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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PEDRO PAULO SILVA
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Biguaçu
2010
2
PEDRO PAULO SILVA
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Luiz César Silva Ferreira
Biguaçu 2010
3
Dedico esta monografia, “Primeiramente a Deus, por ter-me
proporcionado os fundamentos da sabedoria e não me
deixando faltar nada. Embora eu caminhe por um vale sombrio,
nenhum mal temerei, pois junto a mim ele está e a sua áurea
de sabedoria permanecerá comigo, por dias sem fim”. (Salmo
23: vs. 4 e 6). À minha esposa e companheira pela presença
constante na elaboração dos trabalhos, mesmo nos momentos
obscuro do intelecto, ajudando a cumprir com amor, os meus
ideais. Aos meus filhos, Emersom, Jucimara, Jane e Janaina, o
maior patrimônio da minha vida, por terem disponibilizado
tempo e conteúdo dos seus conhecimentos para a elaboração
desta monografia. Aos meus irmãos, genros e nora, amigos
das confidências, pelo carinho, preocupação e por terem
sempre acreditado no meu ideal, a minha enorme gratidão.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu amigo e Orientador, Prof. MSc. Luiz César Silva Ferreira pela
compreensão e os incentivos.
À Profª Marilene do Espírito Santo que com sua dedicação e brilhantismo,
contribuiu para a construção de um novo saber, disponibilizando a todos nós,
explicações e informações acerca de temas divergentes e conflitantes.
Agradeço também, com menções honrosas e aplausivas, a desenvoltura
e a praticidade elaborativa das atividades pedagógicas desses exímios mestres do
ensino. Sei que todos os méritos serão sempre destes avivadores do saber pela
capacidade de se preparar, se dedicar, intensificar os momentos em pró do
conhecimento e da sabedoria.
À Claúdia, André, Valter, Michel, Du, Dejair, Andrey, Ana, Idalício,
Osvaldo, Wilhens e Fernando, amigos polivalentes.
A todos os meus amigos do curso, pelos momentos que passamos juntos,
pelas dificuldades e alegrias que compartilhamos. Momentos esses, que ficarão
eternizados em cada um de nós, no seguimento da razão e na reflexão da saudade.
Por fim, gostaria de agradecer a todos aqueles que participaram dessa
trajetória, que foram e são especiais pelo simples fato de existirem na minha vida.
5
“A criança é a nossa mais rica matéria-prima. Abandoná-la à própria sorte ou desassisti-la em suas necessidades de proteção e amparo é crime de lesa-pátria. É dever de todos recuperar para a sociedade, os menores que o destino marginalizou, para fazer deles cidadãos prestantes e homens e mulheres úteis ao Brasil. Negar-lhes a nossa solidariedade humana, patriótica e cristã, é uma irreparável traição nacional”
Tancredo Neves – 22/09/83.
6
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 03 de novembro de 2010.
Pedro Paulo Silva
Graduando
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RESUMO
O referido estudo visa demonstrar os elementos, as características e os fatores que abarcam a (im)possibilidade de redução da maioridade penal em seus vários aspectos e descreve a sua viabilidade jurídica em face das vedações estabelecidas pela Constituição Federal ao Poder Constituinte Derivado Reformador. No tocante aos objetivos específicos, o respectivo trabalho monográfico, aborda conceitos e generalidades acerca das reformas constitucionais, realizadas por meio do processo solene previsto na própria constituição, iniciando, por questão de harmonia do texto, com as reformas informais pelas quais se submetem diariamente as constituições levando o legislativo brasileiro a tomar este tema como ponto chave para a resolução do problema. Busca-se a lógica positiva do enfoque sobre aspectos teóricos da teoria do poder constituinte derivado e das limitações ao poder constituinte derivado reformador. Igualmente evidenciar que esse último tópico é subdivido em limitações temporais, formais e materiais, na qual, as materiais, por sua vez, divididas em implícitas e explícitas. Posteriormente, terá o respectivo trabalho, a função de cingir a questão da imputabilidade do menor, comentando o enfoque constitucional do problema (cláusula pétrea) e os critérios utilizados para decidir sobre a mesma imputabilidade, especificamente da menoridade penal, trazendo critérios e um breve histórico do direito nacional, relativo à compreensão acerca do tema da menoridade no ordenamento jurídico e a exposição a respeito do tratamento do indivíduo tido como menor de idade pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Ressalta ainda, aqui neste tópico, seus princípios reitores e seus objetivos principais. Na abrangência desta pesquisa será preciso ainda debruçar-se sobre a discussão que toma forma da possibilidade da redução da maioridade penal, com a tese que imperam de que tal redução seria um afronta à Constituição Federal. Contrapondo, conforme diversos posicionamentos acerca da redução da maioridade penal discutir-se-á o fato de o constituinte original ter incluído o tema no Capítulo VII da Constituição, desse modo, não se constituindo em uma garantia individual. Por derradeiro, visa este estudo acadêmico observar os tratados internacionais, do qual o Brasil é signatário, sendo que em seu conteúdo está inserido o tema da redução da maioridade penal como um afronta os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Nesta linha temática, enfoca-se ainda a questão de outro motivo proibitivo da redução da maioridade penal, seja o princípio da proibição ao retrocesso, como sendo um direito subjetivo negativo, no sentido de que é possível impugnar judicialmente e impedir medidas legislativas que venham subtrair uma norma constitucional, juridicamente posicionada pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Poder Constituinte; Cláusulas Pétreas; Imputabilidade; Estatuto da Criança e do Adolescente; Maioridade Penal; Inconstitucionalidade.
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ABSTRACT
The study aims to demonstrate the elements, characteristics and factors related to (im)possibility of reducing the legal age in its various aspects and describes its viability in the face of legal prohibitions established by the Constitution to Constituent Power Derived Reform. With regard to specific objectives, their monograph, discusses concepts and generalities about the constitutional reforms made by the process set out in solemn constitution itself, beginning as a matter of harmony of the text, with the reforms for which informal undergo the daily constitutions leading the Brazilian legislature to take this issue as key to solving the problem by strengthening the focus on theoretical aspects of the theory of constituent power derived from the limitations and the constituent power secondary reformer. Also show that this last topic is subdivided into time constraints, formal and material, in which the materials, in turn, divided into implicit and explicit. Later, their work will have the function of covering the issue of accountability of the child, commenting on the constitutional approach to the problem (entrenchment clause) and the criteria used to decide on the same accountability, specifically the criminal minority, providing criteria and a brief history of national law on the understanding of the issue of minors in the legal and exposure regarding the treatment of the individual considered minor by the Children and Adolescents. Emphasizes, in this thread, its guiding principles and main goals. In the scope of this research focuses on the discussion that takes the form of the possible reduction of criminal majority, with the thesis that rule that such a reduction would be an affront to the Constitution. Opposed, as different positions on reducing the legal age, I discussed the fact that the original constituents have included the topic in Chapter VII of the Constitution thus do not constitute a guarantee individual. For last, this academic study aims to observe the international treaties to which Brazil is a signatory, and its content is inserted into the theme of reducing the legal age as an affront to fundamental rights of children and adolescents. In this thematic line, is focused on the issue yet another reason for reducing the prohibitive legal age, is the principle prohibiting the relapse, as a subjective right negative in the sense that it is possible to challenge in court and legislative measures that will prevent escape a constitutional, legally placed by the Supreme Court.
Keywords: Contituent Power; Entrenchment Clause; Liability; Statute of Childern and Adolescents; Criminal Majoriy; Unconstitutionality
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1 PODER CONSTITUINTE E REFORMA CONSTITUCIONAL .............................. 13
1.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ............................................................. 14
1.2 REFORMA CONSTITUCIONAL ......................................................................... 18
1.2.1 Poder Constituinte Difuso ........................................................................... 18
1.2.2 Poder Constituinte Derivado Reformador ................................................... 21
1.2.3 Limitações ao Poder Constituinte derivado reformador ............................ 24
1.2.3.1 Limitações Materiais ao Poder Constituinte Derivado
Reformador .............................................................................................................. 26
2 IMPUTABILIDADE, MENORIDADE E TRATAMENTO DO MENOR
SEGUNDO O ECA ................................................................................................... 34
2.1 IMPUTABILIDADE ............................................................................................. 34
2.2 MENORIDADE ................................................................................................... 39
2.3 TRATAMENTO DADO AO ADOLESCENTE INFRATOR .................................. 41
2.3.1 Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da proteção
integral .................................................................................................................... 42
2.3.2 Da prática de ato infracional e as medidas socioeducativas .................... 46
3 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL ..... 55
3.1 MAIORIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA ......................................... 55
3.2 DA POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DA REDUÇÃO DA
MAIORIDADE PENAL .............................................................................................. 56
3.3 DA IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DA REDUÇÃO DA
MAIORIDADE PENAL .............................................................................................. 63
10
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 76
11
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico especificamente tem como objetivo
evidenciar os estudos decorrentes das pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais
acerca da (in)viabilidade constitucional da redução da maioridade penal.
Dessa forma, a importância da pesquisa será pautada na análise das
legislações impetradas pelo Poder Constituinte Originário, das Cláusulas Pétreas, do
Estatuto da Criança e do Adolescente e da possibilidade ou não redução da
maioridade penal.
Os métodos de abordagem a ser utilizado no respectivo trabalho
monográfico será o dedutivo por considerar que a pesquisa se assentará nos
estudos doutrinários e jurisprudenciais e, por derradeiro, irá abordar os
posicionamentos das controvérsias a respeito do termo inicial da redução da
maioridade penal quanto à possibilidade ou não de alteração do texto constitucional.
Para o desenvolvimento do objetivo proposto, a elaboração desta
monografia será dividida em três capítulos.
O primeiro capítulo trata da análise do Poder Constituinte, buscando trazer
os principais delineamentos acerca do respectivo instituto jurídico. Na arquitetura da
elaboração, serão tratados os conceitos das reformas constitucionais formais, ou
seja, aquelas realizadas por meio do processo solene previsto na própria
constituição, quando, então serão abordados aspectos teóricos da teoria do poder
constituinte derivado e mais as limitações que será descrito no desenvolvimento a
seguir.
No segundo capítulo transcorre-se em síntese, das conceituações do
Estatuto da Criança e do Adolescente e a Doutrina da proteção integral, ressaltando
seus princípios reitores e seus objetivos principais.
O terceiro capítulo aborda com ênfase o cerne delineativo da possibilidade
da redução da maioridade penal em detrimento do respectivo entendimento
doutrinário de que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no
12
tocante à maioridade penal, no particular aspecto do art. 228, permite a alteração
sob o fundamento de que a sistemática da Constituição não incluiu a
inimputabilidade penal aos dezoito anos de idade como direito individual
fundamental, porquanto a sobredita Carta, todavia, inseriu a respectiva norma no
capítulo inerente à família, criança, adolescente e o idoso, não se tratando de direito
fundamental.
13
CAPÍTULO 01
1 PODER CONSTITUINTE E REFORMA CONSTITUCIONAL
O prefácio teórico diante do que é claro, e aqui ressaltando os estudos sobre
a reforma constitucional e as suas limitações ao Poder Constituinte Derivado
Reformador, visa analisar o conteúdo da norma constitucional estabelecidas pelo
Poder Constituinte Originário como verificação da essência em poder classificá-la
em material ou formal e pesquisar acerca da possibilidade de redução da maioridade
penal, cuja discussão tem ganhado corpo no âmbito político, buscando estabelecer
sua viabilidade jurídica em face das vedações estabelecidas pela Constituição
Federal ao Poder Constituinte Derivado Reformador. Nesse contexto, nada mais
normal que iniciá-lo por uma abordagem voltada para a Constituição da República.
Assim, nesta primeira parte deste capítulo será tratado, primeiro, do Poder
Constituinte, buscando trazer os principais delineamentos acerca de sua teoria, que
vem sendo desenvolvida desde a revolução francesa.
Na segunda parte, serão analisadas as reformas constitucionais,
iniciando, por questão de harmonia do texto, com as reformas informais pelas quais
se submetem diariamente as constituições.
Em seguida, será feito a análise sobre a idéia central das reformas
constitucionais formais, ou seja, aquelas realizadas por meio do processo solene
previsto na própria constituição, quando, então, serão abordados aspectos teóricos
da teoria do poder constituinte derivado.
Após, mas ainda na segunda parte, será discorrido o conteúdo,
finalmente, das limitações ao poder constituinte derivado reformador. Esse último
tópico será subdivido em limitações temporais, formais e materiais. As materiais, por
sua vez, serão novamente divididas em implícitas e explícitas.
14
1.1 PODER CONSTITUINTE (ORIGINÁRIO)
Constituição, na visão de Bulos é “um conjunto de normas jurídicas que
estatuem direitos, prerrogativas, garantias, competências, deveres e encargos,
consistindo na lei fundamental da sociedade”. 1
Barroso ressalta que se pode falar de uma Constituição histórica ou
institucional, que se refere ao modo de organização do poder político do Estado.
Nesse sentido o termo constituição designa um dado da realidade, presente em
todos os Estados, uma vez que todos tiveram normas que tratavam da organização
de suas instituições.2 Na perspectiva moderna, contudo, quando se fala em
Constituição se está emprestando ao termo um sentido político ou jurídico, que
implica em conceitos totalmente diferentes do fornecido acima. Na perspectiva
política, constituição é “o conjunto de decisões do poder constituinte ao criar ou
reconstruir o Estado, instituindo os órgãos de poder e disciplinado as relações que
manterão entre si e com a sociedade.”3 No sentido jurídico é preciso distinguir duas
dimensões.
No sentido material, que toma como parâmetro o conteúdo das normas, a
Constituição “organiza o exercício do poder político, define os direitos fundamentais,
consagra valores e indica fins públicos a serem realizados.”4 Em sentido formal, que
se refere a sua posição no sistema, “a Constituição é a norma fundamental e
superior, que regula o modo de produção das demais normas do ordenamento
jurídico e limita o seu conteúdo.”5
Poder constituinte, nesse contexto, “é a potência que faz a constituição, e,
ao mesmo tempo, a competência que a modifica.”6 Nesse sentido é que se diz que
tanto na elaboração da Constituição como na edição de emendas constitucionais há
manifestação do próprio poder constituinte.
1BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 100. 2BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 74. 3BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. p. 74. 4BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. p. 74. 5BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. p. 74. 6BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 381.
15
Nesse tópico, contudo, trataremos apenas do poder constituinte originário,
aquele que, na definição de Bulos faz a constituição7.
Da mesma forma que se pode falar de uma constituição histórica, que
existiu em todas as sociedades, sendo, portanto, um dado da realidade e não uma
construção jurídica, “também o poder constituinte, como intuitivo, está presente
desde as primeiras organizações políticas. [...] A teoria do poder constituinte [...] é
que só recebeu elaboração em época mais recente‟‟. 8
O poder constituinte, nas palavras de Bulos, quando originário ou criador
da constituição (e não o modificador), é um poder de fato, pois sua natureza é fática.
É, portanto, um poder que está fora do direito (metajurídico). Um poder pressuposto
e que brota das relações político-sociais.9
Barroso explica que há, na realidade, discussão acerca da natureza do
Poder Constituinte. Isso porque há quem o submeta ao direito natural, o que
fatalmente acabaria por lhe qualificar como um poder jurídico. Já o positivismo
considera, tal qual Bulos, que “como o poder constituinte cria – ou refunda – o
Estado, sendo anterior a ele, trata-se de um poder de fato, uma força política,
situada fora do Direito [...] e insuscetível de integrar seu objeto.”10
São sete as características do poder constituinte:
Inicialidade – antecede e origina a ordem jurídica do Estado, que somente passa a existir com o advento da constituição que ele criou.
Soberania – mais do que um poder autônomo, é autossuficiente. Haure sua força em si mesmo, não se vinculando a prescrições jurídico-positivas para embasá-lo. Não constitui um dado interno do mundo do Direito, pois não é um fato jurídico. Logo, não tem como referencial atos normativos; estes é que lhe tomam de parâmetro, pois, para serem válidos, devem conformar-se à sua obra-prima: a constituição do Estado.
