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Rio de Janeiro 2005 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DENOMINADO SINDICÂNCIA UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS - GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE DIREITO PROCESSUAL CIVIL Autor: KARLA SICILIANO LIMA Orientador: JOSÉ ROBERTO BORGES

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Rio de Janeiro 2005

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA

AMPLA DEFESA NO PROCESSO

ADMINISTRATIVO DENOMINADO

SINDICÂNCIA

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS - GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Autor: KARLA SICILIANO LIMAOrientador: JOSÉ ROBERTO BORGES

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS - GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA

DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO

DENOMINADO SINDICÂNCIA

Monografia apresentada como exigência curricular para obtenção do titulo de pós-graduada à Comissão Julgadora do Projeto A Vez do Mestre da Universidade Cândido Mendes.

Autor: KARLA SICILIANO LIMA

Fevereiro/2005

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Lima, Karla Siciliano

O Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa no Processo Administrativo Denominado Sindicância.

X, 63 p.

Monografia de final de Curso (Pós-Graduação em Direito Processual Civil) UCAM.

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS - GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA

DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO

DENOMINADO SINDICÂNCIA

Karla Siciliano Lima

Orientador: ..............................................................................................

Professor

Aprovado em ...................................... pela Banca Examinadora:

......................................................................................................

......................................................................................................

......................................................................................................

Data da entrega: 22/02/05 Conceito: __________

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Dedico a Deus pela presença constante em minha vida, aos

meus pais e meu noivo pelo amor e confiança.

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VI

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Rodrigo Schwartz Pegado – pela confiança e apoio.

À Dra. Maria Aparecida Miranda Terrigno – pela amizade, pelo exemplo de profissional e crédito em meu trabalho.

À Amiga Adriana Monteiro Tavares – uma nova irmã na estrada da vida.

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"O princípio dos princípios é o respeito da consciência, o amor da verdade"

Rui Barbosa

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VIII

RESUMO

O presente estudo abordará um dos principais princípios atinentes ao

direito processual civil inserido na Constituição Federal de 1988, o princípio do

contraditório e da ampla defesa, no processo administrativo denominado sindicância,

que encontra-se inserido no artigo 5º, Inciso LV, da Constituição Federal.

No caso de sindicância, quando esta tiver o caráter acusatório, deverá ser

assegurado ao administrado, funcionário civil ou militar, o direito de exercer a ampla

defesa e o contraditório, na forma do Texto Constitucional.

A não observância dessa garantia constitucional é motivo para a

interposição de Mandado de Segurança perante a Justiça Comum ou Federal, que

dependerá da situação funcional da autoridade administrativa responsável pelo ato.

No momento da interposição da medida, o autor poderá pleitear a concessão de

liminar para suspender o processo administrativo até o julgamento do mérito da

questão.

A análise da ampla defesa, como princípio fundamental, se traduz em

algo da maior importância para a sua aplicação, podendo ensejar a nulidade do ato.

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IX

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ------------------------------------------------------------------

1

CAPÍTULO I - OBJETIVO ----------------------------------------------------

2

CAPÍTULO II - METODOLOGIA -------------------------------------------

2

CAPÍTULO III – REVISÃO DE LITERATURA --------------------------

2

3.1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS ------------------------------------------- 3.1.2 – CONCEITO DE PRINCÍPIO ------------------------------------------

2 3

3.2 – O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ----- 3.2.1 – O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL -------------------------------------------------- 3.2.2 – NOÇÃO DO PRINCÍPIO ----------------------------------------------

6 6 6

3.3 – O PROCESSO ADMINISTRATIVO - EVOLUÇÃO HISTÓRICA- 3.3.1 – PROCESSO ADMINISTRATIVO - CONSIDERAÇÕES GERAIS ---------------------------------------------------------------------------- 3.3.2 – SINDICÂNCIA COMO UM PROCESSO ADMINISTRATIVO R CONTRADITÓRIO ------------------------------------------------------------

11 14 16

3.4 – DA NOVA ORDEM LEGAL ---------------------------------------------

21

3.5 – O MANDADO DE SEGURANÇA E O DIREITO ADMINISTRATIVO ------------------------------------------------------------- 3.5.1 – O MANDADO DE SEGURANÇA COMO MEIO DE CONTROLE DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA ----------------------------

27 28

3.6 – ATOS ADMINISTRATIVOS COMPLEXOS --------------------------

31

3.7 – RECURSO ADMINISTRATIVO ----------------------------------------

33

3.8 – OMISSÃO LESIVA E SILÊNCIO ADMINISTRATIVO ------------

39

3.9 – ATIVIDADES DELEGADAS E AUTORIZADAS -------------------

40

3.10 – MANDADO DE SEGURANÇA E SINDICÂNCIA -----------------

44

3.11 – LEI 8.112/90 DETERMINA A AMPLA DEFESA ------------------

47

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X

3.12 – A NULIDADE CONTAMINA PROCEDIMENTOS QUE DESRESPEITAM A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO NA FASE DE SINDICÂNCIA -------------------------------------------

3.13 – DO ABUSO DE PODER ------------------------------------------------

CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------- REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ---------------------------------------

54 57 58 61

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INTRODUÇÃO

Os princípios processuais constitucionais estabelecem as regras que

norteiam a relação jurídica processual, assegurando direitos, atribuindo ônus às

partes e deveres ao Estado, a fim de assegurar o regular desenvolvimento do

processo.

A vida do direito não é diferente da vida das pessoas. O Direito necessita

de constante polimento, a fim de que possa conferir utilidade social àqueles que

labutam nas relações sociais do dia-a-dia.

A lei envelhece, cai em desuso; o princípio a tudo resiste, vence o túnel

do tempo, sobrevive a todos os regimes jurídicos e enfrenta todas as espécies de

governo, mesmo que não seja contemplado no ordenamento legislativo do País. Por

isso, resulta de fundamental importância seu estudo, como fonte basilar de tudo.

Por este motivo é que o presente estudo será aprofundado no princípio do

contraditório e da ampla defesa. Este princípio processual constitucional está inserido

no artigo 5º, Inciso LV, da Constituição Federal, dentro do Título Dos direitos e

garantias fundamentais, demonstrando, assim, a sua importância no ordenamento

jurídico.

Portanto, trataremos basicamente, com o intuito de abranger os principais

pontos do princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo -

sindicância, para o regular desenvolvimento dos casos concretos postos à apreciação

dos órgãos do Poder Judiciário ou órgãos administrativos.

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CAPÍTULO I

OBJETIVO

O presente estudo tem a finalidade de abordar um dos principais

princípios atinentes ao direito processual civil inserido na Constituição Federal de

1988, admitido pela doutrina majoritária, qual seja, o princípio do contraditório e da

ampla defesa, no processo administrativo denominado sindicância.

CAPÍTULO II

METODOLOGIA

Estudo analítico, consistindo em doutrina e jusrisprudência,

correlacionando-se com a revisão da literatura. Realizado análises

retrospectivas da bibliografia jurídica pesquisada em bibliotecas

(Universidade Estácio de Sá e Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro), assim como em banco de dados online, formatado em word.

CAPÍTULO III

REVISÃO DE LITERATURA

3.1 - CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os princípios constituem-se em fontes basilares para qualquer ramo do

direito, influindo tanto em sua formação como em sua aplicação.

Toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica na

existência de princípios. Para MIGUEL REALE os princípios são: “certos

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enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais

asserções que compõem dado campo do saber”.1

Diante disso, através das peculiaridades dos princípios inerentes a cada

ramo do direito e da importância de sua influência, é que se torna necessário o seu

estudo.

3.1.2 - CONCEITO DE PRINCÍPIO

De início, a fim de desenvolver um estudo mais completo, é necessário

averiguar qual o significado do vocábulo princípio. Em sua lição, DE PLÁCIDO E

SILVA, estudioso dos vocábulos jurídicos, ensina que: “os princípios são o conjunto

de regras ou preceitos que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação

jurídica, traçando a conduta a ser tida em uma operação jurídica”.2

Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA os princípios são elementos

fundamentais da cultura jurídica humana. Já Para COVIELLO, os princípios são os

pressupostos lógicos e necessários das diversas normas legislativas.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO acerca dos princípios em

geral, comenta que:

"Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um

sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental

que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o

espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão

e inteligência, exatamente por definir a lógica e a

racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a

1 Em Lições Preliminares de Direito. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 300.

2 Vocabulário Jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 447.

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XIV

tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos

princípios que preside a intelecção das diferentes partes

componentes do todo unitário que há por nome sistema

jurídico positivo”.

A noção de princípio, como preceito axiomático, surgiu posteriormente

ao costume. Com base nessa assertiva pode-se afirmar que, inicialmente, foi o

costume. Depois veio a norma e, no bojo dela, os costumes e os princípios em forma

de regra de direito.

Os princípios jurídicos têm sua fundamentação básica no direito natural,

pois sua vigência independe da existência de qualquer documento ou preceito escrito.

A ampla defesa, por exemplo, é invocada diariamente, por pessoas leigas e pela

classe operária do direito, sempre que uma situação concernente à acusação de

alguém se apresente sem que haja concessão de oportunidade para a sua oitiva. O

leigo invoca esse princípio por pura intuição, enquanto que o profissional do direito o

faz pela concepção que possui do alcance desse postulado na vida do indivíduo e do

ordenamento jurídico do Estado.

Numa acepção comum, a palavra princípio denota início, começo,

origem.

No sentido jurídico, a palavra princípio isoladamente também possui o

mesmo significado do seu entendimento comum. Quando, no entanto, emprega-se

essa palavra no plural (princípios), modifica-se completamente a sua significação,

pois passa a dar a idéia de regras ou de preceitos que antecedem a própria norma ou

podem influenciar a criação desta, exercendo, com isso, raio de ação aplicável a toda

espécie de movimento jurídico.

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Os princípios são entes fundamentais para a vida do direito e sua prática

diária, quer na atividade forense, quer no trato das pessoas em suas relações

cotidianas. A propósito disso, inúmeros são os conceitos que a doutrina emprega para

definir o que sejam princípios jurídicos fundamentais.

A compreensão dos princípios fundamentais parte, geralmente, dos

conceitos que se encontram expressos na Carta Magna do País. Não se pode,

contudo, descuidar a existência de certos princípios fundamentais que, a despeito de

não se encontrarem expressamente consignados no texto constitucional vigente ou

em leis ordinárias, devam ser levados em consideração pelo profissional da ciência

jurídica, porque representam axiomas universais indicativos de proteção de direitos

que toda sociedade organizada tem a obrigação de assegurar ao cidadão.

Resta assim, revelada a gigantesca importância de um princípio no

sistema jurídico, de maneira que, pode-se concluir que, ao se ferir uma norma,

diretamente estar-se-á ferindo um princípio daquele sistema, que na sua essência

estava embutido.3

Portanto, conclui-se que os princípios são os pontos básicos e que servem

de base para a elaboração e aplicação do direito.

Depois de verificada a importância dos princípios dentro do ordenamento

jurídico, passa-se agora a analisar o princípio constitucional, que será objeto do

presente estudo.

3 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 50.

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3.2 - O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

3.2.1 - O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O princípio do contraditório e ampla defesa trata-se de princípio

insculpido de forma expressa na Constituição Federal, podendo ser encontrado no

artigo 5º inciso LV.4

A noção de ampla defesa remonta à antiguidade, posto ser da natureza

humana a inconformação. Bem conhecido, por isso, o exemplo bíblico do julgamento

de Adão, onde, neste caso, o próprio Deus concedeu-lhe o direito de defesa, ao

aduzir "Adam, ubi es?" Surgia, segundo o jurista Afonso Fraga, citado por Tourinho

Filho, o instituto da citação. Acrescentado ainda que, seguido daquele ato, veio o

interrogatório do primeiro homem e sua defesa, tudo na forma oral, dando a entender

que, no começo, a jurisdição se orientava pelo princípio da oralidade.

Passa-se, portanto, a analisar um dos princípios basilares do processo,

seja civil ou penal, contido na Constituição Federal entre os direitos e garantias

fundamentais.

3.2.2 - NOÇÃO DO PRINCÍPIO

O contraditório implica no direito que tem as partes de serem ouvidas nos

autos. O processo é marcado pela bilateralidade da manifestação dos litigantes. Essa

regra de equilíbrio decorre do denominado princípio da igualdade das partes, tão

importante para o embate processual quanto qualquer um dos demais princípios

orientadores do processo.

4 art. 5º omissis

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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Defende Rui Portanova que o contraditório assenta-se em fundamentos

lógico e político. A bilateralidade da ação (e da pretensão) que gera a bilateralidade

do processo (e a contradição recíproca) é o fundamento lógico. O sentido de que

ninguém pode ser julgado sem ser ouvido é fundamento político. Sustentado sobre

esses dois pilares, o princípio dinamiza a dialética processual e vai tocar, como

momento argumentativo, todos os atos que preparam o espírito do juiz.

Segundo Vicente Greco Filho, o contraditório pode ser definido como

meio ou instrumento técnico para efetivação da ampla defesa, e consiste

praticamente em: poder contrariar a acusação; poder requerer a produção de provas

que devem, se pertinentes, obrigatoriamente ser produzidas; acompanhar a produção

das provas, fazendo, no caso de testemunhas, as perguntas pertinentes que entender

cabíveis; falar sempre depois da acusação; manifestar-se sempre em todos os atos e

termos processuais aos quais deve estar presente; recorrer quando inconformado

A ampla defesa representa garantia constitucional prevista no art. 5º,

inciso LV, da Constituição Federal. Sua concepção possui fundamento legal no

direito ao contraditório, segundo o qual ninguém pode ser condenado sem ser

ouvido.

