teatro como comunicação - Clara Beatriz da Silva Dezotti

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Clara Beatriz da Silva Dezotti O Teatro como meio de comunicação Um estudo sobre a utilização do tableau na Proposta Pedagógica de Arte do Ensino Fundamental e Médio da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo Marília 2006

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O Teatro como meio de comunicaçãoUm estudo sobre a utilização do tableau na Proposta Pedagógica de Arte do Ensino Fundamental e Médio da Rede Estadual de Ensino do Estado de São PauloDissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Comunicação, área de concentração “Mídia e Cultura”, linha de pesquisa “Produção e Recepção de Mídia”, da Universidade de Marília, como requisito para obtenção do grau de Mestre.

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  • 0Clara Beatriz da Silva Dezotti

    O Teatro como meio de comunicaoUm estudo sobre a utilizao do tableau na Proposta Pedaggica de Arte doEnsino Fundamental e Mdio da Rede Estadual de Ensino do Estado de So

    Paulo

    Marlia2006

  • 1Clara Beatriz da Silva Dezotti

    O Teatro como meio de comunicaoUm estudo sobre a utilizao do tableau na Proposta Pedaggica de Arte doEnsino Fundamental e Mdio da Rede Estadual de Ensino do Estado de So

    Paulo

    Dissertao apresentada ao curso de Ps-Graduaoem Comunicao, rea de concentrao Mdia eCultura, linha de pesquisa Produo e Recepode Mdia, da Universidade de Marlia, comorequisito para obteno do grau de Mestre.

    Orientadora: Prof. Dr. Lcia Correia Marquesde Miranda Moreira

    Marlia2006

  • 2Universidade de MarliaFaculdade de Comunicao, Educao e Turismo

    ReitorMrcio Mesquita Serva

    Programa de Ps-Graduao em Comunicao Coordenadora: Prof. Dr. Suely Villibor Flory

    rea de ConcentraoMdia e Cultura

    OrientadoraProf. Dr. Lcia Correia Marques de Miranda Moreira

  • 3Clara Beatriz da Silva Dezotti

    O Teatro como meio de comunicaoUm estudo sobre a utilizao do tableau na Proposta Pedaggica de Arte doEnsino Fundamental e Mdio da Rede Estadual de Ensino do Estado de So

    Paulo

    Aprovado pela Banca Examinadora:Nota:

    Prof. Dr. Andria Cristina Fregate Baraldi Labegalini

    Prof. Dr. Ana Maria Gottardi

    Prof. Dr. Lcia Correia Marques de Miranda Moreira

    Marlia, 18 de dezembro de 2006.

  • 4Dedicado ao meu filho Michel e meu esposoJos Antonio pelo amor e dedicao e minhame Ires que me ensinou a estudar.

  • 5AGRADECIMENTOS

    Deus pela oportunidade da vida e vontade de seguir em frente.

    Ao Governo do Estado de So Paulo e Secretaria de Estado da Educao e Diretoria

    Regional de Ensino de Marlia por me incluir no Projeto Bolsa Mestrado, o que permitiu meu

    ingresso no Curso de Ps-Graduao e a realizao deste trabalho.

    Prof. Dra. Lcia Correia Marques de Miranda Moreira pelas orientaes, carinho,

    pacincia e a confiana em mim depositada e por me fazer encontrar o caminho da cincia.

    Prof. Dr. Ana Maria Gottardi e Prof. Dr. Andria Cristina Fregate Baraldi

    Labegalini pela ateno e compreenso que muito contriburam para a melhoria desta

    pesquisa.

    Prof. Dr. Suely Villibor Flory e aos docentes do Curso de Ps-Graduao em

    Comunicao da Universidade de Marlia e sua contribuio para o desenvolvimento do

    conhecimento.

    A todos da E.E. Prof Wanda Helena Toppan Nogueira por serem mais que colegas de

    trabalho, pela amizade e parceria na Educao.

    Aos amigos, que em todas as horas, alegres ou difceis, no deixaram de acreditar em

    mim e me incentivaram para continuar.

    lica Luiza Paiva pelo companheirismo e alegria.

    Ao Dr. Fernando de Camargo Aranha, Rafael de Mello e Larissa Fontana pelo apoio,

    colaborao e considerao.

    Aos meus antepassados, aos mestres e a todos que amam o teatro.

    A todos que de uma forma ou de outra contriburam, para que este trabalho pudesse

    ser realizado.

    E minha famlia: meus irmos Pedro e Marisa, Nina e Benedito e aos meus sobrinhos

    Joo Francisco, Andr Lus, Natlia e Juliana por compreenderem a minha ausncia neste

    perodo de estudos.

  • 6AGRADECIMENTO ESPECIAL

    Aos meus alunos,

    Pelo envolvimento no Ensino de Arte,

    e 8 srie D e 1 srie A do Ensino Mdio, de 2006, da

    E.E. Prof Wanda Helena Toppan Nogueira, pela participao nesta pesquisa.

  • 7Se ns, sombras, vos ofendemos,Pensai somente nisto e tudo estar resolvido:Ficastes aqui dormindo,Enquanto apareciam estas vises.E este fraco e humilde tema,Que nada mais contm do que um sonho,Gentis espectadores, no o condeneis.Se perdoardes, ns nos emendaremos.

    PUCK em Sonho de Uma Noite de Vero deWilliam Shakespeare

  • 8RESUMO

    O presente estudo tem como objetivo verificar se o teatro pode ser um meio de comunicaona situao ensino-aprendizagem proporcionando a transmisso do contedo escolar de Arteno Ensino Fundamental e Mdio. Portanto, nosso objetivo se retm em estudar o papelpedaggico do teatro que se configura como meio de comunicao desde suas origens,desempenhando diferentes papis nas sociedades atravs dos tempos. Pretendemosdemonstrar que o teatro um suporte para estabelecer um processo comunicativo entreemissor/docente e receptor destinatrio/educando por meio de uma atividade da linguagemteatral, favorecendo significativamente a construo do conhecimento em Arte. Ressaltamosque o desenvolvimento de nosso estudo seguiu a proposta pedaggica do Ensino de Arte daSecretaria do Estado de So Paulo assim como os Parmetros Curriculares Nacionais, sendorealizado com os alunos da E.E. Prof Wanda Helena Toppan Nogueira.

    Palavras-chave: Teatro; Comunicao; Linguagem Teatral; Arte/Educao.

  • 9ABSTRACT

    The present study it has as objective to verify if the theater can be a media in the situationteach-learning providing the transmission it pertaining to school content of Art in Basic andAverage Ensino. Therefore, our objective if holds back in studying the pedagogical paper ofthe theater that if configures as media since its origins, playing different papers in thesocieties through the times. We intend to demonstrate that the theater is a support to establisha comunicativo process between sender/professor and receiver addressee/educating by meansof an activity of the teatral language, significantly favoring the construction of the knowledgein Art. We stand out that the development of our study followed the proposal pedagogical ofEnsino de Arte of the Secretariat of the State of So Paulo as well as the National CurricularParameters, and carried through with the pupils of the E.E. Prof Wanda Helena ToppanNogueira.

    Key-Words: Theater; Communication; Teatral language; Art/Education.

  • 10

    Sumrio

    INTRODUO ......................................................................................................................13

    CAPTULO I - COMUNICAO UM PROCESSO ......................................................16

    1.1 O TEATRO E A CONFIGURAO DE UM PROCESSO COMUNICATIVO..................................20

    1.1.1 O espao comunicativo do teatro ...........................................................................29

    CAPTULO II A LINGUAGEM TEATRAL ...................................................................40

    2.1 TEATRO, UM SISTEMA SIMBLICO...................................................................................42

    2.2 A MENSAGEM TEATRAL E O CONTEXTO PEDAGGICO.....................................................45

    2.3 A MENSAGEM TEATRAL E O CONTEDO PROGRAMTICO ESCOLAR.................................50

    CAPTULO III A ANLISE DO TEATRO NA SALA DE AULA ...............................61

    3.1 A PRTICA TEATRAL UM EXERCCIO DO PROCESSO COMUNICATIVO ENSINO-

    APRENDIZAGEM .....................................................................................................................61

    3.2 AS RELAES COMUNICATIVAS ENTRE EMISSOR E RECEPTOR NO ESPAO DE ENSINO-

    APRENDIZAGEM .....................................................................................................................63

    3.3 ARRUFOS ...................................................................................................................71

    3.4 UMA JOVEM MULHER (DETALHE) ..............................................................................76

    3.5 A DANA DA VIDA ....................................................................................................81

    3.6 DAMA COM ARMINHO.................................................................................................85

    3.7 PALAS ATENAS E O CENTAURO...................................................................................90

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................................95

    REFERNCIAS .....................................................................................................................98

    ANEXOS ...............................................................................................................................100

  • 11

    ANEXO 1 - ALUNOS DA 8 SRIE D CICLO II ENSINO FUNDAMENTAL DA EE PROFESSORA

    WANDA HELENA TOPPAN NOGUEIRA MARLIA/SP 2006 ..............................................101

    ANEXO 2 - PINTURA X TABLEAU ..........................................................................................104

    ANEXO 3 - ALUNOS DA 1 SRIE A ENSINO MDIO DA EE PROFESSORA WANDA HELENA

    TOPPAN NOGUEIRA MARLIA/SP 2006..........................................................................108

    ANEXO 4 - PINTURA X TABLEAU ..........................................................................................111

  • 12

    ndice de Figuras

    FIG. 1 - ARRUFOS...................................................................................................................71

    FIG. 2 - TABLEAU ARRUFOS ....................................................................................................72

    FIG. 3 - UMA JOVEM MULHER (DETALHE).............................................................................76

    FIG. 4 - TABLEAU UMA JOVEM MULHER (DETALHE) ...........................................................77

    FIG. 5 - A DANA DA VIDA ...................................................................................................81

    FIG. 6 - TABLEAU - A DANA DA VIDA..................................................................................82

    FIG. 7 - DAMA COM ARMINHO...............................................................................................85

    FIG. 8 - TABLEAU DAMA COM ARMINHO .............................................................................86

    FIG. 9 - TABLEAU SEM ARMINHO..........................................................................................87

    FIG. 10 - PALAS ATENAS E O CENTAURO...............................................................................90

    FIG. 11 - PALAS ATENAS E CENTAURO (DETALHE)................................................................91

    FIG. 12 - TABLEAU PALAS ATENAS E O CENTAURO (DETALHE)...........................................92

  • 13

    INTRODUO

    De um modo geral, a nossa pesquisa pretende demonstrar que o teatro um meio de

    comunicao e que desempenha diferentes papis na formao sociocultural do indivduo.

