasiado imprecisas (elas se referem a colaboraciio de v~rios
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autores, aproximadamente com 0mesmo status, como na producao
audiovisual, por exemplo). Poderiamos, em revanche, considerar
que 0interagente torna-se, de algum modo, interprete do hipertexto
ou da intermidia, no sentido musical do termo; eventualmente urn
virtuose, mas nao 0compositor. De fato, tirariamos proveito da
definicao de novas nocoes substituindo a de escritura: balizamento
de caminhos, pro ducao de arranjos formais, marcacao de
circulacoes, Urn conceito de leitactura deveria provavelmente ser
tematizado. Deveriamos entao considerar que esta leitactura age em
uma zona interrnediaria entre a producao e a apropriacao de sentido;
palos que a leitura e a escritura mantinham, ate agora, e apenas emcerta medida, afastados. Pois indubitavelmente leitura e escritura,
mesmo sobre suportes estaveis, nao poderiam ficar isoladas uma
da outta. Ler e reescrever para si0texto (e,para os textos "eruditos",
muitas vezes aneta-los). Escrever e encadear-se a leituras passadas.
Alias, esses dois palos se arranjam mutuamente em contextos sempre
coletivos. Uma leitactura possibilitada por suportes dinarnicos
aumenta ainda mais a proximidade entre os palos, sem todavia,
parece-me, condena-los a fusao, Multiples desenvolvimentos(indexacao de textos, mobilizacao de motores ou guias de pesquisa,
forrnalizacao de caminhos de navegacao etc.) apontam nesta direcao.
Mas a nocao de leitactura nao estaria fortemente conotada por
aquela de "leitura", reduzindo exageradamente 0 sentido a
linguagem escrita, ao mesmo tempo em que, com a hiperrnediacao,
ganham consistencia as praticas cruzadas de expressao / recepcao?
Espet-actura, hipermediatura? 0 guiche para licenciar os neologismos
ainda esta aberto.
o home multimedia/ um saber iotermedio e uma questao pol/tica
Aqueles que consideram que a leitura hipermidia se identifica a
uma escritura simplificam demasiadamente a questao, mas sobretudo
reduzem as praticas de expressao / recepcao em suportes digitais
aquelas praticas que estao sedimentadas na cultura do impressa.
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Ora, parece-me que atraves de numerosos canais, a alianca das
tecnologias de inscricao digital, com usos que estao mais difundidos
do que se acredita, desenham outras perspectivas, intermedidrias entreconsultas, conservacoes, citacoes, colagens, ernissoes de vinculos e
criacao original de conteudos.
A musica techno e um perfeito exemplo destas mutacoes, A forma
natural damusica techno e , de certa forma, a internet que a concretiza.
Um £luxode segmentos musicais transita pela rede e cada aficionado
os capta, os trabalha e os repoe em circuito, mediante operacoes
que retornarao muitas vezes na sequencia deminha exposicao: cortar,
colar, arranjar, acrescentar e colocar on-line. Essa rnusica eprofundamente ligadaaosmateriais e instrumentos digitaisque utiliza.
o computador torna-se aomesmo tempo instrumento de cornposicao,
de aquisicao, de restituicao acoplada aos sintetizadores, caixas de
ritmos, sampleadores que formam a corrente natural de tratamento
desse material musical. 0 instrumento de producao e0instrumento
de recepcao sao - situacao muito nova - 0mesmo: um computador
ligado ao fluxo. A musica techno nao reproduz 0dualismo melodia-
acompanhamento tradicional; nao existe uma linearidade supondo
um corneco e um fun, mas sim um fluxo. Nessas condicoes, pode-
se falar de Ulna pratica, pode-se dizer que a musica techno se
"performa" no sentido do verbo ingles (juntando-se assim a
producao live da techno em torno da mixagem). Claro, e possivel
solidifica-la editando urn CD. Mas, entao, abandona-se a sua forma
princeps para entrar no sistema de grava<;:ao-duplica<;ao,0que nada
tern de infamante, mas retira a experiencia coletiva do terreno que a
tern alimentado.
De uma maneira mais geral e fora do dominio musical, uma
oferta de sofiu/are para 0grande publico tern se desenvolvido: caixas
de instrumentos de todos os tipos, sift-ware de design de hipermidias,
srftwares de tratamento de imagens fornecidos junto com aparelhos
fotograficos digitais e calcados em instrumentos profissionais do
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tipo Photoshop, instrumentos de montagem de video, de tratamento
de som etc. 0 h om e stu dio deixa sua vinculacao puramente musical
para transforrnar-se em urn centro de tratamento geral,2 abrindo
para urn home multimedia arnpliado os arranjos conjuntos dos universos
textuais, graficos, iconicos e sonoros no contexto da comunicacao
coletiva e da docurncritacao parcialmente automatizada. Se
descrevermos 0que significa realizar uma home page na internet ou
um site coletivo em uma turrna, por exemplo, descobriremos uma
gam a graduada de atividades em que a pesquisa documental
automadzada por motores e guias, a citacao, 0ernprestimo nao-
referenciado, a colagem, a transformacao de fontes originais ocupamurn lugar consideravel,
o uso de robos pesquisadores e , alias, uma maneira natural de
deslocar-se na rede: a mobilizacao de tais automatos torna-se uma
pratica de leitura/ pesquisa de "grande publico". Multiplas
proposicoes se esbocam para mapear e explorar as jazidas de dados
assim coletados;' estendendo desse modo 0 knmv-hoJJ/de organizacao
de conhecimentos, hoje ainda especializados. Tambem nesse terreno,
a passagem para a home, exploracao dinamica das paisagens de
inforrnacoes, faz sua entrada.
