Teoria dos sistemas

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de considerações relativas à estruturaçâo, desestruturação e Ices- truturaçâo contínuas, características do sistema sociocultural. Su- gere-se um modêlo "rnorlogênico" de sociedade, edificado sôbre alguns estudos teóricos e ernpíricos surgidos nos últimos anos e que - afirmamos - se movem numa direção em estreita cor- respondência, ou altamente compatível, com a moderna pers- pectiva dos sistemas que esramos delineando. Considerações sôbre a natureza das macroestruturas dos sis- temas socioculturais nos levam a ver mais claramente as impro- priedades do modêlo atual. de "consenso" e sua concepção rela- tivamente estática de "instituições", "contrôle social" e "ordem" e "desordem" social. No sexto e último capítulo nos ocupamos de alvitrar o modo pelo qual um modêlo cibernética de socieda- de, mais que um modêlo homeostático, ou de equilíbrio, pode informar os conceitos de contrôle social, ordem e desordem social. Isso nos conduz a: (1) inspirar-nos em conceptualizações atuais do processo sistemático de geração do comportamento aberrante - exemplo excelente do enfoque moderno dos sistemas (cons- cientemente reconhecido, ou não), e (2) discutir com detalhes os problemas correntes da concepção do poder e da autoridade, da legitimidade, e dos processos grupais de busca de metas e tomada de decisões. Embora não nos escapem os perigos inerentes à aplicação demasiado simplista da concepção cibernética do con- trôle da realimentação, da "auto-regulação" e da "autodireção", afirmamos que ela pode ter fôrça como instrumento organizador, que nos ajude a harmonizar o grande número de linhas de for- mulação e execução da política subgrupal e societal. ::;:-'1 ) .;..,... " ""~ ::::.~)"""':~\t-) {,I) :'.-~ r,1 .. ~1 (.) ::~:, C'., ~', ::-4i .F._·~ 22 2 MODELOS DE SISTEMAS SOCIAIS A maior parte da atual discussão dos sistemas em Sociologia é constrangedoramente ingênua e obsoleta à luz da moderna pes- quisa dos sistemas em outras disciplinas. Se bem se verifique extenso emprêgo superficial (e amiúde incorreto) da terminolo- gia mais recente (é quase de rigueur a menção da "manutenção de limites", entrada-saída, "contrôle cibernética" [sic,L realimen- tação, etc.), as concepções subjacentes revelam escasso progresso em relação ao modêlo do equilíbrio mecânico de séculos anterio- res. De maneira análoga, os modelos orgânicos se afastaram mui- to pouco dos becos sem saída da era do darwinismo social das ana- logias orgânicas e organísmicas: as "sociedades" ainda têm "neces- sidades" e arrostam os "problemas" de manter sua estrutura (ins- titucionalizada ), que são resolvidos por mecanismos inerentes, automáticos, "homcostáticos"; ou as classes sociais representam a seleção natural decorrente de uma luta competitiva em que os "mais aptos" ou "mais altamente qualificados" se elevam, mais ou menos autornàticamente, ao tôpo, a fim de ocupar as posi- ções funcionalmente essenciais à "sobrevivência" das sociedades. Que um ou outro dêsses modelos inspirasse a teorização nas fases iniciais da sociologia científica, quando pouco se sabia cla- ramente sôbre o sistema sociocultural, é assaz compreensível. Mas a tentativa de fundir tanto os modelos mecânicos quanto os orgâ- nicos na mesma estrutura teórica, como hoje se faz, não é apenas contestável em vista dos seus inumeráveis pontos de incompati- bilidade, senão também retrógrado em face dos modernos pro- gressos da Sociologia. T ais progressos deveriam ter-nos alertado acêrca da possibilidade de que o nível sociocultural dos sistemas

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de considerações relativas à estruturaçâo, desestruturação e Ices-truturaçâo contínuas, características do sistema sociocultural. Su-gere-se um modêlo "rnorlogênico" de sociedade, edificado sôbrealguns estudos teóricos e ernpíricos surgidos nos últimos anos eque - afirmamos - se movem numa direção em estreita cor-respondência, ou altamente compatível, com a moderna pers-pectiva dos sistemas que esramos delineando.

Considerações sôbre a natureza das macroestruturas dos sis-temas socioculturais nos levam a ver mais claramente as impro-priedades do modêlo atual. de "consenso" e sua concepção rela-tivamente estática de "instituições", "contrôle social" e "ordem"e "desordem" social. No sexto e último capítulo nos ocupamosde alvitrar o modo pelo qual um modêlo cibernética de socieda-de, mais que um modêlo homeostático, ou de equilíbrio, podeinformar os conceitos de contrôle social, ordem e desordem social.Isso nos conduz a: (1) inspirar-nos em conceptualizações atuaisdo processo sistemático de geração do comportamento aberrante- exemplo excelente do enfoque moderno dos sistemas (cons-cientemente reconhecido, ou não), e (2) discutir com detalhes osproblemas correntes da concepção do poder e da autoridade, dalegitimidade, e dos processos grupais de busca de metas e tomadade decisões. Embora não nos escapem os perigos inerentes àaplicação demasiado simplista da concepção cibernética do con-trôle da realimentação, da "auto-regulação" e da "autodireção",afirmamos que ela pode ter fôrça como instrumento organizador,que nos ajude a harmonizar o grande número de linhas de for-mulação e execução da política subgrupal e societal.

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MODELOS DE SISTEMAS SOCIAIS

A maior parte da atual discussão dos sistemas em Sociologiaé constrangedoramente ingênua e obsoleta à luz da moderna pes-quisa dos sistemas em outras disciplinas. Se bem se verifiqueextenso emprêgo superficial (e amiúde incorreto) da terminolo-gia mais recente (é quase de rigueur a menção da "manutençãode limites", entrada-saída, "contrôle cibernética" [sic,L realimen-tação, etc.), as concepções subjacentes revelam escasso progressoem relação ao modêlo do equilíbrio mecânico de séculos anterio-res. De maneira análoga, os modelos orgânicos se afastaram mui-to pouco dos becos sem saída da era do darwinismo social das ana-logias orgânicas e organísmicas: as "sociedades" ainda têm "neces-sidades" e arrostam os "problemas" de manter sua estrutura (ins-titucionalizada ), que são resolvidos por mecanismos inerentes,automáticos, "homcostáticos"; ou as classes sociais representama seleção natural decorrente de uma luta competitiva em que os"mais aptos" ou "mais altamente qualificados" se elevam, maisou menos autornàticamente, ao tôpo, a fim de ocupar as posi-ções funcionalmente essenciais à "sobrevivência" das sociedades.

Que um ou outro dêsses modelos inspirasse a teorização nasfases iniciais da sociologia científica, quando pouco se sabia cla-ramente sôbre o sistema sociocultural, é assaz compreensível. Masa tentativa de fundir tanto os modelos mecânicos quanto os orgâ-nicos na mesma estrutura teórica, como hoje se faz, não é apenascontestável em vista dos seus inumeráveis pontos de incompati-bilidade, senão também retrógrado em face dos modernos pro-gressos da Sociologia. T ais progressos deveriam ter-nos alertadoacêrca da possibilidade de que o nível sociocultural dos sistemas

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o MODÊLO MECANICO

foram novamente tomados de empréstimo com os seus novosatavios conotativos e aplicados ao homem e à sociedade. Des-tarte, encontramos concepções de espaço moral ou social, emque ocorrem os acontecimentos sociais; de posição 110 espaçosoci.aI e de um sistema de coordenadas sociais, que definem aposição do homem nêle; de processos sociais como resultados da"gravitação" ou atração e inércia de indivíduos e grupos êstesúltimos considerados como sistema num equilíbrio de /ôrç~s cen-trífugas e ceniripetas. A organização social, o poder e a autori-dade eram resultantes das "pressões" de "átomos" e "moléculassociais": disso nasceu a "estática social" ou a teoria do equilí-brio social, análoga à estática na mecânica física, e a "dinâmicasocial", que envolve o movimento ou a mudança como funçãodo tempo e do espaço, que se podem exprimir por várias curvasma temá ticas.

No entender de Sorokín, quase tôda a "física social" subse-qüente do século XVIII e da primeira metade do século XIXfoi apenas uma variação das tentativas do século XVII, que pres-taram valiosa contribuição à ciência social e psicológica. A se-gunda metade do século XIX, todavia, apresentou sintomas deuma revivescência, embora de ordinário sem reconhecer a con-tribuição do século XVII. Entre Os homens envolvidos nessarevivescência figuram H. C. Carey, A. Bentley, T. N. Carver ePareto, Os seus sistemas eram edificados sôbre conceitos como"campos de Iôrça", "transformação de energia" e "entropia so..cial". A maioria oferecia "apenas uma série de analogias super ..ficiais, baseadas em interpretações inválidas de conceitos mecâ-nicos". A "mecânica racional" de Pateta, engenheiro de forma ..ção, pertence, entretanto, a uma classe diferente. Êle evitava osanalogismos mais especiosos e utilizava tâo-sõrnente os princípiosmecânicos mais gerais, que pareciam aplicar-se a fenômenos so-ciais nos níveis metcdológico ou .heurístico. Temos, assim, nabase, o conceito de "sistema", de elementos em mútuas inter-re-lações, que nadem achar-se num estado de "equilíbrio", de talmaneira que quaisquer alterações moderadas nos elementos ouem suas inter-relações, afastando-os da posição de equilíbrio, sãocontrabalançadas por alterações que tendem a restaurá-Ia.

Esta foi a concepção encampada, quase sem modificaçõespor muitos sociólogos contemporâneos, notadamente Ceorge C:

seja estrutural e dinâmicarnente único e não fundamentalmentecomparável a êsses outros tipos de sistemas, apesar de algunspontos de semelhança. O desenvolvimento da moderna teoriados sistemas em outros campos, nos dois ou três últimos decê-nios, enseja nova perspectiva e princípios básicos, que apontampara um rnodêlo de sistema sociocultural mais apropriado, que ateoria sociológica não pode dar-se ao luxo de ignorar.

Tais são os temas que serão abordados neste capítulo.

Pitirim A. Sorokin nos proporcionou um estudo admiráveldo desenvolvimento da "escola mecanística" da Sociologia, e nóslhe pediremos muita coisa emprestada. 1 Com o rápido avanço daFísica, da Mecânica e da Matemática no século XVII, os homensse voltaram para uma interpretação do homem, do seu espíritoe da sociedade em têrrnos dos mesmos métodos, conceitos c su-posições, rejeitando em parte a teleologia, o vitalismo, o misti-cismo c o antropomorfismo, menos apetecíveis, de outros pon-tos de vista. Surgiu, assim a "Física Social" do século XVII,segundo a qual o homem era considerado como objeto físico,espécie d~ máquina c~m)plicada, cujas ações e processos psíqui-cos poderiam ser analisados em função dos princípios da Mecâ-nica. Na "mecânica social" se encarava a sociedade como "siste-ma astronômico", cujos elementos eram sêres humanos ligadospel~ atração m~tua ou diferenciados pela repulsão: grupos deSOCIedades ou Estados constituíam sistemas de oposições equili-bra.das. O homem, seus grupos e suas inter ..relações constituíam,aSSUI1,uma continuidade ininterrupta com o testo do universo,mecanlsticamente interpretado. Tudo se baseava na ação recí-proca das causas naturais, a ser estudada como sistemas de rela-ções que podiam ser medidos ou expressos em função de leis damecânica socia1.·

Os conceitos físicos de espaço, tempo, atração, inércia, fôr-ça, poder -- que é forçoso reconhecer como antropomorfismosrecebidos por empréstimo da experiência humana cotidiana -

1 Pitirim Sorokin Conteniporar» SociologicI11 Tbrories (Nova Ioruuc:lIarpcr &: Row. Edíttírcs, 1928), Capo 1.

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Homans e Taleott Patsons (ambos influenciados por Hendersonem Harvard). 2 Antes dêles, e depois de Pareto, a idéia de so-ciedade como "sistema" de partes inrer-relacionadas, com umlimite, e tendentes de ordinário a manter um equilíbrio, foi ex-plicitamente endossada por N. Bukharin, P. Sorokin, F. Zna-niecki e K. Lewin, entre outros.

Muitos cientistas sociais se referiram à sociedade ou ao gru-po como a um "sistema social", sem assumir, entretanto, umponto de vista totalmente mecanístico - na verdade, comoMcIver, dando uma ênfase antagônica aos fatôres mentalísticos.Assim, discutindo a causa como "precipirante", Mel ver ofereceuma visão de concepções e dificuldades, que estariam em evidên-cia na teoria do sistema social um quarto de século depois:

manente, determinado por fôrças relativamente simples, de modoque qualquer mudança que afetasse fôsse incidental, alheia ou es-tranha. Está mais de acôrdo com o registro histórico pensar emt~rmos d~ uma tepdência .constante para o equilíbrio, sempre asse-diado, ate na SOCIedade simples ou primitiva e ainda mais obvia-mente nas civilizações mais elevadas, por fôrças que ameaçamabalá-lo ou rornpê-lo. Nessas condições, a própria natureza' doequilíbrio, é sempre móvel. 3 .