    Portanto, nosso objetivo se retm em estudar o papel pedaggico do teatro e sendo assim,

    neste primeiro captulo vamos fazer uma abordagem sobre a origem do teatro e sua evoluo,

    que mais adiante vai servir de aparato para correlacionar, explicar e demonstrar que o teatro,

    atravs da sua linguagem, um suporte para estabelecer um processo de comunicao entre

    emissor/professor e receptor/aluno e/ou receptor/destinatrio, caracterizando o processo de

    ensino-aprendizagem. Para tanto, desenvolvemos nosso estudo atravs da proposta

    pedaggica do Ensino de Arte do Ensino Fundamental e Mdio da Secretaria de Estado de

    Educao de So Paulo, um trabalho com os alunos da 8 Srie D do Ciclo Fundamental II e

    1 Srie A do Ensino Mdio da EE Professora Wanda Helena Toppan Nogueira da cidade de

    Marlia-SP. Vale mencionar ainda que, dentro das diferentes tcnicas da linguagem teatral

    escolhemos o Tableau ou quadro vivo, uma das atividades de expresso propostas nos jogos

    teatrais1 como estratgia metodolgica no ensino da Esttica e Histria da Arte, que ser

    explicada posteriormente.

    O objetivo do Ensino de Arte no Ciclo Fundamental e Mdio tem como proposta a

    leitura e produo de textos nas linguagens artsticas, ancorada em trs eixos que so a

    produo, a apreciao esttica e a contextualizao de textos plsticos ou visuais, sonoros,

    audiovisuais, corporais e cnicos. Ento, pressupomos que a partir da produo e leitura de

    textos cnicos elaborados pelos alunos destes Ciclos possvel demonstrar que o teatro, como

    suporte, passa a ser o formato que se configura num meio de comunicao com uma

    linguagem especfica capaz de levar a mensagem, neste caso, o contedo programtico

    escolar, ou seja, a compreenso e apreciao de obras de arte, at o receptor/destinatrio

    (aluno).

    1 Os jogos teatrais (theater games) foram originalmente desenvolvidos por Viola Spolin (SPOLIN, 1979), com ofito de ensinar a linguagem artstica do teatro a crianas, jovens, atores e diretores. Atravs do processo de jogose da soluo de problemas de atuao, as habilidades a disciplina e as convenes do teatro so aprendidasorganicamente. Os jogos teatrais so ao mesmo tempo atividades ldicas e exerccios teatrais que formam a base

  • 14

    importante ressaltar que o Teatro/educao, segundo Sandra Chacra (1991, p.37), no

    ensino de arte ou educao artstica, no busca apenas a criao de produes teatrais

    predeterminadas, mas pretende ampliar e enriquecer os meios de expresso do indivduo e do

    grupo, de qualquer faixa etria dentro ou fora da situao escolar, como abordaremos

    posteriormente. Neste contexto, buscar nas origens do teatro suas caractersticas

    comunicativas resultar tambm no resgate do valor da educao artstica de uma sociedade

    voltada para a educao, como a sociedade grega, na qual o teatro, no Perodo Clssico da

    Histria da Arte Grega, desempenha um papel importante no resgate religioso e filosfico

    desta sociedade.

    A relevncia do teatro como meio de comunicao no processo de ensino-

    aprendizagem a mola mestra desse estudo, e para seu desenvolvimento buscamos na rea de

    Comunicao a teoria da sociodinmica da cultura de Abraham Moles, que estabelece o modo

    de comunicao sociocultural e de como acontece a percepo da mensagem cultural,

    incluindo o teatro entre estes dois aspectos, assim como nos estudos de Linda Bulik (2001),

    sobre a comunicao do homem em situao de representao. Para uma introduo Teoria

    da Comunicao, nossa pesquisa encontrou nos estudos de Luiz C. Martino (2001) e Antonio

    Hohlfeldt (2001), a espistemologia e as origens histricas do fenmeno comunicao, e o

    impacto transformador da mdia na teoria social de John B. Thompson.

    Na rea de teatro, os tericos principais deste estudo foram Roland Barthes e seus

    ensaios crticos sobre a representao, principalmente nas origens do teatro grego e na sua

    transformao de espetculo religioso para o teatro que conhecemos ainda hoje, uma arte que

    se finaliza com a comunicao atravs de uma linguagem prpria, cuja natureza efmera

    tambm espontnea no homem, conforme explica a terica Sandra Chacra (1991), na qual

    tambm ancoramos nossos estudos.

    Inegavelmente, esta pesquisa tambm tem correlao com o mtodo dos jogos teatrais

    de Viola Spolin, cujo trabalho tem finalidade educativa para as crianas e para todos os

    interessados em se expressar por meio do palco, e que foi o ponto de partida para as

    produes de textos teatrais elaborados pelos alunos que acompanhamos atravs deste estudo.

    Portanto, a organizao desta pesquisa compe-se das seguintes partes:

    O Captulo I trata de como estabelecido o processo comunicativo, e de como o

    teatro se configura como este processo, desde suas origens ritualsticas at sua transformao

    em espetculo leigo, e da importncia do espao neste processo.

    para uma abordagem alternativa de ensino e aprendizagem. KOUDELA, Ingrid Dormien. Texto e jogo. SoPaulo: Perspectiva: FAPESP, 1996, p.15.

  • 15

    O Captulo II Contm informaes sobre a Linguagem Teatral e a produo e leitura

    de textos cnicos na sala de aula, que transmitem duas mensagens: a esttica e a semntica,

    segundo Abraham Moles, sobre a recepo da mensagem teatral.

    No Captulo III A demonstrao de como o teatro se configura como meio de

    comunicao no processo ensino-aprendizagem atravs da produo e recepo da mensagem

    teatral que neste estudo o contedo programtico escolar de arte para o ensino Fundamental

    e Mdio da rede estadual de educao.

    Outro aspecto que devemos ressaltar refere-se ao uso da palavra transmisso que

    ocasionalmente surgir na nossa pesquisa no sentido de veicular informaes, segundo as

    teorias da comunicao na situao de emisso e recepo de uma mensagem atravs de um

    canal, que neste caso trata-se da linguagem teatral. Mas reiteramos que a postura terico-

    metodolgica que est sendo abordada a proposta pedaggica construtivista adotada pelo

    Estado de So Paulo e sugerida pelos Parmetros Curriculares Nacionais, na qual o aluno

    constri o seu conhecimento em Arte, que se processa quando ele encontra um equilbrio

    entre o fazer e o compreender. A transmisso do contedo seria uma forma de pedagogia

    tradicional onde o aluno apenas receptor passivo do conhecimento emitido pelo docente; na

    nossa anlise da utilizao da linguagem teatral na situao ensino-aprendizagem

    demonstraremos que o aluno torna-se co-autor deste processo de forma receptiva mas atuante

    nas articulaes que compem seus saberes artsticos e estticos.

    A relevncia do teatro como meio de comunicao e seu papel pedaggico o que

    nosso estudo pretende demonstrar, pois acreditamos na importncia deste meio e sua

    contribuio na construo do conhecimento na situao ensino-aprendizagem, estabelecendo

    uma relao comunicativa entre docente e educando, auxiliando este processo de maneira

    significativa.

  • 16

    CAPTULO I - COMUNICAO UM PROCESSO

    A primeira idia que temos de comunicao a da situao de dilogo entre duas

    pessoas: o emissor e o receptor trocando idias, informaes e mensagens. Mas o fenmeno

    da comunicao no poderia restringir-se ao dilogo direto entre duas pessoas visto que os

    meios de comunicao de massa2, por exemplo, tambm transmitem ideologias atravs de

    mensagens verbais e no-verbais e, em vez da forma direta, a mdia utiliza um canal e/ou

    meios tcnicos para transmitir mensagens.

    Segundo Luiz C. Martino (2001, p. 12-13), em sua etimologia, comunicao vem do

    latim communicatio, cujo significado atividade realizada conjuntamente e aparece

    primeiramente no vocabulrio religioso. O autor explica que nos primrdios do Cristianismo

    existiam duas tendncias para interpretar o isolamento que juntamente com a contemplao,

    eram as condies para se conhecer e se aproximar de Deus. Uma destas tendncias eram os

    anacoretas, religiosos que viviam afastados radicalmente do convvio das pessoas. A outra

    tendncia conhecida como os cenobitas, que viviam em conventos e mosteiros (cenbios,

    do grego koenbion, cujo significado lugar onde se vive em comum). Nos mosteiros,

    ainda segundo o autor, o ato de jantar ou de tomar a refeio da noite em comum recebeu o

    nome communicatio. O termo communicatio referia-se mais situao de fazer algo com

    outras pessoas do que propriamente ao ato de comer, o que o relaciona ento prtica de

    romper o isolamento.

    Podemos perceber que o termo tambm no nasceu do desenvolvimento natural das

    relaes sociais entre os homens, mas de uma prtica que surgiu com a inteno de romper o

    isolamento dos eclesisticos em determinadas situaes de convvio entre seus pares:

    Alguns sentidos importantes se encontram implicados nesse sentido

    original: 1) o termo comunicao no designa todo e qualquer tipo de

    relao, mas aquela onde haja elementos que se destacam de um fundo de

    2 Meios de comunicao de massa. Sejamos mais precisos: eu usarei a expresso comunicao de massa para mereferir produo institucionalizada e difuso generalizada de bens simblicos atravs da fixao e transmissode informao ou contedo simblico. THOMPSON, John B. A mdia e a modernidade: uma teoria social damdia. Petrpolis: Vozes, 1998, p.32.

  • 17

    isolamento; 2) a inteno de romper o isolamento; 3) a idia de uma

    realizao em comum. (Martino, 2001, p.13).

    A comunicao no se configura pelo convvio, tambm no se aplica ao sentido

    platnico de participao que expressa a relao dos seres sensveis com as Idias3, tampouco

    tem algo em comum no sentido de ter caractersticas ou semelhanas entre si. No sentido

    etimolgico, comunicao j aparece como um produto de um encontro social, ou seja, um

    processo que delimitado com o tempo, mas no com a idia de viver em comum. Por

    exemplo, o fato de irmos ao teatro assistir a uma pea no consiste numa ao comunicativa

    mesmo sendo uma prtica coletiva, e tampouco por ficarmos um determinado tempo juntos

    (atores e platia). Para que haja comunicao, cremos que alm do emissor (direto ou

    indireto) e do receptor (direto ou indireto) e, dependendo da forma, de um canal (mediador),

    h a necessidade da interao entre ambos.

    Desse modo, pode-se dizer que o termo comunicao no se aplica nem s

    propriedades ou ao modo de ser das coisas, nem exprime uma ao que

    rene os membros de uma comunidade. Ele no designa nem o ser, nem a

    ao sobre a matria, tampouco a prxis social, mas um tipo de relao

    intencional exercida sobre outrem. (MARTINO, 2001, p.14)

    Portanto, podemos entender, atravs do autor citado que comunicar compartilhar,

    dentro de um determinado processo, um mesmo objeto de conscincia, ou seja, a

    manifestao que se expressa entre conscincias4, uma forma de ao em comum. O autor

    explica que desta forma a comunicao pode ser consumada desde que esta ao em

    comum tenha o mesmo efeito de conscincia. Precisamos entender tambm que o algo em

    comum manifestado na idia de ao em comum no se aplica s coisas materiais ou a sua

    propriedade, mas sobre outrem, sobre a realizao de um ato entre duas ou mais conscincias

    com objetivos comuns.

