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ABENO Associação Brasileira de Ensino Odontológico

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ABENOAssociação Brasileira de Ensino Odontológico

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Copyright © Associação Brasileira de Ensino Odontológico, 2005Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização da ABENO.

Catalogação-na-publicaçãoServiço de Documentação OdontológicaFaculdade de Odontologia da Universidade de São PauloRevista da ABENO/Associação Brasileira de Ensino Odontológico – vol. 1, n. 1, (2001).– São Paulo : ABENO, 2001-SemestralISSN# 1679-5954A partir de 2005, vol. 5, n. 1 a publicação passa a ser semestral.1. Odontologia – Periódicos I. Associação Brasileira de Ensino Superior (São Paulo)II. ABENOCDD 617.6BLACK D05

Presidente Antonio Cesar Perri de CarvalhoUniversidade Católica de Brasília - Curso de OdontologiaNova Sede QS 07 Lote 01 - CEP 72030-170Águas Claras - Brasília - DFTel.: (61) 356-9611E-mail: [email protected]

Editor CientíficoJosé Luiz Lage-Marques

Produção editorialRicardo Borges Costa

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Apoio para esta edição:Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic

Associação Brasileira deEnsino OdontológicoAssociação Brasileira deABENO

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Revista da ABENO • 5(1):3 3

A Revista da ABENO é umapublicação oficial da

Associação Brasileira de Ensino OdontológicoPresidente de Honra: Edrízio Barbosa Pinto (PE)

Presidente:Antonio Cesar Perri de Carvalho (DF)

Vice-presidente:Eduardo Gomes Seabra (RN)

Editor Científico:José Luiz Lage-Marques (FO-USP)([email protected])

Editores Adjuntos:Cléo Nunes de Souza (UFSC)Luísa Isabel Taveira Rocha (UFG)Nelson Rubens Mendes Loretto (UPE)Vera Lúcia Silva Resende (UFMG)

Conselho Editorial:Álvaro Della Bona (UPFundo)Antonio Carlos Bombana (FO-USP)Carlos de Paula Eduardo (FO-USP)Carlos Eduardo Francischone (FOB-USP)Carlos Estrela (FO-UFG)Célia Marisa Rizzatti Barbosa (UNICAMP)Cinthia Pereira M. Tabchoury (UNICAMP)Cláudio Luiz Sendyk (FO-USP)Denise Tostes Oliveira (FOB-USP)Eduardo Batista Franco (FOB-USP)Esther Goldenberg Birman (FO-USP)Eduardo Dias de Andrade (FOP-UNICAMP)Eduardo Saba Chujfi (UNICASTELO)Elaine Bauer Veeck (PUC-RS)Élito Araújo (UFSC)Euloir Passanezi (FOB-USP)Fernando Ricardo Xavier da Silveira (FO-USP)Francisco José de Souza Filho (FOP-UNICAMP)Izabel Cristina Froner (FORP-USP)Jaime Aparecido Cury (FOP-UNICAMP)Jesus Djalma Pécora (FORP-USP)João Humberto Antoniazzi (FO-USP)Jorge Abrão (FO-USP)José Eduardo de Oliveira Lima (FOB-USP)José Ranali (FOP-UNICAMP)Liliane Soares Yurgel (PUC-RS)Luiz Carlos Pardini (FORP-USP)Luiz Clovis Cardoso Vieira (UFSC)Manuel Damião de Sousa Neto (UNAERP)Márcia Martins Marques (FO-USP)Marcio Fernando de Moraes Grisi (FORP-USP)Marco Antonio Bottino (FOSJC-UNESP)Marco Antonio Campagnoni (FOAR)Maria Aparecida de A. M. Machado (FOB-USP)Maria Celeste Morita (UEL)Maria da Graça Kfouri Lopes (UNICENP)Maria José de Carvalho Rocha (UFSC)Maria Regina Sposto (FOA-UNESP)Neusa de Lima Moro (UFPar)Nilza Pereira da Costa (PUC-RS)Roberto Brandão Garcia (FOB-USP)Roberto Miranda Esberard (FOAR-UNESP)Rodney Garcia Rocha (FO-USP)Rosemary Sadami Arai ShinkaiSimone Tetu Moysés (UFPar)Sylvio Monteiro Júnior (UFSC)Vania Ditzel Westphallen (PUC-PR)

IndexaçãoA Revista da ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico está indexada na seguinte base de dados: BBO - Bibliografia Brasileira de Odontologia.

Editorial

Ação Docente

O processo de ensino-aprendizagem fundamenta-se no trabalho conjunto entre professor e alunos, no qual o

professor traça os objetivos que quer alcançar, conduzindo os alunos, estimulando-os a participarem de tarefas e ativi-dades que lhes permitam construir significados cada vez mais próximos aos de habilidades e conteúdos do currícu-lo.

O professor tem o papel de guia, mediador e deve saber compartilhar experiência com os alunos; os alunos vão pro-gressivamente sedimentando os sentidos e representações que constroem de forma ininterrupta no decorrer das ati-vidades planejadas para o curso.

Todavia, é praticamente geral que os professores de cur-sos de Odontologia não tiveram a oportunidade de uma formação pedagógica e apresentam, como decorrência na-tural, dificuldades no exercício da ação docente, que requer uma abordagem múltipla e complexa no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. Não basta ser bom pro-fissional, é necessário também ser bom professor. Entende-mos que a adequada atividade docente pressupõe a capaci-tação didática e o interesse continuado no aperfeiçoamento do trabalho.

O docente consciente de suas responsabilidades pedagó-gicas também entende melhor a importância de sua atuação vinculada a um projeto pedagógico do curso.

Com esse propósito, a Revista da ABENO reúne artigos sobre ensino de Odontologia. É um espaço para a difusão de reflexões, experiências e propostas que gerem intercâm-bio, estímulo e apoio ao professor de Odontologia.

Antonio Cesar Perri de CarvalhoPresidente da ABENO

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Associação Brasileira de Ensino Odontológico

DIRETORIA (2002 a 2006)

Presidente de Honra Edrízio Barbosa Pinto (PE)

PresidenteAntonio Cesar Perri de Carvalho (DF)

Vice-PresidenteEduardo Gomes Seabra (RN)

Secretária GeralLuciane de Moura Brito (DF)

1ª SecretáriaAna Cristina Barreto Bezerra (DF)

Tesoureiro GeralSérgio de Freitas Pedrosa (DF)

1ª TesoureiraLílian Marly de Paula (DF)

Conselho FiscalJosé Galba de Meneses Gomes (CE)Geza Nemeth (DF)José Aparecido Jam de Melo (SP)Nelson José Fernandes Graça (RJ)Reinaldo Brito e Dias (SP)

Assessores do PresidenteAlfredo Júlio Fernandes Neto (UFU-MG)Bruno Frederico Muniz (Fundação Odontológica Presidente Castello Branco-PE)Carlos Alberto Conrado (UEM-PR)José Dilson Vasconcelos de Menezes (UECE-CE)Orlando Airton de Toledo (UnB-DF)Roberto Schimer Wilhelm (UNESA-RJ)

Comissão de EnsinoLéo Kriger (UTP e PUC-PR)

Cresus Vinícius Depes de Gouveia (UFF-RJ)Elaine Bauer Veeck (PUC-RS)Ellen Marise de Oliveira Oleto (UFMG-MG)Maria Celeste Morita (UNOPAR-PR)Miguel Carlos Madeira (UMESP-SP)Omar Zina (UNIVAG-MT)

Comissão de EspecializaçãoSigmar de Mello Rode (UNIB-SP)Célio Percinoto (FOA-UNESP-SP)Hilda Maria Montes R. de Souza (UERJ-RJ)José Thadeu Pinheiro (UFPE-PE)Kátia Regina Hostilho Cervantes Dias (UFRJ-RJ)Luís Fernando Pegoraro (FOB-USP-SP)

Comissão de Pós-GraduaçãoIsabela Almeida Pordeus (UFMG-MG)Adair Luiz Stefanello Busato (ULBRA-RS)José Carlos Pereira (FOB-USP-SP)Lino João da Costa (UFPB-PB)Nicolau Tortamano (UNIP-SP)Nilza Pereira da Costa (PUC-RS)

Comissão de Ensino de Nível Médio e de Formação de Pessoal AuxiliarVanderlei Luiz Gomes (UFU-MG)Ângelo Giuseppe Roncalli da Costa Oliveira (UFRN-RN)Luiza Nakama (UEL-PR)Maria Beatriz Barreto de Souza Cabral (UFBA-BA)Maria das Neves Correia (UPE-PE)Sávio Marcelo Leite Moreira da Silva (UFPR-PR)Vilma Azevedo da Silva Pereira (UFRJ-RJ)

Comissão de ComunicaçãoJosé Luiz Lage-Marques (USP-SP) - Editor da Revista da ABENOVera Lúcia Silva Resende (UFMG-MG) - Responsável pela home page da ABENOCléo Nunes de Souza (UFSC-SC)Daniel Rey de Carvalho (UCB-DF)Luísa Isabel Taveira Rocha (UFG-GO)Nelson Rubens Mendes Loretto (UPE-PE)

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Associação Brasileira deEnsino Odontológico

SUMÁRIOv. 5, n. 1, janeiro/junho - 2005

EDITORIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

ARTIGOS

O estudante de Odontologia e a educação

Aline Guerra Aquilante, Nilce Emy Tomita . . . . . . . . . . . . . . . 6

Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades

Patrícia Suguri Cristino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Kit radiográfico para ensino de técnicas radiográficas

Clovis Monteiro Bramante, Ivaldo Gomes de Moraes, Norberti Bernadineli, Roberto Brandão Garcia, Alexandre Silva Bramante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia

Anita Maria da Rocha Fernandes, Ana Paula Soares Fernandes, Raphael Luiz Nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia

Lucilene Dias Pelissari, Roberta Tarkany Basting, Flávia Martão Flório . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line”

José Manuel Moran . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES e a formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica

Adriana de Castro Amédée Péret, Maria de Lourdes Rocha de Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

Modalidades educativas e novas demandas por educação

Ivônio Barros Nunes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

O ensino na Disciplina de Clínica Integrada

Fábio Petroucic, Rubens Ferreira Albuquerque Júnior . . . . . . . 60

Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia

Rocio Anahí Zaragoza, Patrícia Helena Pereira Ferrari, Marcelo dos Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

Saber pensar

Pedro Demo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões

Cristiane Lopes Simão Lemos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

ANAIS DA XXXIX REUNIÃO ANUAL - 2004 - Complemento

Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004 . . . . . . . 86

PROGRAMAÇÃO DA XXXX REUNIÃO ANUAL - 2005 . . . . . . . . . 95

APÊNDICE

Normas para apresentação de originais . . . . . . . . . . . . . . 96

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RESUMOO objetivo deste estudo foi contribuir para a refle-

xão sobre as concepções de “educação” construídas pelo graduando de Odontologia. O universo da pes-quisa abrangeu 43 estudantes do 1º ano de graduação em Odontologia de uma instituição de ensino supe-rior do interior paulista. Foi realizada uma leitura dramatizada do texto intitulado “Final in-feliz”, de autor desconhecido, sendo proposto aos estudantes que redigissem o final da estória. As redações foram digitadas na íntegra e procedeu-se à análise qualitati-va de seus conteúdos. As idéias centrais apontam para dois caminhos: o final infeliz, como reflexo de uma visão desesperançosa advinda de práticas educativas tradicionais; e o final feliz, em que a educação é en-tendida como um processo cujo modo reflete no re-sultado do ensino, e educar apresenta-se como um sinônimo de conduzir para a vida.

DESCRITORESEducação em Saúde. Estudantes de Odontologia.

Pesquisa qualitativa.

Apesar das recentes modificações no currículo de Odontologia, iniciadas na década de 1990, obser-

va-se ainda uma maior valorização dos procedimentos técnicos, de forma apartada das necessidades epide-

miológicas e da realidade social da população brasi-leira. Provavelmente, esse fenômeno tem como re-flexo o modo como os estudantes compreendem a profissão odontológica desde o início da graduação, reforçado pelo enfoque dado no interior das discipli-nas do curso11.

A reestruturação do currículo odontológico é ne-cessária para a formação de profissionais que voltem a sua práxis às necessidades requeridas pelo quadro epidemiológico, em meio à historicidade do processo saúde-doença-cuidado10. Para tanto, é necessário re-pensar o processo ensino-aprendizagem, tanto sob o aspecto dos conteúdos programáticos (“o que” ensi-nar) como dos processos de ensino (“como” ensinar). O modelo de ensino tradicional – baseado na memo-rização de informações – tem mostrado algum esgo-tamento e, via de regra, mostra limitadas possibilida-des na construção do conhecimento de maneira crítica e participativa.

O Projeto Político-Pedagógico de uma instituição de ensino superior do interior paulista refere a impor-tância de “formar o cirurgião-dentista para atuar como agente promotor da saúde, com ênfase na prevenção e na manutenção da saúde bucal, promovendo a qua-lidade da assistência odontológica à comunidade”. A indicação de competências deste Projeto Pedagógico ressalta o “papel de educador junto ao paciente, a

O estudante de Odontologia e a educação

O estudante de Odontologia participa da construção do saber odontológico como aluno, enquanto as propostas curriculares vigentes objetivam que o mesmo se torne um profissional de Saúde que atue como educador.

Aline Guerra Aquilante*, Nilce Emy Tomita**

* Aluna do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

** Professora Doutora do Departamento de Odontopediatria, Ortodontia e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo.

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comunidade e a equipe de saúde” 12.Para Freire5 (1988), na educação tradicional

“baseada na narração, o educador é o sujeito que conduz

os educandos à memorização mecânica do conteúdo nar-

rado. (...) Nesta distorcida visão da educação, não há cria-

tividade, não há transformação, não há saber. Só existe

saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, im-

paciente, permanente, que os homens fazem no mundo,

com o mundo e com os outros.”

Segundo Niskier9 (1992),

“a educação pode ser um instrumento poderoso tanto de

emancipação individual como de subserviência a sistemas

de governo. Tanto é libertação como sujeição do indivíduo

ao poder e às normas do Estado. No primeiro caso, torna

o indivíduo reflexivo e crítico; no segundo, transforma-o

em parte da massa”.

Struchiner et al.11 (1999) realizaram uma análise cognitiva com alunos de graduação em Odontologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro com o ob-jetivo de diagnosticar o conhecimento em diversos aspectos relevantes à formação científica e profissio-nal. Os resultados apontaram que o processo educa-tivo não estimula nem cobra a tomada de consciência dos fundamentos da matéria estudada, o que pode estar relacionado tanto à cultura e representação fei-ta sobre o papel e função desse profissional, como às estratégias de ensino-aprendizagem utilizadas em cur-sos de Odontologia.

As propostas de reformas curriculares no Brasil, por meio da adoção de métodos alternativos, foram descritas por Moreira8 (2000). Historicamente, o que sempre se buscou foi a elaboração de currículos com princípios mais integradores baseados em temas ge-radores ou complexos – que funcionam como eixos transversais – com o objetivo de formar cidadãos cons-cientes, éticos, autônomos, críticos e transformado-res. O ponto crucial das reformas foi a dificuldade de rompimento com as limitações impostas pela divisão dos conteúdos em disciplinas, pois os professores es-tão habituados à compartimentalização do ensino, uma vez que foram formados desta maneira.

Dourado4 (2002) criticou as modificações advin-das dos Decretos nº 2.306/97 e 3.860/2001, que per-mitiram que houvesse o rompimento da indissociabi-lidade entre ensino, pesquisa e extensão como requisitos básicos à educação superior no Brasil. De-vido a influências socioeconômicas de ordem mun-

dial, a educação superior ficou restrita à função de ensino, modificando a identidade e a função social da Universidade, sendo que esta passou a ser alocada no setor de prestação de serviços.

O estudante de Odontologia vivencia, simulta-neamente, dois papéis. Se, por um lado, participa da construção do saber “odontológico” como aluno, por outro, as propostas curriculares vigentes objetivam que o mesmo se torne um profissional de Saúde que atue como educador.

Sem que se vislumbre a qual “educação” os proje-tos pedagógicos de instituições de ensino superior fazem referência, não é possível ter clareza das rela-ções que o estudante venha a estabelecer como “edu-cador” no campo da saúde.

A descrição de uma atividade proposta na Discipli-na de Educação em Saúde visa contribuir para a refle-xão sobre as concepções de “educação” que o gra-duando de Odontologia apresenta.

MÉTODOA abordagem inicial do assunto filosofia da educa-

ção consistiu no desenvolvimento de uma dinâmica visando estimular os alunos a perceberem como é (ou pode ser) a educação.

Na primeira aula desta disciplina, três alunos pro-cederam à leitura dramatizada do texto intitulado “Final in-feliz”, de autor desconhecido. A estória era projetada com o auxílio de um retroprojetor enquan-to dois alunos e uma aluna, respectivamente, repre-sentavam os papéis de “narrador”, “menininho” e “professora”.

Este texto relata a situação de uma criança que estuda em uma escola onde a professora, ao realizar uma atividade com os alunos, solicitava que todos fi-zessem juntos e da mesma maneira, mostrando como desenhar: as flores deveriam ser vermelhas e com cau-le verde. O menino, inicialmente, fazia as atividades à sua maneira; embora preferisse fazer do seu jeito, ele copiava o que a professora fazia e, assim, passou a não fazer mais as coisas por si próprio. Posteriormen-te, o menino teve que mudar de escola, onde a nova professora propôs como atividade que os alunos de-senhassem. O menino pensou e esperou que esta pro-fessora dissesse o que fazer, mas ela não disse. O me-nino a indagou sobre o que deveria ser feito e quais cores deveriam ser utilizadas.

Ao final, a leitura foi interrompida quando da per-gunta feita ao “menininho”:

“Se todo mundo fizer o mesmo desenho e usar as mesmas

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se de 43 respostas.Apenas 7 das redações apresentadas continham

finais “infelizes”.Um final “infeliz” refere-se à mediocridade causa-

da pela falta de criatividade advinda da forma como a primeira professora havia agido no processo de en-sino. Frente à pergunta:

“Se todo mundo fizer o mesmo desenho e usar as mesmas

cores, como eu posso saber qual o desenho de cada

um?”,

a resposta foi:

“– Ah, é só colocarmos nosso número de chamada na par-

te de trás da folha, professora. (...) E perpetuou-se a estu-

pidezA.”

Alguns elementos do denominado modelo tradi-cional de ensino formal estão expressos nesta respos-ta. O “número de chamada” que corresponde a cada aluno é apresentado como o fator de identificação, em um processo que desconhece a individualidade, a identidade e a originalidade. Esta visão “desesperan-çosa” da educação remete a uma idéia de mediocri-dade, sem possibilidade de transformação, em que se vislumbra uma impotente perspectiva de continuida-de.

Outros finais propostos para a estória referem a falta de criatividade devido à insegurança do menino, expressa pela repetição de antigos comportamentos, em que o personagem vê-se impelido a fazer cópias.

“Então pensou: vou copiar do meu vizinho para não errar.

A partir daí, sua vida foi sempre estar na sombra de alguém

e sua criatividade foi ofuscada pelo medo de errarB. Mas

ele tinha medo de errar e isso o segurava. Naquela aula, o

menino não conseguiu desenharC.”

De modo análogo, Chauí3 (1999) considera que

“essa universidade não forma e não cria pensamento, des-

poja a linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói

a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do

novo, anula toda pretensão de transformação histórica

como ação consciente dos seres humanos em condições

materiais determinadas”.

Nos finais “infelizes”, a idéia central expressa a inibição do personagem representado pelo “menini-nho”. Assim como o personagem, “menininhos” cres-

cores, como eu posso saber qual o desenho de cada

um?”.

Foi solicitado aos estudantes que redigissem, de maneira livre, o final da história.

Ao término da atividade, os alunos receberam a versão original do texto na íntegra, que tinha por fi-nal:

“‘Eu não sei!’ E começou a desenhar uma flor vermelha

com um caule verde”.

Assegurando-se o sigilo da autoria das respostas, as redações foram digitadas na íntegra e procedeu-se à análise de conteúdo, que parte de uma leitura flu-tuante, para posteriormente alcançar um nível mais aprofundado que ultrapassa os significados que foram manifestados. Para a análise das respostas, foi feita a opção pelo método de análise qualitativa7. Esta análi-se procura relacionar as estruturas semânticas (signi-ficantes) às sociológicas (significados) dos enuncia-dos, procurando determinar as variáveis psicossociais, contexto cultural, e processo de produção da mensa-gem.

As idéias centrais presentes no texto foram eviden-ciadas, bem como a presença simultânea de dois ou mais elementos semelhantes em discursos de indiví-duos diferentes. Em seguida, realizou-se a análise do discurso, com objetivo proceder a uma reflexão acer-ca das condições de produção e de assimilação do significado dos textos produzidos dentro de contextos variados, visando à compreensão do modo de funcio-namento, princípios de organização e formas de pro-dução social do sentido7.

A transcrição de algumas expressões é feita a se-guir, com objetivo de subsidiar a discussão, utilizando-se letras dispostas aleatoriamente para referenciar as falas dos diferentes sujeitos.

Este protocolo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

DISCUSSÃOEntre os 44 alunos presentes à aula, em uma turma

de 50 alunos matriculados, observou-se ampla adesão à atividade proposta, não havendo recusas, perdas ou respostas em branco. Quando da apresentação da Car-ta de Informação e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, houve uma recusa em assinar o referido termo. As considerações a seguir baseiam-se na análi-

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cem e ingressam em instituições de ensino superior, vivendo um contexto cuja dimensão parece muito superior àquela que a chamada “educação formal” tem ajudado a construir.

“Então, o menino não sabia mais fazer as coisas por si

mesmo, precisava sempre que alguém explicasseD. O me-

nino cresceu, era um homem, mas continuava a se achar

pequeno diante do mundo. Não sabia decidir por si mesmo,

só sabia fazer o que lhe mandavamE. [Assim, viu-se] limita-

do diante dos fatos que o marcaram primeiramente e não

conseguiu mais realizar espontaneamente suas ações, espe-

rando sempre a iniciativa de outrosF.”

Houve também uma reflexão sobre o ensino que, provavelmente, reflete uma experiência pessoal. Como fruto de uma “moldagem” nas etapas do ensino prévias ao ingresso na universidade, tem-se a “limita-ção” de uma criatividade que o respondente espera ver resgatada durante a “vida universitária”. Posto como desafio, cabe às instituições de ensino superior desencadear uma reflexão sobre as possibilidades de resposta a esta expectativa do alunado.

“Diante dessa narrativa, das atitudes da primeira professo-

ra e também da iniciativa da segunda professora, o menino,

(...) encontra-se confuso diante de antagônicas situações.

A primeira fez-se presente em sua vida limitando sua cria-

tividade, porém dando uma uniformidade e detalhamento

de todos os passos a serem efetuados (semelhante ao 1º e

2º grau). A segunda abriu horizontes sem barreiras, porém

o mesmo poderia ver-se prejudicado para alçar livres e no-

vos vôos, pois acostumou-se à uniformidade e não à inova-

ção e iniciativa (semelhante à vida universitária)F.”

As estruturas curriculares que fogem da lógica dis-ciplinar são mais freqüentes nos primeiros anos da escola fundamental e no ensino superior. Neste últi-mo, o trabalho pautado na interdisciplinaridade ou transversalidade, desenvolvido por meio de proble-mas, temas ou projetos é viável e conveniente, princi-palmente nos campos aplicados (Educação, Arquite-tura e Ciências da Saúde), uma vez que a teoria desvinculada da atividade social e da verificação prá-tica é apenas teoria8.

Numericamente superiores, os finais considerados “felizes” foram aqueles em que o personagem repre-sentado pelo menininho não surge conformado aos moldes estabelecidos por uma educação pautada na pedagogia “bancária” 5.

“[O menino] aprendeu (...) que todos eram diferentes, (...)

pensavam e analisavam situações de formas diferentesG.

[Dessa maneira, percebeu que] era capaz de criar e devia

fazê-lo sempre que possívelH. A criatividade existe em cada

um de nós. Basta que se abram as portas para podermos

mostrar o que a gente pensa e sabe fazer. Ser criativo é ter

o seu próprio estilo, sair do comum, ser você mesmoI.”

Algumas respostas tendem a entender o indivi-dualismo como a

“perspectiva segundo a qual o indivíduo é a unidade básica

da análise política, e os todos sociais são meras construções

lógicas, ou maneiras de falar acerca de um certo número

desses indivíduos e das relações entre eles” 2.

“Ele tinha sua própria personalidadeH e poderia, da mesma

forma, construir seu próprio caráter, escolher seus desejos

e ambições como também realizar seus sonhosJ, o que o fez

amadurecer e respeitar os seus próprios pensamentos a

respeito de tudoK.”

Diante do impasse gerado pela possibilidade de livre expressão, o discurso mostra que o menino re-solve demonstrar sua individualidade.

“Então o menino pensou: ‘Qual das professoras estava cor-

reta?’ Pela primeira vez faria algo que não teria um padrão,

seria ele desenhando ele próprio. O tempo passava e o

menino nada desenhava. E a professora perguntou: ‘Ainda

não desenhou? Temos pouco tempo’. Com estas palavras

da professora, veio a grande idéia do menino: ‘Desenharei

o contorno de minhas mãos. Em qualquer tempo, poderei

mostrar, através de gestos, as minhas idéias’L.”

“Nesta perspectiva, o processo de ensino/aprendizagem

não tem como finalidade a transmissão de conteúdos pron-

tos, mas, sim, a formação de sujeitos capazes de construir,

de forma autônoma, seus sistemas e valores e, a partir deles,

atuarem criticamente na realidade que os cerca”1.

Vários relatos de finais “felizes” apontaram que o processo de ensino contribuiu para que o “menini-nho” se construísse, a partir daquele momento, deli-neando positivamente a sua trajetória.

“Assim sendo, o menino pôde desenvolver todo seu poten-

cial criativo e se transformou em um pintor muito famoso,

apreciado principalmente por sua originalidadeN.”

“O menino (...) se transformou em um engenheiro que,

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10

com suas idéias, mudou a qualidade de vida de muitas ci-

dades O.”

“E assim o menininho cresceu e evoluiu até se transformar

em um renomado cirurgião-dentistaP.”

Paralela à construção de que uma importante mu-dança tinha acontecido naquele momento histórico da vida do “menininho”, foi possível observar uma idéia de felicidade completa, expressa como ideal de sucesso em uma sociedade de consumo. O ser “inteli-gente, rico e feliz”, como resultado de uma boa edu-cação, expressa inquietações que podem estar na gê-nese da busca de estudantes pela Universidade, tendo o “diploma” como passaporte à ascensão social.

“Esse dia mudou sua vida para sempre. Ele cresceu, se tor-

nou um rapaz muito inteligente e rico e felizQ.”

O ingresso em uma instituição de ensino superior, não raro, vem acompanhado pela expectativa de des-vendamento e produção de conhecimentos por meio da pesquisa. Alguns estudantes vêem no processo en-sino-aprendizagem uma porta que se abre para o uni-verso da pesquisa, na contramão do movimento des-crito por Dourado4 (2002), que vê no processo de

“massificação e privatização da educação superior no Brasil,

uma precarização e privatização da agenda científica, ne-

gligenciando o papel social da educação superior como

espaço de investigação, discussão e difusão de projetos e

modelos de organização da vida social, tendo por norte a

garantia dos direitos sociais”.

“A professora (...) explicou para o menininho (que) se todo

mundo só fizesse coisas iguais, não existiriam as descober-

tas, os cientistasR, era preciso idéias novas no mundo, pois

senão nós não evoluiríamosS. Afinal, como as grandes des-

cobertas teriam sido feitas ou desenvolvidas se as pessoas

apenas esperassem as ordens do que teria de ser feito?N”

O “brainstorm” que resultou na livre expressão de idéias e pensamentos, após finalizar esta atividade aca-dêmica, mostrou que o objetivo proposto pela Disci-plina foi alcançado.

As expressões sucintamente descritas no Quadro 1 permitem verificar que o objetivo, métodos e os resul-tados foram apre(e)ndidos pelos estudantes.

CONSIDERAÇÕES FINAISNão raro, o ato de educar é referido como sinôni-

mo de “despertar as aptidões naturais do indivíduo e orientá-las seguindo os padrões e ideais de determi-nada sociedade, aprimorando-lhes as faculdades inte-lectuais, físicas e morais”, mas também “domesticar, amestrar, adestrar” 6.

Assim, as considerações emanadas pelos estudan-tes de graduação de Odontologia, a partir da atividade proposta, evidenciam a importância de estimular re-flexões no espaço da Universidade, um locus privile-giado para que questões centrais, o(s) como(s) e porquê(s) da educação, venham a ser discutidas.

Esta construção do conhecimento, realizada cole-tivamente, aponta para uma caminhada esperançosa, no sentido de possibilitar construções atuais e futuras. Se o dicionário descreve práticas ancestrais tidas como modelos de “educação”, antevê-se a possibilidade de (re)escrever novas histórias que envolvam o ensino-aprendizado como um processo transformador e ple-no em desafios.

ABSTRACTDental students and education

The purpose of this study was to contribute to an important reflection on the dental student’s concepts of “education”. The universe of this study was com-posed of 43 freshman students of a School of Den-tistry in the state of São Paulo. An exercise composed of a dramatic reading of a text called “Un-happy end”, of unknown author, was proposed. Before the end of the text, the reading was interrupted and the students were asked to write another end to the story. The writ-ings were typed integrally and qualitatively analyzed. The central ideas pointed towards two ways: an un-happy end, as a reflection of poor expectations ob-tained from traditional educative practices, and a happy end, with education being a process which re-flects on the results of teaching and the act of educat-

Idéia central Expressão

Formato• Metalinguagem.• Apresentação da disciplina.

Proposta• Momento de reflexão.• Pensamento crítico.• Discussão de valores.

Conteúdo

• Educar como sinônimo de conduzir para a vida.

• O modo de educação reflete no resul-tado do ensino.

• Educação é um processo.

Quadro 1 - Idéias representativas da atividade acadêmica e respectivas expressões. Bauru - SP, 2003.

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Revista da ABENO • 5(1):6-11 11

O estudante de Odontologia e a educação • Aquilante AG, Tomita NE

ing being referred as a means of preparing for life.

DESCRIPTORSHealth education. Students, dental. Qualitative

research.

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12. Universidade de São Paulo. Faculdade de Odontologia de Bauru.

Projeto político pedagógico: Odontologia [citado 2003 Set 10].

Disponível em: URL:http://www.fob.usp.br/grad/projeto.htm.

Aceito para publicação em 12/2004

no Balneário Camboriú!

A 40ª Reunião da ABENO será realizada no Balneário Camboriú, Santa Catarina.

O tema central para a próxima Reunião é:"Universidade promotora de conhecimentos,

saúde e prestadora de serviços".

Inscreva já o seu trabalho! Acesse o site http://www.abeno.org.br para obter informações sobre prazospara inscrição e apresentação de trabalhos.

Reunião da ABENOReunião da ABENOReunião da ABENOReunião da ABENOReunião da ABENO

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RESUMOA introdução das Clínicas Integradas nos cursos

de Odontologia pode contribuir para o desenvolvi-mento de uma prática mais integral na atenção à saú-de. Esse trabalho procura pontuar e discutir limites e possibilidades encontrados a partir de um estudo re-flexivo de dois anos e meio dessa experiência no cur-so de Odontologia do Univag Centro Universitário.

DESCRITORESOdontologia geral. Educação em Odontologia.

Ensino.

Num país no qual a Odontologia ainda pode ser descrita como “tecnicamente elogiável, cientifi-

camente discutível e socialmente caótica” (Garrafa, Moysés5, 1996), o ensino universitário também pre-cisa tomar para si a responsabilidade na construção de futuros mais fecundos, a partir da formação de um novo perfil profissional: mais humano, mais solidário, mais atuante politicamente.

A formação desse novo profissional demanda a construção de novos Projetos Político-Pedagógicos que possam prever ações transformadoras, entre ou-tras, do próprio professor, para possibilitar aos ideais teóricos lugares diferentes de miragens.

Imbuídos desse desejo, e também pressionados por uma realidade de mercado na qual as especializa-ções já não garantem o retorno de outros tempos, os cursos de Odontologia vêm experimentando novas configurações curriculares.

Dentre as várias propostas para essas reformas cur-riculares, tem-se a introdução antecipada da Clínica

Integrada. O curso de Odontologia do Univag Centro Universitário adotou esse caminho, e vem por meio desse trabalho pontuar e discutir sobre limites e pos-sibilidades, a partir da observação atenta e reflexiva de dois anos e meio de experiência. Nosso curso é composto por dez semestres, sendo a Clínica Integra-da ministrada a partir do sexto semestre até a sua fi-nalização.

O CONCEITO DE INTEGRALIDADE PRESENTE NAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO DA ODONTOLOGIA

As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia, aprovadas pelo CNE (Parecer da Câmara de Educação Superior do Conse-lho Nacional de Educação3 – CNE/CES nº 1.300/01, de 06/11/2001; Resolução CNE/CES nº 3, de 19/02/2002, publicadas no Diário Oficial da União de 04/03/2002) traçam o perfil generalista do profis-sional a ser formado. Ao enunciarem as habilidades e competências a serem desenvolvidas, apontam a ne-cessidade de garantirmos a integralidade da assistên-cia, “entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” – grifos nossos.

O processo de formação dos nossos alunos precisa, portanto, dar conta desse “conjunto articulado e con-tínuo”. E isso se torna um grande desafio na medida em que o ensino tradicional – segmentado e desarti-culado – ainda constitui a matriz curricular na forma-ção dos nossos docentes.

Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades

Nas Clínicas Integradas, existe a responsabilidade de organizar uma dinâmica de trabalho que possa garantir a experiência clínica nos vários procedimentos básicos da Odontologia.

Patrícia Suguri Cristino*

* Mestra em Dentística pela Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

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Convivemos numa realidade paradoxal e numa conseqüente crise paradigmática na qual somos espe-cialistas tendo que formar generalistas.

DE ESPECIALISTAS A GENERALISTASPor que queremos formar generalistas?

Dificilmente entenderemos a dimensão dos desa-fios que temos pela frente se não nos sensibilizarmos sobre o significado da nossa prática atual. Parece-nos pertinente analisar, ainda que modestamente, o efei-to de contextos políticos e econômicos sobre as prá-ticas do Ensino e da Saúde e, conseqüentemente, no ensino dos cursos da Saúde.

A década de 60 foi marcada por um período tec-nocrata, a partir do governo militar, num projeto de-senvolvimentista que buscava acelerar o crescimento econômico e tecnológico, lançando sobre a Educação um ideário de neutralidade científica, inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtivida-de.

“Buscou-se a objetivação do trabalho pedagógico da mesma

maneira que ocorreu no trabalho fabril. Instalou-se na es-

cola a divisão do trabalho sob a justificativa de produtivida-

de, propiciando a fragmentação do processo e, com isso,

acentuando as distâncias entre quem planeja e quem exe-

cuta” (Veiga10, 1991 – destaques nossos).

Se analisarmos criticamente as nossas posturas diante do Ensino e da Pesquisa, podemos reconhecer o quanto esse cenário ainda está impregnado nas nos-sas práticas. Basta olharmos para a fragmentação do ensino da Odontologia nas nossas disciplinas clínicas tradicionais de Periodontia, Prótese, Endodontia, Dentística, Cirurgia etc.

Geralmente essas disciplinas são ministradas isola-damente, num nível de articulação à beira do inexis-tente, cuja contribuição para a qualidade de vida das pessoas é, no mínimo, questionável. Falamos em tratar o paciente como um todo, quando a nossa prática ensina a lidar com partes de partes. Na melhor das hipóteses, nosso ensino tradicional tem dado conta, quando muito, “da boca como um todo”, como se esta pudesse representar “algum todo” de alguém. É jus-tamente em torno dessa questão que nasce (ou renas-ce?) a necessidade de uma prática mais integrada, a qual chamamos hoje por Clínica Integrada.

“A formação tradicional em saúde, baseada na organização

disciplinar e nas especialidades, conduz ao estudo fragmen-

tado dos problemas de saúde das pessoas e das sociedades,

levando à formação de especialistas que não conseguem

mais lidar com as totalidades ou com realidades comple-

xas.”*

A PESQUISA QUE AJUDA A FORMAR (OU DEFORMAR) OS NOSSOS DOCENTES

Acreditando em neutralidade científica, podemos nos dedicar a estudos que pouco (ou nada) contri-buem para a solução dos problemas da nossa socieda-de. Seduzidos pelo mundo da produção científica, temos dificuldades para discernir que os resultados das pesquisas de outros países nem sempre podem ser aplicados no nosso contexto social. Somos vários mun-dos num mesmo planeta, num mesmo país, numa mesma cidade, numa mesma sociedade, e muitas vezes nos referimos aos seres humanos como ser único, o ser apenas biológico, sem nome, sem origem e sem história.

Essa abstração, associada ao perfil afunilado da superespecialização, nos coloca facilmente num cien-tificismo cego, no qual o objeto de estudo é “pinçado” do seu contexto. Entram nessa discussão as concep-ções do tratamento odontológico na Clínica Integra-da, uma das nossas maiores dificuldades, principal-mente se o nosso corpo docente estiver formado por superespecialistas esforçados em implantar concep-ções de tratamento incompatíveis com a nossa reali-dade social.

E de onde vem essa “força” cientificista?

“O ensino, desde a implantação do domínio da ciência na

universidade, no século 18, quando a ciência expulsou a

Inquisição, baniu também o subjetivo. (...) a ciência ficou

com uma ética em função da verdade e do objetivo, e não

em função do humanismo...” (Byington1, 2004 – destaques

nossos).

A CONSEQÜENTE (DES)HUMANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DE SAÚDE

Sá8 (2001) faz uma reflexão sobre a crescente ba-nalização da dor e do sofrimento alheio no setor saú-de, destacando algumas práticas facilitadoras para os fenômenos de desvalorização da vida, tais como: a) a fragmentação do relacionamento profissional/

paciente – as tarefas são divididas em etapas a se-

* Esta citação foi copiada do arquivo “Mudanças dos Cursos de Odontologia e sua interação com o SUS” disponível no site www.abeno.org.br e pertence à “Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS - Comissão Intergestores Tripartite, setembro de 2003”.

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rem executadas por diferentes profissionais, evitan-do o contato com o paciente como ser integral;

b) a despersonalização ou negação das diferenças individuais – os pacientes são referidos não por seus nomes, mas pelo nome da doença ou órgão doente;

c) a obscuridade intencional na distribuição das responsabilidades – a organização não define de modo suficientemente claro quem é responsável pelo quê e por quem;

d) a resistência a mudanças.A necessidade de trabalharmos com ações e servi-

ços articulados, dentro de uma prática mais humani-zada, nos leva, inevitavelmente, a questionar o ensino da atualidade. Podemos continuar acreditando que o conhecimento compartimentado em disciplinas pos-sibilite a visualização do todo? Que o ensino segmen-tado possa desenvolver habilidades para resolver pro-blemas? Que os conteúdos científicos descolados dos contextos possam dar conta do ser humano? Que a questão da resolutividade na atenção à Saúde seja preocupação apenas das disciplinas de Saúde Coleti-va?

“JUNTAR” NÃO SIGNIFICA ARTICULAR, NEM INTEGRAR

Discutindo sobre estratégias de integração disci-plinar, Porto, Almeida7 (2002) nos falam sobre três grandes formas de articulação de disciplinas na pro-dução do conhecimento: a) a multidisciplinaridade – como sendo “o conjunto

de disciplinas que se agrupam em torno de um tema desenvolvendo investigações e análises isola-das por diferentes especialistas, sem que se estabe-leçam relações conceituais ou metodológicas entre elas”, correspondendo à estratégia mais limitada;

b) a interdisciplinaridade – como sendo “a reunião de diferentes disciplinas articuladas em torno de uma mesma temática com diferentes níveis de in-tegração, desde uma cooperação de complemen-taridade sem articulações axiomáticas ou prepon-derância de uma disciplina sobre as demais”;

c) a transdisciplinaridade – “articulação de um amplo conjunto de disciplinas em torno de um campo teó-rico e operacional particular, sobre a base de uma axiomática comum (...) cuja aplicação é comparti-lhada por diferentes disciplinas e abordagens que atuam num campo teórico e operacional” – desta-ques nossos.Para nosso desencanto, o “juntar professores” não

nos garante, nem de longe, a integração almejada. Ficaríamos, quando muito, no nível da multidiscipli-naridade. A integração que queremos vai muito além

dos difíceis acordos para a seleção dos conteúdos a serem ministrados ao longo dos semestres da Clínica Integrada, ou dos encontros (por vezes conflitantes) entre limas e curetas para saber por onde começare-mos os planos de tratamento. Implica, entre outras necessidades, o desenvolvimento de habilidades e competências – inclusive do próprio professor – para lidar com o todo, sem pretender o “tudo” das especia-lidades. Isso nos exige imenso desdobramento para focalizar o essencial, o possível e o desejável e nem todos temos a sensibilidade necessária para desenvol-ver essa competência. Entramos, aqui, no perfil do professor de Clínica Integrada.

