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TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO DOCENTE: HISTÓRIAS DE UMA EDUCADORA
JUSSARA CASSIANO NASCIMENTO / UNIRIO1
PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS DAS ABORDAGENS AUTOBIOGRÁFICAS
Articular historicamente o passado não significa
conhecê-lo como ele de fato foi. Significa apropriar-se
de uma reminiscência, tal como ela relampeja no
momento de perigo.
Walter Benjamin
Quando buscamos na memória resgatar histórias que ficaram para trás, estamos
selecionando recordações, sentimentos, momentos alegres ou tristes; fáceis ou difíceis,
experiências vividas que escolhemos para registrar. Esse é um dos dilemas clássicos do/a
pesquisador/a, o que escolher para registrar? O que deve ser contado e o que será omitido?
Essa é uma decisão que cabe somente ao/a pesquisador/a.
Atualmente o campo da investigação e da produção do conhecimento tem
encontrado buscar conhecer como cada um de nós vem se fazendo professor/a e para isso,
se faz necessário pesquisar a vida cotidiana com suas emoções e lutas, que acabam por
constituir o processo identidário de cada um de nós, pois cada um tem seu modo próprio de
organizar suas aulas, de utilizar os meios pedagógicos, de resolver problemas, de enfrentar
o imprevisível do cotidiano. Esta maneira própria de ser e de se constituir de cada um de
nós profissionais da educação é, no entender de NÓVOA (1992) o que se constitui uma
espécie de segunda pele profissional.
Para produzir uma narrativa autobiográfica, esse dilema torna-se ainda mais
complexo, pois há de se perguntar: como é que o sujeito pretende se revelar aos outros?
Quais, entre os inúmeros saberes aprendidos através de suas vivências, de seus valores e
postura de vida; podem possibilitar uma ação reflexiva sobre suas práticas, que dê conta do
que ele/ela pretende revelar?.
1 Mestranda em Educação/ UNIRIO, Especialista em Educação Infantil PUC/RIO. Pedagoga UERJ/RIO, Professora regente do Município do RJ desde 1977.
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GARCIA (2003) também se reporta à importância do ato de narrar a própria história
como um ato de conhecimento; pois as narrativas assim construídas têm indicado um novo
caminho para produção do conhecimento.
Escrever acerca desses processos de viver e produzir conhecimentos nos diferentes
cotidianos em que aprendemos e ensinamos vem ganhando relevo nas pesquisas atuais,
principalmente na área da educação. Nesse espaçotempo (Alves, 1999) tem ganho relevo as
escritas autobiográficas de professores e professoras (Nóvoa, 1995), personagens comuns
do contexto escolar, que têm contribuído para resgatar histórias da escola e dos processos
de aprenderensinar (Alves, 2001) a partir das experiências e momentos vividos por esses e
essas profissionais.
Os processos mnemônicos transportam os/as autores/as para tempos longínquos
guardados em suas memórias. Trazendo situações, desejos mais íntimos e segredos
escondidos que vêm à tona através de questões reveladoras sobre - suas vidas pessoal e
profissional. Nesse sentido Dominicé (1990) afirma que a vida é o lugar da educação e a
história de vida, o terreno no qual se constrói a formação (p.167)
Entretanto produzir conhecimento no terreno das pesquisas no/do/sobre o cotidiano,
como é o caso das pesquisas e produções acerca das histórias de vida de pessoas comuns
em seus aspectos singulares, é questão cercada de muita polêmica, devido à concepção
ainda hegemônica de se produzir conhecimento herdado da modernidade.
O paradigma moderno valoriza o modelo de fazer Ciência e produzir conhecimento
consagrado por áreas como a Física e a Biologia, entre outras, ou seja, o modelo das
chamadas ciências exatas submetido ao pensamento linear, cartesiano e comprometido com
verdades absolutas e universais. Nesta concepção de produção de conhecimento não há
espaço para os saberes do senso comum-. Desta forma as Ciências passaram a ser vistas
como verdade única, inquestionável; o único conhecimento a ser valorizado.
Segundo Boaventura (1993), a ciência deixou de ouvir os homens comuns para só
dar valor aos homens “detentores do saber”. Com isso a ciência rompe com o senso comum
e passa a classificá-lo como falso e vulgar. As ciências passam a ser a forma de
conhecimento hegemônico. Para a ciência tudo se constrói. É preciso se fazer rompimentos
com o imaginário para que se torne possível o conhecimento científico. E nesse sentido as
ciências constroem-se contra o senso comum.
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As últimas décadas do século XX trouxeram a crise dos paradigmas dominantes.
Neste contexto Boaventura (1993) passa a propor uma segunda ruptura epistemológica,
tanto no campo do conhecimento quanto no social, para superar o impasse em que a
produção do conhecimento hoje se encontra. Segundo sua proposta deve-se promover o
reencontro da ciência com o senso comum, onde ambos terão papel relevante na produção
do conhecimento necessário as questões atuais.
A proposta do autor é que todo conhecimento produzido é importante e que deve se
entrelaçar a todo o momento, tanto no conhecimento científico quanto nas experiências e
em qualquer relação de troca com o outro, nesse contexto as abordagens biográficas vem
ganhando espaço, pois há necessidade de estudos inovadores que busquem novas
perspectivas de compreensão das realidades sócio-culturais.
Através dos estudos que se fazem dessas autobiografias podemos conhecer as
estruturas sociais instituídas das épocas narradas. Essas histórias de vida têm se constituído
em estudos e reflexões estimulantes para o conhecimento da vida cotidiana dos docentes.