Em 11 de outubro de 2000, 0suplemento "interativo" do
jornal Le M onde (Le M o nde In teract~ f) intitulava assim 0seu dossie:
LeJ pageJ perJo) de pluJ en p luJ pro (''As paginas pessoais cada vez mais
2 Em sua introducao ao catalogo de Imagina 98, Bernard Stiegler (1998, p. 5)
desenvolve uma argumenta<,:ao similar trocando a potencia das industriasmundiais do "broadcast digital" pelo tratamento local das imagens: a house
video que deveria levar a "uma mudanca profunda de atitude comportamental
do consumidor". Ver tambern 0excelente cornentario que Pierre Levy
(1997, P: 168-172) faz da rnusica techno.
3 0 software Umap Web, criado pela Trivium, por exemplo, mapeia as
proximidades entre os temas consultados durante a navegacao nas paginas
iueb. 0 internauta constroi assim uma paisagem grafica de dados, espelho
explicito de suas inclinacoes.
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profissionais") acentuando a sofisticacao crescente dos sitesnas cerca
de600mil paginaspessoaisfrancesasem urn totalde aproximadamente
6 milhoes de internautas em julho de 2000 (0 que representa uma
proporcao surpreendente). Alguns sitesrivalizam efetivamente com
as producoes profissionais e seus autores; alias,tern sido solicitados
pelas empresas do setor.
Umano~ 'gmmarohg~H
o desenvolvimento de novas normas de edicao de documentos
para suceder as HTML - tais como XML (para eXtensive Mark of
Language) - concretiza uma tendencia fundamental das linguagens
de hipermidia a descrever automatica e "inteligentemente" os
documentos. Amplamente desenvolvida hoje no dominio da edicao
web, com as linguagens com balizas como aHTLM, estes principios
estao em vias de expansao, por exemplo, para 0audiovisual, com a
adocao da familia de normas MPEG.4 0delineamento das fontes
de video resultante disso coristituira uma mutacao intelectual
consid er av el, pois MPEG tern como arn b ic ao indexar
automaticamente a semantica das imagens animadas sonoras, de
forma que sera possivel fazer pesquisas de personagens, sttuacoe.s
(por exemplo, localizar as sequencias em que se trata da ernigracao
para a Europa em urn corpo de milhares de horas de transrnissoes
de televisao). Duplicar automaticamente cada documento atraves
de metadados que 0estruturam e descrevem, como se faz
correntemente com 0texto, e 0horizonte proximo (cerca de dois a
4 MPEG (Moving Pictures Experts Group): as versoes 2, 4, 7 e 21 desta
norma visam progressivamente a descricao e indexacao autornatica de todos
os documentos digitais, dos aspectos semioticos aos dados socioeconornicos
para campos bastante amplos que vao da biblioteca virtual ao tratamento
de todos os fluxos audiovisuais. Costuma-se ligar a norma MPEG a tarefas
de cornpressao, mas trata-se apenas de uma de suas funcoes e sem duvida
nao a mais estrategica.
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tr es anos), dando corpo assrm ao conceito de "rna quin a
gramato16gica" proposto por Henri Hudrisier." Segue-se a isso uma
modificacao profunda das formas de recepcao, pois a generalizas:aodessas metalinguagens - perrnitindo, em particular, a adaptacao das
linguagens de concepcao segundo a natureza dos sites (de musicas,
de bibliotecas, de museus etc.) - vai incitar os intemautas a configurar
os sitesvisitados segundo suas necessidades e inclinacoes. Tratar-se-
a, com efeito e cada vez mais, nao de "consultar" sites, mas de
transformar as paginas recebidas, de recompo-las e acrescentar
informacoes pessoais.
Uma perspectiva co/etiva
Desses arranjos que diluem as Oposls:oes socialmente
sedimentadas pela cultura do impresso, encontraremos urn exemplo
soberbo nos siftwares livres. Atividade tecnica especializada, e claro,
a participacao nessa escritura coletiva mobiliza cornpetencias
heterogeneas. Hackers, curiosos ou especialistas experimentados
podem, todos, contribuir para a excelencia do resultado. E urn
debutante em informatica apaixonado por musica eletronica pode
perfeitamente propor uma contribuicao original para urn problema
dificil proprio desse campo. A escritura coletiva de sofiiuares livres
materializa a agregacao de know-howe de energias ao mesmo tempo
diferenciadas e de intensidades variaveis,
Mais fundamentalmente - e tocamos aqui no principio gerador
do "livre" - 0uso de urn software livre deriva naturalmente para asreorganizacoes funcionais (copiar/ colar/ acrescentar), concretizando
necessidades e projetos. Em suma,0"livre" e uma maquina recursiva
cujo usa produz 0"livre", ele mesmo sempre recornbinavel.