Incondicionalidade – como potência que atua no período de elaboração constitucional, é a forma de todas as formas, antecedendo a todas as criações legais e humanas, pois transcende a todas elas. Não encontra condicionamento ao seu exercício. É juridicamente ilimitado e livre de toda e qualquer formalidade.
7 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 283.
8BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. p. 94. 9BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 387.
10BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. p. 109.
16
Latência – é um poder latente, atemporal, contínuo, pois está pronto para ser acionado a qualquer momento.
Instantaneidade – depois de elaborada a constituição, a potência cessa instantaneamente, deixando a sua obra pronta até o dia em que o pulsar dos acontecimentos exija mudanças no texto originário da carta magna. Então a competência reformadora das constituições é acionada, época em que o poder constituinte volta, mas sob as vestes do poder constituinte secundário.
Inalienabilidade – seus titulares não poderão deixar de exercê-lo, sob o argumento de que é indisponível, porquanto pode ser acionado a qualquer hora. A inalienabilidade pois, é um corolário da permanência.
Especialidade – não elabora as leis comuns, mas somente a constituição. Sua função, portanto, é especial: elaborar a norma fundante da ordem jurídica, o documento supremo de um povo, e não as leis e atos normativos em geral. Estes ficam a cargo do legislador ordinário.11
Como um fato, o Poder Constituinte se impõe. Nesse contexto, Barroso
ensina que o debate a respeito da titularidade do poder constituinte não tem por
objetivo descrever a força material que o exerce. Como poder soberano ele não se
sujeita a um controle de validade, pois ele é o fundamento de validade da ordem
jurídica. Ele se sujeita exclusivamente a um controle de legitimidade. E a questão da
sua titularidade importa justamente para isso: definir sua legitimidade.12
Em um estágio primitivo o poder se legitimava pela força bruta. Era a
capacidade física do indivíduo que lhe dava ascendência sobre o grupo e a
possibilidade de melhor proteger a coletividade contra ameaças externas de todos
os tipos.13
Em seguida o caráter divino assumiu a incumbência de justificar o poder,
cuja titularidade recairia diretamente sobre Deus. Essa idéia partiu da fusão de
Estado e Igreja ocorrida na idade média, período justamente no qual foi dominante.14
Depois, a partir do fim da idade média e o fortalecimento do Estado
soberano, a titularidade do poder passa ao monarca, embora sob a concessão de
11
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 388. 12
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 104. 13
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 104. 14
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 105.
17
Deus. Assim, embora essa evolução tenha iniciado o delineamento do conceito de
soberania, o monarca continuava dependente do reconhecimento da Igreja.15
Por fim, surge a idéia de que da soberania nacional, pela qual o titular do
poder constituinte é a própria nação.16 A Constituição brasileira de 1988 adota
expressamente esta última teoria, ao dispor, em seu art. 1º, parágrafo único, que
“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.”17
Questão intrincada são os limites desse poder. Sieyès, como se sabe,
perfilhava a tese de que o Poder Constituinte era subordinado ao direito natural (via,
portanto, o Poder constituinte como um poder jurídico). Nesse contexto, o direito
natural limitaria o Poder Constituinte.18
Não obstante, dentro da vertente positivista, que vê no Poder Constituinte
um poder de fato, estranho ao Direito e por ele pressuposto, não haveria limitações.
Contudo, Bulos ensina que isso só é verdade juridicamente. Ou seja, o poder
constituinte criador ou originário só é ilimitado juridicamente. Contudo, “no campo
material, muito além das fronteiras do Direito Positivo, nenhum poder é
completamente inicial, autônomo e incondicionado, latente, instantâneo, inalienável
e especial.”19 Diante disso, arremata:
Se é certo que, da ótica normativa, o poder constituinte originário apresenta todas aquelas características acima estudadas, mais exato ainda é que ele encontra – do ângulo sociológico, filosófico, econômico, religioso e político – vedações em seu exercício.
Daí os autores enfatizarem que o poder constituinte originário se limita pelas estruturas políticas, sociais, econômicas e culturais dominantes na sociedade, bem como pelos valores ideológicos de que são portadores.20
Assim, embora juridicamente, o Poder Constituinte Originário não
encontre limitações, subsistem as limitações não jurídicas. Contudo, cumpre trazer à
15
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 105. 16
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 104-108. 17
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2010. 18
SIEYÈS, Abade Emmanuel Joseph apud BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 393, p. 382. 19
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 393. 20
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 393.
18
baila importante discussão doutrinária que vê nas declarações internacionais de
direito uma limitação ao Poder Constituinte que se pretenda legítimo. Barroso, nesse
sentido, salienta que
Uma última limitação que a doutrina passou a reconhecer de maneira praticamente unânime nos últimos tempos decorre dos princípios do direito internacional e, especialmente, dos direitos humanos. Após a Segunda Guerra Mundial, notadamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, passou-se a reconhecer aqueles direitos como um patamar mínimo a ser observado por todos os Estados na organização do poder e nas suas relações com seus cidadãos.21
Bulos, por sua vez, classifica essas limitações, decorrentes de normas de
Direito Internacional, em extrajurídicas-substanciais-heterônomas.22
1.2 REFORMA CONSTITUCIONAL
A Constituição pode ser modificada por meio de dois tipos de processo.
Um, denominado formal, é o que se apresenta por meio da reforma constitucional
propriamente dita, ou seja, por meio do procedimento adequado previsto na própria
constituição. Outro, denominado informal, é o que se dá pela chamada mutação
constitucional.23
Ambos são importantes para o desenvolvimento e principalmente, para a
longevidade de uma Constituição. Trataremos primeiro do Poder Constituinte Difuso
porque o Poder Constituinte Derivado Reformador, tema do tópico seguinte, liga-se
melhor ao assuntos posteriores, embora metodologicamente fosse mais coerente
abordá-lo antes.
1.2.1 Poder Constituinte Difuso
Mutação constitucional é conceituada por Barroso como sendo “uma
alteração do significado de determinada norma da Constituição, sem observância do
21
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p.p. 118-119. 22
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 394. 23
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 123.
19
mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas e, além disso, sem que
tenha havido qualquer modificação de seu texto”. 24
Esse fenômeno parte do raciocínio de que “a norma tem a pretensão de
conformar os fatos ao seu mandamento, mas não é imune às resistências que eles
podem oferecer, nem aos fatores reais do poder”.25 Ela pressupõe a superação da
rígida separação entre o mundo do Direito (o ser) e a realidade fática (o dever-ser),
“imposta pelo positivismo jurídico.”26
O fenômeno da mutação constitucional pôde ser verificado em diversos
momentos históricos. Barroso, citando Alckerman, traz o exemplo da situação dos
Estados Unidos da América, onde há consenso de que as maiores mudanças em
termos de direito constitucional se deram no âmbito da interpretação constitucional.
Essa mudança teve como principais causas, de um lado, a evolução
jurisprudencial da Suprema Corte e, de outro, as leis editadas principalmente na
década de 60 do século XX, que, embora destituídas de poder para mudar a
constituição, acabaram como inspiradoras da interpretação desta.
Daí porque concluir que, naquele país, “não é mais o sistema formal de
emendas que marca as grandes mudanças constitucionais dos últimos setenta e
cinco anos, mas as decisões judiciais e a edição de leis.”27
A idéia de plasticidade das normas constitucionais (que preza pela
adaptação da constituição aos novos tempos) é o que fundamenta a mutação
constitucional. Por outro lado, o preceito da rigidez constitucional, que busca
preservar a ordem e a segurança jurídica, é aparentemente ofendido por ela. Daí
porque Barroso defende que a legitimidade da mutação constitucional “deve ser
buscada no ponto de equilíbrio” entre esses dois conceitos fundamentais à teoria
constitucional (rigidez e plasticidade).
Dessa idéia o autor extrai importantes limites à mutação constitucional,
cujo desrespeito, segundo ele, resultará em uma mutação inconstitucional e sua 24
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 125. 25
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 126. 26
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 123. 27
Ackermann apud BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 125.
20
persistência caracterizará a falta de normatividade da constituição, uma usurpação
de poder ou um quadro revolucionário:
A mutação constitucional há de estancar diante de dois limites: a) as possibilidades semânticas do relato da norma, vale dizer, os sentidos possíveis do texto que está sendo interpretado ou afetado; e b) a preservação dos princípios fundamentais que dão identidade àquela específica Constituição. Se o sentido novo que se quer dar não couber no texto, será necessária a convocação do poder constituinte reformador. E se não couber nos princípios fundamentais, será preciso tirar do estado de latência o poder constituinte orignário.28
A mutação constitucional pode ocorrer a partir da interpretação, quando
representará a alteração de sentido da norma com o abandono da concepção
anterior A interpretação judicial é por excelência a caracterizadora dessa
modalidade.
Todavia, também a interpretação administrativa pode levar à mutação
constitucional, como ocorreu na edição da Resolução n. 7/05 pelo Conselho
Nacional de Justiça, que vedou o nepotismo no Poder Judiciário.29 Nesse contexto,
diz-se que
a atividade interpretativa exerce uma tarefa que vai além do mero pressuposto de aplicação de uma norma jurídica. A interpretação assume, aqui, a relevante função de tornar-se um fator de constante atualização e até mesmo de renovação de toda a ordem jurídica. Através da interpretação torna-se possível a adaptação das normas jurídicas às mudanças ocorridas no seio da sociedade, à sua natural evolução, ou até mesmo o surgimento de novos valores e ideologias. Verifica-se que a legislação, na grande maioria das vezes, não se mostra capaz de acompanhar o desenvolvimento técnico da ciência, ou seja, as inovações tecnológicas e as repercussões que estas causam na vida de cada individuo em sociedade.30
Pode se dar ainda pela atuação do legislador, como no caso dos Estados
Unidos da América, quando a ideologia inspiradora de certas leis influenciam a
interpretação da constituição em seu ponto de partida. Ainda, fala-se em mutação
constitucional na hipótese do legislador, em lei, acolher uma das interpretações
28
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. pp. 127-128. 29
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. pp. 129-131. 30
BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha. A interpretação como fator de desenvolvimento e atualização das normas constitucionais. In: SILVA, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 157.
21
possíveis para determinado dispositivo constitucional ao qual o judiciário havia lhe
atribuído outro entendimento.31
Por fim, fala-se em mutação constitucional através do costume
constitucional, que trará em si “a interpretação informal da Constituição”.32 Exemplo
de costume constitucional é o da possibilidade do Chefe do Executivo negar
aplicação à lei que fundadamente considere inconstitucional.33
À mutação constitucional, por sua importância prática, exaustivamente
demonstrada, alguns autores tem dado o nome de Poder Constituinte Difuso, em
contraponto ao Poder Constituinte Derivado.34 Por fim, é interessante ressaltar que a
mutação constitucional é classificada como um poder de fato e não de direito como o
poder constituinte derivado reformador.35
1.2.2 Poder Constituinte Derivado Reformador
Denomina-se poder “poder constituinte derivado aquele que altera,
formalmente, a constituição.”36 Diz-se formalmente porque, ao contrário do que
ocorre na mutação constitucional, na hipótese a alteração segue o procedimento
solene previsto pela Constituição e não de forma difusa.
Apesar da terminologia utilizada, o poder constituinte derivado se
encontra no âmbito do poder constituído, razão pela qual está “juridicamente
subordinado a diversas prescrições impostas no texto constitucional pelo constituinte
originário.”37 Daí porque Bulos afirmar que “enquato o poder originário é a potência
que funciona na etapa de primogeneidade constitucional, fazendo a constituição, o
poder derivado é a competência que atua na etapa de continuidade constitucional,
reformulando a carta magna.”38
31
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. pp. 132-134. 32
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. pp. 134. 33
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 135. 34
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 421. 35
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 421. 36
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 395. 37
BARROSO, p. 144 38
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 395.
22
Há consenso, então, que o poder constituinte derivado é um poder de
direito.39 Sua função “é a de permitir a adaptação do texto constitucional a novos
ambientes políticos e sociais, preservando-lhe a força normativa e impedindo que
seja derrotado pela realidade.”
As características do poder constituinte derivado são:
Secundariedade – não existe por si próprio. É preciso que haja uma constituição para prevê-lo. Retira sua força, portanto, do poder constituinte originário, razão pela qual é adjetivado de derivado, instituído, constituído ou de segundo grau.
Subordinação – haure sua força na obra do poder constituinte originário. Por isso, é uma competência prevista na carta magna, sujeitando-se, completamente, aos seus desígnios. Essa linha doutrinária prevalece na jurisprudência do Pretório Excelso, para o qual o Congresso Nacional, no desempenho da função reformadora da Carta Magna, está juridicamente subordinado ao poder constituinte originário.
Condicionamento – para alterar a constituição, condiciona-se aos limites nela previstos. Deveras, se o poder constituinte reformador é um dado do mundo jurídico, os parâmetros para o seu exercício vêm gizados na carta magna. Ora, do mesmo modo que o constituinte originário prevê as funções legislativa, executiva e jurisdicional, preconizadas na tripartição clássica de Montesquieu, evidente que ele, também, delineia a competência reformadora da Lex mater. Do contrário, a criatura – o poder reformador – suplantaria o seu criador – o poder constituinte fundacional.
Continuidade – ao manifestar-se na etapa da reforma constitucional, prossegue a obra do constituinte, adaptando os perceptivos supremos do Estado à realidade dos fatos. Desse modo, atualiza a constituição, sem, contudo, corromper-lhe a espinha dorsal; afinal, é limitado por ela mesma.40
A doutrina fala em dois tipos de poder constituinte derivado. O primeiro,
denominado decorrente é o que cria as constituições estaduais. Diz-se decorrente
porque “decorre da carta magna, ou seja, encontra sua fonte de inspiração na obra
do constituinte de primeiro grau, que estatui seus limites e as linhas-mestras de seu
exercício.”41
39
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 395. 40
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 396. 41
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 410.
23
Discute-se se o poder do município de elaborar sua lei orgânica é uma
das faces do poder constituinte decorrente. Barroso entende que sim42. Bulos, por
sua vez, rejeita a idéia:
Com a promulgação da carta de 1988, muito se debateu sobre a existência de uma espécie de poder constituinte encarregada de criar as leis orgânicas municipais.
As discussões partiram do pressuposto de que o Texto Maior elevou os Municípios ao posto de ente autônomo da federação brasileira (arts. 1º e 18).
Nada obstante a iniludível autonomia que os Municípios lograram na Constituição da República, parece-nos exagero falar em poder constituinte “municipal”.
Aliás, lendo o art. 29 do Texto de Outubro, veremos que ele se reporta à obra do poder constituinte originário, ou seja, à Carta Federal, bem como às Constituições dos Estados-membros, oriundas do poder constituinte decorrente. E, ao se referir às leis orgânicas, fez questão de frisar que são obra da Câmara Municipal, não de uma Assembléia Constituinte.43
A segunda espécie de poder constituinte derivado é o reformador, que é o
que nos interessa nesse tópico.
A doutrina brasileira tende a diferenciar reforma, revisão e emenda.
Reforma é o gênero do qual revisão e emenda são espécies. Emenda, em nosso
direito constitucional, designa os processos de alteração da Constituição em
conformidade com as regras do art. 60 da CF. Revisão são as reformas extensas ou
profundas.44 Assim, poder constituinte derivado reformador é, em suma, do poder de
reformar a Constituição Federal, exercido tanto por meio de emendas quanto através
da revisão constitucional.
A titularidade do poder constituinte derivado reformador é, em nosso
sistema constitucional, também do povo. Seu exercício vem disciplinado na
Constituição Federal, que prevê como agentes reformadores os deputados e
senadores.45
A revisão constitucional foi prevista pelo art. 3º do ADCT, nos seguintes
termos: “A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da
42
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 146. 43
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 386. 44
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 145. 45
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 397.