A abordagem autobiográfica tem uma configuração e sentido próprio. Elas
procuram demonstrar o pensamento do/a professor/a em etapas de sua vida. Essas histórias
podem nos ajudar a elaborar novas propostas educacionais que auxiliem na melhoria do
ensino e na formação de outros professores/as. Concebemos nossa prática, nossa maneira
de ensinar e nossa experiência a partir das perspectivas e conhecimentos que temos do
nosso “eu”. O sentido que damos a nossa carreira é compreendido através das histórias de
nossas vidas como pessoa e professores/as.
Nóvoa (1992) afirma que a análise da formação não se pode fazer sem uma
referência explícita ao modo como o adulto viveu situações concretas de seu próprio
percurso educativo. (p.24).
Assim, neste trabalho, tomo como ponto de partida minha própria história e vou,
através dela, enfatizar pontos que considero significativos, relatando algumas experiências
vividas que possam, de algum forma, servir de reflexão à pesquisa do cotidiano.
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REMEXENDO MEU BAÚ DE MEMÓRIAS: COMO TUDO COMEÇOU...
No exercício de rememorar precisei passar algum tempo (re) lembrando fatos
contados por minha mãe Dona Marlene, para reportar-me à história do meu nome, contudo
algumas dessas lembranças me pareceram tão fantásticas, que resolvi procurá-la para ouvir
de novo algumas dessas histórias, pois decidi escrever minha autobiografia a partir desse
episódio que resultou na escolha do meu nome. Mesmo me parecendo fantástica esta
história me fascina e encanta, pois ela tem haver com as belezas e mistérios das lendas
africanas que tanto me seduzem até hoje.
Meu nascimento se deu numa época um tanto difícil para meus pais, pois estavam
iniciando suas vidas como casal. Minha mãe ajudava a família bordando roupinhas de
crianças, toalhas de mesa e outras peças e também dando aulas particulares para crianças
em casa. Meu pai trabalhava no comércio e algum tempo depois foi aprovado num
concurso público, tornando-se Oficial de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Minha família, por formação religiosa, é Espírita e minha mãe conta a seguinte
história: Desde o momento em que passou a saber que estava grávida, sentia-se sempre
muito mal. Nessas ocasiões via constantemente, em nossa casa, uma indiazinha,
que costumava arrumar as roupas destinadas ao bebê. Ela separava as roupas da
gaveta de forma que minha mãe compreendesse que estava esperando uma
menina. Tentando entender melhor o que estava acontecendo, minha mãe foi
conversar com uma Preta Velha e esta lhe confirmou que ela estava esperando
uma menina. Acrescentou que esta seria, no futuro, de grande importância para
todos da família e que seria extremamente protegida por Olorum, Oxum e pela
Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram.
Mas pela astúcia que tem certas coisas passadas de fazer balancê, de
se remexerem dos lugares.
A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos;
uns com os outros acho que nem se misturam. Contar seguido,
alinhavado, só mesmo sendo coisas de rasa importância (...) Tem
horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de
recente data. (João Guimarães Rosa)
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Cabocla Juçara, indiazinha que se anunciava para minha mãe todos os dias em
nossa casa.
Ao voltar para casa um carro desgovernado sobe a calçada na direção de minha
mãe e ela, misteriosamente, é puxada para trás. Ao se virar viu a mesma índia
que aparecia para ela em nossa casa. Então em agradecimento e homenagem a
essa Cabocla, recebi meu nome.
Cresci ouvindo muitas histórias a respeito dos Orixás e do mundo místico contadas
por minha mãe . Usando as palavras de Larrosa (1999): cada um dispõe também, de uma série de tramas nas quais as entrelaça de um modo
mais ou menos coerente. E cada um tenta dar um sentido a si mesmo, construindo-se
como um ser de palavras a partir de palavras e dos vínculos narrativos que recebeu. (p.
22-23)
Com o passar dos anos mudamos para o interior do Rio de Janeiro. Moramos
durante muito tempo numa enorme casa no bairro de Alcântara/RJ. Somos quatro filhos de
um casal que mesmo com suas dificuldades procuravam nos dar o máximo de conforto
possível.
Minha mãe sempre muito enérgica, cuidadosa e atenciosa conosco; procurava nos
ensinar hábitos de higiene, a cuidar da casa, do quintal, dos animais que tínhamos, da bela
horta onde colhíamos alface fresquinha para o almoço, da amendoeira onde podíamos nos
balançar por horas.
Porém alguns fatores interferiram nessa nossa criação distante da cidade do Rio de
Janeiro. Meu pai acabou ingressando numa igreja evangélica e com isso nossos hábitos e
costumes religiosos se modificaram muito.
De repente tudo que era considerado por nossa família como sagrado, foi totalmente
modificado e nosso dia-a-dia de criança passou a ficar um tanto mais complicado; pois era
difícil compreender inúmeras mudanças tão repentinas. Além das tarefas escolares e cursos
de todos os tipos, tínhamos que dedicar algumas horas as atividades da igreja, como ir a
cultos em casa de outros irmãos, bordar roupinhas para os recém chegados na igreja (os
bebês) e até tocar piano para acompanhar os hinos cantados por todos os devotos.
Lembro-me que naquela época tocar piano para mim representava um castigo
enorme. Embora todos admirassem e aplaudissem a menina que com seus oito anos
conseguia tocar hinos, que eram acompanhados por uma igreja repleta, eu, no íntimo,
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considerava que seria mais interessante participar de brincadeiras próprias para minha
idade.
Não pretendo com isso dizer que meu pai estivesse errado, na realidade ele
acreditava que me colocando diante de todos esses cursos estaria contribuindo eficazmente
em minha formação; porém na verdade não me encantava nem um pouco.