Numa concepção primária, trata-se a ampla defesa de direito

constitucional processual assegurado ao réu subjetivamente. Por esse postulado, a

parte que figura no pólo passivo da relação processual exige do Estado-Juiz, a quem

compete a prestação da tutela jurisdicional, o direito de ser ouvida, de apresentar suas

razões e de contra-argumentar as alegações do demandante, a fim de elidir a

pretensão deduzida em juízo.

A ampla defesa é garantia do demandado inerente ao Estado de Direito.

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XVIII

Mesmo quando se está diante de regime de exceção, a noção desse instituto não

desaparece porque é algo que se encontra arraigado ao ser humano, é uma

necessidade inata do indivíduo, é algo que resulta do próprio instinto de defesa que

orienta todo ser vivo.

Apesar desse princípio vir expresso pela fórmula "ampla defesa", seu raio

de aplicação não se limita exclusivamente a beneficiar o réu, posto que visa também

favorecer outros sujeitos da relação processual. Sendo assim, não é errôneo dizer que

a ampla defesa constitui direito que protege tanto o réu quanto o autor, bem como

terceiros juridicamente interessados. Diante disso, é forçoso reconhecer que somente

haverá ampla defesa processual quando todas as partes envolvidas no litígio puderem

exercer, sem limitações, os direitos que a legislação vigente lhes assegura, dentre os

quais se pode enumerar o relativo à dedução de suas alegações e à produção de

prova.

O Juiz, face ao seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes,

mas de forma eqüidistante a elas, quando ouve uma, necessariamente deve ouvir a

outra, somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor as suas razões, de

apresentar as suas provas, de estarem presentes, examinarem os autos, de influir

sobre o convencimento do juiz.

Somente pela porção de parcialidade das partes, uma apresentando a tese

e outra a antítese, é que o juiz pode fazer a síntese. Este procedimento seria

estabelecer o contraditório entre as partes (audiência bilateral).

Neste sentido, LUIZ GUILHERME MARINONI faz as seguintes

considerações acerca do princípio do contraditório:

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“O princípio do contraditório, na atualidade, deve ser

desenhado com base no princípio da igualdade substancial,

já que não pode se desligar das diferenças sociais e

econômicas que impedem a todos de participar efetivamente

do processo".

Para ROSENBERG, contraditório significa: “poder deduzir ação em

juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser

informado sobre a existência e conteúdo do processo e fazer-se ouvir”.

Em relação ao princípio do contraditório, ENRICO TULLIO LIEBMAN

tece o seguinte comentário:

"A garantia fundamental da Justiça e regra essencial do

processo é o princípio do contraditório, segundo este

princípio, todas as partes devem ser postas em posição de

expor ao juiz as suas razões antes que ele profira a decisão.

As partes devem poder desenvolver suas defesas de maneira

plena e sem limitações arbitrárias, qualquer disposição legal

que contraste com essa regra deve ser considerada

inconstitucional e por isso inválida".

Segundo NELSON NERY JÚNIOR, quando a lei garante aos litigantes o

contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o

direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório

O princípio do contraditório é a perfeita combinação entre o princípio da

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ampla defesa e princípio da igualdade das partes. SANSEVERINO menciona que:

"O princípio constitucional da igualdade jurídica, do qual um

dos desdobramentos é o direito de defesa para o réu,

contraposto ao direito de ação para o autor, está intimamente

ligado a uma regra eminentemente processual: o princípio da

bilateralidade da ação, surgindo, da composição de ambos, o

princípio da bilateralidade da audiência".

O princípio da igualdade das partes impõe a bilateralidade da audiência,

já que a possibilidade de reação de qualquer das partes em relação à pretensão da

outra, depende sempre da informação do ato praticado. Daí o fundamento da citação

da parte contrária, quando válida, estabelecendo a relação jurídica processual.

Em consonância com tal definição, CINTRA, GRINOVER e

DINAMARCO5 afirmam que é imprescindível que se conheça os atos praticados

pela parte contrária e pelo juiz, para que se possa estabelecer o contraditório. O

contraditório é constituído por dois elementos:

a)informação à parte contrária;

b)a possibilidade da reação à pretensão deduzida;

Diante destas considerações, é possível notar que, para que a parte possa

estabelecer o contraditório e exercitar a ampla defesa, é necessário que esta tenha

ciência dos atos praticados pela parte contrária e pelo juiz da causa.

Antes de abordarmos o tema sobre a sindicância, faz-se necessário tecer

algumas considerações de extrema relevância sobre o processo administrativo em si.

5 Em Teoria Geral do Processo, os mesmos autores mencionam que até mesmo quando o juiz se depara com o periculum in

mora, provendo a medida inaudita altera pars, o demandado poderá exercer a sua atividade processual plena, antes do

provimento definitivo. Inexistem exceções ao princípio do contraditório.

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3.3 - O PROCESSO ADMINISTRATIVO - EVOLUÇÃO

HISTÓRICA

O processo administrativo é centenário no direito positivo brasileiro.

Remonta ao império6, sendo considerado uma ciência nova, que a partir do

surgimento da Monarquia Absoluta, em meados do Século XVII aos finais do Século

XVIII, se notabilizou pela centralização do poder real, que representava a lei

suprema, verificando-se total enfraquecimento da nobreza e ascensão da burguesia.

Onde imperava a idéia da irresponsabilidade do Estado Absoluto, não sendo possível

imaginar qualquer tipo de questionamento judicial contra a coroa.

Após a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, o direito

administrativo floresceu, ou seja, passou a conviver com o Estado de Direito,

deixando de ser atrelado à preponderância, onde a vontade do Rei (Estado) era a lei.

Tem-se, portanto, que o Estado de Direito Constitucional radiou seus

efeitos para todas as ciências jurídicas, prevalecendo a preocupação com o gênero

humano, submetendo-se o Estado aos preceitos legais.

Do Império até nossos dias, passando pelas repúblicas de 1889 até a

Constituição de 1988, o processo administrativo sofreu várias influências. Quanto

mais democrática fosse a época, o processo administrativo deixava de ter um caráter

punitivo dos servidores da administração, para ser um instrumento protetivo dos

administrados, reduzindo o arbítrio da autoridade, limitando seu poder.

Apesar de ser centenário, o processo administrativo só veio a ser

constitucionalizado em 1934, constando no art. 169 da Constituição.

6 Autores da época falavam em jurisdição administrativa. ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS, citado por JESSÉ TORRES

PEREIRA JÚNIOR (1997, p. 24), já distinguia em sua obra, a jurisdição administrativa contenciosa e graciosa, excluindo a

aplicação do princípio do contraditório ao processo chamado gracioso, onde a Administração se defronta com meros interesses

dos administrados, utilizando-se da discricionariedade para decidir a questão.

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A nossa doutrina também incorporou essa regra como princípio básico a

ser seguido pela Administração Pública, cabendo trazer à lume a sempre brilhante

Maria Silvia Zanela Di Pietro:

“Sob a influência do positivismo jurídico, o princípio da

legalidade a que se submete o administrador, passou a ser

visto de forma adversa. Enquanto o Estado de Direito

Liberal se reconhecia a administração ampla

discricionariedade no espaço livre deixado pela Lei,

significando que ela pode fazer tudo a que a Lei não proíbe,

no Estado de Direito Social, a vinculação à Lei passou a

abranger toda atividade administrativa; o princípio da

legalidade ganhou um sentido novo, significando que o

administrador só pode fazer o que a Lei permite”.7.

Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em

virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício,

só poderão ser destituídos em virtude de sentença judicial ou mediante processo

administrativo regulado por lei, e no qual lhes será assegurada a ampla defesa.

Na década de 30, a estréia foi dupla, tanto a constitucionalização do

processo administrativo quanto do direito à ampla defesa. De lá para cá, a locução

processo administrativo esteve sempre presente nas Constituições Federais, chegando

aos tempos atuais como sendo um instrumento que funciona como garantia que reduz

o arbítrio da autoridade pública.

Em razão desta evolução, os servidores públicos civis e militares

foram agraciados com os comandos constitucionais que obrigaram que o

Executivo e o Legislativo editassem novas regras, capazes de refletirem o

“espírito” das mudanças.

7 In “Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988”, Atlas, 1991, pág. 27.

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Esta pequena explicação se faz necessário para demonstrar, o atrelamento

ao princípio da legalidade (Art. 37, da CF), ou seja, os atos a serem praticados tanto

na fase de sindicância, como em processo disciplinar, terão que obedecer, em

primeiro lugar, aos dispositivos constitucionais aplicáveis, para, após, serem

verificados na esfera judicial.

É importante se ater a este detalhe, pois antigamente concebia-se a

sindicância como meio sumário, com a sua tramitação se caracterizando pelo manto

do sigilo, como descrevia José Cretella Junior: “Sindicância é o meio sumário que se

utiliza a Administração do Brasil para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou

não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público responsável”8

Assim, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ora em

vigor, o instituto do contencioso administrativo voltou a ser mero procedimento de

controle interno da Administração, extinguindo-se a necessidade de sua existência

prévia para ingresso em Juízo, e, visando extinguir os abusos por vezes ocorrentes

nos órgãos contenciosos administrativos.

Esses posicionamentos declinados, que apesar de garantir ao servidor a

ampla defesa (Art. 217), somente lhe dava chance de provar a sua inocência, com o

exercício do due process of law, após a sua citação (Art. 222), ou seja, depois de

concluída a sindicância, fase até então sumária, é que o acusado teria vista do

processo para as alegações de defesa.

Ocorre que, após a promulgação da atual Carta Magna, em 05 de outubro

de 1988, foi criada uma nova era no campo social e público, sendo necessário

reformulação no texto infraconstitucional, face às inúmeras modificações ocorridas

na Constituição apelidada de “cidadã”. Uma delas foi a vinda da Lei 8.112/90, que

8 Em igual diapasão, Hely Lopes Meirelles assim conceituava a sindicância: “É o meio sumário de elucidação de

irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição do infrator.”

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em submissão à determinação de um Regime Jurídico Único para o servidor público

federal, humanizou mais o convívio com a Administração Pública, garantindo

sempre, em qualquer hipótese, o contraditório e a ampla defesa (Art. 5º, LV, CF)

para o acusado ou investigado em geral, pondo fim a “verdade sabida”.

3.3.1 - PROCESSO ADMINISTRATIVO – CONSIDERAÇÕES

GERAIS

O chamado processo administrativo está associado à idéia de um

complexo de atos que forma um todo. Este complexo de atos ordenados visa a um

fim determinado. A Administração utiliza processos para atender os requerimentos

dos interessados, ou para punir os que praticam determinados ilícitos.

Percebe-se desde já, dois tipos de processo, sendo um, de caráter

meramente gracioso, que não comporta uma lide, mas sim a tutela de determinados

interesses individuais que não estão contrapostos a outros.

Segundo MARIA ZANELLA DI PIETRO:

"No processo gracioso, os próprios órgãos da administração

são encarregados de fazer atuar a vontade concreta da lei,

com vistas à consecução dos fins estatais que lhe estão

confiados e que nem sempre envolve decisão sobre

pretensão do particular"

Já o processo contencioso importa em uma lide, um conflito de interesses

entre a Administração e o administrado. No primeiro caso, o processo serve como

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XXV

ferramenta jurídica que protege a relação administração-administrado de pressões

ilegítimas ou arranjos comprometedores do interesse público. Evita que os agentes

públicos considerem caracteres subjetivos ao atender a petição do indivíduo, zelando

pelo princípio da impessoalidade que norteia a Administração.

Já no caso do processo contencioso, este visa claramente a servir de

fronteira entre a discricionariedade e a arbitrariedade9, principalmente com a inclusão

do princípio da ampla defesa como essencial informador do processo administrativo.

Isto por que estabelece critérios objetivos para a resolução da lide. Critérios estes que

não podem ser desconsiderados pela Administração, sob pena de se violar o princípio

da legalidade.

O direito brasileiro atual prevê a figura do processo administrativo

disciplinar como competente para apurar e punir faltas praticadas pelos servidores

públicos, sem, contudo, retirar ao Poder Judiciário o controle jurisdicional sobre

essas questões. Entretanto, tem sido freqüentemente confundido o processo

administrativo disciplinar com a figura da sindicância, utilizando-se a Administração

desta para aplicar punições, quando somente por meio daquele poderiam estas ser

aplicadas.

Conforme leciona Hely Lopes Meirelles, processo administrativo

disciplinar é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e

demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da

Administração. Enquanto que sindicância é meio sumário de elucidação de

irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição ao

infrator, ... É o verdadeiro inquérito administrativo que precede o processo

administrativo disciplinar.

9 TORRES, 1997, p. 61.

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XXVI

3.3.2 - SINDICÂNCIA COMO UM PROCESSO

ADMINISTRATIVO E CONTRADITÓRIO

O processo administrativo denominado de sindicância tem por objetivo

apurar a falta administrativa praticada por funcionário público, civil ou militar, e que

seja passível de punição na forma dos Estatutos aos quais esteja sujeito.

Sua natureza jurídica é de procedimento investigativo, similar ao

inquérito policial, configurando-se como mecanismo de elucidação de

irregularidades no serviço.

A sindicância poderá ser investigatória ou acusatória. No primeiro caso,

o fato é conhecido, mas o autor do ilícito administrativo é desconhecido. No segundo

caso, tanto o autor, como o fato, são conhecidos, e a autoridade administrativa busca

colher elementos para comprovar os indícios dos fatos que são atribuídos ao

funcionário, que poderá ser submetido a um processo administrativo para a perda da

função.