    3 Deve-se distinguir comunicao de dois outros termos. O primeiro participao, no sentido platnico. Paraesta tradio filosfica, participao expressa a relao dos seres sensveis com as Idias: as folhas das rvorese a esmeralda participam do verde, da Idia de verde. Todavia, comunicar no ter algo em comum no sentidode ter algumas caractersticas ou propriedades semelhantes, o termo no se refere essncia ou aos atributos dascoisas [...] E, por outro lado, comunicao no ter algo em comum, apenas por ser membro de uma mesmacomunidade. MARTINO, Luiz C. Teorias da comunicao: conceitos, escolas e tendncias. 2 ed. Petrpolis:Vozes, 2001, p.14.4 Conscincia: atributo altamente desenvolvido na espcie humana, pelo qual o homem toma, em relao aomundo e a seus estados interiores, aquela distncia em que se cria a possibilidade de nveis mais altos deintegrao, conhecimento, noo, idia. CUNHA, Antonio G. Dicionrio etimolgico Nova Fronteira daLngua Portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.208.

  • 18

    Relacionando ao nosso objeto de estudo, o processo de comunicao acontece quando

    o professor e o aluno se envolvem na emisso e recepo de uma determinada mensagem (o

    contedo programtico), e nesta ao comunicativa, passam a compartilhar do mesmo

    conhecimento. Acreditamos que a utilizao de um determinado canal, neste caso, a

    linguagem do teatro, possibilitar esta ao comunicativa como um estmulo gerador que

    levar o aluno anlise e reflexo das informaes percebidas.

    Para que a mensagem ou informao se estabelea como comunicao preciso que

    ela seja tomada como contedo simblico, ou seja, quando esta representa algo para algum.

    Portanto, para que o professor utilize o teatro como suporte para estabelecer uma forma de

    comunicao com seu aluno na inteno de transmitir e compartilhar determinado contedo,

    necessrio que este aluno participe de experincias com a linguagem teatral que possibilitem

    seu dilogo com a realidade, por meio da expresso de sua criatividade; conforme explica a

    Proposta Curricular para o Ensino de Educao Artstica no Ensino Fundamental (1997,

    p.20): Todo indivduo precisa participar de experincias com os signos verbais (palavras), e

    no-verbais (linhas, cores, formas, espaos, luzes, sons, ritmos, movimentos corporais,

    odores) para que elas se traduzam em conceitos significativos.

    A pea de teatro s se qualifica como mensagem quando acontece a interao ou

    relao entre emissor e receptor, nesta situao, palco e platia. Se no houver esta relao de

    compreenso entre ator e pblico decodificao da informao por parte deste - ento a pea

    de teatro torna-se apenas um suporte material, condio necessria para a comunicao, mas

    no como meio de comunicao efetivamente. Ento, para que a comunicao realmente

    acontea, a mensagem tem de ser recebida e decodificada pela platia. Por comunicao

    entendemos a recepo de uma informao, isto , uma novidade que, aos olhos do

    espectador, pode ou no tomar forma de um significado, pode ou no traduzir por uma

    significao. (BULIK, 2001, p. 108)

    Entendemos que, o palco, o espao cnico, a fala dos atores, sua linguagem visual e

    gestual como expresses, movimentos, indumentria, cenografia, so um suporte material ou

    meio para que se transmita a mensagem para ser lida ou interpretada pelos receptores e,

    portanto, compartilhada, estabelecendo-se uma relao ou comunicao. O emissor no teatro

    constitui-se como o ator, diretor/encenador, na ao dramtica, na realizao do espetculo.

    Como receptor temos o pblico que pode ou no conhecer os aspectos decodificadores da

    mensagem; se conhecer conseguir decodificar e interpretar aqueles elementos materiais que

    foram elaborados por outra conscincia, esta informao ser formatada. No devemos nos

  • 19

    esquecer de que informar no sentido etimolgico dar forma a, e na conscincia do receptor,

    portanto, esta informao constitui-se como comunicao.

    O suporte ou material algo necessrio para toda informao; no caso do teatro, tudo

    o que acontece no palco um cdigo, ou seja, a organizao desses traos materiais,

    compondo-os, organizando-os por meio de um cdigo e transformando-os na representao

    ou espetculo teatral. Luiz C. Martino (2001, p.18), diz que os traos materiais permitem uma

    reao no psiquismo do receptor de forma que possa se assemelhar ao psiquismo do emissor.

    O objeto de conscincia do emissor recebido pela conscincia do receptor por meio de

    traos materiais organizados em um cdigo, tornando, portanto, a informao veiculada em

    algo comum entre emissor e receptor, assim a informao parte do processo de comunicao

    ou mesmo seu sinnimo. E para outros autores, segundo Martino, informao designa o

    contedo do processo de comunicao, enquanto que o termo comunicao expressa a relao

    entre conscincias ou pessoas. Assim, Luiz C. Martino conclui que:

    Enfim, se a identificar com o plano material do processo, pode-se dizer que

    uma informao comunicao em potencial, se levarmos em conta a sua

    capacidade de ser estocada, armazenada (codificada) e reconvertida num

    segundo momento (decodificada) (MARTINO, 2001, p. 18).

    No processo ensino-aprendizagem pensamos no teatro no apenas como suporte, mas

    como meio de comunicao, para estabelecer uma relao comunicativa com seu aspecto

    material - a linguagem teatral condio necessria para a produo de textos cnicos que so

    capazes de despertar a reflexo num processo que envolver professor e aluno, cujo resultado

    possibilitar uma grande identificao do educando com aquilo que ele consegue adquirir na

    sala de aula, ou seja, o processo de construo do conhecimento do contedo programtico

    escolar.

    O teatro como meio de comunicao no mbito escolar poder estabelecer a relao

    comunicativa desde que o professor/emissor faa, atravs da linguagem teatral, chegar a

    mensagem, contedo, at seu receptor/destinatrio de maneira que este ltimo possa assimil-

    la. Pressupomos ento que o teatro constitui-se como comunicao desde que consiga

    estabelecer uma relao tal entre emissor e receptor atravs de um processo, no qual a

    informao s ser ativada na mensagem transmitida se, a outra conscincia, a receptadora,

    resgatar, decodificar e interpretar os traos materiais de maneira a reconstituir a mensagem.

  • 20

    Na situao de ensino-aprendizagem, o aluno que o receptor/destinatrio, alm de

    decodificar a mensagem, ou seja, o contedo emitido pelo professor, em algumas situaes,

    torna-se emissor/codificador para expressar o que assimilou e, portanto, compartilhar com o

    professor e com os colegas, assumindo o papel de leitor e de produtor de textos na linguagem

    cnica, e de construtor de sua aprendizagem. Este aspecto pode ser observado no contedo

    curricular para o Ensino de Arte no Ciclo Fundamental e Mdio: a leitura e produo de

    textos nas linguagens da arte, que explicaremos posteriormente.

    Assim, demonstraremos no ltimo captulo deste estudo como a linguagem teatral

    pode ser um suporte para que a comunicao entre o professor e o aluno acontea,

    estabelecendo a relao ensino-aprendizagem de maneira satisfatria. Acreditamos que antes

    de adentrarmos nas origens do teatro fez-se necessrio uma contextualizao acerca do

    processo de comunicao e o seu papel pedaggico, para situarmos nosso leitor na proposta

    de demonstrar que o teatro um meio de comunicao. Mais adiante, pretendemos

    exemplificar este processo comunicativo atravs do Tableau, tcnica de linguagem teatral que

    foi utilizada na transmisso e compreenso de contedos relacionados Esttica e Histria da

    Arte.

    1.1 - O teatro e a configurao de um processo comunicativo

    Antes de iniciarmos o estudo sobre as origens do teatro acreditamos ser necessrio

    esclarecer como acontece o processo que conduz naturalmente expresso dramtica nos

    indivduos e consequentemente situao de representao teatral.

    Podemos observar o impulso de dramatizao no homem como parte do seu

    comportamento e de sua personalidade na sua capacidade de desempenhar diferentes papis,

    na sua relao do eu-e-o-outro-no-aqui-agora e tambm no faz-de-conta que uma situao

    ficcional. O jogo do faz-de-conta uma simulao, no realidade, e acontece nas

    brincadeiras das crianas, que chamaremos de jogo simblico, assim tambm acontecia nos

    rituais do homem primitivo e que so manifestaes espontneas de uma necessidade primria

    resultado de transformaes simblicas do crebro humano. Foi essa capacidade espontnea

    de representao dramtica que evoluiu para o teatro, conforme explica Sandra Chacra (1991,

    p. 49).

    A criana imita o que v sua volta, assim como tambm fazia nosso ancestral pr-

    histrico em contato com o meio/natureza onde vivia. Para a criana o jogo simblico

    acontece naturalmente a partir dos dois anos de idade e faz parte de sua inteligncia, ou seja,

  • 21

    para compreender o mundo real no qual est inserido e em processo de adaptao; portanto,

    na brincadeira de faz-de-conta que encontra equilbrio afetivo e intelectual.

    O ritual do homem primitivo era muito simples no incio e foi se tornando mais

    complexo com sua evoluo, e assim tambm a criana passar da imitao, atravs do

    processo simblico, no qual o prazer de criar e de reproduzir faz parte do seu

    desenvolvimento como ser humano, para a expresso dramtica.

    A imitao passar para um estgio mais complexo pelo processo de transformao

    simblica, de reproduo experimentada, ou seja, um estgio de desenvolvimento mental, que

    preencher de significados a conduta humana tanto no seu aspecto lgico como psicolgico.

    Para Sandra Chacra (1991, p.50), a evoluo dos impulsos da primeira infncia como

    o instinto de lalao, da sensibilidade para a expressividade de qualquer tipo, dar origem s

    formas de manifestaes artsticas e sendo a mimese5 uma tendncia do homem, assim como

    a sua necessidade de simbolizao, encontramos (ento) os fundamentos do teatro. O instinto

    de lalao naturalmente se encaminhar para o simbolismo verbal, assim como o gesto, que

    o resultado do movimento espontneo do corpo, a origem do simbolismo gestual. A palavra,

    simbolismo verbal, e o gesto, simbolismo gestual, fundamentam o teatro, pois a palavra se

    estabelecer como texto ou, pea teatral; e o gesto, como desempenho do ator ou atuao,

    conforme explica Sandra Chacra (1991, p. 50).