Minha mãe não deixou de lecionar em casa, inclusive foi ela quem me ensinou a ler
e escrever. Fato curioso neste meu processo de rememorar o passado e que me levou a
conversar com minha mãe, é o de que só conseguia me lembrar das minhas professoras da
terceira série em diante. Acerca desta lacuna menmônica ela me disse que como eu já sabia
ler e escrever, revelou este fato à direção da escola ao me matricular; então fui submetida a
exames que me levaram a iniciar a vida escolar na 3ª série primária.
Recordei-me de como gostava de ir ao Grupo Escolar que ficava um tanto distante
de minha casa. Meu pai levava-me todos os dias de bicicleta até a escola. Nós, alunos e
alunas tínhamos que estar devidamente uniformizado e cada turma tinha seu lugar
especifico na forma,no pátio da escola. Todos os dias cantávamos o Hino Nacional, indo
posteriormente para sala de aula onde aguardávamos a professora. Quando esta chegava a
porta, tínhamos que nos levantar e juntos cumprimentá-la; isto acontecia diariamente.
A sala tinha à frente uma elevação cimento armado com a mesa da professora e de
onde conversava conosco e nos dava explicações sobre a matéria do dia. As carteiras eram
duplas, feitas de madeira, sendo ocupadas por duas crianças ao mesmo tempo. Nossos
materiais escolares eram guardados sob a mesa e à medida que precisávamos deles, íamos
utilizando aos poucos.
Todas essas obrigações coletivas e que nos eram impostas como norma da escola,
consistiam em ações pré-estabelecidas que nos remetem a FOUCAUT (2004) quando esse
afirma que aparece através das disciplinas o poder da norma. (p.153)
Minha primeira professora em uma escola oficial, chamava-se Maria Tereza. Ela era
baixa, tinha os cabelos claros, vestia-se sempre com tonalidades escuras. Estava sempre
séria e poucas vezes a vi sorrir. Logo cedo quando entrava na sala, passava de mesa em
mesa para verificar se tínhamos feito as tarefas de casa. Quem não tinha feito era anotado
por ela, ficando obrigado a fazer as mesmas, como castigo, na hora da saída. Depois era a
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hora de tomar a tabuada. Todos nós morríamos de medo de errar, pois além de ficar sem
saída, era castigado levando uma reguada, isto é, uma pancada com uma régua.
Essa hierarquização e disciplina existentes na escola nos remetem mais uma vez aos
estudos de Foucault (2004) quando este nos afirma que: na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma micropenalidade
do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção,
negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos
(tagarelice, insolência), do corpo (atitudes incorretas, gestos não conformes, sujeira),
da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de
punição, toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a privações
ligeiras e a pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as
frações mais tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos
aparentemente indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa
servir para punir a mínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa
universalidade punível-punidora (p.149).
Neste mesmo ano minha mãe passou num concurso para ser professora da
Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, no Município de Magé. Assim, pela
primeira vez na minha vida estudantil, tive que ficar sem ela para me ajudar nas tarefas
escolares.
Foi nessa mesma época, que minha professora começou a ensinar divisão usando
dois algarismos no divisor. Eu não conseguia entender como a professora conseguia ver
números que não estavam claros na conta. No final da aula pedi ajuda à Dona Maria Tereza
e a resposta que recebi foi a de que ela já tinha ensinado aquelas contas muitas vezes e que
tinha muitos alunos para poder perder tempo só comigo.
Quando minha mãe chegou em casa do trabalho já à noite, contei a ela o que estava
acontecendo, dizendo-lhe que no dia seguinte seria prova e dela ouvi a esta proposta: -
Filha só se nós estudarmos depois do jantar. Eu aceitei, mas a esta tarefa durou a noite
inteira. Pela manhã tomei banho, minha mãe sentou-me no chão entre suas pernas, para
trançar meus cabelos e depois fui para a escola, lembro-me que estava com muito sono.
Chegando à escola, a professora nos entregou a prova; não sei bem quantas contas
de divisão tinham naquelas duas folhas, só me lembro que eram muitas. Peguei a prova e
comecei a fazer as questões. Fui a primeira a entregar a prova e a professora exclamou
dizendo: - Você ontem não sabia fazer divisões! Como já terminou!
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Imagino que ela tenha pensado que eu tinha copiado as contas de alguém, porque
muito zangada me disse: - pode fazer tudo de novo aqui ao meu lado! E eu caindo de sono
tive que começar tudo novamente. Antes que eu terminasse as questões ela percebeu que
estavam todas certas e me perguntou: - Ontem você não sabia as contas, como você hoje
sabe? E eu respondi: minha mãe me ensinou a noite inteira. Percebi que ela sentiu remorso
do que havia feito comigo e mandou que uma servente me levasse em casa para que eu
pudesse dormir.
Hoje reconheço que minha professora aplicou aquela prova, provavelmente por uma
exigência da burocracia, daquele modelo escolar e não para verificar se nós havíamos
aprendido as contas, pois além de mim muitos/as outros/as alunos e alunas estavam com
dificuldade. Naquele contexto a tal prova de divisão, só contribuiu para punir aqueles e
aquelas que, por algum motivo, não tiveram a oportunidade de aprender durante as aulas.
Essas marcas nunca foram esquecidas e acompanharam meu trabalho como
professora muitos anos depois. Na minha sala de aula pretendi e procurei promover sempre
espaço para as crianças serem elas próprias, com seus desejos, alegrias e brincadeiras.
Alguns anos se passaram desde essa história e voltamos , eu e minha família, a
morar na cidade do Rio de Janeiro e aos catorze anos fui estudar o Curso Normal no
Instituto de Educação Governador Roberto Silveira, em Duque de Caxias. Como eu gostava
de estudar lá! Lembro-me que logo na entrada do Instituto havia um jardim belíssimo onde
todos os dias, eu e minhas colegas de turma, ficávamos rindo e brincando umas com as
outras antes de entrar para as salas. O prédio onde as normalistas estudavam ficava bem na
frente do Instituto, num plano baixo em relação ao restante do complexo construído. Porém
o prédio onde as crianças do ensino Fundamental estudavam tinha quatro andares, e ficava
na parte de trás do Instituto. Gostava de andar uniformizada, isso chamava a atenção de
todos por onde passávamos.