As autoridades administrativas, principalmente as autoridades militares,

não têm assegurado aos acusados em sindicância acusatória o direito de exercerem

por meio de advogado a ampla defesa e o contraditório, o que fere o texto

constitucional. Além disso, a defesa realizada por oficial da Corporação designado

para o ato, também fere o princípio da ampla defesa e do contraditório. A defesa

somente pode ser considerada técnica quando realizado por profissional regularmente

inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados.

Existem administradores que ainda aplicam regras da Constituição de

1969, entendendo que os processos administrativos seriam sigilosos, e que a eles as

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XXVII

partes não podem ter acesso, o que demonstra falta de conhecimento do vigente

Texto Constitucional. Todos os processos administrativos em atendimento ao

disciplinado no art. 37, caput, da Constituição Federal, são públicos e a eles podem

ter acesso qualquer pessoa, incluídos neste rol, os acusados, sem que precisem ser

assistidos por advogados.

No direito público, não existe sigilo, a não ser que por lei as informações

sejam consideradas essenciais para a sobrevivência do Estado, o que não é o caso. O

Estado de Direito não admite que uma pessoa seja punida ou fique sujeita a perda de

seus bens sem que tenha exercido a ampla defesa e o contraditório, com todos os

recursos a ela inerentes. Exercer a ampla defesa não é apenas oferecer alegações

finais, mas acompanhar a realização de prova técnica, oitiva de testemunhas,

podendo realizar perguntas, formular quesitos, ou seja, tudo aquilo previsto em lei.

Caio Tácito em sucinto, porém erudito comentário, citando precedentes

do STF, ressalta como era unilateral a fase inicial do procedimento disciplinar. A

fase instrutória se constituía de forma unilateral, sem procedimento contraditório. O

Supremo Tribunal Federal, em mais de um caso, declarou constitucional o

procedimento estabelecido no sistema estatutário que perdurou por mais de três

decênios. Em acórdão no Recurso Extraordinário n. 107.553, relator o Ministro Djaci

Falcão, decisão unânime, em sessão de 2 de maio de 1986, ratificou o entendimento

de que: “A defesa é assegurada ao indiciado após ultimada a instrução. É facultado,

então, ao indiciado, o pedido de reinquisição de testemunha, ouvida na fase de

instrução”.

Neste contexto, apesar de ter uma tramitação rápida (máximo 30 dias),

prorrogáveis, a sindicância deixou de ser sumária, sem a defesa do servidor acusado,

pois o Art. 143 da Lei 8.112/90 exige respeito à regra constitucional do due process

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XXVIII

of law, com garantia do contraditório e de todos os meios de provas admitidos em

direito, que não sejam procrastinatórios.

Dessa forma, Hely Lopes Meirelles, deixou consignado na 14ª Edição do

seu “Direito Administrativo Brasileiro”, lançada em 1989, ou seja, após a nova CF,

que agora “a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de

punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade

de defesa para validade da sanção aplicada”10.

E a Jurisprudência administrativa atenta à evolução constitucional,

baixou o seguinte entendimento: “Mesmo nas penalidades de advertência e

suspensão de até trinta dias, impõe-se a instauração de sindicância para

apuração da responsabilidade, observando-se o princípio da ampla defesa.”

“A aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até trinta dias

será sempre precedida de apuração da infração mediante sindicância, assegurada

ampla defesa do acusado.”

Portanto, a aplicação de penalidade de advertência, que seria a forma

mais branda de punição administrativa, deverá ser sempre precedida de

apuração da infração mediante sindicância, assegurada ampla defesa do

acusado. Esta necessidade da defesa na sindicância é plenamente

justificada, não só pelo Inc. LV do Art. 5º da CF, mas também que dela pode

resultar em “arquivamento do processo”, “aplicação de penalidade de

advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias” e “instauração de processo

disciplinar” (Art. 145 da Lei 8.112/90).

Assim, tanto na sindicância, como no inquérito, deve-se garantir ao

acusado ou investigado sempre os meios de defesa e o contraditório, para

possibilitar

10 ob. citada, pág. 593.

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XXIX

que a verdade seja a prevalente, pois no campo administrativo-processual

não se admite mais o ordenamento de atos acusatórios, onde a verdade já é

sabida pela Comissão Julgadora, que sentencia com base em provas e

elementos construídos sem que fossem refutados pelos servidores

acusados. E exatamente para banir estas perseguições, é que o constituinte

moderno não permite mais a utilização de meios que impossibilitam o

cerceamento de defesa do investigado.

A era da “verdade sabida” no direito administrativo passou, e todo

procedimento disciplinar deverá ser precedido da Sindicância, com a garantia da

defesa escrita e demais provas admitidas em direito, sob pena de nulidade insanável.

Esta é a grande inovação do texto constitucional, que se não for observado e cultuado

gera nulidade absoluta.

O advogado não é mero espectador do ato. Toda vez que for necessário, e

que o procedimento adotado pela autoridade, judiciária ou administrativa, venha a

contrariar os direitos e garantias fundamentais do cidadão, este deve intervir para que

o Estado de direito seja preservado.

Na sindicância acusatória, ao negar-se o direito do sindicado acompanhar

o processo e exercer a ampla defesa e o contraditório, a autoridade administrativa

está violando os direitos e as garantias previstas na Constituição Federal. A adoção

deste procedimento autoriza o acusado a buscar a proteção jurisdicional em

atendimento ao disciplinado no art. 5º, inciso XXXV, do Texto Constitucional.

Assim, na sindicância, estamos diante de um ato preparatório do processo

disciplinar stricto sensu. Entretanto, há a possibilidade de se aplicar sanções ainda na

sindicância. Tal processo é instaurado para servir de meio de cognição sumária, que

pode vir a aplicar penas. Se isto acontece, não estamos diante de uma mera apuração

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XXX

dos fatos, mas sim de uma acusação, ensejando, portanto, a incidência da garantia

constitucional da ampla defesa. O STF já se posicionou sobre esta possibilidade:

“SERVIDOR PÚBLICO. APLICAÇÃO DA PENA DE

ADVERTÊNCIA SEM A INSTAURAÇÃO DE

SINDICÂNCIA NA QUAL SE DARIA O EXERCÍCIO DA

AMPLA DEFESA DOS QUE VIERAM A SER PUNIDOS.

NULIDADE. Do sistema da Lei 8.112/90 resulta que, sendo

a apuração de irregularidade no serviço público feita

mediante sindicância ou processo administrativo, assegurada

ao acusado ampla defesa (art.143), um desses dois processos

terá de ser adotado para essa apuração, o que implica dizer

que o processo administrativo não pressupõe

necessariamente a existência de uma sindicância, mas, se o

instaurado for a sindicância, é preciso distinguir: se dela

resultar a instauração do processo administrativo disciplinar,

é ela mero processo preparatório deste, e neste é que será

imprescindível se dê a ampla defesa do servidor; se, porém,

da sindicância decorrer a possibilidade de aplicação de

penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 dias,

essa aplicação só poderá ser feita se for assegurado ao

servidor, nesse processo, sua ampla defesa. No caso, não se

instaurou nem sindicância, nem processo administrativo, e

sem se dar, por isso mesmo, qualquer oportunidade de

defesa aos impetrantes, foi-lhes aplicada a pena de

advertência, por decisão que foi tomada, como se vê da

cópia a fls. 10, em processo administrativo contra terceiro e

no qual os impetrantes constituíam a comissão de inquérito.

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XXXI

Recurso ordinário a que se dá provimento.(RMS-22789 / RJ

RECURSO DE MANDADO DE SEGURANCA –

Publicação DJ DATA-25-06-99 PP-00045 EMENT VOL-

01956-02 PP-00245 – Relator Ministro MOREIRA ALVES

– Julgamento 04/05/1999 - Primeira Turma -Unânime)”

Há a possibilidade de a sindicância vir a, além de apurar os fatos, aplicar

penalidades aos sindicados. Porém, nesta hipótese, ela não será mais, mero

instrumento informativo, necessitando, portanto, da garantia do direito à defesa.

Por outro lado, a fim de se evitar outras nulidades no procedimento

administrativo, é imperioso que se verifique a redação da Portaria inaugural, pois

como peça processual interna, está adstrita ao princípio da publicidade (Art. 37 da

CF), devendo conter nome dos servidores investigados com a exposição dos fatos

que constituem as infrações disciplinares: “É nula portaria que determina a

instauração de processo administrativo contra funcionário público se a mesma não

contém a exposição do fato ou fatos que constituem infrações disciplinares, com

todas as circunstâncias, à semelhança do que se faz na ação penal com a denúncia,

que é a peça básica da persecutio criminal.”

Para evitar que atos administrativos “disciplinares” inconstitucionais

maculem a honra do servidor público, com prejuízo grave a sua boa imagem na

repartição, mister se faz que haja o respeito dos direitos e garantias constitucionais

dos administrados, sob pena de nulidade absoluta e intransponível.

3.4 - DA NOVA ORDEM LEGAL

Sérgio Ferraz, ao prefaciar o “Processo Administrativo e Suas Espécies”,

deixa expresso que:

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XXXII

“A temática do processo administrativo, aliás, ganhou

notável projeção, a partir da redação dada pelo constituinte,

em 1988, ao inciso LV do art. 5º da nossa Lei Magna. Como

se sabe, o aludido preceito ao processo administrativo foram

estendidas as garantias antes reservadas apenas ao processo

judicial. Vemos no processo administrativo, com plenas e

amplas garantias de intervenção e atuação dos

administrados, verdadeira pedra-de-toque na história,

mesmo, do Estado Brasileiro. Sem um processo

administrativo, não há Estado de Direito, inexiste

Democracia. É fácil explicar o fundamento de tais

afirmações: a atuação da administração pública, mais

amplamente ou menos, se estratifica e se define no bojo de

um Processo Administrativo. Antes de 1988, a

Administração se considera dona do processo

administrativo, propiciando exclusivamente a seu bel-prazer,

seu manuseio, seu conhecimento e manifestação plena dos

interessados.” 11

Resta saber se na fase de sindicância o servidor pode ser considerado

como acusado. Se entendermos que sim, nessa fase será decidido se haverá punição

branda ou se o procedimento disciplinar se instaurará. Ora a partir do momento que

tanto a pequena punição, como a instauração do inquérito administrativo, repercutem

na vida funcional do servidor, com abalo à sua moral, fica abolida a falta de defesa

até mesmo em meio sumário, como é na Sindicância.

Em todo processo e procedimento interno, por mais sumária que tenha

que ser a apuração, está presente a garantia de defesa, corolário do dogma

11 Processo Administrativo e Suas Espécies”, 1997, Forense.

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XXXIII

constitucional do devido processo legal, sempre com o intuito de evitar-se o

cometimento de injustiças ou perseguições.

Até mesmo na avaliação de um estágio probatório, a administração

pública, ao reprovar o servidor, não confirmando a sua posse, terá que possibilitar ao

avaliado a chance de defender-se e provar que as notas que lhe foram atribuídas não

correspondem com a prestação dos serviços efetivados. Dessa forma, as Comissões

de Sindicância e de Inquérito, criadas para promoverem a apuração imediata de fatos

constantes em procedimentos administrativos, deverão ater-se ao preconizado no Art.

143 da Lei 8.112/90, garantindo ao acusado a ampla defesa, como determina a citada

norma legal, verbis: “Art. 143 — A autoridade que tiver ciência de irregularidade no

serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância

ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.”

A observância ao princípio da ampla defesa, norma consagrada no Texto

Constitucional, Art. 5º, LV, deve ser verificada até mesmo na fase inicial sumária,

que é a sindicância, com a garantia mínima preconizada pela ampla defesa, não

podendo ser desprezada pelas Comissões de Sindicância esta etapa, como já

afirmado, isto porque a apuração de infração disciplinar, mediante sindicância ou

processo disciplinar que, segundo Sérgio D’Andreia12, são espécies de um gênero

mais amplo, que é o processo administrativo lato senso, deverá ser sempre cultuada

pela defesa mais ampla que possível: “A sindicância, com a garantia da ampla

defesa, é, pois, formalidade essencial à validade do ato punitivo, inclusive a

suspensão por 15 dias, tudo em consonância com o disposto no art. 5º, LV, da CF.”

Pela transcrição do Professor D’Andreia Ferreira, os menos avisados

poderiam questionar que o ilustre magistrado apenas se referia aos casos de ampla

defesa nas sindicâncias punitivas, negando o instituto do contraditório e da ampla

12 O Controle da Administração Pública pelo Judiciário”, Renovar, 1997, D`Andreia Ferreira, pág. 141.

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XXXIV

defesa para as hipóteses da sindicância preparatória do processo disciplinar principal

(Inquérito Administrativo).13

Voto condutor no MS n. 01443/RJ (91.18509-1), TRF - 2ª Região, 2ª T,

DJ de 28.07.92, que ficou assim ementado:

“SERVIDOR CIVIL: SUSPENSÃO - PROCESSO

ADMINISTRATIVO: DISCIPLINAR - PODER

DISCIPLINAR: EXERCÍCIO POR JUIZ. EMENTA:

Administrativo, Constitucional e Processual Civil. Mandado

de Segurança contra ato disciplinar impositivo de pena de

suspensão de 15 dias a servidor de Secretaria de Vara pelo

respectivo Juiz Federal. Decretação de nulidade do ato.

Inobservância de formalidade essencial, qual seja a prévia

realização de sindicância, com garantia de ampla defesa: art.