    Devemos ressaltar que a representao dramtica tem uma ligao muito prxima ao

    processo social, conforme explica Moreno, citado por Sandra Chacra (1991, p. 52), pois

    atravs do desenvolvimento das fases de imitao, identificao, projeo e transferncia de si

    no outro, a criana personificar os papis necessrios para viver no seu psicogrupo.

    Sabemos que o desempenho de um papel a natureza da experincia dramtica, pois

    est relacionado ao movimento corporal, a linguagem verbal, emblemas, vestimentas, etc, ou

    seja, tudo aquilo que se encontra na interpretao de uma personagem pelo ator. um

    processo de interao entre o eu e o papel ou entre o eu e o ser humano, e ser til na sua

    situao social. No entanto, a expresso dramtica na vida real dos indivduos diferente da

    expresso dramtica ficcional, e esta diferena de ordem esttica: o teatro do palco

    fundamenta-se no teatro da vida, pois na arte a compreenso da realidade diferente. Existem

    3 nveis de expresso dramtica, o subjetivo, que a manifestao espontnea na criana do

    5 Mimese: Termo-chave para qualquer discusso acerca da criao artstica. Para Aristteles (384-322 a.C.) queo termo converteu-se na idia central do processo de criao em arte. Para Aristteles, a imitao algoinstintivo ao homem. Assim sendo, este se expressa artisticamente reproduzindo a realidade que o cerca,imitando essa realidade atravs de um processo de representao. VASCONCELLOS, Luiz Paulo da Silva.Dicionrio de teatro. Porto Alegre: L&PM, 1987, p. 104.

  • 22

    impulso de dramatizao, como vimos anteriormente; o segundo nvel o expressivo ou seja,

    a reao espontnea a uma situao real e presente constitui-se na auto-expresso, na

    condio de (dar oportunidade) possibilitar o que vai na subjetividade emocional; finalmente,

    o terceiro nvel, que o teatral. O terceiro nvel de expresso dramtica, o teatral, configura-se

    na expresso que repetida pelo jogo e pelo desejo de jogar; o nvel teatral arte, forma de

    expresso, ou seja, a criao de formas simblicas6 do sentimento humano e sendo assim

    podemos entender que o conhecimento simblico extrapola o campo da existncia real

    tornando-se ficcional, conforme afirma Sandra Chacra (1991, p. 52).

    A expresso teatral pode ser entendida ento como o controle da espontaneidade do

    primeiro nvel, a conscincia e o uso de um simbolismo especfico e adequado em funo do

    qual a representao dramtica teatral no seu sentido esttico.

    Acreditamos que esta capacidade natural do ser humano para a imitao e

    consequentemente de simbolizao e jogo na infncia, assim como a necessidade de

    representao por meio da ao dramtica ou teatral pode ser um aliado na situao de ensino-

    aprendizagem. Pressupomos que a partir do contato com a linguagem teatral, os alunos esto

    sendo preparados para serem leitores crticos capazes de decodificar as mensagens implcitas

    nas informaes veiculadas por este meio, o que certamente poder inferir no processo

    cultural da sociedade na qual esto inseridas.

    A linguagem teatral constitui-se como um canal entre o professor, o conjunto de

    contedos e os alunos, que podemos comparar, na relao comunicativa, a receptores

    destinatrios que decodificaro a mensagem emitida, atingindo os objetivos propostos pelos

    Parmetros Curriculares Nacionais para o desenvolvimento das linguagens e da formao

    artstica e esttica dos alunos:

    A rea de arte que se est delineando neste documento visa a destacar os

    aspectos essenciais da criao e percepo esttica dos alunos e o modo de

    tratar a apropriao de contedos imprescindveis para a cultura de criar um

    campo de sentido para a valorizao do que lhe prprio e favorecer o

    entendimento da riqueza e diversidade da imaginao humana (BRASIL,

    1998).

    6 Formas simblicas: smbolo aparece como aquilo que, por sua forma ou sua natureza ou por princpio deanalogia, representa ou substitui outra coisa (...) Pode significar, tambm, elemento descritivo ou narrativosuscetvel de dupla interpretao associada quer ao plano das idias, quer ao plano real; e, ainda, alegoria,comparao metfora. MATE, Alexandre. Educao com arte. Srie idias; n 31. So Paulo: FDE, Diretoria deProjetos Especiais, 2004, p.92.

  • 23

    Portanto, estabelecer uma relao comunicativa entre professor e aluno atravs de um

    meio para que ambos possam refletir um mesmo objeto de conscincia, ou seja, os contedos

    escolares sobre arte e os modos de produo e aplicao desses conhecimentos na sociedade

    papel fundamental da escola.

    Como j ressaltamos nosso estudo tem como objetivo estudar o teatro como meio de

    comunicao entre o professor/emissor e o aluno/receptor destinatrio, sendo eficaz na

    transmisso e aquisio da mensagem/contedo de arte, envolvendo o aluno como construtor

    de seu conhecimento e o professor, que atua como questionador, instigador e colaborador da

    reflexo para a formao de conceitos significativos necessrios para a aprendizagem. Para

    tanto, faremos um breve resgate da comunicao teatral e de suas origens que preservaram os

    aspectos do sagrado mesmo quando em sua evoluo, o espetculo tornou-se leigo. Neste

    contexto, tambm faremos uma investigao das origens do teatro no ocidente com uma

    anlise do espetculo grego nos sculos V e IV a.C. e como se estabeleceu a interao entre

    palco/emissor e platia/receptor na sociedade ateniense daquele perodo.

    Acreditamos que possvel, por meio deste breve resgate, traar um parmetro das

    origens do teatro moderno, que tem suas razes no teatro grego da antiguidade, e suas

    caractersticas comunicativas com o trabalho desenvolvido na proposta pedaggica do ensino

    de arte com os alunos da rede estadual de ensino de So Paulo.

    Ao desenvolver a linguagem teatral nas aulas de ensino de arte, alm da relao

    comunicativa, estabelecemos um vnculo natural com a situao de ensino-aprendizagem

    atravs dos jogos simblicos; acreditamos que conseguiremos tambm atingir um dos

    objetivos desta rea que a apreciao esttica. A apreciao esttica compreende uma

    reflexo, os sentimentos provocados pelo belo artstico, ento na histria da arte o aluno

    encontrar as formas com as quais o conhecimento humano permite a estruturao e

    organizao do mundo pelo homem em processo constante de transformao de si e da

    realidade na qual est inserido. Neste contexto, podemos buscar nas origens do teatro e da

    prpria histria da arte, portanto, o seu desenvolvimento como um dos meios pelos quais os

    indivduos estabelecem um processo de comunicao, e troca de informaes de contedo

    simblico desde as sociedades mais remotas.

    A histria do teatro confunde-se com a histria do homem e sua necessidade de

    comunicao, desde o princpio, quando o nosso ancestral primitivo tentou entrar em contato

    com as foras da natureza imitando seus sons e movimentos de maneira instintiva e passando

    a usar mscaras como disfarce. Os meios de expresso do homem primitivo, inicialmente

    simples ficaram mais complexos e, aos poucos, evoluram para os ritos nos quais incluram

  • 24

    evolues rtmicas, danas, smbolos e representaes mais elaboradas. Assim, na

    Antiguidade, j foram colocadas em ao as regras das festividades religiosas, numa tentativa,

    provavelmente, de estabelecer uma forma de comunicao que servia para mediar os seres

    humanos e os deuses, conforme abordaremos a seguir.

    Segundo a histria, o teatro nasceu do rito e foi sucedido pelo espetculo - aquilo que

    atrai o olhar - e que, segundo Linda Bulik (2001, p.48), colocaria o espetculo, portanto, como

    um modo de participao entre emissor e receptor, assim como entre os iniciados, os

    sacerdotes, e os no-iniciados, o pblico, nas cerimnias religiosas, o que lhe atribui

    caractersticas comunicativas. Segundo Sandra Chacra:

    curioso notar que nas suas origens o teatro era um ritual, um jogo

    sagrado, onde o pblico desempenhava um papel ativo dentro da cerimnia

    religiosa. Tratava-se de uma assistncia bastante homognea, do ponto de

    vista scio-cultural, iniciada nos procedimentos do rito capaz de ser

    relativamente sensibilizada pelas mesmas emoes, sendo, por isso, sob

    esse aspecto, infenso improvisao. medida que o teatro evolui, o

    pblico vai deixando gradativamente de ser participante para se tornar

    espectador(CHACRA, 1991, p.91).

    O jogo ento o princpio do teatro, pois era praticado como um ritual ldico no

    passado remoto, assim como as crianas brincam de maneira espontnea por meio do jogo

    simblico e que evoluir para as primeiras manifestaes dramticas, e consequentemente

    para os jogos dramticos e para os jogos teatrais.

    O rito configura-se como um conjunto de regras que se deve observar na prtica

    religiosa, portanto, o rito uma forma ou ato de comunicao com as divindades. Neste

    aspecto, o rito inclui o mito, segundo Emile Nol, citado por Linda Bulik (2001, p.57). Neste

    contexto podemos verificar que o mito sempre apresenta um contedo simblico;

    representao idealizada de um estado de humanidade em um passado remoto ou num futuro

    fictcio, segundo Antonio Cunha7 (1986, p.535).

    O espetculo, assim como o teatro, est relacionado com aquilo que atrai o olhar do

    receptor, e o teatro o lugar de onde se v, ou como se explicaria no passado clssico, um

    lugar para olhar os deuses descerem (BULIK, 2001, p.45). Percebemos neste contexto o

    carter ritualstico do teatro, que se encontra no rito e na repetio de um arqutipo e na sua

  • 25

    relao com o simblico, pois mito uma narrativa, ou seja, estrutura portadora e

    organizadora de smbolos.

    Na passagem do culto8 ao rito e do rito ao espetculo o mito que, como elemento de

    transformao, mantm o carter religioso e reafirma esta ideologia no espetculo.

    Segundo Mircea Eliade, citado por Jabouille, na Introduo Edio Portuguesa do

    Dicionrio da Mitologia Grega e Romana de Grimal,

    (...) o mito conta uma histria sagrada; relata um acontecimento que teve

    lugar no tempo primordial, no tempo fabuloso das origens. Por outras

    palavras, o mito conta como, graas ao actos dos seres sobrenaturais, uma

    realidade teve existncia, quer seja a realidade total, o Cosmo, ou apenas

    um fragmento: uma ilha, uma espcie vegetal, um comportamento humano,

    uma instituio. , pois, sempre uma narrativa de uma criao: conta-se

    como qualquer coisa foi produzida, como comeou a ser. O mito no fala

    seno naquilo que aconteceu realmente, naquilo que se manifestou

    completamente, as personagens do mito so Seres Sobrenaturais

    (JABOUILLE apud GRIMAL, 1997, p. XIII).