No Instituto a formação era um tanto quanto rigorosa. Estudávamos pela manhã e
durante toda tarde tínhamos que estagiar prestando auxílio às professoras de 1ª a 4ª série do
próprio Instituto. Embora fosse cansativo ficar no Instituto todos os dias, me fazia muito
feliz, pois meu desejo de ser uma educadora estava se confirmando. Nós tínhamos que
passar por todas as turmas (do Jardim a 4ª série) e além de observação; feita duas vezes por
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semana, tínhamos que dar aulas , sob o olhar das professoras: a de Prática de Ensino e a da
própria turma.
Esta foi uma época muito difícil, do ponto de vista financeiro, para minha família.
Meus pais haviam se separado e minha mãe, mesmo com duas matrículas no Estado, não
conseguia nos dar o conforto que tínhamos antes. Lembro-me que a cada nota máxima que
eu tirava, ela se sentia orgulhosa. Era como se eu estivesse lhe dado um enorme presente.
Durante o curso Normal não pude comprar nem um livro sequer. Estudava na
biblioteca do Instituto ou através dos livros que minha mãe conseguia com as colegas dela.
Ás vezes ia até uma livraria que tinha próxima ao Instituto, pois lá nos deixavam estudar
utilizando os livros que eram pedidos no Instituto. Até para fazer os trabalhos que
precisavam de materiais específicos era difícil, pois eu não tinha como comprá-los. Desta
forma fazia para minhas colegas o trabalho, em troca elas me darem as sobras de cartolinas,
papel colorido e outros materiais. Apesar de toda essa dificuldade cheguei ao último ano
do curso e no 3º bimestre abriu o concurso de seleção para professores do Município do Rio
de Janeiro e eu, resolvi fazê-lo, pois já estava aprovada por média no Instituto. Então
minha mãe foi até lá e solicitou uma declaração de conclusão de curso. Depois de muita
discussão, eu e todas as meninas que tínhamos média para passar de ano e concluirmos
nosso curso recebemos essa declaração.
No último dia de inscrição para o concurso público, me inscrevi e qual não foi a
nossa surpresa? Fui à única aluna do Instituto de Educação que havia passado no concurso.
Portanto já estava empregada antes mesmo de terminar o Curso Normal.
Os últimos dias em que passei no Instituto, foram muito felizes, pois a minha alegria
e a de meus professores e amigas era contagiante. Minha mãe agradecia todos os dias a
Deus e aos Orixás essa vitória, pois considerava que havia valido a pena tantos sacrifícios
passados por nós em tempos de aflições no lar.
Tivemos algumas dificuldades na hora em que me apresentei na Prefeitura para
assinar o contrato; pois só tinha dezesseis anos e naquela época isso não era normal
acontecer. Mesmo assim depois de muita luta cheguei a uma escola Municipal para
trabalhar.
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LEMBRANÇAS DE DOCENCIA NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
3.1 - A primeira experiência
Tudo começou no ano de 1976 quando obtive pontos para ser aprovada no concurso
do Município do Rio de Janeiro ainda estando no 3º Bimestre do ano letivo do mesmo ano.
Muitas foram às expectativas a respeito de onde iria trabalhar? Como escolheria a escola?
Como seria a 1ª turma que teria? E muitas outras indagações me vinham a mente.
Quando cheguei à Escola Municipal Herbert Moses que fica No bairro do Jardim
América – RJ fui recebida com grande surpresa pela direção desta Unidade Escolar por
julgar que eu era muito novata para assumir a função imediatamente. Na escola só havia
disponível uma turma com alunos/as repetentes há cinco anos na 2ª série e como entregá-la
a uma professora inexperiente?
Dona Marisa - diretora da escola naquela época, resolveu colocar-me na Secretaria
da escola para ajudá-la no que fosse preciso.
Depois de muitas lágrimas derramadas e uma longa conversa, Dona Marisa resolveu
me entregar a turma. Ao chegar a sala de aula percebi que meus/minhas alunos/as tinham
quase a minha idade e que conquistá-los/las seria difícil e trabalhoso. Descobri que a causa
principal daquelas tantas reprovações era o fato de que eles/as não sabiam ler e escrever, e
dessa forma como iriam entender o que era proposto nos testes e provas?
Muitas vezes tive que dar as aulas sob o olhar da direção, orientação ou supervisão
da escola; pois elas tinham receio do que poderia acontecer na turma onde a professora
tinha pouca experiência e quase a mesma idade dos/as alunos/as.
Tive algumas surpresas boas, mas também algumas decepções, pois algumas vezes
tinha que ceder as ordens que vinham da Secretaria de Educação ou mesmo da direção da
escola e que os alunos e eu ainda não estávamos em condições de atender; como provas ou
testes sugeridos.
No meu primeiro ano de docência percebi o quanto seria difícil levar a profissão
escolhida a bom termo e o quanto ainda teria que aprender no dia-a-dia, da sala de aula com
os/as alunos/as e no da escola com os colegas. Mesmo assim eu me sentia compelida a
lutar.
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O primeiro Conselho de Classe que participei nessa escola foi muito difícil, pois
levou horas e eu não sabia bem o que dizer para os colegas sobre a minha primeira turma e
todos estavam curiosos em me ouvir. Eu era uma espécie de mascote do grupo e a turma já
era, há muito tempo, conhecida das professoras mais antigas, sendo eu a décima professora
que passava por esses/as alunos/as.