5º da Lei n. 1.533, de 31.12.51; art. 5º, da CF; arts. 143 e

145, II, da Lei n. 8.112, de 11.12.90. O processo

administrativo disciplinar (processo administrativo punitivo

interno) é sempre necessário para imposição de sanção a

servidor público, quer sob a forma de sindicância

(advertência e suspensão de até 15 dias) ou de processo

disciplinar stricto sensu (compreendendo o inquérito

administrativo nos demais casos): arts. 143, 146 e 148 e

seguintes da Lei n. 8.112/90. A pena de suspensão, em

hipótese em que cabe a de advertência por escrito, só pode

ser aplicada na hipótese de reincidência, uma vez já

inflingida aquela outra sanção: arts 129 e 130 da Lei n.

8.112/90”.

13 Cf. Weber Martins Batista e Luiz Fux, “Juizados Especiais Civis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo”, 1996,

Forense, pág. 201.

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XXXV

A sindicância no processo administrativo disciplinar, após a Lei

8.112/90, em submissão ao art. 5º, LV, da C.F., deixou de ser sumária para

revestir-se da garantia impostergável do princípio da ampla defesa,

independentemente da sindicância ser ou não punitiva. Não resta dúvida que

os ordenamentos legais anteriores ao atual manto constitucional eram no

sentido de imprimir à sindicância o efeito sumário, vigorando a era da

verdade sabida, em conformidade com a radiação da Lei 1.711/52.

Tudo isso modificou-se com a vinda da atual Constituição Federal, que

expressamente determina o princípio do contraditório e da ampla defesa em qualquer

processo administrativo, em favor do acusado.

Como a tramitação da sindicância se alterou pela citada inovação

constitucional, a moderna doutrina vem sublinhando que ela deverá observar

as seguintes fases:

“Assim, levando-se em conta os princípios inseridos no art. 37, caput da nossa Carta Política, a garantia do contraditório e da ampla defesa assegurada aos acusados em geral (art. 5º, LV da CF), o comando do art. 143 da Lei 8.112/90 e, de resto, a boa técnica processual, recomenda-se que a sindicância seja estruturada observando-se as seguintes fases: a) instauração; b) apuração; c) instrução; d) defesa; e) relatório e, f) julgamento.”

Mais à frente, arremata o citado mestre: “Tais fases são estágios

importantes, eis que separam as etapas em que se desdobra a sindicância,

permitindo uma melhor compreensão e análise técnica do procedimento

apuratório.

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XXXVI

O v. acórdão ficou assim ementado:

“... Invalidade, igualmente ab ovo, do processado, por

violação do princípio da ampla defesa, na fase da

sindicância. Diferença radical entre a natureza da sindicância

e no Direito Administrativo Processual disciplinar, no

regime da Lei nº 1.711/52, e no da Lei n.º 8.112/90. Agora, a

sindicância, é fase preliminar do processo administrativo

disciplinar em sentido largo; e de que resultam se positiva a

fase subseqüente, e conseqüente, do processo administrativo

disciplinar stricto sensu. Arts. 144 e s. da Lei n.º 8.112/90.

Garantia constitucional (art. 5º, IV, da CF) e legal (art. 144

da Lei 8.112/90) da ampla defesa na sindicância,

fundamental, eis que dela decorre, em relação de causa e

efeito, o processo administrativo disciplinar stricto sensu.

Sindicância que não assegurou aquela garantia, tanto que se

encerrou em 48 horas. Contrariedade do disposto no subitem

19.1.1 do Manual do CJF. A sindicância já é parte do

processo administrativo disciplinar, e a falta de higidez de

seus atos contamina, como é próprio do Direito Processual,

todos os atos subseqüentes. Direito do acusado de,

defendendo-se amplamente na sindicância, não se ver

submetido à segunda fase, nem de ser punido, com penas

menos graves, na própria sindicância. Nulidade, igualmente,

do processo disciplinar em sentido estrito, que se seguiu, no

qual, mais uma vez, vícios procedimentais afetaram a

garantia defensiva do Impetrante. Concessão da segurança,

para, declarando-se a invalidade do procedimento disciplinar

ab initio e do ato primitivo funcional, máximo, determinar o

refazimento do iter processual, perante o “Juiz Natural”

administrativo do impetrante, garantindo-se a ampla defesa,

superada, pois as violações a esses direitos líquidos e certos,

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XXXVII

daquele, dando-se a oportunidade de comprovar sua eventual

inocência.” (TRF 2ª Região, Rel. D’Andreia Ferreira, DJ

19/04/94)

Destarte, a exemplo do que ocorre com o processo disciplinar, na

fase de instauração da sindicância a Autoridade emite um juízo de

admissibilidade do procedimento, quando decide pela instauração do feito ou

pelo arquivamento da acusação, tudo como recomendam as regras dos

artigos 143 e 144, parágrafo único da Lei 8.112/90.

3.5 - O MANDADO DE SEGURANÇA E O DIREITO

ADMINISTRATIVO

O mandado de segurança é um dos mais notáveis e potentes meios de

tutela dos direitos individuais e coletivos, ao lado de outros instrumentos de acesso e

recurso ao controle jurisdicional instituídos no ordenamento jurídico de um Estado

Democrático de Direito (ação popular, habeas corpus, habeas data, ação civil

pública etc.). Regulamentado no patamar normativo infraconstitucional pela Lei nº

1.533/51 é proposital ao ensejo de seu cinqüentenário avaliar a função institucional

desempenhada pelo mandado de segurança nas relações inerentes ao Direito

Administrativo, proporcionando a revista da própria missão do instituto e o exame de

algumas questões localizadas e sensíveis que exigem maior reflexão: a impetração

contra atos administrativos complexos e em face da omissão administrativa, a sua

promoção em face de decisão administrativa sujeita a recurso administrativo, a

possibilidade de seu emprego em face de atividades delegadas aos particulares pelo

poder público.

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3.5.1 - O MANDADO DE SEGURANÇA COMO MEIO DE

CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A estrutura simplificada e especial adorna o mandado de segurança como

mecanismo expedito e eficiente de salvaguarda de direitos individuais ou coletivos

ameaçados ou lesados por ato de autoridade pública. Este último aspecto denota com

maior vigor o instituto do mandado de segurança como meio de controle judiciário

da Administração Pública e não simplesmente um processo constitucional

vocacionado à defesa de direitos individuais e coletivos.

O mandado de segurança notabiliza-se como meio específico de controle

judiciário da Administração Pública14 em face da violação ou ameaça a direito

(líquido e certo) individual ou coletivo provocada por ilegalidade ou abuso de poder,

servindo para preservação do princípio da legalidade administrativa em sua mais

ampla concepção. O conceito de ilegalidade não é restrito à violação da lei em

sentido formal, mas da lei, normas regulamentares, princípios jurídicos, normas

constitucionais etc., enfim, de um sentido mais amplo designado por múltiplas

expressões (juridicidade, legalidade em sentido amplo etc.). Também o conceito de

abuso de poder congrega em seu bojo não só a violação das normas de competência

administrativa, senão a própria figura do desvio de poder sobre o qual várias teorias

se formularam para o respectivo combate e deram margem.

Por essas razões, o mandado de segurança é, ao mesmo tempo, garantia

instituída em favor dos administrados e instrumento de contenção, restrição ou

limitação da autoridade estatal como processo de reação a um comportamento

(comissivo ou omissivo) antijurídico da Administração Pública, visando à

preservação da juridicização nas relações entre a Administração Pública e os

administrados. Manifesta a intervenção jurisdicional na atuação administrativa que

14 LUCIANO FERREIRA LEITE (“Discricionariedade administrativa e controle judicial”, São Paulo: Revista dos Tribunais,

1981, pág. 41), ODETE MEDAUAR (“Controle da Administração Pública”, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, págs. 159-

180), JOSÉ DA SILVA PACHECO (“O Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais Típicas”, São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1990, pág. 87, nº 16), MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (“Direito Administrativo”, São Paulo: Atlas,

2001, págs. 612-613).

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repercute sobre a esfera de direitos dos administrados e prestigia a cláusula

democrática de submissão da Administração Pública à Constituição, aos princípios

jurídicos, à lei e aos atos normativos subalternos.

A contribuição do mandado de segurança ao controle judiciário da

Administração Pública, mesmo diante de seus estreitos limites de admissibilidade,

torna-se evidente na verificação dos resultados: neutralização do autoritarismo e

ampliação da sindicância jurisdicional dos atos da Administração Pública, nas mais

variadas formas de atuação ou de manifestação da vontade administrativa (ato

administrativo, contrato administrativo, licitação, regime dos servidores públicos,

desapropriação, intervenção estatal no domínio econômico, sanções de polícia e

disciplinares etc.).

Isso se deve, em parte, a um aspecto processual do mandado de

segurança, cuja repercussão no Direito Administrativo tonifica o grau de efetividade

da medida como instrumento de controle judiciário da Administração Pública: a

eficácia mandamental do provimento jurisdicional. Sua atuação incide exatamente no

conflito entre autoridade estatal e liberdade humana, e se qualifica como fator de

tensão de prerrogativas entre a Administração Pública e o Poder Judiciário. Além de

provimentos desconstitutivos, permite a injunção de prestação de atividade devida ou

cessação de atividade nociva por meio de ordem, de mandamento, 15 cujo

descumprimento tem implicações penais.

A eficácia do controle judiciário da Administração Pública reclama a

disponibilização de mecanismos efetivos e eficientes, pois deles depende a eficácia

do sistema de freios e contrapesos instituído em prol das liberdades públicas e do

bom funcionamento do Estado Democrático de Direito. Esse perfil ostenta o

mandado de segurança, ainda que sua atuação represente óbice inconveniente ao

15 LUCIANO FERREIRA LEITE aponta que na omissão administrativa manifesta a pretensão positiva (obrigação de fazer ou

negativa obrigação de não fazer), revelando a natureza mandamental do writ, enquanto tem natureza constitutiva quando

objetive a anulação de ato administrativo (“Discricionariedade administrativa e controle judicial”, São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1981, págs. 41-42).

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XL

interesse público secundário (e, por isso, não sejam raras a adoção de medidas

restritivas mormente sobre liminares, assim como acontece com a ação civil pública

e a ação popular), levando à discussão judicial a implantação de reformas

administrativas, planos econômicos etc., que, quase sempre, ofendem direitos

subjetivos. É evidente, pois, que o mandado de segurança é meio de choque entre o

Poder Executivo e o Poder Judiciário e não será surpresa que os controlados

proponham ou adotem pautas de arrefecimento do instrumento de controle.

Nessa perspectiva, resta confiar no zelo dedicado pelo Poder Judiciário a

qualquer tentame tendente de amesquinhamento da separação dos poderes e os

direitos e garantias individuais. 16 Chama-se a atenção à restrição do acesso ao

mandado de segurança coletivo operacionalizada pela criação de um requisito de

procedibilidade incompossível e desarrazoado: a Medida Provisória 1984 prevê (art.

5º) que:

“nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços”,

introduzindo o parágrafo único do art. 2º A da Lei nº 9.494/97, restrição e

dificultação ao direito de ação pelos entes intermediários, colocando em risco a

norma do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, de modo a inviabilizar a promoção

de ação civil pública e mandando de segurança coletivo exatamente contra atos da

Administração Pública centralizada e descentralizada, quando se tem em conta que o

art. 5º, LXX, b, da Constituição Federal não permite sequer intuir implícita

16 Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal decidiu que cabe tutela antecipada contra o poder público, à exceção quando

tenha como objeto pagamento ou incorporação de vencimentos ou vantagens a servidor público (Reclamação 1096, Rel. Min.

Celso de Mello, 20.9.2000, RDA 222/244), nos termos das Leis nºs 5.021/66 e 4.384/64.

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XLI

permissão para a exigência reclamada. Ademais, a inovação tramita em sentido

oposto à jurisprudência e a evolução do mandado de segurança.17

3.6 - ATOS ADMINISTRATIVOS COMPLEXOS

O ato administrativo complexo é o resultante da conjugação ou integração

de vontades unitárias e coincidentes de pessoas, entidades e órgãos diferentes para

produção de um fim comum num único ato 18 e após o seu aperfeiçoamento pode ser

visto como única declaração de vontade da Administração, posto que é modalidade

de ato administrativo unilateral, 19 distinguindo-o do ato composto, cuja natureza é

de uma causa de eficácia subordinando o ato principal ao complementar. 20

Nele são admissíveis variações quanto à preponderância das vontades

(complexidade igual ou desigual: a predominância de uma delas faz parecer que as

demais são meros acessórios ou pressupostos da vontade dominante) e quanto à

unidade ou pluralidade de entidades administrativas (complexidade interna: órgãos

de uma mesma entidade; complexidade externa: diferentes pessoas jurídicas). 21 A

importância do requisito de unidade de conteúdo e fim, é essencial para distingui-lo

17 O Supremo Tribunal Federal vem entendendo ser dispensável a exigência de autorização expressa dos filiados de entidade de

classe (RTJ 134/666, 142/446, 146/131, 150/104).

18 EDMIR NETTO DE ARAÚJO (“Do Negócio Jurídico Administrativo”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992,

págs. 155-168), SANDRA JULIEN MIRANDA (“Do Ato Administrativo Complexo”, São Paulo: Malheiros Editores, 1998,

pág. 60), salvo a opinião de DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, para quem o que se tradicionalmente denomina ato

complexo é, em realidade, ato conjunto (“Curso de Direito Administrativo”, Rio de Janeiro: Forense, 1999, nº 32, pág. 107).

19 ELIVAL DA SILVA RAMOS (“Do ato administrativo complexo no direito brasileiro e italiano”, in Revista da

Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo nº 32, São Paulo: dez. 1989, págs. 175-177).