A IMPORTÂNCIA DO PERFIL DOCENTE NA CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO INTEGRADOR

“Minayo (1994) considera ser um pré-requisito para o su-

cesso de empreendimento interdisciplinar a reunião de

pesquisadores dispostos ao diálogo, competentes em suas

áreas disciplinares, que possam articular conceitos comuns

e realizar triangulações metodológicas, colaborando entre

si na análise dos resultados. Almeida Filho (1997), por sua

vez, coloca a necessidade de ‘operadores transdisciplinares

da ciência’ com o perfil anfíbio de trans-passarem as fron-

teiras e facilitarem o diálogo entre as distintas disciplinas

científicas na construção de campos teóricos e operacionais

de caráter transdisciplinar” (Porto, Almeida7, 2002 – des-

taques nossos).

O movimento natural do especialista é o de se aprofundar cada vez mais no comprido corredor da sua especialidade, apegando-se a complexidades que não atendem à formação generalista. Isso não quer dizer que seja impossível construir uma Clínica Inte-grada com especialistas. Mas é preciso reconhecer o desafio e, portanto, os investimentos necessários nes-sa empreitada. Se a clínica geral não é o universo na-tural do especialista, um árduo trabalho pedagógico terá que ser realizado!

A ORGANIZAÇÃO DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Adotamos a definição dos graus de complexidade do tratamento odontológico como ponto de partida para delinear o corpo teórico. Procuramos responder à seguinte pergunta: quais competências e habilidades o aluno deverá desenvolver em cada semestre? A par-tir daí os conteúdos podem ser selecionados e distri-buídos.

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Isso demanda discussões coletivas para tentar de-limitar as competências do clínico geral, na tentativa de se definir o grau máximo de complexidade. Quan-do sabemos “até onde vamos” na atenção à Saúde, no nível da graduação, podemos definir a base teórica de suporte, diminuindo as opções por conteúdos inade-quados. Estamos falando da busca da relação teoria e prática. Neste caso, delineando o corpo teórico a par-tir das demandas da prática. Sem isso, caímos no de-lírio de despejar conteúdos desnecessários. Quando isso acontece, nos desviamos do Projeto Político-Pe-dagógico, e o resultado pode ser desastroso: no dese-jo de ensinar “tudo”, o que se aprende pode ser mui-to aquém do que se precisa!

A delimitação dos conteúdos pelos semestres não deve se configurar num enquadramento intransponí-vel. O ritmo de cada turma pode mostrar a necessida-de de voltarmos ao que já foi trabalhado, ou de avan-çarmos, e isso precisa ser sinalizado pelos processos de avaliação.

OS PLANOS DE TRATAMENTOA discussão sobre como devemos construir os pla-

nos de tratamento demanda lidar com as diferenças conceituais acerca dos processos de saúde e doença, bem como sobre as noções dos atores a respeito do mal conhecido e distorcido conceito de promoção de saúde, para além da diversidade das correntes cientí-ficas presente no coletivo dos professores.

Não podemos negar a grande riqueza existente nessa diversidade, mas também não podemos omitir a grande confusão que isso gera, quando a tônica pas-sa a ser: quem está certo e quem está errado? E isso é muito comum entre os superespecialistas!

“Um projeto comum significa a existência de um sistema

de valores compartilhado e suficientemente interiorizado

pelo grupo. Este sistema de valores deve estar apoiado num

imaginário social comum, isto é, uma forma de represen-

tação coletiva sobre o que é o grupo, o que deseja ser, o

que quer fazer, e em que tipo de sociedade ou organização

deseja intervir” (Sá8, 2001 – destaques nossos).

Os esforços para construir os planos de tratamen-to costumam deixar de lado o ator principal: a própria pessoa a ser atendida! Essa postura, herdada do mo-delo biomédico, é mais um ranço que costuma atrasar nossas ações na direção de uma atenção mais huma-nizada.

“A desconsideração da subjetividade e da experiência de

vida do paciente implica também uma série de conseqüên-

cias negativas para o relacionamento profissional-pacien-

te/cliente. De fato, esta relação está quase sempre alicer-

çada na crença de que é somente o profissional de Saúde,

e não (ou também) o próprio usuário, que sabe a respeito

do seu estado de saúde ou doença” (Traverso-Yépez, Mo-

rais9, 2004 – destaques nossos).

A proposta de um tratamento negociado até nos agrada – pelo tom democrático do discurso – mas não nos convence facilmente, na medida em que olhamos com certa desconfiança para o tratamento desviante do caminho por nós idealizado. Talvez, por nos jul-garmos sabedores incontestáveis diante de tantos anos de estudo. Muitos destes, porém, provavelmente nos impeliram para tentativas reducionistas, no sentido de definir o “comportamento das doenças” e a ignorar o comportamento das pessoas... Cientificismo cego!

“A principal conseqüência verificada em virtude do distan-

ciamento observado na relação entre profissional e pacien-

te é o denominado ‘baixo comprometimento’ do paciente

com o seu tratamento, imposto, na maioria das vezes, de

forma verticalizada. (...) A comprovação de que esse mo-

delo de atendimento possui limitações pode ser percebido,

tanto pelas constantes críticas e reclamações dos usuários,

como por sua baixa resolutividade (...) Esse reconhecimen-

to vem implicando a necessidade crescente do resgate da

subjetividade e da relação dialógica entre o profissional e

o usuário do serviço” (Traverso-Yépez, Morais9, 2004 – des-

taques nossos).

Nossa clínica-escola também precisa trabalhar pela resolutividade, respeitando as necessidades e as possibilidades do paciente, para além das nossas exi-gências típicas de superespecialistas, sob pena de não desenvolvermos junto aos nossos alunos o senso críti-co para resolver os problemas dentro dos limites que as mais diversas realidades nos impõem.

“O tratamento odontológico, seja em consultório, seja em

clínicas de instituições de ensino, configura uma prestação

se serviços e como tal é regida pelo Código Civil Brasileiro

e pelo Código de Defesa do Consumidor. (...) o plano de

tratamento deve, obrigatoriamente, incluir as várias opções

de tratamento possíveis àquele determinado caso e não

apenas o tratamento ideal no entender da disciplina. Não

se deve esquecer que, embora o paciente seja atendido por

alunos em fase de aprendizado, ele não perde a sua condi-

ção de paciente com direitos e deveres, portanto ele tem o

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direito de saber todas as opções de tratamento e escolher

aquela que quer realizar, respeitando-se a autonomia do

paciente e tendo em mente a beneficência, princípios fun-

damentais da Bioética” (Németh et al.6, 2001 – destaques

nossos).

Diante disso, nos parece clara a impossibilidade de “prescrevermos” a receita única e para todos de como se deve construir os planos de tratamento. A tentativa apenas nossa, de professores e alunos, de estabelecer uma ordem fixa de prioridades, perde o sentido quando nos pautamos pela relação dialógica com as pessoas que atendemos. Isso não invalida nem diminui a importância dos nossos diagnósticos clíni-cos. Pelo contrário, a partir deles, e numa linguagem acessível e de negociações e trocas, é que podemos realizar, realmente, um trabalho na direção da pro-moção de saúde, no lugar de um tratamento doutri-nador, autoritário e de baixa resolutividade.

Na base de tudo isso está o vínculo profissional/paciente modulando uma prática, que também por isso, poderá dar conta do conceito de integralidade (Campos2, 2003), no sentido de considerar o pacien-te/usuário, de fato, e não apenas no discurso, como pessoa integral que é.

O TRABALHO DE ORIENTAÇÃO DOS ALUNOS NA CLÍNICA

Se a maioria dos nossos professores é de especia-listas, logo vem a pergunta: quem vai orientar o quê? O primeiro e mais evidente desejo de um professor especialista, numa Clínica Integrada, é o de se restrin-gir a orientar os procedimentos concernentes à sua área específica de formação. Seguindo este desejo, professores de Endodontia orientariam apenas os tra-tamentos de canal, os professores de Dentística fica-riam com as restaurações, e assim sucessivamente. Vale aqui relembrar o significado da divisão do traba-lho:

“A organização parcelar do trabalho fixa os trabalhadores

em uma determinada etapa do processo terapêutico. A

superespecialização, o trabalho fracionado, fazem com que

o profissional de Saúde se aliene do próprio objeto de tra-

balho. Desta forma, ficam os trabalhadores sem interação

com o produto final da sua atividade laboral, mesmo que

tenham dele participado, pontualmente. Como não há

interação, não haverá compromisso com o resultado final

do seu trabalho” (Franco et al. apud Campos2, 2003 – des-

taques nossos).

No nosso curso, cada professor deve orientar inte-gralmente o tratamento dos pacientes dos seus respec-tivos alunos. Estamos hoje numa proporção de oito alunos por professor. E todos orientam tudo? Isso é possível?

Como somos na maioria especialistas, enfrenta-mos algumas dificuldades. Na medida do possível to-dos devem orientar todos os tipos de procedimentos, dentro da complexidade definida para o semestre em questão. Como nem sempre isso é possível... as trocas de experiências entre os professores no interior da clínica se tornam fundamentais!

Voltando ao “perfil anfíbio”, precisamos de pesso-as dispostas a transitar em terrenos diferentes, de pro-fessores com a mente aberta para aprender com seus pares, e mesmo com seus alunos e pacientes, para muito além de ensinar.

A PRODUÇÃO CLÍNICA DO ALUNO AO LONGO DAS CLÍNICAS INTEGRADAS

A opção por uma Clínica Integrada antecipada requer uma cuidadosa organização do trabalho, sob vários aspectos. Tendo em vista que o aluno atende os pacientes na intenção de concluir os tratamentos (dentro do possível e negociado) e uma vez não exis-tindo as disciplinas clínicas específicas, temos a res-ponsabilidade de organizar uma dinâmica de trabalho que possa garantir a experiência clínica nos vários procedimentos básicos da Odontologia.

O primeiro cuidado está na triagem. Cada semes-tre da Clínica Integrada trabalha num nível de com-plexidade. Ou seja, precisamos de pacientes com de-terminadas necessidades de tratamento, ou que estejam numa fase de tratamento compatível com as habilidades e competências eleitas para o semestre em questão. Dessa forma, tentamos o quanto possível, fazer com que os nossos alunos atendam em níveis crescentes de dificuldades.

Além de uma cuidadosa triagem, os professores precisam acompanhar, de perto, o fluxo dos pacientes a serem atendidos pelos alunos ao longo de todos os semestres da Clínica Integrada. Mesmo respeitando a uma fila de espera dos pacientes para o atendimento, cada aluno terá que atender aqueles cuja complexi-dade do tratamento seja compatível ao seu estágio de desenvolvimento e à sua necessidade de aprendiza-gem.

Esse fluxo de pacientes, para cada aluno, durante todos os semestres de Clínica Integrada, precisa ser acompanhado atentamente, sob pena de um fracasso curricular por falta de organização. A dinâmica de

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trabalho da Clínica Integrada não deve permitir que um aluno conclua o curso sem ter realizado todos os procedimentos básicos necessários para sua formação de clínico geral. Isso envolve a articulação entre o corpo docente, os alunos e o corpo técnico-adminis-trativo.

A GESTÃO ACADÊMICA

“Importante destacar que, na fase de criação coletiva, três

perguntas básicas orientam o processo: a) que tipo de ho-

mem se quer formar e com que meios; b) que tipo de so-

ciedade se deseja; e c) o que a instituição educacional pode

e deve fazer, considerando a realidade em que está inseri-

da” (Freitas4, 1994 – destaques nossos).

A proposta de antecipação da Clínica Integrada, dentro de uma prática mais humanizada, tende a en-cher os olhos dos apaixonados pela docência. E não é para menos: ela delineia uma atenção mais integral e menos recortada. Se bem conduzida, ela pode ter um alcance maior na direção da melhoria da qualida-de de vida das pessoas e, conseqüentemente, na dire-ção de um ensino mais humanista e comprometido com a realidade social.

Comparando-a ao ensino tradicional das discipli-nas especializadas, não temos, por exemplo, aquelas situações em que um dente tratado endodonticamen-te vira elemento a ser extraído por falta de tratamen-to restaurador ou protético. Ao permitirmos situações como esta, acabamos por ensinar o descaso com o paciente. Paciente no seu sentido mais passivo e inde-feso, de quem não tem ao menos a informação para escolher seu tratamento. Quanto sofrimento para se perder um dente! Como já citado... “uma ética em função do objetivo.... e não do humanismo.”

Encampar o sonho de propostas como a antecipa-ção da Clínica Integrada requer a prudência de se estudar cuidadosamente os meios para conquistá-lo.

“Não se supera a atual didática postulando, teoricamente,

outra didática, mas a partir das contradições presentes nas

nossas escolas concretas. (...) É impossível continuar a re-

fletir sobre a didática sem levar em conta a organização do

trabalho escolar, como um todo, simultaneamente. Talvez

esta seja uma das deficiências mais gritantes dos estudos no

campo da didática” (Freitas4, 1994 – destaques nossos).

A construção coletiva do Projeto Político-Pedagó-gico é a condição da sua legitimidade. Prescrevê-lo,

pronto, ao corpo docente, pode ser um grande risco!

“Hoje, o (re)conhecimento de que a dimensão humana

presente nos processos organizacionais é também, ou prin-

cipalmente, a dimensão do desejo, da pulsão, do afeto, do

imaginário e do simbólico me obriga a questionar a crença

na possibilidade de construção de projetos coletivos pau-

tados no fluir de um processo comunicativo (Riviera, 1995),

concebido como um processo que dependa exclusivamen-

te da consciência e da vontade” (Sá8, 2001).

Quanto ao apoio institucional, parece prudente considerar que projetos mais avançados, que fogem do compartimentado ensino tradicional, requerem o diálogo como base de um trabalho compartilhado. E esse diálogo precisa acontecer num tempo e num es-paço para além da hora-aula da sala de aula. Estamos falando do investimento institucional necessário para o planejamento coletivo e cuidadoso diante de proje-tos que dependem da ação coletiva.

O preparo do professor, ao que parece diante des-ses dois anos e meio de experiência do nosso curso, está na competência dentro da sua especialidade, alia-da à sua capacidade de desenvolver o citado “perfil anfíbio”, com a imprescindível abertura ao diálogo e o respeito às decisões coletivas. Quanto ao seu envol-vimento, este parece depender das motivações inter-nas (próprias do idealismo dos que abraçam a carrei-ra docente como parte da realização da vida) como também das condições de trabalho oferecidas pela IES (instituição de ensino superior) e da capacidade aglu-tinadora da Gestão Acadêmica na organização do tra-balho pedagógico e no estímulo ao desenvolvimento de cada docente para uma condição de sujeito nesse processo.

Diante da multiplicidade de desejos e de um desa-fio comum, a Gestão Acadêmica precisa se colocar como articuladora e facilitadora do trabalho coletivo, para que possa ampliar suas condições de governabi-lidade.

CONCLUSÕESOs limites e as possibilidades da antecipação da

Clínica Integrada parecem estar intimamente ligados à nossa capacidade de conviver em grupo, a partir de condições mínimas de trabalho, como a existência de um corpo docente com perfil adequado para partici-par de projetos integradores (para além da compe-tência na área específica), e uma organização do tra-balho pedagógico que permita a construção coletiva e sua própria transformação e crescimento a partir de

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Clínicas Integradas antecipadas: limites e possibilidades • Cristino PS

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uma postura de permanente auto-avaliação.

AGRADECIMENTOSAgradeço, imensamente, ao Magnífico Reitor, Dr.

Dráuzio Medeiros, pelo incentivo na divulgação desse trabalho na 39ª Reunião da ABENO, ao Coordenador do Curso de Odontologia, Prof. Ms. Omar Zina, pelo grande apoio na sua construção, ao Prof. Ms. Narciso Santana da Silva por sua inestimável ajuda na com-preensão de alguns conceitos essenciais presentes nesse estudo, e a todos os colegas professores, funcio-nários, alunos e pacientes, que constituem a história do nosso curso. Agradeço, também, aos Profs. Dr. Di-onísio Vinha (FORP-USP) e Profa. Dra. Anna Maria Lunardi Padilha (UNIMEP), preciosos Educadores e meus queridos Mestres!

ABSTRACTAnticipated Integrated Clinics: limits and possibilities

The introduction of anticipated Integrated Clinics in the dentistry program can contribute to the devel-opment of a more complete health care practice. This paper aims to highlight and discuss the limits and possibilities found in a reflective two-and-a-half-year study regarding this experience in the dentistry pro-gram at the University Center of Várzea Grande (Uni-vag).

DESCRIPTORSGeneral practice, dental. Education, dental.

Teaching.

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Aceito para publicação em 12/2004

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sendo bem assimilado pelo aluno.O objetivo deste trabalho é apresentar um kit ra-

diográfico que permite demonstrar, de modo bastan-te objetivo, os fundamentos e interpretação das técni-cas radiográficas de Clark e de Bramante, Berbert3.

CONSTITUIÇÃO DO KITO kit é constituído de uma caixa plástica, placa

plástica simulando as posições das raízes/canais, raí-zes artificiais e mini lanterna (Figura 1).

A caixa plástica tem as dimensões de 10,0 cm x 7,0 cm x 2,5 cm, a qual, além de servir para acondi-cionamento das peças do kit, tem uma tampa desli-

RESUMOEntre os sistemas de aprendizado é muito impor-

tante que o aluno se familiarize com as técnicas radio-gráficas das quais fará uso na clínica, principalmente na Endodontia.

Neste trabalho é apresentado um kit radiográfico com o qual o aluno pode aprender melhor as técnicas radiográficas de Clark e de Bramante, Berbert. Esse kit é de fácil confecção, baixo custo e fácil de trans-portar.

DESCRITORESRadiologia, educação. Ensino. Radiografia dentá-

ria.

A Odontologia, em suas diversas especialidades, tem procurado meios de ensino pré-clínico, de

modo a permitir ao aluno aprender mais facilmente técnicas para serem aplicadas aos pacientes. Desse modo, manequins e modelos para o ensino da Endo-dontia, Dentística, Periodontia, Ortodontia, Cirurgia têm sido preconizados1,2,4-7. A busca de novos modelos de ensino tem sido uma constante por parte dos pro-fessores.

Na Endodontia a utilização das técnicas radiográ-ficas, principalmente a de Clark e de Bramante, Ber-bert é de extrema importância3. Seu ensinamento por meio de slides, multimídia, apesar dos inúmeros re-cursos disponíveis nos dias atuais, nem sempre acaba

Kit radiográfico para ensino de técnicas radiográficas

O kit radiográfico é um recurso que permite demonstrar, de modo bastante objetivo, os fundamentos e a interpretação das técnicas radiográficas de Clark e de Bramante, Berbert, facilitando o aprendizado do aluno.

Clovis Monteiro Bramante*, Ivaldo Gomes de Moraes*, Norberti Bernadineli*, Roberto Brandão Garcia*, Alexandre Silva Bramante**

* Professores de Endodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

** Doutor em Endodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo.

Figura 1 - Kit com seus diversos componentes.

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zante que é utilizada para a projeção das imagens (Figura 2).

A placa mede 6,5 cm x 6,5 cm x 2,5 cm e nela, de um lado, são confeccionadas perfurações que permi-tem posicionar as diferentes raízes para a aplicação da técnica radiográfica de Clark (Figura 3) e do outro lado tem-se um gráfico para a interpretação da técni-

ca radiográfica de Bramante, Berbert (Figura 4).As raízes simuladas são confeccionadas a partir de

um pino de metal ao redor do qual é aplicada resina acrílica dando-lhe uma forma de raiz (Figura 5). Essas raízes são em número de 5 e que serão utilizadas nas diferentes posições correspondentes às raízes do den-te que se pretende analisar. Uma outra raiz simulada é confeccionada do mesmo modo, porém um outro pino é nela introduzido, simulando uma perfuração e que será utilizada na técnica de Bramante, Berbert (Figura 6).

Uma mini lanterna com luz LED é empregada si-mulando a projeção dos feixes dos raios X (Figu-ra 7).

UTILIZAÇÃO DO KITUma vez aberta a caixa e colocada a tampa na par-

te de trás, monta-se a placa com o esquema para a técnica radiográfica de Clark ou de Bramante, Ber-bert. Se a primeira for a escolhida, dispõe-se as raízes de acordo com o dente no qual se realizará a análise. Assim por exemplo, se a interpretação for para o pré-molar superior se coloca duas raízes correspondentes a vestibular e palatina (Figura 8); se for molar inferior coloca-se as três raízes correspondentes as raízes me-siovestibular, mesiolingual e distal (Figura 9) e assim sucessivamente dependendo do dente a ser analisa-do.

Figura 2 - Componentes do kit dentro da caixa.

Figuras 5 e 6 - Raízes simuladas (5). Raiz simulada com perfuração (6).

5 6

Figura 7 - Mini lanterna.

Figura 8 - Simulação da posição das raízes do pré-molar superior.

Figuras 3 e 4 - Placa com as perfurações para a técnica de Clark(3). Placa com o esquema da técnica de Braman-te, Berbert (4).

3 4

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Se a técnica a ser analisada for a de Bramante, Berbert, o dente com a perfuração simulada é coloca-do sobre a placa que contém o gráfico, colocando-se a perfuração para o lado em que se deseja fazer a análise (Figura 10).

Em ambos os casos, com o auxílio da mini lanter-na se efetuará a iluminação pela frente, do lado direi-to ou do lado esquerdo, simulando uma radiografia orto, mésio e distorradial (Figuras 11 e 12).

Com as sombras projetadas é possível transmitir ao aluno o sistema de interpretação para as duas téc-nicas.

DISCUSSÃOOs professores tem procurado alternativas de en-

sino in vitro, daquilo que o aluno realizará in vivo, de tal modo a diminuir as suas dificuldades práticas. Um

Figura 9 - Simulação da posição das raízes do molar in-ferior.

Figura 10 - Raiz com perfuração simulada para a inter-pretação da técnica de Bramante, Berbert.

Figura 11 - Imagem das sombras para interpretação da técnica radiográfica de Clark em pré-molar superior.

Figura 12 - Imagem das sombras para interpretação da técnica radiográfica de Clark em molar inferior.

dos problemas para o aluno, apesar dos recursos au-diovisuais disponíveis no dia atual, é assimilar o ensi-namento de algumas técnicas radiográficas, principal-mente a de Clark e a de Bramante, Berbert.

A utilização do kit radiográfico como ora propos-to tem propiciado esse tipo de ensinamento, uma vez que o aluno pode acompanhar com maior detalhe o que está ocorrendo e conseqüentemente facilitar sua compreensão.

Trata-se de um dispositivo fácil de ser confeccio-nado, leve, fácil de se transportar e que de um modo bastante objetivo facilita o ensinamento ao aluno.

CONCLUSÃOO uso do kit radiográfico propicia maior facilidade

de aprendizado por parte dos alunos no que diz res-peito a ensino de técnica radiográfica. Outras adapta-

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ções poderão ser feitas para facilidade de ensino de outras técnicas.

ABSTRACTRadiographic kit for teaching radiographic techniques

It is important that students become acquainted with the radiographic techniques that will be used in clinic, especially in endodontics. This paper presents a radiographic kit – a model for teaching radiograph-ic techniques – which is easy to make and transport, and enables students to learn radiographic tech-niques.

DESCRIPTORSRadiology, education. Teaching. Radiography,

dental.

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Você, professor/pesquisador, participeda apresentação da categoria Pesquisa-Ensino na 22ª Reunião da SociedadeBrasileira de Pesquisa Odontológica.

REUNIÃODA SBPqOREUNIÃODA SBPqO

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Aceito para publicação em 12/2004

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RESUMOO sistema educacional, responsável pela formação

mais ampla do indivíduo, não está preparado para avançar no ritmo das trocas tecnológicas que ocorrem na sociedade. É necessário buscar novas abordagens para a capacitação de professores, que seja interessan-te, estimulante e que possa propiciar resultados satis-fatórios dentro da nova visão tecnológica. Como for-ma de amenizar as dificuldades encontradas na formação do cirurgião-dentista, bem como disponibi-lizar aos profissionais da Odontologia um modelo para um ambiente de ensino, treinamento e/ou edu-cação continuada, a baixo custo e de maneira eficien-te, foi proposto um modelo para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem via “web”, tendo como estu-do de caso a Periodontia. Tal modelo baseia-se na tecnologia de agentes.

DESCRITORESEducação a distância. Tecnologia educacional.

Programas de auto-instrução por computador.

A globalização dos mercados e das indústrias de comunicação está conduzindo a uma rápida

evolução da alta performance dos computadores e

comunicações. As infra-estruturas de informação re-gional, nacional e global, estão desenvolvendo a melhoria das habilidades para sentir, atuar, e apren-der no processo de aprendizagem, ultrapassando as barreiras de tempo e distância. A maneira como a informação é criada, deliberada e usada nos negócios, no governo e sociedade está mudando rapida-mente2.

Os educadores têm, continuamente, desenvolvido e aplicado novos tratamentos instrucionais para me-lhorar os resultados da aprendizagem. A utilização da tecnologia da informação, para aplicação dos princí-pios pedagógicos, tem sido centrada na criação de ferramentas computacionais em que os estudantes possam manipular para completar a sua memória e inteligência na construção de modelos mentais mais exatos4.

O uso da tecnologia vem se difundindo de forma muito rápida na educação e na área da saúde. Nesta área, a educação é demorada e continua através de anos de prática. Com o uso intensivo de tecnologias, tem-se procurado propiciar melhores condições e fa-cilidades para o apoio do processo de ensino/apren-dizagem e aquisição de habilidades, atendendo, desta forma, às crescentes demandas por profissionais capa-

Utilização da tecnologia de agentes para um ambiente virtual de ensino/aprendizagem em Periodontia

Na busca por novas abordagens para capacitação de professores, é proposto um modelo para ambiente de ensino, treinamento e/ou educação continuada, a baixo custo e de maneira eficiente.

Anita Maria da Rocha Fernandes*, Ana Paula Soares Fernandes**, Raphael Luiz Nascimento***

* Doutora em Engenharia de Produção, área de concentração Ciência da Computação, pela Universidade do Vale do Itajaí. E-mail: [email protected].

** Professora da Disciplina de Periodontia do Departamento de Estomatologia da Universidade Federal de Santa Catarina.

*** Graduado em Ciência da Computação pelo Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar da Universidade do Vale do Itajaí.

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citados5.Em relação ao aprendizado e treinamento de pro-

fissionais da área da saúde, principalmente cirurgiões, normalmente são requeridos cerca de cinco a sete anos, o que, na área odontológica especificamente, acontece na maioria das vezes dentro do próprio con-sultório, após a conclusão do curso, sem um acompa-nhamento especializado.

Durante o curso de graduação, o aluno passa por várias disciplinas correspondentes a clínicas. Porém, a carga horária destas disciplinas varia de universidade para universidade, bem como o tema abordado nas mesmas. Assim, em alguns cursos os alunos ficam res-tritos a uma área específica da Odontologia, necessi-tando, assim, de um aperfeiçoamento ou atualização em outras áreas após a conclusão do curso.

Mesmo com as disciplinas relativas a clínicas, sejam elas tendenciosas ou não, durante a graduação e cur-sos de especialização, nem sempre é possível fornecer ao aluno situações complexas e/ou os mais variados tipos de casos clínicos. Isto ocorre porque os pacientes que são triados e atendidos nas clínicas universitárias e/ou de cursos de especialização podem não apresen-tar, e na maioria das vezes não apresentam, todos os casos ideais para o treinamento dos alunos.

Como forma de amenizar as dificuldades encon-tradas na formação do cirurgião-dentista, no que diz respeito à prática dos conceitos, bem como disponi-bilizar aos profissionais da Odontologia, este artigo apresenta um modelo para um ambiente de ensino, treinamento e/ou educação continuada via “web”, a baixo custo e de maneira eficiente, baseado em inte-ligência artificial, mais especificamente na tecnologia de agentes.

Como a área de Odontologia é muito ampla, o estudo de caso para a elaboração deste modelo foi a área de Periodontia. A escolha pela disciplina de Pe-riodontia foi feita devido a sua importância dentro da Odontologia, bem como a grande variação de currí-culos entre as universidades brasileiras para esta dis-ciplina. Em algumas é considerada como uma disci-plina específica e em outras aparece associada a outras disciplinas de uma forma integrada. O atendimento do paciente com quadro clínico de doença periodon-tal pode se tornar um agravante, se o clínico geral não estiver apto a lhe proporcionar um adequado atendi-mento. Nota-se que é muito adequado o ensino da Periodontia quando esta é uma matéria específica, sendo lecionada em aulas teóricas e práticas, onde o aluno participa da clínica realizando procedimentos exclusivamente periodontais.

Para elaborar este modelo, as seguintes etapas fo-ram cumpridas:

• selecionou-se os conteúdos a serem abordados pelo ambiente, bem como foi elaborada uma es-tratégia para nivelamento dos alunos;

• realizou-se a modelagem dos componentes cen-trais utilizando uma arquitetura multiagente;

• projetou-se as interfaces; • estabeleceu-se os recursos de hardware, software e

os recursos humanos necessários; • avaliou-se o grau de treinamento a ser fornecido

aos usuários finais.

MATERIAIS E MÉTODOSO ensino da Odontologia ao redor do mundo ain-

da é bastante complexo. Alguns países adotam as Uni-versidades de Medicina Dentária e conferem o grau de Doutor em Medicina Dentária enquanto outros países como os EUA oferecem as duas opções. As di-ferenças entre as duas graduações se alicerçam na estrutura curricular, que é de essencial importância para a formação profissional, dificultando a globali-zação do ensino da Odontologia.

A estrutura curricular dos cursos de Odontologia no Brasil apresenta uma certa variabilidade. Enquan-to em algumas universidades certas disciplinas são oferecidas de forma específica, em outras, a mesma disciplina está inserida de uma forma integrada com outras disciplinas. Pode-se exemplificar a disciplina de Periodontia I, Periodontia II e Periodontia III. Em outras universidades se apresenta na forma de Clínica Integrada ou ainda pode-se encontrar a disciplina de Periodontia específica em um semestre e no semestre seguinte de forma integrada.

Segundo Fernandes4 (2001), esta variedade de currículos leva a uma grande diferença no processo de ensino/aprendizagem. Sendo assim, a formação continuada não presencial de cirurgiões-dentistas sur-ge como uma solução bem interessante. Para isto, al-guns fatores imprescindíveis sobre o ensino de Odon-tologia devem ser analisados:

• muitos dos cirurgiões-dentistas graduados não buscam os cursos de especialização devido aos al-tos custos e/ou ausência deste tipo de curso em suas regiões e/ou estados;

• durante o curso de especialização, o aluno passa por várias disciplinas correspondentes a prática clínica, porém a abordagem destas disciplinas va-ria de universidade para universidade, fazendo com que os alunos fiquem tendenciosos a uma área específica da Odontologia, necessitando as-

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avaliações, experiências. Através da “web”, pode-se modificar a forma de ensinar e aprender mais facil-mente tanto em cursos presenciais quanto em cursos a distância.

Um computador conectado à internet oferece uma nova visão da função da Informática na educação, como uma nova mídia educacional, de complemen-tação, de aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade do ensino11.

De acordo com Klering8 (2000), a utilização da Internet na educação facilita muito processo de ensi-no/aprendizagem e apresenta as seguintes vanta-gens:

• possibilidade de criar ambientes virtuais de apren-dizagem, onde o aluno encontra a matéria a ser estudada e as tarefas a serem feitas;

• o processo de aprendizagem pode ocorrer em di-ferentes locais e não só na sala de aula tradicio-nal;

• alunos podem estabelecer seus horários de estudo de acordo com suas necessidades, podendo gastar mais ou menos tempo que o habitual no aprendi-zado de determinadas matérias;

• possibilidade dos alunos criarem seus programas individuais de estudos e poderem assistir “aulas” ou “palestras” em qualquer escola, não havendo distâncias;

• o processo de aprendizado deixa de ter um caráter passivo e passa a ser mais dinâmico e motivador, permitindo que o aprendiz desenvolva mais seu raciocínio, sua autonomia e até a sua capacidade de aprender a aprender e faz com que essas qua-lidades reflitam tanto no seu futuro pessoal quan-to no profissional;

• utilização de uma “gigantesca” biblioteca onde é encontrada uma infinita variedade de assuntos;

• permite a troca de conhecimentos com outras pes-soas, as quais podem estar até do outro lado do

sim, de um aperfeiçoamento após a conclusão do curso;

• apesar das disciplinas relativas às atividades práti-cas nas clínicas, nem sempre é possível fornecer ao aluno situações complexas e/ou os mais varia-dos tipos de casos clínicos, porque os pacientes que são triados e atendidos nas clínicas universitá-rias e/ou cursos de especialização podem não apresentar todos os casos ideais para o treinamen-to dos alunos;

• o aprendizado e treinamento de profissionais da área da saúde, normalmente requerem cerca de cinco a sete anos para se consolidar, o que na área odontológica ocorre na maioria das vezes no dia-a-dia no consultório, após a conclusão do curso, sem um acompanhamento especializado;

• apesar de existir software de apoio ao aprendizado na área odontológica, bem como ambientes que disponibilizam vídeos e material didático, estes foram feitos em países diversos, principalmente nos Estados Unidos, Inglaterra e Suécia, onde o conteúdo curricular não é semelhante ao das uni-versidades brasileiras.Tendo em vista as dificuldades encontradas no

processo de educação continuada em Odontologia, enumerou-se os problemas e carências deste processo, conforme mostra a Tabela 1.

Como proposta para solucionar estes problemas e diminuir as carências descritas, um modelo de educa-ção a distância via “web” foi proposto baseado nas seguintes soluções: ambiente “web”; lógica difusa; agentes inteligentes.

Ambiente “web”Cada vez mais o computador permite a utilização

de recursos poderosos para pesquisar, simular situa-ções, testar conhecimentos específicos, descobrir no-vos conceitos, lugares, idéias, produzir novos textos,

Problemas Carências

Cirurgiões-dentistas sem especialização Cursos nas regiões e/ou locais fora dos grandes centros com custo reduzido

Ausência de padronização dos currículos das universidades brasileiras

Nivelamento dos alunos

Atividades práticas com pouca variedade Situações complexas e/ou os mais variados tipos de casos clínicos

Aprendizagem e treinamento a longo prazo Falta de acompanhamento especializado a longo prazo para o cirur-gião-dentista recém-formado

Software importado que não se adequa a realidade curricular brasileira

Ausência de software e ambientes computacionais que contemplem a realidade curricular brasileira

Tabela 1 - Relação problemas versus carências da educação continuada em Odontologia.

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mundo. Nesse caso, a aprendizagem cooperativa é possível através da troca de mensagens eletrôni-cas (“e-mail”), vídeo-conferências e salas de bate-papo (“chats”);

• maior conhecimento sobre a cultura de outros lugares falando com os próprios habitantes do lo-cal, podendo-se discutir soluções de problemas com pessoas de escolas ou universidades diferen-tes, entre outras vantagens.

Agentes inteligentesUma promissora aplicação de software de apren-

dizagem é o uso da tecnologia de agência, os chama-dos agentes. Segundo Fernandes4 (2001), um agente é uma entidade real ou virtual, imersa num ambiente sobre o qual ela é capaz de agir, que dispõe de uma capacidade de percepção e de representação parcial deste ambiente, que pode se comunicar com outros agentes, e que possui um comportamento autônomo, conseqüência de suas observações, de seu conheci-mento e de suas intenções com outros agentes.

No caso de agentes inteligentes voltados para edu-cação e treinamento, eles são chamados “agentes pe-dagógicos”, os quais interagem com educadores e educandos, de maneira a facilitar o aprendizado7. Os agentes pedagógicos podem adaptar suas interações instrucionais às necessidades dos estudantes e ao es-tado atual do ambiente de aprendizagem, ajudando os estudantes na superação de suas dificuldades e no aproveitamento das oportunidades de aprendizagem. Eles podem colaborar com os estudantes e com outros agentes integrando ação com instrução. São capazes também de fornecer “feedback”.

Raciocínio baseado em casosWatson (apud Koslosly9, 1999) define raciocínio

baseado em casos como “um paradigma de resolução de problemas que envolvem uma aproximação entre o problema atual e um problema resolvido sem suces-so no passado”.

Lee10 (1996) coloca que a filosofia básica de racio-cínio baseado em casos é tentar encontrar a solução para uma situação atual baseando-se, como compara-tivo, com uma experiência passada semelhante. Seu processo consiste em identificar a situação atual, bus-car na memória a experiência mais semelhante e apli-car seu conhecimento na situação atual.

Lógica difusaA lógica difusa tem habilidade em criar conclusões

e gerar respostas baseadas em informações vagas, am-

bíguas e qualitativamente incompletas ou imprecisas. Neste aspecto, sistemas de base difusa têm a habilida-de de raciocinar de forma semelhante a dos humanos. Seu comportamento é representado de uma maneira muito mais simples e natural, levando à construção de sistemas compreensíveis e de fácil manutenção.

Segundo Bezdec1 (1993), a teoria dos conjuntos difusos é uma ampliação da teoria tradicional para resolver paradoxos gerados a partir da classificação “tudo ou nada” da lógica clássica. Através da incorpo-ração deste conceito de “graus de verdade”, a lógica difusa estende a lógica clássica em dois caminhos. Pri-meiro, os grupos são rotulados qualitativamente (uti-lizando termos lingüísticos, tais como: alto, morno, ativo, perto, etc.) e os elementos deste grupo são ca-racterizados variando o grau de pertinência. Por exemplo, um homem com 1,80 de altura e um homem com 1,75 de altura são membros do grupo “alto”, em-bora o homem de 1,80 tenha um grau de pertinência maior neste grupo.

RESULTADOSO modelo proposto apresenta um ambiente que

consta basicamente de três módulos: módulo de in-formações do aluno; módulo de material instrucional; módulo de casos virtuais.

A pessoa que deseja utilizar o ambiente irá acessá-lo pela primeira vez fornecendo dados sobre o seu perfil e o seu “suposto” grau de conhecimento sobre Odontologia. No caso em estudo o conhecimento será em Periodontia. Após o cadastro, o ambiente fornece um nivelamento para verificar o “real” grau de conhe-cimento do usuário. Através dos recursos da lógica difusa, o ambiente avalia o conteúdo curricular que o usuário irá seguir. Por exemplo, caso o usuário já te-nha parado de estudar há mais de dez anos, e o seu nivelamento detectou que o seu conhecimento ficou estagnado, o conteúdo curricular a ser seguido por ele será bem diferente do conteúdo a ser seguido por um usuário que está terminando a graduação agora e deseja se aprofundar em Periodontia.

O ambiente gerencia o perfil do usuário, o con-teúdo instrucional a ele fornecido, bem como os casos do banco de casos virtuais através de três agentes in-teligentes.

Os agentes inteligentes implementados neste am-biente têm como função a administração do ambien-te, realizando tarefas tais como: avaliação do perfil do aluno para estabelecimento das estratégias pedagógi-cas; avaliação das tarefas do usuário; avaliação do grau de conhecimento do usuário e seleção do conteúdo

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instrucional.Um dos agentes avalia as informações do aluno,

descobrindo as características peculiares de cada um a fim de estabelecer as estratégias pedagógicas a serem utilizadas – agente de investigação do aluno. Este agente tem a sua estrutura baseada em raciocínio ba-seado em casos e lógica difusa.

Outro agente fica encarregado da avaliação do conteúdo instrucional que o aluno deve acessar, com base nas informações repassadas pelo Agente de In-vestigação do Aluno. Este agente – agente de conteú-do instrucional – recebe o perfil e o desempenho do aluno durante cada etapa do curso e utilizando uma estrutura de sistemas especialistas (sistema baseado em regras3) estabelece o próximo conteúdo que pode ser acessado pelo aluno de acordo com o seu nível de conhecimento atual. Este conteúdo refere-se a aulas, vídeos e testes.

Há ainda um agente encarregado de gerenciar o banco de casos virtuais, interagindo com os outros dois agentes. É o agente de casos virtuais. O aluno não tem acesso irrestrito ao banco de casos. Seu acesso depende das informações sobre o seu perfil e sobre o conteúdo que está estudando. Dependendo de sua graduação ele pode ter tido mais ou menos tempo de clínica (prática), sendo assim, este é o ponto chave para estipular os tipos de casos a estudar. De acordo com o perfil do aluno, este agente cria grupos de tra-balho para a solução dos casos.