Durante as reuniões de pais, a orientadora da escola sempre estava comigo, me
dando orientações a respeito da forma de como conduzir os assuntos e problemas aos pais.
Depois de algum tempo, os alunos começaram a ler e o aproveitamento começou a
melhorar e o respeito de todos pelo meu trabalho começou a surgir e me encheu de orgulho
e alegrias.
3.2 - Alfabetizando uma turma da CAD (turma de crianças portadoras de
necessidades especiais)
Naquela época (1978) as turmas com crianças portadoras de necessidades especiais
eram organizadas de forma diferente do que ocorre atualmente, pois todos os alunos
ficavam agrupados na mesma turma com uma única professora. Foi-me dada à tarefa de
ajudá-los a caminhar em sua trajetória escolar.
Minha falta de experiência me fazia temer o trabalho, pois como lidar com aquelas
crianças; cada uma com um problema específico. A turma era composta por crianças
mudas, surdas, cegas, com deficiência motora, com retardamento mental, com desequilíbrio
emocional e outros problemas mais.
Lembro-me de que eram apenas doze crianças; porém a minha pouca experiência e
falta de habilidade para lidar com eles, dificultava demais o trabalho.
Porém minha vontade em superar obstáculos e afirmar-me na profissão, levou-me,
através da prática, a aprender a lidar com as diversas situações estavam presentes em meu
cotidiano escolar.
Comecei a me interessar em aprender e a buscar caminhos que pudessem me levar a
ajudar, de alguma forma, aquelas crianças e o meu primeiro passo foi o de pedir ajuda a
todos os colegas da Unidade Escolar onde trabalhava.
Nos Conselhos de Classe eu me sentia muito mal; pois via que o avanço dos meus
alunos da CAD era infinitamente menor do que os resultados obtidos em outras turmas de
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alfabetização. Com o passar do tempo fui percebendo que eles também estavam avançando,
porém cada um a seu tempo.
Apesar de todo o meu esforço não consegui alfabetizar os alunos dessa turma e ela
continuou a existir em nossa escola por muito tempo. Vários professores trabalharam com
esses alunos, cada qual procurando dar sua contribuição. Acredito que esta foi uma
experiência de extrema importância no processo de formação de minha carreira como
professora; pois ela fez despertar em mim a vontade de ler, entender e procurar ajudar as
crianças portadoras de necessidades especiais.
3.3 - Chegando a uma “Nova escola”
A chegada de um professor em uma nova escola não é nada fácil e eu cheguei
removida, em 1987, para trabalhar na Escola Tarsila do Amaral, situada no Rio de Janeiro,
no bairro de Irajá.
Lamentavelmente quando um professor chega novo em uma escola, para ele sempre
sobram as turmas de crianças menores e mesmo para mim com alguns anos de experiência
em outra unidade escolar, não poderia ser diferente.
Naquele ano recebi uma turma da C.A (Classe de Alfabetização) e essas crianças
tinham uma característica diferente das outras crianças dessa unidade escolar, pois tinham
vindo de uma escola próxima, que por não ter mais vagas, encaminhou-os para a escola
onde fui trabalhar. Essas crianças eram oriundas de uma região perigosíssima em Irajá –
Conjunto Habitacional Amarelinho. Lá, segundo o que sabíamos era local de muitos
marginais.
Na escola, a chegada desta turma, com essa característica, provocou um grande
rebuliço e ninguém quis pegar esta turma. Assim, como fui eu que estava chegando
naquela escola, não tive escolha.
No dia em que recebermos essas crianças, era visível a diferença entre elas e os
demais alunos; porém logo percebi na primeira semana, eles eram bem independentes no
cumprimento de determinadas tarefas; usavam o dinheiro com muita propriedade; tinham
histórias de vida reais e não se furtavam a contá-las; trabalhavam ajudando aos pais e
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possuíam uma enorme vontade de aprender a ler, escrever e calcular com precisão, pois
sabiam que isso os ajudariam no trabalho diário.
Minha preocupação em inventar mil maneiras de fazer com que as crianças viessem
para a escola e que ali pudessem aprender a ler e a escrever, pois isto era de grande
importância para eles, aumentou ainda mais minha responsabilidade como professora.
Mesmo diante das inúmeras diferenças sociais entre essas crianças e as demais
assumi que, naquele ano, minha função era a de ajudar aqueles meninos e meninas,
independente de suas condições sociais, em seus processos de alfabetização.
Muitos foram os problemas que enfrentamos - eu, a professora da turma e as
crianças. Entre esses problemas destaco as atitudes de preconceito e discriminação vindas
dos pais/ responsáveis das outras crianças da escola. Expressões como: - Professora não
quero que o meu filho brinque com esses meninos do Amarelinho ou ainda - Professora,
não queremos que nossos filhos merendem com esses meninos mal educados do
Amarelinho foram problemas que tivemos que enfrentar e que ainda hoje, tantos anos
depois, me enchem de indignação. Como conseqüência o preconceito e a discriminação dos
responsáveis eram reproduzidos pelos alunos, seus filhos dentro da escola.
Para mim esse problema tornou-se uma questão de honra. Assumi que teria que
mostrar para meus colegas e aqueles responsáveis e demais alunos que aquelas crianças
tinham direito de estarem ali como todas as outras. Era minha obrigação ajudá-los na
alfabetização e na superação desses preconceitos.
Comecei a buscar desenvolver ações pedagógicas que pudessem demonstrar para os
outros e para eles próprios o quanto eram importantes e capazes.
Minha primeira preocupação foi de procurar modificar a imagem que eles tinham
perante nossa comunidade escolar. Comecei pelo uniforme. Através de muitas conversas
sobre hábitos de higiene e disciplina em uma escola. Procurei mostrar-lhes que podemos
utilizar o espaço escolar de muitas maneiras divertidas e que todos têm os mesmos direitos
de estarem ali convivendo e aprendendo.