5 Henri Hudrisier (1999), professor na Universidade Paris VIII, e sem duvida
o melhor especialista dos mecanismos tecnoculturais dessas rnuta<;:oes.
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Tornar-se autor
A oferta de so/twares-autores se reforca (maquetismo, tratamento
de imagens fotograficas, gesdo de hiperdocumentos, linguagens de
coricepcao de sites na internet etc.) ao tornar cada vez mais
transparente para os usuarios autilizacao de instrumentos elaborados"
(embora, paralelarnente - e isso nao e contraditorio - as versoes
profissionais tornern-se mais complexas).
Bern entendido, uma parte mais original, pessoal, lugar da
criatividade em urn sentido mais tradicional, completa taisatividades:
estabelecimentos de caminhos denavegacao,design deinterfacesgra:ficas
e redacao de textos, em funcao do que nos e dado verificar que os
saberes da leitura/ escritura permanecern fundamentais nestes novas
espa<_;:osxpressivos. Pode-se ver que essasultimas competencias sao
majoradas namedida ern que seevoluipara os universos profissionais.
Porern, em uma perspectiva de educacao e de aprendizagem, os
primeiros estratos de atividades de selecao e de arranjamento
documental sao de uma riqueza heuristica consideravel.
A evolucao propria das linguagens de hipermidia deveria levar
a educacao nacional a tomar resolutamente a direcao do home
multimedia. "Tornar-se autor": esta deveria ser a divisa inscrita na
6 Entre os anuncios recentes, e a titulo de exemplo, destacamos 0software
engenhoso criado pela Realiz. Ele produz uma imagem tridimensional a
partir de algumas fotografias de um mesmo objeto (rnovel, rosto ou
monumento). Visando inicialmente 0usa profissional, este instrumento
democratiza incontestavelmente a imagem 3D. Seus criadores pretend em
associa-lo aos softiuares de retoque disponiveis junto com os aparelhos
fotograficos digitais. Na mesma ordem de ideias, a Virtools prop6e aos
designers de jogos para video um softu/are interativo 3D "tempo real" -
Nemo - que permite liberar-se da programacao informatica. Com Nemo,
podem-se animar direta e interativamente, na tela, cenas unindo
comportamentos a objetos, comportamentos estes que podem ser
encontrados e combinados em uma biblioteca extensa. E claro,
N emo nao e direcionado para 0grande publico, mas tudo leva a crer que
versoes simplificadas irao permitir que os aficionados fabriquem, em breve,
os seus pr6prios jogos.
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fachada da escola do seculo XXI. Lembremos antes tudo que a
aprenclizagemda leitura so tern sentido juntamente com adaescritura.
Transformar realmente as crianc;:asem autores, no sentido pleno
do termo, isto e: tornar-se autor - escrever - e para isso ler os
textos dos outros como seus. Conduzir a passagem para a escritura
e , sabe-se, uma das rnissoes essenciais da educacao. 0 objetivo nao
consiste apenas em permitir a expressao escrita do pen~_amento,
mas sobretudo em provocar, constitutivamente, 0distanciamento
de si, a fim de que, atraves dessa exteriorizacao, nessa meada de
regras e coercoes, os aprendizes-autores explorem, refinem e
finalmente produzam, por reflexao, as suas ideias. Utopia
dernocratica, que os novos sistemas simbolicos tern por obrigacao
prolongar, se e verdade que0contexte dahiperrnediacao faz emergir
novas praticas de expressao / recepcao (que,por exemplo, as nocoes
de leitactura ou de home mul timedia, apresentadas mais acima, tentam
circunscrever).
Nesse sentido - do hom e m ultimedia - a escola deve assumir 0
devenir-autorhipermidia das crianc;:as,omo CelestinFreinet0
assumiraatraves da fabricacao de jornais. E se ontem nem todo mundo era
chamado a escrever em urn jornal e a imprimi-lo, amanha, ao
contrario, todo mundo sera mais ou menos levado a se mover no
meio da teleitiformatica. E justamente isso que numerosas experiencias
na Franc;:ae no mundo indicam, notadamente com 0usa renovado
da pedagogia de projeto em torno da internet (realizacaocooperativa
de sites, por exemplo, versao moderna da "imprensa na escola").