A tenacidade e a duração de um equilíbrio presumido têmdiminuído gradualmente nas concepções de alguns teoristas doequilíbrio. Isto é, considera-se o equilíbrio apenas um estadotemporário, eíêrnero, como na citação acima de McIver ou noque Homans denomina agora "equilíbrio prático", que o com-portamento, "sem dúvida temporária e precariamente, às vêzesatinge". 4

Afirma-se, por vêzes, que o conceito de equilíbrio é apenasum artifício heurístico, mas nunca se esclarece muito bem a fun-ção heurística que êle desempenha. Assim, Parsons sustenta cor-retamente que, para estudar a mudança social, precisamos de algumponto de referência a partir do qual ocorre a mudança. 5 Emseguida, não só se volta para uma avaliação da estrutura no pontode partida da análise mas também recorre aos conceitos de equi-líbrio e inércia. Não está absolutamente claro, porém, o motivopor que uma avaliação do estado estrutural e dinâmico no inícionão basta, por si só, como ponto de referência, sem introduzir"eqr:ilíbrio" e ."iné.:cia". De mais a mais, quando Parsons, pros-seguindo, admite íôrças de mudança endogenas ao sistema, nósnos separamos de quanto possa ser reconhecido pelo estudantede mecânica clássica. Como outros já o observaram, dizer queas f.ôl'ças internas do sistema tendem para o equilíbrio mas, narealidade, podem acarretar mudança é uma contradição emtêrmos. G

. .. entendemos por "precipitante" qualquer fator ou condição es-pecifica considerada como tendo desviado a direção preestabelecidadas coisas, como tendo rompido um equilíbrio preexistente, ou comotendo liberado tendências ou Iôrças até então suprimidas ou laten-tes. O pressuposto é de que o sistema opera de forma congruentecom a sua autoperpertuação, até que alguma coisa intervenha; deque o sistema é relativamente fechado até que alguma coisa o rom-pa e abra. Essa "alguma coisa" é, então, um precipirante.

Tal concepção representa uma das maneiras pelas quais busca-mos compreender o problema da continuidade e da mudança. Presosupomos uma lei social mais ou menos correspondente à lei físicada inércia, no sentido de que todo sistema social tende a man-ter-se, a persistir em seu estado presente, até ser compelido poralguma Iôrça a alterar êsse estado. Qualquer sistema social, li todomomento e em tôda a parte, é sustentado por códigos e institui-ções. tradições, interêsses. Quando uma ordem social ou qualquersituação social dentro dêle sofre uma alteração significativa, pensa-mos em alguma fôrça rebelde ou invasora, que lhe quebra, porassim dizer, a "inércia", o status quo, A forma mais simples doconceito é a examinada na seção anterior, onde se encara a mudançacomo perturbação de um equilíbrio persistente. A falha dêsse con-ceito não residia na pressuposição do equilíbrio, mas na suposiçãonão justificada de um único tipo de equilíbrio, fundamental e per- , 3 Robert M, Maclver, Social Causation (Nova Iorque. Harper

Torchbook, 1964), pp, 172-73.4 George C. Homens, Social Bebauior, Its Elemcntary Forms (Nova

Iorque: Harcourt, Brace &. World, Inc., 1961), p. 114.r. "Talcott Parsons, "Some Considerarions 011 the Theory of Social

Change , Rural Sociologv, 26 (1961), 219-39.) '.~ ,:veja Ba~rington Moere J1'., "Scciological Theory and Contemporary

I olitics", American [ournal of Sociolog», 61 (1955), 107-1.5.

2 Lawrcnce J. Hcnderson, Pareto's General Sociolog» (Carnbridge,Mass.: Harvard University Press, 1935); George Homans e C. P. Curtis, Ali

lntroduction to Pareto (Nova Iorque: Alfrcd A. Knopf, Inc., 1934). Paraum interessante ponto de vista alternativo da analogia do equilíbrio, vejaR. Furth, "Physics of Social Equilibrium", Adoancement of Science, 8(1952),429-34.

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Para apoiar o seu recurso a êsse conceito, o teórico d? equi-líbrio assinala tipicamente que existem, em qualquer sOClc~ade,conjuntos de normas, valôres, expectativas e definições ddl1 s~t~a.ção mais ou menos comuns, sustentados por sanções e var~asespécies. Entretanto, de também deixa, tlpi~am.ente, d~ meneio-nar que tôda sociedade com alguma complexidade tem 19uall?lCn-te conjuntos assaz estáveis de normas, valôres, etc., ~lternatJvos,diversos, aberrantes ou contrários, bem corno vasta area de am-bizüidades e comportamento "coletivo" não institucionalizndo,. detodos os graus. e matizes. Êste: ~ó podem .s~r_va1'r~dos.P?ra ~a1XOdo tapête teórico por um arbítrio de definição: sao residuais ounão fazem, de fato, parte do sistema. Mas a essa altura, o argu-mento já foi reduzido a um jôgo de palavras.

Em suma, torna-se cada vez mais claro que os sistemas me-cânicos e socioculturais são tipos muito diferentes de s}stemas,com princípios e dinâmica de organização bàsicamente dif~rentes;O apêlo reiterado aos primeiros para compreender o,s ú~tlmos 5.0

serve para retardar a busca de outras conceptualizaçõcs maisapropriadas e mais úteis.

Tais são os argumentos mais sensatos contra a teoria d(equilíbrio em Sociologia. No correr do livro se apresentarãoconsiderações mais sistemáticas.

de organismos que constituem especies ou sistemas ecológicos.Muitos seguidores de Spencer exploraram ao máximo a analogiaorganísmica, procurando os análogos sociais do coração, do cére-bro, do sistema circulatório, etc. O próprio Spencer, contudo,mais cauteloso, recorria a princípios de similaridade mais ge-néricos.

Seja-me aqui permitido asseverar distintamente que não existemanalogias entre o corpo político e o corpo vivo, a não ser as exigi-das pela mútua dependência das partes, que êles exibem em comum.Pôsto que, em capítulos anteriores, se tenham feito diversas com-parações entre estruturas e funções sociais e estruturas e funções docorpo humano, elas só se fizeram porque as estruturas e funçõesdo corpo humano fornecem ilustrações familiares de estruturas efunções em geral. O organismo social, abstrato e não concreto, assi-métrico e não simétrico, sensível em tôdas as suas unidildes c nãosensível apenas num centro único, não pode ser comparado comnenhum tipo particular de organismo individual, animal ou vegetal. 7

o MODELO ORGANICO

É, portanto, (1 princípio geral da "mútua dependência daspartes" que assemelha a sociedade a um organismo, mas cumprenotar também que o critério se aplica igualmente ao sistema me-cânico. Falamos nisso porque se tornou corriqueiro em Sociolo-gia proclamar êsse princípio como a característica distintiva cen-tral da análise funcional, quando, na verdade, como o demonstraa nossa discussão do rnodêlo mecânico, era fundamental para a"física social" do século XVII e assim permanece nos modelosdo equilíbrio mecânico. Spencer rejeitou a esfera inorgânícacomo base de comparação com o "agregado social" c procurounovas razões para assimilar as' relações entre as partes da socie-dade às relações entre as panes ele um corpo vivo,

De certo ponto de vista, porém, foi uma decisão particular-mente infeliz de Spcncer e ele outros a de comparar a sociedade~lOS organismos individuais em lugar de compará-Ia às espécies,pois muitas contradições em sua posição procedem da incapaci-dade de distinguir os níveis biológicos de organização. (Isto sedeve, provàvelmente, em parte, à relutância que ainda persisteem aceitar os agregados ecológicos como "entidades" ou siste-mas no mesmo sentido de organismos -- tópico que discutire-

A história do analogismo orgânico 110 pensamento ~{lCÍ:II éuma história muitas vézes repetida. O emprégo da metáfora or-gânica, literalmente, é história antiga, 111?S o ernprêgo cien~í~icosério começa com Herbert Spencer c seguidores seus como .Lillen-feld \XlOl'fiS e Schiiífle. Como aconteceu com o aparecimentodo modêlo mecânico numa era de progressos da ciência física, omodêlo orgânico da sociedade foi inspirado pelos progressos daBiologia, para os quais concorreu Spencer.

O prosseguimento da discussão requer, neste ponto, quedistingamos entre a analogia "organísmica" e o modêlo "orgâni-co" mais geral. Os sistemas biológicos e~i~te~11, naturalm?ntc,\:ITI mais de UI11 nível: a organização c a dinâmica do orgamsrnoindividual diferem da organização e da dinâmica de uma coleção

7 Hcrbert Spcncer, Principies 0/ Sociolog», j." edição (Nova Iorque:i\ppleton,Ccl1lury,Crofts, 1897), .2." Parte, p . .592,

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mos em capítulo subseqüente.) Com o benefício da vrsao re-trospectiva, podemos achar essa decisão - tomada na era dar-winiana - deveras surpreendente, pois, afinal de contas, a teoriade Darwin se ocupa das espécies e da filogenia, e não de indi-víduos e da fisiologia. Se bem não estejamos optando pela ana-logia orgânica, teria sido mais sensato dizer, por exemplo, queas sociedades semelham espécies no sentido de que tanto a con-servação quanto a mudança de estrutura são traços característi-cos em certas condições; que nem as sociedades nem as espécies"morrem", como os organismos; e, como assinalou Lester \X1arcl,que a luta evolutiva não é pela "sobrevivência" (de organismosindividuais ) per se, senão mais fundamentalmente uma "lutapela estrutura". 8 Colin S. Pittendrigh observou que os própriosbiólogos tropeçaram nesse problema:

sociedades. Além disso, entre os organismos individuais, o grau decooperação mede o grau de evolução, e essa verdade zeral tambémse aplica aos organismos sociais, 10 "

Os chavões da luta e da sobrevivência, até para os biólogos pro-fissionais, focalizaram a atenção em aspectos secundários do processohistórico, por meio do qual se acumula a informação genética. Fo-calizaram-na em indivíduos - quando a deveriam ter focalizado empopulações; focalizaram-na na evitação da morte (perpetuação doindivíduo) -- quando a deveriam ter focalizado na reprodução (per-petuação do genótipo). Il

Como sabemos, tal é a base da tipologia "militarista-indus-trial" da evolução societal, de Spencer.

Por outro lado, o darwinismo social é mais laraarnente co-nhecido pela sua ênfase oposta: a elevação "natural" ~ inevitáveldos indivíduos "mais aptos" na luta social competitiva. O mo-dêlo é agora a espécie, não o indivíduo. Assim, a controvérsiaatual que se registra na teoria sociológica em tôrno do modêlode conflito, em oposição ao do consenso, reflete-se nos aspectosdupl.os do rr;0:iêlo biológico, tão confusamente baralhado pelosteonstas SOCIalS.

l!ma das h~z~s mais ~laras. que penetrou a névoa e quasedemoliu o darwinismo SOCIalfoi a obra do biologista-sociólogoLester \'l('ard. Aludindo à analogia entre o "organismo indivi-dual" e o "organismo social", Spencer afirmara uma "comunida-de de princípios fundamentais de organização" entre êles, Ward--- e a moderna teoria dos sistemas - enxerga, através dessameia _verdade, as {fiferenças f~ndamen.tais nos princípios de 01"ga-ntzaçao entre os SIstemas socioculturais de um lado e os oraanis-mos e sistemas filogenéti.cos de outro. A ênfase de \X'atd ~,ostanos processos do conhecimento (de obtenção), suas concepçõesda "luta pela estrutura" e seus princípios da "diferença de po-t . l" Ic " .. , (" b lh .encrai e c e sinergia o tra a o em conjunto, sistemático cotgân~co, _das iôrças antitéticas da natureza" para produzir aorganizaçâo ) sao congruentcs com a moderna teoria dos SIS-temas. 11

O funcionalismo atual em Sociologia representa a versão moder-na do m~dêlo biológico. Mas, ao passo que os darwinistas sociais,c~)mo aCima. se deu a entender, se lançaram ao modêlo Iilogené-uco para por em destaque o tema da luta competitiva os Iun-cionalistas - que hoje, tipicamente, põem em destaque a "or-d~m", a cooperação e o consenso - utilizam o modêlo organís-Jl11CO como exemplo supremo da estreita coopernção das partes,que conservam uma estrutura relativamente fixa dentro de Iimi-

o nível particular de organização biológica escolhido cornobase pata mcdêlo da sociedade determina (ou pode ser determi-nado por isso) se vemos a sociedade como predominantementecooperativa ou bàsicamente conflitual. Se a sociedade íôr comoum organismo, as suas partes cooperarão e não competirão naluta pela sobrevivência, mas se a sociedade Iôr como um agre-gado ecológico, será mais aplicável o modêlo darwiniano (ouhobbesiano) de luta competitiva. Spencer optou pela primeiraalternativa:

'I'ôdas as espécies de criaturas são iguais na medida em que cadaqual exibe cooperação entre os seus componentes em benefício dotodo; e êsse traço, comum a elas, é um traço comum também às

8 Lestcr Ward, Pure Sociology (Nova Iorque: The Macmillan Com-pany, 1903), p. 184.

\l CoIin S. Pittendrigh, "Adaptation, Natural Selcction, anel Beha-vior", em Bcbaoior and Eoolution, org. por Anne Roe e George GaylordSimpson (New Havcn, Conn.: Ynlc University Prcss, 1958), p. 397. 10 Spencer, Principies of Sociology.

\X!ard, Purc Sociology, especialmente os Capítulos 10 e 11.II

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tcs rigorosos de desvio. Dessa maneira, em s~a análise ~uncionalda mudança social, depois de representar o sistema social C0l1:0

tendente a manter um equilíbrio relativamente estável, por meiode contínuos processos que "neutralizam" as fontes endógenas eexózenas de variabilidade capazes de modificar a estrutura se

/:! , , • dIôssem muito longe, Parsons dá uma ilustração organismu:a abomeostase: a regulação da temperatura em animais. 12 Emadição à indiscriminada equiparação dos ~rinc~pi~s do equilíbrioaos da homeostase, 18 cabe notar que a iníerência que se podesacar lõsricamente é que, se a temperatura do animal não se con-servassc dentro de certos limites, êste acabaria por modificarsua estrutura - o que realmente faz, num sentido mais oumenos pickwickiano, O ponto básico reside aqui no seguinte:enquanto os organismos maduros, pela própri~ natur~zl:. da sU,aorganização, não podem alterar sua estrutura alem de limites mui-to acanhados e ainda permanecer viáveis, é precisamente essacapacidade que distingue os sistemas socioculturais. T~ata-se~ deuma importante vantagem adaptativa, no esquema ~volut1vo, des:eúltimo nível de organização. Um modêlo de sociedade que naoponha em evidênci~ êsse prindp.ío está f~dado à es:erilidade c, àextinção final. A nova perspectiva dos Sistemas, aflttnamo~ nos,propicia ampla margem à apreciação e análise dos mecanismosque possibilitam essa morfogênese.