O ambiente aqui descrito utilizou o método do vizinho mais próximo3 para recuperação do ano de conclusão do curso e idade do aluno, e o método de contagem de característica3 para a recuperação dos seguintes dados pertinentes ao aluno: universidade de origem e as disciplinas cursadas (Anatomia do Pe-riodonto; Etiologia das doenças periodontais; Prepa-ro inicial; Laboratório de Raspagem; Lesões agudas do periodonto; Clínica I, Exame clínico e periodontal; Cirurgias de cunhas distal e interproximal, Cirurgias de aumento de coroa clínica; Técnicas segmentativas, Cirurgias Mucogengivais, Clínica II e Clínica III).

O ambiente já tem pré-definidos os pesos de recu-peração de cada característica do novo caso a ser con-sultado.

Através do cálculo de similaridade pode-se estabe-lecer qual o perfil mais aproximado do aluno, pois o perfil final é dado após a avaliação do “suposto” grau de conhecimento do aluno sobre o conteúdo. Com o perfil parcial o aluno é submetido a um nivelamento e após o resultado deste nivelamento, ele é enquadra-do em um currículo específico.

A nota que o aluno pode alcançar varia em uma variável difusa nota, como sendo péssima, ruim, boa, satisfatória e excelente, ou seja, cinco conjuntos difu-sos mapeados por funções de pertinência triangula-res3.

Uma vez detectado o real grau de conhecimento do aluno sobre o conteúdo em questão, tem-se então estabelecido o conteúdo instrucional que o mesmo irá acessar.

Para a definição do conteúdo instrucional, vários “sites” foram avaliados por professores e alunos; cursos já consagrados pela equipe do CEPID – Centro de Estudos em Periodontia e Implantodontia – foram remodelados de maneira a servir como roteiro de es-tudo para o aluno. Os cursos foram organizados em forma de arquivos do tipo doc. e ppt., vídeos e ainda disponibilizou-se um fórum de discussões e um chat.

O banco de casos virtuais é composto de casos va-riados de pacientes (foto, anamnese, discussão, diag-nóstico, radiografias, etc.) onde o usuário poderá acompanhar experimentos e treinamentos. Aqui tem-se implementado um gerador de cenários de treina-mento, onde, de acordo com o conteúdo estudado pelo aluno, o sistema fornecerá estudos de casos, ví-deos, radiografias, de maneira a simular situações que possam enriquecer o aprendizado do aluno.

O agente de casos virtuais solicita ao agente de conteúdo instrucional qual o currículo que o aluno deverá cursar e quais os tópicos do currículo que de-vem ter uma atenção reforçada. Com base nestas in-formações, o agente estabelece uma quantidade espe-cífica de casos virtuais a serem estudados.

O banco de casos virtuais armazena como caso os dados relativos a anamnese dos pacientes. Um sistema especialista se encarrega de avaliar os dados que o aluno fornece sobre a anamnese e elabora um diag-nóstico que é comparado com o diagnóstico correto. O estudo de cada caso é revertido em notas para o aluno. Esta nota é comunicada ao agente de investi-gação do aluno.

O projeto das interfaces do ambiente foi baseado nas diretrizes para o desenvolvimento de software edu-cacional para Odontologia, proposto por Johnson, Schleyer6 (2003). As Figuras 1 a 5 mostram as telas principais do ambiente.

Ao receber um “e-mail” confirmando a sua aceita-ção no curso, o aluno acessa a tela de “login”, com o “login” e senha fornecidos pelo administrador do am-biente. Ao preencher os campos o aluno clica na op-ção “enviar” e o agente de investigação do aluno in-forma em que nível do ambiente o aluno pode ter

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acesso (Figura 6). No ambiente, não somente os alu-nos têm que se logar. Os professores, o administrador e o fornecedor também se logam e como estão cadas-trados no banco de dados, o agente informa que tipo de acesso eles podem ter.

O aluno tem acesso às funções de alteração do seu

cadastro geral e consulta ao seu desempenho durante o curso. Esta avaliação do seu desempenho visa mos-trar a evolução do aluno ao longo do conteúdo; seu desempenho em relação a todo o grupo de alunos, bem como uma avaliação por categorias: faixa etária; ano de conclusão de curso; universidade; dentre ou-tras.

Na opção “sala de aula”, o aluno pode ter as se-guintes opções: aula; negatoscópio e prova. Na opção “aula”, ele terá acesso ao conteúdo relativo ao currí-culo onde ele foi enquadrado. Na opção “negatoscó-pio”, ele terá acesso a várias radiografias de casos clí-nicos para que ele se familiarize com cada caso. E na opção “prova” ele fará uma prova abordando o con-teúdo estudado nesta aula.

As Figuras 7 e 8 ilustram o módulo de aula e os casos virtuais.

DISCUSSÃOA avaliação preliminar do modelo/ambiente foi

feita em duas etapas. A primeira enfocou a apresen-tação do ambiente ao usuário e a segunda enfocou a eficácia do ambiente. Foram entrevistados 114 alunos de três turmas distintas: recém-formados de 2001/1

Figura 1 - Tela de abertura do ambiente. Figura 2 - Tela referente ao módulo de professores.

Figura 3 - Tela referente aos links disponíveis no sistema.

Figura 4 - Tela referente ao módulo administrador.

Figura 5 - Tela referente à inscrição do candidato a aluno do curso.

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da UFSC; turma de 2001 da Especialização em Perio-dontia e turma de 2001 da Especialização em Implan-todontia do Centro de Ciências da Saúde da Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

A avaliação do modelo por estas turmas foi reali-zada através de três instrumentos: um questionário, composto de duas partes, uma relativa ao perfil do aluno e outra relativa ao ambiente avaliado; conversas informais feitas com os grupos de alunos durante quinze dias – estas conversas ocorreram para que os alunos pudessem expor seus anseios e expectativas de maneira clara e objetiva; e avaliação dos resultados de uma prova aplicada aos alunos que utilizaram o trei-namento com o ambiente e aos alunos que estudaram de maneira tradicional.

Além dos alunos, foram entrevistados em um se-gundo momento, os professores de Odontologia da UFSC que utilizaram o sistema.

Dos entrevistados, 86,8% estava abaixo dos 25 anos e 96% possui computador em casa, porém nem todos sabem utilizá-lo. Considerando os que possuem com-putador e sabem manuseá-lo, 75% são alunos que se graduaram na UFSC e tiveram a disciplina de Infor-mática Aplicada à Odontologia. Os demais 25% fize-ram cursos de computação básica.

Quanto a utilização da Internet, 83,33% dos alu-nos que têm computador têm acesso à Internet. Sobre a utilização da Internet como ferramenta de pesquisa científica, 28,98% dos entrevistados não sabem fazer uso da Internet para esta finalidade. Quanto a serem incentivados pelos professores para utilizarem a Inter-net como fonte de pesquisa, 62,13% afirma que já foram incentivados, porém perceberam que a maioria dos professores não tinham segurança no uso da In-ternet para esta finalidade.

O maior receio dos alunos que não têm um maior

Figura 7 - Tela da aula de Anatomia e Histologia do Peri-odonto.

Figura 8 - Tela de um caso virtual.

Figura 6 - Teste para estabelecer as disciplinas a serem cursadas.

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convívio com o computador é que teriam que fazer um curso à parte para poderem utilizar o computador como ferramenta de aprendizagem.

Com relação ao ambiente, 94,2% considerou o “layout” do ambiente atraente e 86,96% considerou o conteúdo disponibilizado de leitura fácil e interes-sante. Em relação à maneira de disponibilizar os “sli-des”, 82,61% acham explicativa, porém 17,39% disse-ram que prefeririam alguma forma mais direta de acesso ao próximo slide. Uma das sugestões oferecidas pelos alunos foi disponibilizar a opção de impressão dos slides.

Quanto às informações que os alunos esperavam encontrar no “site”, eles responderam: informações sobre congressos na área; informações sobre outros cursos presenciais e a distância; biblioteca virtual de artigos científicos; possibilidade de impressão dos conteúdos e das provas.

Quanto às vantagens que eles apontaram sobre a utilização deste ambiente, a unanimidade foi a redu-ção de custos de deslocamento e diárias em relação a pessoas que tem de ir a outra cidade para pós-gra-duação, pois poderiam diminuir as aulas teóricas e somente as práticas seriam presenciais.

Quanto às desvantagens, eles apontaram: redução do contato físico com os colegas; necessidade de do-mínio da máquina; necessidade de ter uma conexão eficiente e demora para descarregar os slides.

A avaliação teórica foi aplicada a dois grupos de 12 alunos candidatos a vagas nas Especializações em Periodontia e Implantodontia da UFSC. Todos os alu-nos receberam a lista de tópicos a serem abordados e tiveram três meses para se prepararem. O grupo que utilizou o ambiente passou por um treinamento sobre o seu uso e cada um recebeu uma senha para acessar o ambiente de casa.

A avaliação constou de doze questões discursivas, sendo que sete estavam relacionadas diretamente aos tópicos abordados no ambiente. Os alunos tiveram duas horas para responderem as questões da prova, a qual foi aplicada em uma sala de aula convencional no Departamento de Estomatologia da UFSC.

O resultado das avaliações mostrou que os alunos que utilizaram o ambiente, mais precisamente o ban-co de casos virtuais, conseguiram compreender me-lhor os conceitos e definições, e as aulas em formato ppt. tornaram o conteúdo mais sintético para os alu-nos que utilizaram o ambiente e eles puderam con-centrar seus estudos nos conteúdos mais relevantes.

Quanto aos dez professores envolvidos no proces-so, percebeu-se que os mesmos têm vontade de utilizar

o ambiente para suas aulas, porém necessitam passar por um treinamento no que diz respeito a confecção do material (utilização do Power Point e do Word), aprender a utilizar um “chat” e um fórum de discus-sões, bem como aprender como tratar as imagens que serão utilizadas no banco de casos virtuais. Ou seja, deve-se primeiramente investir em capacitação para os professores.

CONCLUSÕESAtravés deste trabalho pôde-se observar que um

ambiente padronizado, oferecendo opções de nivela-mento, vem a ser um diferencial nos cursos de pós-graduação em Odontologia. Porém há de se conside-rar que um ambiente informatizado requer um corpo docente e discente preparado para utilizar os recursos computacionais. O que não é ainda uma realidade no Brasil. A maioria dos cursos de Odontologia não apre-senta uma disciplina que capacite os alunos a utilizar os recursos computacionais, nem possuem infra-estru-tura em termos de laboratório e equipamentos para esta capacitação. Por outro lado os professores tam-bém ainda desconhecem a potencialidade das ferra-mentas computacionais, necessitando serem prepara-dos a fim de que possam incentivar seus alunos a fazerem uso do computador como ferramenta de en-sino/aprendizado.

A maior vantagem deste ambiente considerada pelos alunos e professores é relativa a possibilidade de redução de custos. Atualmente, um curso de pós-gra-duação em Odontologia tem um custo mensal de aproximadamente um mil reais, além das despesas com o deslocamento (viagem, estadia, alimentação), uma vez que a maioria dos alunos é de outra localida-de. Vale ressaltar a importância das aulas presenciais (práticas) e aulas a distância (teóricas). A utilização de “vídeochats”, radiografias “on-line”, fórum de dis-cussão permitiu uma maior integração dos alunos com o professor e trocas de experiências de maneira inte-rativa.

ABSTRACTUse of agent technology in a teaching/learning virtual environment in periodontology

The educational system, responsible for the great-est education of an individual, is not prepared to ad-vance concomitantly with the technological changes that occur in society. It is necessary to search for new approaches for the capacitation of teachers. These approaches must be interesting, stimulating, and may lead to satisfactory results concerning the new tech-

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nological view. In order to ease the difficulties found in the education of dental surgeons as well as to pro-vide dental professionals with a model for a teaching, training and/or continuing education environment, with low cost and efficiently, a model was proposed for a virtual environment of teaching/learning through the web, being periodontology the branch studied. Such model is based on agent technology.

DESCRIPTORSEducation, distance. Educational technology. Self-

instruction programs, computerized.

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Aceito para publicação em 12/2004

ABENOABENOAssociação Brasileir

a de Ensino Odontológico

R E V I S T A D A

ABENOABENO

Associação Brasileira de Ensino Odontológico

volume 5

número 1

janeiro/dezembro

2005

ISSN

1679

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A Revista da ABENO - Associação Brasileira de EnsinoOdontológico - tem como missão primordial contribuirpara a obtenção de indicadores de qualidade doensino odontológico respeitando os desejosde formação discente e capacitaçãodocente, com vistas a asseguraro contínuo progresso daformação profissional eproduzir benefíciosdiretamente voltados paraa coletividade.Visa também produzirjunto aos especialistas areflexão e análise críticados assuntos da área emnível local, regional, nacionale internacional.

Envie seu artigo!Veja as normaspara a submissãode originais napágina 96.

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RESUMOO conhecimento que vem sendo adquirido e acu-

mulado desde os primórdios da Odontologia possibi-litou uma importante mudança relacionada às manei-ras de lidar com as enfermidades que acometem os tecidos orais. Este trabalho tem o objetivo de traçar um panorama e delinear tendências do mercado de trabalho odontológico além de apontar caminhos para a adequação da formação dos profissionais a atual realidade do mercado. Os recursos humanos odonto-lógicos que existem no país são resultantes de um processo evolutivo da profissão, em constante trans-formação, sempre no sentido ascendente de se ter um profissional mais capacitado. Uma prática educativa humanizada na área da Saúde coloca o homem como centro do processo de construção da cidadania, com-prometida e integrada à realidade social e epidemio-lógica, às políticas sociais e de saúde, oportunizando a formação profissional contextualizada e transforma-dora. O compromisso em realizar uma auto-análise do ensino ministrado a cada um de seus alunos é uma responsabilidade de cada uma das Instituições de En-sino Odontológico que deve refletir sobre o quê, por quê e em favor de quem quer a formação universitária, buscando assim a formação de cidadãos trabalhadores para a sociedade e não para o mercado.

DESCRITORESRecursos humanos em Saúde, tendências. Odon-

tologia comunitária.

O conhecimento que vem sendo adquirido e acu-mulado desde os primórdios da Odontologia

possibilitou uma importante mudança relacionada às maneiras de lidar com as enfermidades que acometem os tecidos orais. Até meados da década de 1960 os tratamentos caracterizavam-se pela exclusiva mutila-ção de estruturas bucais, na década de 1970, passou-se a realizar a mutilação de tecidos bucais, com o auge da Odontologia curativa e desenvolvimento de mate-riais restauradores. À semelhança de qualquer traba-lho humano, o odontológico surgiu e se desenvolveu para satisfazer necessidades humanas23; no século XXI vem dando-se crescente ênfase aos aspectos preventi-vos e a uma maior preocupação com a saúde bucal e sua relação com a saúde geral e com o ambiente e qualidade de vida, tanto em nível individual quanto coletivo15.

A interligação entre os quadros bucais com enfer-midades sistêmicas tem sido evidenciada em inúmeras investigações conduzidas nos últimos anos35, indican-do que as doenças bucais possuem suficiente potencial para gerar desequilíbrios na homeostasia do organis-mo, integrando inclusive o elenco das causas relacio-nadas a quadros mórbidos gerais28. A qualidade de vida também é afetada pelas doenças da cavidade bu-cal e o impacto por elas produzido. Estado gengival, bem estar dos dentes e tecidos de suporte, quantidade

Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia

Para a adequação da formação dos profissionais à atual realidade do mercado, traça-se um panorama e delineiam-se tendências do mercado de trabalho odontológico.

Lucilene Dias Pelissari*, Roberta Tarkany Basting**, Flávia Martão Flório***

* Cirurgiã-Dentista formada pelo Centro Universitário Hermínio Ometto de Araras (UNIARARAS).

** Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Dentística do Centro de Pesquisas Odontológicas São Leopoldo Mandic.

*** Professora Responsável pela Disciplina de Ciências Sociais do Curso de Odontologia do Centro Universitário Hermínio Ometto de Araras (UNIARARAS). E-mail: [email protected].

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Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM

e qualidade de saliva, grau de sensibilidade do paladar e quadros dolorosos podem afetar a qualidade da die-ta e a ingestão adequada de nutrientes, de forma a aumentar potencialmente o risco a diversas doenças sistêmicas19. A saúde bucal também influencia na auto-estima e nos relacionamentos sociais pois, como já definiu Narvai23 (2003), “é um conjunto de condições objetivas (biológicas) e subjetivas (psicológicas), que possibilita ao ser humano exercer funções como mas-tigação, deglutição e fonação e também pela dimen-são estética inerente à região anatômica, exercitar a auto-estima e relacionar-se socialmente sem inibição e constrangimentos. Essas condições devem corres-ponder à ausência de doença ativa em níveis tais que permitam ao indivíduo exercer as mencionadas fun-ções de modo que lhe pareçam adequadas e lhe per-mitam sentir-se bem, contribuindo desta forma para a saúde geral”.

A saúde e a doença não são portanto estados ou condições estáveis, mas sim conceitos vitais, sujeitos a diversas gradações e constantes mudanças1. A saúde, em seu conceito ampliado11 tem como fatores deter-minantes e condicionantes os meios físico, sócio-eco-nômico e cultural, os fatores biológicos e inclusive a oportunidade de acesso aos diferentes níveis de servi-ços4. Segundo Carneiro7 (1998), a ação de cuidar da saúde em âmbito social só será efetivada se as outras dimensões da sociedade, como a economia, a habita-ção, o trabalho, a educação, enfim, as políticas sociais se voltarem para a questão da saúde.

A prática odontológica resulta de uma complexa articulação de fatores externos e internos ao processo de trabalho, dentre os quais destaca-se o conhecimen-to científico disponível em cada momento, as tecno-logias, os instrumentos e materiais utilizados, além dos recursos humanos23. Atualmente, a filosofia da Pro-moção de Saúde vem favorecendo a relação profissio-nal-paciente pelo aprimoramento da terapêutica e pela preocupação com a saúde bucal15, levando a ne-cessidade de adequação dos profissionais da área ao mercado de trabalho.

A definição de mercado refere-se ao contexto den-tro do qual se forma livremente o preço de um pro-duto, bem ou serviço, pelo adequado ajustamento de suas oferta e demanda, onde se realiza um intercâm-bio de caráter livre e voluntário entre diferentes pes-soas ou entidades. Esta definição aplica-se ao mercado de trabalho odontológico através do inter-relaciona-mento de cuidados de saúde, demanda de pacientes e oferta de serviços profissionais do setor2.

Segundo Zanetti36 (1999), a Odontologia brasilei-

ra está em franca, acelerada e irreversível reorgani-zação, e, por falta de uma adequação da formação acadêmica a esta reorganização, a massa de cirurgiões-dentistas colocada no mercado semestralmente, nun-ca estimulada a refletir criticamente sobre a sucessão de fatos inerentes a estas mudanças, encontra-se com-pletamente perdida e marginalizada no processo de inclusão no mercado odontológico.

Este trabalho tem o objetivo de traçar um panora-ma e delinear tendências do mercado de trabalho odontológico além de apontar caminhos para a ade-quação da formação dos profissionais à atual realida-de do mercado.

MERCADO DE TRABALHO – DE ONDE VIEMOS, PARA ONDE VAMOS?

Os recursos humanos odontológicos que existem no país são resultantes de um processo evolutivo da profissão, em constante transformação, sempre no sentido ascendente de se ter um profissional mais ca-pacitado26. A capacitação profissional significou, no processo evolutivo da profissão, uma forma de con-corrência no mercado. O surgimento dos mestres de ofício, no interior da prática profissional artesanal e pré-científica, pode ser considerado o primeiro dos mecanismos concorrenciais. Em seqüência, decorren-te do desenvolvimento do capitalismo, que multipli-cou as possibilidades de oferta e consumo de serviços de saúde, o exercício da profissão mediante a forma-ção universitária pode ser considerado o segundo dos mecanismos de concorrência, objetivando a organiza-ção do sólido mercado recém-surgido, que estimulou a formação de novos profissionais e a valorização da Odontologia enquanto prática social36.

A estratégia de reestruturação via “diplomação universitária” foi percebida e enunciada para todas as “ciências médicas”, em um relatório publicado em 1910, conhecido como Relatório Flexner, orientando uma prática voltada à cura ou alívio das doenças, sen-do o indivíduo encarado em uma lógica mecanicista, compartimentalizada e individualizada, condizente com os conhecimentos e atitudes de saúde da épo-ca.

Neste contexto, a cárie dentária sempre foi o ob-jeto fundante para a organização da formação, das práticas e da transformação da maior parte dos atos odontológicos em mercadorias passíveis de compra e venda no mercado36, já que as seqüelas decorrentes de sua “história natural” possibilitavam mais e mais procedimentos, cada vez mais e mais complexos, sinô-nimos de maior e melhor remuneração.

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Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM

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padrão de saúde bucal de uma população foi questio-nado por Nadanovsky, Sheiham21 (1995), através da verificação de que os aspectos sócio-econômicos têm um papel relevante na redução observada na preva-lência de cárie dentária. O estudo realizado com base em dados de 18 países industrializados demonstrou que os serviços odontológicos, medidos pela propor-ção dentista/população, explicaram 3% da redução observada na prevalência média de cárie das crianças de 12 anos, durante os anos 1970 e meados dos 1980, enquanto que os fatores sociais explicaram 65% da redução observada. Observaram também que a dispo-nibilidade de serviços odontológicos não foi impor-tante para explicar as diferenças nas variações obser-vadas em indivíduos de 12 anos nos países estudados. Para Baldani et al.3 (2004), países com relações den-tista/população e sistemas de atenção diferentes apre-sentaram variação de valores de prevalência de cárie muito similares até a metade da década de 1980, quan-do a condição social passou a ser muito enfatizada como importante determinante da situação de saúde bucal.

No Brasil, esta relação, discutida por Weyne35 (2003), pode ser recentemente confirmada com a di-vulgação em massa, no Jornal Folha de São Paulo16, dos resultados referentes ao último levantamento epi-demiológico realizado no Brasil, intitulado SB-Brasil, demonstrando que mesmo o país sendo rico no nú-mero de cirurgiões-dentistas23, a estratégia de saúde bucal oferecida à população permitiu que, em média, o país tenha cumprido apenas uma das cinco metas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) relacionadas à prevalência de cárie dentária. Com relação às demais ocorrências relacionadas à saúde bucal (ou melhor... falta de saúde bucal), menos de 22% da população adulta e menos de 8% dos ido-sos apresentam saúde periodontal.

Toda essa situação descrita gerou no Brasil um quadro de pletora profissional sem precedentes mun-diais, percebida, no entanto, apenas à partir do início dos anos 1980, com a inversão da equação oferta/pro-cura, decorrente da grande recessão econômica de 1981 que resultou na concorrência da Odontologia com a venda de outros bens e serviços. Além disso, o desenvolvimento das tecnologias preventivo-promo-cionais em saúde bucal, representadas pela massifica-ção do acesso às tecnologias de flúor e de auto-cuida-do, resultou num novo perfil epidemiológico, especialmente para a população consumidora dos serviços curativos particulares36, a mais bem informa-da e exigente quanto às possibilidades de cuidados precoces. As necessidades e objetivos da população potencialmente consumidora de serviços odontológi-cos particulares reduziram-se drasticamente.

Segundo dados do Conselho Federal de Odonto-logia (CFO), o Brasil contava em 2003 com 161 facul-dades de Odontologia. Dados mais recentes12 (2004) indicam que 194.016 é o número de cirurgiões-den-tistas cadastrados no CFO, dos quais 61,3% estão ins-critos nos conselhos da região Sudeste, perfazendo um total de 118.948 profissionais. O Gráfico 1 aponta o número de dentistas inscritos nos conselhos regio-nais, de acordo com as macro-regiões.

A proporção cirurgião-dentista por habitantes chegou, em 2002, a 1 CD para aproximadamente 1.008 habitantes12, o que está aquém do que Chaves9 (1977) considerou como bastante boa (1 CD: 2.000 habitantes). Segundo Narvai23 (2003), a situação bra-sileira apresenta um desequilíbrio quantitativo, espe-cialmente quando considerada a distribuição de cirur-giões-dentistas, não somente em relação à área geográfica, mas também com relação ao poder aqui-sitivo das populações residentes nas macro e micro-regiões brasileiras.

No início dos anos 1990, o país concentrava cerca de 11% dos dentistas em atividade em todo o mundo, proporção esta inalterada também no começo do sé-culo XXI23. Apesar da grande expansão do número de cursos de Odontologia no Brasil e de cirurgiões-dentistas em atividade, o percentual de brasileiros com acesso a cuidados odontológicos regulares é pe-queno, havendo consenso entre pesquisadores que não há associação entre o número de profissionais e melhores condições de saúde bucal.

As melhorias nas condições de saúde das comuni-dades se dão por mudanças nas condições ambientais e sócio-econômicas, antecedendo a ação profissional. O papel do atendimento odontológico tradicional no

15.802 (8%)

6.019 (3%)

118.948 (61%)24.624 (13%)

29.343 (15%)

Centro-oesteNorteNordesteSulSudeste

Gráfico 1 - Número de cirurgiões-dentistas por macro-região. CFO - Brasil, 2004.

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Vivência da realidade: o rumo da saúde para a Odontologia • Pelissari LD, Basting RT, Flório FM

Estas observações apontam uma realidade alar-mante, os recursos humanos estão sendo graduados com falta de adequação do currículo e nem sempre estão aptos para diagnosticar e planejar de maneira adequada um plano de tratamento e realizar a pro-moção e preservação da saúde bucal condizente com a realidade sócio-econômica e cultural da comunida-de adstrita. A Odontologia de alta complexidade, onde se utilizam técnicas e materiais de última gera-ção, aliada a uma habilidade manual que levaria ao sucesso profissional e ao retorno financeiro, está sen-do revista, pois este modelo cirúrgico-restaurador não alterou o perfil epidemiológico da cárie dental e das demais doenças prevalentes da cavidade bucal2. O país mais rico em dentistas, apresenta 17% de sua popula-ção adulta completamente edêntula16.

Mas, dado o papel do cirurgião-dentista na dimi-nuição da incapacidade bucal, não restam dúvidas quanto à importância da ampliação do acesso da po-pulação aos serviços odontológicos, até torná-lo uni-versal23. Importante neste caso seria que a universali-dade do acesso fosse condizente com o tipo de profissional que a sociedade necessita.

A FORMAÇÃO ODONTOLÓGICADeve-se, neste momento, descrever com mais de-

talhes os efeitos do paradigma flexneriano no ensino odontológico. O Relatório Flexner, preparado a pe-dido da Fundação Carnegie dos EUA pelo educador Abraham Flexner e publicado em 1910, versava sobre a situação de diversas escolas médicas dos EUA. Com base na qualidade técnica da escola médica européia, especialmente a Alemã, Flexner deu ênfase à forma-ção de uma elite profissional e recomendou o fecha-mento de 124 das 155 escolas existentes nos EUA. O modelo flexneriano procurou implantar no ensino médico as exigências do paradigma científico que in-fluenciou todas as áreas do conhecimento nos EUA no fim do século XIX: os problemas de origem social que exigiam soluções políticas foram transformados em problemas de ciência, exigindo soluções técnicas; difundiu-se a idéia de que a ciência poderia resolver qualquer problema, e negou-se a idéia de causalidade da doença. Os aspectos preventivos e de promoção de saúde foram relegados a segundo plano, o corpo hu-mano foi considerado como uma máquina, em que qualquer parte poderia ser tratada individualmente, e o paciente abstraído da coletividade da qual fazia parte e do contexto social em que se inseria17.

No caso do Brasil, a Odontologia absorveu tam-bém o paradigma flexneriano, passando a defender

o corpo humano como uma máquina, a natureza ex-clusivamente biológica da doença, a atenção centrada sobre o indivíduo e sobre práticas curativas, a frag-mentação do objeto em função da especialização, a tecnificação do ato odontológico, a exclusão de prá-ticas alternativas, além do desinteresse pelas ações de promoção e prevenção das doenças. Com esses pres-supostos, os cursos de Odontologia no país assumiram as características do modelo do ensino flexneriano: separação entre a docência, prestação de serviços e pesquisa; ciclo básico separado do ciclo clínico e con-centrado nos primeiros anos do curso; ênfase na doença ou lesão e nas ações curativas e de reabilitação; estruturação de microdisciplinas por especialidades odontológicas; ensino centrado na difusão de tecno-logia sofisticada; ensino exclusivo nos serviços das escolas, desconhecendo os serviços externos; pessoal docente especializado por microdisciplinas; relação professor/aluno autoritária e paternalista; ênfase na pesquisa biológica18.

Os questionamentos relacionados à atuação do cirurgião-dentista no nível de saúde da população3,21, a dependência de fatores sócio-econômico-culturais e ambientais para o equilíbrio do binômio saúde-doen-ça1,4,7,11, e a compreensão de que a filosofia da promo-ção de saúde, quando bem aplicada, pode resultar em importantes melhorias no padrão de saúde da popu-lação beneficiada refletiram na necessidade da insta-lação de mudanças no tratamento odontológico tra-dicional.

Graças a essa revisão de valores, conseqüência da necessidade de mudanças em todos os níveis, um novo perfil de formação profissional faz-se necessário, cuja prática deve pautar-se na realidade econômica e social do país2. Neste sentido, o Exame Nacional de Desem-penho dos Estudantes (ENADE), a ser realizado, nes-te formato, pela primeira vez como uma das iniciativas do Ministério da Educação para traçar um panorama da qualidade dos cursos e instituições de ensino supe-rior no país, tem como um de seus três principais ob-jetivos avaliar o nível de atualização dos estudantes, com referência à realidade brasileira e mundial, con-firmando que esta necessidade de sintonia com as singularidades do país é inerente a todas as profissões, inclusive à odontológica.

Embora avanços importantes tenham ocorrido nas últimas décadas, a formação em Odontologia no Bra-sil está minimamente adequada às necessidades da população22, o “ensino odontológico flexneriano” é ainda praticado na grande maioria dos cursos de gra-duação do país. Narvai22 (2004) afirma que há poucos

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cursos onde se verifica um compromisso evidente para fazer valer princípios de modificação neste paradig-ma, com criação de espaço para a ousadia da renova-ção e da invenção.

Grande ênfase tem sido dada às questões que cer-cam o processo de ensino-aprendizagem em decor-rência das constantes mudanças ocorridas na socieda-de e, conseqüentemente, na área do ensino superior, o que certamente se reflete nos cursos de graduação e pós-graduação de Odontologia27. O ensino odonto-lógico tem sido apontado como comprometido pelo lastro do academismo, divorciado do interesse clínico e das necessidades da comunidade30,31,33.

Segundo o professor Paulo Capel Narvai22 em en-trevista ao Jornal da Federação Interestadual dos Odontologistas (FIO) em maio de 2004, a formação em Odontologia ainda deixa muito a desejar em se tratando da saúde bucal coletiva, uma vez que a abor-dagem preventiva ainda é restrita à dimensão biológi-ca e clínica da prevenção e os currículos ainda conti-nuam fragmentados, com funcionamento isolado das disciplinas.

Esta dessintonia entre o ensino odontológico e a atuação clínica do dentista tem muitas razões, mas, certamente, a preponderante é que não se desenvol-veu uma interação entre o profissional e a escola no sentido de se determinar ou predispor um preparo universitário condizente com as tendências atuais e sensíveis às mudanças futuras13. Segundo Pinto25 (2000), a maior parte da população não tem acesso a cuidados clínicos e preventivos essenciais de maneira adequada. O levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feito em 1999 com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e divulgado no primeiro semestre de 2000, mostra que por volta de 20 milhões de brasileiros (cer-ca de 12% da população), do total existente de 160 milhões de habitantes, nunca consultaram um cirur-gião-dentista. Na zona rural, a situação apresentava-se mais grave, com uma taxa de 32%. Apenas 6% da po-pulação brasileira relatou freqüentar periodicamente o dentista, sendo que destes, 30% só em situações de muita dor. Dados do SB-Brasil apontam que 13% dos adolescentes, 3% dos adultos e 6% da população ido-sa nunca visitaram um cirurgião-dentista16.

Cerca de 70% do tempo e do dinheiro gastos com saúde bucal no Brasil pertencem ao setor privado23, o que demonstra a precariedade de recursos destinados à Odontologia e a deficiência do sistema público em promover saúde bucal à população34.

Em palestra realizada durante o Seminário Apren-

der SUS, em julho de 2004, representando o Conselho Nacional de Saúde, Solange Belchior concluiu que a universidade tem que incorporar o SUS, para que se deixe de formar profissionais voltados ao atendimen-to de apenas 30% da população que usam normal-mente a saúde privada32.

PROPOSTAS DE MUDANÇASUma prática educativa humanizada na área da

Saúde coloca o homem como centro do processo de construção da cidadania, comprometida e integrada à realidade social e epidemiológica, às políticas sociais e de saúde, oportunizando a formação profissional contextualizada e transformadora. A universidade, portanto, como espaço para formação profissional, coloca-se como o contexto onde práticas educativas agregam conhecimento, tecnologias, informação e comunicação como recursos estratégicos para a apren-dizagem20.

A humanização de práticas pedagógicas pressupõe a criação de processos educativos socialmente relevan-tes, além da crítica ao modelo de formação mecani-cista e de tecnificação da prática profissional, voltado exclusivamente para atender às demandas de merca-do20. Há indícios de significativas alterações no mer-cado de trabalho para o cirurgião-dentista, tendo em vista a implantação de serviços odontológicos em ór-gãos governamentais, empresas, associações e sindica-tos, com diminuição de sua atuação como profissional liberal8, o que é claro visto que a grande maioria da população brasileira depende dos serviços públicos para a obtenção de qualquer cuidado em Saúde.

Em função da expansão do processo de municipa-lização, verificou-se a partir do final da década de 1980, um sensível crescimento dos postos de trabalho no setor público (60% entre 1987 e 1992) em compa-ração ao setor privado (18% no mesmo período), o que fez com que, paulatinamente, o setor público que antes era visto com ressalvas pela categoria odontoló-gica do ponto de vista das perspectivas de emprego, seja atualmente o maior empregador29.

O avanço na descentralização do SUS trouxe a necessidade de formar milhares de profissionais para dar conta dos múltiplos aspectos da gestão. A expan-são das equipes de Saúde da Família deixou evidentes as limitações do perfil atual de formação, como um ponto de estrangulamento na implementação do SUS10.

Neste sentido, com relação à necessidade de foca-lização do ensino nas faculdades para o atendimento no serviço público, a diferença marcante existente

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entre o ensino odontológico e o de outras profissões de saúde, refere-se ao papel que têm os serviços pú-blicos de saúde nesses cursos. Nos de Odontologia, ao contrário dos demais, os órgãos e serviços do SUS são pouco utilizados como locais de ensino-aprendiza-gem, impedindo ao aluno a vivência da realidade dos serviços públicos de saúde da sua região, a interação com profissionais de outras áreas, além de o mesmo não entrar em contato com a precariedade dos servi-ços e com as coisas boas que muitos serviços públicos fazem22.

Como resultado desta intersecção entre a falta de vivência e as crescentes oportunidades do mercado de trabalho em serviço público, o aluno de Odontologia fica vulnerável, pois após a sua formação universitária, a realidade se mostra e, em geral, ele está desprepa-rado para lidar com o que encontra por não dispor dos instrumentos teóricos e vivências que a prática no âmbito do SUS haveria lhe proporcionado22.

A conseqüente necessidade de redefinição do per-fil do profissional a ser formado não têm sido adequa-damente considerada pelas faculdades para o deli-neamento do currículo de seus cursos de graduação. Assim, o cirurgião-dentista tem sido formado quase que exclusivamente para o exercício profissional libe-ral e, muitas vezes, sem uma visão global para a atuação como profissional na área da Saúde24, componente de uma equipe multiprofissional de Saúde.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) insti-tuiu as “diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Odontologia” que definiu o seguinte perfil de egresso para o cirurgião-dentista dos cursos brasileiros: “profissional com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado do exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da realida-de social, cultural e na economia do seu meio, diri-gindo sua atuação na transformação da realidade em benefício da sociedade”5. Neste mesmo documento a CNE afirma (art. 4º) que a formação do cirurgião-dentista tem por objetivo “dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício da aten-ção à saúde (tanto em nível individual quanto coleti-vo), tomada de decisões, comunicação, liderança, administração e gerenciamento e educação perma-nente”23.

A necessidade de se equiparar o texto do perfil esperado ao efetivo perfil do egresso da universidade é notória. Narvai22 (2004) conclui que “ou os cursos

rompem as barreiras academicistas e se abrem, toman-do o sistema de saúde como sala de aula, ou a forma-ção continuará preparando mal os futuros profissio-nais, pois se continuará reduzindo o rico e complexo processo de formação de cidadãos à mera capacitação técnica de pessoas...”. São poucas as iniciativas onde é evidente o esforço para fazer valer os princípios e valores apontados nas novas diretrizes curriculares, através da renovação e da invenção.

Como estímulo à mudança na graduação para que a implantação e o cumprimento das diretrizes consti-tucionais do Sistema Único de Saúde e as diretrizes curriculares nacionais caminhem juntas, MEC e Mi-nistério da Saúde propuseram uma política conjunta de estímulo à graduação. O Aprender SUS é um mo-vimento que pretende aproximar o sistema de saúde e as instituições de ensino superior (IES) do país, além de promover a qualidade da atenção à saúde para orientar as 14 graduações do setor, com o objetivo de estimular os compromissos da graduação com o siste-ma de saúde, conforme a política de educação perma-nente. O Ministério da Saúde tem por objetivo engen-drar relações de compromisso e responsabilidade entre o MEC, as IES e o SUS, que incluem: implemen-tação das diretrizes curriculares nacionais; participa-ção ativa das IES em projetos locorregionais de edu-cação permanente em saúde; estabelecimento de projetos de cooperação técnica com o SUS para o desenvolvimento de capacidades de competências lo-cais; produção de conhecimento relevante para a con-solidação e o avanço do SUS; construção do ensino de saúde de maneira articulada e negociada com o SUS6.

Neste turbilhão de críticas à formação profissional na área da saúde, os graduandos também estão sensi-bilizados pela inadequação de sua formação. O pro-jeto VER-SUS, cuja sigla quer dizer Vivência e Estágio na Realidade do Sistema Único de Saúde, elaborado e implementando pelo Movimento Estudantil da Área da Saúde em parceria com o Ministério da Saúde (MS), é um estágio de vivência que se assemelha aos projetos de extensão universitária, por ser uma pro-posta onde o estudante sai dos muros da academia e vai conhecer/vivenciar alguma situação/organização da comunidade/sociedade. Na saúde, a área da Me-dicina foi a primeira a levar estudantes para vivenciar a saúde da população através do conhecimento da organização do Sistema Único de Saúde (SUS), ora dando ênfase à gestão desse sistema, ora acompanhan-do e conhecendo como a assistência tem se dado em diversas regiões brasileiras. O objetivo do movimento

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estudantil com esses projetos é permitir que o estu-dante reflita, a princípio, sobre situações e temas im-portantes, pertinentes à sua formação profissional, através do conhecimento prático. Mas, muito além disso, o movimento acredita que inserindo o estudan-te na realidade, de forma que ele olhe de “dentro para fora”, seja mais fácil perceber as muitas contradições e as complexas relações de nossa sociedade, facilitan-do a formulação e o entendimento do seu papel en-quanto estudante e futuro profissional, mostrando assim o grande potencial que ele tem para agir nas condições vivenciadas14.

CONCLUSÃOA necessidade de adequação das profissões de Saú-

de à realidade econômico-social e cultural do povo brasileiro é notória. O compromisso em realizar uma auto-análise do ensino ministrado a cada um de seus alunos é uma responsabilidade das Instituições de En-sino Odontológico, que devem refletir o quê, por quê e em favor de quem querem a educação, visando a competência em formar cidadãos trabalhadores para a sociedade, e não para o mercado. Assim, bem mais do que competência nos domínios de aspectos bioló-gicos envolvidos na prática profissional, deve-se pre-parar o cirurgião-dentista para que desenvolva com-petência também quanto às dimensões ética e social do seu trabalho.

ABSTRACTReality experience: the development of oral health

The knowledge which has been acquired and ac-cumulated since the beginning of dentistry has made possible an important change related to the ways of dealing with diseases that attack the oral tissues. The aim of this work is to trace a panorama and delineate the trends of the dental work market, as well as to point out ways for the adequacy of professional formation to the current market situation. The dental labor force existing in the country is the result of a developing process of the profession, which is in constant trans-formation, always leading to the formation of more qualified professionals. A humanized educative prac-tice in health places man as the center of the citizen-ship construction process, committed to and integrat-ed with the social and epidemiological reality, and the social and health policies, allowing for a transforming and directed professional formation. The commit-ment to carry through a self-analysis of the education given to each student is the responsibility of every higher education institution. These institutions must

analyze what they want, why they want it and who shall benefit from dental education, which must be demo-cratic, not produce differences, and form creative, critical and diligent citizens to work for society, and not for the market.