    Jabouille explica ainda que Eliade tenta definir o mito a partir dos trabalhos de Jung e

    sua teoria dos arqutipos; para Jung, discpulo e posteriormente dissidente de Freud,

    considerado o pai da psicanlise, arqutipos so os herdeiros do passado mais remoto, ou seja,

    so aqueles traos que se tornaram hereditrios das primeiras experincias existenciais do

    homem perante a natureza, a si prprio e aos outros homens. Deste modo, Jung mostra que os

    arqutipos so maneiras de comportamento universal tpico, o que corresponde a formas de

    conduta biolgica ou a princpios regulamentados ou a formas primrias de experincia.

    Assim, os arqutipos so manifestaes inconscientes ou foras que se impem s imagens

    prprias dos indivduos. No entanto, o arqutipo no uma imagem, mas trata-se do impulso

    que d origem a imagens, e o smbolo a explicao de um arqutipo desconhecido. Esta

    teoria de Jung explica o inconsciente individual e o inconsciente coletivo, que pode definir a

    estrutura mental que se materializa na mitologia: Os produtos arquetpicos no se apresentam

    como mitos j formados, mas como elementos mticos, como motivos. O mito , pois, a

    7 CUNHA, Antonio G. Dicionrio etimolgico Nova Fronteira da Lngua Portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1986, p.535.8 Culto: adorao ou homenagem divindade em qualquer de suas formas e em qualquer religio. Idem. p.233

  • 26

    projeco de uma forca psquica que parte de um objecto real e o transfere na representao

    (JABOUILLE apud GRIMAL, 1997).

    Assim o mito, na sua configurao, possui caractersticas dramatrgicas pois o mito

    forma simblica de representao das percepes de um determinado grupo, e segundo Luiz

    Paulo da Silva Vasconcellos (1987, p. 131), trata-se, portanto, da expresso das verdades e

    dos valores desse grupo, o que o aproxima da matria-prima ideal para o drama; tambm

    Aristteles (384-322 a. C.) demonstra aspectos dramatrgicos para o mito o qual, segundo o

    filsofo grego, corresponde imitao de aes, ou seja, sinnimo de fbula, enredo,

    intriga.

    Podemos dizer ento que o mito o elemento de transformao do espetculo

    religioso em espetculo leigo, de entretenimento, mas que aos poucos tambm adquiriu

    aspectos intelectuais.

    Para entendermos o espetculo teatral e suas origens no sagrado citamos Linda Bulik

    (2001, p.48-49):

    Admitamos que, naquilo que aqui interessa, supe-se a co-presena do

    espetculo e do pblico, que pode se definir por formar (um tempo, um

    lugar) e que pode ser rodeado de prticas rituais ou convencionais

    (iniciatrias, de abertura , de encerramento...). mais prximo do teatro

    ento, como sugere Belaval (op cit:11), o espetculo o ato comum do ator

    e do espectador.

    Ao explicar as caractersticas comunicativas das origens do espetculo teatral, Linda

    Bulik retm a idia de que o espetculo tudo o que na ordem do divertimento regulado,

    transmite algo para ser visto por um pblico espectador.

    Linda Bulik (2001, p.48) explica, segundo Nol que o mito e o rito pertencem esfera

    do sagrado enquanto cerimnia, jogo, festa e espetculo, situam-se no mbito do profano mas

    com evidncias do sagrado.

    Nestes aspectos ritualsticos das origens do espetculo encontramos a situao de

    comunicao em geral,

    Quem diz o qu

    Para quem

    Em que circunstncias

    E com que efeitos?(BULIK, 2001, p.29).

  • 27

    Ainda segundo Noel, este esquema aproxima-se da leitura sociodinmica do teatro de

    Abraham Moles9 e tambm do modelo de Harold D. Lasswell, na viso de Antonio Hohlfeldt

    (2001, p.79): emissor (fonte) mensagem receptor. Contudo, o modelo de comunicao

    proposto por Lasswell ser abordado posteriormente neste estudo quando destacaremos as

    origens da comunicao.

    O espetculo teatral, portanto, contm desde suas origens, aspectos comunicativos que

    foram preservados ao longo dos tempos, e isto fez com que o teatro, como meio de

    comunicao, tenha desenvolvido diversos papis nas sociedades. Ao estudarmos a

    transformao do espetculo e sua evoluo at sua configurao atual, encontramos na

    antiguidade clssica todos os elementos que o situam entre o sagrado e o profano, assim como

    suas caractersticas comunicativas preservadas desde as suas origens.

    O estudo das origens do teatro e sua importncia para a sociedade grega nos sculos V

    e IV a.C. tambm nos proporciona o entendimento da educao artstica daquele povo.

    Acreditamos que a valorizao do espetculo teatral pela sociedade grega trar elementos que

    nos aproximam de nossa proposta: o teatro como meio de comunicao no processo de

    ensino-aprendizagem.

    As transformaes do espetculo religioso em espetculos leigos na Grcia originaram

    a principal manifestao cultural dos gregos, e que se reflete at hoje entre ns, segundo

    Antonio Hohlfeldt (2001, p.66). Nas prticas religiosas ligadas s atividades agrcolas, como

    os cultos dedicados a Dionsio, o deus grego da vinha, do vinho e do delrio mstico na poca

    clssica, encontra-se, provavelmente, a origem do teatro trgico e cmico e as razes do teatro

    moderno.

    Dionsio era festejado com procisses tumultuosas nas quais figuravam, evocados por

    mscaras, os gnios da terra e da fecundidade, segundo o Dicionrio da Mitologia Grega e

    Romana, de Pierre Grimal (1997). Na Grcia Clssica, nos sculos V e IV a.C. esta

    transformao foi marcante: os cultos dionisacos geraram o espetculo do teatro grego a

    partir da transformao de seu rito em espetculo, com um sentido de divertimento que se

    opunha ao carter religioso do rito. No entanto, medida que este espetculo/teatro evoluiu,

    tambm adquiriu uma caracterstica cada vez mais cvica. Portanto, para a sociedade grega na

    poca clssica, o teatro ao mesmo tempo religioso e cvico. Enquanto o culto a Dionsio

    9 Abraham Antoine Moles: autor da sociodinmica da cultura que tem por objetivo conceituar o fenmenocultural no quadro doutrinal das Cincias Humanas, cujo objetivo o operador humano. Todas essasCincias Humanas pretendem constituir um conhecimento objetivo do homem enquanto sistema reativo.BULIK, Linda. Comunicao e teatro: por uma semitica do Odin Teatret. So Paulo: Arte & Cincia, 2001,p.28.

  • 28

    continuava presente no tempo e espao (espetculo e edifcio), em sua substncia surge a

    essncia da polis10. O carter religioso do espetculo grego era sustentado pelo mito, que se

    configura na comunicao do homem com a divindade, ou seja, da imposio natureza de

    um sistema semntico (sistema de significados). Ento os gregos interrogavam a natureza no

    seu espetculo pois acreditavam que a resposta plena ou verdadeira mensagem viria do

    sobrenatural: o destino do homem era articulado pelos deuses, mas na sua evoluo, tanto a

    comdia como a tragdia passaram a buscar a verdade humana, o questionamento do homem

    como ser integrante da sociedade civil.

    Roland Barthes (1990, p.68) afirma que o culto ao deus permaneceu presente no

    espetculo grego no tempo e no espao do edifcio consagrado a Dionsio, constituindo assim

    sua ligao com a mitologia, e ao mesmo tempo, a cidade evolui ligando-se com a filosofia do

    sculo IV a.C. tambm presente na representao.

    Deste modo, podemos perceber como o espetculo grego se inseria naquela sociedade,

    tornando-se um dos aspectos principais da vida social:

    O papel do teatro nesta sociedade revela-se de extrema importncia, basta

    lembrarmos que as narrativas mticas, material que inspirava as obras

    dramticas e em torno do qual se reunia toda uma populao, era um bem

    comum e de grande importncia cultural para o povo grego (DEGRANGES,

    2003, p.05).

    Nestas circunstncias, o teatro grego obteve como em nenhuma outra civilizao uma

    relao tal entre uma sociedade e seu espetculo: o teatro grego o verdadeiro teatro popular,

    afirma Barthes (1990). No teatro grego existia uma relao de interatividade entre o

    espetculo e o pblico de tal intensidade que o que caracteriza sua ao comunicativa.

    O pblico no teatro grego se preparava com seus melhores trajes e com os enfeites

    prprios das festividades religiosas e ao ar livre o pblico entrava em contato com a

    representao e com a natureza. Portanto, o teatro/espetculo grego inclui alm do rito, a

    cerimnia11, a festa12 e o jogo13. O espetculo grego acontecia em determinadas pocas do ano

    10 Trata-se da institucionalizao e legitimao do Estado grego atravs do contexto histrico e literrio daurbanizao e hegemonia de Atenas sobre as demais cidades-estado, o desenvolvimento democrtico, a evoluodos costumes, da filosofia e a valorizao da arte bem como de sua intensa atividade poltica e judicial.HOHLFELDT, Antonio. Teorias da comunicao: conceitos, escolas e tendncias. 2 ed. Petrpolis: Vozes,2001, p.64-66.11 Cerimnia: forma exterior e regular de um culto, solenidade, cerimonial, conjunto de formalidades que sedevem seguir numa solenidade. CUNHA, Antonio G. Dicionrio etimolgico Nova Fronteira da LnguaPortuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p. 173.

  • 29

    como o festival ateniense ou as Dionisacas, e os dias do festival eram vividos para o teatro,

    que se iniciava com as procisses em honra ao deus at as prprias representaes numa

    comunho total entre espetculo e espectadores. O grande nmero de pessoas se acomodava

    de modo integrado nas arquibancadas, com cestas de alimentos, pois permaneciam no teatro o

    dia todo, como uma verdadeira celebrao em comunidade destacando o carter festivo

    daquele evento. O espetculo grego era um acontecimento que revelava toda a simbologia que

    caracteriza o aspecto ritualstico que permaneceu no teatro grego desde as suas origens mais

    remotas at o auge deste espetculo no perodo clssico. Acreditamos que estes aspectos se

    configuram na cerimnia que caracteriza o espetculo grego, assim como na repetio do rito

    que atualiza o mito, conforme afirma Linda Bulik (2001, p.44), e que como j explicamos

    anteriormente possui caractersticas dramatrgicas e comunicativas.

    1.1.1 - O espao comunicativo do teatro

    Para entendermos o processo de comunicao entre espetculo e pblico na Grcia

    Clssica, necessrio lembrarmos da diferena entre aquele teatro ao ar livre e o teatro atual,

    que acontece na sala escura, embora existam tendncias contemporneas de busca por espaos

    alternativos de encenaes. A arquitetura est muito relacionada com a realizao do

    espetculo, de modo que, o local para a representao ou o espao cnico contribui tambm

    para estabelecer a relao comunicativa entre intrpretes e espectadores.