Observemos que Cannon forjou o têrmo "homeostase' paraos sistemas biológicos a fim de evitar as conotações estáticas deequilíbrio e pôr em relêvo as propriedades dinâmicas, processuais,mantenedoras de potencial, dos sistemas fisiológicos bàsicamenteinstáveis.

As condições constantes que se mantêm no corpo podem serdenominadas equilíbrios. Essa palavra, contudo, passou a ter umsignificado assaz preciso quando aplicada a estados físico-químicosrelativamente simples, sistemas fechados, em que fôrças conhecidasse equilibram. Os processos fisiológicos coordenados, que mantêma maior parte dos estados constantes no organismo, são tão comple-xos e tão peculiares aos sêres vivos... que sugeri uma designaçãoespecial para tais estados, bomeostase. A palavra não implica umacoisa fixa e imóvel, uma estagnação. Significa uma condiçãocondição que pode variar, mas que é relativamente constante. 1<1

Ao lidar, porém, com o sistema sociocultural, saltamos paraum nôvo nível de sistema e precisamos ainda de outro têrmopata expressar não só a característica mantenedora da estrutura,mas também a característica elaboradora ela estrutura e a caracte-rística variável do sistema inerentemente instável, isto é, umconceito de morfogênese. A noção de "estado constante" (steadystate i, agora Ireqüentemente usada, aproxima-se dessa concepção,ou a leva em conta, se se entender que o "estado", que tende apermanecer constante não deve ser identificado com fi estruturaparticular do sistema. Isto é, no intuito de manter um estadoconstante, o sistema pode precisar alterar sua estrutura particular.C. A. Mace reconhece a distinção e pleiteia uma. extensão doconceito de horneostase.

Quando pensamos na extrema instabilídnde. da nossa .estl:.uturacorpórea, na presteza com que a perturl~a a mais leve ap1tcf~ça;l c!efôrças externas... parece-nos quase milagrosa a sua pctslst~I1Claatravés de muitas décadas. O assombro aumenta quando refletimosque o sistema é aberto, empenha-se em livre intercâmbio com omundo externo, e que a própria estrutura não é permanente;. masestá sendo continuamente reedificada por processos de reparaçao ...

A primeira extensão abrangeria o caso em que se mantém ourestaura não tanto o estado interno do organismo quanto algumarelação do organismo com o seu meio. Isto compreenderia os fatosde adaptação e ajustamento, incluindo o ajustamento ao uncio social , .. a segunda extensão abrangeria o caso em que a meta e/ou fi

norma é algum estado ou relação nunca antcrionncntc experimenta-dos. Não há, é claro, razão alguma para se imaginar que todo pro·cesso do tipo horneostático consiste na manutenção ou na restaura-ção de uma norma. Não há razão alguma para se supor que o pro-cesso sempre começa num estado de equilíbrio, que é, então, pcr-turbado ... existem, de qualquer maneira, muitos casos a que é nc-cessário estender o conceito de homeosmse, para que êle possa apli-car-se não só à restauração de um equilíbrio mas também ao desco-

l~: Parsons, "Some Considerations".];i Essa não discriminação é comuníssirna: veja, por exemplo, Alcx

l nkcles, que vai até mais longe e vê no mcdêlo do cquilíhrio simples .versã?especial do enfoque orgânico estrutural c funcional, em Wbat Is Sociology?(Englcwood Cliffs, N. J.: Prcntice-Hall, Inc., 19(4), pp. 37-38.

11\XIalter B. Cannon, Tbe IVisdom of lhe Body (edição revista),Nova Iorquc: W. W. Norton & Company, Inc., 1939), pp, 20, 24.

1 (í C. A. Mace, "Homeostasis, Needs and Vnlues", Britisb [ournal ofPsycbology, 44 (1953), 204-5. .

32

Page 7: Teoria dos sistemas

E Karl Deutsch em sua crítica do modêlo orgânico, assinalaque o conceito de homeostase, sôbre ser demas~ado estreito, ~apenas um caso especial dos proces~os de aprendlza.gcm e cresci-mento, característicos de sistemas abertos, adaptativos:

. .. a homeostase não é um conceito .suficientemente amplo paradescrever fi reestruturação interna dos sistemas de aprendIzagem ouos descobrimentos combinatórios das soluções. Trata-se de um con-ceito demasiado estreito, porque é a mudança, mais do que a esta-bilidade, que precisamos explicar. 10

------~K~~·i-\Y/. Dcutsch, em Toicards ti Unified Tbcory 01 HIIliZCI!1

13ebilvior';,' org. por Roy Grinkcr (Nova Iorque, Basic Books, Inc., Pu-blishers, 1956), pp. 161·62.

rico da mudança ocorrida em virtude do choque de diferentesestruturas ou subculturas relativamente estáveis dentro do sis-tema? Se bem seja essencial, a escolha de algum ponto de vistapara o estudo da mudança é arriscada, e precisa envolver um ra-ciocínio metodológico bem especificado e válido, mormente sese escolher um aspecto da estrutura do sistema, de preferência aoutros, como o aspecto que os mecanismos [(bomeostâticos"estão, acima de tudo, tendendo a manter.

A noção de "pré-requisitos funcionais" é também muitíssi-mo apropriada como análogo organtsmico. Existe uma estruturanormal relativamente fixa, com limites bem definidos, de modoque as condições de persistência podem ser definidas dentro dêssegrau ele precisão. No nível filogenético, em que a mudança deestrutura é uma condição de viabilidade, as condições de persis-tência devem ser mais amplamente definidas em relação a possí-veis mudanças do meio, e parece permissível maior latitude dasestruturas que satisfaçam a tais condições. No nível sociocultu-!;11 também não existe uma estrutura específica que seja, ela;',6, viável e normal para cada sociedade. E não s6 pode mudarLI estrutura como resposta a pressões sôbre a viabilidade, mastambém os limites internos da compatibilidade estrutural pare-cem. maiores do que desejam admiti-lo os funcionalistas, embo-ra, sem dúvida, com limites externos. Pois assim corno a petso-nalidade humana é capaz de abrigar ponderáveis incornpatibili-,j;tdcs no que concerne a idéias, crenças, atitudes e ideologias,,,:m CJue isso influa na eficácia do seu íuncionamento, assimunbérn os sistemas socioculturais podem abarcar largas,d:\des e incompatibilidades, embora se mantenham surprecn-!' -nremente persistentes por longos períodos. Com a

ilecificação das condições essenciais à persistência de qualquer"blade (sobl'etudo se não especificarmos as condições am-

ntais que ela tem de enírentar) pouco nos dirá sôbre as es-! I .turas particulares que ela criará para satisfazer-lhes. Adrni-

i "do·~;cque as sociedades persistentes estejam satisfazendo aos'Iuí:;ltos no nível mínimo, ou acima dêle, o próprio conceito

i, hmção não ministra critérios pata se julgarem os níveis e;:;08 estruturais amplamente variáveis dentro da esfera viá-

, Destarte, para que uma sociedade se mantenha é mister que'U índice de reprodução não permaneça por muito tempo

o recurso do funciona lista à analogia organísmica leva-o,além disso, a dar ênfase exagerada aos aspectos ?ormatívo~ ma}sestáveis, superdeterminados e sustentados, do SIstema s~CI~l,.asexpensas de outros, igualmente importantes, sem os qmus ,e 1m-possível a análise dinâmica. Isto se deve,. aparentem;cnte, a bus-ca do equivalente social da estrutura rela.t1va~ente .flx,a .do orga-nismo em contraste com a qual o funcionalista b1010gIco podeavalia; a normalidade e fi anormalidade, a saúde e a moléstia: eprocurar mecanismos automáticos, horneostáticos, de man~t~n~ao.Dessarte, para o parsoniano, o sistema ~ocial é quase s.1l1ommoda parte dominante, institucionalizada, da estrutura social. ,Noartigo de Parsons que citamos, recorre-se a uma esttut~lra estávelcomo ponto de referência para a mudança mas, no ?evl:io tel~po,esta se transforma na estrutura do SIstema e se define corno pa-

• • , ) ., ~ I ~. •

drões institucionalizados de cultura normatrva". lI,. ínsntucio-nalização" estável, por seu turno, se define em têrrnos de normasestáveis. do compromisso motivaciona] dos atôres pa:a c?rr~ ~s"expecta tivas ins ti tucionais" ( aparenternen te as da ~nsti tuiçaooficial), das "defínições da situação" cornumente aceitas, e daintegração no sistema normativo govetnante mais ~:mplo. Talestrutura nos deixa sem saber como lidar com as muitas estrutu-ras ou subculturas importantes, diferentes, aberrantes ou. alter-nativas. que constituem parte da estrutura dada de um sistemasocial complexo, mas não satisfazem aos critérios de Parson~ r~-lativos à institucionalizaçào. Como lidaremos com o fato histó-

34 35

Page 8: Teoria dos sistemas

abaixo do índice de reposição; entretanto, o índice de reprodu-ção pode achar-se exatamente no nível de reposição, moderada-mente acima dêle, ou pode ser explosivo. As repercussões dessas_três possibilidades serão, é claro, muito diferentes para a socie-dade em aprêço. O mesmo se pode dizer em relação aos demaisrequisitos: o problema da adequação deve ser analisado em ou-tras bases, que constituem o centro do principal interêsse socio-lógico. Como afirmou S. F. Nadel em sua crítica não superadado funcionalismo:

o MODtLO DE PROCESSO

.. ' existe desajustamento como existe ajustamento; o conceito defunção limita-se a colocar o problema da adequação, mas não o re-solve antecipadamente. Só da sociedade encarada abstratamente .po.demos dizer que é integrada, e só da cultura em geral se pode dizerque con~uz à sobrevivência. As. sociedades "concret~s se ..en!,~aque.cem desmtegram-se ou revelam sintomas de patologia social , e asculturas concretas podem estar cheias de frustrações e ameaças 11sobrevivência. Na análise delas, portanto, a subserviência à funçãosignifica uma adequação tentada, vária e, não raro: pro?lemática., (\antropologia "Iuncionalista" tende a perder de vista esse corolárioe falar acêrca de fatos sociais "que têm" tais e tais "funções", comose estas Iôssem verdades auto·suficientes. Entretanto, se apenas ten-cionássemos mostrar que a exogamia facilita a cooperação, os mitosamparam os códigos de comportamento e a religião ajuda a alcançaro equilíbrio social, estaríamos dizendo implicitamente que êsses mo-dos de comportamento satisfazem às necessidades dadas (em dadascondições) da maneira mais adequada possível, e que qualquer so-ciedade que tem a exogamia e ° resto é, nesse sentido, uma sociedadeideal. Está visto que um pressuposto de adequação dessa naturezaé indcfcnsável. 17

Antes de encetarmos a análise comparativa das imagens am-plamente divergentes do sistema social, traçadas por dois teóri-cos contemporâneos, cada um dos quais usa o modêlo mecânico(e num caso também o modêlo orgânico), é preciso não deixarsubentendido que nenhum outro modêlo ou perspectiva têm tidosignificação em Sociologia. Releva mencionar, em particular, omodêlo "de processo", que foi um ponto de vista predominan-te/ no princípio do século XX, da sociologia norte-americana,liderada principalmente pela "escola de Chicago", que incluía,,obre tudo, Albion W. Small, G. H. Mead, R. E. Park e E. W.!3ul'gcss, os quais, por seu turno, foram estimulados por sociólo-!',OS alemães como G. Simrnel e L. von Wiese. É possível que";sa perspectiva não tenha sido sistemàticarnente desenvolvida;It:~ lograr um estado que justificasse o rótulo de modêlo; além,lbo, inspirou-se muito em aspectos da analogia orgânica; e até.ncontrou lugar, ocasionalmente, para o conceito de equilíbrio,l'mhora se opusesse a êle em princípio. Interessa-nos particular-.ucnte, porém, deixar aqui estabelecido que o ponto de vista doprocesso percorreu longo caminho até enxergar claro através das"ilhas dos modelos mecânico e organísmico pata a sociedade e'pIC, além de ter muita afinidade com os princípios básicos dai llx.mé rica , chegou a antecipá-los.

Em essência, o rnodêlo de processo encara tipicamente a,,,jedndc como uma interaçâo complexa, multiíacetada e fluida

i~/'HUS e intensidades amplamente variáveis de associação cj;·,"'lcfação. A "estrutura" é uma construção abstrata e não algo

. I,., into do processo interativo em marcha, mas a sua represen-;1, ,I') temporária, acornodativa, em qualquer tempo. Estas con-i, i'I,':lções conduzem à percepção fundamental de que os sistemas.;; "lCulturais são inerentemente elaboradores .e modificadores deI, I nu ras: para alguns, as palavras "processo" e "mudança" são

liH ildlllOS. Colocadas nos têrrnos da nossa discussão anterior,.t lf·jedades e grupos mudam continuamente suas estruturas

'''''' ,Id,lptações a condições internas ou externas. O foco do!"'" "::':0, portanto, são as ações e interações dos componentes

'11" sistema em evolução, de tal maneira que surgem, persis-I tt r I .Iisolvem-se ou se alteram graus variáveis de estruturação.

No próximo capítulo teremos ocasião de discutir o fundo ..nalismo como método de explanação em confronto com os mé-todos "causal", lógico-significativo e da moderna pesquisa desistemas. Concluímos aqui, como na seção anterior, que o mo-dêlo em tela é singularmente inadequado a algo mais que umaanálise superficial de sistema sociocultural. Adiante discutire-mos o assunto de maneira mais sistemática.