20 No ato composto, o fim e a atuação da vontade dos agentes dos vários atos têm relação de dependência e não de unidade

(VICENTE RÁO, “Ato jurídico”, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, págs. 58-60), existindo uma única manifestação de

vontade de um único órgão dependente da verificação ou qualquer providência por outro para o tornar exeqüível. Nesse caso, “o

ato já existe, mas só será posto em execução após tal providência” (EDMIR NETTO DE ARAÚJO, “Do Negócio Jurídico

Administrativo”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, pág. 157). Para MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO

“os atos, em geral, que dependem de autorização, aprovação, proposta, parecer, laudo técnico, homologação, visto, etc., são atos

compostos” (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, São Paulo: Editora Atlas, 1999, pág. 185).

21 ELIVAL DA SILVA RAMOS (“Do ato administrativo complexo no direito brasileiro e italiano”, in Revista da

Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo nº 32, São Paulo: dez. 1989, págs. 175-177), EDMIR NETTO DE ARAÚJO (“Do

Negócio Jurídico Administrativo”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992, págs. 155-168), SANDRA JULIEN

MIRANDA (“Do Ato Administrativo Complexo”, São Paulo: Malheiros Editores, 1998, pág. 60).

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XLII

de outras formas de concurso de vontades (atos coletivos, contrato entre entes

públicos, controle estatal sobre as deliberações dos entes autárquicos, convenções,

atos compostos, acordo, ato-união e etc.), 22 embora possa revelar caráter negocial 23

e, por essa razão, é único e indiviso: resultante de vontades distintas e homogêneas,

nenhuma das quais idôneas a constituição de um ato administrativo à parte, seus atos

específicos não produzem nenhum efeito isolado, senão quando simultaneamente se

completam, integrados. 24

A doutrina tradicionalmente considera que a autoridade coatora é a última

autoridade que intervém para aperfeiçoamento do ato complexo, anotando que a

jurisprudência tem exigido a notificação de todos os que participaram do ato e que,

nos atos compostos, ela é a autoridade que pratica o ato principal. 25 O entendimento

de Celso Agrícola Barbi é o mais coerente com o ato administrativo complexo: todos

os órgãos participantes são considerados autoridades coatoras, 26 porque ao eleger a

autoridade coatora aquela que por último integrou sua vontade ao ato administrativo

complexo, se dispensa tratamento incompatível sua estrutura. Sendo o ato

administrativo complexo resultante da convergência de vontades de mais de um

órgão, agente ou entidade, a violação ou ameaça de lesão a direito resulta do ato

como produto da reunião de vontades autônomas ou de alguma das vontades

conjugadas.

Enfocando o assunto da maneira tradicional, dá-se ao ato administrativo

complexo uma característica de processo administrativo ou de soma de atos simples

sem vontade unitária ou de deliberação preponderante da última vontade, olvidando

que a existência, validade e eficácia do ato dependem da conjugação dessas

vontades. Certo é, entretanto, que somente com a adesão da última vontade (quando

22 SANDRA JULIEN MIRANDA, “Do Ato Administrativo Complexo”, São Paulo: Malheiros Editores, 1998, págs. 116-117.

23 EDMIR NETTO DE ARAÚJO, “Do Negócio Jurídico Administrativo”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992,

págs. 155-168.

24 LAFAYETTE PONDÉ, “Controle dos Atos da Administração Pública” in Revista de Direito Administrativo nº 212, Rio de

Janeiro: Editora Renovar, abr./jun. 1998, pág. 43.

25 HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas

Data”, São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pág. 47).

26 “Do Mandado de Segurança”, Rio de Janeiro: Forense, 1993, pág. 102, nº 109.

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XLIII

é possível diagnosticar o momento respectivo) tem relevância diversa ligada à

decadência para impetração do mandado de segurança e à exeqüibilidade do ato.

Porém, se viciado em uma das vontades, o todo se contamina, impondo-se a

participação de todos no mandado de segurança, até porque o desfazimento do ato

administrativo complexo obriga o concurso de todos os órgãos responsáveis por sua

formação em homenagem ao paralelismo das formas.

3.7 - RECURSO ADMINISTRATIVO

O direito brasileiro filiou-se ao sistema de controle anglo-americano da

Administração Pública (unidade de jurisdição), não contemplando a via do

contencioso administrativo (dualidade de jurisdição), impossibilitando exceção ou

supressão do controle judiciário dos atos da Administração Pública (inafastabilidade

da jurisdição). Embora integrante do devido processo legal o recurso administrativo

(art. 5º LV, Constituição Federal) – prestigiado no ordenamento jurídico que devota

o princípio da recorribilidade das decisões administrativas (transformado em regra no

art. 56 da Lei 9.784/99), mesmo na ausência de regra a respeito 27 –, a cláusula

constante do art. 5º XXXV da Constituição Federal é histórica (salvo a previsão não

implementada de contencioso administrativo na Emenda nº 07/77 à Constituição de

1967). Não é possível exigir o prévio exaurimento na via administrativa, como

potencialmente decorria do art. 5º I da Lei nº 1.533/51 (exclusão da apreciação

judicial pelo mandado de segurança de ato de que caiba recurso administrativo com

efeito suspensivo, independente de caução), cujo trato na jurisprudência foi

temperado pela Súmula 429 do Supremo Tribunal Federal, 28 e que vai além do

extrato contido na súmula (omissão da autoridade). No entanto, dois pontos merecem

reflexão: a revalorização do recurso administrativo com a edição da Lei nº 9.784/99 e

27 HELY LOPES MEIRELLES. “Direito Administrativo Brasileiro”, São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pág. 577. O direito

ao recurso é, ademais, direito humano fundamental reconhecido no art. 8º, nº 2, h, da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificado pelo Decreto nº 678/92.

28 “A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão

da autoridade”.

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XLIV

a oscilação da jurisprudência em torno da constitucionalidade da exigência de caução

no recurso administrativo.

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XLV

O art. 56 da Lei nº 9.784/99 consagra o princípio da recorribilidade das

decisões administrativas (com extensão mais dilatada que o controle judiciário,

porque abrange também razões de mérito), reforçado pelo art. 57 ao instituir a

garantia da instância recursal (impugnação por três instâncias administrativas, no

máximo, sem prejuízo da revisão ex officio ou mediante provocação – arts. 64 e 65,

Lei nº 9.784/99), demonstrando a tendência de revalorização do recurso

administrativo, na medida em que confia ao processo administrativo a edição de

soluções orientadas pela juridicização e participação na atividade administrativa

(legalidade, moralidade, impessoalidade, imparcialidade etc.). 29 Apesar do art. 5º I

da Lei nº 1.533/51, não é válida a obrigação de interposição de recurso

administrativo como requisito para ulterior exercício do direito de ação. A

conformidade da regra legal com a cláusula da inexigibilidade de exaustão da via

administrativa foi balizada pela franquia de opção ao administrado: ou ele impetra o

mandado de segurança ou interpõe o recurso administrativo dotado de efeito

suspensivo sem exigência de caução; 30 mas o emprego do mandado de segurança se

credencia diante da exeqüibilidade do ato administrativo, condição que possibilita a

ocorrência de lesão a direito. Tanto o mandado de segurança quanto o recurso

administrativo sem exigência de caução e dotado de efeito suspensivo inibem a

exeqüibilidade do ato administrativo. 31

Falece interesse de agir:

I) se a exeqüibilidade da decisão administrativa foi obstada pelo uso do

recurso administrativo dotado de efeito suspensivo;

II) em face da impetração simultânea do mandamus e do recurso

administrativo dotado de efeito suspensivo sem caução. Inversamente, cabível a

impetração do remédio heróico quando:

29 Além disso, e como demonstra JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, a garantia de instância recursal não exclui o

exercício do poder de revisão, cuja extensão pode ultrapassar o limite de instâncias em razão da autotutela (“Processo

Administrativo Federal”, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2001, pág. 277).

30 SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI, “Processo Administrativo”, São Paulo: Malheiros, 2001, pág. 178.

31 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, São Paulo: Atlas, 2001, pág. 630.

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XLVI

a) o recurso administrativo não possua efeito suspensivo; 32

b) se possuindo tal efeito, exige caução;

c) há omissão administrativa. Nos dois primeiros casos, em tais situações

o ato administrativo é exeqüível; no último caso, não existe

manifestação de vontade concretizada em ato. 33

Em função da auto-executoriedade do ato administrativo, a Lei nº

9.784/99 inscreve como regra a dotação de efeito devolutivo ao recurso, 34 mas abre

a perspectiva de lei em sentido contrário e de concessão do efeito suspensivo

mediante juízo da autoridade na presença de prejuízo de difícil ou incerta reparação

decorrente da execução do ato (art. 60 e parágrafo único). A Súmula 430 do Supremo

Tribunal Federal 35 tem a finalidade de corroborar que somente o recurso com efeito

suspensivo impede a exeqüibilidade do ato administrativo. O efeito suspensivo do

recurso administrativo também não permite o curso do prazo decadencial para

impetração do mandado de segurança 36 (ao contrário do recurso sem efeito

suspensivo), que se inicia a partir da decisão proferida sobre o último recurso

interposto ou quando se esgotar o prazo para sua interposição. 37

Possibilitando a Lei nº 9.784/99 a atribuição excepcional de efeito

suspensivo ao recurso administrativo pela autoridade administrativa, de ofício ou

32 SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI entendem, todavia, que não tendo efeito suspensivo, cabe ao

administrado optar entre o recurso administrativo e o mandado de segurança. Nessa linha, professam que a executoriedade da

decisão administrativa fica obstada até a denegação do recurso administrativo, a partir da qual se conta o prazo para o mandado

de segurança (invocando decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Pleno, MS 240, Rel. Des. Maurílio Daiello, RF

181/253), de maneira a não tornar inútil o recurso administrativo e não frustrar um dos seus fundamentos habituais: prevenção

de litígios judiciais (“Processo Administrativo”, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, págs. 179/182).

33 ODETE MEDAUAR (“Controle da Administração Pública”, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, págs. 168-170), HELY

LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data”, São

Paulo: Malheiros Editores, 1995, págs. 34-35).

34 JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Processo Administrativo Federal”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, pág.

284.

35 “Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança”. Sob a ótica da Lei

9.784/99, a reconsideração é prerrogativa da autoridade (art. 56 § 1º) ao ensejo da interposição do recurso administrativo.

36 ANTÔNIO RAPHAEL SILVA SALVADOR e OSNI DE SOUZA, “Mandado de Segurança”, São Paulo: Atlas, 1998, págs.

51-53.

37 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, São Paulo: Atlas, 2001, pág. 637.

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XLVII

mediante provocação, na presença dos requisitos do art. 60 parágrafo único, o prazo

decadencial para impetração do mandado de segurança só inicia quando negado o

efeito suspensivo pela autoridade. Ora, se a lei faculta à autoridade administrativa a

atribuição de tal efeito, somente com sua explícita manifestação se credencia a

exeqüibilidade ou não do ato administrativo recorrido e, por essa razão, o prazo

decadencial tem seu termo a quo na exteriozação desse juízo. Esta assertiva tem o

mérito de evitar o emprego concomitante do recurso administrativo e do mandado de

segurança.

O Supremo Tribunal Federal tem decidido que a exigência de caução

(depósito prévio da multa, fiança e outros meios de garantias de instância etc.) como

requisito de admissibilidade do recurso administrativo para suspensão da

exeqüibilidade do ato não viola o art. 5º, LV, da Constituição Federal e que as

normas infraconstitucionais contemplando a exigência foram recepcionadas pela

Constituição de 1988. 38 A orientação majoritária no Supremo Tribunal Federal não

dá a questão interpretação conforme o art. 5º, LV, da Constituição Federal, explícito 38 RE 275.503-6-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, v.u., 5.9.2000, DJU 2.2.2001; RE 210.244-0-GO, 2ª Turma, Rel. Min.

Néri da Silveira, m.v., 26.10.1998, DJU 19.3.1988. Não obstante, o entendimento prevalecente no Supremo Tribunal Federal

não é unânime: o Ministro Marco Aurélio verifica que na “exigência do depósito da integralidade da multa para recorrer-se

administrativamente passa a consubstanciar uma coerção política visando à satisfação do débito e transgride, a meu ver, o

devido processo, tomado em sua concepção maior, já que implica dar-se com uma das mãos, prevendo-se o recurso

administrativo, e retirar-se com a outra” (Cf. declaração de voto no RE 210.244-0-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira,

m.v., 26.10.1998, DJU 19.3.1988), acompanhado pelo Ministro Carlos Velloso ao salientar que o “devido processo legal, com

as suas implicações – e a maior delas é o princípio da ampla defesa – aplica-se também ao processo administrativo: CF, art. 5º,

LV. Ora, condicionar o seguimento do recurso administrativo ao depósito do quantum discutido, atualizado monetariamente, é

estabelecer óbice ao direito de defesa, o que é repelido pelo due process of law consagrado na Constituição, assegurador do

direito de defesa com os meios e recursos a ela inerentes”. (Cf. declaração de voto na ADIN-MC 1049-2-DF, Tribunal Pleno,

Rel. Min. Carlos Velloso, m.v., 18.5.1995, DJU 25.8.1995), e pelo Ministro Ilmar Galvão ao ponderar que “contrariamente ao

que ocorre na esfera judicial, onde o depósito prévio, como pressuposto do recurso ordinário, se justifica como garantia prévia

da execução, em caso de insucesso -, no âmbito administrativo, não sobra motivo para que constitua ele condicionante do

exercício do direito de recorrer e, conseqüentemente, de defender-se, posto serem os débitos da espécie insuscetíveis de

execução por via de ato da Administração” (Cf. declarações de voto no RE 210.234-2-GO, Tribunal Pleno, 12.11.1997); em

sentido contrário, o Ministro Octavio Gallotti entende que não há direito constitucional ao duplo grau de jurisdição seja na via

administrativa seja na judicial, ficando a ampla defesa assegurada quanto à decisão de primeira instância, acompanhado pelo

Ministro Sepúlveda Pertence ao destacar que a expressão “recursos a ela inerentes” constante do art. 5º, LV, da Constituição

Federal, não significa a suscetibilidade da decisão administrativa a sucessivos recursos (Cf. declarações de voto no RE 210.234-

2-GO, Tribunal Pleno, 12.11.1997), manifestando ser a hipótese diferente da exigência de depósito para a garantia da defesa

prévia à decisão administrativa, pois já proferida a decisão administrativa a exigência do depósito para o recurso administrativo

não fere o devido processo legal, tendo em vista que este não impõe sequer o direito à existência do recurso administrativo (Cf.

declaração de voto na ADIN-MC 1049-2-DF, Tribunal Pleno, m.v., 18.5.1995, DJU 25.8.1995).