DESCRIPTORSHealth manpower, trends. Community dentistry.

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Aceito para publicação em 12/2004

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Revista da ABENO • 5(1):40-540

RESUMOUma das tarefas mais importantes das universida-

des e escolas é tornar mais flexível o currículo de cada curso, com atividades presenciais e a distância integra-das e inovadoras. O sistema bimodal – parte presencial e parte a distância – se mostra o mais promissor para o ensino nos diversos níveis, principalmente no supe-rior. As universidades poderiam flexibilizar seus cur-rículos até chegar a uma carga horária média de cin-qüenta por cento presencial e cinqüenta por cento a distância. Algumas áreas de conhecimento e discipli-nas teriam menos atividades a distância e outras po-deriam ter mais. A implantação pode ser progressiva, para fazer uma transição suave do totalmente presen-cial para o semipresencial. Do ponto de vista didático, podemos organizar atividades inovadoras na sala de aula, no laboratório com acesso à Internet, integradas com atividades a distância e as de inserção profissional ou experimental. Em alguns momentos o professor pode levar seus alunos ao laboratório conectado à Internet para desenvolver atividades de pesquisa e de domínio das tecnologias. Estas atividades se ampliam a distância, nos ambientes virtuais de aprendizagem conectados à Internet, o que permite diminuir o nú-mero de aulas e continuar aprendendo juntos a dis-tância. Os cursos precisam prever espaços e tempos de contato com a realidade, de experimentação e de inserção em ambientes profissionais e informais em todas as matérias e ao longo de todos os anos.

DESCRITORESTecnologia educacional. Aprendizagem. Educa-

ção a distância. Currículo, educação.

Uma das reclamações generalizadas de escolas e universidades é de que os alunos não agüentam

mais nossa forma de dar aula. Os alunos reclamam do

tédio de ficar ouvindo um professor falando na frente por horas, da rigidez dos horários, da distância entre o conteúdo das aulas e a vida.

Passando pelos corredores das salas de aula, o que se vê é quase sempre uma pessoa falando e uma classe cheia de alunos semi-atentos (na melhor das hipóte-ses). A infra-estrutura é deprimente. Salas barulhen-tas, a voz do professor mal chega aos que estão mais distantes. Conseguir um “datashow” na maioria delas é uma tarefa inglória. Muitas vezes existe um único equipamento para um prédio inteiro.

A educação está tão defasada em todos os níveis, que não bastam medidas paliativas. Obrigar alunos a ficar confinados horas seguidas de aula numa mesma sala, quando temos outras possibilidades, torna-se cada dia mais contraproducente. Para alunos que têm acesso à Internet, à multimídia, as universidades e escolas têm que repensar esse modelo engessado de currículo, de aulas em série, de considerar a sala de aula como único espaço em que pode ocorrer a apren-dizagem.

A Internet, as redes, o celular, a multimídia estão revolucionando nossa vida no cotidiano. Cada vez re-solvemos mais problemas conectados, a distância. Na educação, porém, sempre colocamos dificuldades para a mudança, sempre achamos justificativas para a inércia ou vamos mudando mais os equipamentos do que os procedimentos. A educação de milhões de pes-soas não pode ser mantida na prisão, na asfixia e na monotonia em que se encontra. Está muito engessada, previsível, cansativa.

As tecnologias são só apoio, meios. Mas elas nos permitem realizar atividades de aprendizagem de for-mas diferentes às de antes. Podemos aprender estando juntos em lugares distantes, sem precisarmos estar sempre juntos numa sala para que isso aconteça. Po-demos planejar mudanças graduais, flexibilizando o currículo, diminuindo o número de aulas presenciais,

Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line”

É importante introduzir na educação presencial muitas das soluções e tecnologias utilizadas na educação a distância e na educação “on-line”.

José Manuel Moran*

* Professor Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

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Propostas de mudança nos cursos presenciais com a educação “on-line” • Moran JM

combinando-as com atividades em laboratórios conec-tados à Internet e com atividades a distância.

A resposta dada até agora ainda é muito tímida, deixada a critério de cada professor, sem uma política institucional mais ousada, corajosa, incentivadora de mudanças. Está mais do que na hora de evoluir, mo-dificar nossas propostas, aprender fazendo.

Nos colégios e na maioria das universidades, as atividades a distância não implicam até agora nenhu-ma diminuição das aulas presenciais. Duplica-se, na prática, o tempo de atendimento, as atividades de pro-fessores e alunos com o mesmo salário. O sistema bi-modal – parte presencial e parte a distância – se mos-tra o mais promissor para o ensino nos diversos níveis, a partir da quinta série. E essa proporção entre pre-sença e distância pode ser aumentada gradualmente na medida em que os alunos são mais adultos. No ensino superior o governo permite vinte por cento a distância. Isso é uma primeira etapa de experimenta-ção que nos levará a novas etapas de maiores porcen-tagens de espaços e tempos virtuais de aprendizagem. As crianças precisam ficar muito mais tempo juntas do que conectadas. Mas à medida que vão crescendo, o nível de interação a distância deve aumentar pro-gressivamente*.

A GESTÃO DE DIFERENTES ESPAÇOS NOS CURSOS PRESENCIAIS

O professor, em qualquer curso presencial, preci-sa hoje aprender a gerenciar vários espaços e a integrá-los de forma aberta, equilibrada e inovadora. O pri-meiro espaço é o de uma nova sala de aula equipada e com atividades diferentes, que se integra com a ida ao laboratório para desenvolver atividades de pesqui-sa e de domínio técnico-pedagógico. Estas atividades se ampliam e complementam a distância, nos ambien-tes virtuais de aprendizagem e se complementam com espaços e tempos de experimentação, de conheci-mento da realidade, de inserção em ambientes profis-sionais e informais.

Antes o professor só se preocupava com o aluno em sala de aula. Agora, continua com o aluno no la-boratório (organizando a pesquisa), na Internet (ati-vidades a distância) e no acompanhamento das práti-cas, dos projetos, das experiências que ligam o aluno à realidade, à sua profissão (ponto entre a teoria e a prática).

Antes o professor se restringia ao espaço da sala de aula. Agora precisa aprender a gerenciar também atividades a distância, visitas técnicas, orientação de projetos e tudo isso fazendo parte da carga horária da sua disciplina, estando visível na grade curricular, fle-

xibilizando o tempo de estada em aula e incremen-tando outros espaços e tempos de aprendizagem.

Educar com qualidade implica ter acesso e com-petência para organizar e gerenciar as atividades di-dáticas em, pelo menos, quatro espaços:

1. Uma nova sala de aulaA sala de aula será, cada vez mais, um ponto de

partida e de chegada, um espaço importante, mas que se combina com outros espaços para ampliar as pos-sibilidades de atividades de aprendizagem.

O que deve ter uma sala de aula para uma educa-ção de qualidade?

Precisa fundamentalmente de professores bem preparados, motivados, e bem remunerados e com formação pedagógica atualizada. Isso é incontestá-vel.

Precisa também de salas confortáveis, com boa acústica e tecnologias, das simples até as sofisticadas. Uma sala de aula hoje precisa ter acesso fácil ao vídeo, DVD e, no mínimo, um ponto de Internet, para aces-so a sites em tempo real pelo professor ou pelos alunos, quando necessário.

Um computador em sala com projetor multimídia são recursos necessários, embora ainda caros, para oferecer condições dignas de pesquisa e apresentação de trabalhos a professores e alunos. São poucos os cursos até agora bem equipados, mas, se queremos educação de qualidade, uma boa infra-estrutura tor-na-se cada vez mais necessária.

Um projetor multimídia com acesso à Internet permite que professores e alunos mostrem simulações virtuais, vídeos, jogos, materiais em CD, DVD, páginas “web” ao vivo. Serve como apoio ao professor, mas também para a visualização de trabalhos dos alunos, de pesquisas, de atividades realizadas no ambiente virtual de aprendizagem (um fórum previamente realizado, por exemplo). Podem ser mostrados jornais “on-line”, com notícias relacionadas com o assunto que está sendo tratado em classe. Os alunos podem contribuir com suas próprias pesquisas “on-line”. Há um campo de possibilidades didáticas até agora pouco desenvolvidas, mesmo nas salas que detêm esses equi-pamentos.

Essa infra-estrutura deve estar a serviço de mudan-ças na postura do professor, passando de ser uma “babá”, de dar tudo pronto, mastigado, para ajudá-lo, de um lado, na organização do caos informativo, na gestão das contradições dos valores e visões de mundo, enquanto, do outro lado, o professor provoca o aluno, o “desorganiza”, o desinstala, o estimula a mudanças, a não permanecer acomodado na primeira síntese.

*O artigo toma como base as experiências na implantação dos vinte por cento a distância nas Faculdades Sumaré - SP e as que acontecem na Universidade Anhembi-Morumbi e em outras instituições brasileiras.

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grupos, outras individualmente. Pesquisar às vezes na escola; outras, em outros espaços e tempos. Combinar pesquisa presencial e virtual. Comunicar os resultados da pesquisa para todos e para o professor. Relacionar os resultados, compará-los, contextualizá-los, apro-fundá-los, sintetizá-los.

Mais tarde, depois de uma primeira etapa de aprendizagem “on-line”, a volta ao presencial adquire uma outra dimensão. É um reencontro tanto intelec-tual como afetivo. Já nos conhecemos, mas fortalece-mos esses vínculos; trocamos experiências, vivências, pesquisas. Aprendemos juntos, tiramos dúvidas cole-tivas, avaliamos o processo virtual. Fazemos novos ajustes. Explicamos o que acontecerá na próxima eta-pa e motivamos os alunos para que continuem pesqui-sando, se encontrando virtualmente, contribuindo.

Os próximos encontros presenciais já trazem maiores contribuições dos alunos, dos resultados de pesquisas, de projetos, de solução de problemas, entre outras formas de avaliação.

3. A utilização de ambientes virtuais de aprendizagemOs alunos já se conhecem, já tem as informações

básicas de como pesquisar e de como utilizar os am-bientes virtuais de aprendizagem. Agora já podem iniciar a parte a distância do curso, combinando mo-mentos em sala de aula com atividades de pesquisa, comunicação e produção a distância, individuais, em pequenos grupos e todos juntos**.

O professor precisa hoje adquirir a competência da gestão dos tempos a distância combinados com o presencial. O que vale a pena fazer pela Internet que ajuda a melhorar a aprendizagem, que mantém a mo-tivação, que traz novas experiências para a classe, que enriquece o repertório do grupo.

Os ambientes virtuais aqui complementam o que fazemos em sala de aula. O professor e os alunos são “liberados” de algumas aulas presenciais e precisam aprender a gerenciar classes virtuais, a organizar ati-vidades que se encaixem em cada momento do pro-cesso e que dialoguem e complementem o que esta-mos fazendo na sala de aula e no laboratório. Começamos algumas atividades na sala de aula: infor-mações básicas de um tema, organização de grupos, explicitar os objetivos da pesquisa, tirar as dúvidas iniciais. Depois vamos para a Internet e orientamos e acompanhamos as pesquisas que os alunos realizam individualmente ou em pequenos grupos. Pedimos que os alunos coloquem os resultados em uma página, um portfólio ou que nos enviem virtualmente, depen-dendo da orientação dada. Colocamos um tema rele-

2. O espaço do laboratório conectadoUm dia todas as salas de aula estarão conectadas

às redes de comunicação instantânea. Como isso ain-da está distante, é importante que cada professor pro-grame em uma de suas primeiras aulas uma visita com os alunos ao “laboratório de informática”, a uma sala de aula com micros suficientes conectados à Internet. Nessa aula (uma ou duas) o professor pode orientá-los a fazer pesquisa na Internet, a encontrar os materiais mais significativos para a área de conhecimento que ele vai trabalhar com os alunos, a que aprendam a distinguir informações relevantes de informações sem referência. Ensinar a pesquisar na “web” ajuda muito aos alunos na realização de atividades virtuais; depois, a sentir-se seguros na pesquisa individual e grupal.

Uma outra atividade importante nesse momento é a capacitação para o uso das tecnologias necessárias para acompanhar o curso em seus momentos virtuais: conhecer a plataforma virtual, as ferramentas, como se coloca material, como se enviam atividades, como se participa num fórum, num “chat”, tirar dúvidas técnicas. Esse contato com o laboratório é fundamen-tal porque há alunos pouco familiarizados com essas novas tecnologias e para que todos tenham uma in-formação comum sobre as ferramentas, sobre como pesquisar e sobre os materiais virtuais do curso.

Tudo isto pressupõe que os professores foram ca-pacitados antes para fazer esse trabalho didático com os alunos no laboratório e nos ambientes virtuais de aprendizagem (o que muitas vezes não acontece).

Quando temos um curso parcialmente presencial podemos organizar os encontros ao vivo como pon-tuadores de momentos marcantes. Primeiro, nos en-contramos fisicamente para facilitar o conhecimento mútuo de professores e alunos. Ao vivo é muito mais fácil que a distância e confiamos mais rapidamente ao estar ao lado da pessoa como um todo, ao vê-la, ouvi-la, senti-la. Depois, é mais fácil explicar e organizar o processo de aprendizagem, esclarecer, tirar dúvidas, organizar grupos, discutir propostas. É muito mais fácil também aprender a utilizar os ambientes tecno-lógicos da educação “on-line”. Podemos ir a um labo-ratório e nivelar os alunos, os que sabem se sentam junto com os que sabem menos e todos aprendem juntos. No presencial também é mais fácil motivar os alunos, atender às demandas específicas, fazer os ajus-tes necessários no programa.

O foco do curso deve ser o desenvolvimento de pesquisa, fazer do aluno um parceiro-pesquisador. Pesquisar de todas as formas, utilizando todas as mí-dias, todas as fontes, todas as formas de interação. Pesquisar às vezes todos juntos, outras em pequenos

**É interessante o trabalho de Chrysos2 (2004).

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vante para discussão no fórum ou numa lista e procu-ramos acompanhá-la sem sermos centralizadores nem omissos. Os alunos se posicionam primeiro e, depois, fazemos alguns comentários mais gerais, incentiva-mos, reorientamos algum tema que pareça prioritário, fazemos sínteses provisórias do andamento das discus-sões ou pedimos que alguns alunos o façam.

Podemos convidar um colega, um pesquisador ou um especialista para um debate com os alunos num “chat”, realizando uma entrevista a distância, atuando como mediadores. Os alunos gostam de participar deste tipo de atividade.

Nós mesmos, professores, podemos marcar alguns tempos de atendimento semanais, se o acharmos con-veniente, para tirar dúvidas “on-line”, para atender grupos, acompanhar o que está sendo feito pelos alu-nos. Sempre que possível incentivaremos os alunos a que criem seu portfólio, seu espaço virtual de apren-dizagem próprio e que disponibilizem o acesso aos colegas, como forma de aprender colaborativamen-te.

Dependendo do número de horas virtuais, a inte-gração com o presencial é mais fácil. Um tópico dis-cutido no fórum pode ser aprofundado na volta à sala de aula, tornando mais claros os pontos de divergên-cia que havia no virtual.

Creio que há três campos importantes para as ati-vidades virtuais: o da pesquisa, o da comunicação e o da produção. Pesquisa individual de temas, experiên-cias, projetos, textos. Comunicação, realizando deba-tes “off” e “on-line” sobre esses temas e experiências pesquisados. Produção, divulgando os resultados no formato multimídia, hipertextual, “linkada” e publi-cando os resultados para os colegas e, eventualmente, para a comunidade externa ao curso9.

A Internet favorece a construção colaborativa, o trabalho conjunto entre professores e alunos, próxi-mos física ou virtualmente. Podemos participar de uma pesquisa em tempo real, de um projeto entre vários grupos, de uma investigação sobre um proble-ma de atualidade. O importante é combinar o que podemos fazer melhor em sala de aula – conhecer-nos, motivar-nos, reencontrar-nos, com o que podemos fazer a distância pela lista, fórum ou “chat” – pesqui-sar, comunicar-nos e divulgar as produções dos pro-fessores e dos alunos.

É fundamental hoje pensar o currículo de cada curso como um todo, e planejar o tempo de presença física em sala de aula e o tempo de aprendizagem virtual. A maior parte das disciplinas pode utilizar par-cialmente atividades a distância. Algumas que exigem menos laboratório ou estar juntos fisicamente podem ter uma carga maior de atividades e tempo virtuais. A flexibilização de gestão de tempo, espaços e atividades é necessária, principalmente no ensino superior ainda

tão engessado, burocratizado e confinado à monoto-nia da fala do professor num único espaço que é o da sala de aula.

4. Inserção em ambientes experimentais e profissionais (prática/teoria/prática)Os cursos de formação, os de longa duração, como

os de graduação, precisam ampliar o conceito de in-tegração de reflexão e ação, teoria e prática, sem con-finar essa integração somente ao estágio, no fim do curso. Todo o currículo pode ser pensando em inserir os alunos em ambientes próximos da realidade que ele estuda, para que possam sentir na prática o que aprendem na teoria e trazer experiências, casos, pro-jetos do cotidiano para a sala de aula. Em algumas áreas, como Administração, Engenharia, parece mais fácil e evidente essa relação, mas é importante que aconteça em todos os cursos e em todas as etapas do processo de aprendizagem, levando em consideração as peculiaridades de cada um.

Se os alunos fazem pontes entre o que aprendem intelectualmente e as situações reais, experimentais, profissionais ligadas aos seus estudos, a aprendizagem será mais significativa, viva, enriquecedora. As univer-sidades e os professores precisam organizar nos seus currículos e cursos atividades integradoras da prática com a teoria, do compreender com o vivenciar, o fazer e o refletir, de forma sistemática, presencial e virtual-mente, em todas as áreas e ao longo de todo o cur-so.

O currículo pode ser flexibilizado, segundo a Por-taria 2.253 do MEC, em 20% da carga total. Algumas disciplinas podem ser oferecidas total ou parcialmen-te a distância. O vinte por cento é uma etapa inicial de criação de cultura “on-line”. Mais tarde, cada uni-versidade irá definir qual é o ponto de equilíbrio entre o presencial e o virtual em cada área do conhecimen-to. Não podemos definir a priori uma porcentagem aplicável de forma generalizada a todas as situações. Algumas disciplinas necessitam de maior presença física, como as que utilizam laboratório, as que preci-sam de interação corporal (dança, teatro...). O impor-tante é experimentar diversas soluções para diversos cursos. Todos estamos aprendendo. Nenhuma insti-tuição está muito na frente na educação inovadora “on-line”.

Podemos começar com algumas disciplinas, apoiando os professores mais familiarizados com as tecnologias e que se dispõem a experimentar e ir criando a cultura do virtual, o conhecimento dentro de cada instituição para avançar para propostas curri-culares mais complexas, integradas e flexíveis, até en-contrar em cada área de conhecimento e em cada instituição qual é o ponto de equilíbrio entre o pre-sencial e o virtual.

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Dentro de poucos anos esta discussão do presen-cial e a distância terá muito menos importância. Ca-minhamos para uma integração dos núcleos de edu-cação a distância com os atuais núcleos ou coor- denações pedagógicas dos cursos presenciais. A maio-ria dos cursos de graduação e de pós-graduação será semipresencial e os cursos a distância terão muitas formas de aproximação presencial-virtual (maior con-tato audiovisual entre os participantes).

REORGANIZAÇÃO DOS CURRÍCULOSCom todas as cautelas e problemas que este tema

tem por trás, é importante que as universidades reor-ganizem seus currículos e projetos pedagógicos. As universidades, que têm mais autonomia, poderiam flexibilizar os currículos até chegar a uma carga horá-ria, na média, de cinqüenta por cento presencial e cinqüenta por cento a distância. Na média, significa que algumas disciplinas teriam menos atividades a distância e outras poderiam ter mais. A implantação poderia ser progressiva, para fazer uma transição pro-gressiva do totalmente presencial para o real semipre-sencial.

A idéia não é aligeirar os cursos, nem pagar menos aos professores, mas realizar um planejamento de ati-vidades muito mais racional, atraente, interessante e motivador para professores e alunos e para as institui-ções. Estar em aula vale a pena, mas durante menos tempo e com mais intensidade. Hoje aproveitamos efetivamente, em média, menos da metade do tempo nela, pela percepção que um curso é muito longo e de que muitas das informações que acontecem na sala de aula podem ser acessadas ou recuperadas em outro momento.

Estar menos tempo em sala de aula permite que haja uma maior rotatividade de alunos nos mesmos espaços, necessitando construir menos prédios e oti-mizando melhor os já existentes. Com 25 por cento de um curso feito de modo não presencial é possível organizar horários de aula de três horas diárias por turma, o que permite organizar duas turmas diferen-tes por período, duplicando o uso de cada sala. Isso, visto numa escala de muitas turmas, poderia baratear o custo final da mensalidade do aluno sem perder qualidade.

NOVOS MODELOS DE CURSOSCom a Internet podemos reorganizar o tempo de

sala de aula, o tempo de pesquisa juntos (laboratório) e o tempo de atividades a distância.

Com a evolução da comunicação audiovisual em tempo real, via tele-aula, videoconferência ou pela Internet banda larga, podemos pensar em professores atendendo a várias turmas/salas ao mesmo tempo, interagindo com elas ao vivo e organizando atividades

a distância, com ajuda de assistentes. Alguns dos mo-delos atuais de educação a distância poderiam ser introduzidos na educação presencial. O que propo-nho é introduzir no presencial muitas das soluções e tecnologias utilizadas na educação a distância ou na educação “on-line”.

Concordo que é um desafio, que há inúmeros pro-blemas nestas propostas, que podem ser utilizadas para banalizar o ensino. Sei que algumas instituições verão nestas propostas só enxugamento de custos, as-sim como muitos professores só enxergarão a dimi-nuição possível de aulas e de postos de trabalho. Mas é também verdade que até agora só tentamos paliati-vos para resolver os problemas de falta de motivação de alunos e professores no ensino presencial. As tec-nologias não são a solução mágica, mas permitem pensar em alternativas que otimizem o melhor do presencial e o melhor do virtual.

Sei também que muitas instituições não estão prontas para atender a alunos carentes e que precisam ser encontradas soluções de facilitação do acesso dos alunos ao computador e à Internet. Não podemos permanecer imobilizados, no entanto, porque educa-ção de qualidade hoje se faz com soluções inovadoras pedagógicas, gerenciais e tecnológicas.

CONCLUSÃOCom as tecnologias cada vez mais rápidas e inte-

gradas, o conceito de presença e distância se altera profundamente e as formas de ensinar e aprender também. Estamos caminhando para uma aproxima-ção sem precedentes entre os cursos presenciais (cada vez mais semipresenciais) e os a distância. Os presen-ciais terão disciplinas parcialmente a distância e outras totalmente a distância. E os mesmos professores que estão no presencial-virtual começam a atuar também na educação a distância. Teremos inúmeras possibili-dades de aprendizagem que combinarão o melhor do presencial (quando possível) com as facilidades do virtual.

Em poucos anos dificilmente teremos um curso totalmente presencial. Por isso caminhamos para mui-tas fórmulas de organização de processos de ensino-aprendizagem. Vale a pena inovar, testar, experimen-tar, porque avançaremos mais rapidamente e com segurança na busca destes novos modelos que estejam de acordo com as mudanças rápidas que experimen-tamos em todos os campos e com a necessidade de aprender continuamente.

Todas as universidades e organizações educacio-nais, em todos os níveis, precisam experimentar como integrar o presencial e o virtual, garantindo a apren-dizagem significativa. Precisamos vivenciar uma nova pedagogia da comunicação e gestão do presencial e do virtual. É importante que os núcleos de educação

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a distância das universidades saiam do seu isolamento e se aproximem dos departamentos e grupos de pro-fessores interessados em flexibilizar suas aulas, que facilitem o trânsito entre o presencial e o virtual.

ABSTRACTSuggestions of changes in classroom programs with on-line education

One of the most important tasks of schools and universities is to make their curriculums more flexible, with integrated and innovative activities for classroom instruction and distance education. The bimodal sys-tem – classroom instruction and distance education – is the most promising teaching system at different education levels, particularly at higher education. Universities should make their curriculums more fle-xible to have 50% of classroom instruction and 50% of distance education. Some areas of knowledge and disciplines could have fewer distance education acti-vities than others. Implementation of this program could be progressive, for a gradual transition from classroom instruction to partial classroom instruction. In a pedagogic view, innovative activities could be car-ried out in the classroom and in the laboratory with on-line computers, and would be combined with dis-tance activities and activities for professional and ex-perimental insertion. Teachers could take their stu-dents to the laboratory, sometimes, to promote activities of research and of mastering of technologies. These activities have broader limits when the Internet is used, which enables reduction of classroom time and continuous distance education. The courses should be organized to allow contact with reality, ex-perimentation and insertion in professional and in-formal environments in all areas studied and throu-ghout the years studied.

DESCRIPTORSEducation technology. Learning. Education, dis-

tance. Curriculum, education.

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Paulo: Avercamp; 2003.

Aceito para publicação em 12/2004

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RESUMOO presente estudo tem como objetivo analisar nos

critérios de avaliação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para a área de Odontologia as diretrizes referentes à pes-quisa e sua influência na formação do docente em Odontologia, buscando identificar os limites e as pos-sibilidades para o desenvolvimento de uma formação docente crítica e voltada para o social. Formação essa que contribua para a constituição do docente em Odontologia capaz de formar cidadãos críticos, que lutem por uma Odontologia Social. Para o desenvol-vimento desta investigação utilizamos como recurso metodológico o estudo de documentos mediante a análise de conteúdo2. A análise realizada apontou para a existência de barreiras para o desenvolvimento da formação do professor de Odontologia comprometi-da com as questões sociais e, conseqüentemente na perspectiva crítica. Isso pode ocorrer, visto que os cri-térios de avaliação da CAPES apresentam uma forte tendência produtivista, devido à valorização do afas-tamento do Estado do financiamento das pesquisas e da tendência da internacionalização. Por outro lado, pode-se encontrar nos critérios de avaliação a possibi-lidade de transpor estes obstáculos mediante a incor-poração da pesquisa educativa (pedagógica), por meio da articulação ensino e pesquisa e, assim desen-

volver competências como a crítica e a reflexão que podem contribuir para uma formação docente numa dimensão crítica.

DESCRITORESPesquisa em Odontologia. Docentes de Odonto-

logia. Educação em Odontologia.

A introdução da pesquisa na formação docente apresenta-se como elemento importante para

que o professor desenvolva competências e habili-dades que o capacitem à geração de novos conheci-mentos, de novas tecnologias e do desenvolvimento do espírito crítico e reflexivo. Nesse sentido, a pes-quisa deve ser trabalhada tanto no princípio científico quanto no educativo12-14.

No tocante à incorporação da pesquisa na forma-ção do professor de Odontologia, de uma maneira geral, essa tem sido realizada por meio da perspectiva científica. Os programas de pós-graduação stricto sen-su, local onde se dá a formação do docente em Odon-tologia, estão voltados para a pesquisa tecnológica e para a especialidade. Poucos são os programas que incluem a pesquisa educativa (pedagógica) em seus currículos17. Quando essa é incluída, muitas vezes, tem ficado restrita à disciplina de Didática de Ensino Su-perior, como se a disciplina por si só preenchesse a

A pesquisa nos critérios de avaliação da CAPES e a formação do professor de Odontologia numa dimensão crítica†

A abordagem social das pesquisas e das produções científicas e a abordagem tecnológica com enfoque para a melhoria do campo social contribuem para uma formação crítica do professor de Odontologia.

Adriana de Castro Amédée Péret*, Maria de Lourdes Rocha de Lima**

* Doutoranda pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected].

** Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

� Este estudo foi apresentado como painel científico do XII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - ENDIPE, 2004, realizado em Curitiba, Paraná.

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formação pedagógica do futuro docente.A introdução da pesquisa educativa na formação

do professor de Odontologia é um aspecto importan-te a se buscar, pois permite o desenvolvimento da crí-tica e da reflexão, competências importantes quando se deseja a formação de futuros odontólogos com en-foque crítico, reflexivo e humanístico, como é desta-cado no perfil do profissional de Odontologia preco-nizado nas Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Odontologia4 (Pa-recer CNE/CES nº 1.300, de 06/11/2001). Esse novo perfil tem sido apontado como elemento necessário para alcançar uma prática odontológica que leve à melhoria da saúde bucal da população, visto que a prática vigente tem sido ineficaz, sendo as doenças bucais problemas que afligem grande parte das pes-soas16.

Nesse sentido, torna-se importante, não só a incor-poração da pesquisa educativa na formação do pro-fessor de Odontologia, mas também que a pesquisa científica seja trabalhada para o benefício social, ou seja, que o conhecimento que gera tecnologia gere também qualidade de vida20.

Portanto, a incorporação da pesquisa educativa e o desenvolvimento da pesquisa científica com enfo-que social, são aspectos que podem colaborar para a formação do professor de Odontologia numa dimen-são crítica. Formação essa que contribui para a cons-tituição do docente em Odontologia capaz de formar cidadãos críticos, que lutem por uma Odontologia Social. Tendo em mente que os professores como in-telectuais, na concepção de Gramsci, podem ser agen-tes orgânicos “difusores de determinadas concepções do mundo, que expressam interesses e projetos das classes sociais fundamentais, promovem uma ‘refor-ma intelectual e moral’ na sociedade”21.

A partir dessa perspectiva, o estudo aqui apresen-tado buscou analisar nos critérios de avaliação da CAPES para a área de Odontologia as diretrizes refe-rentes à pesquisa e sua influência na formação do docente em Odontologia. A análise dessa política edu-cacional foi realizada visto que o currículo dos cursos de pós-graduação, que formam os docentes em Odon-tologia, são muito influenciados pelos critérios de avaliação determinados pela CAPES.

TRAJETÓRIA METODOLÓGICAPara a realização deste estudo, foi desenvolvida

uma pesquisa baseada na análise dos documentos de avaliação da CAPES que estão relacionados com a área de Odontologia. Os documentos analisados fo-

ram5,6,8:

a) quesitos, indicadores e critérios para avaliação trie-nal da grande área de Ciências da Saúde – 1998-2000;

b) quesitos, indicadores e critérios para avaliação trie-nal da grande área de Ciências da Saúde – 2001-2003;

c) documento de área/Odontologia – 1998-2000; d) critérios de avaliação/Odontologia – 1998-2000; e) documento de área/Odontologia – 2001-2003; f) critérios de avaliação/Odontologia – 2001-2003.

Para o desenvolvimento deste trabalho, foram for-muladas questões e proposições orientadoras do estu-do. Situamos a investigação nas questões referentes ao desenvolvimento da pesquisa e da tecnologia e na relação ensino e pesquisa, tendo por proposição que, a abordagem social dada à pesquisa e à geração de tecnologia, bem como a articulação ensino e pesquisa podem contribuir para a formação crítica do docente em Odontologia.

A pesquisa documental foi realizada utilizando a análise de conteúdo2. Para o desenvolvimento dessa análise, foram selecionadas categorias, para serem identificadas nos documentos, discutidas e contex-tualizadas de acordo com as questões e objetivo desta investigação. Dois tipos de categorias, classificadas como categoria pedagógica e categoria política foram utilizadas.

A categoria pedagógica, é apresentada neste tra-balho, como o conjunto de proposições que podem estar relacionadas com a visão de pesquisa como ele-mento importante para o desenvolvimento da crítica, da reflexão e da interpretação dos processos sociais de saúde bucal. Esses significados tornam-se impor-tantes para que o professor de Odontologia possa desenvolver habilidades e competências que reflitam o papel dele como agente capaz de contribuir para o desenvolvimento de uma Odontologia voltada para o campo social.

A categoria política, por sua vez, é apresentada neste estudo, como o conjunto de proposições rela-cionadas com a dimensão social das políticas educa-cionais, voltadas para a inserção social da saúde bucal. Essa dimensão torna-se importante para que a forma-ção do professor seja trabalhada considerando-se a perspectiva social. Acreditamos que essa direção pos-sibilitará o desenvolvimento de uma consciência crí-tica, capaz de levar o professor a praticar uma Odon-tologia para as maiorias sociais e construtora de uma práxis política.

Com efeito, as categorias pedagógica e política

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foram utilizadas, como parâmetro para avaliar a for-mação docente. Assim, procuramos identificar o tipo de modelo odontológico que vem sendo fortalecido: se é o tradicional, que visa à acumulação de conheci-mentos e tecnologia, ou o crítico, que implica o com-promisso ético com a saúde coletiva da população brasileira.

A PESQUISA NOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DA CAPES PARA OS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA

Com relação ao enfoque dado à produção cientí-fica e tecnológica, encontramos nos documentos es-tudados alguns aspectos que podem afastar a perspec-tiva social da pesquisa e da tecnologia, são eles: a tendência do Estado para afastar-se do financiamento das pesquisas e a tendência da internacionalização. Isso pode levar o conhecimento científico e a tecno-logia gerada pelas pesquisas desenvolvidas na pós-gra-duação stricto sensu na área odontológica não serem desenvolvidos para a melhoria da qualidade de vida.

Em relação à tendência do afastamento do Estado do financiamento das pesquisas, pudemos observá-la nos critérios referentes à atividade de pesquisa quan-do, então, é valorizada a captação de recursos finan-ceiros de outras fontes nacionais e internacionais. A diversificação da fonte de financiamento abre espaço para que o setor privado financie as pesquisas. Isso pode pôr em risco a autonomia universitária no que tange ao tipo e ao sentido das pesquisas desenvolvidas, podendo elas se voltarem para o interesse privado das indústrias nacionais e internacionais e do mercado. Para Chauí9 (2001), a submissão aos padrões neolibe-rais, que vem ocorrendo com o afastamento do Estado da responsabilidade pela pesquisa nas instituições pú-blicas, subordina a geração de conhecimentos à lógi-ca do mercado. Essa lógica, por sua vez, implica au-sência do princípio democrático de autonomia e liberdade no que se refere à responsabilidade da uti-lização dos resultados científicos, pois a pesquisa não é determinada pelos pesquisadores nem pelo poder público, e sim pelo mercado. Entretanto, é importan-te relatar que a lógica do mercado já vem pautando a pesquisa odontológica, mesmo quando essa recebe financiamento público. Isso pode ser observado no estudo desenvolvido por Cormack, Silva Filho11 (2000) sobre os trabalhos apresentados na XIV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontoló-gica (SBPqO) em 1997. Esses autores, após analisa-rem os anais desse evento, constataram que a maioria

dos trabalhos recebeu financiamento público e, mes-mo assim, poucos trabalhos apresentaram a temática social. A maioria deles privilegiava o estudo de desen-volvimento de materiais odontológicos que, muitas vezes acabaram beneficiando as indústrias.

A lógica empresarial que vem sendo incorporada na pesquisa, além de afastá-la do campo social também tem levado à valorização da quantidade em detrimen-to da qualidade das pesquisas. Nesse sentido, Coêlho10 (2003) ressalta que a lógica empresarial pela qual vêm se pautando os critérios de avaliação tem levado ao culto da quantidade de produção intelectual em de-trimento da autonomia e da qualidade, ou seja, o tra-balho intelectual tem sido desenvolvido com visão reducionista. A perspectiva de quantidade, segundo Santos19 (1996), pode incidir-se na avaliação de pro-dutos mais facilmente mensuráveis, “como a produ-ção de conhecimentos científicos (medida pelo nú-mero de publicações) em detrimento da formação do caráter dos estudantes”.

Outro aspecto que merece ser analisado é a ten-dência para a internacionalização, expressa nos crité-rios de avaliação. Nesse sentido, valorizam-se o inter-câmbio do desenvolvimento de projetos de pesquisa com centros de excelência do exterior, a apresentação de trabalhos em eventos internacionais, a publicação de artigos em revistas Qualis A ou B internacional, a necessidade de os resultados das teses e dissertações serem publicados em revistas nacionais ou internacio-nais Qualis A ou B.

Tudo isso nos leva a refletir a respeito da direção dada ao conhecimento científico e tecnológico gera-do pelas pesquisas, pois o enfoque regional e local delas pode estar sendo afastado e, conseqüentemente, o desenvolvimento de estudos voltados para proble-mas brasileiros. Preocupa-nos, ainda, se essa interna-cionalização tem ocorrido para a realização de estudos para o desenvolvimento de técnicas e materiais odon-tológicos reproduzindo o interesse das grandes indús-trias internacionais que não condizem com a necessi-dade brasileira.

Além desses aspectos apresentados que podem afastar a perspectiva social da pesquisa científica e assim dificultar o desenvolvimento de uma dimensão crítica na formação do professor de Odontologia, há outro ponto que pode reforçar essa tendência. Nos critérios de avaliação é enfatizada a necessidade das linhas de pesquisa manterem coerência com a tradi-ção acadêmica e/ou profissional da área de conheci-mento. O ensino e a prática odontológica têm sido marcados pelo modelo flexneriano, com ênfase ao

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nicistas, mas para o aproveitamento do desenvolvi-mento científico e tecnológico em prol das maiorias sociais. Este é um ponto importante. A propósito, se-gundo Sobrinho22 (2003), a avaliação deve não só ob-servar se a universidade é útil ao desenvolvimento da indústria e da vida econômica, mas, principalmente, se a instituição pratica a justiça social.

Além desse aspecto encontrado que pode possibi-litar o desenvolvimento da pesquisa pedagógica, há também nos documentos analisados outro eixo que permite que ela seja trabalhada no princípio educati-vo: a articulação do ensino com a pesquisa.

A articulação dessas funções educacionais, de acor-do com André1 (2001), permite o desenvolvimento da crítica e da reflexão. A busca do desenvolvimento des-sas competências por meio dessa articulação, como já mencionamos anteriormente, é um importante fator para formação do professor de Odontologia pois, elas contribuem para a introdução de uma perspectiva pedagógica na formação desse docente. A falta de uma formação pedagógica vem marcando a formação des-se professor ao longo da história da Odontologia. Isso pode ser observado desde os cursos pioneiros de Odontologia. Nesses, os professores eram os profissio-nais bem-sucedidos e disponíveis para ensinar17. Hoje, apesar da formação se estruturar a partir de um curso de pós-graduação, ainda persiste a falta da perspectiva pedagógica, ficando a formação do docente em Odon-tologia voltada para as especificidades da profissão. Isso pode ser confirmado no relatório do seminário “Pós-graduação: enfrentando novos desafios” promo-vido pela CAPES7, que conclui que nos “programas de pós-graduação em Odontologia, ainda persiste a idéia de fragmentação do conhecimento com a proposta de novos programas em áreas específicas, principal-mente em novas especialidades”. Aponta, ainda, esse relatório, a necessidade de fortalecer a formação aca-dêmica nesses programas.

Nos documentos analisados, observamos a existên-cia de alguns critérios que favorecem a articulação do ensino e da pesquisa. Nesse sentido, apontamos: a valorização da atuação dos docentes em atividade de ensino e pesquisa, a integração da graduação com a pós-graduação, o desenvolvimento de projetos de pes-quisa interinstitucional e a inclusão da formação aca-dêmica.

Partindo, então, de todos esses aspectos levanta-dos, podemos, assim, buscar a contribuição dessa in-tegração para propiciar uma formação crítica do pro-fessor de Odontologia, conforme a proposição deste estudo: a articulação entre o ensino e a pesquisa con-

tecnicismo e na valorização de tecnologias, sem se preocupar com o benefício social gerado pela pesqui-sa15. Portanto, essa coerência deve ser vista com cau-tela, pois poderá impedir o desenvolvimento de outros modelos com ênfase no campo social. Historicamen-te, a Odontologia tem sido desenvolvida desconectada das questões sociais e, as pesquisas odontológicas tam-bém têm acompanhado o perfil tecnicista e biologi-cista da profissão. Esse enfoque tecnicista da produção de conhecimento foi constatado por Cormack, Silva Filho11 (2000), quando analisaram o perfil dos traba-lhos contidos nos anais da XIV Reunião Anual da SBPqO em 1997. Os autores observaram que 88,3% dos 382 trabalhos apresentados relacionavam-se com áreas biológicas, com desenvolvimento de materiais e técnicas odontológicas, e poucos eram os que se rela-cionavam com a área social. Esse achado foi apresen-tado pelos autores como um alerta para a necessidade da inserção da temática social nos trabalhos científicos comprometidos com a melhoria das condições de saú-de bucal da população. Essa mesma tendência é veri-ficada nos trabalhos apresentados na XX Reunião Anual da SBPqO18, realizada em 2003, pois dos 1.905 trabalhos apresentados, apenas 21 foram catalogados como pesquisa de ação coletiva.

Partindo desses pressupostos, existe, então, o risco de não podermos trabalhar a pesquisa e a tecnologia de acordo com a proposição deste estudo, ou seja, a abordagem social dada à pesquisa e à geração de tec-nologia pode contribuir para a formação crítica do professor de Odontologia.