Competencies graduadas
Vamos esclarecer aqui urn eventual mal-entendido. 0 autor-
cidadao na area da cultura nao e obrigatoriamente urn autor no
sentido academico do termo (jornalista, escritor, homem de letras
ou de ciencias etc.). Da mesma forma, 0autor hipermidia nao e
chamado a dominar 0 knmv-how especializado que vai continuar
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como apanagio de profissionais. Mas, em niveis diferenciados, cada
urn e levado a utilizar instrumentos de complexidades graduadas
para usos tambem graduados. A criacao da linguagem SeOL7 e
urn born exemplo de usos escalonados de um rnesrno siftware. Essa
linguagem de concepcao do espac;o tridimensional e interativo na
internet - verdadeiro prodigio tecnico que permite 0design pessoal
de espac;os de comunicacao - e proposta em varias versoes de
complexidade e de prec;os diferentes segundo 0publico a que se
destina (grande publico ou profissionais). A seOL permitiria que
os internautas criassemcom facilidadeseus pr6prios mundos virtuais
em tres dimensoes e neles depositassem seu avatar, escaneancio, por
exemplo, uma foto. Todos os componentes das cenas concebidas
sao clicaveis e podem remeter, atraves de vinculos, a outros locais,
listar fontes documentais ou lancar aplicacoes. Da mesma forma,
em sua versao 1998,Le Deuxierne Monde distribui aos "habitantes"
instrumentos simples para configurar, em tres dimensoes, sua home
page, assim como seu domicilio virtual, limitado na versao anterior a
urn apartamerito-padrao, do qual so era possivel personalizar a
decoracao. Ai tambern a habilidade e as rnotivacoes dos usuariosdao forma a rcalizacoes de qualidades diferenciadas.
Todos os internautas, por exemplo, sabem bern que 0uso da
rede aciona cornpetencias variadas, passando do simples surfing
(0 equivalente da leitura classica) ao dominio do telecarregamento
de so ft wares e a exploracao de grandes massas de informacoes
adquiridas grac;asaos rob6s e outros guias de busca, cujas linguagens
de requis icao tornam-se cada vez mais aceleradas e complexas.
As regulagens e manipulacoes de sofnuares na internet deslizam as
vezes para saberes que sao quase especializados (carregamento de
aplicacoes VR1'v1L e outros p lu g 'in s, recepcao de correntes multimidia
em continuidade etc.). Multiplicam-se na rede as ofertas de
instrumentos "grande-publico" de criacao de sites, propondo aos
internautas ne6fitos formatos preestabelecidos que podem ser
7 Essa linguagem foi desenvolvida pela Cryo.
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"parametrados" e ilustrados gra<;:asa bancos de imagens livres de
direitos." Basta arranjar esses textos, fotos e vinculos de hiperrnidia
para que se possa construir um site pessoal sem dominar a
programacao classica.
A proaudio multissuporte
o desenvolvimento esperado da producao multissuporte e urn
outro indicador da propensao experimental que faz com que
competencias de organiza<;:aodo tipo home multimedia desloquem-se
para 0receptor final. Embora tais perspectivas ainda estejam mal
desenhadas, suasmotivacoes sao significativas e vao, finalmente, aoencontro de nossos prop6sitos.
Com a producao multissuporte, desenvolvida sobretudo por INA,
o telespectador podera, a prazo, aceder, alem da prograrnacao
difundida, a producao "cinza", isto e , ao conjunto de rushes,
arquivos e imagens associados, dos quais apenas uma parte infima
e difundida, por faltade tenipo, pela antena. Ern suma,0equivalente
audiovisual da consulta ao ambiente documental na imprensa
on-line: dossies, relatorios, publicacoes que serviram aos jornalistas,
mas nao foram publicadas por falta de espac;o e que se tornam
acessiveisna edicao eletronica.?Desde a fasede producao, 0objetivo
nao e mais produzir ernissoes, mas fontes documentais declinaveis
8 Tills services existem ha anos nos Estados Unidos. Na Franca a empresa
Multimania, assim como 0motor de pesquisas Lycos,oferece estes instrumentos
gratuitamente, nao sem interesse pela area publicitaria assim criada pela
multiplicacao dos sites hospedados. 0 que, diga-se de passagem, nao caiu nas
grac;asdos aficionados, que reagiram oferecendo urn programa a integrar nas
paginas da web, 0qual bloqueia a exposicao de paineis publicitarios,
9 Assim, Bernard Stiegler, diretor do departamento Inovacao no INA, explica:
"Se temos dez horas de enttevista de Nathalie Sarraute, por exemplo, por
que nao oferece-las ao telespectador interessado? Uma boa parte poderia
ser colocada on-line em acompanhamento da transmissao de 45 minutos,
organizando para isso uma navegacao documental. Por ocasiao da apresentacao
do programa em urn banco de imagens, urn indicador poderia ~
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em varias dirccoes: filmes, CD-ROM, banco de imagens etc.10Trata-
se ai de uma reorientacao maior para os autores que, em lugar de
selecionar materiais para servir a urn proposito unico em urn
formato delimitado (os famosos 52 minutos, por exemplo), terao
que consttuir seus roteiros explorando fontes documentais reunidas
gra~as aos sofiiuares adequados disponiveis. Evidentemente, isso traz
disposicoes ineditas tambem para0elespectador-autor, que passara
de urn regime regulado para urn fluxo linear temporal a uma
proposta de exploracao em profundidade que vai ao encontro
daquela que se imp6e com as hipermidias, Mais radicalmente ainda
- e e 0que nos interessa aqui - pretende-se que 0publico venha a
ter acesso aos instrumentos utilizados pelos autores a fi.m de fabricar
outros programas de hipermidia com 0estoque de materiais
reunidos pela equipe iniciadora. A partilha, mesmo desigual, dos
instrumentos de srftware entre profissionais e amadores entendidos 11
e , de fato, uma fonte de remanejamentos profundos na estrutura
das relacocs autores z'publicos na propria logica daquilo que
chamamos aqui de home mu ltimed ia .