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XLVIII

na inclusão do recurso como expediente da ampla defesa, concernente ao princípio

do devido processo legal. Neste sentido, se decidiu que:

“a exigência de depósito prévio, a título de caução, para

exercício do direito de recorrer de multa aplicada pela

fiscalização da Receita Federal, como conditio sine qua non

para interposição de recurso em sêmita administrativa,

afronta o princípio constitucional da garantia do amplo

direito de defesa assegurado no art. 5º, LV, da Carta Magna”

(TRF – 2ª Região, Apelação nº 99.02.16771-3-ES, 1ª Turma,

Rel. Des. Ney Fonseca, v.u., 13.10.1999, DJU 2.12.1999, RT

777/340).

O melhor sistema é o que não exige caução como requisito de

admissibilidade do recurso; a sua dispensa é mais consentânea com o contraditório e

a ampla defesa; mas se lei específica pode exigi-la, à falta de previsão legal o acesso

à instância recursal é irrestrito. 39 A prévia exigência de caução fomenta o acesso ao

crivo jurisdicional, enquanto que sua dispensa proporcionaria a tentativa de solução

na esfera administrativa, desafogando o acesso ao controle judiciário.

Mesmo em face da regra da independência de caução para interposição do

recurso administrativo, salvo disposição legal contrária (art. 56 § 2º da Lei nº

9.784/99), é carente de critério científico a exigibilidade de caução como

condicionante do recurso administrativo, prevista na exceção legal. A exigência

transita na contramão de direção do ordenamento jurídico: o recurso administrativo é

elemento prestigiado pela ampla defesa e, por conseguinte, pelo devido processo

legal (art. 5º LV, Constituição). O duplo grau do processo administrativo,

concretizado nos arts. 56 e 57 da Lei nº 9.784/99, decorre do art. 5º, LIV e LV da

39 JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (“Processo Administrativo Federal”, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, págs.

275-276).

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XLIX

Constituição como garantia fundamental. 40 A exigência de caução, via de

regra, inibe o duplo grau e frustra o devido processo legal, desvaloriza o recurso

administrativo e reforça a desconfiança dos administrados na Administração Pública

em cumprir a missão de preservação da legalidade e garantia de direitos.

A questão trafega pela gratuidade do processo administrativo. Celso

Antonio Bandeira de Mello oferece um critério para balizar a incidência do princípio

da gratuidade no processo administrativo (art. 2º XI, Lei nº 9.784/99), reduzindo sua

obrigatoriedade nos processos restritivos ou ablativos de direitos, ressalvando que

nos ampliativos de iniciativa do interessado deve-se, no entanto, preservar a

modicidade, 41 para não ocorrer prejuízo à ampla defesa. Sérgio Ferraz e Adilson

Abreu Dallari admitem, em tese, a plausibilidade do estabelecimento de custos

retributivos dos ônus impostos ao Estado pelo exercício da via recursal, orientado

pela razoabilidade e proporcionalidade, advertindo a inconstitucionalidade da

imposição do depósito do quantum (total ou parcial) envolvido na discussão, seja por

onerosidade excessiva, seja por inexistir qualquer liame entre o peso da tarefa

recursal estatal e o valor pecuniário subjacente ao litígio, o que poderia configurar

um meio coercitivo de cobrança dos créditos pela Administração Pública. 42 Mas,

para além destas concepções, corroborado pelo princípio da gratuidade (art. 2º XI,

Lei nº 9.784/99) e por uma visão sistemática do ordenamento jurídico (notadamente,

os direitos de informação e petição previstos no art. 5º XXXIV e LXXVII,

Constituição Federal e nas Leis nºs 9.051/95 e 9.265/96; e o recurso administrativo

decorre do direito de petição), razoável a dispensa da exigência de caução sempre

quando o processo administrativo manifestar algum poder sancionatório estatal ou

envolver questão ou prerrogativa ligada à cidadania (em sua mais ampla acepção).

40 SÉRGIO FERRAZ e ADILSON ABREU DALLARI, “Processo Administrativo”, São Paulo: Malheiros Editores, 2001,

págs. 168-171.

41 “Curso de Direito Administrativo”, São Paulo: Malheiros Editores, 2000, pág. 435.

42 “Processo Administrativo”, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, págs. 169, 171.

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3.8 - OMISSÃO LESIVA E SILÊNCIO ADMINISTRATIVO

A teoria do silêncio eloqüente não prevalece no direito administrativo

brasileiro. O silêncio e a omissão não significam aceitação, anuência ou aprovação

tácita da Administração Pública, diferentemente de outros sistemas, registrando a

tendência de diminuição dos atos sujeitos à autorização prévia e do silêncio

configurar aceitação tácita, expedientes utilizados para obrigar a Administração

Pública a decidir. A Lei nº 9.784/99 optou por oposta linha de atuação: inscreveu o

dever de decisão como regra do processo administrativo (aí incluídas reclamações e

solicitações), a ser exercido no prazo de trinta dias (com prorrogação em igual

período, motivada), a partir da conclusão da instrução (art. 49 parágrafo único),

opção harmonizada com a extensão do direito de petição (art. 5º XXXIV,

Constituição Federal). Decorrido esse prazo, nasce o direito à impetração do

mandado de segurança, 43 sem embargo de outras conseqüências (responsabilidade

civil do Estado, responsabilidade administrativa do agente relapso e sua improbidade

administrativa). A opção de solução do problema, no direito brasileiro (iluminada

pela indisponibilidade do interesse público e pela garantia do direito dos

administrados), foi pela via da juridicização da atuação administrativa, em que

desponta o direito do administrado obter uma decisão. Serve o mandado de

segurança como instrumento de garantia do direito a obter uma decisão.

Dependendo da natureza do ato administrativo cuja produção foi

requerida à Administração Pública, a solução se desdobra, devendo averiguar a

presença da competência vinculada ou discricionária, o efeito (concessivo ou

denegatório) do silêncio e a existência de prazo para decisão administrativa, afetando

a decadência da impetração do remédio heróico. Diante da omissão para a prática de

ato ou emissão de decisão, cujo efeito do silêncio for denegatório ou na hipótese da

lei não atribuir nenhum efeito ao silêncio, tem-se como corolários:

43 LUCIANO FERREIRA LEITE expõe que o mandado de segurança ataca a ilegalidade positiva e negativa, entendida esta

como a resultante da omissão (Discricionariedade administrativa e controle judicial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981,

pág. 42).

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LI

a) se o ato era de conteúdo vinculado, provando preencher os requisitos

legais, o provimento judicial suprirá a omissão administrativa deferindo o

requerido;

b) se, no entanto, integrava alguma prerrogativa discricionária, o

provimento judicial deverá impor à Administração Pública a obrigação de

pronunciamento (o administrado tem direito a uma decisão motivada),

fixando prazo razoável (quando a lei não atribui prazo). 44 Como, agora, é

regra o dever de decidir no prazo de trinta dias, esse prazo razoável

deverá ser fixado na conformidade dos arts. 49 e 50, Lei nº 9.784/99.

Hely Lopes Meirelles esclarece que se a lei atribuiu efeito denegatório ao

silêncio, a decadência (art. 18, Lei nº 1.533/51) para impetração do mandado de

segurança não flui. 45 Tendo sido fixado em lei prazo para decidir, a decadência é

computada a partir do seu encerramento. 46 A opinião de Hely Lopes Meirelles deve

ser revisitada, porque à luz da Lei nº 9.784/99, cujo art. 49 institui a regra de prazo

(trinta dias) genérica para emissão de decisão, é mais acertado afirmar que a

decadência é contada a partir de seu término.

3.9 - ATIVIDADES DELEGADAS E AUTORIZADAS

A doutrina manifesta a admissibilidade do mandado de segurança contra

atos de dirigentes de estabelecimentos particulares autorizados e fiscalizados pelo

poder público, bem como de entidades paraestatais que realizam atividades delegadas

do poder público, desde que decorrentes da delegação, de modo que excluídos do seu

44 CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, São Paulo:Malheiros Editores, 2000,

págs. 355-356.

45 HELY LOPES MEIRELLES, “Mandado de Segurança,Ação Popular,Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas

Data”, São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pág. 26.

46 ANTÔNIO RAPHAEL SILVA SALVADOR e OSNI DE SOUZA (“Mandado de Segurança”, São Paulo: Atlas, 1998, pág.

52), MARIA SYLVIA DI PIETRO (“Direito Administrativo”, São Paulo: Atlas, 2001, pág. 637).

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âmbito os atos realizados no interesse interno e particular. 47 Neste sentido, a Súmula

510 do Supremo Tribunal Federal 48 e, mais recentemente, a redação dada ao art. 1º §

1º da Lei nº 1.533/51 pela Lei nº 9.259/96, 49 conforme o art. 5º LXIX da

Constituição Federal que estende o mandado de segurança a atos de autoridade

pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. O

entendimento doutrinário e o tratamento pretoriano devem, no entanto, ser

questionados à luz da reforma do Estado.

Pela privatização em sentido estrito (ou desestatização), orientada pelo

princípio da subsidiariedade, o Estado deixou de executar, direta ou indiretamente,

certas atividades de interesse público ou de conveniência administrativa (serviços

sociais, industriais ou comerciais e exploração de atividade econômica). Corolário é

que tais atividades são regidas pelo direito privado, não se confundindo com a

delegação de serviço público, 50 em que o Estado continua titular de um serviço

público e transfere a sua execução ao particular mediante os institutos da concessão e

da permissão (art. 175, Constituição Federal; Leis nºs 8.987/95 e 9.074/95) e é

regida, total ou parcial, pelo direito público. Nos casos de delegação, dúvida não há

sobre a admissibilidade do remédio heróico contra atos das entidades privadas no que

respeita à delegação de função pública, em razão da transferência à entidade privada

de certas prerrogativas inerentes ao poder público.

Patente está na Constituição Federal que algumas atividades quando

exercidas pelo poder público direta ou indiretamente (delegação), constituem

serviços públicos não exclusivos e próprios em regime de competição com atividades

privadas de interesse público exercidas por particulares (saúde, educação,

47 HELY LOPES MEIRELLES (“Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas

Data”, São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pág. 38), ANTÔNIO RAPHAEL SILVA SALVADOR e OSNI DE SOUZA

(“Mandado de Segurança”, São Paulo: Atlas, 1998, págs. 33-34).

48 “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida

judicial”.

49 Referida disposição legal considera autoridade, para efeito de mandado de segurança, representantes ou administradores das

autarquias e das pessoas naturais ou jurídicas com funções delegadas do poder público, somente no que entender com essas

funções.

50 DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, “Mutações do Direito Administrativo”, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, págs.

119-142.

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LIII

previdência social, assistência social – arts. 199, 201 § 8º, 204 e 209) sob regime

jurídico privado ou sob especial regime jurídico (instituições financeiras, seguro,

previdência privada – art. 192 I e II). Estas últimas não contemplam outorga de

qualquer prerrogativa pública, sendo controladas pelo Estado mediante autorização e

controle com base no poder de polícia. 51 São inadequadamente denominados

serviços públicos impróprios, pois não constituem serviços públicos: seja porque a

Constituição (art. 175) somente admite ao particular a transferência da execução do

serviço público (industrial ou comercial) por concessão ou permissão; seja porque

ausente a gestão estatal, a terceirização ou o contrato administrativo de prestação de

serviços (sem implicar a delegação) sob regime jurídico de direito público (serviços

sociais); seja porque, enfim, são exercidos sob o pálio da liberdade de iniciativa (art.

170).

Na hipótese de atividades privadas de interesse público, prestadas por

particulares em competição ou não com o Estado (serviços públicos impróprios), não

sujeitos ao fomento e autorizadas com fulcro no poder de polícia, não parece

admissível o emprego do mandamus em face da violação de direito individual, salvo

se a autorização importou a transmissão de algumas prerrogativas de autoridade

pública e a imposição de regime de direito público. Limitada a intervenção estatal ao

exercício do poder de polícia, o fundamento jurídico é insuficiente para estender o

cabimento do mandado de segurança: as funções não são públicas e nem há

delegação de poderes de autoridade pública, mas autorização, fugindo do alcance da

Lei nº 9.259/96.

A Constituição prevê, não obstante, que alguns serviços públicos

(telecomunicações, energia elétrica, transporte interno ferroviário e aquaviário,

rodoviário de passageiros interestadual e internacional, portos marítimos, fluviais e

lacustres) admitindo a autorização, ao lado da concessão e da permissão (art. 21 XI e

XII). Entretanto, aí se trata de serviço de interesse restrito do particular, organizado

sob regime privado.

51 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, São Paulo: Atlas, 2001, págs. 100-102, 105-106.