Apesar da pesquisa estar sendo enfocada para a perspectiva cientificista afastada do campo social, há nos critérios de avaliação um importante aspecto que deve ser destacado que pode transpor essa tendência. Embora os critérios de avaliação apresentem eixos que favoreçam a produção de pesquisas com enfoque téc-nico, há outros pontos com esses critérios que podem ser analisados na perspectiva do desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico voltados para a qualidade de vida e não apenas para o tecnicismo. Com efeito, nos critérios relacionados às atividades de formação, consta que se devem incluir disciplinas e atividades de formação tanto científica como didático-pedagógica. A formação, como se vê, não está vincu-lada apenas à perspectiva científica. O enfoque peda-gógico possibilitará desenvolver competências que dêem, ao futuro mestre, condições para o desenvolvi-mento da crítica e da reflexão. Essas competências são importantes para que a formação voltada para os avan-ços da área possa ser trabalhada não só para fins tec-

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tribui para a formação crítica do professor de Odon-tologia.

CONSIDERAÇÕES FINAISOs cursos de pós-graduação, local onde se dá a

formação do professor de Odontologia, recebem for-te influência dos critérios de avaliação propostos pela CAPES. O modelo de avaliação proposto, apresenta-se, então, como um fator de extrema importância na definição do modelo de formação do docente em Odontologia.

Nesse sentido, é oportuno relembrar que o mode-lo de avaliação coloca-se a serviço de um pretendido modelo de educação. Por sua vez, um modelo de edu-cação serve a uma concepção da sociedade. Assim, todo segmento hegemônico de uma sociedade e de um Estado cria instrumentos adequados para manter sua ideologia22. Na atualidade, o modelo de sociedade está fundamentado no ideário neoliberal, sob a lógica da eficiência, da produtividade, ou seja, do mercado. Esta lógica é a que tem fundamentado o modelo de avaliação.

Dentro da perspectiva neoliberal, o Estado tem se afastado cada vez mais das políticas públicas, e no caso da educação superior vem reduzindo o financiamen-to para as universidades. Isto tem ocorrido apesar da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/963 contemplar que a União deve prover os recursos para as universidades. Além disso, também tem sido estimulada a diversifi-cação de fontes de financiamento, tendência que en-contra-se em consonância com as diretrizes do Banco Mundial para a educação superior23,24. Desta forma, o setor privado tem financiado essas instituições e dire-cionado as atividades nelas para o interesse do mer-cado.

Nos critérios de avaliação da CAPES para os pro-gramas de pós-graduação em Odontologia, podemos encontrar de forma marcante a valorização da busca de outras fontes de financiamento. Como conseqüên-cia, a lógica do processo de avaliação proposto, tem se pautado, também, no interesse do mercado. Nesse sentido, as pesquisas têm sido desenvolvidas descom-prometidas com as questões sociais. Além disso, ocor-re também a valorização da produção de conhecimen-tos científicos medida pelo número de publicações em detrimento da formação do caráter dos estudan-tes, conforme aponta Santos20 (1987).

Partindo desses pressupostos, existe, então, o risco de não podermos trabalhar a pesquisa e a tecnologia de acordo com a proposição deste estudo, ou seja, a abordagem social dada à pesquisa e à geração de tec-

nologia pode contribuir para a formação crítica do professor de Odontologia.

Nesse sentido, os critérios de avaliação da CAPES podem impor barreiras para o desenvolvimento de uma formação docente comprometida com as ques-tões sociais e numa dimensão crítica. Ressaltamos, no entanto, a existência da possibilidade de transpor es-ses obstáculos mediante a possibilidade da articulação do ensino com a pesquisa em prover o desenvolvimen-to do espírito crítico e reflexivo do docente em Odon-tologia. O desenvolvimento da crítica e da reflexão por meio da articulação do ensino e pesquisa, torna-se importante para que o professor de Odontologia de-senvolva habilidades e competências que o levem a refletir o seu papel como agente capaz de contribuir para o desenvolvimento de uma Odontologia voltada para o campo social, como aponto na categoria peda-gógica deste estudo.

Como pudemos apresentar, a análise dos docu-mentos estudados aponta para a existência de barrei-ras para o desenvolvimento da formação do professor de Odontologia comprometida com as questões so-ciais e, conseqüentemente na perspectiva crítica. Isso pode ocorrer, visto que a pós-graduação tem sido in-fluenciada pelo modelo produtivista de avaliação. Ressaltamos, no entanto, a existência da possibilidade de transpor estes obstáculos mediante a incorporação da pesquisa educativa (pedagógica), por meio da ar-ticulação entre ensino e pesquisa.

ABSTRACTResearch of the CAPES evaluation criteria and the dental faculty formation in a critical dimension

This study was designed to analyze among the CAPES (Coordination of Improvement of Personnel of Superior Level) evaluation criteria the directives concerning research and their influence on the den-tal faculty formation, aiming at identifying the limits and possibilities for the formation of critical faculty members. This formation may contribute to the cre-ation of faculty members capable of educating critical citizens interested in the social aspects of dentistry. To achieve these objectives, a content analysis was carried out2. The analysis showed obstacles for the formation of a dental faculty committed to the social aspects of dentistry, and, consequently, with a critical perspec-tive. This occurred because there is a tendency towards productivism in the CAPES evaluation criteria, related to reduced research financed by the government and internationalization tendencies. On the other hand, some of the CAPES evaluation criteria can be modified

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in order to overcome these obstacles through the in-corporation of educational (pedagogical) research, and the combination of research and teaching.

DESCRIPTORSDental research. Faculty, dental. Education, den-

tal.

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Aceito para publicação em 12/2004

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A principal inovação das últimas décadas na área da Educação foi a criação, a implantação e o aper-

feiçoamento de uma nova geração de sistemas de edu-cação a distância, que começaram a abrir possibilida-des de se promover oportunidades educacionais para grandes contingentes populacionais não mais tão so-mente a partir de critérios quantitativos, mas princi-palmente a partir de noções de qualidade9, flexibili-dade, liberdade e crítica.

Os primeiros modelos dessa nova geração se de-senvolveram simultaneamente em muitos lugares, mas de forma muito exitosa na Inglaterra, na década de 1970, por isso essa iniciativa passou a ser referência mundial. Mais de dois milhões de pessoas até hoje já estudaram na Open University, sendo que atualmen-te estão matriculados cerca de 160 mil alunos regula-res, com 40 mil alunos em cursos de pós-graduação, e 60 mil em cursos extracurriculares. Êxito similar alcançaram também as universidades abertas da Espa-nha e da Venezuela, que oferecem igual número de cursos e atendem a maior número de alunos.

Além da democratização, a educação a distância apresenta notáveis vantagens sob o ponto de vista da eficiência e qualidade, mesmo quando há grandes volumes de alunos ou se observa, em prazos curtos, o crescimento vertiginoso da demanda por matrículas, um calcanhar de Aquiles do ensino presencial.

A educação a distância é voltada especialmente (mas não tão somente) para adultos que, em geral, já estão no mundo do trabalho e não dispõem de tempo suficiente para estudar, a fim de completar sua forma-ção básica ou mesmo fazer um novo curso. Esse tipo de aluno, tendo em mãos um material didático de alta

qualidade, pode estudar do princípio ao fim toda a matéria de cada programa, realizando sucessivas auto-avaliações, até sentir-se em condições de se apresentar para exames de proficiência.

Para maximizar as vantagens da educação a distân-cia, há necessidade de utilizar-se um arsenal específi-co (meios de comunicação, técnicas de ensino, meto-dologias de aprendizagem, processos de tutoria etc.), obedecendo a certos princípios básicos de qualidade. Sua clientela tende a ser não convencional, incluindo adultos que trabalham; pessoas que, por vários moti-vos, não podem deixar a casa; pessoas com deficiências físicas e populações de áreas de povoamento disperso ou que, simplesmente, se encontram distantes de ins-tituições de ensino.

UM POUCO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Provavelmente a primeira notícia que se registrou da introdução desse novo método de ensinar a distân-cia foi o anúncio das aulas por correspondência mi-nistradas por Caleb Philips (20 de março de 1728, na Gazzete de Boston, EUA), que enviava suas lições to-das as semanas para os alunos inscritos. Depois, em 1840, na Grã-Bretanha, Isaac Pitman oferece um cur-so de taquigrafia por correspondência. Em 1880, o Skerry’s College oferece cursos preparatórios para concursos públicos. Em 1884, o Foulkes Lynch Cor-respondence Tuition Service oferece cursos de con-tabilidade. Novamente nos EUA, em 1891, aparece a oferta de curso sobre segurança de minas, organizado por Thomas J. Foster. Em meados do século XIX as Universidades de Oxford e Cambridge, na Grã-Breta-

Modalidades educativas e novas demandas por educação�

A educação a distância apresenta notáveis vantagens sob o ponto de vista da eficiência e qualidade.

Ivônio Barros Nunes*

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional. E-mail: [email protected].

�Editado por José Luiz Lage-Marques.

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nha, oferecem cursos de extensão. Depois vieram a Universidade de Chicago e Wisconsin. Em 1924, Fritz Reinhadt cria a Escola Alemã por Correspondência de Negócios6. Em 1910, a Universidade de Queens-land, na Austrália, inicia programas de ensino por correspondência. Logo em 1928, a British Broadcas-ting Corporation (BBC) começa a promover cursos para educação de adultos usando o rádio. Essa tecno-logia de comunicação é usada em vários países com os mesmos propósitos, inclusive, desde a década de 1930, no Brasil.

Do início do século XX até a Segunda Guerra Mundial, várias experiências foram adotadas desen-volvendo-se melhor as metodologias aplicadas ao en-sino por correspondência que, depois, foram forte-mente influenciadas pela introdução de novos meios de comunicação de massa14.

A necessidade de capacitação rápida de recrutas norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial faz aparecerem novos métodos (entre eles se destacam as experiências de Fred Keller para o ensino da recep-ção do Código Morse10) que logo foram utilizados, em tempos de paz, para a integração social dos atingidos pela guerra e para o desenvolvimento de capacidades laborais novas nas populações que migram em grande quantidade do campo para as cidades na Europa em reconstrução.

Mas, o verdadeiro impulso se dá a partir de meados dos anos 60 com a institucionalização de várias ações nos campos da educação secundária e superior, co-meçando pela Europa (França e Inglaterra) e se ex-pandindo aos demais continentes15. Programas não-formais de ensino têm sido utilizados em larga escala para adultos nas áreas de Saúde, Agricultura e Previ-dência Social, tanto pela iniciativa privada como pela governamental. Hoje é crescente o número de insti-tuições e empresas que desenvolvem programas de treinamento de recursos humanos através da modali-dade da educação a distância. Na Europa, de forma acelerada se investe em educação a distância para o treinamento de pessoal na área financeira e demais áreas do Setor de Serviços, representando esse inves-timento em treinamento maior produtividade e redu-ção de custos na ponta13.

NO BRASIL TAMBÉM TEM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

No Brasil, em 1923, foi criada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, “por um grupo liderado por Hen-rique Morize e Roquete Pinto”1, um dos objetivos cen-trais da emissora era promover a educação pelo rádio.

Em 1937 foi criado o Serviço de Radiodifusão Educa-tiva do Ministério da Educação.

Desde a fundação do Instituto Rádio-Técnico Mo-nitor, em 1939, e depois do Instituto Universal Brasi-leiro, em 1941, várias experiências foram levadas a termo com relativo sucesso8. Porém, por muitos anos as empresas que promoveram cursos por correspon-dência (além das duas anteriormente citadas também se destacaram: Escolas por Correspondência Dom Bosco, Cursos Guanabara de Ensino Livre, Escola Mundial de Cultura Técnica, e Escolas Internacio-nais) foram as únicas oportunidades de ensino de muitos habitantes do interior do país.

Em 1946, “o SENAC – Serviço Nacional de Apren-dizagem Comercial – iniciou em 1946 suas atividades e desenvolveu, no Rio de Janeiro e São Paulo, a Uni-versidade do Ar, que em 1950 já atingia 318 localida-des”1.

MEBJá em 1958, a diocese de Natal, tendo como refe-

rência a experiência da Rádio Sutatenza, da Colôm-bia, deu início a experiências de educação popular com a utilização do rádio, organizando o Serviço de Assistência Rural (SAR), que, depois, se transformou no nascedouro do Movimento de Educação de Base21 (MEB). Em 1959, a diocese de Aracaju firmou convê-nio com o Sistema de Rádio Educativo Nacional (SI-RENA), do Ministério da Educação e Cultura, para estabelecer um sistema de rádio educativo regional. Em fins de 1960 essa experiência foi avaliada no 1º Encontro de Educação de Base, realizado em Aracaju, e no ano seguinte a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil firmou um acordo com a Presidência da República, que deu condições financeiras para a ope-racionalização e instituição do MEB, que organizou as escolas radiofônicas no Nordeste, Norte e Centro-Oeste do País3. Essa experiência foi uma das mais ricas que se tem notícia no Brasil. Envolveu o uso de meto-dologias de educação por rádio, preparação de mate-riais impressos e, principalmente, a mobilização de animadores culturais e educativos, realização de en-contros, congressos, festas populares e assessorias di-versas.

Após o Golpe Militar de 1964, o MEB sofreu dura repressão e a experiência de educação popular foi interrompida. O MEB existe até hoje, mas jamais con-seguiu recuperar a paixão educativa e a motivação política daqueles primeiros anos da década de 1960. Muitos de seus dirigentes e animadores culturais fo-

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de Moral e Cívica, além de uma série de programas de informação e atualização4.

SENAIO Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

(SENAI), de São Paulo, criou experimentalmente em 1978, com operação regular a partir de 1980, o pro-grama Auto-Instrução com Monitoria (AIM), caracte-rizando-o como “um esquema operacional de ensino a distância, que envolve uma série de programações auto-instrutivas”18. Desde então, mantém um curso de Leitura e Interpretação de Desenho Técnico Mecâni-co, cursos de Matemática Básica e cursos de Eletrôni-ca, estando em fase de preparação cursos de Tecno-logia Mecânica, Usinagem, Elementos de Máquinas, Resistência dos Materiais, Eletrotécnica Básica e For-mação de Microempresários. A partir dessa experiên-cia, o SENAI tem ampliado sua base geográfica de ação e, com as novas perspectivas abertas com a regulamen-tação do ensino técnico a distância, certamente irá multiplicar esses esforços, diversificando seus cursos e parceiros.

CETEBA Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) desen-

volveu, a partir de 1975, o Projeto ACESSO, com a finalidade de proporcionar a escolarização em nível de 1º e 2º graus a seus funcionários e de oferecer pro-fissionalização específica para a área de petróleo. Esse projeto foi desenvolvido pelo Centro de Ensino Téc-nico de Brasília (CETEB), que desenvolveu a metodo-logia, elaborou os módulos e tem acompanhado todo o processo de implantação e desenvolvimento dos cursos. Para uma clientela adulta, na faixa de 20 a 40 anos de idade, com interrupção de estudos há mais de cinco anos, foi levado um curso de educação geral, de acordo com os currículos do ensino supletivo, e profissionalização específica para a indústria petrolí-fera.

Entre 1989 e 1996, em Brasília, esteve em gestão a primeira fase do Instituto Nacional de Educação a Distância (INED), uma organização não governamen-tal dedicada à pesquisa e à difusão de conhecimentos na área de educação a distância. Essa entidade editou e publicou a segunda revista brasileira exclusivamen-te dedicada ao tema da educação a distância (a pri-meira provavelmente é a revista Tecnologia Educacio-nal, até hoje publicada pela Associação Brasileira de Tecnologia Educacional - ABT). Além disso, foi res-ponsável pela elaboração e acompanhamento de um curso sobre a elaboração das leis orgânicas munici-

ram perseguidos, vários foram obrigados a deixar o país.

FEPLAMA Fundação Educacional e Cultural Padre Landell

de Moura (FEPLAM), de Porto Alegre, foi criada em 1967 e tem origem no desenvolvimento dos movimen-tos de educação não-formal da América Latina, onde também se inscrevia o MEB, “que buscavam melhorar as condições de vida das populações carentes”11. “O início da FEPLAM foi através de programas de rádio (Colégio do Ar) e a série Aprenda pela TV (cursos profissionalizantes). As bases comunitárias são o pon-to de partida e chegada da sua prática educacional”11. Suas áreas de atuação são: Educação Geral, Educação Cívico-Social, Educação Rural e Iniciação Profissio-nal.

Até o início dos anos 90, na área de Educação Ge-ral, onde há cursos de alfabetização, educação básica, pré-escola e educação supletiva, a FEPLAM já havia beneficiado 110.703 alunos. Na área de Educação Cí-vico-Social, com programas de educação comunitária e de reforço de currículos escolares, outras 53.000 pessoas foram beneficiadas. Já na área de Educação Rural, composta de cursos de capacitação rural e ou-tros de cunho informativo, já haviam recebido cursos da FEPLAM, 391.509 agricultores, com uma média de 16.313 por ano. Além disso, a entidade mantém cursos no campo da Iniciação Profissional (mecânica de au-tomóveis, consertos de aparelhos eletrodomésticos, programação de computadores etc.) e na área de Saú-de.

Projeto MinervaEm outubro de 1970, o governo federal, através de

um acordo entre o Ministério da Educação e o Minis-tério das Comunicações, iniciou o Projeto Minerva com o objetivo de “propor uma alternativa ao sistema tradicional de ensino como formação suplementária à educação continuada”2. A Fundação Padre Landell de Moura preparou os materiais do curso de Capaci-tação ao Ginasial (100 aulas: Português, 30; História, 15; Geografia, 15; Ciências, 10, entre outras). O curso de Madureza Ginasial era composto de 450 aulas, sen-do precedido de um curso preparatório de 50 aulas. O curso de Moral e Civismo era formado de 15 pro-gramas de 15 minutos cada, e o Curso Primário Dinâ-mico, elaborado pela Fundação Padre Anchieta, foi organizado com 72 aulas de Linguagem, 72 aulas de Matemática, 72 aulas sobre Trabalho, 36 de Ciências, 36 de Estudos Sociais, 36 de Educação Sanitária e 36

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pais, com mais de 200.000 participantes, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Rea-lizou um curso sobre cidadania para o Instituto Bra-sileiro de Análises Sociais e Econômicas (Educação para a Cidadania) e desenvolveu uma série de estudos visando a implantação de programas de educação a distância para a Escola de Administração Fazendária (ESAF) e a Prefeitura de Curitiba, entre outros. Atualmente o INED, agora denominado Instituto Na-cional de Educação para o Desenvolvimento, se orga-niza para desenvolver programas variados de educa-ção a distância e de pesquisa em novas tecnologias para a educação e para o desenvolvimento sustentável com foco nas relações sociais, econômicas e políticas das comunidades locais.

A Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC) desenvolveu, em 1990 e 1991, com o apoio do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), o Curso de Matemática por Cor-respondência, dirigido a professores de 1º grau. O curso foi veiculado pelo Jornal do Professor, editado pelo INEP.

O Centro de Ensino Tecnológico de Brasília (CE-TEB), unidade da Fundação Brasileira de Educação (FUBRAE), desde 1973 tem desenvolvido projetos de educação semidireta, notadamente para a formação e aperfeiçoamento de professores em serviço. Foi res-ponsável pela execução do Projeto LOGOS II17, do Ministério da Educação, para a qualificação de pro-fessores leigos, iniciado em 1976 em 19 estados brasi-leiros. Esse programa de formação de professores foi organizado com base em materiais impressos (módu-los) entregues aos professores (alunos), que recebiam supervisão de um orientador de aprendizagem local e podiam tirar dúvidas também através de cartas, te-lefonemas ou diretamente, quando recebiam as visitas de professores do CETEB. A partir de 1982 esse curso foi operacionalizado de forma descentralizada, caben-do a cada estado definir o modo de execução do mes-mo. Em 1977, o CETEB firmou convênio com o Ser-viço Nacional de Formação Profissional Rural (SENAR), para a operacionalização do Curso de Aper-feiçoamento a Distância para Instrutores de Formação Profissional Rural, destinado especialmente a funcio-nários de empresas públicas estaduais de extensão e assistência técnica rural. Na República de Moçambi-que, em 1993, o CETEB iniciou um programa de con-sultoria e apoio técnico para a criação do Núcleo de Educação a Distância do Ministério da Educação da-quele país africano7. Outra entidade da mesma FU-BRAE, o Centro Educacional de Niterói (CEN), tam-

bém teve atuação pioneira. Entre 1983 e 1987 foi o responsável pela elaboração e execução de um pro-grama de educação a distância para a especialização e aperfeiçoamento de professores da Secretaria de Educação do Estado de Goiás22.

ABEASA Associação Brasileira de Educação Agrícola Su-

perior (ABEAS) é uma das pioneiras de programas de formação superior a distância. Mantém desde 1982 um Curso de Especialização por Tutoria à Distância (pós-graduação lato sensu), provavelmente o primeiro curso a distância em nível produzido no Brasil. Esse programa contou inicialmente com o apoio experi-mental da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal do Ensino Superior (CAPES), do Ministério da Educação, sendo avaliado como de excelente qualida-de e indicada sua continuidade.

ABTAinda neste campo, é importante fazer referência

às ações promovidas pela Associação Brasileira de Tec-nologia Educacional (ABT) que, a partir de 1980, iniciou o Programa de Aperfeiçoamento do Magisté-rio de 1º e 3º graus a distância, integrado por cursos nas áreas de Alfabetização, Metodologia Geral, Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Sociais e Ciências Físicas e Biológicas, para docentes que atuam no 1º grau e o Curso de Especialização em Tecnologia Edu-cacional Tutoria a Distância, para aqueles que desen-volvem atividades no 3º grau. A ABT foi criada em 1971 e, desde então, promove anualmente um impor-tante seminário de tecnologia educacional, que reúne profissionais da área de Educação a Distância de todo o país, e mantém a publicação periódica da revista Tecnologia Educacional, o mais importante periódico técnico da área. O Programa de Pós-Graduação Tuto-rial a Distância (POSGRAD), desenvolvimento, entre 1979 e 1983, como projeto piloto da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CA-PES), do Ministério da Educação, foi operacionaliza-do pela ABT. A partir do final dos anos 1980 a ABT começou a enfrentar problemas de ordem financeira e também técnica, que reduziram muito sua atuação. Novos projetos e novos apoios estão sinalizando que a ABT poderá retormar sua importância no cenário da educação no Brasil.

CearáA Fundação de Teleducação do Ceará (FUN-

TELC), também conhecida como TVE do Ceará, cria-

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da no processo de implantação das televisões educa-tivas na década de 1970, se distinguiu das demais por preservar um projeto de educação a distância como elemento central da instituição. Desde 1974 essa ins-tituição, seguindo o modelo da Televisão Educativa do Maranhão, vem desenvolvendo ensino regular de 5ª à 8ª séries do 1º grau, com a implantação de teles-salas em grande parte dos municípios do estado e caminha para atingir a marca de 100.000 alunos regu-lares em seu sistema. No ano de sua implantação con-tava com 4.139 telealunos, na 5ª e 6ª séries, distribuídos em 8 municípios. Em 1992 já contava com 60.822 te-lealunos cursando da 5ª à 8ª séries, distribuídos em 94 municípios, 400 distritos, 725 escolas e 2.300 telessa-las. Em 1993, a matrícula passou a 102.170 alunos, atingindo 150 municípios.

“A proposta político-pedagógica do Sistema de Teleducação, embora tenha surgido em pleno regime militar, se propôs a romper com os mecanismos auto-ritários e tecnicistas que imperavam à época, lançar-se como uma modalidade de educação voltada para o humanismo pedagógico, capaz de superar o parcela-mento do saber e corrigir as falhas do individualismo e do academicismo. Foi gerado um método de ensino nascido das sérias discussões, estudos e debates de renomado e competente grupo de educadores, que buscou a melhor utilização possível de um sistema de multimeios e a mais interessante aplicação da televi-são, tomada como elemento essencial, como veículo de democratização do saber.”12

UnBUma das primeiras experiências universitárias de

educação a distância no Brasil foi iniciada pela Uni-versidade de Brasília (UnB) em meados da década de 1970. Na época, motivada pelo sucesso da iniciativa britânica, com a Open University, a UnB pretendia ser a Universidade Aberta do Brasil. Adquiriu todos os direitos de tradução e publicação dos materiais daquela universidade e começou a produzir também alguns cursos, na área de Ciência Política.

Apesar do pioneirismo da UnB, esta não logrou constitutir-se na primeira universidade aberta brasi-leira, como se pretendia à época, principalmente por-que o discurso de sua direção se apresentou muito inadequado e fora de contexto já que apresentava a educação a distância como substituto da educação presencial e um meio de resolver os conflitos políticos existentes à época. Se difundia a educação superior a distância como a possibilidade de se alcançar a tran-

qüilidade da vida universitária em instituições sem alunos rebeldes e professores contestadores.

Esse e outros fatores de ordem interna e âmbito conjuntural fizeram com que se manifestassem inú-meros focos de resistência, que acabaram por inviabi-lizar a implantação do projeto, apesar do sucesso de alguns cursos que se organizaram àquela época, entre eles o Pensamento Político Brasileiro.

É importante destacar, à luz desse exemplo, que quando se pretende desenvolver um programa de educação a distância em uma instituição presencial, não se pode conduzi-lo em conflito com a cultura existente, ao contrário, deve-se procurar estabelecer sintonias, procurando criar mecanismos de coopera-ção e convívio entre as duas modalidades de ensino, possibilitando, com isso, que a educação a distância possa, inclusive, contribuir para melhorar os proces-sos de ensino presenciais, adotando, no mínimo, os materiais produzidos pela educação a distância, como acontece em várias outras universidades a exemplo da Universidade Autônoma de Honduras, que tem um centro de educação a distância dentro da universida-de presencial e cujos materiais são amplamente utili-zados nas disciplinas presenciais.

MECA Fundação Roquette Pinto (TVE-RJ) produziu no

final da década de 1980 e início da de 1990 uma série de programas de televisão para o aperfeiçoamento de professores em serviço, provavelmente essa programa-ção inspirou o Ministério da Educação, em 1991, a desenvolver o Projeto Piloto de Utilização do Satélite na Educação, “para a capacitação de recursos huma-nos, envolvendo 600 cursistas (docentes e alunos da 3ª série dos cursos de magistério) de seis estados bra-sileiros, através da veiculação de programas educativos de televisão, via satélite, com recepção organizada em telepostos, e a utilização de televisor, fax, canal de voz, complementados por material impresso de apoio. O programa teve o nome de ‘Jornal da Educação: Edição do Professor’, obteve 96% de aprovação dos cursis-tas”5. No ano seguinte, tendo sido avaliada como ex-tremamente positiva a experiência desse projeto-pilo-to, foi criado o programa Um Salto para o Futuro, como um programa de capacitação e atualização de professores em serviço, utilizando prioritariamente a televisão como meio de comunicação e transmissão de conhecimentos. Um grande mérito do programa Um Salto para o Futuro, para os padrões brasileiros, é sua permanência. Por estar no ar há mais de uma década, teve a chance de ir melhorando, criando vín-

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culos com a comunidade docente e servindo de cam-po para a experimentação.

CuritibaEm 1994, a Secretaria da Educação da Prefeitura

de Curitiba iniciou a montagem de uma equipe de educação a distância em sua Gerência de Capacitação. No ano seguinte, em 1995, começaram a ser capacita-das as integrantes da equipe e em 1996 o projeto es-tava suficientemente amadurecido e com o primeiro produto concluído. Essa experiência foi batizada como Programa de Educação a Distância – Curitiba: Lições de Modernidade e Cidadania. O curso, Alfabe-tização – princípios básicos, foi organizado em unida-des didáticas impressas, fartamente ilustradas e escri-tas de forma muito acessível, e, também, contou com o acompanhamento de professores que respondiam cartas e telefonemas. A primeira edição foi impressa na própria Secretaria da Educação, em uma máquina copiadora colorida. Já para a segunda edição foi ob-tido apoio do Banco Bamerindus, que se encarregou da impressão de todos os materiais, em troca, se per-mitiu uma publicidade daquele banco na última pá-gina. Mesmo antes da implantação do curso sobre Alfabetização, a equipe da Secretaria da Educação já estava produzindo cursos sobre as demais áreas temá-ticas abrangidas pelo ensino fundamental. Os cursos seguintes foram o de Geografia – princípios básicos, Ensino de Arte e Matemática. Outros cursos devem estar sendo concluídos. Esses cursos são dirigidos para os professores da rede municipal de ensino, com o intuito de servir de base a um sistema de capacitação permanente desses professores.

FE/UnBEm 1994, um convênio firmado entre o Ministério

da Educação e do Desporto e a Universidade de Bra-sília deu início ao desenvolvimento do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em “Educação Continuada e a Distância”, realizado pela Faculdade de Educação da-quela Universidade. A primeira turma foi oferecida em 1994 e a segunda em 1997. Profissionais de todas as secretarias estaduais de educação e do próprio Mi-nistério fizeram parte da primeira turma. Já na segun-da a clientela se ampliou um pouco mais e a Faculdade de Educação da UnB está aproveitando a oportunida-de para realizar uma série de pesquisas e investigações sobre o comportamento dos alunos, o custo dos pro-gramas etc.

Mato GrossoTambém em 1995, o Instituto de Educação da Uni-

versidade Federal de Mato Grosso instituiu o Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD), desenvol-vendo dois programas: “o curso de Licenciatura Plena em Educação Básica: 1ª a 4ª séries do 1º grau, dirigido a quase 10.000 professores que atuam nas primeiras quatro séries do 1º grau da rede pública sem qualifi-cação de terceiro grau e o curso de Especialização para a Formação de Orientadores Acadêmicos (tutores) em EAD”16. A experiência da Universidade Federal de Mato Grosso é uma das mais importantes que se co-nhece no Brasil, especialmente em função do rigor acadêmico e pedagógico de seu programa, da avalia-ção constante, como também em razão da forma par-ticipativa e integrada com que se desenvolveu tanto a elaboração dos materiais didáticos quanto sua aplica-ção.

Universidade Católica de BrasíliaEm 1996, a Universidade Católica de Brasília criou

o Centro de Educação a Distância que já produziu dois cursos superiores: Especialização em Filosofia e Exis-tência e Especialização em Educação a Distância. Em fins de 1998 várias universidades católicas, entre elas a de Brasília, do Rio Grande do Sul, de Goiás, de Minas Gerais, de Pernambuco e a Universidade Vale dos Sinos, iniciaram a organização de uma rede com o objetivo de oferecer cursos de pós-graduação de qua-lidade usando os procedimentos modernos da educa-ção a distância.

A Universidade Católica de Brasília está desenvol-vendo uma série de cursos de pós-graduação a distân-cia, alguns utilizando material impresso e tutorial, outros já estão sendo realizados através da Internet. Com outras universidades católicas está sendo criada uma rede de educação a distância.

ENSPEm 1997, a Escola Nacional de Saúde Pública

(ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz, com o apoio editorial do Centro de Educação Aberta, Continuada e a Distância (UnB), elaborou e começou a veicular um curso de educação a distância (pós-graduação) para dirigentes e gestores municipais na área de Saú-de. Esse curso foi dividido em três unidades com cin-co módulos cada, distribuídos através de materiais impressos e tendo o processo de aprendizagem sido acompanhado por tutoria oferecida pela ENSP. Esse programa também conta com apoio científico do La-

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boratório de Tecnologias Cognitivas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUTES-UFRJ).

IMETambém em 1997, o Instituto Militar de Engenha-

ria (IME) implantou o projeto chamado Universidade Virtual, com o objetivo de desenvolver cursos de gra-duação e pós-graduação, avaliar os programas de edu-cação a distância existentes e pesquisar novas tecno-logias. Entre os experimentos que tem realizado destaca-se um Sistema de Videoconferência Seguro (SVS) para uso em programas de educação a distância que tenham como um de seus meios a teleconferên-cia.

Há várias outras experiências importantes que po-deriam ser citadas, como: da Universidade da Força Aérea, do Banco Itaú19, do Banco do Brasil, da Con-ferência Nacional dos Bispos do Brasil (notadamente no acompanhamento das constituintes 1987-1991), da Fundação Roberto Marinho (Telecurso 2000), da Universidade Aberta do Nordeste (Fundação Demó-crito Rocha), da Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Salgado de Oliveira, Universidade do Vale dos Sinos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual do Ceará, Universidade de São Paulo, Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação – J.R. Alves e muitas outras instituições.

CREADEm 1993 foi criada a Rede Brasileira de Educação

à Distância READ/BR, sob os auspícios da Organiza-ção dos Estados Americanos e cuja secretaria ficou ao encargo da Associação Brasileira de Tecnologia Edu-cacional (ABT). Logo depois, em 1996, a ABT passou também a ser referência do Consórcio Rede Intera-mericano de Educação a Distância - CREAD, animado pela Penn State University, dos Estados Unidos. Idéias similares estão em franco processo de desenvolvimen-to em vários países; no Brasil a idéia de intercâmbio entre entidades diferenciadas ainda está engatinhan-do.

ABEDA Associação Brasileira de Educação a Distância

(ABED) foi criada em 1995, a partir da ação articula-da do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação (que criou a Revista Brasileira de Educação a Distân-cia), da Escola do Futuro, da Universidade de São Paulo, e da Fundação Roberto Marinho, tendo em vista que a ABT não estava se modernizando ou am-

pliando seu espaço de atuação e a comunidade da educação a distância estava amadurecendo no Brasil e demandando novos espaços de reflexão, de traba-lho, de experimentação e de formação.

A idéia da criação de uma associação de educação a distância surgiu entre os participantes brasileiros da XV Conferência Mundial do Conselho Internacional de Educação a Distância (ICDE), realizada em Caracas em 1989. Sem dúvida alguma, pelo esforço de seus dirigentes e colaboradores, a ABED é hoje uma refe-rência singular no campo da educação a distância e tem ajudado muito a difundir essa modalidade no Brasil. “É uma entidade sem fins lucrativos que tem como finalidades o estudo, pesquisa, promoção e de-senvolvimento de projetos na área de Educação a Dis-tância”. Tem realizado várias atividades, encontros, seminários, congressos internacionais e conferências. Com a ampliação de seu quadro associativo começou a publicar um boletim informativo trimestral chama-do “Galáxia da Educação a Distância”.

Mas não fica por aqui, há uma série de outras ex-periências, programas e cursos. Nem todos são de conhecimento público porque ainda se encontram em fase muito experimental, outros acabaram, por um motivo ou outro, não logrando sucesso.

No mesmo sentido do processo internacional de valorização da estratégia da educação a distância e do crescente uso de tecnologias educacionais como in-dutoras de melhor aproveitamento escolar, o Brasil modernizou sua legislação, incluindo na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vários dispo-sitivos que facilitam o desenvolvimento da educação a distância; em 10 de fevereiro de 1998 foi apresenta-da a primeira regulamentação geral da matéria (De-creto 2.494/98).

Na estrutura funcional do Ministério da Educação, foi instituída a Secretaria de Educação a Distância, fato que demonstra a relevância que ganhou a educa-ção a distância no Brasil e que o governo federal pas-sou a conferir importância estratégica a programas que têm como objetivo a organização de novas alter-nativas de apoio ao ensino, capacitação de professores em serviço e criação de bases tecnológicas nas esco-las20, os principais programas com essas características são a TV Escola e o Programa de Informática Educa-tiva.

CONSIDERAÇÕES FINAISÉ provável, em vista da pouca experiência que se

tem no campo da educação a distância, que nos pró-ximos anos a Administração Pública apresente dificul-

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Modalidades educativas e novas demandas por educação • Nunes IB

dade em regulamentar e supervisionar os programas formais de educação a distância, ainda mais se não conseguir romper com os padrões tradicionais e com-portamentos do ensino presencial. Apesar disso, o que se observa é a manifestação de um volume crescente e significativo de projetos, experiência, propostas e cursos sendo desenvolvidos por instituições as mais diferentes, governamentais, comerciais, não governa-mentais, nacionais e internacionais, envolvendo uni-versidades, escolas, empresas de informática e centros de pesquisa. Esse grande movimento em direção à educação a distância irá, certamente, provocar mu-danças institucionais profundas em várias áreas.

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Educação à Distância.

Aceito para a publicação em 12/2004

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RESUMOCom o objetivo de estimar qual o conteúdo pro-

gramático teórico mais abordado pelas disciplinas de Clínica Integrada nas faculdades públicas de Odonto-logia do estado de São Paulo que possuem corpo do-cente próprio de professores (total = 5 faculdades), os autores examinaram os planos de aula obtidos atra-vés de entrevistas com os responsáveis pela Disciplina de Clínica Integrada no ano de 2004, e após análise de conteúdo concluíram que os assuntos teóricos mais abordados foram cronologicamente: introdução à Disciplina de Clínica Integrada; exame clínico inte-grado; planejamento de casos clínicos; inter-relação de procedimentos clínicos e seminários apresentados pelos alunos.

DESCRITORESEnsino, tendências. Currículo.

A Disciplina de Clínica Integrada (D.C.I.) tem por objetivo somar aos conhecimentos já adquiridos

pelo aluno nas disciplinas já cursadas condições para que possa examinar, prevenir e diagnosticar lesões bucais e orofaciais, dentais e periodontais; planejar um tratamento para as tais lesões quando adquiridas, seguindo uma cronologia baseada nas seqüências de prioridades biológicas; executar esta seqüência de tratamentos de uma forma plena através de tratamen-tos clínicos e cirúrgicos, restauradores e reabilitado-res, de acordo com a necessidade do paciente e, final-ment, cabe a D.C.I. dar proservação ao tratamento

depois de finalizado, através de consultas de retorno e manutenção.

No Brasil, a D.C.I. na quase totalidade das facul-dades de Odontologia apresenta corpo clínico pró-prio, fazendo com que os professores que compõem estas equipes determinem o perfil dos alunos que es-tão se formando. Assim, de acordo com a formação didática e pedagógica destes professores, a D.C.I. vem sendo ministrada de forma diferente entre as várias faculdades de Odontologia, favorecendo mais a Pró-tese ou a Dentística ou a Periodontia ou a Cirurgia entre outras disciplinas clínicas, e assim prejudicando uma formação global para que o futuro cirurgião-dentista se torne um generalista ou mesmo que cum-pra uma reciclagem de todas as matérias clínicas, o que caracteriza a finalidade da D.C.I.

Baseado nesta realidade, o nosso objetivo foi ana-lisar os planos de ensino teórico das D.C.I. das facul-dades públicas de Odontologia do estado de São Pau-lo, para elaborar um modelo com o que de mais comum elas oferecem, e assim fornecer embasamen-to para que as faculdades de Odontologia interessadas possam se nortear.

MATERIAL E MÉTODOSPara fazer o levantamento do plano de aula das

D.C.I. das faculdades públicas de Odontologia do es-tado de São Paulo: USP (Universidade de São Paulo) - São Paulo, Bauru e Ribeirão Preto; UNESP (Univer-sidade Estadual Paulista) - Araraquara, Araçatuba e São José dos Campos; UNICAMP (Universidade Esta-

O ensino na Disciplina de Clínica Integrada

Construção de um conteúdo programático teórico para a Disciplina de Clínica Integrada através da análise dos planos de aula das faculdades públicas de Odontologia do estado de São Paulo.

Fábio Petroucic*, Rubens Ferreira Albuquerque Júnior**

* Doutor em Dentística Restauradora pela Faculdade de Odontologia de Araraquara da Universidade Estadual Paulista. E-mail: [email protected].

** Professor Doutor da Disciplina de Clínica Integrada da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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dual de Campinas) - Piracicaba (n = 7 faculdades), foram confeccionados questionários pré-estruturados em que os dados eram obtidos mediante respostas colhidas por um único autor deste trabalho e que foram feitas aos chefes das D.C.I. durante os meses de abril e maio de 2004, período este em que foram visi-tadas todas as faculdades e também obtidos os planos de aulas teóricas para posterior levantamento estatís-tico.

Algumas faculdades não entregaram o plano de aula por escrito (n = 2 faculdades) no dia da entrevis-ta que era previamente agendada com o professor responsável pela D.C.I., fazendo com que chegasse posteriormente por “e-mail” ou por sedex. Em duas (n = 2 faculdades), o plano de aula foi obtido através do “site” da faculdade. Foram excluídas após a coleta dos dados a Faculdade de Odontologia de Piracicaba-UNICAMP e a Faculdade de Odontologia de Bauru-USP, pois tais faculdades não apresentavam uma D.C.I. constituída por um corpo docente próprio de professores.

De posse dos assuntos teóricos ministrados duran-te o ano de 2004, contidos nos planos de ensino das 5 faculdades de Odontologia que caracterizaram o universo deste trabalho, realizou-se teste estatístico através da análise de conteúdo, para se determinar quais os assuntos teóricos mais abordados pelas D.C.I. avaliadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃOColaborar na formação de um profissional capaz

de prevenir e diagnosticar lesões bucais, elaborar e executar um plano de tratamento integrado, utilizan-do-se de técnicas atualizadas preventivas e curativas em casos clínicos, e adaptando-se às situações socioe-conômicas do paciente vem sendo a unanimidade das opiniões dos chefes das D.C.I. avaliadas neste trabalho (n = 5 faculdades).