24
promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do
Congresso Nacional, em sessão unicameral.” Assim, em 1994 foram aprovadas seis
Emendas Constitucionais de Revisão e o conteúdo do dispositivo se exauriu, não
podendo mais ser utilizado.46
Assim, o poder constituinte derivado reformador manifesta-se, a partir de
então, somente através do poder de emenda, que, vale ressaltar, acabou tomando o
lugar das revisões, de modo que muitas emendas constitucionais se transformaram
em verdadeiras revisões constitucionais.47
1.2.3 Limitações ao Poder Constituinte Derivado Reformador
Como se sabe, a maioridade penal vem prevista expressamente na
Constituição da República. Nesse sentido, assim dispõe o art. 228: “São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial.” Assim, é evidente que só o poder constituinte derivado reformador detém
o poder de modificar essa realidade.
Diante dessa situação, acaba sendo de vital importância para o
desenvolvimento do tema deste trabalho estudar as limitações impostas a esse
poder. Sabe-se que, como poder de direito que é, o poder constituinte derivado
reformador não é soberano. “Por via de consequência, somente poderá rever a obra
materializada na Constituição originária observando as formas e parâmetros nela
estabelecidos.”48
A doutrina tende a dividir as limitações ao poder de reforma do poder
constituinte derivado reformador em limitações temporais, limitações circunstanciais,
formais e limitações materiais (estas podem ser explícitas ou implícitas).
As limitações temporais são as que estabelecem um prazo proibitivo ao
exercício do poder reformador.49 Barroso explica que a limitação temporal se
destina, “normalmente, a conter reações imediatistas à nova configuração
46
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 398. 47
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 397. 48
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 148. 49
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 401.
25
institucional e a permitir que a nova Carta possa ser testada na prática por um tempo
razoável.”50
O limite temporal existia na “Carta imperial de 1824, que proibia reformas
por quatro anos (art. 174).”51 Assim como existia na Constituição francesa de 1791 e
na Constituição espanhola de Cádiz, de 1812.52 Na CF de 1988 fala-se em limitação
temporal peremptória53, prevista em seu art. 60, §5º, cujo teor é o seguinte: “A
matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não
pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”54 Todavia, um limite
temporal propriamente ditto, com as finalidades próprias do instituto, não existe em
nossa atual Constituição.55
As limitações circunstanciais, por sua vez, são as que impedem as
reformas da constituição quando presente determinada situação. Em nosso caso, a
limitação está associada a períodos conturbados. Bulus explica que “a Constituição
assegurou que as decisões reformistas sejam tomadas em ambiente tranqüilo, sem
a pressa que os momentos difíceis e conturbados comumente ensejam.”56 É por isso
que, em seu art. 60, §1º, proclama que “ a Constituição não poderá ser emendada
na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.”57
Os limites formais, “também chamados de procedimentais ou de rito, são
as vedações expressas que consagram o procedimento especial para realização de
reformas constitucionais.”58 Barroso ensina que
O constitucionalismo moderno, na sua matriz norte-americana, assim como na sua evolução européia, funda-se em Constituições rígidas, e não em Constituições flexíveis. Da rigidez constitucional resulta a existência de um procedimento específico para reforma do texto
50
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 148. 51
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 400. 52
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 149. 53
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 150. 54
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2010. 55
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 401. 56
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 401. 57
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2010. 58
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 399.
26
constitucional, que há de ser mais complexo do que o adotado para a aprovação da legislação ordinária. Esse procedimento envolverá, normalmente, regras diferenciadas em relação à iniciativa, ao quórum de votação das propostas de emenda e às instâncias de deliberação. Praticamente todas as constituições seguem esse modelo. A inobservância dos limites formais pela Constituição sujeita os atos emanados do poder de reforma a um juízo de inconstitucionalidade.59
As limitações de procedimento vêm previstas no próprio artigo que dispõe
da competência do poder constituinte derivado reformador: o art. 60 da CF. Nele
podemos ver três limitações de ordem formal.
A primeira, de iniciativa, consta nos incisos I, II e III do caput. Nela ficam
autorizados a propor emendas constitucionais o Presidente da República, um terço
dos membros da Câmara ou do Senado ou mais da metade das Assembléias
Legislativas da unidade da Federação.
A segunda, que se refere ao quórum, prevê a necessidade de que a
emenda constitucional seja aprovada por 3/5 dos votos dos membros de cada Casa
do Congresso.
A terceira e última, que diz respeito ao trâmite, prevê a discussão e
votação da proposta em cada casa em dois turnos. 60
Além das limitações acima apresentadas, a Constituição Federal
apresenta limitações de conteúdo, que preservam um núcleo de matérias
consideradas pelo constituinte de vital importância, cuja modificação não é
permitida. Tendo em vista a importância deste assunto para o desenvolvimento
deste trabalho, a análise será procedida em subtópico próprio.
1.2.3.1 Limitações Materiais ao Poder Constituinte Derivado Reformador
Os limites materiais impostos ao poder constituinte derivado visam a
proteção de “matérias imprescindíveis à configuração das suas linhas-mestras e, por
isso, não pode ser modificado.”61 Sua existência deriva da necessidade de
59
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 151. 60
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2010. 61
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 402.
27
uma Constituição [...] conservar a essência original, o núcleo de decisões políticas e de valores fundamentais que justificaram sua criação. Essa identidade, também referida como o espírito da Constituição, é protegida pela existência de limites materiais ao poder de reforma, previstos de modo expresso em inúmeras Cartas. São as denominadas cláusulas de intangibilidade ou cláusulas pétreas, nas quais são inscritas as matérias que ficam fora do alcance do poder constituinte derivado.62
Para os fins de desenvolvimento do tema do presente trabalho, este é o
principal assunto do capítulo, uma vez que saber se a maioridade penal pode ser
reduzida passa necessariamente por saber se a norma constitucional que a prevê
está incluída no rol imodificável.
Vale ressaltar a existência de uma grave crise de legitimidade nas
vedações materiais ao poder de reforma. É muito discutida a questão na doutrina
constitucional. A constituição francesa de 1791, por exemplo, proclamou que “um
povo tem sempre o direito de rever, reformar e mudar sua Constituição. Uma
geração não pode submeter a suas leis as gerações futuras.”63 Da mesma forma,
vale conferir as palavras de Thomas Paine: “A vaidade e a presunção de governar
além do túmulo é a mais ridícula e insolente das tiranias.”64 Contudo, é fato que
estes limites existem na Constituição da República de 1988 e isso é o que nos basta
para o desenvolvimento do tema deste trabalho.
As limitações materiais podem ser implícitas ou explícitas. As limitações
explícitas vêm previstas no art. 60, § 4º da Constituição.
A primeira delas diz respeito à forma federativa do Estado (Inciso I). O
Estado Federado, segundo José Afonso da Silva, apresenta-se como “um Estado
que, embora aparecendo único nas relações internacionais, é constituído por
Estados-membros dotados de autonomia, notadamente quanto ao exercício de
capacidade normativa sobre matérias reservadas à sua competência.”65
O que se pretende, portanto, é evitar que emenda constitucional venha a
descaracterizar essa forma de Estado, aproximando-o, demasiadamente, da forma
62
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 159. 63
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 122. 64
PAINE, Thomas apud Barroso, BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 122. 65
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 101.
28
unitária. Barroso, explica, contudo, que a limitação constante no referido inciso não é
absoluta e nem pode ser aplicada na literalidade do dispositivo. Segundo o autor,
Para que seja inválida por vulneração do limite material ao poder de reforma, uma emenda precisará afetar o núcleo essencial do princípio federativo, esvaziando o ente estatal de competências substantivas, privando-o de autonomia ou impedindo sua participação na formação da vontade federal.66
É evidente que a Constituição não teve a intenção de evitar qualquer
modificação que possa, minimamente, retirar alguma autonomia dos entes
federados, o que poderia acabar engessando a ordem jurídica.
[...] o STF reafirmou que os limites materiais ao poder constituinte de reforma não significam intangibilidade literal da disciplina dada ao tema pela Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos protegidos pelas cláusulas pétreas. O que se protege, enfatizou-se, são as decisões políticas fundamentais, e não qualquer tipo de metafísica ideológica.67
Seguindo esse mesmo entendimento, passa-se a análise do inciso II do §
4º do art. 60 da CF. Nele está prevista a imutabilidade do voto direto, secreto,
universal e periódico. Bulos ressalta que “esse limite material é uma novidade da
Carta de 1988. Sua preocupação foi impedir reformas constitucionais em assuntos
relacionados, direta ou indiretamente, com a participação popular.”68
[...] a referência ao voto secreto visa proteger a liberdade de participação política, que deve estar imune a injunções externas indevidas. A qualificação universal abriga a idéia de igual participação de todos e o caráter periódico reverencia um dos aspectos do ideal democrático-republicano, que é o controle popular e a alternância do poder.69
O inciso III fala da separação dos poderes. José Afonso da Silva explica
que a “divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções
governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que
tomam os nomes das respectivas funções, menos o judiciário.”70
Novamente, Barroso ressalta que essa cláusula pétrea “não imobiliza os
quase 100 (cem) artigos da Constituição que, direta ou indiretamente, delineiam
66
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 172. 67
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 171. 68
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 403. 69
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 173. 70
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. p. 108
29
determinada forma de relacionamento entre Executivo, Legislativo e Judiciário.”71
Pelo contrário, segundo o autor, o correto entendimento é o de que “apenas haverá
violação à cláusula pétrea da separação de Poderes se o seu conteúdo nuclear de
sentido tiver sido afetado.”72 Vale ressaltar que a Constituição sagra o sistema de
“freios e contrapesos”73, razão pela qual o que se realmente pretende é evitar que se
esvazie “a independência orgânica dos Poderes ou suas competências típicas.”74
O último inciso do §4º do art. 60 da CF, o mais importante para o
desenvolvimento deste trabalho, prevê a inadmissibilidade de emenda constitucional
tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”.75
Existe, no entanto, grande controvérsia a respeito da amplitude desse
dispositivo. Segundo Barroso, “parte da doutrina sustenta que a cláusula
constitucional somente faz menção aos direitos individuais e que, por se tratar de
norma excepcional limitadora dos direitos da maioria política, deve ser interpretada
de maneira estrita”.76
No entanto, o entendimento majoritário é no sentido de que são imutáveis
outros direitos que não os individuais. Bulos, por exemplo, assevera que
[...] há um imprecisão: os direitos e garantias não são apenas os individuais, isto é, as liberdades públicas clássicas. Englobam, também, os direitos econômicos, os sociais e, ainda, os difusos, coletivos e individuais homogênos, os quais não podem ser objeto de emendas tendentes a aboli-los.77
É preciso, no ponto, trazer uma distinção importante no que se refere aos
direitos fundamentais.
A fundamentalidade pode ser formal, quando resulta do fato da
constituição trazer aquele direito no rol dos direitos fundamentais,
independentemente de seu conteúdo. Por outro lado, pode ser material, quando o
71
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 174. 72
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 174. 73
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. p. 108 74
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 174. 75
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2010. 76
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 178. 77
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 403.
30
que interessa é a sua essencialidade para a realização da dignidade humana, ou
seja, quando a fundamentalidade deriva não de sua colocação, mas de seu
conteúdo.78
A questão é que o art. 5º da CF, que traz os direitos e garantias
individuais e coletivos, em seu §2º reconhece e protege os direitos e garantias não
expressos na Constituição, mas que decorrem do regime e dos princípios por ela
adotados ou dos tratados internacionais.79 Diante dessa disposição,
em decisão que se tornou histórica, por ser o primeiro precedente de declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de emenda constitucional, o Tribunal [o Supremo Tribunal Federal] adotou posição ousada e louvada: a de que existem direitos protegidos pela cláusula do inciso IV do §4º do art. 60 que não se encontram expressos no elenco do art. 5º, inclusive e notadamente por força do seu §2º. E, assim, considerou que o princípio da anterioridade da lei tributária era um direito intangível, imunizado contra o poder de reforma constitucional.80
Em resumo, tem-se admitido e, ousa-se dizer, é até dominante, o
entendimento de que (1) a imutabilidade engloba os direitos fundamentais como um
todo e (2) os direitos fundamentais não estão apenas previstos no catálogo próprio
no início da Constituição, razão pela qual a imutabilidade alcança dispositivos
outros, inclusive inseridos em tratados internacionais.
É precisamente nesse ponto em que se enquadra a questão da
constitucionalidade da redução da menoridade penal. É preciso saber se o
dispositivo constitucional que a prevê está entre os incluídos na possibilidade de
reforma. Disso, contudo, trataremos no terceiro capítulo do trabalho.
Contudo, e por incrível que pareça, apesar da clara natureza dessas
limitações, não está morta a discussão a respeito da possibilidade de emenda
constitucional modificar o núcleo intangível apresentado pelo art. 60, §4º da CF, vale
dizer, as cláusulas pétreas. A discussão envolve principalmente a chamada teoria da
dupla revisão. Luís Virgílio Afonso da Silva explica que, para essa teoria,
78
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. p. 178. 79
Art. 5º, §2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2010. 80
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 178.
31
as matérias ressalvadas contra o poder de emenda só continuam protegidas enquanto perdurar a atual redação do §4º do art. 60, o que significa que o próprio §4º poderia ser modificado, podendo dele se excluída uma ou mais das vedações atualmente existentes. Por exemplo, para que a forma federativa de Estado pudesse ser abolida, bastaria um processo em duas fases (dupla revisão): na primeira delas, eliminar-se-ia o inc. I do §4º e, com o caminho livre, passar-se-ia, em uma segunda fase, à desejada abolição dessa forma de Estado.81
Embora a tese guarde adeptos no país, o doutrinador acima citado, no
extraordinário artigo, rejeita as premissas que o suportam, demonstrando que
qualquer alteração nas limitações materiais ao poder de reforma implicaria em
rompimento com a ordem constitucional atual, razão é “clara a inadmissibilidade da
tese da dupla revisão e da possibilidade jurídica de se emendar o artigo que
disciplina o procedimento de emenda constitucional.”82
Para tanto, ele primeiro rejeita a possibilidade do poder constituinte
derivado modificar seu próprio regime. Segundo Silva, “se um poder é outorgado por
alguém, parece lógico que os limites desse poder só podem ser modificados pelo
outorgante, nunca pelo outorgado.”83 Assim, “a impossibilidade de se modificar o
próprio artigo que disciplina o processo de emenda à constituição baseia-se no
argumento lógico hierárquico segundo o qual um poder constituído não pode
modificar o próprio regime.”84
Em seguida, ele rejeita a tese segundo a qual a CRFB/88 é obra do poder
constituinte derivado e por isso modificável, integralmente, pelo próprio poder
constituinte derivado, inclusive no que diz respeito ao §4º do art. 60, que trata das
cláusulas pétreas. Isso porque “a Emenda Constitucional 26/85 não pode ser
encarada como mera manifestação do poder constituinte derivado, mas como um
artifício político para uma ruptura na ordem constitucional então vigente85, já que foi
81
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 13. 82
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 29. 83
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 17. 84
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 18. 85
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 28.
32
um ato que, da perspectiva do ordenamento jurídico anterior, era inconstitucional.86
Assim, parece realmente inviável a tese da dupla revisão. Um ato desse tipo
certamente seria inconstitucional da perspectiva da CRFB/88, da mesma forma que
a EC. 26/85 foi em relação à Constituição de 1969. E da mesma forma que parece
necessário rejeitá-la é necessário acolher justamente aquilo que, nas palavras de
Luís Virgílio Afonso da Silva, os adeptos dessa teoria rejeitam: a existência de
limites implícitos ao poder de reforma constitucional.87
Assim, a doutrina costuma dizer que, além dos limites explícitos ao poder
de reforma, insculpidos no art. 60, §4º, da CF, existem limites implícitos, todos
ligados às razões expostas por José Afonso da Silva no combate à teoria da dupla
revisão.
O primeiro deles, segundo Bulos, é o que impede a mudança da
titularidade do poder constituinte originário: “Emendas à Constituição de 1988 não
têm a competência de alterar a titularidade do poder originário que as regulamentou.