Continuidade recepcdo-edeptecso-crieceo
Percebe-se amesma continuidade reccpcao-adaptacao-criacao
em certos videojogos. 0 exemplo do Pod e muito revelador a este
respeito. Pod e urn jogo de corrida de automoveis de surpreendente
realismo, desenrolando todo 0arsenal do protocolo dos circuitos
(dezesseis circuitos evocando os universos de "Blade runner", "Mad
Max" etc.) e multiplicando os graus de regulagem dos engenhos
~ assinalar que, par tras de tal sequencia, urn tema mais longo esta disponivel,
o qual remere, ele tarnbern, a outros documentos" (entrevista a Revista da
Imagem e do Som, INA, jun. 1998, p. 10).
10 Desde 1998, 0INA instalou urn "estudio de producao rnultissuporte".
Varios projetos ja estao sendo desenvolvidos, em particular 0France
Television para transrnissao da serie Un siecie d'ecriuain.
11 0custo dos sistemas de producao de programas em video digital foi
dividido, em francos constantes, por dez em quinze anos, isso com ~
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Entre producao e recepcao 123
(aceleracao,aderencia, assesto etc.).Os carros concorrentes saodotados
de urna "inteligcncia propria" da corrida, bastante desenvolvida. Mas
a inovacao reside alhures. Um forum na internet permite que os
"fanaticos" concebam novos circuitos para os quais podem convidar
outros concorrentes. Ganhar a corrida nao e mais 0unico objetivo.
Afastar-se do circuito e visitar as paisagens apresenta para alguns 0
mesmo interesse. Assim, novos veiculos podem ser fabricados com
caracteristicasproprias, E finalmente, fechando 0circuito, os criadores
do Pod concebem novas versoes do jogo inspirando-se na inovacao
dos adeptos desse tipo de site. Passa-se entao, em etapas sucessivas,de
urn videojogo a experimentacao coletiva de um quadro cenografico,
no qual os participantes sao ao mesmo tempo atores de seu espctaculo
e espectadores de seus atos: espect-atores, portanto, com todas as
gradua<_;:oese know-how que se podem imaginar.
o autor em co/etivo: uma configurar;ao da cibercu/tura
Quando se invoca a producao coletiva como prornocao do
universo das redes digitais, nao seestaria cometendo urn certo contra-
senso? Mais que uma novidade radical, essa revolucao (no sentido
literal da mecanica celeste) nao estaria intimamente ligada a antiga
ordem autoral, que precedeu a invencao e a expansao da imprensa?
Em sua pertinente pesquisa sobre estes aspectos, Eisenstein (1991,
p. 110) mostra grande clareza, atribuindo a epoca precedente a
imprensa a plenitude do regime de producao colctiva.'"
~performances tecnicas em constante progressao. E tal diminuicao deprec;os
prossegue: no comeco de 1999, adquire-se uma estacao de producao comurn investimento que ia dos 50 aos 100 mil FF. A entrada de gama, sob a
forma de cornputador portatil conectado a projetor, aparelho fotografico,
minidisco etc., e atuando como banco de montagem digital, se situava na
faixa dos 20 mil FF). Ver a esse respeito Poguszer (1999).
12 Assim argumenta ela: "As novas formas de atribuicao da qualidade de autor
e os direitos da propriedade literaria solaparam as ideiasantigas de autoridade
coletiva, nao apenas em materia de cornposicao dos livros biblicos, mas
tambern de textos filosoficos, cientificos e jurfdicos".
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124 Capitalismo cognitivo
Os termos da discus sao mudaram muito, depois de urn longo
periodo de valorizacao individual, que absolutamente nao se
encerrou se atentarmos para a importancia que tern a assinatura em
urn numero crescente de atividades (publicacoes, livros como este,por exemplo). Nada aver com 0estatuto autoral anterior a imprensa,
que sepode efetivamente considerar, de maneira aproximativa, como
nao-individual. A esperan<;a de uma dissolucao do fator individual
se faz assinalar, em certa medida, como uma posicao reativa que
reforca aquilo que contesta.