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LIV

Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que “com relação às entidades

particulares, cabe mandado de segurança quando atuem por delegação e nos limites

da delegação”, mas “se exercerem atividades autorizadas, com base no poder de

polícia do Estado, que não se inserem entre as atividades próprias do Poder Público,

também não cabe essa medida. É o que ocorre com os serviços de táxi, hospitais,

estabelecimentos bancários, companhias de seguro”, registrando que a jurisprudência

admite o mandado de segurança contra atos de estabelecimentos particulares de

ensino, “embora exerçam funções apenas autorizadas e não delegadas pelo Poder

Público”. 52

Ainda em razão do princípio da subsidiariedade, algumas atividades

privadas de utilidade pública (meio ambiente, saúde, cultura, ensino etc.) foram alvo

de incentivo governamental ou, anteriormente executadas pelo Estado (serviços

sociais), objeto absorção (ou devolução) pelo denominado terceiro setor (setor

público não estatal), 53 mediante contrato de gestão ou termos de parceria celebrados

com entidades privadas sem fins lucrativos (associações, fundações, organizações

não governamentais etc.), qualificadas como organização social ou organização da

sociedade civil de interesse público nos termos das Leis nºs 9.637/98 e 9.790/99,

respectivamente.

Tais entidades são incentivadas pelo poder público mediante fomento

(operacional, patrimonial ou financeiro), assim como outras detentoras de diverso

título jurídico (serviços sociais autônomos, convênios com entidades de utilidade

pública, organizações não governamentais, fundações privadas, associações etc.).

Não se tratando de delegação de serviço público, mas atividade administrativa de

fomento 54 desvenda-se, notadamente nas Leis nºs 9.637/98 e 9.790/99, que, no

52 “Direito Administrativo”, São Paulo: Atlas, 2001, págs. 624-625.

53 DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO explica que a atuação administrativa consiste no estabelecimento de relação

colaboração entre entidades e órgãos públicos e entes privados para alcance do interesse público (“Mutações do Direito

Administrativo”, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, págs. 7-48).

54 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, São Paulo: Atlas, 2001, págs. 407, 409-415. No

entanto, ressalva que, de acordo com a própria Lei nº 9.637/98, a absorção de atividade de entidade federal extinta no âmbito da

área da saúde deverá observar os princípios do art. 198 da Constituição Federal e da Lei nº 8.080/90, caracterizará prestação de

serviço público (op. cit., pág. 411).

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concernente à execução da atividade privada de interesse público (não obstante

organizada sob a forma do direito privado), a entidade qualificada deve obediência a

uma série de disposições normativas de direito público relacionadas estreitamente à

própria estrutura do fomento (parceria, gestão associada), de tal maneira que

admissível o reconhecimento da submissão a um regime jurídico híbrido,

combinando normas de direito público e privado: sujeição a controles públicos

(contábeis, formais, de resultados), suas ações podem ser gratuitas e universais e seus

dirigentes são considerados, no que tange aos recursos públicos injetados, agentes

públicos inclusive para fins de responsabilidade civil por improbidade

administrativa. Nesse contexto, e no que respeita às atividades fomentadas pelo

poder público e à incidência de normas de direito público respectivas, cabível o

emprego do mandado de segurança.

3.10 - MANDADO DE SEGURANÇA E SINDICÂNCIA

A não observância do princípio do contraditório e da ampla defesa na

sindicância acusatória é motivo para que o funcionário público, civil ou militar,

impetre perante o Poder Judiciário o Mandado de Segurança, para que lhe seja

assegurada a garantia fundamental disciplinada no art. 5º, inciso LV, da Constituição

Federal.

Nessa moldura, a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, LV,

estendeu ao processo administrativo inominado, e aos acusados em geral, o

direito a ampla defesa, que nossas precedentes Constituições, desde a

Carta Imperial de 1824, circunscreviam ao processo judicial penal e ao

processo administrativo disciplinar, este a partir de 1934.

Com a adoção textual do due process of law, do direito americano, e do

the law of the land, do direito inglês, o constituinte moderno garantiu aos acusados

em geral, nos procedimentos administrativos, o direito a ampla defesa e a utilização

de todos os meios de provas admitidos em direito.

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LVI

Por sua vez, o Colendo Supremo Tribunal Federal, guardião da Magna

Carta, ao analisar Procedimento Administrativo que não possibilitou ao acusado

direito de defesa na fase da sindicância, não teve dúvida em invalidar os atos

praticados:

“Mandado de Segurança. Processo Administrativo.

Cerceamento de Defesa. — Em face da Lei n. 8.112, de 11

de dezembro de 1990, o procedimento do inquérito

administrativo tem disciplina diversa da que tinha na Lei n.

1.711/52, em que a fase de instrução se processava sem a

participação do indiciado que apenas era citado para

apresentar sua defesa, com vista do processo, após ultimada

a instrução. Já pela Lei atual, o inquérito administrativo tem

de obedecer ao princípio do contraditório (que é assegurado

ao acusado pelo seu Artigo 153) também na fase instrutória,

como resulta inequivocadamente dos artigos 151, II, 156 e

159.

Somente depois de concluída a fase instrutória (na qual o

servidor figura como “acusado”), é que, se for o caso, será

tipificada a infração disciplinar, formulando-se a indicação

do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e

das respectivas provas (Artigo 161, “caput”), sendo, então,

ele, já na condição de “indiciado”, citado por mandado

expedido pelo presidente da Comissão, para apresentar

defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias (que poderá ser

prorrogado pelo dobro, para as diligências refutadas

indispensáveis), assegurando-se-lhe vista do processo na

repartição (Art. 161, “caput” e parágrafos 1º e 3º). Mandado

de Segurança deferido.” 55

55 MS n. 21.721-9-RJ, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 10.06.94, pág. 14.785, Ementário n. 1.748-1.

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LVII

Em igual sentido, no Mandado de Segurança n. 21.726-RJ, o Exmo. Sr.

Min. Sepúlveda Pertence, anulou demissão de servidor estável por não ter sido dado

direito de defesa na fase de sindicância, verbis:

“Demissão de servidor estável: processo administrativo com

garantia de ampla defesa: diversidade radical entre os

sistemas do antigo Estatuto (Lei n. 1.711/52) e da vigente

Lei do Regime Único (Lei n. 8.112/90). Ao contrário do que

sucedia sob a Lei n. 1.711/52, a Lei 8.112/90 distinguiu

nitidamente o procedimento unilateral e inquisitivo da

sindicância (Art. 143) do processo disciplinar dela resultante

(Arts. 145, III e 148), o qual se desenvolve integralmente

sob os ditames do contraditório (Arts. 153, 156 e 159 e §2º),

o que impõe, sob pena de nulidade que, antes de que se

proceda à instrução, seja o acusado chamado ao feito.” 56

Caio Tácito, ao tecer comentários sobre o citado julgado, deixou bem

claro que:

“Importará cerceamento de defesa a valorização de elementos probatórios colhidos na sindicância como motivo determinante do ato disciplinar se a regra obrigatória do contraditório não facultou o pleno exercício do direito de defesa”.

Assim sendo, mister se faz que as Comissões de Sindicância respeitem o

due process of law, sob pena de perpetrarem uma nulidade de pleno direito.

56 STF, Tribunal Pleno, MS n. 21.726-RJ, julgado em 02.02.94, in Revista Trimestral de Jurisprudência do STF, Volume 156,

maio de 1996, pág. 510/511.

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LVIII

No caso de autoridade militar, federal ou estadual, a autoridade judiciária

competente para conhecer do mandado de segurança será a da sede da OPM

(Organização Policial Militar) ou OM (Organização Militar) responsável pelo ato

administrativo. O mandado de segurança deverá ser proposto perante a Justiça

Comum no caso de militar integrante das Forças Auxiliares, e perante a Justiça

Federal no caso de militar integrante das Forças Armadas.

Quando da interposição do mandado de segurança, o administrado

poderá pleitear a concessão de medida liminar, com fundamento no periculum in

mora e no fumus boni iuris, requerendo a autoridade judiciária para que esta

determine a suspensão do processo até o julgamento da medida, ou que de plano

determine a abertura de vista para o exercício da ampla defesa e do contraditório.

A hierarquia e a disciplina são fundamentos das instituições militares,

mas isso não significa a inobservância dos preceitos constitucionais. Uma

corporação, civil ou militar, poderá ser rígida em seus princípios, e ao mesmo

respeitar a Constituição Federal.

3.11 - LEI 8.112/90 DETERMINA A AMPLA DEFESA

Após o advento da atual Constituição Federal, muitas leis foram

editadas, no intuito de dar eficácia à nova ordem constitucional.

Uma delas foi a Lei 8.112/90, que deu efetividade ao Regime Jurídico

Único de que trata o art. 39 da Constituição Federal, e revogou a Lei 1711/52, que

havia instituído a verdade sabida e a sumariedade da sindicância como fase

preliminar da apuração de possíveis infrações disciplinares.

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LIX

Contudo, em respeito às novas normas constitucionais, houve sensível

modificação, tanto da verdade sabida, que foi abolida, como do tratamento legal da

fase de sindicância, que deixou de ser sumária, sem defesa do investigado, para ser a

primeira etapa do processo administrativo, estabelecendo-se o contraditório e a regra

do due process of law nesta etapa.

Assim, pela regra legal atual, a expressão “processo administrativo

disciplinar” tem um sentido genérico e um sentido estrito, em virtude do título V, da

Lei 8.112/90, falar do “processo administrativo disciplinar”, abrangendo duas

espécies: a sindicância e o processo administrativo stricto sensu. 57

Da sindicância, o art. 143 da Lei 8.112/90, deixa bem nítido que o

acusado ou investigado teria assegurado a ampla defesa, sendo que dela poderá

resultar: arquivamento do processo, aplicação de penalidade de advertência ou

suspensão de até 30 (trinta dias), ou a instauração de inquérito administrativo

(processo disciplinar), tudo em conformidade com o art. 145 da lei em comento.

Por outro lado, no que pertine ao processo disciplinar stricto sensu, os

arts. 148 e seguintes da citada lei, estabelecem como será a tramitação, sendo certo

que esse processo se desenvolve em três etapas, a saber: a instauração (que abrange a

sindicância), o inquérito (que passou a ser uma das etapas do processo) e, o

julgamento.

Contudo, em ambas as etapas, a inicial, instaurada pela Comissão de

Sindicância, como na etapa seguinte, deverá ser observado a ampla defesa, como

instrumento da própria averiguação, sob pena de nulidade.

Sobre a importância da ampla defesa no processo de sindicância,

invocamos, mais uma vez, as colocações do Des. D’Andreia Ferreira: 58

57 Cf. Voto do i. Des. Federal aposentado, D’Andrea Ferreira, no MS nº 93.02.04280-4/RJ-5 161-MS, julgado em 10/01/94.

58 Cf. Voto condutor no cit. MS 5161 (93.02.04280-4/RJ).

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LX

“Qual a importância da ampla defesa no processo de sindicância? Em primeiro lugar, porque optando pela via primeira da sindicância é preciso que se dê ampla defesa àquele que está tendo a sua atuação apurada, porque, se ele conseguir comprovar, na sindicância, que não está envolvido, que não foi o autor, que não houve o fato, enfim, algum tipo de defesa satisfatória e suficiente, dali não resultará o processo administrativo disciplinar.

Sindicância não é algo optativo, facultativo, neste sentido de

que não tem importância nenhuma. Tem uma importância

fundamental, porque, se se parte para a via da sindicância, o

acusado tem o direito de comprovar tudo, para que não se

veja submetido a outra etapa, que é o processo

administrativo disciplinar.

Há uma relação de causa e efeito jurídica entre a sindicância;

além da sucessão cronológica e lógica entre a sindicância e o

processo disciplinar. Tanto é assim que, no art. 145, da Lei

nº 8.112, está dito...”.

Não resta dúvida que após a utilização da ampla defesa, na etapa inicial,

com a produção das provas que não forem procrastinatórias, não será esgotada a fase

seguinte, pois poderá ocorrer o arquivamento do processo, colocando um ponto final

nas atividades investigatórias e acusatórias, caso contrário, o acusado terá a

oportunidade de trazer provas ou fatos novos, capazes de elucidarem a verdade.

Por si só, já reveste a ampla defesa, na fase de sindicância, de contornos

irrefutáveis e vitais para o servidor investigado, que poderá estancar injustiças e

medidas que acarretem derradeiro desgaste físico e mental, onde a boa reputação do

agente é colocada em cheque, com abalo a sua moral.

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LXI

A manifestação de defesa, assim, possui o condão de validar a primeira

fase do processo administrativo disciplinar, permitindo que na segunda fase do

procedimento, a peça acusatória contenha toda a qualificação necessária sobre o

ocorrido, além de especificar os dispositivos legais que estão sendo objeto de

disciplinamento do procedimento. Esta é a grande inovação no processo disciplinar,

levando-se em conta, que no passado o processo administrativo poderia iniciar-se

sem o acusado, sendo sumária a apuração, e só no meio do procedimento (processo)

é que ocorria a acusação ou a aludida imputação formal, onde o acusado seria

convocado para se defender.

Todavia, atualmente, o acusado participaria da fase inicial do processo

administrativo, oferecendo sua defesa e produzindo as provas necessárias para a sua

absolvição, ou arquivamento do processo.

Esta é a real intenção do legislador constitucional e da legislação

infraconstitucional, que não permitem nem a revelia do servidor que não se defender,

sendo nomeado defensor dativo para suprir a falta de defesa.

Pelo contexto da Lei 8.112/90, em especial no que vem embutido no seu

artigo 143, a sindicância deverá ser baixada sobre as regras da ampla defesa do

investigado.

Seguindo essa linha do art. 143, o art. 153, da Lei 8.112/90, determina:

“Art. 153 — O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.”