A criatura não pode insurgir-se contra o criador, exceto nos casos de subversão da
ordem natural dos acontecimentos [...]”.88
O segundo, é a mudança da titularidade do poder constituinte reformador:
“Emendas constitucionais também não podem mudar o titular do poder reformador,
que representa uma delegação do constituinte originário, insuscetível de
transferência.”89 Isso decorre do limite mais abrangente defendido por Luís Virgílio
Afonso da Silva, que consiste na impossibilidade do poder constituinte derivado
reformador alterar o próprio artigo que fundamenta seu poder, disciplinando o
procedimento de emenda, vale dizer, o art. 60 da Constituição Federal.90
Ainda, José Afonso da Silva considera como limite implícito a forma
republicana de governo. Segundo o citado doutrinador, o que justifica a inclusão da
república entre as cláusulas intangíveis é o fato de que ela acabou afastada do rol
do art. 60, §4º, em decorrência do plebiscito previsto no art. 2º do ADCT, que decidiu
86
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 28. 87
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 16. 88
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 409. 89
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 409. 90
SILVA, Luís Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado. Revista de Direito Administrativo, 226:11, 2001, p. 29.
33
tanto a forma quanto o sistema de governo. Assim, na sua visão, os fundamentos
que justificam a inclusão da república como cláusula pétrea teriam sido afastados
momentaneamente, mas, uma vez decidido, no plebiscito, em favor da república,
eles teriam readquirido eficácia, de modo que, atualmente, também a república não
pode ser abolida por emenda constitucional.91
Em arremate, realizadas as considerações acerca do poder constituinte e
a reforma da Constituição Federal, passa-se à análise da imputabilidade penal e a
menoridade penal tratada pelo Código Penal e pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
91
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. p. 67.
34
CAPÍTULO 02
2 IMPUTABILIDADE, MENORIDADE E TRATAMENTO DO MENOR SEGUNDO O
ECA
Abordados os principais tópicos a respeito da constituição, do poder
constituinte e das limitações ao poder constituinte derivado reformador, cumpre, indo
adiante, abordar a outra face do tema em comento, notadamente a questão da
imputabilidade penal, da menoridade e do tratamento do menor segundo o Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Objetiva-se, assim, estudar o instituto cuja constitucionalidade da
alteração se discute nesse trabalho e, junto com ele, outros que guardem pertinência
e cuja compreensão é necessária para o perfeito entendimento do tema.
Em um primeiro momento abordaremos a questão da imputabilidade
como um todo, buscando trazer as principais teorias a respeito do tema.
Em seguida, trataremos especificamente da menoridade penal, trazendo
critérios e um breve histórico do direito nacional em relação ao tema.
Por último, para fechar a compreensão acerca do tema menoridade em
nosso ordenamento jurídico, falaremos a respeito do tratamento do indivíduo tido
como menor de idade pelo Estatuto da criança e do Adolescente, ressaltando seus
princípios reitores e seus objetivos principais.
2.1 IMPUTABILIDADE
Imputabilidade, segundo Aníbal Bruno, é “o conjunto de condições
pessoais que dão ao agente a capacidade para lhe ser juridicamente imputada a
prática de um fato punível. Constitui, como se sabe, um dos elementos da
culpabilidade.”92
Ou então, conforme Odin Americano “é a roda mestra do mecanismo da
culpabilidade, pois toda a força animada ou inanimada, alheia ao bem ou ao mal,
92
BRUNO, Aníbal apud NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 275.
35
não poderá responder pelo evento que „causou‟ por não ser causa consciente e
livre.” 93
Capez ressalta que no sistema penal moderno, “o agente deve ter
condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um
ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter
condições totais de controle sobre sua vontade.”94
Em seguida arremata, o eminente penalista: “Em outras palavras,
imputável não é apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o
significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo
com esse entendimento.”95
Imputabilidade, no entanto, não se confunde com responsabilidade,
que é o princípio segundo o qual o imputável deve responder por suas ações. A imputabilidade na orientação finalista, como explica Mir Puig, deixou de ser um pressuposto prévio da culpabilidade e converteu-se na condição central da reprovabilidade. A razão disso assenta-se no fato de que o núcleo da culpabilidade já não se centraliza na vontade defeituosa, mas nas condições de atribuibilidade do injusto, e ditas condições aproximam-se da idéia do “poder atuar de outro modo”, conceito sobre o qual Welzel situou a essência da imputabilidade. Assim, sem a imputabilidade entende-se que o sujeito carece de liberdade e de faculdade para comportar-se de outro modo, com o que não é capaz de culpabilidade, sendo, portanto, inculpável.96
A antiga Parte Geral do Código Penal, antes da reforma de 1984, no
entanto, classificava o título no qual estava incluído a imputabilidade erroneamente
de “Da responsabilidade”.97
A imputabilidade é essencial à responsabilização do agente, pois aquele
que dela não dispõe “por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer graves
alterações psíquicas, não pode ser declarado culpado e, por conseguinte, não pode
93
AMERICANO, Odin apud NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 275. 94
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 306 95
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. p. 306. 96
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 407. 97
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 275.
36
ser responsável penalmente pelos seus atos, por mais que sejam típicos e
antijurídicos.”98
Nesse sentido prescrevem os arts. 26 e 27 do Código Penal:
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.
99
Bitencourt diz ainda que o Código Penal não define a imputabilidade
penal. O faz, todavia, por exclusão, estabelecendo as causas que a afastam.100 Para
entender o sistema empregado pelo Código, vale conferir as palavras de Nucci, para
quem a imputabilidade se caracteriza pela conjugação de dois elementos:
I) higidez biopsíquica (saúde mental + capacidade de apreciar a criminalidade do fato); II) maturidade (desenvolvimento fiísico-mental que permite ao ser humano estabelecer relações sociais bem adaptadas, ter capacidade para realizar-se distante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias idéias e possuir segurança emotiva, além de equilíbrio no campo sexual.101
A doutrina costuma destacar que existem três critérios para aferir a
imputabilidade quanto a higidez mental.
O primeiro é o biológico, em que se leva em conta exclusivamente a
saúde mental do agente. Tem a desvantagem de tornar o juiz absolutamente
dependente do laudo pericial.102
O segundo é o psicológico, que considera puramente a capacidade do
agente para apreciar o caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse
entendimento.103
O terceiro critério é o biopsicológico, que leva em conta os dois critérios
anteriormente referidos,
98
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 411. 99
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 16 de agosto de 2010. 100
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 412. 101
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 275. 102
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. pp. 275-276. 103
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 276.
37
ou seja, verifica-se se o agente é mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.104
Entre nós o Código Penal brasileiro, vigora o terceiro critério (salvo na
menoridade que adota puramente o critério cronológico), de modo que, em se
tratando de sanidade mental, exige-se, além da doença ou perturbação mental, uma
especial consequência deste distúrbio: “a falta de capacidade de discernir, de avaliar
os próprios atos, de compará-los com a ordem normativa.”105
A partir disso, nosso Código traz três causas que excluem a
imputabilidade em razão da higidez psicológica do agente: doença mental,
desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado.106
Por doença mental se entende “um quadro de alterações psíquicas
qualitativas, como a esquizofrenia, as doenças afetivas [...] e outras psicoses [...]. O
conceito deve ser analisado em seu sentido lato, abrangendo as doenças de origem
patológica e de origem toxicológicas.” Segundo Aníbal Bruno
aí se incluem os estados de alienação mental por desintegração da personalidade, ou evolução deformada dos seus componentes, como ocorre na esquizofrenia, ou na psicose maníaco-depressiva e na paranóia; as chamadas reações de situação, distúrbios mentais com que o sujeito responde a problemas embaraçosos do seu mundo circundante; as perturbações do psiquismo por processos tóxicos ou tóxico-infecciosos, e finalmente os estados demenciais, a demência senil e as demências secundárias.107
Por sua vez, desenvolvimento mental completo “é o desenvolvimento que
ainda não se concluiu, devido à recente idade cronológica do agente ou à sua falta
de convivência em sociedade, ocasionado pela imaturidade mental ou emocional.”108
Inclui-se nessa causa de inimputabilidade tanto os menores (cuja análise será
realizada no próximo tópico), quanto os surdos-mudos e os silvícolas.109
No caso do surdo-mudo, sua condição tem natureza patológica. Este,
“privado do som e da comunicação oral, de regra, fica alijado da cultura, sem
assimilar suas normas, sem a capacidade de avaliar o sentido ético-social de seus
104
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 276. 105
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 413. 106
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. p. 308. 107
BRUNO, Aníbal apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 416. 108
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. p. 308. 109
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. pp. 416-417.
38
atos.”110 A do silvícula, por sua vez, não tem semelhante origem, mas “decorre da
ausência de adaptação à vida social urbana ou mesmo rural, à complexidade das
normas ético-jurídico-sociais reguladoras da vida dita civilizada e a diferença de
escala de valores.”111 Nessas duas hipóteses, no entanto, e ao contrário do que
ocorre com a maioridade, é necessário que a inimputabilidade seja aferida caso a
caso, eis que tanto índios quanto surdos-mudos podem, em vários casos, estar
plenamente adaptados à vida social, quando então serão considerados imputáveis
para fins legais.112
Por fim, o desenvolvimento mental retardado é aquele “incompatível com
o estágio de vida em que se encontra a pessoa, estando, portanto, abaixo do
desenvolvimento normal para aquela idade cronológica.”113 Compreende a
oligofrenia (idiotia, imbecilidade e debilidade mental).114
Capez ensina que, ao contrário do que ocorre no desenvolvimento
incompleto, no qual não há maturidade psíquica em razão da fase precoce de vida
do agente ou pela falta de conhecimento empírico, no desenvolvimento retardado há
efetivamente um descompasso entre a capacidade real do indivíduo e as
expectativas para seu atual momento de vida.115 Em suma, “desenvolvimento mental
retardado é aquele em que não se atingiu [e provavelmente nem atingirá] a
maturidade psíquica, por deficiência de saúde mental.”116
No desenvolvimento mental retardado, da mesma forma que ocorre no
incompleto (à exceção da hipótese da menoridade) o reconhecimento do estado do
indivíduo passa, “necessariamente, pelo exame médico-pericial para comprovar a
gravidade que, in concreto, apresentam.”117
110
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 417 111
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 417 112
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 277 113
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. p. 309 114
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 417 115
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. p. 309 116
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 417 117
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 418
39
2.2 MENORIDADE
Como visto no tópico anterior, a menoridade é espécie do gênero
“desenvolvimento mental incompleto”, que prevê hipóteses em que o indivíduo, por
determinadas razões, não atingiu seu pleno desenvolvimento mental.
Conforme salienta Bitencourt, “a imputabilidade, por presunção legal,
inicia-se aos dezoito anos.”118 Assim, como também antecipado, a menoridade é
uma causa de inimputabilidade que, ao contrário das demais hipóteses contidas no
Código Penal, não se sujeita ao critério biopsicológico, mas ao critério psicológico.
Tem-se, assim, que
no caso de menores de 18 anos, [...] o desenvolvimento incompleto presume a incapacidade de entendimento e vontade (CP, art. 27). Pode até ser que o menor entenda perfeitamente o caráter criminoso do homicídio, roubo ou estupro, por exemplo, que pratica, mas a lei presume, ante a menoridade, que ele não sabe o que faz, adotando claramente o sistema biológico nessa hipótese.119
Trata-se, conforme ensina Nucci, de uma presunção legal absoluta, “que
não depende nem se sujeita a prova em sentido contrário.”120
No Brasil, a menoridade cessa aos 18 anos de idade, quando, então, o
sujeito atinge a denominada maioridade penal. A idade de 18 anos é igualmente
prevista no Código Penal, em seu art. 27, acima transcrito, e, também, na própria
Constituição Federal, no artigo 228, in verbis: “Art. 228. São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial.”
Como se vê, “pela primeira vez, inseriu-se na Constituição Federal
matéria nitidamente pertinente à legislação ordinária [...]”, razão pela qual “a única
via para contornar essa situação [a idade de 18 anos], permitindo que a maioridade
penal seja reduzida [ou mesmo aumentada], seria por meio de emenda
constitucional”.121
A inimputabilidade é aferida se levando em conta a idade na época do
fato, de modo que se o adolescente comete delito aos 17 anos 11 meses e 29 dias
118
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. p. 414 119
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. p. 309 120
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 283 121
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 282
40
de vida, não responde criminalmente. Por sua vez, a comprovação da idade é
realizada por meio do assento de nascimento.122
Mas quando exatamente se inicia a maioridade penal? Nucci explica que
o início exato da maioridade se dá “a partir do primeiro instante do dia do
aniversário.”123 Pouco importa, portanto, que o indivíduo tenha nascido, por exemplo,
às 17 horas. Responde penalmente a partir das 0:00 horas do dia do aniversário,
embora biologicamente ainda não tenha completado os exatos 18 anos de vida.
Em 1830, portanto há 180 anos, o Código Criminal previu que, “a partir
dos 14 anos, caso se prove o discernimento do jovem, este deverá ser recolhido a
uma Casa de Correção por um tempo determinado pelo Juiz, com a condição de que
o mesmo lá não permaneça após os dezessete anos.”124
O Código Penal de 1940 veio a alterar essa situação, prevendo em seu
art. 23 que “os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando
sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”125
Posteriormente, a partir do emblemático “caso Aída Cury”,
por conta da participação de um menor de 18 anos na morte de uma estudante, houve retrocesso e um agravamento na responsabilidade penal. A Lei 5.258/67 substituiu a chamada Lei de Emergência (Decreto-Lei 6026 de 24.11.1943) que adequou o Código de Menores (1927) ao Código Penal de 1940, rebaixando para 16 anos a idade da responsabilidade penal.126
Juntamente com essa redução promoveu-se a volta do “critério do
discernimento para os jovens entre 16 e 18 anos para aplicação do Código
Penal.”127 Assim, cabia ao juiz decidir se o maior de 16 e menor de 18 tinha
capacidade de responder criminalmente. Em outros termos, adotou-se, nessa faixa
de idade o critério biopsicológico. 122
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 172 123
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. p. 283 124
LOPES, Ana Cristiana Brito; ROSA, Alexandre Morais da. Redução da idade penal: “Vale a „pena‟ ver de Novo” (?). Disponível em: <http://www.socioeducando.org.br/pdf/alex_ana_oab_pr.pdf>. Acesso em: 22 de agosto de 2010 125
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 16 de agosto de 2010 126
LOPES, Ana Cristiana Brito; ROSA, Alexandre Morais da. Redução da idade penal: “Vale a „pena‟ ver de Novo” (?). Disponível em: <http://www.socioeducando.org.br/pdf/alex_ana_oab_pr.pdf>. Acesso em: 22 de agosto de 2010 127
LOPES, Ana Cristiana Brito; ROSA, Alexandre Morais da. Redução da idade penal: “Vale a „pena‟ ver de Novo” (?). Disponível em: <http://www.socioeducando.org.br/pdf/alex_ana_oab_pr.pdf>. Acesso em: 22 de agosto de 2010
41
Contudo, o resultado dessa mudança legislativa foi o maior número de
internações de jovens. Muitas críticas, a partir daí, surgiram e levaram a uma
mudança legislativa apenas 13 meses após a anterior. Assim, através da lei 5439 de
22 de maio de 1968, foi trazido de volta o antigo sistema, no qual a imputabilidade
era novamente fixada em 18 anos.128
A reforma da parte geral do Código Penal, em 1984, não alterou essa
realidade, mantendo tanto a idade quanto o critério biológico para a maioridade
penal.
Em 1988 vem a lume a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 e, pela primeira vez, o tema é tratado diretamente pelo texto supremo, que, no
entanto, manteve a idade já estabelecida no Código Penal e que predominou entre
nós desde a parte geral de 1940.