    A relao estabelecida entre palco e platia tem-se modificado desde os

    primrdios da arte teatral at os nossos dias, e cada perodo da histria do

    teatro revela uma maneira prpria de participao proposta ao espectador. A

    comunicao que se estabelece atualmente nos espetculos teatrais, que

    promovem o encontro dos artistas em cena com os espectadores na sala, se

    difere assim, daquela que se efetivava entre teatro e pblico em perodos

    anteriores de nossa histria. Observar como se dava essa relao entre palco

    e platia em outras pocas e sociedades nos permite investigar os diferentes

    aspectos dessa comunicao e refletir acerca das diversas maneiras que os

    12 Festa: Quadro espao/tempo no qual pode ser praticado um certo nmero de aes (jogos, comportamentos,etc) permitindo coletividade de se reinvestir re-jogando o mundo e/ou o social de um modo situado entre oprofano e o sagrado. BULIK, Linda. Comunicao e teatro: por uma semitica do Odin Teatret. So Paulo:Arte & Cincia, 2001, p.49.13 Jogo: estruturas de aes cujos contedos podem ser muito diversos fazendo apelo a sensrio-motricidade e/ou inteligncia, e/ou imaginao e cuja economia se situa entre um sistema de regras e o como se. BULIK,Linda. Comunicao e teatro: por uma semitica do Odin Teatret. So Paulo: Arte & Cincia, 2001, p.49.

  • 30

    espectadores podem ser convidados a participar do evento teatral

    (DEGRANGES, 2003, p.01).

    necessrio esclarecer que o espao cnico ou espao de representao no se refere

    apenas ao edifcio isoladamente, refere-se tambm relao de interao entre palco e platia

    e de como, atravs dos tempos, este elemento acompanhou a maneira pela qual se estabeleceu

    a representao teatral.

    A arquitetura do teatro grego propiciava esta relao entre artistas e pblico,

    estabelecendo-se como espao de representao adequado para promover a catarse trgica

    pois, como afirma Sbato Magaldi (1991, p.48), a prpria disposio do pblico volta da

    orchestra aquecia o espetculo, promovendo esta relao interativa.

    Na Grcia Clssica, as arquibancadas ficavam a cu aberto, geralmente ocupando a

    encosta de uma colina, sendo uma espcie de hemiciclo chamado de thatron lugar de onde

    se v, cuja capacidade chegava a abrigar cerca de vinte mil espectadores. O thatron ligava-se

    a skn construo que servia de camarim e em cujo muro frontal eram colocados os

    cenrios. Posteriormente, foi acrescentado Skn um tipo de estrado, o prosknion, onde se

    concentrava a ao. O que chamamos hoje de palco seria a juno da Skn com o

    prosknion. Entre o thatron e a skn ficava a orchestra, formao circular de cerca de vinte

    metros de dimetro, de cho de terra batido, lugar de apresentao do coro, danarinos,

    msicos.

    Ressaltamos, a distribuio espacial da arquitetura do teatro grego clssico promovia

    tambm a comunho entre intrpretes e pblico, pois se os atores ficavam na skn, a

    distncia entre aquele espao e a platia era reduzida pela orchestra, com sua forma circular

    configurando-se como elemento de ligao.

    A arquitetura daquele teatro, a cu aberto, com sua circularidade, simbolizava a

    comunho do homem com a divindade homem e natureza criando uma verdadeira unidade

    entre pblico e intrprete.

    A terica Linda Bulik afirma tambm que para Abraham Moles, a situao de

    comunicao teatral est vinculada ao prprio espao do espetculo, no esquecendo que a

    identificao do modo e do lugar so finalizados pelo vocabulrio segundo a observao do

    autor. Segundo a autora, (...) teatro designa a arte e o edifcio, da a ambivalncia. Esta

    estreita ligao entre a situao e o lugar define os aspectos sociais da representao; ela

    complementa citando Abraham Moles, que diz:1. no existe teatro privado para uma pessoa;

    2. teatro implica uma troca de mensagem entre atores e assistentes, uma audincia, digamos

  • 31

    ainda um grupo ativo tornando - se um grupo receptivo. (MOLES, 1967: 228, apud BULIK

    , 2001 p.29).

    O espetculo grego era composto por elementos de integrao entre pblico e atores,

    que proporcionavam sua interao de maneira eficiente atravs do espao arquitetnico, dos

    protocolos, das instituies e das tcnicas de representao. Alm da Choria, que a tcnica

    fundamental do teatro grego, ou seja, a sntese das linguagens da poesia, msica e dana, a

    platia possua maior participao na atuao no coro. A funo do coro era fazer a

    coletividade confrontar os acontecimentos e assim compreend-los, pois o coro posicionava-

    se na orchestra, volta da thyml, entre o local dos atores, a skne, e a platia, como

    elemento de ligao entre o texto teatral e o pblico.

    Era atravs do coro que a participao da platia se tornava efetiva, pois o coro,

    geralmente formado por um grupo de amadores, tinha como caracterstica principal cantar em

    unssono e era originrio das festividades em homenagem a Dionsio; era o coro que

    transmitia ao teatro grego o sentimento de coletividade, como diz Roland Barthes (1990,

    p.78): O coro dialoga com o autor pela voz do corifeu, colocava-se sua volta para apoi-lo

    ou para interrog-lo: participa sem agir, porm comentando; em resumo, a coletividade

    humana confrontada com o acontecimento, buscando compreend-lo.

    preciso tambm compreender a importncia da Choria na sociedade e no teatro

    grego atravs da educao ateniense, pois Roland Barthes (1990, p.77), quando cita Hegel, diz

    que atravs da representao completa de sua corporalidade, o canto e a dana, o ateniense

    manifestava sua liberdade: a liberdade de transformar seu corpo em rgo do esprito. Para

    entendermos este aspecto da vida e do teatro na sociedade grega dos sculos V e IV a.C.

    preciso tambm lembrar que os executantes da Choria no eram artistas especializados,

    profissionais, pelo contrrio, eram pessoas comuns que participavam indicando a dimenso

    artstica educativa daquela sociedade.

    A Choria era constituda de um verdadeiro sistema semntico e seus elementos eram

    conhecidos pelo pblico, sendo que este cdigo era de domnio dos espectadores gregos;

    portanto, a leitura das danas e dos movimentos corporais era feita de maneira objetiva e

    formal, nos levando a crer que a apreciao esttica e semntica era completa. Sandra Chacra

    (1991, p.86) diz que: Deste modo, a estrutura de uma platia afeta a natureza da forma de

    arte. Os padres sociais e o comportamento da comunidade podem alterar materialmente a

    estrutura do texto, a encenao e a interpretao.

    Em todas as representaes do espetculo grego, com exceo do ditirambo, o coro se

    apresentava mascarado. As mscaras, confeccionadas com linho estucado e pintado, alm de

  • 32

    perucas e barbas postias, compunham as personagens. Na poca clssica, a mscara tinha a

    funo de ajudar na comunicao entre os deuses e os homens, pois, atravs dela, a voz dos

    intrpretes transformava-se, parecendo vir de outro mundo.

    E esta parece ser tambm a funo da indumentria, ou seja, o vesturio de cena, que

    era composta pelo vesturio grego comum, mas que era carregado de cores e bordados que

    remetiam ao traje de Dionsio. Assim, no vesturio de cena encontravam-se os elementos dos

    trajes comuns dos homens que para comunicar-se com o deus, traziam elementos irreais, visto

    que no eram usados no dia-a-dia. necessrio acrescentar que havia tambm certas

    convenes, como a prpura para o manto dos reis, o negro para o traje das cenas de luta.

    Assim, na poca helenstica, a indumentria tende a uma aparncia, muito artificial, com os

    coturnos que aumentavam a figura do ator, pois estes efeitos de indumentria tinham uma

    inteno, que era transmitir o espetculo de grandes propores para a multido que buscava a

    interao com a representao.

    As histrias encenadas eram conhecidas pelo pblico que buscava no espetculo as

    diferentes nuanas das representaes, ou de cada texto teatral: A mensagem teatral

    comporta, como as demais, um aspecto semntico a histria contada, as idias sustentadas, a

    tese apresentada, e um aspecto esttico o jogo dos atores, a escolha das palavras, o calor

    comunicativo, etc (MOLES, p.228).

    Compreendemos que a recepo da mensagem teatral pelo pblico grego acontecia

    sob os dois aspectos, o semntico e o esttico, pois os elementos do teatro eram conhecidos

    por todos os espectadores, capazes de fazer a leitura dos cdigos atravs de sua funo

    intelectiva assim como de sua funo plstica ou emotiva, conforme afirma Roland Barthes

    (1991, p. 78).

    Na poca clssica, o espetculo grego era composto pelo ditirambo e o drama satrico,

    a tragdia e a comdia, e o comos e as audies timlicas. Acreditamos que em todos os

    gneros que compunham o espetculo grego, o carter religioso permaneceu paralelamente ao

    carter cvico e filosfico, como explicaremos a seguir. Alm disso, desde suas origens o

    carter religioso e ritualstico configura-se como uma relao comunicativa, um intercmbio

    entre homens e deuses, que permanece no espetculo grego em sua evoluo.

    As audies timlicas se configuravam mais como concertos do que como

    representaes e os executantes se posicionavam na orchestra, volta da thyml, palavra

    grega que significa altar: nos antigos teatros gregos, portanto, no centro da orchestra erguia-se

    o altar em honra ao deus Dionsio.

  • 33

    O ditirambo era uma forma de poesia lrica escrita para ser cantada em homenagem a

    Dionsio; oriundo do pas drico, foi introduzido na tica por Tespis14, por volta de 550 a.C.;

    o ditirambo era uma forma meio-religiosa e meioliterria, sendo que no incio, o canto era

    improvisado at que um poeta passou a escrev-lo e, ento, cantado sobre um texto em

    verso, conforme diz Sandra Chacra (1991, p.24). No entanto, foi em Atenas que o ditirambo

    adquiriu sua forma regular: uma espcie de drama lrico de temas mitolgicos e histricos,

    composto por um cortejo de cinqenta homens ou crianas menores de dezoito anos, no

    usavam figurino, e se apresentavam na orchestra. Sua msica era agitada, suas danas eram

    cclicas e giravam volta da thyml, o que configura nesta modalidade dramtica sua ligao

    com o sagrado.

    Quanto ao drama satrico, que tambm era conhecido como drama silenico, era um

    coro composto por stiros, ou seja, personagens meio-homem, meio-cavalo, conduzidos por

    Silenio, uma figura mitolgica, pai adotivo de Dionsio. Geralmente, os dramas satricos

    colocavam uma personagem j conhecida do pblico de representaes anteriores em uma

    situao ridcula qualquer, criando-lhe uma espcie de caricatura. E o coro apresentava-se

    fantasiado e mascarado com uma linguagem mais gestual que verbal, pois sua funo era de

    amenizar as emoes causadas pelas trgicas apresentaes que aconteciam anteriormente.