A epoca atual vera reforcar-se a pertinencia do autor individual
(forjado pela cultura do livro) mergulhando ao mesmo tempo em
uma configuracao tecnocultural que articula0ndiviso e0ndividuo,
Assim, ha de se desenhar precisamente a figura do autor emcoletivo,
totalmente voltada para0prazer do coletivo (despojamento narcisico,
em particular) e levadaincessantemente aproduzir diferenca, aproduzir
original; esse enderecamento a originalidade torna-se, e claro, uma
condicao coletiva.
o dorninio mais tecnico dos sof tnares livres e urn excelente
simbolo dessa siruacao de autor emcoletivo, na qual alguns nomes
sao citados em todos os artigos. Assim acontece com Linus Torvalds,
iniciador do Linux - sistema de exploracao constantemente
aperfeicoado por milhares de expertos em informatica em todo 0
planeta -, cuja autoridade intelectual no centro nodal de Linux e
sempre reconhecida, ou de Richard Stallman, principal iniciador da
Free SoftwareFoundation. Como seve, coletivoe nomeacao caminham
juntos. A fabricacao de s if t wa re s livres constitui, alias, uma perfeita
ilustracao de criacao coletiva de anonirnato graduado. De fato, os
desenvolvimentos especificos sao rnuitas vezes assinados (mas nao
apropriados) por seus autores. 0 meio se mantern perfeitamente
inforrnado das proezas deste ou daquele programador, as vezes
tido como detentor de uma verdadeira arte da prograrnacao. Estas
proezas participam plenamente de urn reconhecimento social,
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Entre producao e recepcao 125
valorizado aqui nao em capital, mas em virtuosidade singular
reconhecida. Ademais, a participacao no desenvolvimento de urn
software livre e urn grande trunfo em um CV de informatica, simbolo
que e de uma trajeroria individual. Exemplo que pode ser, alias,
cotejado com a criacao artistica multimidia coletiva, parcialmente
anonirna, na internet, sob supervisao. Um dispositivo-quadro
concebido por urn artista (tema, texto e imagens de partida, por
exemplo) inicia 0fluxo e chama quem estiver interessado para
enriquecer a proposta; esse fluxo se desenvolve ao sabor dos aportes
sucessivos de textos, imagens, sons, tal como a iniciativa Rhizomes
do ciberartista RaynalDrouhin. A formacao de "guildas" nos jogosem rede (agrupamento de jogadores que decidem aliar suas
cornpetencias e enfrentar outras "guildas") e tambern um born
indicador. Tem-se ai, de fato, uma verdadeira colaboracao sem
atribuicoes nominais (a"guilda") com fenomenos de "starificacao",
como as classificacoes nominais, na net, dos melhores jogadores em
tal ou tal jogo.
Na era da cibercultura, parece-me que a figura do sUJelto
individual assume urn relevo nao menos marcante do que com a
imprensa triunfante ou 0audiovisual onipotente. 0 incremento
informacional nas redes e 0adensarnento dos vinculos possiveis
torn am estrategica a escolha de urn singular percurso produtor de
visoes originais, assim como 0momenta da sintese pessoaL Nao
discutiremos 0fato de que .esta sintese se da no quadro de uma
malha que associa, mais do que nunea, programas autornaticos e
coletivos humanos. Mas deduzir dai 0desaparecimento da figura
do autor individual esta mais para 0prognostico - duvidoso - do
que para 0diagnostico.
o alongamento dos creditos, tanto no audiovisual quanto em
eertas multimidias (edicao de CD-ROM, criacao de sites) testemunha
a perrnancncia - talvez acentuacao -da preocupacao com a
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126 Capitalismo cognitivo
riorneacao. A irnportancia social da assinatura - notadamente em
artigos cientificos 13- cresce em inumeras profissoes 14(0 book, por
exemplo). Esta questao e fundamental, pois toca no estatuto da
valorizacao e na natureza do trabalho conternporaneo no quadro
da cooperacao produtiva "p6s-fordista". De fato, organizacao
coletiva e preocupacao individual nao se opoem, mas se reforcam
e se condicionam mutuamente. Nao voltaremos, portanto, a forma
individual nem a valorizacao. 0 contexto das redes .deve antes
estimular a pensar na persistencia - quica hipertrofia - da marca
individual, paralelamente ao desenvolvimento das formas autorais
distribuidas com todas as graduacoes imaginaveis a partir de:
• ausencia natural de arribuicoesy'reivindicacoes individuais;
• recusa - as vezes superficial- de exibir-se;
• impossibilidade de distinguir 0que e de quem;
• assinatura coletiva;
• assinatura coletiva com atribuicao individual por todo ou parte;
• enfim, afirrnacao exacerbada do nome do autor ou dos autores
(a exemplo da precisao crescente dos creditos).
As comunidades: uma coopereceo recursiva
Essa l6gica de encadeamento recepcaoy'producao aproxima-
se de certos aspectos bastante fundamentais da "nova economia".