I. S. 1:. Nadel, Foundations 0/ Socia! Autbropolog» (Nova Iorque:Free Press of GleI1COC, Inc., 1951), pp. 375·76.

)6 37

Page 9: Teoria dos sistemas

Talvez os primeiros nomes em que pensamos no contexto deuma perspectiva dessa natureza sejam os de Marx e Engels, coma sua concepção da História como processo dialético, pelo qualnovas estruturas emergem de condições imanentes em estruturasanteriores. A oposição radical dessa concepção ao quadro dereferência do equilíbrio mecânico foi vigorosa mente exposta porBarrington Moere Jr.:

Para um marxista é quase tão difícil conceber uma situação quevolta a um estado de máxima harmonia quanto o é para um teóricodo equilíbrio conceber um ciclo autogerador de uma luta sempremais árdua, que culmina na destl'uição.18

(Nessa formulação, contudo, poderíamos substituir "marxis-ta" pela expressão "teóricos de processo".)

Robustamente influenciado pela concepção de processo deMarx foi o importante sociólogo precursor norte-americano, AI-bion W. Small, Na ênfase que deu ao processo social percebeuo papel dos "interêsses", seus conflitos e ajustamentos, comochaves de uma sociologia verdadeiramente dinâmica.

"1

:1

A experiência humana compõe um processo associativo ... aassociação torna-se um processo acelerado de diferenciação ou .pCl;-mutação de interêsses dentro do indivíduo, de contatos entre indí-víduos e I)S grupos em que êles se combinam. Incidentais em rela-ção a essa busca de propósitos e ao processo de ajustamento entreas pessoas dela resultante, os indivíduos entabulam entre si relaçõesestruturais mais ou menos persistentes, conhecidas em geral como"instituições", e tomam direções de esfôrço mais ou menos perrna-nentes, que podemos denominar funções sociais. Essas estruturas efunções sociais, no primeiro caso, resultam do processo associativoanterior; mas tão logo passam do estado fluido para uma situaçãorelativamente estável, tornam-se, por seu turno, causas de fasessubseqüentes do processo associativo ... 1V

No principio do século, Small afirmou, com singular pers-picácia, que

. l

18 Moore, "Sociological Tbeory", p. 112.10 Albion W. Small, General Sociology (Chicago: University of

Chicago Press, 1905), pp. 619-20 .

38

A linha central do caminho do progresso metodológico em Socio-logia é assinalada peja gradativa mudança do esfôrço de representa-ção analógica das estruturas sociais para a análise verdadeira dosprocessos sociais. 20

(Pode-se conjeturar com segurança que Small se teria sentidodecepcionado com o rumo tomado pelos acontecimentos teóricosno meado do século.) Êste foi um ponto de vista importantepara muitos pensadores sociais no início do século, posstvelmen-te como parte da tendência das Ciências Físicas e da Filosofiapara uma concepção de pl'OCCSSOda realidade, que evolvia daobra de autores como Whitehead, Einstein, Dewey e Bentley.Tais concepções, aparentemente, produziram escasso impacto nospensadores de décadas recentes, que desenvolveram os modelosmais dominantes da Sociologia corrente, orientados para a estru-tura. Parece contudo claro que, com ou sem a ajuda do enfo-que geral dos sistemas, essencialmente preocupado C0111 o pro-cesso, está gradualmente recuperando o terreno perdido um equi-líbrio mais uniforme entre processo e estrutura na análise dossistemas socioculturais,

Empregando de maneira igualmente seletiva o modêlo orgâ-nico, C. H. Cooley focalizou - em seu Social Process -- o "pro-cesso tentativo", que envolve a energia e o crescimento inerentescomo agentes dinâmicos, com o "desenvolvimento seletivo" pôs-to em movimento pela interação de "tendências ativas" e "e011-

j. -". . 1·· AJ:' êlcuçoes circunc antes. ·Llrmou eie que, para o processo social, ~l

expressão "cresce o que é operativo" é prcíetível às expressões"seleção natural" ou "sobrevivência do mais apto", visto que"tem menores probabilidades de permitir que fiquemos com con ..cepções mecânicas ou biológicas".

Com o seu reconhecimento da fundamental importância dacomunicação, R. E. Park manteve em primeiro plano a noçãode processo, quer analisasse as f01'1l1HS de inte.ração, quer estu-dnsse os fundamentos da ecologia social. Em lugar do conceitoele S111a11ou Cooley (l do processo social", Park desenvolveu de

20 lbid., p. ix. Acrescente-se aqui que a importante obra inicial de'l'alcott Parsons, Tbe Structure of Social Actioll, deve ser encarada comov.iliosa contribuição para esta mudança progressiva de csfôrço, Como outrosLi o observaram, porém, êle tendeu a retrocede!' em sutis últimas obras,pondo em relêvo a estrutura às cxpensas da ação.

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modo mais indutivo a sua classificação (ou contínuo) dos mui-tos processos sociais que operam na sociedade. A experiênciajornalística talvez o levasse a dar maior destaque aos eventos doque às estruturas. De qualquer maneira, tôdas as estruturas re-presentavam para êle os resultados finais temporários de processosde acomodações, ajustamentos e conflitos interpessoais. Comodisse Bogardus, segundo a concepção de Park "o mundo da vidaestá cheio de atritos, acomodações delas resultantes e equilíbriostemporários. O equilíbrio social é, em si mesmo, expressão deacomodações temporárias". 21

Existem outros teoristas do processo que precisam ser men-cionados. Os líderes da chamada escola "formal" exercerammuita influência. Se bem focalizassem as "formas" de intera-ção, Simrnel e outros punham mais em relêvo a interação comoprocesso do que as "formas", e embora a sistemática de LeopoldvonWiese e Howard Becker desenvolvesse circunstanciadamen-te uma classificação dos padrões de ação, deu igual atenção aospadrões de ação. Para W. 1. Thomas, todo vir-a-ser social eraproduto da contínua interação da consciência individual e da rea-lidade social objetiva, ponto de vista recentemente reforçado porZnaniecki. E ao menos um fio não partido nesse filão, que vemdesde o princípio do século, é a perspectiva de Dewey e Mcad,conhecida como interacionismo social. Um critico de uma re-cente coleção de ensaios interacionistas sociais teve "do princí-pio ao fim, diante de si, o caráter contínuo da socialização, dacomplexidade e fluidez da interação, quando encarada mais comoprocesso do que como simples sanção de formas sociais ... )) 22

A essa lista parcial só podemos ajuntar sucintamente algunsdos mais recentes argumentos em favor do ponto de vista doprocesso. Os antropólogos, por exemplo, tornaram-se profunda-mente interessados por essa questão nos últimos anos. G. P.Murdock parece ecoar o pensamento de Small quando diz:

Tudo bem pensado, a concepção estática da estrutura social, queprocura explicações exclusivamente dentro da estrutura existente de

um sistema social, na presunção, altamente dúbia, de estabilidadecultural e integração funcional quase perfeita, parece estar claramen-te cedendo o passo, pelo menos neste país, a uma orientação dinâ-mica, que focaliza a atenção nos processos por meio dos quais êssessistemas nascem e sucedem uns aos outros com o correr do tempo. 23

Simultâneamente, Raymond Firth, no segundo dos dois dis-cursos presidenciais proferidos diante da Real Sociedade Antro-pológica e consagrados ao mesmo tópico, declarou:

O ar de encantamento que, nos dois últimos decênios, cercou o pon-to de vista "estruturalista" começa a dissipar-se. Agora que isto éassim, o valor básico do conceito de estrutura social, mais como ins-trumento hcurístico do que como entidade social substancial, passoua ser reconhecido com maior clareza. 2·1

Logo depois veio à luz a obra penetrante do falecido S. F.Nadei, Tbe Tbeory o/ Social Structure, que Iôra precedida de umreconhecimento anterior e de uma séria consideração da impor-tância do nôvo ponto de vista cibernético, representado pela suaanálise da realimentação em "Social Control and Self Regula-tion". 2:; Essa perspectiva é eficazmente usada na obra subse-qüente como base para uma crítica do modêlo do equilíbrio, coma ênfase que dá à "complementaridade das expectativas" e o re-lativo desdém demonstrado por diversos outros tipos crucíais deinter-relações sociais associativas e dissociatiuas, consideradosigualmente importantes na sociologia anterior. O livro de Nade]explora, em conjunto, a tese de que a análise estrutural não é,nem deveria ser, tratada como análise estática: "A estrutura so-cial, disse Fortes de lima feita, precisa ser "visualizada" como"soma de processos no tempo". E, diria eu, a estrutura social é,implicitamente, uma estrutura de acontecimentos ... " 26 E, C011-

cluindo, reitera seu argumento;

. .. parece impossível falar em estrutura social no singular. A aná-lise em função de estrutura é incapaz de apresentar sociedades ín-

~l Emory S. Bcgardus, Tbe Deuclopmcnt of Social Tbougbt, 4.' edi-ção (Nova Iorque: Daviel McKay Co., Inc., 1960). p. 567.

22 Mclvin Seeman, crítica de Hmuan Bebauior and Social Process:An Interactlonist Approacb, org. por Amolei M. Rose, Amcrican Sociolo-,1~í(.'i11 Rcuieto, 27 (1%2), p. 557.

23 Gcorge P. Murdock, "Changing Emphasis in Social Structure",Soatbtoestern JOIIl'l1al oi Antbropology, 11 (1955), p. 366.

2-1 Raymond Firth, "Some Principles of Social Organization", [our-ual of lhe RO)lal Antbropological Institute, 85 (1955), p. 1.

2" S. F. Nadel, Tbe Tbeory oi Social Structure (Nova largue: FrcePress of Glencoe, 1nc., ]957).

:!G Ibid., p. 12il.

-10 41

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teiras; nem se pode dizer, o que dá no mesmo, acêrca de nenhumasociedade, que ela exibe uma estrutura abrangente, coerente, segun-do a nossa compreensão do têrmo. Existem sempre clivagens, disso-ciações, enclaves, de modo que qualquer descrição que pretenda apre-sentar uma estrutura única só apresentará, de fato, um quadrofragmentário ou unilateral. 27

A associação humana altamente estruturada é relativamenteinfreqüente e não o protótipo da vida humana em grupo. Emsíntese, os padrões institucionalizados constituem somente umaspecto conceptual da sociedade e apontam pata uma parte ape-nas do processo em marcha. (E, como sustentamos mais adiante,é mister que se vejam incluídos padrões aberrantes e de desajus-tamento; em benefício da clareza conceptual e da relevância em-pírica, a "institucionalização", provavelmente, não deveria sertomada como se implicasse tão-só a "legitimidade", o "consenso"e os valôres finalmente adaptativos.)

Como derradeira nota de rodapé do nosso esbôço de con-cepção do processo, releva notar que os teoristas da personalida-de também parecem repudiar a concepção estática de personali-dade. Dessarte, encarando a personalidade como um sistemaaberto, diz Gordon Allport:

Trata-se, evidentemente, de um sistema incompleto, que aprc-senta vários graus de ordem e desordem. Possui, ao mesmo tempo,estrutura e ausência de estrutura, função e disíunção. Como dizMurphy, "tôdas as pessoas normais têm muitos parafusos soltos".Não obstante, a personalidade está suficientemente unida para qua-lificar-se como sistema -- que se define simplesmente como umcomplexo de elementos em mútua interação. ao

Como exemplo final em Antropologia, devemos mencionaro argumento convincente de Evon Z. Vogt, segundo o qual osconceitos de estrutura e processo precisam ser integrados nummodêlo teórico geral. Como demonstrou Nadel, é êrro conce-ber a estrutura como estática e a mudança como patológica. De-vemos antes estabelecer a primazia da mudança, vendo na estru-tura a maneira por que a realidade móvel se traduz para o obser-vador, numa observação instantânea e artificial. As estruturassociais e culturais são apenas as interseções, no tempo e no es-paço, do processo da mudança e do desenvolvimento em curso. 28

Entre os sociólogos, um crítico perene da concepção estru-tural do grupo é Herbert Blumer. Blumer afirmou que a vidado grupo recebe do próprio processo interativo em curso suasprincipais características, que não podem ser adequadamente ana-lisadas em função de atitudes fixas, de "cultura" ou de estrutu-ra social, nem podem ser conceptualizadas em função de umaestrutura mecânica, do funcionamento de um organismo ou deum sistema em busca de equilíbrio, ". .. em vista do caráterforrnativo e exploratório da interação, pois os participantes sejulgam uns aos outros e orientam os próprios atos por êssejulgamento" .

O ser humano não é arrastado de um lado para outro, comounidade neutra e indiferente, pela operação de um sistema. Comoum organismo capaz de auto-intcração, forja as suas ações por umprocesso de definição que envolve escolha, avaliação e decisão."As normas culturais, as posições de status e as relações de papel sãoapenas quadros de referência, dentro dos quais se verifica aquêleprocesso de transação formativa, 2D

Em contraste com êsses pontos de vista, precisamos apenaslembrar as muitas críticas que destacam a incapacidade ou inépciado tipo parsoniano de estrutura diante dos fatos de processo, do"vir-a-ser" e da grande amplitude do "comportamento co-letivo", ;n

Sugerimos neste ponto que concepções como a de Blumer,uma continuação da perspectiva de muitos sociólogos e psicólo-gos sociais anteriores desdenhados, representam um ponto devista que está sendo agora adotado por muitos sob a rubrica de

27 Ibid., p. 153.28 Evon Z. Vogt, "On the Concept of Structute and Process in

Cultural Anthropology", Amcrlcan Antbropologist, 62 (1960), 18-33.20 Herbert Blumer, "Psychological Import of the HUlUHl1 Group",

em Grouti Relations at be Crossroads, ora. por Muzafer Sherif e M. O.Wílson (Nova Iorque: Harper & Row, Editôres, 1953), pp. 199-201.