Desde então, vários casos emblemáticos trazem à baila a questão da
redução da maioridade penal. Foi o que se deu, em 2003, com o “caso Champinha”
e o caso do menino João Elio, “que comoveu toda a sociedade diante do grande
suplício protagonizado por ele”. 129
2.3 TRATAMENTO DADO AO ADOLESCENTE INFRATOR
Uma vez exposta a questão da imputabilidade e do início da maioridade
penal, cumpre trazer ao trabalho o outro lado da moeda: o destino dado ao
adolescente infrator em nosso ordenamento jurídico. Para isso, faremos uma breve
explanação a respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente e seus princípios
básicos, passando, em seguida, para o estudo das medidas sócio-educativas que,
no caso dos adolescentes, substituem as penas previstas no Código Penal.
128
LOPES, Ana Cristiana Brito; ROSA, Alexandre Morais da. Redução da idade penal: “Vale a „pena‟ ver de Novo” (?). Disponível em: <http://www.socioeducando.org.br/pdf/alex_ana_oab_pr.pdf>. Acesso em: 22 de agosto de 2010 129
LOPES, Ana Cristiana Brito; ROSA, Alexandre Morais da. Redução da idade penal: “Vale a „pena‟ ver de Novo” (?). Disponível em: <http://www.socioeducando.org.br/pdf/alex_ana_oab_pr.pdf>. Acesso em: 22 de agosto de 2010
42
2.3.1 Estatuto da Criança e do adolescente e a doutrina da proteção integral
A Constituição da República, em seu Título VIII Capítulo VII trata
especificamente “da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso.” Ali,
traz inúmeros princípios que visam a proteção das crianças e adolescentes. Nesse
sentido, vale observar o art. 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.130
Em razão desse sistema constitucional de proteção à criança e ao
adolescente, diz-se que “o ECA é uma consequência natural da Constituição de
1988. O legislador constituinte, em seu art. 227, caput, vinculou a legislação
ordinária à concepção da proteção integral.”131 Mas o que significa doutrina da
proteção integral?
Rinaldo Segundo afirma haver três tipos de doutrinas que definem os
direitos do menor: a doutrina do direito penal do menor, a doutrina da situação
irregular e a doutrina da proteção integral.132
A doutrina do direito penal do menor propõe que o direito se interesse
pelo menor apenas quando praticado um ato de delinqüência.133 Assim, o sistema
paralelo que cuida dos menores é basicamente um Código Penal dos menores de
idade. Busca-se, primordialmente a correção e a proteção social.
Por sua vez, a doutrina da situação irregular,
se coloca como intermediária entre as doutrinas da proteção integral e do direito penal do menor. Por um lado, não garante direitos universais ao menor, o que significaria tornar os menores sujeitos de direitos, diferenciando-se assim da doutrina da proteção integral. Por
130
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 10 de agosto de 2010 131
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 19 132
SEGUNDO, Rinaldo. Notas sobre o direito da criança. Jus navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3626>. Acesso em: 02 de outubro de 2010 133
SEGUNDO, Rinaldo. Notas sobre o direito da criança. Jus navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3626>. Acesso em: 02 de outubro de 2010
43
outro lado, a doutrina da situação irregular se diferencia da doutrina penal do menor, pois, não se “preocupa” com o menor apenas quando esse é delinqüente, isto é, quando comete um ato tipificado como crime. Daí viria o caráter intermediário da doutrina da situação irregular. Segundo os seus defensores, não apenas em casos de delinqüência, mas também, em casos que poderiam levar a delinqüência, tal como, a carência financeira moral e jurídica do menor encontrariam amparo na ordem jurídica.134
Por fim, com a doutrina da proteção integral, abraçada pela Constituição e
adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, “crianças e adolescentes
deixam de ser objetos passíveis de tutela da família, do Estado e da sociedade, ou
seja, passam da condição de objetos de direito para a de sujeitos que possuem
direitos.”135 Possuem, ainda, “direitos especiais decorrentes da condição peculiar de
pessoas em processo de desenvolvimento.”136
Assim, em face dessa nova direção constitucional, acaba-se com a
concepção de crianças “objetos de medidas judiciais e procedimentos policiais,
quando expostos aos efeitos da marginalização social decorrente da omissão da
sociedade e do Poder Público, pela inexistência ou insuficiência das políticas sociais
básicas.”137
Essa doutrina se inspira em normas internacionais, tratados e
convenções, especialmente na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da
Criança, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça da
Infância e da Juventude (Regras de Beijing), nas Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade e nas Diretrizes das
Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad).138
134
SEGUNDO, Rinaldo. Notas sobre o direito da criança. Jus navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3626>. Acesso em: 02 de outubro de 2010 135
SEGUNDO, Rinaldo. Notas sobre o direito da criança. Jus navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3626>. Acesso em: 02 de outubro de 2010 136
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. p. 21 137
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 20 138
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. p. 21
44
Conforme já antecipado, foi com base nessas idéias que nasceu o ECA,
trazendo consigo inúmeros dispositivos que a consagram, tais quais o art. 3º,139 o
art. 4º,140 o art. 5º,141 dentre outros.
Nesse sentido, Tejadas afirma que o Estatuto da Criança e do
adolescente, apontou três âmbitos de mudança na área da infância e da juventude:
um de conteúdo, um de método e um de gestão.142
A mudança de conteúdo ocorreu com a já ressaltada ruptura com a
doutrina da situação irregular. O Estatuto aderiu incondicionalmente à doutrina da
proteção integral, com o objetivo de assegurar “que todas as crianças tenham os
mesmos direitos garantidos, de forma a serem atendidas na integralidade de suas
necessidades”143, no que houve “clara ruptura com a idéia do controle social
presente nos Códigos anteriores.”144
139
“Art. 3º A criança e adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” (BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010) 140
“Art. 4.º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010) 141
“Art. 5.º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010) 142
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. Porto Alegre, 2005, p. 42. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/disserta%C3%A7%C3%A3o%20juventude%20e%20o%20ato%20infracional.pdf>. Acesso em 04 de outubro de 2010 143
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. Porto Alegre, 2005, p. 43. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/disserta%C3%A7%C3%A3o%20juventude%20e%20o%20ato%20infracional.pdf>. Acesso em 04 de outubro de 2010 144
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. Porto Alegre, 2005, p. 43. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/disserta%C3%A7%C3%A3o%20juventude%20e%20o%20ato%20infracional.pdf>. Acesso em 04 de outubro de 2010
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No que importa ao método, o ECA trouxe uma proposta diferente de
executar as políticas públicas, “rompendo com o enfoque correcional-repressivo ou
assistencialista.”145 Propõe, em substituição, uma abordagem emancipadora e
garantista de direitos, que dá à infância e a juventude prioridade na formulação
execução das políticas públicas, assim como aplicação de recursos.146
Na gestão, operou a descentralização político-administrativas:
As políticas devem ser formuladas pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, os quais possuem caráter normativo e fiscalizador nos seus respectivos níveis de ação [...]. Foram instituídos, também, os Fundos vinculados aos respectivos Conselhos, com o propósito de que as verbas destinadas à infância e juventude partam destes e sejam aplicadas conforme as diretrizes e demandas prioritárias, definidas pelos Conselhos de Direitos. [...] Foram criadas estruturas que possibilitam uma intervenção mais ativa da sociedade civil na formulação de políticas, através de suas entidades representativas, visando à participação popular. Ao mesmo tempo, foi instituído o Conselho Tutelar, órgão autônomo e não jurisdicional, com a incumbência de zelar pelos direitos da criança e do adolescente, com atribuições que até então estavam na alçada do Poder Judiciário.147
Concluíndo, Tejadas ensina que, no sistema anterior, o Estato tutelava as
crianças e adolescente, objetos da vontade dos pais, quando estes não podiam
fazê-lo. Com o ECA, por sua vez, foi trazida uma dimensão ética que reconhece que
ao Estado não cabe tutelar pessoas, “mas tutelar o direito que é reconhecido às
crianças e adolescentes, como sujeitos e cidadãos.”148
Como se vê, a concepção da criança como sujeito de direitos norteou
todo esse subsistema, definindo suas características principais. A partir daí, no
combate ao adolescente infrator, saíram de cena as sanções penais e surgiram as
145
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. Porto Alegre, 2005, p. 43. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/disserta%C3%A7%C3%A3o%20juventude%20e%20o%20ato%20infracional.pdf>. Acesso em 04 de outubro de 2010 146
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. Porto Alegre, 2005, p. 43. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/disserta%C3%A7%C3%A3o%20juventude%20e%20o%20ato%20infracional.pdf>. Acesso em 04 de outubro de 2010 147
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. Porto Alegre, 2005, p. 43-44. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/disserta%C3%A7%C3%A3o%20juventude%20e%20o%20ato%20infracional.pdf>. Acesso em 04 de outubro de 2010 148
TEJADAS, Silvia da Silva. Juventude e ato infracional: as múltiplas determinações da reincidência. Porto Alegre, 2005, p. 44. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/disserta%C3%A7%C3%A3o%20juventude%20e%20o%20ato%20infracional.pdf>. Acesso em 04 de outubro de 2010
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medidas socioeducativas, pautadas no critério do melhor interesse do menor. É
exatamente estas medidas que serão estudadas no próximo tópico.
2.3.2 Da prática de ato Infracional e as medidas sócio educativas
Como já referido, as crianças e adolescentes são inimputáveis. Diante
disso, “a criança ou o adolescente jamais cometem crimes ou contravenções,
incorrendo tão-só em ato Infracional, caso adotem conduta de tipicidade
objetivamente idêntica.”149 O conceito de ato Infracional é definido no art. 103 do
ECA, in verbis:
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.150
Assim, toma-se emprestada as descrições dos crimes e contravenções
para saber quais condutas praticadas pelo adolescente se sujeitam à punição. No
entanto, isso não significa que as medidas do ECA tenham a mesma natureza. Na
verdade, não se aplicam penas ao adolescente. Assim, as garantias penais e
processuais penais nem sempre se aplicam tal como na seara criminal, uma vez que
as medidas socioeducativas possuem função absolutamente distinta da pena de
prisão.151 Por isso, a título de exemplo, não se aplicam ao ato infracional institutos
como a decadência, a legitimação ativa e até a prescrição.152 Contudo, não se pode
deixar de mencionar que isso não significa que o menor esteja completamente
destituído de direitos processuais, eis que o próprio ECA os prevê, conforme se verá
adiante.
Por outro lado, o art. 105 do Estatuto (“Art. 105, Ao ato infracional
praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.”), faz uma
diferenciação importante em matéria de ato infracional. Ele determina que à criança
somente são aplicáveis medidas de proteção, excluindo, assim, os menores de 12
anos do sistema de medidas socioeducativas. Nesse sentido:
149
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. p. 93 150
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010 151
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. p. 93 152
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 93 e ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 173
47
Infração – Medida sócio-educativa – Inaplicabilidade – Ato praticado por criança e não por adolescente – Arts. 2º e 112 do ECA – Ineficácia da sentença declarada. Sendo criança, por definição legal, ao menor não se aplicam os dispositivos que regem a prática de atos por adolescentes.153
Em suma, o sistema de medidas socioeducativas é dirigido
especificamente ao adolescente que, embora não tenha a capacidade de um adulto
e, exatamente por isso, necessite de um sistema especial de amparo, também não
deve ser agraciado com a impunidade dada à criança, cujo desenvolvimento físico-
psíquico é incomparavelmente menor. Há, novamente, um critério exclusivamente
cronológico delimitando quais indivíduos são passíveis de sofrer medidas
socioeducativas (art. 2º do ECA).154
Depois dos delineamentos gerais da matéria, o Estatuto traz um
microsistema de direitos individuais e garantias processuais do adolescente infrator,
contido em 06 artigos.
O primeiro deles, o art. 106, praticamente repete a norma insculpida no
art. 5º, LXI, da Constituição Federal, com as necessárias adaptações à realidade do
ato infracional, dispondo que “nenhum adolescente será privado de sua liberdade
senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente.”155 O parágrafo único do referido dispositivo legal,
por sua vez, prevê que “o adolescente tem direito à identificação dos responsáveis
pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos.”156
O art. 107 e seu parágrafo único guardam duas garantias importantes. A
primeira determina a comunicação imediata da apreensão do menor à autoridade
judiciária competente e à sua família. A segunda impõe ao juiz o exame da
possibilidade de sua imediata liberação, sob pena de crime de responsabilidade.157
O art. 108 e seu parágrafo exigem que a internação, antes da sentença,
seja decretada apenas por ordem fundamentada, diante de indícios suficientes de
153
CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. p. 96 154
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010 155
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010 156
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010 157
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010
48
autoria e materialidade e pelo prazo máximo de 45 dias. Isso, claro, quando
demonstrada a necessidade da medida.
O art. 109 transporta para o ECA a vedação da identificação criminal do
civilmente identificado, contida no art. 5º, LVIII da CF.158
No art. 110 o Estatuto da Criança e do Adolescente consagra o princípio
do devido processo legal no âmbito da apuração de ato infracional ao dispor que
“nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.”159
As demais garantias vêm previstas no art. 111, in verbis:
Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I – pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;
II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III – a defesa técnica por advogado;
IV – assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI – direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.160
Quanto às medidas socioeducativas em si, existem 06 tipos: advertência,
obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade
assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento
educacional. Além destas, o inciso VII do art. 112 abre caminha para a aplicação das
medidas de proteção (art. 101, I a VI) também em resposta à prática de ato
infracional, tendo em vista o melhor interesse do menor. Vale ressaltar que o caput
do art. 112 traz um “rol taxativo (e não simplesmente exemplificativo)”, razão pela
qual “é vedada a imposição de medidas diversas daquelas enunciadas no artigo em
tela.