Assim, em urn notavel artigo intitulado "La creation de valeur sur
internet", Michel Gensol1en (1999) explica que, na hip6tese de urn
13 A utilizacao de procedimentos automaticos de contagem situacional(mimero de citacoes de urn autor feitas nas p'ublicacoes de determinado
campo) confirma esta preocupacao; com todos os refinamentos que se
podem imaginar visando, por exemplo, desemboscar as "rernissoes de
elevador"?
14 A evolucao dos creditos das exposicoes publicas vai no mesmo sentido.
Assim, na exposicao "Osez le savoir" na Cite des Sciences et de l'Industrie,
alern dos creditos gerais, cada elemento de apresentacao especificaos nomes
dos participantes e colaboradores.
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Entre producao e recepcao 127
desenvolvimento rapido da rede, a fonte do valor sera "a externalidade
entre os sites gratuitos e os sites comerciais". De uma maneira mais
geral, ela surgira na medida em que os internautas inventarem suas
necessidades de novos instrumentos e servicos "ao mesmo tempo
em que aprendem, no seio das comunidades", os usos desses services.
Extrapolando-se urn pouco, pode-se afirmar que a criacao de
comunidades sociais que inventam instmmentos para prosseguir 0
movimento de criacao de comunidades e , nesse modelo, fonte e
carburante do processo. Em suma, a criacao de relacoes sociais
exigentes torna-se objeto da atividade coletiva.
A cultura da hlpermedtacao como
percolacao recepcao/ expressao
Ao final desses eritrelacamentos, recep<;ao e pro ducao
encadeiam-se - sem que se confundam - assim como leitura e
escritura refletem uma a outra, e se emparelham fundamentalmente
as atividades de recepcao e expressao nos ambientes movidos pela
informatica." Tendencia fundamental que leva ao crescimento, entre
os usos da rede, daqueles que tendem a producao de hiperdocumentos.
Pode-se argumentar, e claro, que ninguern e obrigado a
transformar-se em redator hipermidia e que a redacao de textos
lineares em papel nao esta condenada a desaparecer de nossos
horizontes. Hoje, tal afirrnacao procede, mas essa oposicao torna-
se cada vez mais abstrata, na medida em que os saberes da escritura
15 Por exemplo, 0CD-ROM Odyssey, criado pela empresa Arkaos para Jean-
Miehel Jarre, ofereee aos usuaries urn arnbiente para "toear" 0 cornputador
em cima de uma musica, assim como se toea urn instrumento. As teclas
comandam 0surgimento de imagens que podem ser deformadas atraves
de efeitos especiais e cujo ritmo pode ser regulado. 0 software Xpose LT,
comercializado pela Arkaos, permitira que seus compradores "toquern"
suas pr6prias imagens em cima da musica eseolhida.
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hibridizam-se naturalmente aos da hiperrnediacao, 0 uso documental
deslizara frequentemente para a producao hiperrnidia. Nao estamos
aqui supondo que, em nome de sabe-se la qual injuncao normativa,
praticas de simples consulta e navegacao tornem-se obsoletas nem
postulamos que ahipermediacao vaapagaras fronteirasentre atividades
triviais e atividades especializadas de criacao multimidia. Mas
imaginamos todo tipo de estratos, ja obscrvaveis atualmente, entre
essas duas posicoes." Presumimos que, embora as fronteiras se
desloquem com a evolucao tecnocultural, estes dois polos, e portanto
tambem aszonas interrnediarias, manterao suas especificidades.Estas
zonas medianas formam urn terreno fertil para projetos individuais e
coletivos formadores e sobretudo em harmonia tecnocultural com
os novos instrumentos simbolicos em emergencia.
Ademais, e em outro terreno, as cornpetencias exigidas e
desenvolvidas aomesmo tempo pelos instrumentos da homeproduction
enriquec:em a problematica da interatividade. Trata-se aqui de
mobilizar uma interatividade - propria dos scf ti uares - para produzir
programas de hipermidia tambern de frequencia interativa: uma
interatividade ao quadrado, em suma.
Fazer frutificar 0know-how interrnediario da hipermidia e urna
questao educativa, e claro, porern mais fundamentalmente politica,
se compreendermos que ai sao construidas formas simbolicas e,
por isso mesmo, instrumentos expressivos da vida coletiva, em geral,
16 Voltamos a encontrar, apenas sob certos aspectos, a querela que inflamou
o meio da informatica educativa nos anos 1980, entre os partidarios de urnamplo ensino dos prindpios da programacao (sobretudo aquele assurnido
por LOGO) e aqueles que optavam pelos usos pedag6gicos da informatica
(EAO, simulacao etc.). Nossa opcao pelos "saberes mediais" nao recobre
exatamente esse confronto. Ela conserva 0lado "produtivo" dos primciros,
sempre sublinhando a difusao dos instrumentos intermediaries de criacao
que deslocam os saberes exigidos da informatica classica (algoritmica,
programac;:ao)para as linguagens aplicativas e para as praticas generalizadas
do cortar/ colar/unir/ criar/publicar.