O plano de ensino ou plano de aula, segundo Har-ris, Hodges7 (1999), se trata de um relatório dos ob-jetivos contendo procedimentos e materiais que serão usados para determinada atividade de aprendizado. Nos planos de ensino do ano de 2004 obtidos, geral-mente continham:

• departamento a que pertencia a D.C.I. da Institui-ção avaliada;

• número de professores da equipe e os responsá-veis;

• carga horária prática e teórica; • dia(s) da semana em que era ministrada a discipli-

na e o horário;

• definição dos objetivos (gerais e específicos); • metodologia de ensino; • conteúdo programático teórico e prático; • forma de avaliação da aprendizagem e a bibliogra-

fia básica utilizada pela disciplina.Após a análise de todos os planos de aula teóricos

(Gráfico 1), observou-se que de comum em todas as faculdades (n = 5 faculdades) houve uma aula de in-trodução à D.C.I.

Todas as aulas teóricas eram ministradas de forma magistral ou com auxílio de recursos audiovisuais e nessa introdução ou fundamentação, uma faculdade interessava-se em mostrar o histórico e a evolução da D.C.I. em sua Instituição, o que é importante para o aluno saber por que nessa faculdade a D.C.I. funciona dessa maneira1. Todas as faculdades complementam a aula de introdução com a filosofia da disciplina, os objetivos (examinar, diagnosticar, elaborar planos de tratamento, ordenar seqüências de tratamento e rea-lizar o tratamento proposto), a finalidade de atuação, que seria a de transmitir as habilidades (elaborar pla-nos de tratamento adequado, realizar a promoção e a manutenção da saúde, trabalhar em equipes inter-disciplinares atuando como promotor de saúde e acompanhar, propor e incorporar inovações técnico-científicas no exercício da profissão) e, finalmente, os professores discutem os critérios de avaliação do alu-no, trabalhos extramuros, formação das duplas e tra-

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Conteúdos teóricos abordados em aulas específicas

1. Introdução à D.C.I.2. Exame clínico integrado.3. Planejamento de casos clínicos.4. Inter-relação de procedimentos clínicos.5. Seminários apresentados pelos alunos.6. Implantes, terapêutica medicamentosa, princípios de ergonomia, urgências no consultório, pequenos movimentos dentais, atualização em materiais restauradores, manutenção dos resultados.7. Traumatismo dental, uso do flúor, sucessos e fracassos em Endodontia, técnicas e interpretação radiográfica, Odontogeriatria.

Gráfico 1 - Relação do número de faculdades analisadas com os conteúdos programáticos teóricos.

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O ensino na Disciplina de Clínica Integrada • Petroucic F , Albuquerque Júnior RF

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dades avaliadas por este trabalho.)Às vezes são necessários exames laboratoriais para

concluir o exame clínico, e os mais abordados são os exames de sangue onde se verifica o tempo de sangria, o tempo de coagulação sangüínea, a dosagem de gli-cose e o hemograma, principalmente quando após a anamnese observa-se problemas de saúde geral no paciente. Outro exame laboratorial muito solicitado é o histopatológico; destacam-se as biópsias incisional e excisional nos locais onde lesões observadas visual-mente relacionam-se com aspectos de malignidade, e finalmente exames microbiológicos como a citologia esfoliativa merecem destaque neste contexto.

Relembrar uma sistemática de exames comple-mentares: radiografias, montagem dos modelos em ASA e exames laboratoriais, faz com que o tempo de aula teórica destinada ao exame clínico varie em mé-dia de 4 a 8 horas/aula conforme a faculdade analisa-da.

O próximo assunto mais abordado por ordem cro-nológica é o planejamento clínico integrado (n = 4 faculdades). É neste momento que o aluno começa a assimilar uma cronologia para os procedimentos clí-nicos. Um planejamento visando um plano de trata-mento pode ser feito de forma global ou parcial e está diretamente relacionado com a condição financeira do paciente, do tempo de duração do tratamento, em casos de planejamentos duvidosos ou mesmo pela pró-pria opção do paciente. Assuntos como montagem de bandejas com materiais cirúrgicos/restauradores, to-mam boa parte da aula das faculdades tentando orga-nizar o tratamento futuro, e os materiais necessários para um planejamento são os instrumentais clínicos, fichas devidamente preenchidas, modelos de estudo, transluminador, radiografias necessários, negatoscó-pio, ficha para a elaboração do orçamento. Orienta-ção de higiene bucal, evidenciação de placa bacteria-na, técnica de escovação, dieta e motivação são procedimentos obrigatórios nas primeiras clínicas até se obter uma confiança do paciente, fato este também observado por Gorzoni, Rocha6 (2002).

Ênfase na Periodontia para a adequação do meio bucal, realizada através de procedimentos básicos de RAR são enfatizados e preconizados após o tratamen-to expectante das lesões cariosas ativas. Seguem-se as extrações dentais necessárias com exceção dos dentes inclusos, visto que na maioria dos casos necessita-se de um tempo para a cicatrização, visando uma possível prótese no local. As exodontias que aparecem em ca-ráter de urgência são executadas somente nas facul-dades onde paralelamente à D.C.I. funcione uma

balho clínico etc.O assunto mais abordado no segundo dia de aula

teórica, foi o exame clínico integrado (n = 4 faculda-des) e que, ao parecer de Edwards et al.5 (1982), re-presenta um momento oportuno para adquirir con-ceitos e revisar aqueles já adquiridos. Através do diagnóstico e da prevenção de doenças o aluno sabe-rá como tratá-las e relacioná-las em um futuro plane-jamento, obedecendo uma seqüência lógica de tra-tamento, definindo prioridades terapêuticas baseando-se na situação socioeconômica do paciente e, assim poderá desenvolver a sua capacidade de rela-ção humana e conscientizar-se da sua responsabilida-de social, além de aprender a comunicar-se com os profissionais de outras áreas de Saúde (médicos, fo-noaudiólogos, fisioterapeutas entre outros) almejan-do um correto diagnóstico, tratamento e proservação da saúde do paciente como um todo8,9.

A seqüência mais indicada para o exame clínico integrado seria a identificação do paciente, anamnese e o motivo da consulta, o exame clínico propriamen-te dito (intra-oral e extra-oral), moldagem, radiogra-fias e fotografias, orientação sobre higiene oral e exa-mes complementares. Radiografias panorâmicas complementam a visão do caso a ser planejado e são importantes nos casos de extrações complexas, gran-des reabilitações orais, colocação de implantes os-seointegrados, assimetria facial ou mesmo por uma queixa do paciente; são seguidas por radiografias in-terproximais das regiões de molares e pré-molares do lado direito e do lado esquerdo, assim como radiogra-fias periapicais nos casos de dente com dor, dente fraturado ou com uma grande restauração, dente pilar de uma prótese fixa, dentes com bolsa periodontal maiores do que 3 mm, problemas de calcificação dental e também locais onde existem um implante osseointegrado. Esse protocolo obedece as diretrizes propostas pelo FDA americano (1989) para a correta quantidade de radiografia visando um diagnóstico, segundo White et al.10 (1995).

A montagem de modelos de estudo em articulador semi-ajustável (ASA), além de reproduzir em gesso a situação dental do paciente, também auxilia para uma futura análise da oclusão, reproduz presença de irre-gularidades, facilita a confecção de provisórios, mol-deiras individuais, enceramento de diagnóstico e re-produz os antagonistas para as próteses a serem confeccionadas, além de ser uma excelente técnica para demonstrar o planejamento e convencer o pa-ciente da necessidade do tratamento. (Acorde Cola-res, Pinkham3 (2001) e vivenciado em todas as 5 facul-

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O ensino na Disciplina de Clínica Integrada • Petroucic F , Albuquerque Júnior RF

clínica de urgência, todavia, na maioria das vezes, o paciente já chega triado das outras disciplinas, pois o paciente que ingressa na Clínica Integrada deve ser um paciente bem motivado, com poucas endodontias, restaurações e próteses para serem executados, pois muitas faltas ao tratamento, imprevistos ou desistência interferem no aproveitamento do aluno durante o curso, visto que a parte prática representa uma grande carga horária nesta disciplina.

Outro assunto abordado em todas as faculdades avaliadas foi a inter-relação de procedimentos clíni-cos, abordando procedimentos cirúrgicos, restaura-dores e reabilitadores através da inter-relação Perio-dontia/Dentística e Periodontia/Prótese Dental.

Noções de cirurgias periodontais e tratamentos restauradores ou reabilitadores alicerçam os planeja-mentos para a finalização dos casos clínicos dos pa-cientes, que geralmente terminam com uma pequena reabilitação oral. Orienta-se, para tanto, mesma se-qüência ordenada de fases de execução do tratamen-to, que é dividido em fase preparatória, onde são exe-cutadas as exodontias, endodontias, periodontias básicas e cirúrgicas, a ortodontia e a colocação de implantes osseointegrados; segue-se a fase restaurado-ra, onde são feitas as dentísticas e as próteses; e a ter-ceira e última fase é a da manutenção, onde através de retornos periódicos, examinam-se as condições das restaurações, a adaptação das próteses, a regressão de lesões periapicais, as condições periodontais e final-mente reforça-se a motivação sobre higiene oral.

Seminários, no entender de Cunha4 (1999) e Can-dau, Oswald2 (1995) são uma excelente forma de ad-quirir atualizações de conhecimentos visto que muitas das dúvidas e metodologias utilizadas ficam esclareci-das e definidas para todos da equipe.

Vários outros assuntos teóricos (n = 2 faculdades), foram citados nos conteúdos programáticos, como:

• princípios de ergonomia; • implante osseointegrado; • terapêutica medicamentosa; • urgências no consultório odontológico; • pequenos movimentos dentais; • atualização em materiais restauradores; • manutenção dos resultados após reabilitação oral.

Apesar de esses serem assuntos de interesse para a D.C.I., não foram citados por mais de duas faculda-des de Odontologia avaliadas.

Foram assuntos teóricos ministrados em aulas es-pecíficas somente em uma única faculdade de Odon-tologia analisada pelo presente trabalho:

• traumatismo dental;

• o uso do flúor; • sucessos e fracassos em Endodontia; • técnicas e interpretação radiográfica;• Odontogeriatria.

CONCLUSÃODe acordo com o nosso trabalho, foi possível con-

cluir que os conteúdos programáticos teóricos das D.C.I. mais comuns nas faculdades públicas do estado de São Paulo e que possuem corpo docente próprio seguem a seguinte ordem cronológica:

• introdução à Disciplina de Clínica Integrada; • exame clínico integrado; • planejamento de casos clínicos; • inter-relação de procedimentos clínicos; • seminários apresentados pelos alunos.

ABSTRACTTeaching in the discipline of integrated clinics

The objective of this study was to assess the class-room instruction contents of the discipline of inte-grated clinics of public dental schools in the state of São Paulo. Based on interviews with the heads of the discipline of integrated clinics of 5 dental schools dur-ing the year of 2004, the planning course contents were evaluated. It was concluded that the theoretical contents most frequently discussed, in chronological order, were: introduction to integrated clinics; inte-grated clinical examination; planning of clinical cases; relationship among clinical procedures; and students’ seminars.

DESCRIPTORSTeaching, trends. Curriculum.

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tos. Avaliação 1997;2(2):37-50.

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historical predictors of dental caries on radiographs. Dento-

maxillofac Radiol 1995;24(2):121-7.

Aceito para publicação em 12/2004

Proponha, discuta,participe!Filie-se àABENO

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tem como OBJETIVOS:Congregar todas as instituições de ensino odontológico no BrasilCongregar todas as instituições de ensino odontológico no Brasil

Atuar objetivando a melhoria do ensino odontológico no País

Adotar medidas que objetivem a formação e o aperfeiçoamentodo pessoal docente e dos profissionais de Odontologia

Estimular as atividades de pesquisa na ciência odontológica

Incentivar as atividades de extensão e de educação em Saúdejunto às comunidades

Defender os interesses das instituições de ensino que a integram

Constituir-se fator de integração entre o ensino e a cultura nacional

Manter relações com as entidades representativas da categoria odontológica

Manter intercâmbio com entidades estrangeiras representativas da docência odontológica

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RESUMOEste trabalho se propôs a criar um banco de dados

eletrônico para armazenar informações de natureza quantitativa e qualitativa relacionadas à clínica de En-dodontia, em nível de graduação ou pós-graduação. Na plataforma Microsoft Visual Basic® foram criadas fichas clínicas que satisfizessem as necessidades da clínica endodôntica: exame clínico, procedimentos diários e obturações, além do arquivo de imagens. O acesso do aluno ao aplicativo era feito por meio de senha. Assim, ele preenchia todas as fichas clínicas relacionadas ao caso clínico em tratamento num ter-minal de computador. Todas as imagens eram digita-lizadas, o retorno do paciente para controle era agen-dado e o tratamento qualificado pelo professor. Com base nas informações, é possível filtrar, classificar e emitir relatórios clínicos, de imagens ou gráficos. As-sim, o acompanhamento dos alunos de um curso de graduação ou mesmo em cursos de extensão em En-dodontia pode ser mais facilmente realizado e a evo-lução do aluno avaliada. Os resultados obtidos com 52 alunos no atendimento de 587 pacientes nos per-mitiram concluir que o banco de dados eletrônico ampliou as possibilidades de avaliação do ensino de Endodontia.

DESCRITORESInformática médica. Tecnologia educacional. Va-

lidação de programas de computador. Ensino.

No contexto atual do ensino superior, as novas tecnologias constituem um dos principais pilares

de sustentação para seu constante desenvolvimento. A informática como facilitadora de acesso a informa-ções é, sem dúvida, fator preponderante nessa evolução. Ela, além de se tornar instrumental essencial ao ensino, oferece novas e fascinantes ferramentas para a educação na sua mais ampla abrangência e para tudo que se refere à comunicação.

Cada vez mais a informatização dos processos de busca de informações mostra-se em crescimento pro-gressivo. A popularização do computador em todas as faixas etárias e a disponibilização de recursos e ferra-mentas em diversas áreas e níveis contribuem positi-vamente para a formação e atualização do indiví-duo1.

No processo ensino-aprendizagem uma das pri-meiras experiências ocorreu em 1988, na Universida-de de Utah, em Salt Lake City, quando Stensaas e Sorenson desenvolveram um programa de educação médica assistido por computador, o “Hyperbrain”, destinado à educação médica em diversos níveis: gra-duação, residência, pós-graduação e educação médica continuada17.

Na Odontologia, os recursos multimídia também vêm sendo empregados com seriedade. Exemplo dis-

Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia

A informatização de prontuários clínicos, por meio do armazenamento de dados em disco rígido, possibilita uma avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia.

Rocio Anahí Zaragoza*, Patrícia Helena Pereira Ferrari**, Marcelo dos Santos***

* Assistente do Curso de Aperfeiçoamento Básico em Endodontia da Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Odontologia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

** Doutora em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.

*** Livre-Docente em Endodontia pela Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.

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Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M

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so é o Departamento de Estomatologia da Universi-dade Federal de Santa Catarina (UFSC), mais especi-ficamente na Disciplina de Periodontia, que utiliza o CBT (“Computer Based Training”), sistema de tutoria multimídia baseado em recursos computacionais para auxiliar o treinamento de pessoas.

No entanto, a linguagem informatizada não se re-sume a treinamento de recursos humanos, mas tam-bém deve ampliar a visibilidade metodológica e ava-liativa na educação. Portanto, quer seja nas estratégias utilizadas pelos docentes ou pelo método de avaliação que será aplicado aos alunos, as inovações precisam estar presentes de modo a alcançar os objetivos pro-postos, estimulando a autocrítica, evitando a disper-são e exigindo mais atenção dos próprios assistentes de ensino2.

Ao discorrer sobre avaliação qualitativa e quanti-tativa de um grupo de alunos, poucas são as propostas realmente inovadoras e eficazes. Os modelos, mesmo que informatizados, remetem-nos às avaliações tradi-cionais.

Assim, o processo de avaliação na clínica de Endo-dontia, por exemplo, é realizado de modo geral, por meio da determinação de trabalho mínimo a ser rea-lizado durante o curso, ou seja, número de dentes obturados. A avaliação qualitativa é traduzida pela análise subjetiva do professor sobre aquele aluno.

Certamente, muitos professores que compreen-dem de fato que um processo de avaliação bem con-duzido é fundamental, imprescindível e essencial para o processo de aprendizagem vêem-se dentro das limi-tações dos processos arcaicos de avaliação. Porém, para as atividades práticas, podem encontrar nos dias atuais novas tecnologias em educação, utilizando in-clusive métodos de ensino à distância, e, com a infor-mática, buscar meios mais rápidos e efetivos de avaliar seu aluno, auto-avaliar-se e contribuir assim para cum-prir mais efetivamente seu papel7.

Devido às características da área de atuação odon-tológica, o controle das atividades clínicas em cursos de Odontologia, que incorporam anamnese, exame clínico, histórico dos atendimentos, elaboração dos respectivos planos de tratamento, controles clínicos e, além de tudo, a avaliação dos meios e métodos de ensino, pode ser facilitado pela utilização de progra-mas odontológicos específicos.

Baseado nesses aspectos, o presente estudo objeti-vou informatizar prontuários clínicos endodônticos, armazenando os dados em disco rígido, possibilitando avaliar qualitativa e quantitativamente alunos e assis-tentes.

MATERIAL E MÉTODOSComo um projeto-piloto que possa ser ampliado

para outras especialidades e escolas, foram eleitos alu-nos de cursos de aperfeiçoamento e especialização em Endodontia, num total de 57 alunos.

A plataforma Microsoft Visual Basic® foi seleciona-da em função da flexibilidade na criação de ferramen-tas ou programas personalizados.

Dessa forma, ao início do curso todos os alunos eram fotografados e seus telefones e informações re-levantes armazenados no cadastro de alunos. Os pa-cientes também foram fotografados no momento do exame clínico quando tinham seus dados pessoais ca-dastrados em planilha adequada. Pacientes e alunos eram vinculados a um número, que tornava-se o link para os dados referentes aos procedimentos executa-dos.

As fichas eletrônicas que contemplassem dados do exame clínico-radiográfico, procedimentos diários de cada profissional e sua evolução representavam exa-tamente as fichas tradicionais, que habitualmente eram preenchidas pelos alunos (Figuras 1 a 3).

Os dados do exame clínico eram preenchidos pri-meiramente na folha impressa, sendo sempre uma para cada elemento dental examinado. Considerava-se concluído o exame clínico quando determinado o diagnóstico e tratamento. Nessa ocasião, o paciente também assinava um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual concordava com a utilização de suas informações clínicas e radiográficas para fins científicos e estatísticos conforme resolução CNS nº 196, de 10 de outubro de 1996. Na seqüência, as informações eram repassadas ao sistema, em terminal de computador, processo este extremamente rápi-do.

A cada consulta, o aluno executava os procedimen-tos e anotava, baseado em códigos abreviados, tanto na ficha impressa como no formulário eletrônico.

Na última sessão, ao concluir o procedimento de obturação o aluno preenchia manualmente sua ficha de evolução junto ao assistente, a quem entregava a cartela de radiografias devidamente etiquetada com os dados referentes ao caso (Figura 4).

O professor digitalizava todas as imagens relevan-tes e transportava ao sistema digital as imagens e a conclusão do caso, fazendo neste momento avaliação pertinente à qualidade do tratamento executado em diferentes quesitos:a) Grau de aproveitamento do aluno – avaliando fre-

qüência e aproveitamento do tempo em clínica.b) Controle de qualidade dos procedimentos clíni-

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às dificuldades desse grupo, sua capacidade de corrigi-lo em tempo hábil, a organização de seus relatórios e envolvimento com a equipe.Mensalmente, a partir dos dados armazenados e

com a ajuda de outra plataforma eletrônica, o Micro-soft Access 97®, emitiam-se relatórios quantitativos, permitindo acompanhar minuciosamente a evolução de cada aluno com relação à sua turma e a turmas anteriores com as seguintes informações:a) Quantificação de casos por diagnóstico.b) Quantificação de pós-operatórios pós-preparo quí-

mico-cirúrgico (PQC).c) Quantidade de casos por tipo de tratamento.d) Número médio de sessões dispensadas a cada den-

te – avaliando-se com cuidado os casos em que esse valor estivesse fora da média, já que a dificuldade de um caso ou outro poderia prejudicar a avaliação de um determinado aluno ou grupo.

e) Número de dentes concluídos por aluno e por turma.No caso das avaliações quantitativas, inúmeros re-

latórios podem ser solicitados ao sistema. Para as aná-lises acima descritas, foram criadas macros, uma soli-citação de filtro automático pré-programado ao sistema através de um botão.

Assim, a cada trimestre, foram realizadas reuniões com o grupo de professores e posteriormente com a turma. De posse das imagens clínicas e dos relatórios estabeleciam-se discussões no sentido de contribuir

cos – avaliando visualmente as imagens radiográ-ficas produzidas: processamento, posicionamen-to e qualidade dos procedimentos propriamente ditos.

c) Responsabilidade e organização de prontuá-rios – avaliando o preenchimento de formulários clínicos, seja pela ausência de informações como coerência das mesmas.

d) Evolução do aluno – avaliação periódica bimestral do aumento de produção e do incremento da qua-lidade do seu trabalho.Oportunamente em reunião de equipe o último

quesito de avaliação qualitativa do processo ensino-aprendizagem era discutido:e) Responsabilidade do docente com seu grupo de

alunos – avaliando-se a percepção do professor

Figura 1 - Exame clínico.

Figura 2 - Procedimentos diários.

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para a melhoria das atividades de ambas as partes.

RESULTADOSOs resultados qualitativos estão no Quadro 1.Os resultados quantitativos em relação ao diagnós-

tico estão na Tabela 1.Os resultados quantitativos em relação aos pós-

operatórios do PQC estão na Tabela 2.Os resultados quantitativos em relação a tipo de

tratamento, número médio de sessões por dente, nú-mero de dentes por aluno (superiores e inferiores) podem ser vistos, respectivamente, nos Gráficos 1, 2, 3 e 4.

DISCUSSÃO

“O advento da informática transformou os padrões de

transmissão de informações na cultura humana. Após sé-

culos de registros realizados em papel ou pergaminhos, o

surgimento do registro em meio magnético, com toda sua

sofisticação e durabilidade, permitiu o desenvolvimento de

novos conceitos e possibilidades.” (Santiago, 1993 apud

Sigulem16, 1997).

A invasão da tecnologia em nossa vida é inevitável. A tecnologia da informação, além de ser produto do ambiente sociocultural dentro do qual se desenvolve,

Figura 3 - Imagens.

Figura 4 - Cartela de radiografias devidamente identificada.

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Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M

compreende toda a tecnologia concernente à coleta, armazenamento, processamento, uso, comunicação, transmissão e atualização de qualquer forma e tipo de informação, independentemente de suas técnicas de suporte.

Desse modo, ela inclui todas as tecnologias rela-cionadas à documentação, processamento de dados, ciência da informação, tecnologias de computação, robótica, inteligência artificial, comunicação, tecno-logias espaciais, bem como todas as tecnologias rela-cionadas ao processamento de sinais gráficos e audio-visuais.

Todos os estudiosos da evolução do ensino em qualquer nível têm, hoje em dia, a oportunidade de lançar mão de novas tecnologias para otimizar o pro-cesso ensino-aprendizagem. Nesse contexto, a Odon-tologia passa a compreender que tais tecnologias po-dem beneficiar sobremaneira a evolução qualitativa e quantitativa daqueles que a ela se dedicam.

A utilização de prontuários eletrônicos passa a ser uma ferramenta bastante interessante na medida em que pode maximizar o aprendizado. Inúmeras vanta-

gens advindas da utilização do prontuário eletrônico, tais como localização imediata do registro do pacien-te, possibilidade de pesquisas e de relatórios estatísti-cos relativos aos atendimentos realizados, principais doenças diagnosticadas, tratamentos ou procedimen-tos realizados e análise da evolução das atividades realizadas.

A Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) sediada em São Paulo, anexa à Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), desenvolve intenso trabalho na implementação de padrões de registros médicos no país, compatíveis com os determinados por orga-nismos congêneres internacionais18.

Segundo o Parecer nº 38/97 do Conselho Federal de Medicina (CFM) inexiste exigência de manter ar-quivo escrito no Código de Ética Médica e mesmo que houvesse exigência assim formulada, esta não especi-ficaria que os arquivos deveriam estar registrados em papel, deixando claro, portanto, que poderiam ser registrados em qualquer outro meio, inclusive eletrô-nico3.

Definitivamente, o que importa, é o sigilo das in-formações registradas e a sua recuperabilidade. Acre-ditamos portanto, que passo importante é estabelecer o consenso de aceitar e buscar a viabilidade de utili-

Resultados qualitativos

a) Freqüência e procedimentos

Quantificação da freqüência do aluno às atividades clínicas Média da turma: 84% de presença

Quantificação do número de procedimentos executados Média da turma: 320 pro-cedimentos em 18 meses

b) Controle de qualidade dos procedimentos clínicos

Processamento radiográfico Adequado: 69%

Posicionamento das tomadas radiográficas Adequado: 57%

Qualidade dos procedimentos propriamente ditos Adequado: 68%

c) Organização de prontuários

Quanto ao preenchimento Adequado: 80%

Quanto à coerência Adequado: 90%

d) Evolução Correspondia à reavaliação bimestral dos quesitos anteriores. É de caráter individual e gera variáveis as quais não cabe aqui o detalhamento.

e) Responsabilidade docente

Correspondia à discussão em equipe dos resultados referentes aos itens anteriores.

Diagnóstico %

Polpa normal 3,74%

Inflamação pulpar reversível 7,36%

Inflamação pulpar irreversível 37,89%

Pericementite crônica 21,77%

Abscesso dento-alveolar agudo 8,28%

Abscesso dento-alveolar crônico 20,52%

Pericementite secundária 0,44%

Tabela 1 - Resultados quantitativos em relação ao diag-nóstico.

MIC Ótimo Bom RegularPéssimo (MAS)

Ca(OH)2 68% 3% 2% 23%

NDP 84% 4% 5% 7%

PRP 78% 3% 3% 16%

Tabela 2 - Resultados quantitativos em relação aos pós-operatórios do procedimento químico-cirúrgico.

MIC: medicação intracanal. MAS: uso de medicação sistêmica adicional.

Quadro 1 - Resultados qualitativos.

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zarmos prontuários clínicos informatizados.Para tanto, é fundamental utilizarmos um sistema

de backup confiável, o que, por si só, exclui o Micro-soft Backup®, que acompanha o Windows®, por não apresentar confiabilidade. Os sistemas ideais de ba-ckup são o CD-ROM, o ZIP Drive ou um disco rígido escravo (“slave”). Outra questão importante é a segu-rança das informações, principalmente para compu-tadores ligados em rede.

Na medida em que se desenvolvem os prontuários eletrônicos dos pacientes, surgem novas perspectivas na utilização das informações armazenadas pelo siste-ma, que possibilitam a adoção da inteligência artifi-cial. Esta baseia-se num sistema capaz de emitir alertas (com relação a anamnese por exemplo), lembretes (sobre o controle clínico-radiográfico), definir “gui-delines” (orientações de decisão), entre outros recur-sos, se aproximando da prática comum existente na Medicina baseada em evidências.

Divagando na situação ideal, poderíamos sem pre-tensões pensar em recuperar toda a informação rela-tiva à saúde de uma pessoa, independente da institui-

ção onde o serviço tenha sido prestado. Este é ainda um cenário futurista porém para que um dia se con-siga efetuar a troca eletrônica de informações do pron-tuário do paciente há necessidade de se possuir um conjunto mínimo de dados e serviços padronizados. Esta é a meta da SBIS, que visa criar um cadastro úni-co informatizado com toda a história clínica do indi-víduo usuário dos serviços de saúde, interligando estes dados, através da internet, a qualquer profissional da Saúde que venha a atendê-lo18.

Informática médica é uma ciência e uma disciplina científica que, a exemplo de outras disciplinas, como a biologia molecular ou a neurociência, tem raízes na história e nas idéias da teoria da informação. Caracte-riza-se por seu objeto (Medicina) e seus métodos (os de gerenciamento de informação). Informática médi-ca evoca outras disciplinas, como a Matemática, a Es-tatística, a Lingüística e a Ciência da Cognição ou Fi-losofia, sendo adequada à abordagem experimental7.

Gráfico 1 - Resultados quantitativos em relação ao tipo de tratamento.

38%

10%22%

30%

Retratamento

PulpectomiaPenetraçãodesinfetanteConservador

87

116

194

131

32 14

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

1 2 3 4 5 6

Número de sessões

me

ro d

e d

en

tes

31

23

51

1317

32

25

11

23

14 16 14

24

38

20

9

0

10

20

30

40

50

60

11 12 13 14 15 16 17 18 21 22 23 24 25 26 27 28

Grupo dental

me

ro d

e d

en

tes

1210 9

14 13

22

13

4

2224

11

14

11

28

13

6

0

5

10

15

20

25

30

31 32 33 34 35 36 37 38 41 42 43 44 45 46 47 48

Grupo dental

me

ro d

e d

en

tes

Gráfico 2 - Resultados quantitativos em relação ao núme-ro médio de sessões por dente. Obs.: o número total não corresponde ao total avaliado, porque foram excluídos do gráfico os casos nos quais foram necessárias mais de 6 ses-sões clínicas para concluir.

Gráfico 4 - Resultados quantitativos em relação ao núme-ro de dentes por aluno (inferiores).

Gráfico 3 - Resultados quantitativos em relação ao núme-ro de dentes por aluno (superiores).

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Avaliação qualitativa e quantitativa em Endodontia • Zaragoza RA, Ferrari PHP, Santos M

Um dos impactos mais imediatos do acesso eletrô-nico às informações sobre o paciente ou aluno é o aumento de segurança na obtenção da informação, uma vez que a informação necessária está disponível de imediato ou pode ser impressa de forma resumida ou graficamente, a partir do programa de computa-dor.

A formação do aluno deve ser progressiva e pro-cessual permitindo alcançar o grau de domínio e co-nhecimento de acordo com os objetivos do curso, identificar as lacunas ou fragilidades em tempo hábil de serem corrigidas durante o período de formação e manter ou aumentar o controle da qualidade do ensino pela instituição.

Os educadores devem portanto, iniciar já a evolu-ção na tecnologia da informação em saúde, de tal forma que se possa, gradativamente, aperfeiçoar pro-gramas existentes, procurando atingir a qualidade máxima, qualidade ao menos compatível com a imen-sidão de informação que a comunicação eletrônica nos permitirá.

Alguns dos resultados nos pareceram bastante in-teressantes por não termos feito anteriormente ne-nhum tipo de análise semelhante, como a avaliação do processamento e posicionamento radiográfico de cada aluno, o que permitiu verificar realmente quais são os alunos negligentes ou aquele que, de fato, tem dificuldade em Radiologia na clínica endodôntica.

Os resultados da avaliação da introdução de um sistema de informação na área médica, denominado COSTAR (1986), mostraram que o sistema disponibi-lizou as informações necessárias em 99% das vezes contra os 72% avaliados quando a informação era registrada em papel (1977). Outro estudo4, em con-texto distinto mas sobre o mesmo sistema, verificou que em 30% das vezes os prontuários em papel esta-vam disponíveis, contra 98% da disponibilidade no sistema15.

O profissional da Saúde tem de ser cuidadosamen-te preparado para o exercício de sua profissão. Faz parte disso a compreensão do que é a informação, do significado que tem no contexto da sua atividade e de como ela altera seu processo cognitivo, bem como de onde buscá-la, como buscá-la e qual o impacto da sua utilização na solução de dúvidas e problemas sobre os quais se esteja atuando11.

Além disso, provavelmente a tranqüilidade do pa-ciente aumentaria ao saber que, ao necessitar de uma intervenção endodôntica, a equipe seria alertada so-bre sua hipertensão ou diabetes. Isso certamente apro-ximaria esse atendimento da excelência buscada e

melhoraria sua avaliação.Ao avaliarmos através de sistemas de informações,

devemos refletir sobre as seguintes vantagens16:1. Comunicação: permite o acesso a fontes de infor-

mação por outros profissionais.2. Recuperação e gerenciamento da informação: per-

mite a pesquisa rápida e fácil, a recuperação e a organização da informação a partir de uma extensa variedade de fontes.

3. Aprendizado baseado no computador: permite a seleção e o uso de aplicativos de ensino para o auto-aprendizado.

4. Gerenciamento do paciente: informática biomé-dica: uso de bases de dados e aplicativos estatís-ticos para o gerenciamento de pacientes e apoio à decisão: uso de sistemas especialistas e bases de conhecimento na assistência aos pacientes.

5. Gerenciamento do curso: entendimento dos con-ceitos relacionados com o gerenciamento prático do curso e o uso da informática para direcionar metas.“Por que se tornar um educador?”, pergunta Ru-

bem Alves. E comenta:

“Esta pergunta parece, de saída, impertinente. Não há coi-

sa mais nobre que educar. Sou educador porque sou apai-

xonado pelo homem. Desejo criar condições para que cada

indivíduo atualize todas as suas potencialidades. A educa-

ção é a base de uma sociedade democrática. Vocês pode-

riam multiplicar afirmações semelhantes a estas indefini-

damente. Embalados por estas doces canções acerca dos

elevados propósitos da sua profissão, o educador pode con-

tinuar a educar sem maiores problemas. Mas será isto mes-

mo? A afirmação de que a educação é a base de uma socie-

dade democrática não pode ser usada ideologicamente

para justificar proibição do voto aos analfabetos? O mundo

do educador não divide as pessoas em educadas e não edu-

cadas, superiores e inferiores? Será verdade que a educação

é um processo para fazer com que o indivíduo atualize as

suas potencialidades ou exatamente o inverso, um proces-

so pelo qual a sociedade leva o indivíduo a domesticar estas

mesmas potencialidades, canalizando-as de sorte a trans-

formá-las em pensamentos e comportamentos socialmente

aceitos? A educação transforma ou reproduz a sociedade?”

(Rubem Alves, 1993 apud Sigulem16, 1997).

Nos anos 60, ficou claro que um real avanço na educação não poderia ser obtido quando se cuidava de cada parte do sistema de forma isolada e indepen-dente. Seria impossível substituir os métodos instru-cionais ou as formas de apresentação dos conteúdos curriculares por máquinas ou métodos atuais sem mu-

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danças reais na configuração do processo de educa-ção. Materiais curriculares (incluindo todos os tipos de mídias), estratégias de ensino e filosofia de ensino são tão inter-relacionados e interconectados que uns não podem mudar sem que se considerem mudanças nos outros. Inspirada pelo desenvolvimento de outras disciplinas, como a Engenharia e a Ciência do Geren-ciamento, por exemplo, uma abordagem holística foi sendo gradualmente desenvolvida, de modo a garan-tir que um problema e sua análise não fossem isolados de seu contexto ou ambientes.

Não é evidente que cada problema de educação ou treinamento deva ser solucionado pela utilização de novas mídias ou diferentes estratégias educacio-nais: a abordagem holística sugere que se fique alerta para a presença de um problema e para a descoberta de sua solução. Isso resultou na expressão “tecnologia da educação”, cuja definição foi formulada nos Esta-dos Unidos pela Associação para a Comunicação e a Tecnologia Educacional (AECT): tecnologia da edu-cação é um processo complexo e integrado que en-volve pessoas, procedimentos, idéias, dispositivos e organização para analisar problemas e projetar, im-plementar, avaliar e gerenciar soluções, envolvendo todos os aspectos do aprendizado humano.

Todo este repensar da educação tem ocorrido pela verificação da ineficiência dos sistemas atuais de ensi-no. Recente decisão do Ministério da Educação e do Desporto (MEC) recomendou que todos os alunos passem por uma reavaliação ao final de seus cursos. Os resultados da primeira avaliação são catastróficos e assustadores: apenas 71 faculdades (11% do total) de Direito, Engenharia Civil e Administração obtive-ram a nota máxima no Exame Nacional de Cursos. Isso torna mandatório que se reflita sobre o que está sendo ensinado, como está sendo ensinado e por quem está sendo ensinado8.

Nas nossas avaliações bimestrais, pudemos identi-ficar e quantificar, por exemplo, os alunos com abs-tenções freqüentes, correlacionar com atrasos na con-clusão dos casos e eventuais negligências do professor com relação a este aluno. Obviamente, este pode tra-tar-se da bola de neve que culmina na péssima forma-ção profissional e nos índices alarmantes de reclama-ções contra cirurgiões-dentistas.

A partir da percepção das mudanças, das tarefas dos educadores, dos avanços tecnológicos, da massa de novas ferramentas desenvolvidas, não era mais pos-sível continuar educando da maneira como vinha acontecendo há anos.

Nos Estados Unidos, a National Library of Medici-

ne (NLM) começou em 1982 a apoiar programas de graduação em Informática Médica e hoje utiliza dois mecanismos de prêmios para incentivá-los: “Institutio-nal Training Grants” e “Individual Fellowships”. Dez programas em quatorze instituições oferecem estes prêmios. A Universidade de Harvard, a partir de um subsídio institucional recebido da Hewlett Packard, em 1984, iniciou o desenvolvimento de aulas com au-xílio de computador e instituiu, em 1985, um progra-ma denominado “New Pathway”, que faz extensivo uso de métodos educacionais ativos, como o “Problem Based Learning” (PBL), com gerenciamento de infor-mações, escolha cuidadosa de conteúdo e discussões em pequenos grupos de alunos. O elemento-chave do currículo do “New Pathway” foi a extensiva utilização da tecnologia da computação em todas as formas pos-síveis12,13.

Não se trata de uma cobrança intensa nem ditato-rial do aluno, esses programas visam auxiliar o corpo docente a identificar as dificuldades do aluno, seja na sua organização ou técnica, mais do que isso, permite explicar com números e gráficos suas falhas, dando-lhe a oportunidade de buscar melhorar.

Em muitos casos, tivemos a oportunidade, fazendo uso da avaliação qualitativa de preenchimento e coe-rência, de mostrar ao aluno que ao fazer ou preencher um exame clínico inadequado, ele pode ter atrasado um tratamento e eventualmente até provocado dor num paciente. Assim, o próprio aluno pode identificar se foi negligente no preenchimento dos dados, ou se lhe faltam informações teóricas para solucionar o pro-blema.

No Brasil, apesar de não existirem linhas específi-cas de financiamento para o desenvolvimento de apli-cativos educacionais, muitos projetos de pesquisa fo-ram submetidos, aprovados e financiados.

Assim, começaram a ser desenvolvidos os aplicati-vos educacionais nacionais. Inicialmente, utilizando a pouca tecnologia então disponível, esses programas educacionais eram apenas livros eletrônicos. No en-tanto, eles permitiam que os alunos estudassem nos horários mais convenientes, que as aulas fossem repas-sadas tantas vezes quanto fosse necessário, que se ex-plorassem animações e figuras; e, finalmente, propor-cionavam a realização de uma avaliação do aluno sobre o assunto, com sugestões de leitura complemen-tar e de reforço no caso de erros nas respostas às ques-tões14.

A seguir, com a introdução da multimídia, esses programas passaram a permitir que o usuário “nave-gasse” pelo seu conteúdo, através de links, em função

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do seu interesse no momento. Além de todas as van-tagens da multimídia na integração de textos, sons e imagens, os programas incorporaram a interativida-de, permitindo a troca de informações entre eles e seus usuários.

O que acontecerá no futuro? Ainda existem pro-blemas com a educação em todo o mundo; no entan-to, as chamadas para uma “solução imediata” estão pressionando para que as novas tecnologias sejam adotadas. As estruturas básicas da educação ainda são as mesmas, e a maior parte do ensino continua sendo oferecido em salas de aula, com grupos de estudantes que são orientados por um único professor. Essa prá-tica antiga é, provavelmente, o maior impedimento para a melhoria do aprendizado.

Até que os pedagogos acreditem que novos tempos exigem novas configurações para ensinar e aprender, continuaremos encontrando apenas bolsões de ino-vação que podem fazer ou não fazer muita diferença no que concerne ao avanço global da aprendizagem. Os educadores têm um papel a desempenhar neste novo cenário: usar a tecnologia da educação.

Quanto à aceitação jurídica desses documentos, sabe-se que as leis ainda ficam aquém dos avanços tecnológicos, como os dicionários, por exemplo, mas é inútil e improdutivo tentar estagnar a ciência aco-modando-a a leis desatualizadas6,9.