30 Gordon W, AlIport, Pattern and Growth in Personalit» (Holt,Rinehart & Winston, Inc., 1961), p. 567. Veja também o seu trabalho"The Open System ia Personalíty Theory", em Personalitv end Social En-counter: Selected Essays (Boston: Beacon 1>l'eS5, 1960), Capo 3.

:n Veja, por exemplo, Alvin V. Gouldner, "Some Observations onSystematic Theory: 1945-55", em Sociology in the United States o] Ame-rica, org. por Hans L. Zetterberg (Paris: UNESCO, 1956), especialmenteas pp. 39-40.

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"teoria da decisão". Como antecedentes, bastará mencionar a"definição da situação" de W. L Thomas, O "coeficiente hurna-nístico" de Znanieki, o "versteben" [compreensão] de Weber, a"interpretação" de Becker e a "avaliação dinâmica" de MacI ver. 32

De mais a mais, o esquema parsoniano, em sua ênfase principal,representa uma ruptura com êsse foco. Como afirma PhilipSelznick:

Uma verdadeira teoria da ação social aludiria ao comporta-mento orientado para metas ou solucionador de problemas, isolandoalguns dos seus atributos distintivos, formulando os prováveis resul-tados de determinada transformação .. , Nos escritos de Parsonsnão encontra guarida a idéia de que a estrutura está sendo conrl-nuamente aberta e reconstruída pelo comportamento solucionadorde problemas de indivíduos que respondem a situações concretas,Êsse é .um ponto de vista que associamos a John Dewey e G. H.Mead, para os quais, realmente, tem significativa importância inte-lectual. Para êles e para os seus herdeiros intelectuais, a estruturasocial é algo que deve ser levada em conta na ação; a cognição nãoé meramente uma categoria vazia, senão um processo natural, queenvolve avaliações dinâmicas do eu e do outro. 33

como os modelos mecânico e orgânico têm sido usados na So-ciologia recente. Isto envolverá um rápido bosquejo do qua-dro de referência mecânico- orgânico parsoniano, que incorporaas mais importantes dentre as muitas criticas recentes dirigi-das a êle. Em seguida se fará uma comparação com o modêlodo equilíbrio, de Homans. O nosso principal objetivo nessesesboços críticos é mostrar as implicações teóricas diametral-mente opostas que se podem sacar, conforme o uso feito deconceitos ou modelos aparentemente similares, que são ina-dequados à sua tarefa. Sustentaremos, contudo, que as con-clusões de Homans são tão diferentes porque a sua conceptua-lização está mais próxima do espírito da moderna teoria dossistemas do que do espírito do modêlo tradicional de equi-líbrio, de que ela presurnlvelmente derivou.

o Modêlo Pcrsonícno de Equilíbricl-Função

OS MODEI.OS DE P ARSONS E HOMANS

A enfadonha tarefa de acrescentar ainda mais uma as 111W··

tas críticas ao esquema parsoniano deve defrontar-se com asua frouxa estrutura conceptual, Se bem algumas críticas sejamapenas grosseiras caricaturas, o fato de não ser o esquema umsistema de postulação densamente urdido, de conceitos bemdefinidos e consistentemente usados induz a êsse tratamento.Êste escôrço isó pode pretender retratar ênfases características,muito mais do que princípios concisos e consistentes: o ana-lista crítico do parsonisrno não tarda a verificar que se encon-tram nessa obra formulações que aparentemente refutam qua-se todos os argumentos críticos endereçados a êle,

Parsons sempre se mostrou profundamente preocupado como conceito de "ordem", e êle e Shils definem a noção de "sis-tema" em seus próprios têrrnos:

Pode-se sustentar, portanto, que está ocorrendo uma re-focalização através da "teoria da decisão", concebida em sen-tido lato, quer elaborada em função da teoria da "tensão de pa-péis"; quer elaborada em função das teorias de dissonância,congruência, ou equilíbrio cognítivo ou da formação de con-ceitos; das teorias da troca, da barganha ou do conflito, ou dateoria matemática dos jogos. O problema básico é o mesmo:de que maneira personalidades e grupos interativos definem,avaliam, interpretam, uersteben [compreendem] a situação eagem sôbre ela?

Nesta seção procuraremos harmonizar alguns elementos dasseções anteriores e mostrar, um pouco mais sisternàticarnente,

:12 O leitor encontrará excelente introdução inicial aos aspectos so-ciológicos do que hoje se chama "teoria da decisão" em Social Causation,de Robert M. Maclver, Capítulos 11 e 12.

33 Philip Selznick, "Review Article: The SOcial Theories of TalcottPar sons", Anrerican Sociological Reuieto, 26 (1961). 9.34.

A propriedade mais geral e fundamental de um sistema é a in-terdcpendência de partes ou variáveis. A in terdependência consistena existência de determinadas relações entre as partes ou variáveisem contraposição ao caráter aleatório da variabilidade. Em outraspalavras, a interdependência é a ordem na relação entre os compo-nentes que entram num sistema. 34

H Talcott Parsons e Edward A. Shils, orgs., Touiard a General Tbeo-ry of Action (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1951), p. 1.07.

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Page 13: Teoria dos sistemas

Convém notar que, sob essa definição, a "ordem" na so-ciedade pode abranger não só os padrões ou processos insti-tucionais legitimados, mas também a aberração, as alternati-vas subculturais, o conflito persistente, o comportamento cole-tivo sistemàticarnente estruturado, etc. - enquanto puderemser encarados como funções das "relações determinadas entreas partes" do sistema e não meros incidentes fortuitos. Aten-te-se aqui também, todavia, para um significado completa-mente diferente dado ao conceito de "ordem", mais adiante,na mesma obra:

A ordem -- coexistência pacífica em condições de escassez -é um dos primeiríssimos imperativos funcionais dos sistemassociais. 35

mecânica da inércia. Pergunta-se, a seguir, que classes de ten-dê~cias não mantenedoras dessa interação existem. Em pri-merro lugar, os novos membros que ingressam no sistema de-'vem adquirir, através da aprendizagem, suas orientações con-forrnativas de papel, visto que elas não são inatas. Em se-gundo lugar, como a aprendizagem nem sempre é adequada emface da situação social existente, surgem "tendências para .aaberração) para afastar-se ela conformidade com os padrões nor-mativos, que passam a ser estabelecidos como a' cultura co-mum". 37 Essas duas fontes principais de aberração apresen-tam, assim, ao sistema social "problemas" de contrôle, vistoque, toleradas, tenderão a mudar ou desintegrar o sistema.Dessa maneira, o sistema "enfrenta" êsses problemas atravésdos seus "mecanismos de contrôle": mecanismos de socializa-ção e mecanismos de contrôle social trabalham de mãos dadascom mecanismos de defesa e ajustamento no sistema da perso-nalidade pata motivar os atôres à conformidade com o siste-ma de expectativas, opor-se à aberração e a outras tensões,que atuam sôbre o sistema, para trazê-Ia de volta ao estadodado e manter o equilíbrio inicial. A guisa de exemplo, afir-ma-se que as possibilidades de desequílíbrio nascem do fatode nem sempre serem as idéias não empíricas comuns a todosos ~nembros de uma coletividade, como é preciso que o sejama fim de manter a estabilidade. Tais possibilidades são re-duzidas por mecanismos de contrôle --- mecanismos de "imposi-ção" da uniformidade e estabilidade: em crenças "tradiciona-ll's ". ". . -. . id 1 " . d··.m~ ~ a, lmposlçao. por autoric ac e constituern 018 tipospnncipais desses mecanismos.

Finalmente, se os mecanismos de contrôle do sis: ida nãofuncionarem adequadamente, o sistema modificará o seu estadoou se desintegrará. Em outras palavras, o sistema funcionaou não funciona e, em qualquer caso, analisamos a situacâofocalizando os mecanismos de contrôle. s

Tem merecido freqüentes reparos dos críticos o status am-bíguo da "aberração" no sistema social de Parsons. Se bemreconheça em muitos trechos que a aberração, as tensões e osesforços estruturados são partes integrantes) determinadas, de

Chamamos a atenção para essa diferença ele significadoporque ela se encontra na raiz de grande parte da dificuldadee da ambigüidade do esquema parsoniano, que aponta, de umlado, para relações causais neutras e, de outro, para relaçõesnormativas ou avaliatórias.

Como vimos, Parsons e Shils em seguida postulam que"essa ordem precisa ter uma tendência para a autornanuten-ção, que quase sempre se expressa no conceito de equilíbrio". S6Aí está claramente implica da a segunda significação de ordem.Uma propriedade central adicional é a tendência do sistemasocial para manter o equilíbrio dentro de certos limites relati-vos a um meio (tudo que não é parte do sistema), proprie-da de considerada muito semelhante ao conceito biológico dahorneostase. O conceito dos imperativos funcionais também seharmoniza com o modêlo biológico: condições constituintes eprecondíções empiricamente necessárias de sistemas em curso, es-tabelecidas pelos fatos da escassez na situação-objeto, a natu-reza do organismo e as realidades ela coexistência.

Pata Parsons é fundamental a suposição de que a manu-tenção de um estado estabelecido de um sistema social é não--problemática, e que a tendência pata manter o processo de inte-ração é a "primeira lei do processo social", semelhante à lei

85 uu., p. 180.36 Ibid.

37 Talcott Parsons, Tbe Social Svstem (Nova Iorque: Free Press ofGlencoe, Inc., 19.51), p. 206.

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um sistema social, êle identifica, em algum ponto da sua ex-posição, o "sistema" com a estrutura dominante, legitimada, ins-titucionalizada ou, pelo menos, com as estruturas característi-cas que não incluem tensões padronizadas nem aberração e de-sordem estruturadas. E o conceito de "aberração instituciona-Iizada", ora amplamente reconhecido por muitos sociólogos,poderia ser uma contradição em têrrnos para Parsons.

Em compensação, é possível argumentar que, ao lidar comum sistema social, ou com qualquer sistema, em nível científico,a aberração é um conceito normatiuo, ou antropocêntrico, rela-tivo a algum ponto de referência arbitràriamente escolhido.No sistema solar, por exemplo, os astrônomos descobriram ligei-ras "aberrações" das órbitas planetárias, em relação à elipseperfeita, principalmente resultantes das interações dos própriosplanêtas. Mas essas "aberrações" são apenas subjetivamenteinterpretadas como tais, isto é, relativas ao observador huma-no. qUE' escolhe nrbitràriamente um esquema de referência (aelipse perfeita) e com êle compara a realidade. Na teoria físi-ca.. porém, as "aberrações" fazem parte do sistema total tantoquanto a própria trajetória elíptica, c o sistema de Iôrças emação não permite distinção alguma. No caso do sistema social,trata-se de saber se a conformidade e a ordem, de um lado,e :1 aberração e a desordem, de outro, devem ser consideradas,em igualdade de condições, como características ou produtos dosistema. Se a resposta for "sim", precisaremos equilibrar os"mecanismos de contrôle" ou conformidade com uma buscaigualmente ardente e uma análise dos "mecanismos" da aberra-ção e da desordem. Em ambos os casos, os "mecanismos"focalizam arbitràriamcnte aspectos do sistema sem diferença destatus, e ambos se afigurariam importantes pontos de tratamen-to das realidades da sociedade.

Se fôr correto dizer-se que um estado especificado (ou es-tabelecido ) de um sistema social, em qualquer momento, abran-ge tôdas ,1S relações determinadas das partes incluindo, ao mes-mo tempo, o que denominamos padrões ele "conformidade" epadrões de "aberração", o seguinte enunciado de Parsons seráclaramente unilateral:

cada qual se conforma com as expectativas do outro (ou dos outros)de tal maneira que as reações do outro (ou dos outros) às ações doego são sanções positivas, que servem para reforçar as suas dispo-sições de necessidades especificadas e, assim, realizar as suas ex-pectativas dadas. 38

Porventura O estado estabelecido não inclui também a in-teração estruturada não complementar, em que cada qual Irus-tra as expectativas alheias, e assim por diante? Ou ainda:

Um sistema social é sempre caracterizado por um sistema devalôres institucionalizado. O primeiro imperativo funcional do sis-tema social é manter a integridade do sistema de valôres e sua ins-titucionalização. Esse processo de manutenção significa estabiliza-ção contra pressões no sentido de mudar o sistema de valôres. _. Atendência para estabilizar o sistema em face das pressões que visama mudar os valôres institucionalizados, através de canais culturais,pode ser denominada a função de "manutenção do padrão" . .. Nas-cidas de tensões em qualquer parte da situação social ou de fontesorgânicas ou quaisquer outras fontes interpessoais, as tensões meti-vacionais podem ameaçar a motivação individual à conformidadecom as expectativas institucionalizadas de função. À estabilizaçãocontra essa fonte potencial de mudança pode chamar-se "manejo detensão". 30

Podemos aceitar tudo isso, mas onde estão os contrapontos?Podem-se fazer suposições e proposições igualmente defensáveis,tais como:

Um estado estabelecido de qualquer sociedade complexa incluin interação cstruturada não complementar (por exemplo, conflitoorganizado, competição organizada, e assim por diante) cru que cadaator frustra as expectativas ou a busca de metas de outros.

Um sistema social é sempre c.uucterizado por múltiplos e <':011-

traditórios sistemas de valôres e seus muitos matizes de interpreta-ção de ação e interação concretas.

Um dos primeiros imperativos dc um sistema 50<.:1<11 relativa-mente ordenado, capaz de satisfazer às necessidades e livre de ten-sões, é a criação de aberrações c variedades não patológicas comofonte básica do continuado exame crítico .~ da mudança consideradadas estruturas institucionalizadas e das interpretações de valôres.

Um estado estabelecido do sistema social é um processo de in-tl'r:lçãu complementar de .luis ou mais ,ít(lres individuais, em que

as Ibid., pp. 204-5.3U Talcott Parsons e Ncil J. Smelscr, Economv and Society (Nova

Iorquc: Frcc Prcss of Glcncoc, Jnc.,1l)56 L 1'p. 16-17.