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Entre producao e recepcao 129
e da democracia, em particular. Mesmo sem uma abordagem
voluntarista, as praticas do h om e m ultim ed ia van se desenvolver
necessariamente, contudo demaneira maislenta e sem que sedestaque
seu valor. E de responsabilidade daqueles que foram encarregados
das politicas educativas cornecar por reconhecer,no sentido mais forte
do termo, as praticas do home mul timedia como condicao de existencia
politica; e em seguida, cabe a eles sistematiza-las,
Esta perspectiva poderia, alern do mais, dar um conteudo
concreto ao apelo a decifracao das imagens, objetivo recorrente
programado, la e ca, por todos aqueles a quem inquieta uma suposta
dominacao - a ser demonstrada, alias - do reirio icoriico sobre 0
da escritura. A unica maneira de esvaziar a bola da manipulacao
atraves das imagens consiste em fazer, de cada urn, urn manipulador
- no sentido primeiro do termo - de hiperimagens. Para ser capaz
de desmontar as pretensas armadilhas das imagens digitais, nada
melhor que desenvolver sua recepcao z'producao, ou seja, sua
mo b iliz aca.o expressiva. Todos per ceb er ao en tao que a
hiperrnediacao traz a luz aquilo que todos osprofissionais da imagem
ja sabern, isto e , que toda imagem e margeada por linguagem -
muitas vezes escrita (assim como a linguagem desenrola-se sobre
urn fundo de imagens). Trabalhando naturalmente nos saberes
cruzados da escritura, do Icone e do som, a hiperrnediacao e uma
propedeutica semiocritica natural.
Instabilidade, metsesaiture e metaleitura
Assim, emerge a necessidade de uma aclimatacao estudada aomeio hipermidia, manejando ao mesmo tempo um conjunto
correlato de instrumentos de recepcao e de· instrumentos de
producao, embora, a diferenca das tecnologias da escritura, as do
hipermidia evoluam rapidamente e nao sejam,sem duvida, chamadas
a estabilizar-se. Mas esta instabilidade e provavelmente apenas urn
obstaculo, menos insuperavel do que se diz frequenternente.
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130 Capitalismo cognitivo
Rccorihcce-Io deve levar a desenvolver as aprendizagens de tipo
metaexpressivas, seguindo-se, ai tambern, as logicas proprias da
hipcrrnediacao que, espontaneamente, convertem a uma atitude
arqueologica, interrogando as camadas nao-visiveis da imagem, assim
como os principios que guiam, como pano de fundo, as cenografias
instaladas.
A criacao hipermidia harmoniza-se com um movimento cultural
que leva os autores e artistas do universo digital (assim como os
game designers das novas gera<;:6esde videojogos)17 a criar obras (ou
producoes) diretamente como metaobras- tal como a generatividade,
do cara a J ean- Pierre Balpe - isto e , como potericias de produ<;ao
de familias, de tribos, de sociedades de obras auto-m aticas
(literalmente: que sao causa de seu proprio movimento). Essa posicao
"demiurgica", partilhada por varios autores de multimidia, engendra
espontaneamente uma postura de metaescritura (produzir antes
metarre/atos, que uma narracao delimitada; criar antes metacenascom
atores virtuais dotados de certa autonomia, que uma dramaturgia
determinada etc.).
Simetricamente, pelo lado dos espea-atores, estas disposicoes
suscitam algo que poderiamos chamar de meta/eitum ou, de uma
maneira mais geral, metarreceprao: buscar os principios fundadores
nas series de reedicoes, ten tar descobrir as invariantes (e idenrifica-
las, ou nao, deixa de ser, em substancia, essencial), em suma, coristruir,
a cada ocasiao, uma "teoria" do relato ou da cena. Essa atitude
17 Uma sociedade de atores virtuais com os quais sera preciso entabular relacoes
se quisermos atingir urn objetivo: assim e a cenografia geral destes jogos.
o jogador eleve compreender as 16gicascomportamentais que animam os
agentes: este aqui vai se tornar inimigo, posso fazer deste outro urn aliado
etc. Ademais, a maneira como ele abordar os personagens terti inflmSncia
sobre seus comportamentos. 0 jogador transforma-se em etnologo; liga-
se a urn mundo que vive independentemente de sua presenc:;:a.Cabe a ele
infletir num sentido favoravel as oportunidades que se apresemarem. Como
na vida verdadeira?
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Entre producao e recepcao 131
recursiva transforma-se na coridicao espectatorial atual. 0 fato de
que um dispositivo de »zetaescritura suscita uma postura de metaleitura
e, finalmente, um giro de manivela 16gico.E encontramos ai os
fundamentos da cultura de hiperrnediacao baseada em uma
percolacao entre construcao e recepcao do sentido. Parece-me que
esta postura descreve uma parte central das novas cornpetencias
hoje esperadas da parte dos "manipuladores de simbolos"
conternporaneos: nao rnais utilizar de maneira performante as
linguagens propostas, mas descobrir as 16gicassernanticas atuantes
nos processos comunicacionais que as deslocam. Em suma, fabricar
teorias narrativas, transformar-se em engenheiro semi61ogo.
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