A leis atuais (MP 2.200-2, de agosto de 2001) de-terminam que os arquivos referentes aos prontuários clínicos odontológicos devem ser guardados por 20 anos. Permitem que os arquivos sejam eletrônicos des-de que validados juridicamente através de certificado digital, que por sua vez, é emitido por autoridades certificadoras, já existentes no Conselho Federal de Medicina, por exemplo5,19.

Assim, em 2003, foi realizado pelo Conselho Re-gional de Odontologia do Rio Grande do Sul (CRO-RS) o Fórum da Legalidade dos Arquivos Digitais na Odontologia, que esclareceu a validade jurídica, ago-ra inquestionável. Sugeriu-se a aquisição dos certifica-dos digitais em autoridade certificadora, credenciada pelo ICP-Brasil (Instituto de Chaves Públicas), a fim de resguardarem-se, garantindo a identidade, integri-dade e o não-repúdio de seus documentos digitais, e assim armazená-los, dispensando o suporte em meio físico. A autenticação com fé pública dos documentos devidamente assinados poderia então ser feita pela internet ou através do CRO-RS, servindo como inter-mediário5.

O primeiro serviço a desenvolver ferramentas de certificação digital foi o 8º Cartório de Belo Horizon-

te-MG. O uso dos arquivos digitais pelo CRO-SP ainda está em estudo pela Comissão de Normatização de Novos Procedimentos e Biomateriais em Odontolo-gia – categoria Legislação dos Documentos Óticos e Magnéticos na Odontologia, formada especialmente para tratar do assunto.

Os últimos 50 anos possibilitaram mudanças e me-lhorias no processo de aprendizagem, tornando-o mais vibrante. Os problemas críticos de números e espaço, especialmente em nações em desenvolvimen-to, podem ser evitados por configurações novas e sis-temáticas de ambientes de aprendizado em que os professores, a tecnologia e os métodos darão sua me-lhor contribuição para o processo de ensino e apren-dizado.

Fazer menos é negar os avanços dos últimos 50 anos. Fazer mais é lançar a educação em direção ao século XXI (Ely, Plomp, 1989 apud Sigulem16, 1997).

CONCLUSÕESA investigação científica, criação do método, sua

aplicação durante dezoito meses e a avaliação perió-dica dos resultados qualitativos e quantitativos permi-tiram-nos concluir que:1. A informática deve ser aceita e validada como im-

portante e, talvez, fundamental para o enriqueci-mento do processo ensino-aprendizagem.

2. O banco de dados eletrônico não só aprimorou os métodos de avaliação e organização na clínica en-dodôntica, como estimulou positivamente alunos e professores.

3. O sistema informatizado pode ser utilizado para armazenagem de dados e avaliações qualitativa e quantitativa dos cursos.

AGRADECIMENTOSElaine Cristina Denadai.

ABSTRACTQualitative and quantitative evaluation in endodontics

This study proposes the creation of an electronic data bank to store quantitative and qualitative infor-mation related to endodontics at both undergraduate and graduate levels. Clinical registers were made on the Microsoft Visual Basic® platform to fulfill the needs of the practice of endodontics: clinical examination, daily procedures and root filling, as well as the image file. Students’ access to the application was possible by means of passwords. Thus, they were able to fill in all clinical registers related to the clinical case under treatment in a workstation. All images were digital-

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ized, the patient’s return was scheduled for control purposes and the treatment was qualified by the teach-er. Based on this information, it is possible to filter, classify and issue clinical reports, as well as images or graphs. Therefore, to attend to undergraduate or graduate students of endodontics may become easier, as well as to evaluate the student’s progress. The results obtained with 52 students who treated 587 patients led to the conclusion that the electronic data bank has increased possibilities for evaluation in endodontics teaching.

DESCRIPTORSMedical informatics. Educational technology.

Software validation. Teaching.

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Aceito para a publicação em 12/2004

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Saber pensar é a teoria mais prática que existe, ou a prática mais teórica que existe. Já não cabe se-

parar pensar de intervir, ainda que as duas atividades tenham sua tessitura própria. Pensar é atividade tipi-camente mental e intervir é atividade eminentemente prática, mas ambas se entrelaçam e fazem um todo só12. Há outra face interessante do saber pensar que é a possível confluência entre epistemologia e política social. Do ponto de vista epistemológico, saber pensar supõe traquejo metódico para lidar de maneira ade-quada com o conhecimento e seu processo de cons-trução, desconstrução e reconstrução, enquanto, do ponto de vista da política social, saber pensar é pilastra crucial da cidadania ativa, para saber melhor intervir. Dito de outro modo, saber pensar é o emblema da cidadania inteligente. Relembrando Paulo Freire, sa-ber “ler” a realidade, para a desconstruir criticamente e para nela intervir alternativamente. Com isto dize-mos também que saber pensar não se restringe ao lado técnico, metódico (métodos e técnicas de pesquisa, por exemplo), mas abarca a politicidade do conheci-mento11. Se definirmos politicidade como habilidade humana de fazer, em parte, seu destino (deixando a condição de objeto, para assumir a de sujeito partici-pativo e criativo), saber pensar é ferramenta das mais decisivas. Está na base da autonomia possível16. Não somos seres completamente autônomos, porque de-pendemos sempre dos outros (os outros também nos constituem), não sendo viável historicamente autono-mia absoluta (destruiria, ademais, a autonomia dos outros). Mas podemos alargar enormemente, indefi-nidamente, a autonomia, se soubermos pensar, co-nhecer, aprender6. Faz parte do saber pensar não só conquistar espaço próprio, mas saber conviver com o espaço dos outros.

SABER PENSAR E COMPLEXIDADENosso cérebro é máquina complexa, não linear,

de estilo autopoiético26, que funciona do ponto de vista do observador, interpretativamente, não passiva-mente como se fosse máquina de fotografia ou copia-dor xérox. Nada que está fora entra diretamente na mente, porque é mediado pelos sentidos e pelo cére-bro, que constroem, desconstroem e reconstroem a imagem interpretativa, de dentro para fora. Mesmo que quiséssemos copiar, somos incapazes a rigor, por-que não reproduzimos, mas reconstruímos a cópia. Entretanto, é sempre possível reduzir o aluno a obje-to de cópia, quando o condenamos a ouvir, tomar nota e fazer prova, tudo de maneira reprodutiva. Na práti-ca, porém, assim como nenhum povo copia a cultura dos outros, mas “acultura” a cultura dos outros, somos seres hermenêuticos no sentido de que não nos bas-tamos com a estrutura sintática recorrente, mas nos embrenhamos sempre na semântica dos significados inevitavelmente subjetivos15. O computador, por ser linear, não consegue fazer isso (ainda)13 e por isso apenas copia, processa, armazena informação, sendo nisto, porém, de utilidade fantástica. Procede por al-goritmo (seqüências lógicas recorrentes), não por desconstrução e reconstrução autopoiética.

O nível da sintaxe é o da gramática – de toda di-nâmica complexa pode-se fazer uma gramática, como ocorre com qualquer língua. Tem uma estrutura re-corrente, apesar de parecer, para quem não a fala, algo particularmente caótico. O nível da semântica é o da subjetividade irrepetível que, escorando-se nos padrões da gramática, com ela brinca, atribuindo sen-tidos variados conforme a ocasião, entonação, rela-ção, espaço e tempo. Pode tomar o silêncio ou a au-sência como informação e presença, apreender lógica na falta de lógica e vice-versa, vislumbrar em indícios mínimos pista decisiva, criar novidades e refazer tudo sempre. Esta complexidade do saber pensar, que não

Saber pensar

Saber pensar desdobra duplo horizonte combinado: de um lado, exige habilidade metodológica; de outro, habilidade política.

Pedro Demo*

* Professor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected].

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se encerra no manejo lógico, pode ser observada na redefinição de inteligência, como propõe, por exem-plo, Hofstadter23 (2001), ao discutir diferenças cru-ciais entre a inteligência humana e a assim dita “arti-ficial”:

“Ninguém sabe por onde passa a linha divisória entre o

comportamento não inteligente e o comportamento inte-

ligente; na verdade, admitir a existência de uma linha di-

visória nítida é provavelmente uma tolice. Mas, certamente,

são capacidades essenciais para a inteligência: responder a

situações de maneira muito flexível; tirar vantagens de cir-

cunstâncias fortuitas; dar sentido a mensagens ambíguas

ou contraditórias; reconhecer a importância relativa de

elementos de uma situação; encontrar similaridades entre

situações, apesar das diferenças que possam separá-las; en-

contrar diferenças entre situações, apesar das que possam

uni-las; sintetizar novos conceitos, tomando conceitos an-

teriores e reordená-los de maneiras novas; formular idéias

que constituem novidades. Aqui nos encontramos diante

de um aparente paradoxo. Por sua própria natureza, os

computadores são as criaturas mais inflexíveis, incapazes

de desejar e obedientes às regras. Por mais rápidos que

possam ser, são também, ao mesmo tempo, a síntese da

inconsciência”23.

Estamos aqui bem longe do tradicional QI (quo-ciente de inteligência), tendencialmente restrito ao manejo lógico-matemático e ao domínio de conteú-dos repetitivos. Não se descarta o manejo lógico-ma-temático, porque é habilidade importante da mente, mas inteligência não pode ser vista apenas como tra-quejo linear, por mais que possa ser “virtuoso” (por exemplo, um violinista virtuoso: enquanto apenas re-produzir a peça permanece medíocre, sem falar que a figura mais fundamental é o compositor que criou a peça). Na definição de Hofstadter, nota-se claramen-te a tessitura complexa não linear da inteligência hu-mana, tipicamente interpretativa, criativa, questiona-dora, potencialmente disruptiva. Não se satisfaz em apenas afirmar, confirmar, verificar, mas lança-se a desbravar horizontes pela via do questionamento sis-temático. Ser inteligente não é apenas surpreender o traçado lógico do cenário, suas linhas recorrentes, mas descobrir o que nele se esconde, o que está sub-merso, o que poderia significar, que tipo de mensa-gem propõe, como ocorre com o fotógrafo inteligen-te. Não se contenta em “retratar”, mas busca impor a toda foto um fundo interpretativo surpreendente. Po-demos entender mensagens confusas, bem como con-fundir mensagens, porque na comunicação humana,

nada possui contornos estritamente lógicos e defini-dos, as expectativas são também conflitantes em quem comunica e em quem recebe a comunicação, já que o ambiente humano é sempre naturalmente estraté-gico, polarizado. Quando nos comunicamos também influenciamos e muitas vezes predomina a influência sobre a comunicação, à revelia do entendimento de Habermas21 (1989), que nega o caráter estratégico da ação comunicativa32. Sobretudo os sociólogos não conseguem aceitar que a ação comunicativa possa dar-se neste limbo angélico, porque a politicidade invade todas as entranhas2,3,27,33. Quando pessoas inteligentes se comunicam, também se confrontam e estabelecem entre elas relações de enorme complexidade não li-near.

SABER PENSAR E PADRONIZAÇÃO MENTAL

Como toda dinâmica complexa possui traços lineares (códigos), a mente também utiliza, para apreender a realidade, estratégias lineares. É o que ocorre em particular no conhecimento dito científico, mormente em sua versão modernista7, devotada a des-cobrir leis na realidade e embalada pela expectativa de, um dia, poder reduzir tudo o que existe a alguma fórmula matemática absolutamente simples (“everything theory”)1,19. Imaginava-se que a realidade seria complexa na aparência, na superfície. Pela via da análise (decomposição da realidade em partes cada vez menores) seria viável chegar ao fundo da realida-de e lá embaixo encontraríamos estrutura simples, lógico-experimental, matemática. O padrão predomi-naria sobre a dinâmica. Toda teoria científica tende a acreditar nisso, porque reduz o complexo a estrutu-ras mais simples, à medida que traça regularidades, que não só seriam mais facilmente manejáveis pelo método científico (positivista, neste caso)20, como principalmente seriam a essência do fenômeno (coin-cidência entre epistemologia e ontologia)10. Esta ex-pectativa desmoronou com o advento de posições não só críticas, mas principalmente autocríticas do conhe-cimento científico no assim chamado “pós-modernis-mo”29,31, capazes de perceber seus limites perante a realidade indevassável pela via das padronizações re-correntes. Tais padronizações metódicas não captam a dinâmica, mas apenas a regularidade da dinâmica.

Mesmo assim, este procedimento obteve resulta-dos e glórias incontáveis e decisivas, como se observa no rol das tecnologias inventadas através dos tempos, em especial nas tecnologias bélicas conhecidas e in-formáticas atuais. A mente possui este lado também.

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qual seria a solução mais adequada, é expressão de criatividade acentuada, mas igualmente da capacida-de de padronização. Quem vê tudo, não vê nada. Tra-ta-se de ver, num emaranhado de fatores, aquele ou aqueles que seriam os mais estratégicos e ficar com eles. Há nisto muito de criatividade tipicamente não linear, mas também a argúcia padronizadora que é capaz de perceber linhas na falta de linhas. Ao final, em ambos os casos temos intervenções interpretativas, porque, mesmo padronizando, a mente o faz para interpretar, não para reproduzir.

POLITICIDADE DO SABER PENSARConhecimento é a habilidade de questionamento.

Enquanto não se questiona, não se conhece. Apenas se reproduz. É o que sempre alegou a “teoria críti-ca”17 – a qualidade da teoria está em sua habilidade crítica, porque, ao tentar compreender a realidade, não a retrata, mas a desconstrói e reconstrói. Conhe-cimento possui potencialidade disruptiva, no sentido de que seu signo é rebeldia, confronto, contestação. Porque não aceitamos a realidade dada ou não a to-mamos como horizonte final, nos pomos a contestar, para interferir, superar. Há 40 mil anos ainda morá-vamos em cavernas. Hoje moramos em Nova Iorque. Se compararmos uma caverna com Nova Iorque, te-mos uma idéia do progresso que inventamos, a preço do conhecimento disruptivo, por mais que esta traje-tória esconda incontáveis problemas éticos7. Conhe-cimento é dinâmica ambígua: o mesmo conhecimen-to que esclarece, emancipa, é o mesmo que imbeciliza, convive com censura, coloniza22. Esta con-dição apenas escancara ainda mais a politicidade in-trínseca do conhecimento: com ele não só “pensa-mos”, “conhecemos”, sobretudo interferimos. Ao contrário do que o positivismo prega, o ambiente po-lítico não é espúrio, enfiado artificialmente de fora, mas mora dentro da mente humana, porque não sa-bemos pensar sem compromisso subjetivo e social, sem falar da localização multicultural. Neste sentido, ideologia não é excrescência, mas contraluz. Método não é apenas procedimento formal, é interferência. Precisamente é procedimento de interferência, cuja vantagem é de ser metódico, sistemático, testável.

Os termos não podem ser embaralhados logica-mente. Lógica é procedimento formal, faz parte do mundo da forma. Não prova, por isso, a existência de nada, apenas possível dedução/indução formal. Exis-tência não se reduz à lógica, porque na forma não mora ninguém. Temos forma, mas não somos apenas forma. Existir é modo de ser e de vir a ser9 – há nele

Perante o desconhecido, tende a proceder em três lances mais ou menos típicos: primeiro, procura no desconhecido o que haveria de conhecido, familiar; segundo, procura o que se repete; terceiro, se nada disso funciona, impõe uma ordem mental e damos a isto o nome de teoria. Nesta trajetória, entretanto, aparece o reverso da medalha intrinsecamente, à me-dida que o esforço por padronizar é reconstrutivo da realidade, não reprodutivo. Não temos na mente a realidade como tal, mas imagem reconstruída dela, de dentro para fora, autopoiética. Trai o lado inter-ventor deste procedimento, porque tentamos pren-der a dinâmica em estruturas que condizem muito mais com a expectativa do método, do que com a dinâmica não-linear. Para entender o não-linear re-corremos ao truque sempre em parte bisonho de o linearizar. Na teoria está um esforço de estruturação metódica da realidade, não a realidade como tal, que sempre acaba nos escapando. Não adianta procurar um fundo do que não tem fundo.

Temos, assim, que reconhecer a face padroniza-dora da mente e seus êxitos monumentais, por mais que hoje isto não nos satisfaça. Pesquisar não é repro-duzir a realidade, mas construir interpretações inteli-gentes. Por não refletirem estas diretamente a reali-dade, pois são interpretações subjetivas, ainda que metodicamente reguladas, as explicações são apenas aproximações possíveis e sempre frágeis, cuja finali-dade não é encerrar, mas animar a discussão infinda. Observando nossas tecnologias mais sofisticadas, ape-sar de serem artefatos lineares, revelam criatividade considerável, porque no fundo do conhecimento não emergem apenas procedimentos lógicos recorrentes, mas a rebeldia contestatória. Inventamos tecnologias porque o que estava dado não era tudo que desejáva-mos. A realidade que se nos apresenta não é o limite de atuação, mas o palco infindo de desbravamentos irrequietos. Por trás do que se mede, observa, cerca, há dinâmicas indomáveis inscritas na própria tessitura dialética da natureza. Esta é unidade de contrários, não apenas superfícies lisas e tranqüilas. Por exemplo, entender o que não se diz no que se diz, tomar o si-lêncio como mensagem, falar muito para não dizer nada implicam o manejo criativo da semântica da lin-guagem, tipicamente complexa não linear. Mas pode contribuir muito para sua compreensão o esforço de padronização de tais dinâmicas, desde que não se re-duza o complexo ao simples, mas tomemos truques simplificadores como portas de entrada para um mun-do sem fundo. Assim, perceber num instante, por obra do bom senso, em dado cenário muito complicado

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“modo”, forma, mas há sobretudo história irreversível. Esta é tipicamente complexa, não linear. Existência implica existências anteriores, por origem histórica e evolucionária, mas a elas não se reduz, nem a elas poderia voltar. Por isso, qualidade formal e política, logicamente horizontes diversos, se entrelaçam no existir. Uma está dentro da outra, sendo uma da or-dem dos meios (qualidade formal), e a outra dos fins (qualidade política). Facilmente separamos as coi-sas – procuramos qualidade política fora, em situações marcadas não tanto pela politicidade, quanto por es-tereótipos da “política”. Na universidade, extensão está separada do currículo, o que insinua que a for-mação política não seria curricular. Outros vão pro-curar a formação política do aluno no “centro acadê-mico”, sem perceber que este lugar é importante, mas nem de longe o mais profundo. O mais profundo está no próprio exercício da qualidade formal. À medida que abandonamos o argumento de autoridade em favor da autoridade do argumento, aprendemos a ar-gumentar, fundamentar, não a impor, aceitamos es-cutar os outros com atenção e responder civilizada-mente com contra-argumentos, partilhamos o saber pensar em nome de consensos frágeis e democráticos, não estamos apenas realizando a qualidade formal, mas intrinsecamente a qualidade política.

Reconhecemos hoje mais facilmente que pesquisa é princípio educativo. Com ela não só exercitamos método, forjamos sobretudo autonomia4. O aluno constitui-se sujeito mais visivelmente, à medida que descobre o lado disruptivo do conhecimento, é cha-mado a tornar-se autor, maneja conhecimento com elegância e habilidade18,28. “Educar pela pesquisa”8 tornou-se, aos poucos, referência fundamental da for-mação do aluno, porque expressa atividade auto-poiética, reconstrutiva e política. Por isso, saber pen-sar desdobra duplo horizonte combinado: de um lado, exige habilidade metodológica; de outro, habi-lidade política. Para saber mudar a história nada é mais útil que saber pensar14,25,30.

Quando desconstruímos e reconstruímos a reali-dade e respectivas teorias, não estamos apenas prati-cando traquejo metodológico, estamos, acima de tudo, interferindo de modo inteligente na realidade, realizando um dos horizontes mais fundamentais da cidadania: saber pensar para saber intervir. Cidadania supõe procedimentos democráticos, em nome do bem comum. Primeiro, não pode ser cidadania que destrói a cidadania dos outros. Postula a convivência possível, dentro de consensos alimentados pela auto-ridade do argumento5. Segundo, exige a comunidade

capaz de convencer sem vencer. Trata-se do apreço por esfera pública da discussão aberta, na qual melhor se resolvem os problemas, sem recurso a truculências. Cabe argumentar, não impor. Terceiro, pede consen-sos relativos (não relativistas), porque somente con-sensos relativos são discutíveis, tão profundos, quanto frágeis. Entre muitos problemas solúveis através de consensos comuns, há outros insolúveis, tendo em vista que somos problema apenas em parte solúvel. O poder sempre tem a tentação de traçar na sociedade linhas retas, como dizem autores da “lógica difusa”24, porque, em vez de consensos democráticos relativos, prefere a força. Quem sabe pensar não usa a força, mas o argumento. Ao mesmo tempo, quem sabe ar-gumentar, promove o contra-argumento. Jamais fe-cha a discussão, porque o sentido da discussão não é fechar, mas abrir para novas e infindáveis discussões.

Esta é a dinâmica não linear do conhecimento: desconstrói e reconstrói de maneira permanente – o que desconstrói, reconstrói; o que reconstrói, volta a desconstruir. Trata-se de dinâmica irreversível, como são evolução e história. Se a evolução começasse de novo (se é que começou), não teria a menor condição de resultar no mesmo processo atual, bem como se a história começasse de novo, não seria cabível repetir o mesmo trajeto histórico conhecido. Somos todos em certo sentido, iguais. Em outro sentido, diferentes. Esta combinação não linear de igualdade e diferença perfaz nosso modo de ser e de vir a ser. Somos iguais, porque somos diferentes e vice-versa. Quando olho uma foto da infância, reconheço-me como sendo ain-da eu, mas em outro momento. Mantemo-nos os mes-mos, porque mudamos. Há na natureza um horizonte complexo não linear que se recusa a repetir-se. Re-constrói-se indefinidamente. Ser inteligente não pode, por isso, reduzir-se a truques repetitivos. Sua elegância maior está na habilidade semântica capaz de perceber o erro em toda verdade e a verdade em todo erro.

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Aceito para publicação em 12/2004

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Revista da ABENO • 5(1):80-580

RESUMOEsse texto problematiza a passagem do modelo

rígido do currículo mínimo para a proposta mais fle-xível das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Gra-duação de Odontologia. Esta passagem pode ser con-siderada um avanço, mas de todo modo não é garantia substancial de mudança. Isso porque muitas propostas curriculares inovadoras acontecem apenas no papel, tornando-se letras mortas que em nada mu-dam a realidade do ensino. Um novo currículo na Odontologia exige mudança das concepções e práti-cas e o repensar sobre o verdadeiro sentido do ensino superior.

DESCRITORESCurrículo, tendências. Educação em Odontologia.

Ensino superior.

“Retomando meu ponto de partida, eu ousaria dizer que

não somos produtores de cultura somente porque somos

economicamente ‘dependentes’, ou porque a tecnocracia

devorou o humanismo, ou porque não dispomos de verbas

suficientes para transmitir conhecimentos, mas sim porque

a universidade está estruturada de tal forma que sua função

seja: dar a conhecer para que não se possa pensar. Adquirir

e reproduzir para não criar. Consumir em lugar de realizar

o trabalho de reflexão. Porque conhecemos para não pen-

sar, tudo quando atravessa as portas da universidade só tem

direito à entrada e à permanência se for reduzido a um

conhecimento, isto é, uma representação controlada e ma-

nipulada intelectualmente. É preciso que o real se conver-

ta em coisa morta para adquirir cidadania universitária.”5

As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Odontologia, aprovadas em 6 de

novembro de 2001, apontam novas orientações que devem ser necessariamente adotadas por todas as instituições do ensino superior do país. A última re-forma curricular no curso de graduação em Odonto-logia aconteceu em 1982 e a possibilidade de mudan-ças curriculares vem ao encontro dos anseios de professores, alunos e dirigentes1,2.

A passagem de uma política curricular que delimi-tava o número de disciplinas e conteúdos para um modelo mais flexível, com mais liberdade para as ins-tituições organizarem os currículos, pode ser conside-rada um avanço, mas de todo modo não é garantia substancial de mudanças.

A reflexão sobre as reformas curriculares do curso de graduação de Odontologia deve ser encarada com seriedade, para não corrermos o risco de elas se tor-narem apenas letras mortas, que em nada mudam a realidade do ensino. A preocupação deve ir além da reorganização de conteúdos, disciplinas, cargas horá-rias e tempo de duração dos cursos. É necessário re-pensar o verdadeiro sentido dos cursos de Odontolo-gia dentro do projeto universitário.

Nessa perspectiva é preciso resgatar o debate sobre o sentido do ensino universitário. Para que serve a

A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões

A universidade deve estar fundada na investigação livre e desinteressada, sendo o local por excelência da convivência com o saber.

Cristiane Lopes Simão Lemos*

* Docente da Faculdade de Odontologia do Centro Universitário UniEvangélica. E-mail: [email protected].

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A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS

universidade? Kant11 (1993), já no século XVIII, dis-cutia o sentido da existência da universidade como espaço do cultivo da mais lúcida consciência e de bus-ca incondicional da verdade, que para isso necessita da autonomia do pensamento e conseqüentemente da busca da razão. A compreensão do mundo físico e social e a produção de novas formas de existência co-letiva devem ser sua principal preocupação. “Sendo uma instituição social, [...] afirma, torna real e expres-sa tudo isso pela mediação da razão, do acadêmico. Essa é sua forma de ser e operar.”8

A universidade a priori deve estar fundada na in-vestigação livre e desinteressada, sendo o local por excelência de convivência com o saber. Entretanto historicamente ela tem servido a vários papéis. Em 1987, por exemplo, o relatório da OCDE* (Organiza-ção para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) atribuía 10 funções principais à instituição universitá-ria: educação geral pós-secundária, investigação, for-necimento de mão-de-obra qualificada, educação e treinamento altamente especializado, fortalecimento da competitividade da economia, mecanismo de sele-ção para empregos de alto nível através da credencia-lização, mobilidade social para os filhos e filhas das famílias operárias, prestação de serviços à região e à comunidade local, paradigmas de aplicação de políti-cas nacionais, preparação para os papéis de liderança social15.

Com fins tão contraditórios, a lógica da universi-dade como local do pensamento autônomo tem sido historicamente colocada em questão. As exigências do mercado e da sociedade muitas vezes têm prevale-cido colocando em risco a razão de ser e de existir da universidade. Os cursos de graduação, e entre eles o de Odontologia, têm servido mais como profissiona-lização, treinamento de técnicas e repasses das últimas novidades da tecnologia do que propriamente mo-mentos de construção do saber.

A REALIDADE DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DE ODONTOLOGIA

No Parecer 840/70 de 11 de novembro de 1970, que aprovou o currículo mínimo do curso de Odon-tologia, já se colocava o caráter do ensino odontoló-gico como eminentemente técnico e se alertava sobre a necessidade de uma formação acadêmica mais am-pla:

“Sendo o ensino da Odontologia eminentemente técnico,

seria de toda a conveniência que as escolas, ao compor o

currículo pleno, incluíssem matérias de cultura geral, do

domínio das ciências humanas, destinadas a alargar os ho-

rizontes intelectuais do profissional, integrá-lo melhor no

contexto sócio-cultural do país e do mundo e prepará-lo

para a liderança social que compete a todo universitá-

rio.”3

Passados 31 anos, a recente Lei de Diretrizes Cur-riculares Nacionais dos Cursos de Graduação de Odontologia (Parecer CNE/CES nº 1.300/01, apro-vado em 06/11/2001) reafirma a necessidade de uma formação mais ampla, generalista, humanista, crítica e reflexiva. O perfil do formando egresso apontado pela nova lei é o seguinte:

“Cirurgião-dentista, com formação generalista, humanista,

crítica e reflexiva para atuar em todos os níveis de atenção

à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado

ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da po-

pulação, pautado em princípios éticos, legais e na com-

preensão da realidade social, cultural e econômica do seu

meio, dirigindo sua atuação para a transformação da rea-

lidade em benefício da sociedade.”1

O discurso oficial, desde a década de 1970, está bastante coerente com as atuais idéias pedagógicas e aparece como uma proposta potencialmente renova-dora e sintonizada com os objetivos reais do ensino superior. Mas tais proclamações, entretanto, se não estiverem articuladas com uma política de graduação, construída por professores, alunos e administradores comprometidos com idéias e práticas realmente no-vas, que superem as velhas lógicas prevalentes no en-sino superior, não passarão de retórica fácil e encan-tadora, muito comum nas normas oficiais.

Não basta estabelecer e difundir um determinado discurso ideológico. É necessário ir além de modifica-ções quantitativas, acréscimos e deslocamentos de disciplinas e horas aulas, determinações de carga ho-rária e elenco de matérias, comumente chamadas de reformas curriculares.

O currículo deve ser visto como uma práxis, uma realidade dialética, construída e superada continua-mente por seus diferentes atores: alunos, professores, coordenadores. Sua natureza social e dinâmica impli-ca que é uma realidade passível de verdadeiras mu-

* A OCDE é uma instituição intergovernamental, com sede em Paris, composta atualmente por 29 países (entre os quais Portugal, membro fundador), que comungam, como valores essenciais, a democracia política, o respeito pelos direitos do homem e a economia de merca-do14.

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A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS

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o que leva os alunos nos últimos anos de graduação a se dedicarem quase que exclusivamente à prática clí-nica.

Por outro lado, a distribuição semanal de aulas por período é a seguinte: 1) 28 aulas, 2) 33 aulas, 3) 33 aulas, 4) 39 aulas, 5) 40 aulas, 6) 40 aulas, 7) 40 aulas, 8) 34 aulas. Essa organização temporal, acrescida das diversas atividades de cada disciplina impõe os alunos à uma corrida frenética para cumprir todas as exigên-cias do curso. São quatro anos corridos, onde não há tempo para a pesquisa, leitura, cultura, lazer. Na dis-sertação de mestrado de Lemos12 (2003), um profes-sor dessa faculdade diz:

“Outro fator que acontece na FOUFU é a falta de tempo

para estudar. O aluno assiste aula, aula, aula... E não tem

tempo para estudar... (Daí a necessidade de uma reforma

curricular). Desse modo o aluno não se envolve com outras

atividades como ir numa biblioteca, desenvolver outros

trabalhos dentro da disciplina, fazer um levantamento bi-

bliográfico, fazer um seminário ou mesmo estudar os as-

suntos relacionados com a disciplina no momento em que

elas estão sendo oferecidas. Com isto o aluno assiste aula,

ouve o que o professor fala e não estuda mais; pode ser que

ele estude na véspera da prova, para conseguir os sessenta

por cento da aprovação e só. (...). Acredito que a formação

não esteja voltada somente para aprendizagem de técnicas,

mas o fato da carga horária ser muito pesada favorece de-

mais a questão da técnica.”

A ênfase nas atividades práticas aliadas à pesada carga horária semanal privilegia o tecnicismo do cur-so de graduação. Se não há tempo para o estudo, tam-bém não há para: a dúvida, a crítica, reflexão e mu-dança. Há espaço apenas para a reprodução de idéias e de técnicas. As aulas se tornam lócus de disseminação de resultados obtidos, informações e verdades a serem repassadas, socializadas e consumidas. A dimensão do trabalho intelectual perde-se e torna-se difícil alcançar o perfil do egresso proposto pelas Diretrizes Curricu-lares do curso de graduação: profissional crítico, re-flexivo e transformador.

Por outro lado, os alunos também resistem às ati-vidades do pensamento. Ficam muito mais satisfeitos com aulas que levam os conteúdos selecionados e re-passados pelos professores, com modernos recursos educativos, sem muitos questionamentos. Sentem-se gratos com as disciplinas que disponibilizam aulas

danças dando-nos a possibilidade real de pensar e construir currículos diferentes dos existentes.

Mais importante que discussões sobre mudanças de conteúdos e carga horária, é compreender qual a relação que alunos e professores constroem em rela-ção ao saber e inventar caminhos para a realização do projeto universitário como cultivo do pensamento, da crítica, da imaginação, da sensibilidade. Nesse sentido o ensino superior deve ensinar o aluno a pensar, a criar. Em um mundo marcado pelas diferenças urge a necessidade da formação de cidadãos que questio-nem a realidade instituída e pensem e criem novas formas de existência coletiva.

Nessa perspectiva há de se repensar as lógicas pre-valentes atualmente no ensino de graduação da Odon-tologia. Muitos currículos propõem uma carga horá-ria tão pesada que não há nem tempo para o estudo. Por outro lado, os conteúdos são dados como prontos e acabados, não há espaço para argumentação e para a dúvida. As aulas tornam-se espaços estéreis de idéias, marcadas pela repetição de informações a serem co-piadas, memorizadas e repetidas por alunos. O pro-fessor privilegia o conhecimento dos modernos recur-sos tecnológicos (técnicas ou materiais de trabalho), buscando os “melhores” tratamentos para os pacien-tes e ignoram uma compreensão mais rigorosa dos saberes e práticas da Odontologia inseridos no proje-to universitário.

O repasse de informações toma o lugar da reflexão e da produção do pensamento. A memorização é pre-ferida ao debate e às discussões. A xerocópia dos ca-dernos dos alunos que retratam mais fielmente as falas dos professores durante as aulas torna-se o principal referencial teórico para os exames. Há uma desquali-ficação da teoria, pautada no princípio que o bom cirurgião-dentista é aquele que sabe fazer e domina uma boa técnica.

Um exemplo, que aqui será tomado como estudo de caso é a Faculdade de Odontologia da Universida-de Federal de Uberlândia (FOUFU)**, no estado de Minas Gerais. A carga horária do curso é de 4.110 horas, dividida em 2.745 horas de conteúdos práticos (66,78%) e 1.365 horas (33,21%) de conteúdos teóri-cos. Tais estimativas dão uma proporção de dois para um, ou seja, há quase duas vezes mais conteúdos prá-ticos do que conteúdos teóricos. O impressionante é que somente a disciplina de Clínica Integrada concen-tra uma carga de 1.020 horas exclusivamente prática,

** O currículo vigente da FOUFU foi aprovado em 1986 e encontra-se atualmente em fase de reformulação. A FOUFU foi objeto de estudo da dissertação de mestrado da autora.

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A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS

Por outro lado o mercado de trabalho tradicional da Odontologia tem sofrido mudanças radicais. Cór-don9 (1997) afirma que as mudanças atuais no mundo do trabalho trazem efeitos desestruturantes na cultu-ra tradicional da Odontologia, seja por efeito das pró-prias leis da oferta e procura, da publicidade ou pro-paganda (o “marketing”), seja pelo aparecimento das empresas de grande porte – as empresas de Saúde Bucal, que na verdade respondem a uma forma explí-cita de reproduzir o capital no interior de uma práti-ca liberal ainda “artesanal” e de pouca eficiência ge-rencial.

A pequena demanda de pacientes, o grande nú-mero de profissionais, as mudanças no mundo do trabalho do cirurgião-dentista geram a denominada crise do mercado profissional da prática liberal da Odontologia, na qual o cirurgião-dentista com forma-ção estritamente técnica terá muitas dificuldades de sobreviver.

Além disso, outro grande problema é a inserção dos 70% da população que nunca foram ao cirurgião-dentista ou tem acesso irregular à atenção odontoló-gica. O grande número de profissionais não causa impacto na melhora da saúde bucal no Brasil, pois sua formação acadêmica não está estruturada de forma a coletivizar o atendimento à saúde. Atenção odontoló-gica à população de baixa renda é considerada por muitos acadêmicos e profissionais da Odontologia como caridade e filantropismo.

Para Moysés13 (2004) a Odontologia está cami-nhando para rápido esgotamento do modelo que ali-mentou o ensino e prática para gerações de dentis-tas/professores até meados dos anos 1990. São milhares de profissionais da nova geração vivendo o efeito arrasador da ocupação precária, que favorece uma crescente “canibalização” profissional, fora mes-mo dos regramentos de mercado (por exemplo, com graves desvios de ética corporativa). Do ponto de vis-ta da ética maior, de inclusão social e sanitária, são milhões de brasileiros sem respostas aos seus proble-mas de saúde bucal. A mutilação bucal ou a falta de acesso aos serviços de qualidade é um sintoma da so-ciedade de exclusão e barbárie. O modelo de Odon-tologia ainda dominante, sob a lógica da competência técnica para o mercado privado e para ação “curado-ra”, não produz sujeitos políticos capazes de protago-nizar novas aberturas para a sociedade e para a pro-

para xerocópias. O exercício da vida intelectual não é fácil e exige o enfrentamento de dificuldades, de riscos, de frustrações, próprios da existência humana. Os alunos mais do que de problematizações e ques-tionamentos estão à procura de verdades que afastem suas dúvidas e perplexidades. Para Coêlho6 (1998), os alunos:

“Esperam encontrar em seus cursos mestres que lhes trans-

mitam certezas; que lhes ofereçam verdades a serem con-

sumidas; que sejam complacentes com seu desejo infantil

de conservar a posição privilegiada de centro das atenções;

e, não exijam que, duvidando de suas certezas e rompendo

com a imediatez do aqui e do agora, abracem o plano do

universal, das idéias, e das articulações teóricas.”

Por que a negação da intelectualidade no ensino superior, por parte de professores e alunos? Para Chauí5 (2001),o ensino superior está voltado mais para conhecer do que para pensar***, porque a uni-versidade está estruturada sobre o modelo da grande empresa capitalista, “tem o rendimento como fim, a burocracia como meio e as leis do mercado como condição”. Para essa autora, “a universidade, exata-mente como a empresa, está encarregada de produzir incompetentes sociais, presas fáceis de dominação e da rede de autoridades”.

Nos cursos de graduação de Odontologia brasilei-ros esta realidade se expressa pela formação tecnicis-ta, elitista e descontextualizada do contexto socioeco-nômico. Prepara-se o futuro cirurgião-dentista para ser um profissional com boa competência técnica e para atender o mercado privado caracterizado por pequena demanda de pacientes e superoferta de pro-fissionais e ignora-se que a maioria dos brasileiros não têm acesso aos cuidados de Odontologia.

As estimativas atuais evidenciam que somente cer-ca de 30% população brasileira tem acesso regular, anual, a serviços odontológicos, públicos ou privados, mas apenas o contingente de renda acima de 10 salá-rios mínimos poderia sustentar o custo da atenção odontológica privada de forma regular10,13.

As políticas de expansão do ensino superior no país possibilitaram um crescimento explosivo dos cur-sos de Odontologia, que saltou de 90 cursos em 1996 para 165 cursos em 2003, resultando em uma supero-ferta de cirurgiões-dentistas4.

*** Chauí5 (2001) aponta as diferenças entre conhecer e pensar. Conhecer é apropriar-se intelectualmente de um campo dado de fatos ou de idéias que constituem o saber estabelecido. Pensar é enfrentar pela reflexão a opacidade de uma experiência nova cujo sentido ainda precisa ser formulado e que não está dado em parte alguma, mas precisa ser formulado pelo trabalho reflexivo, sem outra garantia senão o contato com a própria experiência. O conhecimento se move na região do instituído; o pensamento, na do instituinte.

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fissão.Por isso, é de extrema relevância repensar o ensino

superior de Odontologia. Não podemos continuar formando nem “presas fáceis” para um mercado “ca-nibalizado” e nem “canibais” para sobreviverem nele. Devemos vislumbrar um horizonte diferente, como nos diz Coêlho7 (1999):

“Com efeito, o desafio maior, que justifica a existência das

instituições de ensino superior e confere dignidade ao tra-

balho de professores e estudantes, é a construção dos cur-

rículos, do ensino-aprendizagem, como formação humana

e intelectual, formação de homens e mulheres capazes de

enfrentar o trabalho intelectual, o mundo do fazer, da prá-

xis, sem abandonar a dimensão do pensamento, da crítica,

da liberdade, da democracia, da igualdade, da justiça, da

solidariedade, da fraternidade, da ética, da criação do novo,

do sonho, da utopia.”

Um novo amanhã no ensino superior está nas mãos de todos os atores que fazem parte do projeto universitário. Professores, alunos, coordenadores, ser-vidores necessitam abrir suas mentes para as possibi-lidades reais das Diretrizes Curriculares se tornarem um projeto de ensino novo e comprometido com a sociedade. Mais do que as reformas tradicionais de currículo que na verdade nada mudam na prática, precisamos entender que: pensar e reformar um cur-rículo implica em pensar e recriar o curso, a gradua-ção, a universidade, a política educacional concreta, em suas idéias, opções e práticas. O currículo neces-sita ser repensado em sua construção histórica, como uma realidade dialética e contraditória, construída e reconstruída continuamente. Ações que envolvam toda a comunidade acadêmica devem ser articuladas, superando a preocupação com os meios em benefício dos fins da educação superior.