    Sobre os comos ou comoi, Roland Barthes (1990) diz se tratar de uma provvel

    sobrevivncia de procisses isoladas de cultos a Dionsio. Os comos eram cortejos

    constitudos por jovens mascarados cujos espetculos iniciavam o culto ao deus e o festival

    ateniense de teatro. Assim, tanto no drama satrico como nos comos encontrava-se a ligao

    do rito e o mito, que segundo Roland Barthes (1990) era de ordem fsica: possesso, dana, ou

    seja, componentes que traduzem satisfao e liberao. Talvez nesta ligao do rito e do mito

    esteja a compreenso da carthasis teatral: Depois de assistir a uma tragdia os espectadores

    saam dos teatros como que purificados, aliviados espiritualmente, algo parecido com o tipo

    de conforto que religiosos tm quando acompanham um culto, por exemplo. Esse estado de

    vivncia emocional ou de limpeza interior chamava-se catarse (do grego khatarsis) e,

    modernamente, como j apresentado, corresponde empatia ou identificao (MATE, 2004).

    Desde Aristteles, catharsis, a funo da tragdia e tema de discusso, e segundo

    Roland Barthes (1990 p.69), ainda hoje acredita-se que apenas o ditirambo, o drama satrico e

    14 Tespis Segundo a tradio, atribuiu - se a Tespis as primeiras configuraes reais do teatro. Ele teriasubstitudo o improvisador, que ate ento se incumbira desse papel, de modo necessariamente aleatrio, por umautentico autor. apontado como o primeiro a colocar o ator num espao cnico fora do coro, o palco, nofalando para o coro, mas retratando as atribulaes do seu prprio heri. CHACRA, Sandra. Natureza esentido da improvisao teatral. So Paulo: Perspectiva, 1991, p. 24.

  • 34

    a comdia estavam ligados aos cultos a Dioniso, e no a tragdia, que seria uma criao da

    polis grega, a qual teria apenas utilizado o edifcio consagrado ao Deus.

    Na tragdia, como na comdia, a presena do coro de fundamental importncia para

    entender o sentimento do coletivo que originou o teatro grego, de total interao entre autores,

    intrpretes e platia simultaneamente, sendo que no se encontra correspondncia assim entre

    espetculo e pblico em nenhum outro momento da histria.

    A estrutura da tragdia, como na comdia, mais elaborada, sendo composta de partes

    regulamentadas, mas com a alternncia de trechos falados e cantados, da narrativa e do

    comentrio. Percebemos ento neste aspecto, a importncia do coro no teatro grego, no s

    pela funo dramtica, lrica, pica e narrativa, mas principalmente pela funo reflexiva que

    exercia na platia, caracterizando a relao comunicativa entre emissor e receptor, da qual o

    teatro e sua linguagem eram um meio para a transmisso da mensagem que ao mesmo tempo

    religiosa (mitolgica) e leiga (filosfica). A platia, na tragdia grega, assistia no presente a

    transformao do passado em futuro, ou seja, os acontecimentos do presente tinham razes no

    passado e isto poderia resultar em conflito no futuro. No presente, o pblico via a liberdade

    de escolha do heri depois de conhecer seu passado; no entanto, era o sentido desta escolha

    que viria na resposta de deuses e homens. Podemos entender esta transformao atravs de

    Eliade, apud Jabouille (1997, p. XIV):

    o heri repete um gesto arquetpico e, desse modo, o homem, integrado na

    sociedade suportou, durante sculos, pesadas presses histricas sem

    desesperar, sem recorrer ao suicdio nem cair na esterilidade espiritual. No

    eterno presente converge fatalmente o passado e o futuro. Os

    acontecimentos histricos justificam-se como um eterno retorno, um

    renovar perene do mito ou, por outro lado, como uma sucesso de teofanias.

    Para entender o carter cvico do espetculo grego na poca clssica e sua evoluo

    preciso entender que os gneros relacionados a Dionsio passavam para as instituies civis,

    provavelmente para acalmar este deus contraditrio: Podemos perceber assim, como um

    espao religioso foi sendo transformado em espao de representao, a cerimnia religiosa vai

    dando lugar a uma cerimnia teatral (DEGRANGES, 2003, p.05).

    Neste sentido o teatro grego no era apenas uma forma de entretenimento, era um

    canal de comunicao que transmitia no apenas a idia do sagrado na comunho do homem

  • 35

    com a natureza mas, tambm transmitia a noo de civismo, um verdadeiro teatro popular,

    ensinava os valores sociais de seu tempo.

    O teatro foi utilizado pelo Estado grego como celebrao de carter cvico e religioso

    com o objetivo de educar os cidados, ou seja, de doutrinar e transmitir conhecimentos aos

    seus espritos e tambm para sensibiliz-los, conforme explica Alexandre Mate (2004, p.81).

    Sabemos que os grandes festivais de teatro, na Grcia Clssica foram subvencionados

    pelo estado para difundir seus valores alm das formas ritualsticas que homenageavam os

    deuses, e que o teatro ao longo da histria, vem desenvolvendo tambm este papel de

    divulgao de normas de conduta, valores e tradies morais assim como de padres estticos.

    Para entendermos a importncia cvica do teatro grego clssico necessrio entend-lo

    como meio de comunicao naquela sociedade, pois segundo John B. Thompson (1998, p.20),

    a comunicao mediada sempre implantada em contextos sociais que se estruturam de

    diversas maneiras e que por sua vez, produzem impacto na comunicao que ocorre.

    Devemos ressaltar que para o cidado ateniense nada era feito, sentido ou pensado fora

    do horizonte cvico e atravs do teatro, a sociedade grega tinha uma representao completa

    de valores religiosos, histricos, morais e estticos que se configuravam como a prpria

    natureza ou a arte. Era o teatro da cidade responsvel, segundo Roland Barthes (1990, p.74),

    que se inseria naquela sociedade atravs de trs instituies, a coregia, o thricon e o

    concurso.

    A coregia era uma obrigao oficial imposta pelo Estado aos cidados ricos cujas

    fortunas eram tributadas com uma liturgia15, de modo que podemos dizer que o teatro grego

    era oferecido aos pobres pelos ricos. Escolhido pelo magistrado principal, que era o arconte,

    os coregos, que eram cidados ricos, patrocinavam e produziam as representaes dos grupos

    que participavam do festival.

    Quanto ao thricon, podemos entender como uma medida tomada pelo Estado para a

    subveno do ingresso aos cidados pobres, para que pudessem assistir aos espetculos sem

    prejuzo para a democracia, pois ir ao teatro era um direito e um dever cvico.

    Finalmente, o concurso, que garantia o controle da democracia sobre o valor do teatro,

    que chegou ao auge no momento em que esta sociedade tambm se torna um modelo de

    democracia, embora de uma democracia aristocrtica (nem todos os habitantes possuam o

    direito cidadania) e, no entanto, a responsabilidade cvica ateniense tinha uma participao

    to ativa na vida pblica que inclusive a governava.

    15 Liturgia: funo ou servio pblico. CUNHA, Antonio G. Dicionrio etimolgico Nova Fronteira daLngua Portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p.478.

  • 36

    Considerando o teatro como meio de comunicao capaz de transmitir e difundir as

    idias do Estado grego junto aos cidados, pensamos que necessrio fazermos uma

    abordagem de seu uso naquela sociedade e nas sociedades ocidentais em geral.

    Primeiramente vamos esclarecer que o Estado uma instituio paradigmtica16 do

    poder poltico, e que a capacidade do Estado de exercer a autoridade geralmente depende de

    como pode exercer duas formas distintas de poder, como o poder coercitivo17 e o poder

    simblico. O uso poltico do poder simblico cultiva e sustenta a legitimidade do poder

    poltico, ou como define John B. Thompson (1998, p. 23), o poder simblico configura-se

    como o quarto poder, constitudo pelas instituies religiosas, educacionais e as mdias, cujas

    atividades esto relacionadas produo, transmisso e recepo do significado das formas

    simblicas.

    Para entendermos o quarto tipo de poder, precisamos perceber que os indivduos

    possuem atividade de expresso em si mesmos em formas simblicas ou de interpretao das

    expresses usadas pelos outros: processo de comunicao e troca de informaes de contedo

    simblico. Para tanto, os indivduos utilizam-se de recursos que John B. Thompson (1998

    p.24) chama de meios de informao e comunicao:

    O quarto tipo de poder o cultural ou simblico, que nasce na atividade de

    produo, transmisso e recepo do significado das formas simblicas. A

    atividade simblica e caracterstica fundamental da vida social, em

    igualdade de condies com a atividade produtiva, a coordenao dos

    indivduos e a atividade coerciva.

    As formas simblicas so caractersticas fundamentais da vida social e as instituies

    que fazem parte do poder cultural e simblico de uma sociedade so aquelas que

    desempenham um papel histrico de acumulao dos meios de informao e de comunicao.

    Como vimos anteriormente, acreditamos que desde as suas origens gregas, o teatro se

    constituiu como meio de produo, transmisso e recepo de formas simblicas, na sua

    evoluo atravs da sociedade ateniense do sculo V e IV a.C. A essncia do teatro

    compreende o ator, o texto e o pblico, elementos da linguagem teatral, que uma forma de

    expresso e de comunicao com os significados construdos por meio de smbolos:

    16 Paradigmtica: modelo, padro. Idem, p.579.17 Poder coercitivo: especialmente poder militar, implica o uso ou a ameaa da fora fsica para subjugar ouconquistar um oponente. THOMPSON, John B. A mdia e a modernidade: uma teoria social da mdia.Petrpolis: Vozes, 1998, p. 23.

  • 37

    Entre o ator, o texto e o pblico veiculam-se uma mensagem transmitida, ento entre

    emissor e receptor existe um canal de comunicao, o meio tcnico de fixao e transmisso,

    ou elemento material.

    John B. Thompson (1998, p. 26) explica que os meios tcnicos e as informaes ou

    contedos simblicos neles armazenados podem servir de fonte para o exerccio de diferentes

    formas de poder, o que nos remete importncia do teatro e seu desenvolvimento na

    sociedade grega clssica.

    O uso dos meios tcnicos de comunicao pressupe um processo de codificao

    (conjunto de regras codificadas) e de decodificao da informao veiculada (contedo

    simblico). Quando os indivduos codificam ou decodificam mensagens so empregadas para

    este processo, as habilidades e competncias requeridas pelo meio tcnico e outros recursos

    culturais, repertrios, suposies e conhecimentos que faro intercmbio entre emissor ou

    produtor e receptor. Vimos anteriormente que os cidados gregos possuam uma educao

    artstica que contribua para a leitura das representaes do espetculo teatral; portanto, o

    conhecimento, o repertrio cultural dar forma s mensagens transmitidas, possibilitar seu

    relacionamento com o receptor e o modo que ele as integrar em sua vida.