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-i

A tendência para mudar o sistema em face de pressões tendeu-tes a conservar a interpretação tradicional e institucionalízada de va-lôres, através de canais culturais, pode denominar-se função de "re-novação de padrões".

As tensões rnorivacionais, nascidas das pressões para a confor-midade em qualquer parte da situação social, ou de outras fontes,podem ameaçar a motivação individual para pôr em dúvida a inte-gridade do sistema de valôres e para inovar no tocante às expecta.tivas de funções institucionalizadas, ajudando assim a preservar umaestrutura sodocultural disfuncionai. À inovação contra essa fontepotencial de preservação de uma estrutura inadequada pode cha..mar-se "liberação da tensão criativa".

tes, harmoniosos, mútuos, comuns, recíprocos, complementares,estabilizados e integrados. Numa palavra, o "sistema" aquiexclui, ou inclui apenas residualmente, tensões estruturadas epadrões aberrantes, os quais, no entanto, como o sabemos mui-to bem, podem ser constantes, mútuos e recíprocos, no interiorde si mesmos e, em larga escala, em relação à estrutura domi-nante (recorde-se, por exemplo, o estudo das atividades crimino-sas em Street Comer Society, de William F. Whyte). .

É mister assinalar que, essencialmente, essas críticas fo-ram dirigidas ao esquema de Parsons há quase duas décadas porimportantes teóricos, mas sem impacto aparente. Assim, Theo-dore Newcornb, em sua "Discussão" do primitivo enunciado deParsons acêrca da sua posição teórica, afirmou:

E assim por diante. Um exercício como êste revela, nomenos, a facilidade com que podemos permitir que uma termi-nologia vaga e suas muitas conotações implícitas instilern ambi-güidade, quando não prevenções, em nossas proposições teóri-cas pretendidas.

Finalmente, nosso argumento pareceria fazer a seguinte es-tratégia de valor discutível:

A principal reordenaçâo que propus se refere a duas de suas"Divisões" da teoria sociológica: "a teoria da motivação do compor-tamento institucional" e "a teoria da motivação do 'comportamentoaberrante c o problema do contrôle social". A distinção entre essasduas espécies de motivação me parece pertencer à espécie que KurtLewin antes denominaria feno típica do que genotípica. Em têr-mos de psicologia social. .. não se me afigura haver diferença imoportante entre papéis motivados conforrnativos e os que o não são.

De um ponto de vista psicológico, o processo de aprendizagempara responder de certas maneiras a outras pessoas é o mesmo, querseja o resultado final um papel conformativo, quer seja um papelaberrante, Em qualquer caso, o processo é de comportamento diri-gido para determinada meta, que envolve percepção, desempenho,pensamento e afeto. A. meta para a qual se dirige o comportamentoenqu:::nto, estão s,c~d() adqui~'idos p~P5is institucionalmente prescri-tos nao e, necessariamente, . a aqnistçao do papel ptescrito'Ls t

. .. quanto ao sistema social e à personalidade, não nos ocupare-mos do problema da manutenção de estados especificados do siste-ma social, a não ser que existam tendências conhecidas para altera-rem êsscs estados. (Grifo de Parsons ) 40

Se um estado especificado de um sistema social contémsempre tendências para alterar êsse estado, como diz Parsonsamiúde, a manutenção passa a ser eternamente problemática.Só poderemos falar em "lei da inércia" quando não existir fcn-te de mudança no interior do próprio sistema. Eis aí. uma dife-rença fundamental entre um sistema fechado e um sistema aber-to, que será discutida mais circunstanciadamente em outro local.

Considerando atentamente o plano de Parsons, percebemosque a sua orientação conservadora foi seguida à risca na elabo-ração do modêlo. Os limites do sistema são definidos em fun-ção dos "padrões de constância", ligados a um conjunto harmo-nioso de normas e valôres comuns, expectativas que se apóiammutuamente, etc. O equilíbrio, por seu turno, é definido emfunção do sistema mantenedor de limites, de padrões constan-

Grande parte da discussão referente ao lugar da aberra-ção no sistema social poderia repetir-se em relação ao statusdo "comportamento coletivo" a respeito de estruturas institu-ci~11illizadas. Pode-se argumentar que qualquer análise dinâ-mica eleve focalizar igualmente as fontes sistemáticas (ou "me-canismos") do comportamento coletivo. Um enfoque dessanatureza reconheceria, pelo menos, que os padrões do sistemacaem num contínuo, que vai do "institucionalizado" ao quasenão estruturado, e que muitas formas de padrões presumivel-

H Theodore Newcomb, "Discussion", American Sociological Reoieio r

1.3 (1948), 168-69.40 Parsons, Tbe Social Sy.l'tel1l, p. 204.

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mente "legitimados" jazem fechadas para a area do comporta-mento coletivo - por exemplo, muitas estruturas de poder emudanças de regimes em muitas nações ilustram êsse contínuo.

Com base em nossa breve discussão podemos agora tentarsumariar mais explicitamente os principais problemas com quese defronta o modêlo parsoniano, que usaremos como pontosde comparação com o modêlo de Homans.

1. O sistema social de relações determinadas inclui ape-nas, ou primordialmente, as relações determinadas que compõema estrutura dominante "institucionalizada" de conformidade àsexpectativas de papel. Essa estrutura dominante é assim toma-da como o ponto fixo de referência, em contraste com o qualoutras estruturas ou conseqüências latentes são vistas como po-tencialmente diruptivas. Estas últimas suscítam "problemas"de contrôle (imperativos funcionais ) ao sistema (isto é, à estru-tura institucional dominante), que precisam ser enfrentados paraque o sistema se mantenha ou conserve. Dessa maneira, o "sis-tema social" se acanha para abranger apenas certas relações de-terminadas - as de suposta "coexistência pacífica", ou a defi-nição alternativa de "ordem", de Parsons,

2. Isto significa que a aberração e as tensões de váriasespécies são residuais no rnodêlo, visto que não se lhes dá sta-tus cabal como partes integrantes do sistema. Essa aberraçãoou essas tensões, quer se manifestem em sintomas neuróticosdifusos, quer se patenteiem em comportamento delinqüente ecriminoso, em movimentos sociais parcial ou plenamente organi-zados ou em inovação ideacional, precisam ser consideradas en-globadamente e tratadas como disfuncionais para o sistema.

3. Surge a questão de se saber se a postulada "lei daestática social" ou "inércia social" é aplicável a um sistema di-nâmico dentro do qual existem, corno elementos integrantes,fôrças ou pressões tendentes à mudança. Dir-se-á que isto sótem sentido quando tais pressões são consideradas externas emrelação ao sistema, como o faz amiúde Parsons no que concer-ne ao seu "sistema". Podemos concordar aqui com a sua pró-pria observação, segundo a qual a lei da "inércia" "é, sem dú-vida, contrária a grande parte cio bom senso das ciênciassociais ... " 42

4. O modêlo parsoniano está inçado de antropomorfisrnoe teleologia. O sistema "procura" o equilíbrio, tem "proble-mas" e "imperativos" de contrôle, tem "necessidades' sistêrni-=" Pars::ms nunca se esquece de aspar êsses têrmos ~ expli-clta~ente laz referência convencional aos perigos envolvidos.Infelizmente, porém, como o revela a, história da ciência, isso nãobasta para ,cobrir todo o preço que teremos finalmente de pagarpelo emprego dessas noções por seu presumível valor heurís-tico. Rigorosamente falando, até para sistemas caracterizados emfunção da "busca de metas", a análise cibernética corrobora oponto de vista de que os têrrnos te1eológicos, como "imperati-vo funcional", são totalmente redundantes em face de uma de-finição adequada do sistema de que estarr:ostratando.

5. Os postulados "mecanismos de contrôle" são inteira-mente unilaterais. Podemos admitir que o emprêgo do conceitode "mecanismo" é válido e valioso: refere-se a uma parte arbi-tràriamente isolada de um sistema total, que é, êle mesmo,tratado como um sistema a fim de se aquilatar a sua relevân-cia (em têrmos de possíveis resultados alternativos do mecanis-mo) para o sistema total. O que Parsons realmente faz en-tretanto, é isolar os mecanismos de contrôle e julgar-lhes ~ re-levância, não para o sistema total, senão para a parte repre-sentada pela estrutura dominante ou legitimada, que êle tomoucomo ponto fixo de referência. Segue-se, então, que tôdas asoutras estruturas ou tendências para a mudança estrutural sãoabe~rantes ou djsflln~i~nais e de~em se.r neutralizadas pelos me-carusmos, Para corngir essa unilateralidade e ser coerente comas realidades de um sistema social, seria necessário tomar astensões estt.uturadas e a aberração estruturada como parte inte-grante do sistema e como ponto fixo de referência e perguntarquais são os mecanismos tendentes a manter essas estruturasque podem ser isolados. A resposta levaria diretamente ao~ptob~e:nas cruciais de poder, ideologia e propaganda, interêssesadquiridos, ete. Observamos, de fato, que, em sua discussãoda mudança s~iaI, Parsons dá a êsseúltimo conceito um papelcentral, mas nao encontra lugar para êle em seu modêlo teórico'(fato que talvez se relacione com o seu tom pessimista na dis-cussão das possibilidades atuais de uma teoria ela mudança).Em suma, notamos que o modêlo conduz apenas a uma con-sideração de mecanismos como os de defesa, ajustamento e.J ~ Tbe Social Syslrl/l, p. 20.5 .

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·,

contrôle da aberração, todos visando à adaptação do ator a umaestrutura dominante dada, sem levar em conta os mecanismoshistoricamente óbvios, que adaptam ou mudam a estrutura dosistema para acomodar o ator e manter o sistema total.

6. Segue-se que, como no caso do conceito relacionado deaberração, o modêlo parsoniano encontra grandes dificuldadespara lidar com a mudança social, visto que esta última tendetambém a ser vista como residual -- algo que acontece ao siste-ma quando se rompem as relações e mecanismos com que seavém o rnodêlo. Isto, não raro, parece implicar que as fontesde mudança são sempre externas em relação ao sistema, sebem se declare explicitamente que o rncdêlo permite a mudançaendógena.

Poder-se-a sugerir que o capítulo de Parsons sôbre a mu-dança em The Social System é muito mais penetrante e de al-cance muito maior do que jamais o permitiria a estrita adesãoao seu modêlo. Em particular, dá-se um lugar destacado aopapel dos sistemas de idéias ou crenças no primeiro, poréminsignificante no modêlo, visto que, para Parsons, as idéias não"concordes" com a estrutura social dominante são aberranrese inibidas pelos mecanismos de contrôle.

7. Finalmente, causa de grande dificuldade para o 1110-dêlo parsoniano é o fato de ter sido construido segundo umamistura do modêlo biológico de estrutura e função e do mo-dêlo mecânico de equilíbrio. É significativo que os modelosbiológico e mecânico se separem em favor do sistema social pre-cisamente nos pontos em que o mcdêlo de Parsons é mais fra-co e mais sujeito a críticas. (a) No sistema organísrnico te-mos uma estrutura relativamente fixa, normal para a espécie emdeterminado momento. (b ) Essa estrutura biológica normalnos ministra critérios perfeitamente definidos em confronto comos quais podemos avaliar estruturas e processos aberrantes oudisíuncionais. ( c) À medida que surgem as tendências para aaberração da estrutura normal (devidas principalmente a causasexternas, como moléstias, extremos climáticos, etc.}, entramem ação mecanismos horneostáticos au tomáticos para neutrali-zá-Ias e conservar a estrutura normal. (d) Quando êstes falham,o organismo se desintegra (morre) e funde-se no meio.

. Um sistema social, entretanto, não possui uma estruturafixa, normal, dessa natureza, que, modificada dentro de limi-tes estreitos, acarreta necessàriamente a "morte" do sistema.Em contraste com o sistema organísmico, os sistemas sociais ca-racterizam-se primordialmente pela propensão para mudar suaestrutu!·a ?urante a sua "existência" culturalmente contínua.E~ tais clrcuns~ân,cias, Parsons estende o modêlo organísrnicoalem dos. seus limites quando se restringe ao uso de uma es-tru~~ra fixa. existente como ponto de referência para avaliaros . irnperanvos func.ionais" de. um sistema social. Êsses impe-rativos podem .refem-se perfeItamente às próprias possibilida-des d~ existência de um sistema genérico (por exemplo, qual-quer, Sistema, sem. e.=nbargo da .sua estrutura interna particular,precls~ fazer provrsoes de comida, abrigo, reprodução, e assimpor ~Iante) , mas!. como o esclarece qualquer texto de Antro-pol~~la . ou ,?e ~lstória, nenhu:na estrutura interna particular~u 1l0tl~1al sera ~apaz de satisfazer, sozinha, a êsses impera-tl,VOS. En:b~ra existam, sem dúvida, limites dentro dos quaisa,s catac~erl,stlcas. de uma estrutura de sistema social podem va-riar e, ainda assnn, permanecer suficientemente compatíveis coma manutenção d~ sistema, é lícito afirmar que tais limites, parau.m sistema. S?C1a! em confronto com um organismo ou umsI;tema ~1e,canlco, podem ser relativamente amplos. E dentrodesses .1ll11ltes se coloca a maioria das questões sociolàgica-mente 1l1teressantes.

o Modêlo do Equilíbrio de HOUlCl11S

É de g~a~de interêsse notar que o modêlo de Homans.v'conquant~ sImIlarn:el1te bas~ado no conceito de equilíbrio, deri-v,a~o de. Pareto, fOI construído em têrrnos de princípios e supo-s:çoes dJametralmente opostos aos enumerados na síntese ante-nor. Podemos, assim, analisã-los em função dos mesmos setepontos. .