CONCLUSÕESMais importante que discutir o currículo do ponto

de vista burocrático e legal, é repensar o real sentido da vida acadêmica, que professores e alunos constro-em em relação ao saber e à vida cotidiana. Como o espaço curricular é contraditório e não é uma reali-dade estática é possível construí-lo de maneira dife-rente do hoje. Para isso são necessários novas concep-ções, novas idéias, novos professores, novos alunos, que acreditem no novo, que estejam abertos às trans-formações e ao inesperado, que imaginem uma reali-dade diferente da que existe hoje, pois

“ao contrário do que a filosofia e as ciências nos levaram a

crer, em sua histórica desconfiança e desprezo para com a

imaginação, o irreal também é uma dimensão do real. Pro-

duzindo o imaginário, o homem se afirma e se constrói

como ser livre.”8

ABSTRACTThe implementation of National Curricular Guidelines for Undergraduate Courses ofdentistry in Brazil: some thoughts

The change of the rigid model of the minimum curriculum in undergraduate programs of dentistry to the more flexible proposal of the National Curricu-lar Guidelines for Dentistry Undergraduate Courses can be considered an advance. Still, it is not a substan-tial guarantee of changes. This is mostly because many innovative curricular proposals happen only in theory, not in reality. Some of them become written promises which do not change the reality of the educational process. A new curriculum in undergraduate pro-grams of dentistry demands changes of practices and concepts, and a true rethinking about the meaning of higher education.

DESCRIPTORSCurriculum, trends. Education, dental. Educa-

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6. Coêlho IM. Diretrizes Curriculares e ensino de graduação. Es-

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8. Coêlho IM. Ensino de graduação: a lógica de organização do

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9. Córdon J. A transformação do paradigma giesiano, até hoje

Page 85: volume5, n° 1

Revista da ABENO • 5(1):80-5 85

A implantação das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Odontologia no Brasil: algumas reflexões • Lemos CLS

hegemônico na formação e organização da prática odontoló-

gica através de uma avaliação inovadora, crítica e científica.

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10. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [citado 2003

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Aceito para publicação em 12/2004

Atenção,autores!

Page 86: volume5, n° 1

Revista da ABENO • 5(1):86-9486

docente, acreditou-se dificuldades poderiam ser mi-

nimizadas, tendo em vista que esta composição estaria

adequada ao perfil desejado. Entretanto, de acordo

com as solicitações do Ministério da Educação, estes

professores deverão ser portadores de títulos de Dou-

tores, Mestres ou Especialistas divergindo do modelo

desejado. Sugeriu-se a sintonização desses processos

GRUPO 11) Como a integração do ensino poderá

contribuir para a formação do aluno e a atenção à saúde?Referindo-se a primeira questão as discussões cen-

traram em torno da formação dos núcleos temáticos

como forma facilitadora para se alcançar a integração

Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO

Belo Horizonte - MG - 29 a 31 de julho de 2004

A aplicação das diretrizes curriculares com a visão integrativa trouxe resultados positivos tanto no sentido técnico-acadêmico quanto humano.

texto, a necessidade da formação pedagógica assume papel relevante no perfil do docente.

A interação com o discente, desde o seu ingresso no ciclo básico ao clínico, permite ao mesmo a com-preensão do processo interativo da saúde como resul-tado final da incorporação do processo ensino-apren-dizagem.

Experiências relatadas por membros deste grupo ressaltaram resultados positivos, quando das atuações interativas tanto no sentido técnico-acadêmico quan-to humano, com equipes multidisciplinares tanto no âmbito público como privado.

No que se referiu a atenção integral, sediado nas discussões, pôde-se observar que as atitudes multidis-ciplinares e/ou multiprofissionais e a realização do planejamento adequado em conjunto com a forma-ção acadêmica resultariam na atenção integral a saú-de.

2) Em um curriculum integrado como con-tornar a problemática do professor es-pecialista?Com relação a questão do problema do professor

especialista, na condição de formação atual do corpo

aluno-professor desde o início da formação acadêmica nas ativida-des profissionais. Foram também referenciadas experiências posi-tivas em relação a aplicabilidade das diretrizes curriculares já com a nova visão. A integração foi bas-tante discutida como forma para atingir a integralidade. Neste con-

formativos harmonizando não só os domínios cognitivos e psicomo-tores, mas também os afetivos.

A partir do corpo docente for-mado, sugeriu-se a conscientização deste para a incorporação das ati-tudes. Esta conscientização deveria relacionar-se com aspecto evoluti-vo contínuo e não necessariamente

mudanças drásticas.As atitudes integradas, independentemente da es-

pecialidade, possibilitam a integralização facilitando a atuação profissional nos pólos de saúde.

A sintonia entre a formação do professor, o apren-dizado do aluno e a prática das ações integradas de saúde capacita à inserção do profissional no mercado de trabalho.

3) Na visão das universidades, como deve ser a parceria com o SUS?Após a discussão sobre a questão acima se optou

pela formulação de uma seqüência de itens observan-do pontos positivos e negativos. Os itens relacionados em seqüência deverão ser levados em consideração para a construção de uma proposta consistente com referência a viabilização da parceria.

São eles:1. Do ponto de vista do ensino:

• Ensino como prioridade.• Formação de alunos preparados para o mercado

de trabalho.2. Capacitação profissional:

• Condições de oferta do corpo docente na atuali-

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

zação de profissionais, incluindo os da rede públi-ca.

3. Prestação de serviço:A prestação de serviço deve ser entendida como

um acordo bilateral entre a universidade e o SUS.4. Pesquisa:

A universidade é dotada de condições favoráveis à realização da pesquisa direcionada à produção de be-nefícios à coletividade.5. Tipos de procedimentos a serem realizados:

Tendo em vista o desejo da atenção integral, os pacientes serão portadores dos mais diferentes graus de complexidade. A inserção desses pacientes deverá respeitar o projeto de ensino em seu momento, sendo que qualquer parceria deverá obedecer a integralida-de do ensino e atenção à saúde. Além disso deverá ser respeitada a questão ética quando da avaliação de pa-cientes não inseridos no projeto de assistência inte-gral.6. Área geográfica de atendimento:

Em função da especificidade de cada região, faz-se necessária a organização da área de ação definida pelo convênio.7. Viabilização da parceria:

• Estudo para definição de uma tabela representada pelo tipo e valores de procedimentos (custo/pro-cedimento).

• Estudo para a definição de valor unitário (custo/paciente).

• Estudo para adequação e inserção de procedimen-tos técnicos e educacionais.

• Estudo para instalação de convênios multiprofis-sionais.

• Estudo da relação custo-benefício do convênio.• Qualquer convênio que estabelecido por normas

contratuais deverá respeitar humanização na aten-ção à saúde.

GRUPO 21) Como a integração do ensino poderá

contribuir para a formação do aluno e a atenção à saúde?Tradicionalmente a integração do ensino em

Odontologia era realizada somente nos dois últimos períodos. Verifica-se que a dificuldade em antecipar este processo, é o fato de a maioria dos cursos apre-sentarem o ensino departamentalizado. A sugestão de mudança é a de integrar desde os períodos anteriores, com atenção ao paciente, que deve ser assistido por uma equipe de alunos com uma única entrada (Se-

miologia, por exemplo) ou via triagem onde será es-tabelecido um plano de tratamento e não um atendi-mento fragmentado, isto é, por procedimento.

Foram relatadas experiências neste sentido onde um docente é responsável pela coordenação de uma equipe de professores, onde a integração já começa no terceiro ano. A equipe de alunos do terceiro ao quinto ano é capitaniada por um aluno do quinto ano. É elaborado um plano de tratamento que é discutido na forma de seminário.

Considera-se que os currículos estão passando por muitas mudanças, sendo a Clínica Integrada a mais desafiada. Embora a Odontologia esteja muito bem no cenário das profissões, a grande questão é a forma-ção generalista direcionada para o atendimento inte-gral do paciente, devendo este ser esclarecido dos procedimentos que serão realizados.

Outro aspecto é o aprofundamento dos conteúdos das disciplinas, não havendo espaço para o que realmente necessita ser informado dentro de uma realidade. No modelo atual o aluno não pensa e nem planeja, executa o que lhe é determinado. Na nova proposta haverá um planejamento inicial de tra-tamento onde o aluno saberá o “porquê” e “para quê”.

Foi discutida a dificuldade de reunir os professores e fazer com que compreendam a mudança de mode-lo, sendo uma das estratégias o comprometimento do aluno. Este desempenharia um papel integrador e de ligação do professor com a direção.

O aluno deve ser preparado para as políticas de saúde bucal integrando-se no contexto do SUS.

Temos um compromisso de passar ao aluno o con-ceito de integralidade formando não só cirurgiões-dentistas mas verdadeiros cidadãos, profissionais de saúde.

2) Em um curriculum integrado como con-tornar a problemática do professor es-pecialista?

• O professor deve vir da sua disciplina especializa-da, mas agindo de forma generalista na Clínica Integrada.

• Definir os objetivos da Clínica Integrada.• Fazer seminários para reciclagem dos professores

com temas diversos daqueles de suas especialida-des.

• A problemática da equipe de professores genera-listas na faculdades particulares (onde só se pode ter um professor para cada cinco alunos) – como formar a equipe?

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

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• Grande número de especialidades e o aprofunda-mento das disciplinas na graduação.

• Formar profissionais para a prática com Clínica Integrada.

• Pensar no tipo de atuação na clínica a partir dos dados epidemiológicos.

• A universidade não faz extensão, com isso não co-nhece a realidade do município.

• É o papel social da faculdade que vai formar um profissional com inserção social.

• A universidade está descontextualizada socialmen-te.A população que hoje procura a faculdade de

Odontologia, não tem o mesmo perfil socioeconômi-co que antigamente. Hoje seu perfil é mais alto pois as classes mais baixas não têm condição nem mesmo de arcar com este tipo de tratamento.

3) Na visão das universidades, como deve ser a parceria com o SUS?

• Reservar vagas para recém-formado.• O profissional que está sendo admitido tem que

ter um perfil para aquele serviço.

especializados. O SUS paga o atendimento primá-rio, o tratamento restaurador tende a diminuir.

• A universidade será requisitada para procedimen-tos mais especializados.

• Parceria – estagiário de Odontologia.• Descer do pedestal dos professores, o professor

tem que saber da realidade do SUS.• O aluno tem que ter outro impacto.• Não é o perfil do professor de Saúde Coletiva.• Perfil de pensador.• Preciso ensinar meus alunos a fazer diagnóstico.• Colocar o nosso aluno no SUS.• O próprio dentista do sistema acha que o aluno é

uma ameaça, que o sistema abra as portas para o aluno entrar.

• Reciclar duas vezes por ano o profissional do SUS.

• Só se aprende o que é bom intramuros: o aluno tem que ser formado para todas as realidades.

• A universidade tem que garantir a sua indepen-dência. A produção de conhecimento, buscar al-ternativas para respostas. A universidade tem que

A Saúde Coletiva na Odontologia como um modelo norteador da ação integral à saúde poderá ser um eixo aglutinador na formação do cidadão do curso de graduação.

• A seleção tem que ser feita em-basada naquele perfil da neces-sidade. Esta é a crítica da aca-demia.

• A pareceria do SUS está sendo evocada com muita veemência, a partir do Ministério da Saúde ter assumido o SUS.

• O perfil do profissional do SUS é o que nós formamos. Tem que estar apto a trabalhar tanto no público como no privado.

• Trabalho em equipe.• Sensibilização aos problemas brasileiros, etc.• Nós docentes temos que mudar.• Trabalhar por objetivos, o aluno pode cobrar por

objetivos.• Trabalhar no serviço que futuramente será o SUS,

treinamento dentro da situação real.• O professor ir no serviço e ver a realidade, o cená-

rio diferente.• Sobre objetivo: quais o conteúdos, o que precisa

incorporar, ou o que precisa só conhecer.• Capacitação docente – ironizado – especializado

em SUS (EU sou susista!).• Parceria – a atenção primária fora da universida-

de, dentro da universidade, atendimento mais

colaborar na produção de co-nhecimento e além do serviço clínico.

• A questão da produtividade, per-de-se autonomia. Financiamen-to direto para não ser uma mera prestadora de serviços para os SUS.

• Não convênio de procedimen-tos.

• A universidade como referência de segundo nível e de terceiro nível. A universidade vai gerir este financiamento.

• Parceria – ensino, pesquisa, capacitação de recur-sos humanos e extensão.

• Preocupação da exclusividade ao SUS.• A faculdade é formadora de recursos humanos.• Equilíbrio, sem radicalismos de mudança.• Possibilidade do professor atender paciente parti-

cular na universidade.• Imposição da faculdade sobre as condições dos

convênios.

GRUPO 31) Como a integração do ensino poderá

contribuir para a formação do aluno e a atenção à saúde?

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

A abordagem da questão da integração do ensino odontológico não é uma questão nova, haja vista o conceito de Clínica Integrada e o plano piloto de en-sino integrado de Diamantina, que foi uma primeira tentativa de resolver os problemas do ensino de Odon-tologia. Entretanto, o ensino dos cursos de graduação continua fragmentado, o que dificulta a atenção inte-gral à saúde levando a uma angústia que se reflete no corpo discente como um todo.

É de suma importância a integração do ensino devido a sua complexidade e uma discussão detalhada deve ser levada a efeito. Assim, é possível construir um ensino integrado, porém se não houver uma mudan-ça de conceitos e atitudes nem sempre esse tipo de ensino levará ou resultará em uma ação de prática integralizada.

É preciso questionar os porquês: definir a prática que queremos e que conceito político-pedagógico vamos adotar para formar o profissional necessário para a nossa sociedade.

A Saúde Coletiva na Odontologia como um mo-delo norteador da ação integral à saúde poderá ser um eixo aglutinador na formação do cidadão do cur-so de graduação, não deixando de lado uma adequa-da integração com os cursos de pós-graduação lato e stricto sensu.

2) Em um curriculum integrado como con-tornar a problemática do professor es-pecialista?O professor é o elo fraco do sistema, pois a fraca

formação pedagógica, perfil inadequado para a prá-tica de Clínica Integrada e a dificuldade de ultrapassar a barreira da fragmentação, por ter sido formado no mesmo paradigma, dificultam uma prática de ensino integrado.

Uma das maneiras de se conseguir a integração seria unir o professor e o aluno numa proposta de construção do conhecimento para atingir a ação inte-gral.

O fato de o professor ter uma formação especiali-zada não limita o conhecimento geral e não impede que ele tenha uma prática integrada desde que haja motivação e sejam superadas as dificuldades já cita-das.

Na formação do professor não esquecer do papel dos cursos de mestrado, onde muitas vezes o recém-formado inicia sua formação acadêmica sem ter a vi-vência do todo, dificultando, no futuro, uma referên-cia de atuação integralizada. O mestrado pode formar o superespecialista desde que construa também um

profissional consciente do papel do docente, com vi-são humanística e ética e com a mentalidade de tra-balho em equipe.

Os programas de pós-graduação têm como tarefa a formação do professor, do especialista e do pesqui-sador. A sua mensuração, pelos órgãos competentes, é feita a partir da produção científica através de pu-blicações, gerando dificuldades de conseguir uma identidade da formação do professor, que possa aten-der às exigências da avaliação e esquecendo da avalia-ção da formação pedagógica e, conseqüentemente, dificultando a prática da graduação.

3) Na visão das universidades, como deve ser a parceria com o SUS?Deveria ser estabelecida uma parceria no sentido

amplo da palavra, ou seja, onde o espaço e as especi-ficidades dos dois lados fossem bem definidos e res-peitados pelas partes.

A universidade teria três papéis principais:1. Prestador de serviços: a universidade precisa estabe-

lecer que tipo de serviço pode e é do seu interesse prestar, dentro do projeto pedagógico, e através de diálogo estabelecer com o SUS a definição de que tipo de serviço lhe interessa dentro de uma hierarquização.Existe a visão por parte de alguns gestores do SUS,

de que a universidade já presta o serviço, portanto não há necessidade de um novo convênio. Além disso, existe setorialmente uma dificuldade político-partidá-ria no estabelecimento do protocolo de convênio, que geralmente tem que ser rediscutido a cada nova ges-tão.2. Formação de recursos: as diretrizes curriculares

apontam para uma formação profissional vinculada às necessidades do SUS, até como alternativa ao mercado de trabalho. Assim, a universidade pode formar pessoal de apoio, como THDs, e ao mes-mo tempo é também seu papel contribuir para a educação continuada, capacitando os profissionais que já atuam ou que pretendem atuar na rede de serviços para que possam se ajustar ao modelo de atenção proposto pelo SUS.

3. Formação de conhecimento: há a necessidade de uma capacitação mínima de ambos os lados. O alu-no indo ao SUS vai trazer uma retroalimentação de novas informações que serão absorvidas e aplicadas no projeto pedagógico do curso. Por outro lado, os profissionais do SUS terão que adquirir os conhe-cimentos necessários para receber adequadamente alunos e estagiários.

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

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Formar o aluno para o SUS é uma conseqüência natural, que sem dúvida irá ampliar o conhecimento integrado a ser ensinado em Odontologia, pois terá que saber integrar, criticar, ouvir, reivindicar e deba-ter.

Independentemente do fato da universidade ter base de financiamento com recursos de origem públi-ca ou privada, ela é um bem público, pois desenvolve conhecimento, tecnologia e visa à formação de pro-fissionais para atenção a população. A educação é uma concessão governamental e, portanto, deve ser regu-lamentada e fiscalizada pelo Estado. Entretanto, o crescimento desordenado de cursos pode dificultar, em algumas regiões, a capacidade de absorção de alu-nos e/ou profissionais pela rede de serviços, o que pode vir a ser um fator limitante para a abertura de novos cursos.

GRUPO 41) Como a integração do ensino poderá

contribuir para a formação do aluno e a atenção à saúde?

verdade. Deve-se ver o que o outro faz, para ver se é melhor do que o que estamos fazendo, e se po-demos adotar ou não o melhor.”

2) Em um curriculum integrado como con-tornar a problemática do professor es-pecialista?O professor de Clínica Integrada tem que:

• ter competência profissional para trabalhar as di-ferentes fases de formação do aluno;

• ser polivalente e conhecer os fundamentos de to-das as especialidades;

• não necessita ser um especialista;• ter visão generalista;• ser responsável junto ao aluno pelo tratamento do

paciente.A Clínica Integrada deve:

• ter como meta ensinar o aluno a ver a Odontologia como um todo no diagnóstico, planejamento e tratamento;

• quebrar o paradigma do aprendizado fragmenta-do.Algumas faculdades têm Clínicas Integradas for-

madas apenas por especialistas e isto não está correto.

O referencial que nos dá infor-mações sobre a importância da Clínica Integrada é o egresso dos cursos de Odontologia. Se a clínica for realmente integrada, o profis-sional será generalista, crítico e reflexivo.

Quanto mais qualificado é o professor mais difícil se torna en-

caixá-lo no perfil da Clínica Integrada (por exemplo, o professor que acaba de concluir o Doutorado no exterior).

Casos clínicos mais complexos devem ser encami-nhados para clínicas de referência.

A Clínica Integrada deve ser iniciada precocemen-te no currículo e não no final do mesmo.

A resposta do grupo se deu na realidade da Facul-dade Unimontes. A Unimontes tem Clínica Integrada do 4º ao 9º período e Saúde Coletiva em todas as eta-pas. A superação das diferenças entre os professores se deu através do estudo. Os professores se reunem para discutir o planejamento e estudar (para ser um profissional integral), sendo que no final de cada se-mestre sempre sai um trabalho a ser publicado ba-seado neste estudo. A resposta-chave está então na

• Enfatizar a Saúde Coletiva nos currículos, possibilitando vi-vências do aluno com a comu-nidade, possibilitando maior compromisso social e uma vi-são mais humanística. Desse modo, estaremos também pre-parando melhor nosso aluno para enfrentar as necessidades do PSF.

• Deve incorporar o lado huma-nístico com a técnica, não menosprezando a habi-lidade.

• Flexibilização do projeto político-pedagógico do curso, possibilitando assim mudá-lo de acordo com as necessidades do mercado de trabalho. Cada curso deverá ser capaz de formar pessoas com capacidade de resolutividade.

• Conhecer o perfil epidemiológico da nação brasi-leira e especialmente da região de cada curso, atendendo melhor às necessidades da popula-ção.

• Muito mais do que a integração técnica, tem que inserir a capacidade diagnóstica, melhorar a fun-damentação científica, aguçar o senso crítico do aluno para atender a adversidade.

• “Nessa reunião da ABENO ninguém é dono da

A fragmentação do ensino na graduação dificulta a atenção integral à saúde.Por isso, o professor de Clínica Integrada deve ser polivalente e conhecer os fundamentos de todas as especialidades.

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

educação permanente dos professores, quer sejam especialistas ou não.

Finalizando, questionou-se a dificuldade encon-trada nas escolas particulares, no sentido de se fazer reuniões com os docentes, pois os mesmos vão querer receber pelo comparecimento para estes estudos de reciclagem.

3) Na visão das universidades, como deve ser a parceria com o SUS?O grupo por unanimidade teve o entendimento

que a parceria entre a universidade e o SUS se faz necessária, ressaltando as seguintes considerações:

• Respeito à autonomia universitária em relação ao posicionamento científico das instituições de en-sino.

• O SUS deverá aproveitar o conhecimento gerado pela universidade e por outro lado esta deverá ab-sorver a experiência acumulada pelo SUS.

• Deverá haver um entendimento entre as partes para que os projetos efetivamente se realizem.

• As universidades deverão mobilizar-se no sentido de participar efetivamente nos conselhos estadual e municipal de Saúde.

• O SUS deverá estar na busca da atualização das nomenclaturas nas diversas especialidades de atuação, observando também o processo de atua-lização dos valores aplicados aos procedimentos.

GRUPO 51) Como a integração do ensino poderá

contribuir para a formação do aluno e a atenção à saúde?A integração do ensino vai contribuir para a for-

mação do aluno:1. Atuando em um modelo integrado, (diferente da

atuação da Clínica Integrada) desde o início da formação do aluno.

2. Permitindo que haja uma uniformização, onde o aluno cresce a partir das diversidades encontra-das.

3. Otimizando a atuação do profissional.4. Permitindo uma atenção integral do paciente.5. Concorrendo para a consolidação dos elementos

para o estabelecimento de um diagnóstico que considere o sujeito em todas as suas relações.

6. Aprendendo a trabalhar paciente/comunidade, facilitando o compromisso com o trabalho comu-nitário.

7. Permitindo que o aluno tenha uma visão holística do paciente, ou seja, permitindo a humanização

da Odontologia.Frases citadas:

• “Antigamente o TODO era junção de partes, hoje não necessariamente o TODO é uma junção de partes.”

• “Não podemos trabalhar mais em feudos.”• “Temos que MUDAR, trabalhar na visão humanis-

ta: UM OLHAR PARA O PACIENTE.”• “Poucos professores viveram um modelo integra-

do e portanto precisam ser preparados – trabalho emocional – sociometria.”

• “Professores têm que resgatar o processo pedagó-gico.”

• “Para mudar é preciso tempo, dedicação e persis-tência.”

• “A questão de mudança é uma questão cultural e não é tão simples assim.”

• “Tem que destruir o curriculum antigo, nada de ajustes, tem que começar um novo.”

• “A grande dificuldade é a grade curricular que o próprio MEC deixou para ser trabalhada.”

• “Este modelo: - tem que reconhecer a competência do docen-

te; - tem que estar discutindo mecanismos de inte-

gração; - tem que rever as matrizes curriculares.”

• Entidades como a ABENO devem estar abertas para discussões como esta e possibilitar a divulga-ção das mesmas.

2) Em um curriculum integrado como con-tornar a problemática do professor es-pecialista?O grupo ressalta a importância do professor espe-

cialista no processo de formação profissional e enten-de que a questão que foi discutida refere-se ao apro-veitamento do especialista no modelo integrado. E fez as seguintes considerações:1. O primeiro ponto a ser destacado é que deve haver

vontade política de mudança originada no curso e respaldada pela Instituição.

2. Paralelamente à vontade política deve acontecer uma mudança na cultura organizacional de disci-plinas/departamentos.

3. No modelo integrado, o professor deve ter conhe-cimento abrangente de todas as áreas da Odontolo-gia voltadas para o diagnóstico e planejamento do tratamento. Para isso, sugere-se a realização de se-minários de capacitação, assim como de discussão sobre o Projeto Pedagógico e Matriz Curricular.

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

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4. Há necessidade da discussão, dentro das especiali-dades, sobre a responsabilidade de ensino de cada área e da definição das competências e habilidades de cada especialidade, visando a formação do pro-fissional generalista, evitando alta complexidade de procedimentos em cada especialidade. Faz-se necessário definir os limites do generalista.

5. Dentro do currículo integrado, cada professor es-pecialista deve participar com o que tem de me-lhor. Entretanto, todos devem ter conhecimento e capacidade de atuar no diagnóstico e plano de tratamento, além da sua especialidade.

3) Na visão das universidades, como deve ser a parceria com o SUS?A aproximação SUS/universidade requer meca-

nismos de reconhecimento, de estudo dos marcos regulatórios, de assimilação do referencial filosófico-doutrinário e de reconfiguração da percepção acerca do sistema.

efetiva nos colegiados que tratam da questão SUS nas diferentes esferas (municipal, estadual e fe-deral).

4. A ABENO precisa intermediar junto aos órgãos governamentais e não-governamentais espaços re-gionais para discussão dessa integração.

GRUPO 61) Como a integração do ensino poderá

contribuir para a formação do aluno e a atenção à saúde?Houve consenso do grupo de que a integração está

na ordem do dia e que o CD é um profissional que deve ser visto como agente de saúde que muita vezes, em sua prática diária, diagnostica doenças não iden-tificadas por outros profissionais da área.

A interdisciplinaridade deve ser exercida para que se transforme o conceito do paciente como objeto para paciente como sujeito, com necessidades básicas

Formar o aluno para o SUS, sem dúvida, irá ampliar o conhecimento integrado a ser ensinado em Odontologia. O entendimento do sistema exige um esforço individual que “ultrapasse os limites do céu da boca”.

Concebido como modelo assis-tencial que privilegia a atenção integral, o sistema por vezes des-perta reação negativa a partir do pouco conhecimento sobre o mes-mo.

O SUS, portanto, precisa ser melhor conhecido pela universi-dade, para superar, inclusive, a idéia de que as faculdades serão transformadas em postos de aten-dimento do SUS.

Toda parceria pressupõe que ambas as partes de-vem ganhar e, para tanto, sentar-se a mesa para (re)conhecer-se é o primeiro passo.

Enquanto filosofia de trabalho o SUS exige uma reconfiguração do modo de perceber a atenção à saú-de. A operacionalização requer um estudo de médio e longo prazos, uma vez que não fomos formados para atuar nessa filosofia.

Entender o SUS exige um esforço individual que “ultrapasse os limites do céu da boca”.

No grupo há consenso quanto aos seguintes aspec-tos:1. Respeitadas as limitações de cada parte, não será

possível abrir mão da autonomia de gestão do en-sino por parte da universidade.

2. Não é possível acreditar que o PSF é a “tábua de salvação” da empregabilidade na Odontologia.

3. A universidade precisa ter uma presença mais

para sua sobrevivência: condições de moradia, alimentação, educa-ção, etc., até porque, o contexto social exige hoje a formação de pro-fissionais generalistas para dar con-ta das necessidades do sujeito, as-sim, um profissional apto para integrar as equipes do PSF. Um pro-fissional capaz de integrar e se co-municar com profissionais de ou-tras áreas de saúde.

Para tanto, o grupo acha recomendável:• Nas escolas particulares, as freqüentes mudanças

no corpo docente serem combatidas.• As disciplinas do ciclo básico, que o grupo reco-

menda serem chamados de fundamentais, não devem ser desvinculadas da prática clínica e se possível ser ministradas por CD. O aluno deve en-xergar a integração a partir do ciclo fundamen-tal.

• Os projetos pedagógicos serem construídos e exe-cutados com a finalidade de formar o profissional integral para evitar o desejo de especialização pelo aluno já nos primeiros anos de curso. Esta idéia é reforçada pelos próprios professores, que são, na totalidade, especialistas que exercem seu poder coercitivo sobre os alunos e, invariavelmente soli-citaram orientação de especialistas. Sugestão do grupo para este problema é de que os cursos de especialização e mestrado não aceitem alunos re-cém-formados. É necessário que se tenha um tem-

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

po mínimo de prática clínica generalista.• Devem ser incentivadas as discussões com o grupo

de professores sobre integração vertical e horizon-tal e reuniões por eixos de conteúdo. Estes con-teúdos devem ser readequados para que se atinja o objetivo que é formar o profissional com o novo perfil: o do profissional que extrapola a boca e o corpo.

• O bom planejamento de casos clínicos é funda-mental para solucionar a compartimentalização da Clínica Integrada. Independente de quem orienta, se bem planejado o caso, o aluno poderá ter a visão integral do mesmo. A maior aproxima-ção com a realidade social durante a formação do aluno deve ser incentivada. Ainda, há que se que-brar paradigmas tais como a acomodação do cor-po docente, principalmente das públicas.

• Mudança da mentalidade sobre o mercado de tra-balho, pois hoje o maior empregador formal é o SUS. Esta questão é reforçada pela lei 80/80 e pe-las diretrizes curriculares que apontam para a for-mação do generalista adequado as estratégias das políticas públicas de saúde, pois a atual destinação de verbas para a saúde bucal é fato jamais visto na política de saúde do país.

2) Em um curriculum integrado como con-tornar a problemática do professor es-pecialista?

• Integração das disciplinas básicas e profissionali-zantes.

• Clínica Integrada antecipada.• Problematização de casos na Clínica Integrada.• Nortear eixos para integração. Ex.: propedêuti-

ca.• Reforçar a questão do planejamento para os casos

clínicos a serem tratados.• Filosofia de trabalho continuado desde a pré-clí-

nica.• Criar a idéia do paciente vinculado ao aluno; o

tratamento é de responsabilidade do aluno do iní-cio ao fim.

• No projeto político-pedagógico deve se adequar a ação docente do especialista ao perfil do profissio-nal a ser formado.

• Oficinas didático-pedagógicas. Apoio da direção para que os docentes sejam adequados à filosofia da integração.

• Formação dos professores dentro da própria ins-tituição, pelos próprios colegas.

• O especialista ainda é importante pois em casos especiais em termos de complexidade a solução

cabe a eles. Por outro lado, são casos que não de-vem ser objeto de graduação.

• Promover reuniões de calibração, mas evitar que sejam um momento de reafirmação de conheci-mentos superespecializados.

• A CAPES deve ter uma ação conjugada com as diretrizes curriculares.

• Estágio docente em Clínica Integrada deve ser adotado pelos programas de mestrado.

• Discussões entre professores de várias especialida-des para estabelecer condutas comuns na clínica.

• O professor de clínica deve ser eclético, mas total-mente parece ser impossível.

• Reflexão – será que o professor generalista sobre-vive no mercado de trabalho da docência, já que exigem-se dele qualidade e quantidade de publi-cações?

• A formação de docentes não está em consonância com a graduação.

• A graduação já está se adequando, falta adequar a pós-graduação.

• Os professores não têm bagagem clínica suficien-te.

• A formação dos dirigentes da CAPES é, na maioria, nas áreas básicas.

• Conseqüentemente, não há sensibilidade para a vivência clínica.

• Os trabalhos de teor integrado não são aceitos para a publicação.

• Alunos com mais publicações são preferidos, nos programas de mestrado, a profissionais com vivên-cia clínica.

• Os mestrados não preconizam a prática, portanto os mestres não podem ser considerados especialis-tas.

• Quem levou à superespecialização da graduação foram os programas de pós-graduação stricto sen-su.

• Há que se rever o papel dos programas de mestra-do, que deve ser a formação de professores de Odontologia.

3) Na visão das universidades, como deve ser a parceria com o SUS?A necessidade da parceria entre universidade e

SUS é indiscutível e deve acontecer de forma a não ferir as individualidades ou particularidades dos en-volvidos, dos parceiros.

Para as Instituições que ainda não têm convênio com o SUS, para que ocorra interesse delas, precisar-se-ia de uma avaliação da remuneração paga pelos serviços prestados, bem como, reavaliação do teto de

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Relatório com base nos resultados dos Grupos de Discussão reunidos na XXXIX Reunião Anual da ABENO, 2004

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repasse da verba para incentivo à realização do aten-dimento às Instituições já credenciadas.

No relacionamento, o respeito às ações das univer-sidades, quanto aos seus objetivos como centro de formação de idéias e ações, representa não interferir no Ensino, na Extensão e na Pesquisa Institucional.

Para melhor aproveitar a relação/parceria, a uni-versidade deve conhecer melhor a política do SUS: o que é o SUS e a quem beneficia, para, somente assim, poder formar profissionais que possam atender a de-manda do serviço de forma satisfatória.

O repasse financeiro, embora importante, é fator secundário. O importante é não tornar o repasse/pa-gamento prioritário, uma vez que o serviço já é reali-zado.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos da área de Saúde contemplam a formação de profis-sionais para atuar no Sistema de Saúde vigente, o que representa formar profissionais qualificados e habili-tados à assistência integral à Saúde. Como universida-de, devemos mostrar o quão importante é a valoriza-

ção desse profissional pelo SUS, para que se persista na formação dos alunos dentro da filosofia do Sistema Único de Saúde.

A participação das universidades nos Pólos de Edu-cação Permanente é mais uma das maneiras para via-bilizar essa parceria.

Através da parceria, a universidade deve agir de forma a melhorar a qualidade e quantidade dos ser-viços oferecidos dentro de condições físicas adequa-das.

A mobilização das universidades é importante para melhorar os serviços prestados e até para a inclusão de outros procedimentos; para que ocorra a efetivação da parceria também é importante a reestruturação curricular, usando a preparação para a realidade de saúde do país, podendo a Odontologia ser valorizada como são as demais áreas de Saúde. Com isso, são satisfeitas as necessidades da comunidade e forma-se o profissional com capacidade de desenvolver melhor seu papel e exigir melhores condições.

Edição: José Luiz Lage-Marques

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odontológico no Brasil

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Revista da ABENO • 5(1):95 95

transformação do processo interno das instituições de ensino superior”.Tarde:• 14 às 17 horas - Trabalho em grupos sobre os temas das Mesas.• 17 às 19 horas - Reuniões das Comissões da ABENO e de Seções Estaduais.Manhã e tarde: Sessões de pôsteres sobre ensino.

Dia 20Manhã:

• Plenária para a apresentação dos relatórios dos grupos.

• Assembléia Geral da ABENO.Tarde:

• Oficina sobre tema pedagógico.• Seminário “Ensinando e Aprendendo”.

Dia 21Passeios e/ou retorno.

Dia 16Durante o dia: Credenciamento dos participantes.

Dia 17Manhã e tarde: Seminário do INEP (ENADE e avalia-ção das condições de ensino).

Dia 18Manhã: Encerramento do Seminário do INEP.Tarde:

• Mesa 1: “A Universidade como produtora de ser-viço sob a ótica dos gestores estaduais e municipais de saúde”.

• Mesa 2: “A intervenção mínima como conheci-mento gerado na Universidade e aplicado em to-dos os níveis de atenção à saúde”.

Manhã e tarde: Sessões de pôsteres sobre ensino.Noite: Cerimônia de abertura da Reunião.

Dia 19Manhã: Mesa: “A pós-graduação como indutora da

40ª Reunião Anual da Associação Brasileira de Ensino Odontológico e XXXI Encontro Nacional dos Dirigentes de Faculdades de Odontologia

Tema central: “Universidade promotora de conhecimentos,saúde e prestadora de serviços”

Balneário Camboriú - SC - 17 a 21 de agosto de 2005

Informações:

Prazo para inscrição de trabalhos sobre ensino: 16 de maio de 2005.• Inscrições para a 40ª Reunião da ABENO e de trabalhos - consulte a página eletrônica:www.abeno.org.br.

Informações gerais: e-mail: [email protected] ou fone: (61) 356-9611.• Viagem para a 40ª Reunião da ABENO, translado do aeroporto, hospedagem e passeios - consulte a

página eletrônica: www.acatur.tur.br.

Informações:

Prazo para inscrição de trabalhos sobre ensino: 16 de maio de 2005.• Inscrições para a 40ª Reunião da ABENO e de trabalhos - consulte a página eletrônica:www.abeno.org.br.www.abeno.org.br.www.abeno.org.br

Informações gerais: e-mail: [email protected] ou fone: (61) 356-9611.• Viagem para a 40ª Reunião da ABENO, translado do aeroporto, hospedagem e passeios - consulte a

página eletrônica: www.acatur.tur.br.www.acatur.tur.br.www.acatur.tur.br

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Revista da ABENO • 5(1):9696

Normas para apresentaçãode originais

devem ser evitadas e quando possível substituídas por referências aos trabalhos bibliográficos mais recentes, onde certos aspectos e revisões já tenham sido apresentados. Lembre-se que trabalhos e re-sumos de teses devem sofrer modificações de forma a se apresentarem adequadamente, não só na forma mas como no texto, alterado na nova formatação, no número de páginas e em outras exigências de uma revista, em relação ao número de tabelas, fotos etc.

b) Material e métodos: a descrição dos métodos usados deve ser suficientemente clara para possibilitar a perfeita compreensão e repetição do trabalho, não sendo extensa. Técnicas já publicadas, a menos que tenham sido modificadas, devem ser apenas citadas (obrigatoriamente).

c) Resultados: deverão ser apresentados com o mínimo possível de discussão ou interpretação pessoal, acompanhados de tabelas e/ou material ilustrativo adequado, quando necessário. Dados estatísticos devem ser submetidos a análises apropriadas.

d) Discussão: deve estar (ser) restrita ao significado dos dados obtidos, resultados alcançados, relação do conhecimento já existente, sendo evitadas hipóteses não fundamentadas nos resultados.

e) Conclusões: devem estar baseadas no próprio texto.

f) Agradecimentos (quando houver).

6. Abstract: Resumo do texto em inglês.

7. Descriptors: Versão dos descritores para o inglês.

8. Referências bibliográficas: Devem ser ordenadas alfabeticamente, numeradas e normatizadas de acordo com o Estilo Vancouver, conforme orientações do “Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals” (http://www.icmje.org). As abreviaturas dos títulos dos periódicos citados deverão estar de acordo com o “List of Journals Indexed in Index Medicus”.

V. Endereço - E-mail, fone e fax de todos os autores.

VI. Encaminhamento de originais:1. Pelo site: www.abeno.org.br

2. Pelo correio:

REVISTA DA ABENO - Associação Brasileira de Ensino OdontológicoUniversidade Católica de BrasíliaCurso de OdontologiaNova Sede QS 07 Lote 01 - Bairro Águas Claras

CEP: 72030-170 - Brasília - DF.

I. Originais - Os originais deverão ser redigidos em português ou inglês e digitados na fonte Arial tamanho 12 em folhas de papel tamanho A4, com espaço 1,5 e margem de 3 cm de cada um dos lados, perfazendo o total de no máximo 17 páginas, incluindo as ilustrações (gráficos, tabelas, fotografias etc.) ou no máximo 25.000 caracteres contando os espaços.

II. Ilustrações - As ilustrações (tabelas, quadros, gráficos, desenhos e fotos) deverão ser limitadas ao mínimo indispensável, apresentadas em folhas separadas (papel) e numeradas consecutivamente em algarismos arábicos. As fotografias deverão ser fornecidas em mídia digital em no mínimo 300 dpi. As respectivas legendas deverão ser concisas e localizadas abaixo e precedidas da numeração correspondente. Deverão ser indicados os locais no texto para inserção das imagens. Nas tabelas e quadros a legenda deverá ser colocada na parte superior.

III. Encaminhamento - Encaminhar para o endereço apresentado no item VI três vias do original de no máximo 17 páginas no total (incluindo ilustrações) e CD-ROM com dois arquivos, um arquivo com texto completo e outro arquivo contendo as ilustrações. Essa tarefa é facilitada pela documentação padronizada disponível no endereço: www.abeno.org.br (formulários para os autores).

IV. A estrutura do original1. Cabeçalho: Quando os artigos forem em português,

colocar título e subtítulo em português e inglês; quando os artigos forem em inglês, colocar título e subtítulo em inglês e português. O título deve ser breve e indicativo da exata finalidade do trabalho.

2. Autores: Indicação em nota de rodapé de apenas um título universitário ou cargo que indique a sua autoridade em relação ao assunto.

3. Resumo: Representa a condensação do conteúdo, expondo metodologia, resultados e conclusões, não excedendo 250 palavras e em um único parágrafo. O resumo em inglês, deve, dentro do possível, acompanhar a apresentação do resumo em português. Deve ser centralizado e não há necessidade de colocar o título “Resumo”.

4. Descritores: Palavras ou expressões que identifiquem o conteúdo do artigo. Para sua determinação, consultar a lista de “Descritores em Ciências da Saúde - DeCS” (http://decs.bvs.br) (no máximo 5).

5. Texto: Deverá seguir, dentro do possível, a seguinte estrutura:

a) Introdução: deve apresentar com clareza o objetivo do trabalho e sua relação com os outros trabalhos na mesma linha ou área. Extensas revisões de literatura