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LXII

Analisando o presente artigo, Ivan Barbosa Rigolin assim averba sobre a matéria:

“Por este artigo, que se soma à garantia constitucional, dada

a qualquer cidadão, de ampla defesa, a L. 8.112 garante

expressamente ao servidor indiciado em processo

administrativo exercitar, por todos os meios ao seu alcance,

a sua mais completa e absoluta defesa. Nenhum meio,

nenhum recurso, nenhum aparato ou aparelhamento lhe

poderá ser furtado, cerceando, reduzindo ou de qualquer

modo dificultando.” 59

Mais à frente, espancando qualquer dúvida, o ilustre doutrinador

arremata:

“Desnecessário enfatizar que toda prova, dentre essas ou

outras lícitas, pode ser exigida até por mandado de

segurança, considerando-se o direito líquido e certo,

constitucional e legal, de sua obtenção e utilização, por

qualquer indiciado em processo administrativo ou judicial.

Nunca procure a autoridade administrativa, em nome de

economia ou comodismo, ou, pior, por má-fé, sonegar algum

meio de prova legítima ao acusado. Comprovado o

procedimento cerceatório, o Poder Judiciário de todo nível,

provocado, com absoluta segurança anulará a punição, ou

paralisará mandando refazê-lo, todo processo não

definitivamente comprometido por má condução”. 60

59 In “Comentários ao Regime Único dos Servidores Civis”, 4ª edição, pág. 261.

60 ob. citada.

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LXIII

Ainda que se torne exaustivo, mister se faz que se traga à colação

decisões judiciais que invalidam conduta como a utilizada pelas Comissões de

Inquérito e de Sindicância que não deferem ao acusado a ampla defesa e o

contraditório:

“A nova Constituição do Brasil, instituiu, em favor dos

indiciados em processo administrativo, a garantia do

contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e

recursos a ela inerentes — Art. 5º, LV. O legislador

constituinte consagrou, em norma fundamental, um direito

do servidor público oponível do poder estatal. A explícita

constitucionalização dessa garantia de ordem jurídica, na

esfera do procedimento administrativo disciplinar, representa

um fator de clara limitação dos poderes da Administração

Pública e da correspondente intensificação do grau de

proteção jurisdicional dispensada aos direitos dos agentes

públicos.” 61

“FUNCIONÁRIO PÚBLICO — DIREITO DE DEFESA —

GARANTIA CONSTITUCIONAL: O exercício do direito

de defesa do funcionário é uma das garantias constitucionais

que jamais poderá ser, pelo Estado-Administração relegada

ao esquecimento e ao desrespeito, não importando o regime

jurídico que vincula o servidor ou ente estatal — quer

celetista, quer estatutário — pois fere direito líquido e certo

do funcionário o ato do administrador praticado com abuso

de poder e sem estar revestido da garantia do devido

processo legal.” 62

61 STF — Ac. Unânime Pleno, DJ de 25/05/90 ADCOAS 9365.

62 TJPR, AC. Unânime, 1º, Gr. Civ., Julgado 16.02.89 — ADCOAS 12287.

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LXIV

No âmbito administrativo, o preceito constitucional contido no art. 5º,

LV, como já dito, alterou significativamente o rito do processo disciplinar,

alargando o entendimento do antigo DASP: “O inquérito administrativo só é

nulo em razão de irregularidade que impliquem cerceamento de defesa”

(Formulação DASP 57).

Dessa forma, é de ser declarada a nulidade de todos os atos praticados por

Comissões que não pautem os seus atos em perfeita sintonia com os novos ditames

legais.

Esta nulidade fica invencivelmente caracterizada pelo fato da sindicância,

como o próprio processo administrativo disciplinar, ser procedimento apuratório que

pode ensejar às penas de repreensão, de multa e de suspensão de até 90 dias, no

máximo 63. Sobre o que foi dito, J. B. de Meneses Lima, não tem dúvida em defender

que:

“nas sindicâncias punitivas e nos processos administrativos

(disciplinar ou criminal), as Comissões de Sindicâncias e as

Comissões processantes (permanentes ou especiais) devem

estender aos indiciados obrigatoriamente, na sua absoluta

plenitude constitucional o direito a ampla defesa e do

contraditório, com os meios e recursos que lhe são

inerentes.”

Já o i. Edimur Ferreira de Faria 64 defende esta ótica somente nos casos

que envolvam os servidores públicos ou autárquicos federais, regidos pela Lei

8.112/90, entendendo que nos demais casos (servidores estaduais e municipais) , a

sindicância não terá que observar a regra do due process of law.

63 Cf. J.B. de Meneses Lima, “Sindicância e Verdade Sabida, 1994, 2ª ed., Saraiva, pág. 55.

64 “Curso de Direito Administrativo Positivo”, 1997, ed. Del Rey, pág. 148.

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3.12 - A NULIDADE CONTAMINA PROCEDIMENTOS QUE

DESRESPEITAM A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO

NA FASE DE SINDICÂNCIA

A nulidade consubstanciada nos atos praticados pela formação e

atuação das Comissões de Sindicância é substancial, eis que deixa de

observar pressuposto essencial para sua própria validade, que é a de

possibilitar a defesa ampla do servidor público investigado ou acusado.

Neste sentido, encontra-se no conceito de nulidade que esta é a ineficácia

de um ato jurídico, em virtude de haver sido executado com transgressão à regra

legal, de que possa resultar a ausência de condição ou de requisito de fundo ou de

sentido técnico-jurídico; exprime inexistência, visto que o ato ineficaz ou sem valia é

tido como não tendo existência legal.

A nulidade engloba várias situações jurídicas, indo desde a nulidade plena

ou absoluta, passando pela nulidade relativa, pela substancial, e indo até os atos

meramente anuláveis.

Contudo, depara-se diante do caso típico de nulidade substancial:

“Quando decorre da omissão de elemento ou requisito

essencial à formação jurídica do ato, seja referente à sua

forma ou a seu fundo. Diz-se, também, intrínseca” 65

“A nulidade recebe, também, a denominação de substancial,

quando ela se prende à substância do ato, porque de simples

senso jurídico que, se todo ato tem necessariamente um fim

65 In De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Vol. III, pág. 259, 4ª edição, Editora Forense.

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para cuja consecução são indispensáveis certas e

determinadas condições e se estas faltam, o ato é nulo e a

nulidade substancial” 66

Como o ato jurídico firmado pelas Comissões de Sindicância que não

observam a ampla defesa do investigado são baixados em desconformidade com a

Lei Maior, data venia, que nula será a obrigação. O tema da nulidade aborda e se

projeta em todo âmbito do direito positivo.

Assim, se a nulidade afeta todos os atos praticados sob o seu manto,

falece razão à ótica das Comissões de Sindicância que não observam a regra do due

process of law.

Assim sendo, não há como ressuscitar os atos jurídicos praticados sob

forma diversa da estabelecida pela Constituição Federal.

A este respeito o Art. 169 da Lei 8.112/90 estabelece a nulidade dos atos

praticados contra legem, que padecem de vício insanável, litteris:

“Art. 169 - Verificada a existência de vício insanável, a autoridade julgadora declarará a nulidade total ou parcial do processo e ordenará a constituição de outra Comissão, para instauração de novo processo.”

E segundo Fernando da Costa Tourinho Filho:

“Nulidade é a sanção decretada pelo Órgão Jurisdicional em

relação ao ato praticado com inobservância das prescrições

66 In Martinho Garcez, “Coqueijo Costa, Doutrina e Jurisprudência do Processo Trabalhista”, Ltr, 1978, pág. 31.

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legais. É a decretação de ineficácia do ato atípico,

imperfeito, defeituoso” 67

O Administrador Público é um "escravo da lei", dela não podendo se

eximir, a teor do que determina o caput do art. 37 da Lex Maior, sendo certo que as

Comissões de Sindicância em questão não seguiram a regra estipulada por este

ordenamento constitucional, que determina:

"Art. 37 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte..."

Nulo é o ato praticado à revelia do Direito, como preleciona o mestre

Hely Lopes Meireles, em sua obra "Direito Administrativo Brasileiro", verbis:

"Ato nulo é o que nasce afetado de vício insanável por

ausência ou defeito substancial em seus elementos

constitutivos, ou no procedimento formativo. A nulidade

pode ser explícita ou virtual. É explícita quando a lei comina

expressamente, indicando os vícios que lhe dão origem; é

virtual quando a invalidade decorre da infringência de

princípios específicos do direito público, reconhecidos por

interpretação das normas concernentes ao ato..." 68

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal.

Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na

67 “Processo Penal”, Ed. Saraiva, São Paulo, 1990, pág. 117, Vol. III.

68 autor e obra citados, 11ª Ed., Ed. Rev. dos Tribunais, p. 131.

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Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A Lei para o

particular significa "pode fazer assim", para o administrador público "deve fazer

assim". 69

Portanto, não existe plausibilidade legal de convalidação do ato nulo,

devendo ser anulado e sepultado o procedimento que não conceda a ampla defesa em

todos os meios inerentes a ela na fase da sindicância.

3.13 - DO ABUSO DE PODER

O abuso de autoridade definido na Lei 4.898, de 09.12.65, alterada pela

Lei 6.657, de 05.06.79, sujeita o agente público federal, estadual ou municipal à

tríplice responsabilidade: civil, administrativa e penal Assim, quando as Comissões

criadas para apurarem fatos subvertem a legalidade, tornando-se inquiritórias, há

verdadeiro abuso de poder, visto que atuam em contrário ao que determina a

Constituição Federal e a Lei 8.112/90.

Hely Lopes Meirelles define que: “O abuso de poder ocorre quando a

autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas

atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.” 70

Dessa forma, o abuso de poder é sempre uma ilegalidade que invalida o

próprio ato na sua origem. Com base nesse raciocínio, os Estados que preconizam o

meio democrático como forma de governo, utilizando o Direito como bandeira de

atuação, passaram a anular atos abusivos das autoridades administrativas, praticados

com excesso de poder ou desvio de finalidade.

69 Hely Lopes Meireles, in "Direito Administrativo Brasileiro, 17ª Ed., Ed. Malheiros, 1990, p. 82/83.

70 In “Direito Administrativo Brasileiro”, pág. 90.

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Portanto, como o ato administrativo discricionário é sempre vinculado aos

princípios encartados no Art. 37 da CF, há de ser praticado com a observância formal

e ideológica da lei.

Nesse contexto, se verifica que Comissão de Inquérito que cometer desvio

de finalidade ou abuso de poder, pois, embora atuando nos limites de sua

competência, pratica atos motivados ou com fins diversos dos objetivados pela lei,

visando a apuração sumária para o apenamento do servidor público, está exposta a

radiação da Lei 4.898/65.

Destarte, não resta a menor dúvida do vício insanável da ilegalidade que

norteia a atuação das Comissões em debate, que brecam a fruição do Inc. LV do Art.

5º da CF, sendo imperioso a aplicação do que determina o caput do Art. 169, da Lei

8.112/90, visto que a não observância aos preceitos legais aplicáveis à matéria gera o

abuso de poder, que é uma das formas que nulifica o procedimento administrativo.

Após a nova Magna Carta as Comissões de Sindicância estão obrigadas a

pautar seus atos seguindo a esteira do due process of law, garantindo aos acusados

em geral a defesa ampla, sob pena de cometimento de ato nulo, com repercussão na

própria validade da apuração interna.

CONCLUSÃO

O presente estudo buscou tratar acerca do princípio processual da ampla

defesa e do contraditório, no processo administrativo denominado sindicância.

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O acusado em processo administrativo ou judicial possui o direito de

exercer a ampla defesa e o contraditório com todos os recursos a ela inerentes, sem

os quais não poderá perder os seus bens ou ter a sua liberdade cerceada.

No caso do processo administrativo denominado de sindicância, quando

esta tiver o caráter acusatório, deverá ser assegurado ao administrado, funcionário

civil ou militar, o direito de exercer a ampla defesa e o contraditório, na forma do

Texto Constitucional.

A não observância dessa garantia constitucional é motivo para a

interposição de Mandado de Segurança perante a Justiça Comum ou Federal, que

dependerá da situação funcional da autoridade administrativa responsável pelo ato.

No momento da interposição da medida, o autor poderá pleitear a concessão de

liminar para suspender o processo administrativo até o julgamento do mérito da

questão.

Expostas essas considerações, é imperioso reconhecer que o princípio da

ampla defesa encontra-se preservado em nossa ordem jurídica processual e goza de

status constitucional, ao lado de uma série variada de outros princípios, de igual

importância, que asseguram o direito ao exercício do ius postulandi do

jurisdicionado, não importando a posição que ocupe na relação processual.

A análise da ampla defesa, como princípio fundamental do direito

constitucional, se traduz em algo da maior importância para a sua aplicação. Por isso

é que, a cada dia, se torna mais freqüente e fascinante o estudo desse instituto pelos

juristas de nosso tempo, visando sempre a que se descortinem novos setores da

ciência jurídica onde a sua temática deva fincar profundas raízes.

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Por outro lado, o direito possui outras insígnias tão significantes quanto o

instituto da ampla defesa, que reclamam aplicação simultânea, no decurso da

tramitação processual. O desrespeito a qualquer formalidade processual pode ensejar

a nulidade do ato.

Após a nova Magna Carta as Comissões de Sindicância estão obrigadas a

pautar seus atos seguindo a esteira do due process of law, garantindo aos acusados

em geral a defesa ampla, sob pena de cometimento de ato nulo, com repercussão na

própria validade da apuração interna.

O princípio consagrado constitucionalmente abordado, garante ao

cidadão sua proteção ou reparação de dano a direito seu.

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