43 Georgc C. Homans, Tbe HUIIlc1t1 Group (Nova Iorque: HnrcourrBrace & World, Inc., 1950). .,

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1. Para Homans, o sistema é coerentemente definido emtêrmos das inter-relações determinadas, recíprocas, de tôdas assuas partes, sem levar em conta a estrutura particular em queessas inter-relações se manifestam. (As partes ou elementosbásicos são atividades, interação, sentimentos e normas.) Assim,as inter-relaçôes dos elementos se manifestam ora como uma es-trutura de família, ora como uma estrutura de trabalho oude comunidade. Não existe nenhuma tentativa para tomar qual-quer uma dessas estruturas como pontos fixos, privilegiados,de referência.

2. Isto significa que a aberração é uma parte integrant.edo sistema, explicável em têrmos das relações m~tuas determ:,nadas dos elementos. Por exemplo, o sistema social desenvolvi-do na unidade de trabalho na Western Eletric, em Hawthorne(Capítulo .3) era analisável em dois grupos especiais, cada qualcom um comportamento aberrante em relação ao outro. Sebem uma norma de trabalho constituísse parte do sistema total(ou grupo ) as relações mútuas entre os elementos eram taisque, ~e um' homem se afastasse do seu grau existente de obe-diência ~l norma (em certos casos totalmente aberrante ); outrasmudanças no sistema de relações o trariam de volta a ésse grau,Destarte, pressões e tensões podem ser uma parte integrantedo sistema (manifestando-se por meio da organização particularde sentimentos, padrões de interaçâo, atividades e normas), econstituem - ao lado da estrutura normativa consensualum equilíbrio automantenedor.

3. Para Homans, a manutenção de um padrão ou estru-tura dados é problemática, chega a ser um "milagre". Po.rque é costumeiro um costume? Por que se repetem as repeti-ções? Tais são as questões protéicas que se apresentam aHomans, Os padrões estabelecidos de conformidade ou aberra-ção não se sustentam automàticamente, e a regularidade persis-te porque o sfastamento encontra resistência. Nem é a resis-tência simples inércia. Consiste, antes, na maneira pela qualestão inter-relacionados os elementos do sistema: uma mudançanum elemento resulta numa mudança em outros, que a neutra-lizam e o trazem de volta ao estado original. Diz-se que umsistema em que isso ocorre está em equilíbrio. Um sistemasocial é uma configuração de [ôrças dinâmicas; às vêzes, a COIl-

figuração está equilibrada e mantém-se um estado constante.As vêzes está desequilibrada e ocorrem mudanças continuas. 44

4. Nem todos os estados ele um sistema estão em equilí-brio, nem o sistema "procura" o equilíbrio. Além disso, umsistema não tem "problemas", e as estruturas não surgem porserem "necessárias" a êle - por serem "imperativos funcio-nais" - senão porque há [ôrças que as produzem, fôrças quese manifestam na natureza dos elementos do sistema e de suasrelações mútuas. Pela mesmíssima razão as estruturas podemdesaparecer.

5. O sistema é o contrôle social, não "impõe" um con-trôle. O contrôle social está implícito nas relações dos seuselementos; é o processo pelo qual, em se afastando o homem doseu' grau existente de obediência a uma norma, outras mudançasacabam por trazê-lo de volta a êsse grau (se o sistema estiverem equilíbrio e o contrôle, assim, fôr eficaz). Os "contrôles"não 'são mais do que relações de mútua dependência, e não umelemento separado da organização, nem uma "função" executa-da pelo grupo. De mais a mais, a inteligência e as idéias par-ticipam do contrôle social e, portanto, têm um lugar no siste-ma: a inteligência permite à pessoa, antes de encetar a ação,"ver" as relações entre os elementos interdependentes do sis-tema e, dessa maneira, agir de acôrdo com êsse discernimentoe obviar conseqüências danosas. Isto, por seu turno, permiteque se localize no sistema o. conceito de "autoridade". Quan ..do uma ordem dada por um líder é aceita p01' um membro elhe controla as atividades no grupo, diz ..se que o líder tem auto ..ridade sôbre êsse membro; o que quer dizer que a autoridadede uma ordem reside sempre na disposição de obedecer-lhe ma-nifestada pela pessoa a quem foi dirigida. Mas fi liderança, ocontrôle ou a autoridade eficazes supõem que as relações mú-tuas ele um grupo sejam tais que o processo grupal zele porque o indivíduo escolha direito, isto é, por que as escolhas"erradas" ponham em operação fÔl'ças que as tragam de voltaao que era considerado certo pelo grupo.

6. Ao estudar a mudança social nada descobrimos denôvo na relação entre os elementos elo comportamento. S6

41 Ibíd" p. 282.

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Vl"lUOS como a mudança de valor de um ou mais dos elernen-tm; .(por exemplo) um acréscimo ou decréscimo) provoca mu-danças em outros.

Ao tratar da mudança, Homans aprecia tanto os proces-sos de crescimento ou elaboração. de estruturas ("evoluçãoadaptativa") quanto os processos de desorganização e desinte-gração de estruturas ("anomia"). Ao fazê-Ia, distingue no siste-ma total dois sistemas analiticamente separáveis, o "externo" eO "interno", e os relaciona em têrrnos do conceito de realimen-tação. O sistema externo se refere às relações entre opiniões,atividades, interações e normas encaradas C01110 respostas dadaspelos membros às necessidades de sobrevivência num meio.O sistema interno se refere às elaborações dêsses elementos eàs suas relações, que simultânea mente nascem do sistema exter-no e o realimentam, bem como ao sistema em conjunto, Osdois sistemas analiticamenre separados definem-se relativamen-te e são mutuamente dependentes. A realimentação qLle ocorreentre ambos pode ser favorável ou desfavorável à existênciacontinuada de um, do outro, ou de ambos. Por exemplo, àmedida que o sistema interno evolve do externo) disso poderesultar uma divisão particular de trabalho (por exemplo, o de-senvolvimento de grupos baseados em diferenciação de ativida-des ou distinções sociais), um esquema de interaçâo que paSSJ.a agir como U111 sistema de comunicação onde êste era mínimoou não existia 110 sistema externo, c corno contrôle social auto--impôsto e que sustenta um conjunto de normas surgidas,É a elaboração dêsse excedente de estruturas, conducentes anovas atividades e novas reações ao meio, que proporciona mar"gem ao sistema social para a evolução adaptativa.

Por outro lado, 110 caso de estruturas já elaboradas, umamudança em um ou mais elementos do sistema externo podeconduzir aum decréscimo do valor quantitativo ou qualitativode elementos do sistema interno. Tais efeitos internos, H se-guir, podem realimentar o sistema externo, acelerando ainda maiso processo de mudança, A menos que êsse processo seja ata-lhado de alguma forma, as relações mútuas do sistema se de-compõem numa espiral de realimentação positiva e o sistemacomo tal, desorganizado, pode-se desintegrar ou cindir-se emfragmentos separados.

A mudança conscientemente clirigida pode-se converter numproblema para o líder ou para os líderes (não um "problema"para o "sistema" como tal}, qual seja, o de manipular os ele-mentos ou as relações entre elementos do sistema de modoque qualquer afastamento do caminho que conduz à meta topecom mudanças que obstem ao afastamento, (Observe-se queisso não supõe necessariamente a manipulação dos membros dosistema, mas pode significar a manipulação da estrutura existentede relações, de tal modo que o que ,os membros desejam fazercoincida com o que se requer para que o sistema continue aser um sistema.)

7. Finalmente, Hornans rejeita o modêlo biológico de es-trutura-função ao atacar-lhe as escoras metodológicas básicas.Critica sobretudo a noção de sobrevivência da sociedade comodemasiado nebulosa para ser útil, a menos que seja muito clarae concretamente especificada. Com efeito, dá a entender que aidéia da sobrevivência ou continuidade na teoria funcional sópode tornar-se rigorosa se a sobrevivência Iôr redefinída comoequilíbrio. E sublinhou que os sistemas não "procuram" essacondição, nem todos os sistemas se acham nesse estado.

Posto que o modêlo de Homans evite grande parte da di-ficuldade e da ambigüidade inerentes ao sistema parsoniano, suaprópria fraqueza parece residir precisamente na noção, rnecâni-camente derivada, do equilíbrio. Hornans nos diz que, se umsistema está em equilíbrio, podemos esperar que disso decorramcertas conseqüências, mas não 110S ministra base alguma patadeterminar se um sistema está 011 não em equilíbrio _...-.. patadefinir as condições em que êle está ou não em equilíbrio.Como o equilíbrio se define operacionalmente em têrrnos dasconseqüências reais do fato de achar-se um sistema nesse esta-do, necessitamos de critérios independentes dessas conseqüênciasernplricas. Mas como o modêlo de Hornans nos deixa asorasó podemos esperar para ver o que acontece e depois dizer que .o sistema deve ter estado ou não em equilíbrio, ex post [acto.

Esta, contudo, não é a principal dificuldade, pois Homanssabe perfeitamente - tendo-o proclamado diversas vêzes --. queo sistema ele que êle está falando é um sistema aberto, em inte-ração com um meio, de tal forma que uma mudança irreoer-sioel de estados do sistema é uma característica inerente. A

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sua admissão dêsse fato faz-se em têrrnos da sua distinção entre"sistema externo" e "sistema interno". 45

Supondo que esteja estabelecido entre os. membro,s de u.n: gru-po um conjunto qualquer de relações que satisfaçam 3. condição desobrevivência do grupo por algum tempo em seu meio part:cular,físico e social, podemos demonstr.ar que, b~~ead.? nessas, rel~ço:s, ogrupo criará novas; que. e~t~s últimas modificarão ou ate cnarao asrelações presumidas no 1ntC1O;. e que, fmalm~nte, o .c?mp,or~amen.t?do grupo, além de ser determinado pelo meio, modificara, ele pro-prio, o meio. 46 .

A vida social nunca é totalmente utilitária: .e~abora-se, cornpli-ca-se transcendendo as exigências da situação original. A elabora-ção ~carreta mudanças nos motivos dos indiví~u?s... ~as ~ <:la.boração também significa mudanças em suas atividades e mteraçoe~_ mudanças, com efeito, na organização do grupo como um todo. 4,

A sociedade não se limita a sobreviver; sobrevivendo, .cria con-dições que, em circunstâncias f~voráveis, ~hepetmlte sobre~l~er numnôvo nível. Se lhe derem meia oportunidade, ela progtedlr~ sem aajuda de ninguém. De que outra maneira poderemos explicar quede uma tribo surja uma civilização? ..

Afirmamos, por exemplo, que entre os Ti~opia a família pre~isater alguma divisão de trabalho e alguma. cadela de coman~o .. Ate oponto em que "explicamos" a existência des.:'as cata~tetlstl~aS. devida grupal pela presunção de que o grupo nua poderia sobreviversem elas fomos funcionalistas. Mas em nosso estudo da estrutura-~ão e da' realimentação do sistema interno, ,collSideramos. .. as cau-sas eficientes dessas características. Isto e, mostramos alguns. dosprocessos que criam ou modificam as ~aracter~sticas_de _gru~b presosupostas no princípio... Mas as rca!I~lenta.çoes nuo sao todas fa-voráveis c a distância social entre pai e filho ou, de um modomais "e~a{ 'entre pessoas de diferentes pcrições sociais, pode seruma f~nte' de possível conflito e falha de comunicação. 18

-leria encerrar num modêlo de equilíbrio meca111CO. Os siste-mas de equilíbrio mecânico não elaboram estruturas, não criamrelações novas e mais complicadas, não revelam causas eficientesfavoráveis a causas finais, não progridem sem a ajuda de nin-guém para novos níveis de sobrevivência. São sistemas fecha-dos e entrópicos. Os sistemas sociais não o são. Num ponto,Homans recorreu à analogia do motor a gasolina, mas não deixoude reconhecer que

. .. existe uma grande diferença entre descrever o motor a ga-solina e descrever o grupo. Com o motor a gasolina mostramoscomo os acontecimentos ulteriores do ciclo criam as próprias con-dições que presumimos no comêço. Teremos de conceder campo deação à evolução emergente. ~!) •

Em segundo lugar, Homans argumenta com a sua simplicidade caracteristicamente eloqüente em favor do moderno en-foque dos sistemas, mesmo utilizando em parte o seu vocabulá-rio básico. Pois êsse enfoque também se ocupa de traduzir cau-sas finais em causas eficientes, que envolvem comunicações in-ternas e realimentações, e descobrir as condições em que "esta-dos constantes" relativamente transitórios dão lugar a novos "es-tados constantes", num nível diferente de complexidade estru-tural. Na obra que publicou uns dez anos depois, Homanspassa a falar num "equilíbrio prático", "a fim de evitar 05argumentos quase místicos que envolveram a segunda dessas pa-lavras em Ciência Social". Prossegue êle:

H, lbld ... CapÍlulos 4 c ).,IG Ibid., p. 9l.-17 lbul., p. 109.43 uu.. pp. 272-74.

Nem presumimos que, se ocorrer uma mudança no equilíbrioprático, o comportamento reaja necessàriamente de modo a reduzi-loou a livrar-se dêle, Aqui não há horneostase: não se acredita queum grupo aja como age um corpo animal, que lança de si uma in-fecção. Ainda que alguns grupos, em certas circunstâncias, se com-portem dessa maneira, não há provas de que o façam sempre. Nempresumimos nós, como os chamados sociólogos funcionais, simples-mente que o equilíbrio existe e depois nos socorremos dêle paratentar explicar por que as demais características de um gJ:UpO Ou deuma sociedade devem ser o que são. Se um grupo está em equilí-brio, dizem êles, o seu comportamento deve exibir certas outrascaracterísticas. Para nós,por outro lado, a causas específicas devemseguir-se efeitos específicos, porém não exigimos mais do que isso

Citamos aqui extensamente Homans para estabelecer ~oisfatos concludentes. Em primeiro lugar, êle sustenta efetiva-mente não só que a natureza orgânica da sociedade vai muitoalém de tudo o que foi concebido pelos antropólogos Iun-cionais, mas que também vai muito além de tudo o que se po-

·llI -Ibid., p, 94.