    Podemos perceber que existe um processo de compreenso entre as mensagens

    codificadas por um emissor ou produtor, e entre a forma como o receptor far a interpretao

    das mensagens dependendo dos recursos culturais que possui.

    Portanto, podemos concluir que a codificao e a decodificao das mensagens

    transmitidas pelos meios de comunicao entre os indivduos nas sociedades depender das

    habilidades e competncias requeridas pelo meio tcnico que veicula as informaes do

    emissor para o receptor.

    O conhecimento que dar suporte para as habilidades e competncias requeridas pelo

    meio tcnico de transmisso de mensagens, ou seja, os recursos culturais que o indivduo

    possui, desencadear o processo de intercmbio simblico e estabelecer a relao

    comunicativa dando forma s mensagens e fazendo com que emissor e receptor participem de

    uma ao recproca de compartilhamento destas mensagens ou seja, ficar estabelecida a

    comunicao entre os indivduos.

    Os recursos incluem meios tcnicos de fixao e transmisso alm de possuirem as

    habilidades, competncias e as formas de conhecimento empregadas na produo, transmisso

    e recepo da informao e do contedo simblico incluem tambm o prestgio acumulado, o

    reconhecimento e o respeito tributados a alguns produtores ou instituies ou capital

    simblico, o que nos remete idia de que o poder simblico o referente na capacidade de

  • 38

    intervir no curso dos acontecimentos e de influenciar as aes dos outros e de produzir

    eventos por meio da produo e da transmisso de formas simblicas.

    Neste sentido, podemos analisar o teatro como um meio tcnico para produo de

    formas simblicas e para sua transmisso, com o qual ou por meio do qual a informao ou

    contedo simblico fixado e transmitido para o receptor.

    Uma das caractersticas dos meios tcnicos o grau de fixao da forma simblica, ou

    seja, a preservao da forma simblica em meio de maior ou menor durabilidade, portanto, a

    fixao da forma simblica e sua preservao, ou mecanismos de armazenamento (fixao) de

    informaes (contedo simblico) poder alter-las e torn-las consequentemente disponveis

    para o uso. Possuem tambm grau de reproduo, ou seja, a capacidade de multiplicar as

    cpias das formas simblicas, o que uma caracterstica dos meios de comunicao

    mercantilizadas. Um outro aspecto dos meios tcnicos de comunicao o grau de

    distanciamento espao-temporal, como por exemplo, a suplementao da fala por meios

    tcnicos ter disponibilidade maior no espao, mas a durao temporal ficar limitada ao

    momento da emisso. Esta alterao espao-temporal faz com que os meios tcnicos exeram

    o poder de agir e interagir distncia provocando impacto na vida social at em regies mais

    distantes.

    Mas voltando para o teatro, o distanciamento entre emissor e receptor pequeno pois

    os participantes/platia esto presentes fisicamente no momento da emisso e compartilham

    no mesmo espao com o tempo de durao da emisso que, alis atribui ao espetculo teatral

    sua efemeridade: terminada aquela representao nada restar, a no ser o que ficou na

    memria e foi vivenciado naquele presente.

    John B. Thompson (1998, p.28), alega que as falas trocadas numa conveno so

    disponveis somente aos interlocutores ou a indivduos situados nas imediaes e tero

    durao transitria enquanto durar a memria de seu contedo. Entendemos que neste caso,

    trata-se de uma interao face-a-face, mas no teatro, mesmo com a co-presena dos emissores

    e receptores, recorreremos a Abraham Moles (1974, p. 223) que, como j vimos

    anteriormente, diz que esta relao est condicionada idia de uma assistncia, ou seja, o

    espetculo no acontece para uma pessoa, mas para um grupo de pessoas. As mensagens

    trocadas pelos emissores e platia acontecem no mbito do grupo o que liga a arte teatral s

    condies materiais de sua realizao: Os pontos de vista sociolgico, psicolgico,

    arquitetnico e tcnico esto, portanto intimamente ligados, e estabelece-se uma troca

    dialtica entre o lugar da ao e a prpria ao [...] (MOLES, 1974, p. 223).

  • 39

    Sendo assim, devemos ressaltar a importncia do espao cnico no teatro para a

    transmisso de uma mensagem que no nosso estudo configura-se como o contedo

    programtico de arte. Ao construir um espao cnico na sala de aula, os alunos

    compreendero a importncia do papel do pblico no teatro e de como a recepo do que se

    representa est intrnseca interao entre palco e platia.

    No espao cnico, desde os tempos mais remotos, estabelecer uma relao entre o

    espetculo e espectadores sempre foi fundamental para a transmisso de mensagens dos mais

    diversos fins.

    Acreditamos que hoje, ao se propor o teatro no processo educativo como instrumento e

    estratgia para a transmisso do contedo escolar encontraremos um meio de comunicao

    eficaz entre os elementos que participam do processo ensino-apredizagem, ou seja, o docente

    e o aluno na situao de emissor e receptor.

    Entendemos que a Choria, por exemplo, era a linguagem teatral do espetculo grego

    e seu cdigo era de domnio dos espectadores, o que facilitava a transmisso da mensagem

    teatral naquele contexto, e que era capaz de reunir em torno do espetculo, todos os cidados

    daquela sociedade. Hoje, ao propor a linguagem teatral para transmitir a mensagem/contedo

    escolar, introduzimos o teatro como um meio de compartilhar os conhecimentos artsticos e

    estticos produzidos historicamente pela humanidade; alm disso ser desenvolvida no aluno

    a sua capacidade de codificar e decodificar elementos das linguagens verbais e no-verbais,

    ampliando significativamente a capacidade de comunicao e expresso do educando e sua

    apreenso das informaes necessrias ao seu desenvolvimento cultural e intelectual.

    No prximo captulo, vamos discutir a questo da linguagem como mediadora da

    nossa percepo da realidade, de modo que podemos atribuir significados ao mundo no qual

    estamos inseridos. A linguagem teatral um meio de expresso dos indivduos e de

    comunicao, portanto, daquilo que para eles significante e cujo significado desejam

    transmitir para outrem.

  • 40

    CAPTULO II A LINGUAGEM TEATRAL

    O papel fundamental da escola est associado aos deveres e direitos do cidado e isso

    pressupe que o ensino de qualidade acontece quando os conhecimentos historicamente

    produzidos pela humanidade so transmitidos de maneira sistematizada; sendo assim a

    proposta curricular para o ensino de educao artstica18 da Secretaria de Educao do Estado

    de So Paulo, enfatiza que o papel da escola de transformao social ser sua contribuio

    para a conscientizao do indivduo frente sociedade na qual est inserido e que est

    fundamentada no conhecimento e na sensibilidade.

    Entendemos que a proposta pedaggica para o ensino de arte pretende tornar o aluno

    um fruidor de arte e para que isso acontea, buscamos no teatro um meio de comunicao que

    possibilita o processo de conhecer e apreciar Arte, de modo que os alunos tero ampliada sua

    viso de mundo, tornando-se cidados mais sensveis e crticos para atuar no processo de

    consolidao da democracia entre outras aspiraes humanas.

    Ensinar com qualidade implica em estratgias que possam auxiliar o processo de

    conhecimento na rea de Arte, assim como nas outras disciplinas do currculo escolar, por

    meio da resoluo de problemas sobre os contedos necessrios aos educandos para sua

    formao, e conforme explicamos anteriormente, nosso objetivo verificar como se

    estabelece a relao comunicativa que possibilitar o compartilhamento de informaes entre

    emissor (docente) e receptor (aluno) atravs da linguagem teatral, que, acreditamos, poder

    ser um canal eficiente para a transmisso da mensagem/contedo programtico escolar.

    Para Martins (1998, p.12-13), a Arte deve ser tratada como conhecimento, um enfoque

    que vem sendo requisitado pelos arte-educadores, o que segundo tambm a nova Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB n 9.394), aprovada em 20 de dezembro de

    1996, estabelece em seu artigo 26, pargrafo 2: O ensino da arte constituir componente

    18 Segundo os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Arte: So caractersticas desse novo marcocurricular as reinvindicaes de identificar a rea por arte (e no por educao artstica), e de inclu-la naestrutura curricular como rea com contedos prprios ligados cultura artstica, e no apenas como atividade.MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias, et al. Didtica do ensino de arte: a linguagem do mundo: poetizar,fruir e conhecer arte. So Paulo: FTD, 1998, p.13.

  • 41

    curricular obrigatrio, nos diversos nveis da educao bsica, de forma a promover o

    desenvolvimento cultural dos alunos.

    Como j ressaltamos, nosso estudo tem como objetivo demonstrar que o teatro vem

    desempenhando diversos papis na sociedade ao longo do tempo e um deles o papel

    pedaggico, desempenho que julgamos eficaz na transmisso do contedo programtico

    escolar de arte do Ensino Fundamental e Mdio.

    Acreditamos que possvel estabelecer uma relao comunicativa na situao ensino e

    aprendizagem atravs da linguagem teatral, e neste contexto, o teatro se configura como um

    canal entre emissor/docente e aluno, receptor/destinatrio, atravs da produo e da leitura de

    textos dramticos que tm como tema o contedo da arte.

    Percebemos no nosso estudo os aspectos comunicativos do teatro que desde as suas

    origens na sociedade grega clssica vem desempenhando um papel scio-cultural importante

    na transmisso de valores de contedo simblico, o que o caracteriza como meio de

    comunicao.

    Entendemos que o teatro como meio de comunicao no ensino de arte poder ser uma

    escolha selecionada para estabelecer a relao educativa entre professores e alunos, condio

    necessria para a formao dos saberes significativa do contedo escolar (mensagem), como

    articulador dos objetivos, contedos e mtodos propostos no somente para as aulas de arte,

    mas tambm para os demais componentes curriculares.

    Os diversos materiais didticos e mdias j produzidas contm informaes que

    possibilitam a comunicao em arte como, por exemplo, quadros, livros, fotografias, objetos,

    filmes, exposies, discos, vdeos, audiocassetes, multimdias, segundo Maria Helosa C. T.

    Ferraz (1993, p.102-103). Entretanto, optamos em nosso estudo pela linguagem teatral como

    uso pedaggico nas atividades educativas em arte pelo seu prprio carter comunicativo e seu

    papel sociocultural nas sociedades atravs dos tempos.

    Podemos ressaltar que, ao aproximar o teatro da educao, relacionamos a situao de

    ensino-aprendizagem com o impulso natural do homem para a dramatizao, o que j se

    configura como elemento facilitador do processo educativo, e que ao fazer uso da linguagem

    teatral pressupomos que o professor afasta o educando do modelo tradicional da aula

    expositiva e o aproxima de sua capacidade natural para a mimese, para a imitao, que idia

    central do processo em arte, alm de possibilitar