158
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010 159
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010 160
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 10 de agosto de 2010
49
Por medida socioeducativa entende-se “a manifestação do Estado, em
resposta ao ato infracional, praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica
impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência,
desenvolvida com finalidade pedagógica-educativa.”161 impositiva “porque a medida
é aplicada, independente da vontade do infrator – com exceção daquelas aplicadas
em sede de remição, que têm finalidade transacional.”162 Sancionatória porque “com
sua ação ou omissão, o infrator quebrou a regra de convivência dirigida a todos.”163
Por fim, retributiva “na medida em que é uma resposta do Estado à prática do ato
infracional”.164
Os parágrafos do art. 112, assim como os arts. 113 e 114 trazem regras
gerais para a aplicação de medidas socioeducativas que merecem citação: 1º a
aplicação de medida socioeducativa (ressalvada a advertência) exige prova
suficiente da materialidade e da autoria do ato infracional; 2º as medidas podem ser
aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo; 3º
as medidas socioeducativas seguem, assim como as medidas específicas de
proteção, os princípios do supremo interesse do menor e aqueles consequentes,
trazidos no art. 100; 4º as medidas socioeducativas devem ser aplicadas ao
adolescente levando em conta a gravidade da infração, as circunstâncias e sua
capacidade de cumpri-las; 5º veda-se a prestação de trabalhos forçados e, por fim,
6º no caso de adolescente portador de doença ou deficiência mental, deve-se levar
em conta suas peculiaridades.165
A medida de advertência, nos termos do art. 115 do ECA, consiste em
“admoestação verbal que será reduzida a termo e assinada”.166 Para ser aplicada a
lei exige apenas “prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.”167 Com
isso, “estão excluídas as situações que acarretem „mera suspeita‟, visto que a
161
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 101 162
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 101 163
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 101 164
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 165
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 166
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 167
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20
50
autoridade deverá contar com elementos de convicção, embora não plenamente
concludentes, mas fortemente indicativos, sobre a autoria do ato infracional.”168
Ainda, deve-se observar que a advertência,
na modalidade de medida sócio-educativa, deve se destinar, via de regra, a adolescentes que não registrem antecedentes infracionais e para os casos de infrações leves, seja quanto à sua natureza, seja quanto às suas conseqüências. Poderá ser aplicada, pelo órgão do Ministério Público, antes de instaurado o procedimento apuratório, juntamente com o benefício da remissão, e pela autoridade judiciária, no curso da instrução do procedimento apuratório do ato infracional ou na sentença final.169
Em seguida, tem-se a medida socioeducativa de “obrigação de reparar o
dano”, prevista no art. 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.170
A esse respeito, Giuliano d‟Andrea assinala que “a medida de obrigação
de reparar o dano será aplicada todas as vezes em que o ato infracional trouxer [...]
prejuízo patrimonial, e constará na restituição de coisa, ressarcimento do dano ou
[...] atividade capaz de ressarcimento do prejuízo da vítima.”171
Como se vê a partir da leitura do dispositivo legal em comento, são três
as possibilidades de aplicação da medida: a) devolução da coisa; b) ressarcimento
do prejuízo; e c) compensação do prejuízo. Contudo, a obrigação de reparar o dano
“na verdade não é uma medida das mais aplicadas, haja vista a condição financeira
reduzida da maioria das famílias dos adolescentes infratores.”172
Apesar das dificuldades práticas na sua aplicação, entende-se que, uma
vez utilizada pelo órgão competente, isolada ou cumulativamente, o incapaz
responde pela dívida como devedor principal, ficando excluído o regime padrão
168
CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 425 169
CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. p. 425 170
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 171
D‟ANDREA, Giuliano. Noções de direito da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2005, p. 92 172
D‟ANDREA, Giuliano. Noções de direito da criança e do adolescente. p. 93
51
imposto pelo Código Civil acerca da responsabilidade civil dos sujeitos em
formação.173
Em terceiro lugar, tem-se a medida socioeducativa de “prestação de
serviços à comunidade”, tratada no art. 117 do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Trata-se de novidade introduzida pelo referido diploma legal, que
encontrou inspiração na pena restritiva de direito análoga encontrada no Código
Penal.174 Na verdade, consistiu em inovação no tratamento das questões de
menoridade mesmo da perspectiva da América Latina.175
Como conseqüência jurídica prevista para o cometimento de um ato
punível, tem inegável caráter punitivo, de modo que, para a aplicação da medida,
existe a necessidade de que o fato seja jurisdicionalmente demonstrado e imputado
à culpabilidade do adolescente.176
O Estatuto ainda prevê, no parágrafo único do art. 117, garantias mínimas
ao adolescente a quem foi imposta a medida de prestação de serviços à
comunidade, nos seguintes termos:
As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante a jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.177
O dispositivo acima busca, em última análise, preservar o caráter
educativo da medida, cujo objetivo deve ser o melhor interessa do menor.
Depois, temos a medida de liberdade assistida, prevista no art. 118 do
ECA, que dispõe que “a liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a
medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o
adolescente.”178
173
D‟ANDREA, Giuliano. Noções de direito da criança e do adolescente. p. 94 174
MOUSNIER, Conceição A. O ato infracional. Rio de Janeiro: Editora Liber Juris, 1991, p. 130 175
CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. p. 435 176
CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. p. 434 177
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 178
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20
52
Nela o adolescente nem presta serviços e nem tem sua liberdade
comprometida; pelo contrário, trata-se de típica medida de orientação.179
Sua aplicação se dá pelo prazo mínimo de 6 meses, passíveis de
prorrogação ou substituição por outra medida, dependendo do caso, notadamente
da necessidade de ressocialização do menor.
O regime dessa modalidade de medida socioeducativa impõe a
designação de um orientador que, nos termos, do art. 118, §1º, do ECA,
acompanhará o caso. A esse orientador são impostos os seguintes encargos:
Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:
I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;
III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;
IV – apresentar relatório do caso.180
A adoção dessa espécie de medida, pelo ECA, foi resultado do
acolhimento das regras de Beijing (ONU, 1985), onde a liberdade assistida foi
estabelecida como um dentre as diversas opções para o tratamento do menor
infrator.181
A penúltima espécie de medida socioeducativa consiste no regime de
semiliberdade. Como explica Giuliano D‟Andrea, a semiliberdade
é medida restritiva de liberdade, assim como a internação, mas menos intensa que ela. Submete o infrator às regras de uma casa de permanência, permitindo contudo o exercício de atividades externas independentemente de autorização judicial, sendo obrigatória, com subsídios de recursos da comunidade, a escolarização e profissionalização.182
A semiliberdade está inserida dentre as “medidas sócio-educativas para
as quais o art. 114 requer as plenas garantias formais em relação à apuração da
179
D‟ANDREA, Giuliano. Noções de direito da criança e do adolescente. p. 95 180
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 181
CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. p. 437 182
D‟ANDREA, Giuliano. Noções de direito da criança e do adolescente. p. 96
53
infração e à igualdade do adolescente na relação processual.”183 A providência é
salutar na medida em que tal medida tem inegável caráter privativo de liberdade.
A diferença básica entre a internação e a semiliberdade é justamente a
possibilidade do adolescente, independentemente da autorização do juiz, realizar
atividades externas que colaborem com sua plena e rápida ressocialização, objetivo
maior do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Contudo, diante das semelhanças entre internação e semiliberdade, o §2º
do art. 120 do ECA dispõe que, embora esta seja aplicada por tempo indeterminado,
aplicam-se a ela “no que couber, as disposições relativaz à internação.”184 Isso
significa que também a semiliberdade está condicionada aos prazos máximos
impostos à internação, que serão a seguir explicados.
Por fim, cumpre ressaltar que, embora nobres os motivos que levaram o
legislador a prever essa espécie de medida socioeducativa, a realidade é que se
trata de “uma medida benéfica mas de pouca aplicação, haja vista a falta de
estabelecimentos adequados para execução da referida medida.”185
Por fim, tem-se a medida socioeducativa mais severa, cuja aplicação
deve ser dirigida aos casos mais graves: estamos falando da medida socioeducativa
de internação. Nesse caso não há discussão: trata-se mesmo de uma medida
privativa de liberdade, tal qual preconiza o próprio art. 121 do ECA, de modo a
afastar qualquer eufenismo que pretenda rotulá-la de outra maneira, sempre
“encobertos por uma falsa terminologia tutelar.”186
Como medida privativa de liberdade que é, portanto, encontra-se inserida
no âmbito das garantias individuais comuns ao direito penal de forma bem mais
clara e densa do que as demais medidas previstas no Estatuto. Basta, para chegar a
tal conclusão, examinar os dispositivos legais que limitam sua aplicação quanto às
hipóteses e quanto à duração.
Os princípios próprios dessa espécie de medida são três, todos
mencionados no caput do art. 121 do ECA: a) O princípio da brevidade; b) O da
183
CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. p. 443 184
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 185
D‟ANDREA, Giuliano. Noções de direito da criança e do adolescente. p. 98 186
CURY, Munir (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. p. 449
54
excepcionalidade (art. 122, §2º: “em nenhuma hipótese será aplicada a internação,
havendo outra medida adequada.”187) e c) O princípio do respeito à condição
particular do adolescente em desenvolvimento.
Suas hipóteses de cabimento vêm previstas no art. 122 do ECA, in verbis:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta.188
Seu prazo de duração, assim como ocorre com a medida de
semiliberdade é indeterminado, nos termos do art. 121, §2º, do ECA: “A medida não
comprta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante
decisão judicial fundamentada, no máximo a cada seis meses.”189
Contudo, embora essa indeterminação seja característica de um sistema
que tenha como objetivo principal a ressocialização do adolescente, seu caráter
aflitivo fundamenta importante restrições. A primeira e talvez a mais significativa
consiste na limitação do templo máximo de internação em três anos (art. 121, §3º:
“em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.”190).
Ainda, o ECA traz outra importante limitação temporal à duração da
medida socioeducativa de internação, que consiste na liberação compulsória aos 21
anos de idade (art. 121, §4º: “a liberação será compulsória aos 21 anos”). É que o
maior de 18 anos, desde que tenha praticado o ato infracional quando adolescente
pode permanecer internado, mesmo já tendo atingido a imputabilidade penal (teoria
da atividade).191
Com isso, terminamos o panorama geral do tratamento dado ao
adolescente infrator no ordenamento jurídico brasileiro.
187
BRASIL. Código civil. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 188
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 189
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 190
LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. p. 20 191
D‟ANDREA, Giuliano. Noções de direito da criança e do adolescente. p. 101.
55
CAPÍTULO 03
3 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
3.1 MAIORIDADE PENAL COMO CLÁUSULA PÉTREA
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê em seu art.
228 que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial.
Ressalta-se, de plano, que a inimputabilidade do menor de dezoito anos ao
tempo do fato tido como criminoso trata-se de norma constitucional que compõe o
conteúdo rígido da nossa Carta Magna.
Conforme já mencionado, o poder constituinte originário também
estabeleceu algumas vedações à modificação da lei fundamental, ou seja, definiu
um núcleo intangível da Constituição, comumente chamado pela doutrina de
cláusulas pétreas.192
De fato, do ponto de vista jurídico é muito questionável a possibilidade de
modificar a Constituição Federal de 1988 para o fim de reduzir a maioridade penal,
tendo em vista que a mesma restou constitucionalizada, havendo posicionamento
que a maioridade penal cuida-se de cláusula pétrea, por ser direito fundamental.
Destarte, o vínculo que relaciona a maioridade penal como uma cláusula
pétrea consubstancia-se no entendimento de que a inimputabilidade do menor de
dezoito anos consiste em um dos direitos fundamentais da pessoa humana, embora
não previsto expressamente no art. 5º da Constituição da República Federativa do
Brasil.
Segue a conceituação de Barroso acerca dos direitos fundamentais, in
verbis:
Os direitos individuais configuram uma espécie de direitos constitucionais. Tais direitos, talhados no individualismo liberal, protegem os valores à vida, à liberdade, à igualdade jurídica, à segurança e à prioridade. Destinam-se prioritariamente a impor limitações ao poder político, traçando uma esfera de proteção das
192
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 413.
56
pessoas em face do Estado. Deles resultam, em essência, deveres de abstenção para a autoridade pública e, como conseqüência, a preservação da iniciativa e da autonomia privadas.193
Nesse enfoque, caso seja a maioridade penal tratada como direito
fundamental e, por via de conseqüência, como uma cláusula pétrea, não haveria
possibilidade de ser modificada a Constituição Federal positiva no tocante a
respectiva matéria, segundo alguns entendimentos.
Assim, feita a devida abordagem, passa-se a analisar a viabilidade jurídica
da alteração do art. 228 da Carta Magna.
3.2 DA POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL
Discute-se na doutrina brasileira a conveniência jurídica de estabelecer a
responsabilidade penal aquém dos dezoito anos de idade aos infratores da lei penal.
É cediço que a imputabilidade, por presunção legal, inicia-se aos dezoito
anos de idade, sendo que o ordenamento jurídico brasileiro seguiu, em relação à
maioridade penal, o sistema biológico, ignorando o desenvolvimento mental do
menor de dezoito anos, considerando-o inimputável, independentemente de possuir
a plena capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se segundo
esse entendimento.194
Não se pode esquecer, conforme já dito, que a própria Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 consigna a responsabilidade penal somente
àqueles com dezoito anos de idade à data dos fatos.
De início, anota-se a existência de certo entendimento doutrinário favorável
a alteração da Constituição da República no tocante ao termo inicial da maioridade
penal.
Tal posicionamento se consubstancia no sentido de que, por opção do
próprio constituinte, o tema da maioridade penal foi inserida no capítulo VII da
Constituição, e não no rol dos direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º e
193
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. p. 176. 194
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 356.
57
incisos da Carta Política, não sendo considerado, por isso, cláusula pétrea, nos
termos das limitações materiais abordada no art. 60, § 4º, da Lei fundamental.
Nesse sentido, é o escólio de Greco:
Apesar da inserção no texto de nossa Constituição Federal referente à maioridade penal, tal fato não impede, caso haja vontade política para tanto, de ser levada a efeito a sua redução, uma vez que mencionado art. 228 não se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, posto que não se amolda ao rol das cláusulas pétreas elencadas nos incisos I a IV do § 4º do art. 60 da Carta Magna. A única implicação prática da previsão da inimputabilidade penal no texto da Constituição Federal, segundo nosso posicionamento, é que, agora, somente por meio de um procedimento qualificado de emenda a maioridade penal poderá ser reduzida, ficando impossibilitada tal redução via lei ordinária.195
Não destoa, com propriedade, Nucci:
Por meio de emenda constitucional, algo perfeitamente possível, tendo em vista que, por clara opção do constituinte, a responsabilidade penal foi inserida no capítulo da família, da criança, do adolescente e do idoso, e não no contexto dos direitos e garantias individuais (Capítulo I, art. 5º, CF). Não podemos concordar com a tese de que há direitos e garantias humanas fundamentais soltos em outros trechos da Carta, por isso também cláusulas pétreas, inseridas na impossibilidade de emenda prevista no art. 60, § 4º, IV, CF, pois sabe-se que há “direitos e garantias de conteúdo material” e “direitos e garantias de conteúdo formal”. O simples fato de ser introduzida no texto da Constituição Federal como direito e garantia fundamental é suficiente para transformá-la, formalmente, como tal, embora possa não ser assim considerada materialmente. É o caso da proibição de identificação criminal para o civilmente identificado ou mesmo para o julgamento pelo tribunal do júri, que são garantias fundamentais apenas porque foram colocados dentro do art. 5º, embora não façam parte de direitos internacionalmente reconhecidos como fundamentais [...]. Por isso, a maioridade penal, além de não ser direito fundamental em sentido material, em nosso entendimento, também não o é no sentido formal. Assim, não há qualquer impedimento para a emenda constitucional suprimindo ou modificando o art. 228 da Constituição.196
Diante disso, constata-se que o respectivo entendimento doutrinário permite
a alteração da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no tocante à
maioridade penal, no particular aspecto do art. 228, sob o fundamento de que a
sistemática da Constituição não incluiu a inimputabilidade penal aos dezoito anos de
idade como direito individual fundamental, porquanto a sobredita Carta, todavia,
195
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 76. 196
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 265.
58
inseriu a respectiva norma no capítulo inerente à família, criança, adolescente e o
idoso, não se tratando de direito fundamental.
De outro ponto, sabe-se que o art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição
Federal de 1988, expressamente, menciona que não será admitida proposta de
emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Por sua vez, há posicionamento que admite a possibilidade de modificação
do art. 228 da Constituição, sob o aspecto de que o marco inicial da maioridade
penal não iria abolir cláusula pétrea, haja vista que o ordenamento constitucional,
literalmente, prevê a inadmissibilidade de abolição do núcleo imodificável da
Constituição, e não que a mera modificação da matéria.
Nessa vertente, são os comentários de Lenza:
Muito se cogita a respeito da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Para tanto, o instrumento necessário seria uma emenda à Constituição e, portanto, manifestação do poder constituinte derivado reformador, limitado juridicamente. Nesse ponto, resta saber: eventual EC que reduzisse, por exemplo, de 18 para 16 anos, a maioridade penal violaria a cláusula pétrea do direito e garantia individual (art. 60, § 4º, IV)? Embora parte da doutrina assim entenda, a nossa posição é no sentido de ser perfeitamente possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não pode ser modificada. Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir.197
Sobre a matéria, Barroso entende que a locução tendente a abolir deve ser
interpretada com equilíbrio, ou seja, por um lado ela deve servir para que se impeça
a erosão do conteúdo substantivo das cláusulas protegidas, e de outra parte não
deve prestar-se a crer uma inútil muralha contra o vento da história, petrificando a
norma constitucional.198
Não destoa Tavares, o qual afirma que a imutabilidade da Constituição está
circunscrita às reformas que extingam as cláusulas pétreas, não impedindo, desse
modo, a reforma das respectivas matérias.199
Ademais, sobre a locução tendente a abolir esclarece Bulos:
197
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 872. 198
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. p. 168. 199
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 53.