Tomo aqui a palavra da professora Margarida Santos ao dizer que: descobri que por
trás do ensino da “palavra” existe uma engrenagem perversa que seleciona homens e
mulheres desde a infância, me senti compelida a lutar contra essa injustiça social. (2000,
p.7)
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Para começar, usei como estratégia aproveitar todas as ocasiões de datas festivas.
Nestas oportunidades nossa turminha sempre tinha algo a apresentar. Tudo o que eles
produziam na sala de aula era apresentado para o restante da escola. Com essas ações pude
trabalhar a auto-estimada deles, que passaram a se sentir muito importantes e tudo faziam
com o máximo de dedicação.
Em relação à alfabetização enfrentamos alguns problemas. A maioria dos
pais/responsáveis por esses alunos não sabia nem assinar o próprio nome. Fato que podia
ser observado na hora de assinar as atas de reuniões. Como então poderiam me ajudar a
acompanhar o progresso e crescimento de seus filhos?
Como diz Mírian Goldenberg; “...só se escolhe o caminho quando se sabe aonde se
quer chegar.” (2002, p.14 ). E eu sabia onde queria chegar, por isso, escolhi o método
fônico para alfabetizá-los, pois considerei que através de uma forma de aprender mais
alegre e divertida, cantando, desenhando, falando e lendo utilizando os barulhinhos do
método da Abelhinha, conseguira motivá-los a superarem suas dificuldades.
Eu não queria que logo nos primeiros anos de escolaridade dessas crianças houvesse
algum tipo de fracasso precisava encontrar um caminho que os fizesse aprender com
alegria.
Para os pais/responsáveis dessas crianças não importava de que forma seus filhos
seriam alfabetizados. O que eles não queriam é que seus filhos tivessem a mesma sorte
deles, e por isso é que foram buscar estudo para eles, mesmo fora da comunidade onde
viviam.
Para surpresa de todos na unidade escolar, menos para mim e meus alunos, a turma
de CA 2 toda foi alfabetizada antes do tempo previsto e com a alegria e esperteza das
crianças, as pessoas na escola começaram a gostar delas porque perceberam que apesar de
viverem num meio tão difícil e perigoso suas potencialidades eram iguais a dos outros
alunos. Eles demonstravam mais agilidade em agir frente a situações do dia-a-dia como
ajudar um colega na tarefa de aula quando este necessitava (sem interferência do
professor); reclamar quando queriam ouvir a “tia” e os colegas estavam falando alto
demais; ajudar qualquer pessoa da escola quando necessário ou se organizar em
brincadeiras e festas da unidade escolar.
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No ano seguinte essas crianças voltaram para sua comunidade escolar, já na
primeira série e deixaram muitas saudades, principalmente em meu coração.
3.4- Aplicando um Projeto de Pesquisa:
TEMA: Água um estudo sobre o desperdício e a escassez
O projeto de pesquisa foi aplicado em duas turmas de 4ª série do Ensino
Fundamental da Rede Pública no Rio de Janeiro, na Escola Municipal Tarsila do Amaral,
no bairro de Irajá. Na minha turma e na de uma outra colega.
Iniciei o trabalho conversando com as crianças sobre o assunto que iríamos tratar
nas próximas aulas de ciências, procurando despertar-lhes o interesse sobre o mesmo. O
tema em questão já fazia parte do planejamento e deveria ser cumprido como parte do
programa desta série. Busquei ajudar os alunos a construírem esses conhecimentos de uma
forma mais agradável tanto para eles quanto para mim.
A elaboração do pré-projeto foi parte das atividades que, como aluna da graduação,
desenvolvi nas aulas de Metodologia das Ciências, na Faculdade de Educação da UERJ, no
Curso de Pedagogia, que agora estou concluindo.
No primeiro dia, apresentei o mapa-mundi para que os alunos observassem com
bastante atenção o nosso planeta e pudessem perceber que nele há mais água que terra e
assim iniciamos nossa aula. Depois procurei leva-los a responderem a seguinte pergunta: -
de onde vêm a água? As crianças foram dando suas respostas e fui anotando tudo o que era
dito. Conversamos também sobre a utilidade da água e os alunos, através de seus
conhecimentos, demonstram quanto sabiam acerca deste assunto.
Ouvimos a música “Planeta Água” da autoria de Guilherme Arantes. Cantamos e
fizemos o estudo da letra da música. Algumas crianças não sabiam o significado de
algumas palavras, por isso, tivemos que formular hipóteses até chegarmos as respostas
certas.
As salas de aula onde o projeto foi aplicado, foram arrumadas em grupos e
aproveitando essa distribuição das carteiras propus a turma que eles se organizassem para
trabalhar com dois temas diferentes: 1 - De onde vêm a água? e 2 - Os usos que o homem
faz da água.
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As crianças se organizaram rapidamente e buscaram, na própria sala de aula, formas
de pesquisar e fazer a tarefa proposta. Foi dado algum tempo para que eles se
organizassem, pois logo depois tiveram que apresentar aos colegas o trabalho organizado
pelo grupo.
Como no dia seguinte os alunos teriam outra aula de ciências fiz o seguinte
comentário: - Amanhã continuaremos a conversar sobre a água. Vocês sabem o que é
escassez? Foi uma preocupação geral; pois ninguém sabia o significado dessa palavra e
começaram a formular hipóteses do que poderia ser; porém deixamos para o dia seguinte.
Neste primeiro dia de aplicação do projeto pude abordar conhecimentos/conteúdos
de diferentes áreas como português - tanto com a leitura da letra da música, quanto com o
estudo do texto de ciências; usei a linguagem estatística com a leitura de gráficos que
apresentam aspectos quantitativos da presença da água em nosso planeta. Também me
utilizei da Geografia usando o mapa-mundi para observação da quantidade de água no
existente no planeta.