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do comportamento de nenhum grupo; não existe outro deve em re-lação a êle. O equilíbrio prático, portanto, não é um estado para oqual se dirige tôda criação; é antes um estado que o comportamento,temporária e precàriamente, às vêzes atinge. Não é alguma coisaque presumimos; é algo que observamos dentro dos limites dos nos-sos métodos. Não é alguma coisa que utilizamos para explicar asoutras características do comportamento social; é antes algo que,quando ocorre, deve ser explicado por essas outras características. no

"organização" ", 52 Pois os físiologistas do século XVIII en-frentavam um dilema básico, decorrente de um pressupostosubjacente à teoria da matéria:

Está claro que Hornans deixou tanto o modêlo clássico deequilíbrio quanto o modêlo organísmico funcional muito paratrás na evolução de sua concepção teórica do sistema sociocul-rural. Teremos ocasião de discutir mais tarde o seu decepcio-nante recurso a um psicologismo reducionista - gigantescoretrocesso em relação ao seu enfoque anterior dos sistemas.

a saber, a pressuposição de que a matéria-prima da Natureza deveser, intrinsecamente, animada ou inanimada. Se, ele um lado, a ma-téria fôsse essencialmente bruta, mecânica e insensível, as conse-qüências seriam claras: nenhuma agregação feita exclusivamente dematéria poderia ser outra coisa senão bruta, mecânica e insensível-- como Descartes declarara que eram os animais. A ser assim aprópria idéia de uma máquina consciente seria uma contradicão emtêrrnos: nada que se compusesse lmicamente de ma téria seria capazde pensar ou sentir, e as capacidades mentais (quiçá também as pro-priedades vitais) deveriam provir de algum ingrediente distante,não material. na

A PERSPECTIVA GERAL DOS SISTEMAS

Mas de Ia Mettrie, Ul1lCO entre os seus colegas, Iugiu uodilema rejeitando essa suposição fundamental.

Como já foi aventado, a moderna teoria dos sistemas, em-bora aparentemente surgida de nôoo do esíôrço da última guerra,pode ser vista como culminação de ampla mudança na pers-pectiva científica, que forceja por preponderar sôbre os últi-'mos séculos. Essa visão científica do mundo, produto ele umadialética constante entre concepções da ciência física e da ciên-cia biológica, tem-se apartado do interêsse pela substância, pel~asqualidades e pelas propriedades inerentes, voltando-se para a fo-calização central dos princípios da organização per se, semlevar em conta o que é que está organizado. Delineando o de-senvolvimento histórico da teoria da matéria, Stephen Toulmin ejune Goodfield contam fi história da longa luta que se travoupara transpor o abismo teórico entre a matéria orgânica e fi

matéria inorgânica. 51 Um dos que deram um salto ousado paraII frente foi de Ia Mettrie, o fisíologista do século XVIII, cujotratado O Homem, uma Máquina, se publicou em 1747. "Pormeio de audaciosa generalização", insinuam Toulmin e Goocl-.fielcl, "de Ia Mettrie esboçou os ousados contornos de um nôvosistema de Fisiologia: um sistema cujo conceito-chave era a

Em si mesma, fi matéria não era orgânica nem inorgânica, vivanem morta, sensível nem insensível. A diferenca entre êsses estadosou propriedades das coisas materiais decorria, não elas naturezas in-trínsecas das suas matérias-primas, senão das diferentes maneirasem que êsses materiais estavam organizados. 04

~~tretallto, de 1a Mettrie !Jão poderia ofetecer muitas pro-vas sólidas cio seu ponto de VIsta. "Exatamente o que estava"orzanizado" d .organiza o , e como, e e que maneiras essa "organização"se mantinha e transmitia de geração H geração: sôbre tais assun-tos se manteve nccessàriarnente silenciosr,", :i!j Os pormenoresteriam de. ser preenchidos pela gradua] acumulação da pesquisae da teorra.

A luta continuou entre as concepçôes do mecanicisino edo yitalismo, porém com esforços periódicos para fundir os dois,envidados por homens como Claude Bernard no século XIX.que explicou os mecanismos reguladores da máquina animal"mediante princípios que s6 foram cabalmente explorados nasmáquinas do século XX - os princípios que inspiraram os ter-

f,~ Ibid., p . .315.fí:! Ibid., p. 317.ri-! Lbid., p . .3.1.8.,~" Ibid.

:,0 Social Behaoior: l ts Elementar» Forms, 113-114.G1 Stephen Toulrnin e junc Goodfield, Tbc Arcbitect nrc of M(I/Ier

(Nova Iorque: Harper & Row, Publishcrs, 1962).

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ruostatos, os contrôles eletrônicos e os servo-mecanismos". 50 Apartir dêsse ponto, a história é recente, senão atual; é um relatodos esforços finais dos que sustentavam a teoria orgânica ouholística em Biologia, propondo um "neo-vitalismo" contra abiologia mecanística mais grosseira, e que culminou na atualfusão assim do organicismo como do mecanismo na Cibernéticae na teoria geral dos sistemas. 57

. Os lineamentos dêsse recentíssimo capítulo da história daCiência são instrutivamente sumariados num artigo sôbre a teo-ria da organização, de Anatol Rapoport e William J. Horvath, 58

Nos últimos decênios, homens como Whitehead chegaram à con-clusão de que os problemas crescentes da "complexidade orga-nizada" não poderiam ser adequadamente estudados dentro doenfoque da Física clássica. A resposta residia antes na direçãodo holismo orgânico da Biologia, cujos procedimentos diferiamdaqueles da Física clássica pela sua ênfase sôbre (1) a "expli-cação" teleológica e (2) a abundante utilização da classificaçãoe da categorlzação. Se bem a Biologia e a Física modernas seaproximem uma da outra mais estreitamente hoje em dia, pode-mos ainda sustentar que os métodos da Biologia oferecem maissubsídios ao estudo da complexidade organizada enquanto pu-dermos mostrar a maneira pela qual o ponto de vista biológicomais antigo se enquadra agora em métodos mais modernos deanálise. O conceito-chave da complexidade organizada -- de-finida como uma coleção de entidades interligadas por umarêde complexa de relações - deve ser extremado da (1) "sim-plicidade organizada" - um complexo de componentes relati-vamente inalteráveis, ligados por uma ordem estri tarnente se-qiiencial ou atividade linear, sem circuitos fechados na cadeiacausal; e da (2) "complexidade caótica" - um vasto númerode componentes que não precisam ser especificamente identiíi-

c~dos e cujas in~erações podem ser descritas em função de quan-tidades ou gradientes continuamente distribuídos como na me-" . ,; . ,caruca estansnca.

Rapop?r.t e Horvath prosseguem dando a entender que fo-ram nece,~sa~las duas, ~lasses. de ~n.strnmentos conceptuais paraestender il?etodos teol'l~os sistemancos e rigorosos" à complexi-dade organizada do holtsta. Ambas derivam dos métodos bio-lógicos mais antigos da teleologia e da taxionomia. (1) Avelha teleologia voltou a ser respei tável graças à Cibernética,que recorre diretar~ente a leis físicas e aos princípios que go-vernam a construçao das rêdes de relações causais incluindo"l'e~I!n:entações': de circ~i~os fechados, o que possibilitou umadefinição operacional aceitável do comportamento de busca dernc,tHs sem vel'dadeit~ te!eologia. (~) A distinção entre máqui-nas com e sem os crrcuitos de reaIJmentação, qnc tendem para;\ busca de metas, é uma distinção topolágica, definível emIunção da teoria dos gráficos, ramo da topologia. As relaçõesCílUS?lS apresentadas como segmentos dirigidos, descrevemo SIstema como um gráfico dirigido, C0111 ciclos. de tal~:~)l'.teque. o comportamento complexo é precisamente de-,h~lldo. Esse princípio tinha sido sugerido por McC:ulloch eJ;l,It~S, e~ 1~~3, em sua demonstração do isomorfismo entre aJ~glca simbólica e a teoria da rêde, A topologia, sustentamKnpoport e Horvath, pode ser encarada como um ramo "taxio-uômico" .da Matemática -- mais qualitativo do que quantitati ..VO, c CUJOS teoremas têm um sabor de oito ou oitenta; afi r-1!,UIn que alguma coisa existe ou não existe, é ou não é pos-'.'vcl, em lugar de expressar relações funcionais entre variáveis1.' I': podem assumir um contínuo de valôres. Êsses dois instru-

I,;,'utos conceptuaisinterligados - a Cibe1'llétÍca c a topologia';;~ovistos, assim, como duas disciplinas que, ao lado de ll~]a

;--1".'('; l'J pedra angular - a "teoria das decisões", "estarão naI ;:I';C dêsse ramo da Ciência que trata da "complexidade 01'n'\-nizada", isto é, a teoria da 01'glo\l1ização".59 '0'

Eu; s~ntese, portanto, o moderno enfoque dos sistemas visa;1 substituir a técnica laplaciana mais antiga, analítica atômi-UI, pOt uma. O1~entação mais holística em relação ao' proble-ma da orgaruzaçao complexa. No entender de W. Ross Ashby,

Gil uu; p. 3.34.;'7 Veja Ludwig von Ber taIanffy, Nodern Tbeorles 01 Deuelopment

(Nova Iorque: Harper & Row, Publishers, Torchbook org., 1962), e Pro-blcms 01 Li/e (Nova Iorque: Harper & Row, Publishers, Torchbook org.,19(0); Morton Bcckner, Tbe Biological Wlay ol Thougbt {Nova Iorque:Columbia University Press, 1959); c G. Sommcrhoff, illlaly!iclIl Biology(Londres: Oxford University 1>1't:$$, 1950).

os Anarol Rapoport c William J. Horvath, "Thoughis on Organizarion'I'hcory", General Sysft?!IIS, 4 (1959), 87-91..

fi!) tu«. 90.

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6. Um estudo operaclonalmcnte definível .. objetivo .. não antropo-módico da intencionalidadc, do comportamento do sistema debusca de metas, dos processos cognitivos simbólicos, da cons-ciência e da autopercepção, da emergência sociocultural e dadinâmica em geral.

Eis aí grandes promessas, que precisam ser aceitas com te-servas, pois apenas apontam para a direção em que se encontrao trabalho árduo. Rematamos a nossa comparação dos diversosmodelos com o seguinte diagrama generalizado do que nos pare-cem ser as distinções cruciais. (Figura 2-1)

O,<u--<N.-.Z<or;r;O

FIGURA 2-1

O modêlo do equilíbrio, rigorosamente falando, é aplicávelI tipos de sistema que, ao mover-se para um ponto de equi-iihtÍ(), perdem tipicamente a organização e, a seguir, tendem fi

mnnter aquêle nível mínimo dentro de condições de perturba-:)0 relativamente acanhadas. Os modelos homeostáticos se apli-«.un a sistemas que tendem a manter um nível especificado, rc-Lll.ivmnente alto, de organização, contra tendências sempre pre-.ontes para destruí-Ia. O modêlo do processo, ou do sistema.;.Llptativo complexo, aplica-se a sistemas caracterizados pela ela-í •• ';;Içiio ou evolução da organização; e, como o veremos, êstes,;(ej~lll1 nas "perturbações" e na "variedade" do meio e, eíeti-' ',unen te, delas dependem.

Examinaremos, no capítulo seguinte, uma elaboração do1"'illCdo do sistema adaptativo e as suas principais diferençasI l, i: modelos de sistemas de nível inferior, como os que se:1.1.(~bll1no equilíbrio e na homeostase.

,·~tratégia secular de variar um fator só se usa agora quando.! sistema é muito simples; quando êle se torna complexo, te·mos de recorrer a uma estratégia especial, que vem sendo de-senvolvida talvez desde os trabalhos de R. A. Fisher, na déca-da de 1920, e que conduz à atual teoria da informação e àCibernética. A maneira de não enfocar um sistema complexo,diz Ashby,

. .. é por meio da análise, pois êsse processo 'nos dá somente umvasto número de partes ou itens separados de informação, os resul-tados de cujas interações ninguém pode prever. Se desmontarmosum sistema dêsses .. verificaremos que não poderemos montá-lo outravez.

E não é só. O antigo ponto de vista de que o estadoatual de um sistema complexo é simplesmente uma função dassuas condições iniciais já não é defensável, pois o sistema com-plexo, aberto, embora determinado, "muda tanto que, à propor-ção que passa ° tempo, o seu estado é caracterizado mais pelasexperiências que sofreu do que pelo seu estado inicial". 60

As lições dessa breve história da Ciência parecem de gran-de significação para a Sociologia, conquanto a sua aplicação maltenha começado. O moderno enfoque dos sistemas deveria sei'particularmente atraente para a Sociologia porque, em resumo,promete desenvolver:

1. Um vocabulário comum, que unifique as diversas disciplinas"do comportamento";

2 _ Uma técnica pata lidar C0111 a grande e complexa organização;;\. Um enfoque sintético em que não é possível a análise feita aos

poucos, em virtude das intricadas inter-relações das partes, quenão podem ser tratadas fora do contexto do todo;

4. Um ponto de vista que chega ao âmago da Sociologia, porquevê o sistema scciocultural em função das rêdes de informaçãoe comunicação;

5, O estudo das relações de preferência ao estudo das "entida-des", destacando-se o processo e as probabilidades de transiçãocomo base de uma estrutura flexível, com muitos graus de li-berdade;

60 \YI. Ross Ashby, "The Effect of Experience on a Determinare Dy-numic System", Bebauioral Sclence, 1, (1956), 35-42.

Moelêlo eloEquilíbrio

1ModeloOrganisrnicoJ Iomcosrárico

Modélo doProcesso oudo Sistemaadaptativo