59
A expressão tendente a abolir: a expressão tendente a abolir veicula a mensagem de que o Congresso Nacional, no exercício da competência reformadora, não poderá abrigar tendências que levem, conduzam, encaminhem, possibilitem, facilitem, mesmo indiretamente a deliberação de matérias sacras, intocáveis, absolutas, fundamentais. Tendente computa idéia de inclinar, ter vocação, ser conducente. Abolir, por sua vez, é o mesmo que suprimir, revogar, afastar, pôr fora de uso. Ora, nenhuma proposta de emenda poderá inclinar-se no sentido de aniquilar a forma federativa de Estado, o voto secreto, universal e periódico, a separação de poderes e os direitos fundamentais, porquanto esses assuntos integram o cerne intangível do Texto Maior.200
Importante acrescentar a abordagem feita por Ferreira Filho:
O texto suscita dificuldades de interpretação. Uma concernente ao que seja “abolir”. Há quem leia nisto a proibição de mudar o regime do instituto compreendido na matéria dos quatros incisos do art. 60, § 4º, em particular o regime dos direitos fundamentais. Essa posição é um exagero, já que, na língua portuguesa, abolir significa suprimir e não se suprime um instituto quando se lhe altera o regime.201
Diante desse aspecto, levando-se em consideração a literalidade da
Constituição Federal de 1988, no referente ao disposto no caput do § 4º do art. 60,
anota-se que a limitação material em relação à mudança das normas constitucionais
está adstrita a abolição das cláusulas pétreas, sendo possível pela respectiva
previsão constitucional a sua modificação, desde que não comporte supressão.
Outro argumento para acerca da possibilidade de mudança da maioridade
penal positivada na Lei Maior é trazida por Ferreira Filho, afirmando que: “timbra o
texto, no art. 228, em consagrar a inimputabilidade penal do menor de dezoito anos.
É incoerente esta previsão se recordar que o direito de votar – a maioridade política
– pode ser alcançado aos dezoito anos”.202
No mesmo enfoque, menciona Bitencourt sobre a discussão atual no
referente à necessidade ou conveniência de estabelecer a responsabilidade penal
aos dezesseis anos, acrescentando-se aos argumentos o fato de, a partir da
Constituição Federal de 1988, ser possível a esse menor alistar-se eleitoralmente,
ganhando respaldo constitucional a imputabilidade ao menor de dezoito anos.203
200
BULOS, UADI Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 298. 201
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 188. 202
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. p. 375. 203
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 353.
60
É de ser feita, portanto, uma comparação entre os dispositivos
constitucionais expressos no art. 228 e art. 14, § 1º, inciso II, alínea “c”, da Carta
Magna de 1988. Como sabemos, o art. 228 determina a inimputabilidade da pessoa
menor de dezoito anos à data do fato. No entanto, o último artigo prevê a
possibilidade dos maiores de dezesseis anos e menores de dezoito,
facultativamente, alistarem-se eleitoralmente com direito a voto.
Por conta disso, cabe enfatizar que embora ambos os dispositivos emanem
do mesmo poder constituinte, verifica-se certa antinomia entre as respectivas
normas constitucionais, porquanto como pode um jovem menor de dezoito anos ter
discernimento necessário para votar, mas não o ter para saber que sua conduta
perpetrada cuida-se de uma infração penal. Ora, evidente, consoante demonstra as
condutas da atual sociedade, que o processo eleitoral é mais complexo.
Com propriedade adverte Capez no sentido favorável a redução da
maioridade penal, in verbis:
A grande questão é: como podemos, nos dias de hoje, afirmar que um indivíduo de 16 anos não possui plena capacidade de entendimento e volição? Estamos “vendando” os olhos para uma realidade que se descortina: o Estado está concedendo uma carta branca para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros. Ora, no momento em que não se propicia a devida punição, garante-se o direito de matar, de estuprar, de traficar, de ser bárbaro, de ser atroz.204
Não se pode olvidar que a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, acompanhando o Código Penal em seu art. 27, adotou critério biológico, uma
vez que a maioridade penal ao maior de dezoito anos surge por mera ficção, tendo
em vista que não existe, ao menos, estudo científico, dando como certo o momento
de pleno entendimento do caráter ilícito da conduta.
A propósito, são os comentários de Barros:
A magna Carta, repetindo os dizeres do art. 27 do Código Penal, dispõe em seu art. 228 que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Adotou-se assim o chamado critério biológico, que já tivemos oportunidade de aludir. Há aí uma presunção absoluta, a de que os menores de 18 anos não reúnem a capacidade de autodeterminação. Trata-se, porém, de mera ficção, pois nenhum critério científico pode
204
CAPEZ, Fernando. A questão da diminuição da maioridade penal. São Paulo: 2010. Disponível em: <http://www.fernandocapez.com.br/>. Acesso em: 01 de outubro de 2010.
61
demarcar o exato momento em que se dá o pleno desenvolvimento de sua personalidade moral.205
Diante desse ponto, é de ser feita a seguinte pergunta, qual o critério da
Constituição em definir o marco inicial da maioridade penal aos dezoito anos?
Cabe observar que a Constituição ao determinar a maioridade penal aos
dezoito anos utilizou o critério biológico, sendo possível, assim, em razão do espírito
da norma constitucional, modificar-se o respectivo marco inicial aquém aos dezoito
anos, porquanto sabemos que certos menores infratores possuem o necessário
discernimento de seus atos ilícitos.
De outro norte, é cediço que existe entendimento que a maioridade penal
consiste em um direito fundamental e, por isso, uma cláusula pétrea.
Destaca-se que existe posicionamento no sentido de que os direitos e
garantias fundamentais, não são absolutos, devendo, em certos casos,
ordinariamente, ser relativizados.
Nesse sentido, posiciona-se Bulos:
Os direitos e garantias fundamentais, em regra, são relativos, e não absolutos. Esse é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Embasado no princípio da convivência entre liberdades, a Corte concluiu que nenhuma prerrogativa pode ser exercida de modo danoso à ordem pública e aos direitos e garantias fundamentais, as quais sofrem limitações de ordem ético-jurídica. Essas limitações visam, de um lado, tutelar a integridade do interesse social e, de outro, assegurar a convivência harmônica das liberdades, para que não haja colisões ou atritos entre elas. Evita-se, assim, que um direito ou garantia seja exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.206
Não destoa Moraes:
Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil e penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de direito. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta
205
BARROS, Flávio Monteiro de. Direito penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 366. 206
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 406.
62
Magna (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).207
Na mesma vertente, no sentido de serem relativos os direitos e garantias
fundamentais, colaciona-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.208
Com efeito, vê-se que, com base na relatividade dos direitos fundamentais, a
maioridade penal poderá ser diminuída pelo fato de outros direitos fundamentais
mais importantes, como a vida, a liberdade, por exemplo, estarem reiteradamente
sendo violados por menores infratores que usam a menoridade penal como meio de
eximirem-se da responsabilidade penal.
Diante disso, outro fundamento para a mudança do artigo 228 da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 encontra-se no fato da
maioridade penal não ser considerada como um direito fundamental absoluto.
Por derradeiro, como fator para a possibilidade da redução da maioridade
penal, encontra-se a situação da mudança de uma cláusula pétrea.
O Supremo Tribunal Federal, mediante o voto do Ministro Gilmar Mendes,
consubstanciou a possibilidade da modificação de uma cláusula pétrea, no seguinte
sentido, a qual se extrai do corpo do acórdão:
[...] Não se pode negar a aplicação ortodoxa das cláusulas pétreas, ao invés de assegurar a continuidade do sistema constitucional, pode antecipar a sua ruptura, permitindo que o desenvolvimento
207
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 101. 208
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 23452. Rel. Min. Celso de Mello. Distrito Federal/DF, 16 de setembro de 1999. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia. Acesso em: 10 de out. de 2010.
63
constitucional se realize fora de eventual camisa de força do regime da imutabilidade. Aí reside o grande desafio da jurisdição constitucional: não permitir a eliminação do núcleo essencial da Constituição, mediante decisão ou gradual processo de erosão, nem ensejar que uma interpretação ortodoxa ou atípica acabe por colocar a ruptura como alternativa à impossibilidade de um desenvolvimento constitucional legítimo. As questões que envolvem as cláusulas pétreas são objeto desse intenso debate doutrinário, a evidenciar sua marcante complexidade. Admiti-las, por certo, implica uma restrição significativa à atividade legislativa ordinária e mesmo ao Poder Constituinte derivado. Mas tal como estão postas em nosso sistema, estabelecem limites à reforma constitucional que não têm o condão de fixar uma restrição insuperável ao exercício da democracia parlamentar. As possibilidades da atividade legislativa ordinária ou reformadora, ainda que dentro dos limites constitucionais à revisão, são muito amplas. O que há, por certo, ao nos atermos às restrições impostas pelo constituinte originário à reforma constitucional, é um dever de consistência nas formulações que procuram justificar a compatibilidade de determinada alteração constitucional com as cláusulas de imutabilidade. [...].209
Feita a devida abordagem, acrescenta-se que com a evolução da sociedade
tornou-se certo que, atualmente, uma pessoa de dezesseis anos possui plena
consciência da ilicitude de seus atos, sendo, por isso, possível a redução da
maioridade penal.
Por sua vez, existem também posicionamentos voltados pela impossibilidade
da redução da maioridade penal, os quais serão expostos a seguir.
3.3 DA IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL
É cediço que o termo inicial da maioridade penal, segundo mandamento
constitucional e da legislação infraconstitucional, ocorre aos dezoito anos de idade.
Destaca-se que a tese da redução da maioridade penal, embora conte com respaldo
de certo entendimento doutrinário e até social, para outros não encontra
consonância com o sistema constitucional.
Assim, do mesmo modo que existe uma corrente ideológica que apóia a
queda da redução da maioridade penal, existe outra corrente ideológica que rebate a
respectiva mudança, sendo favorável a não modificação da Carta Magna.
209
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Adi n. 2395/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. Distrito Federal/DF, 09 de maio de 2007. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 10 out de 2010.
64
Deve ser afirmado, portanto, que o termo inicial da maioridade penal é
amparado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo status
constitucional.
De início, cumpre mencionar a posição de Mirabete apoiando a corrente
favorável à permanência da maioridade penal em dezoito anos, levando em
consideração a superlotação dos presídios, além da possibilidade de convivência
com pessoas de alta periculosidade, tornando impossível a reeducação e
ressocialização desses menores infratores.
Discorre o referido doutrinador:
A redução da maioridade penal não é a solução para os problemas derivados da criminalidade infantil, visto que o cerne do problema da criminalidade se reduz em decorrência das condições socialmente degradantes e economicamente opressivas que expõe enorme contingente de crianças e adolescentes em nosso país, à situação de injusta marginalidade social.210
Adverte, sobre o assunto, D‟ Agostini:
Como já se ouviu e continua presente em muitas falas na sociedade, na mídia, nas posturas e concepções de alguns profissionais, dentre estes operadores do direito, agentes e/ou educadores sociais, muitos acreditam, apesar de todas as evidências contrárias, que “prender” ou privar a liberdade é a solução dos problemas advindos da marginalidade juvenil. Se isso redundasse em resolutividade para a questão do ato infracional juvenil e à melhoria das regras e de respeito e do bom convívio social, não haveria tantos egressos de internação, quando adolescentes agindo no banditismo articulado e forte e, posteriormente, nos presídios para maiores de dezoito anos, quando já imputáveis pela lei penal.211
Nesse norte, parece conveniente a opinião no sentido de que a pena
privativa de liberdade não irá resolver o problema da criminalidade, mormente na
adolescência, porquanto, como é sabido, não existe reeducação e ressocialização
pelo sistema carcerário nacional.
Por sua vez, diante da análise jurídica da possibilidade de alteração da Lei
fundamental no referente à maioridade penal, constatou-se certo posicionamento
que não admite a alteração da Constituição, visto que o termo inicial da maioridade
penal não se encontra previsto como um direito fundamental previsto no art. 5º da
Carta Magna.
210
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 217. 211
D‟ AGOSTINI, Sandra Mári Córdova. Adolescente em conflito com a lei e a realidade. Curitiba: Juruá, 2009, p.p. 128-129.
65
Contudo, embora a maioridade penal não esteja topograficamente prevista
no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, existe posição
no sentido de que, mesmo assim, a maioridade penal é considerada um direito
fundamental, não sendo possível a modificação constitucional quanto a respectiva
matéria.
No respectivo sentido, é a lição de Dotti:
A inimputabilidade assim declarada constitui umas das garantias fundamentais da pessoa humana embora topograficamente não esteja incluída no respectivo Título (II) da Constituição que regula a matéria. Trata-e de um dos direitos individuais inerentes à relação do art. 5.º, caracterizando, assim uma cláusula pétrea. Conseqüentemente, a garantia não pode ser objeto de emenda constitucional, visando à sua abolição para reduzir a capacidade penal em limite inferior de idade – dezesseis anos, por exemplo, como se tem cogitado.212
Portanto, sendo a maioridade um direito fundamental, será, por via de
conseqüência, uma cláusula pétrea, o que, para muitos, não pode ser modificado,
mesmo por emenda constitucional.
Importante mencionar, até mesmo em razão do termo inicial da maioridade
penal não se encontrar no art. 5º da Constituição positiva, a conceituação de um
direito fundamental, embora não seja de fácil denominação.
Conceitua Moraes:
O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais.213
Sobre a matéria, são os comentários de Silva:
Direito fundamental do homem constitui a expressão mais adequada [...]. No qualificativo fundamental acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivos. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de
212
DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 412. 213
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 21.
66
pessoa humana. Direito fundamental do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais.214
Nessa toada os direitos e garantias fundamentais não se encontram
regulados apenas no art. 5º e seus incisos da Constituição República Federativa do
Brasil de 1988, estando também, no entanto, em outras normas constitucionais,
como é o caso, para alguns, da norma constitucional prevista no art. 228 da Carta
Magna.
Importante esclarecer que a própria Constituição vigente, no particular
aspecto do art. 5º, § 2º, prevê que os direitos e as garantias contidos no texto
constitucional não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, necessitando, todavia, de previsão expressa na
própria Constituição.
Eis os comentários de Moraes:
Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adi n. 939-7/DF) ao considerar cláusula pétrea, e consequentemente imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, alínea “b”, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal.215
Não destoa, acerca do assunto, Gomes e Bianchini:
Do ponto de vista jurídico é muito questionável que se possa alterar a Constituição brasileira para o fim de reduzir a maioridade penal. A inimputabilidade do menor de dezoito anos foi constitucionalizada (CF, art. 228). Há discussão sobre tratar-se (ou não) de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º). Pensamos positivamente, tendo em vista o disposto no art. 5.º, § 2.º, da CF, c/c arts. 60, § 4.º e 228. O art. 60, § 4º, antes citado, veda a deliberação de qualquer emenda constitucional tendente a abolir direito ou garantia individual.216
Adverte Piovesan sobre uma possível proposta de emenda constitucional
tendente a modificar o art. 228 da Constituição Federal:
214
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 175. 215
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 108. 216
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Redução da maioridade penal. 14 de abril de 2008. Disponível em:<http://www.lfg.com.br/public>. Acesso em: 15 de outubro de 2010.
67
Não bastando a afronta a direitos e princípios constitucionais, a proposta vê-se corroída de inconstitucionalidade, ao violar cláusula pétrea consagrada pela Constituição. Ressalte-se que a Carta de 1988 assegura, dentre as cláusulas pétreas, os direitos e garantias individuais, nos termos do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV. Ao petrificar direitos e garantias, a Constituição proíbe qualquer proposta de emenda tendente a reduzir e fragilizar e limitar o alcance dos direitos e garantias constitucionalmente previstos. Logo, reduzir a maioridade penal significa uma violação a direito resguardado pela Carta, mediante cláusula pétrea. Note-se que o próprio STF conferiu interpretação extensiva a cláusula "direitos e garantias fundamentais", quando entendeu que a Emenda n.03/93 estava a afrontar a garantia tributária da anualidade, alcançada pela cláusula pétrea do artigo 60, parágrafo 4º, IV. O que dizer então do direito à inimputabilidade penal dos menores de 18 anos?217
Assim sendo, aludido posicionamento reconhece o artigo 228 da
Constituição Federal como norma que instituiu direito e garantia fundamental, sendo
ela albergada pela proibição constante no artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição
Federal, resultando na inviabilidade jurídica de modificação.