No segundo dia apresentei o globo terrestre para observação e continuamos a
conversa sobre a água em nosso planeta. Fizemos uma revisão do que foi discutido e
aprendido no dia anterior. Utilizei como estratégia perguntas orais e as crianças curiosas
desejavam saber sobre a pergunta que ficou no ar - o que é escassez? E nesse processo
percebem o quanto ainda têm a aprender, reconhecendo-se como sujeitos responsáveis,
predispostos à mudança, à aceitação do diferente (FREIRE, 1996, P.55)
Algumas delas tinham pesquisado em casa e disseram aos colegas o que era e daí
partimos para o assunto planejado. Conversamos sobre a importância da água e os
desperdícios que estão acontecendo. Imediatamente eles começaram a falar sobre as formas
como todas as pessoas vêm desperdiçando água e aproveitamos para conversar com eles
sobre pequenas formas de desperdício em que todos nós estamos envolvidos: escovando
dentes com a torneira aberta, lavando louça com a torneira aberta todo o tempo, lavando a
calçada todos os dias, etc.
Depois apresentei uma reportagem extraída do jornal Correio Brasiliense sobre a
quantidade de água disponível na Terra. Lemos, fizemos o estudo do texto, conversamos
sobre as palavras desconhecidas e também sobre o sentido do texto.
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A seguir apresentei um gráfico, organizado pelo IBGE que registra a quantidade de água
salgada e doce no planeta Terra. Eles ficaram surpresos com a quantidade de água salgada
que temos. Conversamos sobre estudos desenvolvidos pelos cientistas para transformar
água salgada em doce, para utilização da mesma pelo homem.
Nesta etapa recomeçamos a conversa sobre a importância de economizar para não
faltar. Falei sobre as pesquisas que estão sendo feitas acerca da possível falta de água daqui
há poucos anos. Propus a eles que apresentassem maneiras de como poderíamos
economizar água e fui sistematizando o resultado no quadro de giz.
Organizados em duplas, os alunos tiveram que confeccionar mini-cartazes onde
propuseram formas para estimular outras pessoas a economizar água. Na parte final do
trabalho, eles apresentaram para os colegas, as soluções que o grupo encontrou para pedir
as pessoas que economizem água .
No terceiro dia de aplicação do projeto conversei com os alunos acerca da
importância dos rios para a obtenção de água. Sobre as estações de tratamento d’ água e
como a água chega até nossas casas.
Depois fomos passear até o rio que fica ao lado da escola. Ali observamos tudo o
que podíamos sobre o mesmo. Ao chegar à sala de aula conversamos sobre o que havia
sido observado sobre o rio Irajá. Comecei falando sobre este rio no passado, inclusive
citando que ele era até navegável. Hoje, lamentavelmente, encontra-se muito poluído e
com pouca água. Pedi as crianças que procurassem em jornais e revistas questões relativas
à água; tanto no mundo, quanto em nosso estado.
A seguir organizei uma brincadeira com a turma chamada: Quem sabe mais? A
turma foi divida em dois grupos e organizamos perguntas para que fossem respondidas em
Figura 1
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separado pelos dois grupos. Cada resposta certa era pontuada. A brincadeira terminou
empatada e as crianças participaram com grande interesse.
No mesmo dia sistematizei com as crianças, no quadro-de-giz, alguns
procedimentos que eles deveriam ter para economizar água em suas casas e também na
escola.Lembrei-lhes que se cada um fizer a sua parte poderemos evitar a escassez de água
no planeta no futuro. Na aula seguinte, as crianças trouxeram diversas reportagens sobre a
água e organizamos um mural com essas reportagens.
Frases como: Água um bem precioso; Economize água ; Evite a escassez de água no
planeta entre outras foram criadas para serem colocadas no mural junto com as reportagens
selecionadas.
O mural foi organizado no corredor da escola para que todos os que por ali
passassem pudessem ler e refletir sobre o que está acontecendo com a água em nosso
planeta, nosso Estado e nossa cidade. Além da formação da própria consciência proposta
por FREIRE (1996), contribuímos com a socialização, divulgando informações necessárias
a todos nós.
As crianças decidiram que iriam de sala em sala conversar com as outras turmas
sobre o desperdício e escassez da água e que, nesta atividade, levariam os mini-cartazes
feitos por eles na segunda aula, buscando conscientizar os colegas para o assunto que
estavam estudando.
Figura 2
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Nessa perspectiva, retomo a FREIRE (1996) quando ele nos fala: Pesquiso para
constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o
que ainda não conheço e comunicar a novidade (p.32).
CONVITE À REFLEXÃO E AO DEBATE SOBRE O SENTIDO DA ESCOLA
Refletir sobre o sentido da escola nos remete a tempos guardados em nossa
memória, uma vez que todos nós, professores, de uma forma ou de outra, estivemos sob o
domínio ameaçador do modelo de educação tradicional marcado pela presença de mestres
autoritários; por uma educação propedêutica; por processos avaliativos seletivos,
classificatórios e excludentes, pela memorização e reprodução dos conteúdos em
detrimento da crítica e da reflexão. Infelizmente este modelo de ensino ainda insiste em se
perpetuar através das práticas de alguns professores.
De que forma é possível alterar essa situação? Creio que devemos estar atentos ao
fato de que é preciso nos qualificar constantemente para melhor desenvolvermos nossas
práticas educativas. E essa qualificação não se reduz apenas aos espaços
institucionalizados, na realidade ela ocorre, através das múltiplas experiências que
vivenciamos em nosso cotidiano nos diferentes espaços-tempos em que circulamos como o
trabalho, a família, a comunidade entre outros. São nesses contatos que aprendemos e com
eles adquirimos novos saberes e ressignificamos outros tantos que já possuímos e que nos
ajudam a enriquecer e reinventar maneiras singulares e plurais de viver e estar na profissão,
ultrapassando barreiras e produzindo novos caminhos para serem percorridos no sentido de
atuar de maneira competente na profissão professor.
Foi pensando nesta perspectiva que pude ultrapassar fronteiras estipuladas e
organizadas pela SME, pelas direções, supervisões e coordenações das escolas aonde,
durante muito tempo, venho trabalhando. Meu principal objetivo sempre foi o de buscar
Há os que atuam no cotidiano da escola e que lutam
por transformá-la em um tempo/espaço de troca, de
criação, de relações amorosas e solidárias, isto sim,
anúncio de novos tempos.
Nilda Alves
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novos caminhos para minhas práticas educativas. Acredito que precisamos dar voz aos
nossos alunos. É falsa a premissa de que eles nada têm a nos dizer ou a acrescentar. É
preciso ouvir o que eles sabem e têm a nos dizer. Não cabe mais a escola ficar limitada a
passar informações. Sabe-se hoje que o conhecimento se tece como os rizomas e que as
informações nos chegam de diferentes lugares.
Ouvindo os que nos cercam podemos atentar para algo de que não nos havíamos
percebido e assim sendo, aprendemos com tudo e com todos durante todo o tempo, logo
fica sem sentido um modelo de ensino que se negue a buscar ações transformadoras,
despertando nas crianças o prazer do aprender.
Que sentido teria a escola que não fosse o compartilhar/ aprender/ ensinar?
Creio que somente nossas práticas educativas cotidianas podem transformar, as
relações ensino-aprendizagem e não as decisões de gabinetes que surgem nas escolas
através de ordens da SME, da CRE ou da Direção da Escola.
Seria possível ter sentido à escola, se não fosse trazida a ela questões ligadas a vida
cotidiana? Para que serviria a escola se esta não estivesse imbuída de conhecimentos úteis à
vida? Essas são perguntas que interferiram nas minhas ações educativas e que contribuíram
para que eu assumisse uma atitude de mudança em relação as práticas tradicionais.
Durante algum tempo a burocracia escolar me incomodou e me sentia impedida de
lutar para transformar minhas práticas, porém hoje me sinto segura para lutar, vislumbro
novos territórios para conquistar e assumindo uma postura investigativa da minha própria
prática, tenho evitado ser apenas uma “reprodutora da mesmice”.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Com a elaboração desse trabalho, pretendi incentivar outros profissionais atuantes
na Escola Básica a repensarem acerca da importância das narrativas autobiográficas no
processo de reflexão das práticas educativas que desenvolvemos em nossas ações
cotidianas e que nos levam a uma constante busca de novos caminhos que nos ajudem a
transformar nossas ações pedagógicas.
Procurei através de um texto autobiográfico despertar nos colegas de profissão o
desejo de retornar a Academia; uma vez que as experiências que vivenciei nos quatro anos
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do curso de Pedagogia /UERJ me permitiram, cotidianamente, relacionar prática e teoria,
ampliando meu orgulho, me fazendo sentir valorizada e estimulada ao buscar novos
caminhos para dinamizar minhas aulas, o que contribuiu para que eu pudesse ter a sensação
de estar participando da melhoria do ensino.
Nós professores precisamos ter consciência de que somos seres inacabados e que
devemos estar sempre buscando meios para melhorar nossa formação profissional. Demorei
alguns anos para retornar aos bancos escolares, porém hoje reconheço o quanto foi
importante; pois pude encontrar, junto as minhas colegas e professores, novos caminhos
que me ajudaram a aperfeiçoar minhas práticas educativas.
Aceitar a formação profissional como um processo significa aceitar, também, que
não existe separação entre formação pessoal e profissional. Implica reconhecer que não há
uma formação “fora” de qualquer relação com os outros, mas “dentro” da relação com a
realidade concreta. (ALVES, 2001:66)
Apesar de sempre ter participado de cursos oferecidos pela SME-RJ - Cursos de
Capacitação para os profissionais regentes, sentia que eles cursos estavam longe de atender
as minhas necessidades, uma vez que a prática deve caminhar junto à teoria e muitos desses
cursos fogem das nossas reais necessidades. De acordo com as palavras de KRAMER
(1997) Os mecanismos de formação de professores em serviço devem ser percebidos como
prática social inevitavelmente coerente com a prática que se pretende implantar na sala de
aula entre professores e alunos. (p.97)
Atualmente, percebo que a mídia vem querendo denegrir a imagem dos
profissionais de Educação, procurando levantar questões que desmerecem o trabalho
realizado por professoras/es anônimos em todo o Brasil. A mídia tem colocado a escola
básica e, principalmente os/as que ali trabalham, como incompetentes. Isto não é verdade.
Os trabalhos realizados nas escolas, em sua maioria, são sérios, honestos e competentes e
não se encontram neste patamar inferioridade que a mídia pretende colocá-los.
Por isso é necessário que levantemos questões que possam servir de reflexões sobre
o porque dessa desqualificação sistemática e demonstrar o que há de na qualidade no ensino
básico.
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Ao escrever esse trabalho, tenho como ambição poder levar para meus/minhas
colegas de profissão a possibilidade de refletirem como podem ser importantes para cada
um/a de nós as trocas entre colegas e o ambiente da Academia.
Tenho certeza de que muitos profissionais, como eu, que passaram por esse curso,
puderam dinamizar suas práticas, fazendo assim com que seus/as alunos/as passassem a se
interessar mais pela escola, vendo-a como um lugar prazeroso, de a troca de saberes e
fazeres.Assim, aconteceu comigo.
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