Destaca-se, ao mais, que a redução da maioridade penal, além de infringir
um direito e garantia fundamental também afronta direitos humanos, de cunho
internacional, os quais o Brasil se comprometeu a cumprir.
Enfatiza Silva sobre a conceituação dos direitos humanos que os mesmos
são a expressão preferida nos documentos internacionais, sendo que contra ela,
assim como contra a terminologia “direitos do homem”, representa-se que não há
direito que não seja humano ou do homem, afirmando que só o ser humano pode
ser titular de direitos.218
Desse modo, a redução da maioridade penal também violaria direitos
humanos, uma vez que o Brasil é signatário da Convenção sobre os direitos da
criança e do adolescente, sendo primordial, para a respectiva norma de direito
internacional, a excepcionalidade e a brevidade das medidas prejudiciais aplicadas à
criança e adolescente.
Da respectiva norma de direito internacional público, anota-se o artigo 37,
“b”, e o artigo 41 do Decreto n. 99.710/90 o qual promulgou a Convenção sobre os
direitos da Criança e do adolescente, respectivamente:
217
PIOVESAN, Flávia. A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal. 04 de julho de 2001. Disponível em:< www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 15 de outubro de 2010. 218
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. p. 176.
68
Artigo 37. Os Estados Partes zelarão para que: A) [...]; B) nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado. [...] Artigo 40. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais de ser tratada de modo a promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor e a fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo na sociedade.
Em correspondência com a respectiva matéria, é certo que a própria
Constituição Federal, no particular aspecto do art. 5º, § 2º, prevê que os direitos e as
garantias fundamentais com previsão em norma constitucional não excluem outros
decorrentes dos tratados de que seja parte a República Federativa do Brasil.219
Colaciona-se a posição de Piovesan no sentido de que a convenção sobre
os direitos da criança e do adolescente, por força do aludido preceptivo
constitucional, ganhou força de direito fundamental e, por isso, de cláusula pétrea, in
verbis:
Além de violar cláusula pétrea constitucional, a proposta afronta parâmetros internacionais de proteção dos direitos humanos, que o Estado Brasileiro se comprometeu a cumprir. Destaca-se, a título de exemplo, os artigos 37, "b", 40 e 41 da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, que prevêem a excepcionalidade e a brevidade das medidas privativas de liberdade aplicáveis a adolescentes, bem como a exigência de tratamento digno, pautado pela reintegração e desempenho construtivo na sociedade, quando da prática de ato infracional. Por força do artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição, os direitos enunciados em tratados internacionais de proteção dos Direitos Humanos somam-se aos direitos nacionais, reforçando a imperatividade jurídica dos comandos constitucionais já mencionados, relativamente ao direito à proteção especial de adolescentes.220
Diante do respectivo entendimento, inviável a alteração do ordenamento
constitucional acerca do marco inicial temporal aos dezoito anos de idade, em
relação à maioridade penal, tendo em vista que se cuida de um direito protegido por
tratado internacional e, por via oblíqua, por norma constitucional (art. 5º, § 2º,
CRFB/1998), constituindo um direito fundamental e intangível.
219
Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 109. 220
PIOVESAN, Flávia. A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal. 04 de julho de 2001. Disponível em:< www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 15 de outubro de 2010.
69
De outro lado, identifica-se outro motivo proibitivo da redução da maioridade
penal, seja o princípio da proibição ao retrocesso, o qual impede a adoção de
medida jurídica que importe na revogação de normas que concedam ou ampliem
direitos fundamentais.
O princípio da proibição do retrocesso se apresenta, em suma, como sendo
um direito subjetivo negativo, no sentido de que é possível impugnar judicialmente
toda e qualquer medida que se encontre em conflito com o teor do texto
constitucional, bem como impedir medidas legislativas que venham, pura e
simplesmente, subtrair supervenientemente a uma norma constitucional o grau de
concretização anterior que lhe foi outorgado pelo legislador.221
Acerca do princípio da vedação do retrocesso Leciona Barroso:
Pelo princípio da vedação ao retrocesso, que não é expresso, mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido.222
A respeito, complementa Sarlet:
Negar reconhecimento ao princípio da proibição ao retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõe do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte.223
Diante da respectiva máxima doutrinária, infere-se que o termo inicial da
maioridade penal, por ser direito fundamental consagrado pela Carta Magna, não
poderia ser alterada em virtude do evidente retrocesso.
Cabe observar que a jurisprudência brasileira já lançou posicionamento
sobre o princípio da proibição do retrocesso, mormente o Supremo Tribunal Federal.
Por conta disso, importante colacionar parte do voto exarado pelo Ministro da
respectiva Corte Superior constitucional Carlos Ayres Brito no julgamento da Ação
direta de inconstitucionalidade de número 3104/DF, in verbis:
221
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 448. 222
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: Limites e possibilidades da Constituição brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 158. 223
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 450.
70
[...] Não me parece lógico, até porque um dos sentidos das cláusulas pétreas é impedir o retrocesso. É garantir o avanço. Esse o significado último de uma cláusula pétrea. A nova Constituição traz uma conquista política, social, econômica e fraternal, de que natureza for, e a petrealidade passa a operar como uma garantia do avanço, então obtido. Uma interdição ao retrocesso. [...].224
Destarte, mediante o reconhecimento de uma vedação ao retrocesso,
podendo citar o direito fundamental do termo inicial da maioridade penal aos dezoito
anos, impede-se a frustração da efetividade das normas constitucionais, não sendo
possível a modificação pelo legislador de um direito consagrado constitucionalmente
e amparado também pela legislação infraconstitucional, porquanto claro o prejuízo à
sociedade com a respectiva alteração.
De mais a mais, evidencia-se a proteção integral, consubstanciada na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, bem como no Estatuto da
criança e do adolescente (Lei n. 8069/90), como princípio baseado no
reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e
adolescentes, sendo um direito inerente à pessoa humana.225
Vale mencionar que o Estatuto da Criança e do adolescente, no condizente
ao art. 3º, dispõe que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral.
Segundo Ishida existem direitos que são destacáveis da pessoa humana,
incluindo-se o direito ao termo inicial da maioridade penal aos dezoito anos, não
deixando, contudo, de se referir ao tratamento digno em referência a outros direitos
fundamentais.226
Esclarece a doutrina constitucional:
Princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) – este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o texto maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso o primado consubstancia o espaço da integridade
224
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3104/DF. Rela. Mina. Cármen Lúcia. Distrito Federal/DF, 26 de setembro de 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia>. Acesso em: 16 de outubro de 2010. 225
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 02. 226
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente. p. 06.
71
moral do ser humano, independentemente de credo, cor, raça, origem ou status social.227
Portanto, levando em consideração o respectivo posicionamento, a redução
da maioridade penal infringiria o princípio da dignidade da pessoa humana,
consagrado expressamente pelo art. 1º, inciso III, da Constituição da República de
1988, bem como o princípio da proteção integral, o que consistiria em evidente
inconstitucionalidade.
Nessa vertente, preleciona Trentin:
A redução da maioridade constitui afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, expresso na Constituição Federal em seu artigo 1°, inciso III como uma garantia fundamental que deve orientar e limitar quaisquer meios. Tem-se que os direitos das crianças e adolescentes integram o rol de garantias, não sendo possível a discriminação de adolescentes de maneira a violar a sua dignidade de pessoa em especial condição de desenvolvimento. São inconstitucionais, portanto, propostas que visem reduzir o atual parâmetro etário. Pela doutrina da proteção integral entende-se que crianças e adolescentes são sujeitos de direito em condições especiais por estarem passando por um processo de desenvolvimento biopsicossocial. Atendendo ao texto constitucional, o legislador estabeleceu no Estatuto da Criança e do Adolescente regras para proteger e responsabilizar crianças e adolescentes, desmistificando a idéia de que adolescentes autores de atos infracionais saem ilesos de processos judiciais.228
Esclareça-se que a Constituição Federal é minuciosa e redundante na
previsão de direitos e situações subjetivas de vantagens das crianças e
adolescentes, especificando direitos já consignados para todos em geral, importando
em uma específica proteção aos menores da lei fundamental.229
Ademais, o princípio da proteção integral não está amparado tão somente
pela Carta constitucional, bem como pela legislação infraconstitucional, posto que
normas de direito internacional protegem e disciplinam acerca dos direitos especiais
das crianças e do adolescentes, sendo que, por força do art. 5º, § 3º, da
Constituição, os direitos fundamentais previstos na Lei fundamental não excluem os
previstos em tratados e outras normas internacionais ratificadas pelo poder
legislativo brasileiro.
227
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. p. 389. 228
TRENTIN, Ângela Corrêa. A questão da maioridade penal: da indiferença à proteção integral de crianças e adolescentes em conflito com a lei. 18 de dezembro de 2007. Disponível em: <www.ibccrim.org.br.>. Acesso em: 18 de outubro de 2010. 229
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 850.
72
Com propriedade, assinala Veronese:
A Convenção Internacional dos direitos da criança, trata-se de um documento aprovado com unanimidade pela Assembléia das Nações Unidas em uma sessão de 20 de dezembro de 1989. [...] Outrossim, recorda que esta proteção especial fora enunciada numa série de documentos: Declaração de Genebra de 1924 sobre os direitos da Criança; Declaração dos direitos da criança adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959; Declaração Universal dos Direitos humanos; Pacto Internacional de direitos civis e políticos; Pacto Internacional de direitos econômicos, sociais e culturais; Declaração sobre princípios sociais e jurídicos relativos à proteção e ao bem-estar das crianças (especialmente com referência à adoção e à colocação em lares de adoção, nos planos nacional e internacional); as regras mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça Juvenil – Regras de Pequim –;Declaração sobre a proteção da mulher e da criança em situações emergenciais ou de conflito armado e nos estatutos e instrumentos pertinentes das Agências Especializadas e das organizações internacionais que se interessam pelo bem-estar da criança.230
Nesse foco, vê-se que a redução da maioridade penal viola também o
princípio da dignidade da pessoa humana, ainda como o princípio da proteção
integral, consubstanciados, o primeiro na Carta Magna, e o segundo na legislação
infraconstitucional, sendo que este último decorre indiretamente dos direitos da
pessoa humana.
230
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1999, pp. 96-97.
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o que foi exposto e mediante a importância que o tema encerra em
detrimento de suas variadas controvérsias, analisados ao longo desse trabalho,
formou-se, nesse ínterim, a convicção dos aspectos que direcionaram a previsão da
maioridade penal a ser entendida como cláusula pétrea. Reconheceu-se também
que o Estatuto da Criança e do Adolescente possui importante papel como
regulamentador da Constituição Federal, de modo a que suas normas não sejam
desconsideradas.
Desse modo, no que foi explanado, o que preceitua a Constituição
Federal, em seu artigo 228, vem de encontro ao princípio da dignidade humana.
Assim, nesse foco, viu-se que a redução da maioridade penal, além de violar
também o princípio da dignidade da pessoa humana, atinge frontalmente o princípio
da proteção integral, consubstanciados, o primeiro na Carta Magna, e o segundo na
legislação infraconstitucional. Nessa pesquisa confirmatória, visualizou-se a
identificação de outro motivo proibitivo, o princípio da proibição ao retrocesso, o qual
impede a adoção de medida jurídica que importe na revogação de normas, definido
nestas considerações como um princípio insuscetível de qualquer mudança.
Diante do estudo de tais aspectos como texto preliminar à discussão
sobre a maioridade penal, foi possível evidenciar os tópicos do poder constituinte
originário como poder de fato que se impõe em sua legitimidade como fazedor da
constituição.
Desta forma, pôde-se entender que o poder constituinte derivado
reformador é limitado diante do qual impôs o legislador constituinte originário, pois
se percebeu que foi importante entender que a norma constitucional que a prevê
está incluída no rol imodificável.
Conforme explanado, se verificou que o Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, como legislação conseqüente e natural da constituição federal,
disposto no artigo 227, caput, vinculou esta legislação ordinária à concepção da
proteção integral. Assim, crianças e adolescente deixam de serem objetos, ou seja,
passam da condição de objetos de direito para a de sujeitos que possuem direito.
74
Não obstante, a imputabilidade definida pelo legislador tem como papel
não a capacidade de discernimento da pessoa humana (biopsicológicos), mas sim a
definição de uma data limite (aspecto biológico) para que possa ser responsável
pelos atos e assumir toda a responsabilidade por ele praticada.
Entrementes, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a
adoção de medidas sócios educativas que substituem de modo substancial, as
penas previstas no Código Penal, para os menores infratores.
Ademais, se verificou também, a importância da discussão da
(in)constitucionalidade da redução da maioridade penal, como forma de resolver a
problemática do envolvimento do adolescente na questão do aumento da
criminalidade.
No decorrer do desenvolvimento desse trabalho, percebeu-se que o tema
não se esgota, pois a discussão que lhe envolve possui alternâncias de
posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. A questão colocada como sendo
uma discussão que envolve a própria modificação da Constituição Federal,
confronta-se, principalmente com a tese de que se trata de um direito fundamental,
tendo em vista que se cuida de um direito protegido por tratado internacional e, por
via oblíqua, por norma constitucional (art. 5º, § 2º, CRFB/1998), constituindo um
direito fundamental e intangível.
Em contrapartida, quando o legislador original inseriu o tema da
maioridade penal no Capítulo VII da Constituição Federal, se consubstanciou no
sentido de que, por opção do próprio constituinte, o tema da maioridade penal foi
inserida no capítulo VII da Constituição, e não no rol dos direitos e garantias
fundamentais previstos no art. 5º e incisos da Carta Política, não sendo considerado,
por isso, cláusula pétrea, nos termos das limitações materiais abordada no art. 60, §
4º, da Lei fundamental. Por isso, a maioridade penal, além de não ser direito
fundamental em sentido material, em nosso entendimento, também não o é no
sentido formal. Assim, não há qualquer impedimento para a emenda constitucional
suprimindo ou modificando o art. 228 da Constituição. Assim, confirmamos que a
redução do Termo Inicial da Maioridade Penal é Constitucional, sendo possível a
alteração da idade mínima que define este liame acerca da imputabilidade.
75
Entretanto, não se pode olvidar que a garantia da Maioridade Penal não
pode, sobre qualquer circunstância, ser suprimida da constituição, pois, a garantia
em si, é uma cláusula pétrea.
Dito isso, constatou-se que do mesmo modo que existe uma corrente
ideológica que apóia a queda da redução da maioridade penal, existe outra corrente
ideológica que rebate a respectiva mudança, sendo favorável a não modificação da
Carta Magna, ora, sendo a maioridade um direito fundamental, será, por via de
conseqüência, uma cláusula pétrea, o que, para muitos, não pode ser modificado,
mesmo por emenda constitucional em decorrência do princípio da proibição do
retrocesso, o qual visa a proteção contra tentativas de suprimir ou restringir tais
direitos, como forma de garantir o princípio da dignidade da pessoa humana.
Por este fato, portanto, viu-se que a redução da maioridade penal viola o
princípio da dignidade da pessoa humana e também o princípio da proteção integral,
consubstanciados, o primeiro na Carta Magna, e o segundo na legislação
infraconstitucional, sendo que este último decorre indiretamente dos direitos da
pessoa humana.
De maneira geral, aliás, o que se verificou em todos os tópicos estudados,
foi de que o legislador originário estabeleceu na feitura da Constituição, a finalidade
de se interpretar, mediante seus escritos, os diversos seguimentos que a sociedade
queira se enveredar.
Portanto, com a atual consciência da sociedade brasileira, a redução do
termo inicial da maioridade penal, não contribuiria para uma melhora significativa,
mas sim, com a abstratividade daquilo que se desconhece pois é impossível prever
todas as possibilidades que podem ocorrer nas relações sociais.
76
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