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105 Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 105-118, junho, 2012 Condição, estatuto e fluxo do saber na pós-modernidade segundo Lyotard Rubens Arantes Correa 1 Resumo: Procuramos com este trabalho apresentar uma leitura crítica do problema da pós-modernidade tendo como referencia as idéias de Jean-François Lyotard, filóso- fo francês, que publicou em fins da década de 1970, o livro A Condição Pós-Moderna, utilizando-se do termo para se referir às mudanças provocadas pelo avanço das técnicas e seu impacto no âmbito do saber e de suas apreensões. Palavras-chave: Pós-Moderno. Lyotard. Saber. Jogos de Linguagem. Legitimidade. 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP – Franca. Professor Adjunto do Centro Universitário Claretiano de Batatais/SP E-mail: [email protected]

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105Educação, Batatais, v. 2, n. 1, p. 105-118, junho, 2012

Condição, estatuto e fluxo do saber na pós-modernidade segundo Lyotard

Rubens Arantes Correa 1

Resumo: Procuramos com este trabalho apresentar uma leitura crítica do problema da pós-modernidade tendo como referencia as idéias de Jean-François Lyotard, filóso-fo francês, que publicou em fins da década de 1970, o livro A Condição Pós-Moderna, utilizando-se do termo para se referir às mudanças provocadas pelo avanço das técnicas e seu impacto no âmbito do saber e de suas apreensões.

Palavras-chave: Pós-Moderno. Lyotard. Saber. Jogos de Linguagem. Legitimidade.

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da UNESP – Franca.Professor Adjunto do Centro Universitário Claretiano de Batatais/SPE-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

De acordo com o ensaísta lusitano José Augusto Bragança de Miranda (1989) o termo “pós-moderno” teria sido utilizado já nos anos 1930 pelo historiador britânico Arnold Toynbee, em seu livro Um Estudo da História2. Para Toynbee a pós-modernidade refere-se a uma época de esgotamento dos parâmetros e valores da cultura ocidental – iniciada, segundo ele, em fins do século XIX - culminando com o questionamento e morte das verdades absolutas e pela propagação, em seu lugar, do relativismo.

Seguindo a mesma linha de pensamento, entre os anos de 1960 e 1970, outro estudioso dos problemas e impasses da vida contemporânea – o sociólogo norte-americano Daniel Bell3 – vai relacionar as transforma-ções na base produtiva do sistema capitalista industrial com a emergência de uma nova etapa social e econômica denominada por ele de “sociedade pós-industrial” e “sociedade da informação”.

A partir de então os usos do termo “pós-moderno” passa a ser refer-ido em diversos campos do conhecimento como na arquitetura, na filo-sofia, nas artes, na cultura, na sociologia, entre outras, implicando em pluralismo, fragmentação, individualismo e ruptura com o passado. Na base desses significados estão as transformações tecnológicas da sociedade capitalista, que desencadearam novos comportamentos e percepções do homem em face do mundo e dele mesmo.

Nas décadas de 80 e 90 do século XX, as investigações em torno do pós-moderno vão ser aprofundadas com a publicação de diversos estu-dos sobre o assunto sendo que cada um procura enfatizar ora os aspectos culturais ora os aspectos econômicos envolvidos no uso do termo. Stuart Hall (1998), por exemplo, em A Identidade Cultural na Pós-Modernidade destaca os processos de fragmentação da identidade do sujeito e suas con-sequências em um mundo em transformação permanente, afirmando:

2 Originalmente Um Estudo da História é uma obra em 12 volumes. Em língua portuguesa, contudo, a obra foi condensada em um único volume pela Editora Martins Fontes. 3 Daniel Bell professor das Universidades de Harvard e Colúmbia e autor de O Advento da Sociedade Pós-Industrial (1977) e O Fim da Ideologia (1980).

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O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma úni-ca, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático (HALL, 1998, p. 12).

Frederic Jamenson4, por sua vez, interpreta o pós-moderno como uma condição cultural relacionada com o advento do capitalismo tardio. Situando suas idéias no campo marxista, Jamenson reconhece que há em curso uma ruptura na estrutura de produção capitalista contemporânea que engendra novas formas de vivencia da cultura e percepções, mas que a compreensão desse fenômeno só é possível a partir do emprego de catego-rias analíticas marxistas, como a dialética:

Essa ruptura não deve ser tomada como uma questão puramente cultural: de fato, as teorias do pós-modernismo – quer sejam cele-bratórias, quer se apresentem na linguagem da repulsa moral ou da denúncia – têm uma grande semelhança com todas aquelas general-izações sociológicas mais ambiciosas que, mais ou menos na mesma época, nos trazem as novidades a respeito da chegada e inauguração de um tipo de sociedade totalmente novo, cujo nome mais famoso é sociedade pós-industrial (D. Bell), mas que também é conhecida como sociedade de consumo, sociedade das mídias, sociedade de in-formação. Tais teorias têm a óbvia missão ideológica de demonstrar, para seu próprio alívio, que a nova formação social em questão não mais obedece às leis do capitalismo clássico, a saber, o primado da produção industrial e a onipresença da luta de classes. ( JAMESON, 1997, p. 29).

4 Fredric Jamenson, crítico literário e ensaísta norte-americano filiado ao campo marxista e professor da Uni-versidade Duke. Autor, entre outros livros, de Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio.

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Aponta, ainda, Jamenson para as profundas mudanças vividas con-temporaneamente pelo sistema capitalista que afetaram os processos or-ganizatórios empresarias, a inter-relação entre sistemas de comunicação, a produção de conhecimento e automação do trabalho, e a incorporação de fronteiras até então periféricas ao sistema mundial capitalista. Apesar disso, reafirma sua concepção crítica de fundo marxista no sentido de que tais transformações correspondem a um novo estágio de desenvolvimento capitalista e que os adeptos das chamadas teorias da pós-modernidade ap-enas fazem o jogo de interesses do próprio capitalismo.

Temos ainda, nesse rol de estudos sobre o pós-moderno, a Condição Pós-Moderna de David Harvey, geógrafo britânico e professor da Univer-sidade de Nova York. Para Harvey o pós-moderno corresponde a um novo tipo de capitalismo surgido com a falência do sistema fordista-keynesiano de produção, marca dominante do sistema capitalista norte-americano ao longo de grande parte do século XX. Em sua análise da passagem do fordismo-keynesiano para a pós-modernidade, Harvey (1989, p. 119) afirma:

Aceito amplamente a visão de que o longo período de expansão de pós-guerra, que se estendeu de 1945 a 1973, teve como base um con-junto de práticas de controle do trabalho, tecnologias, hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico, e de que esse conjunto pode com razão ser chamado de fordista-keyneniano.

Entretanto, entende que as mudanças operadas dentro do próprio sistema de produção capitalista, a partir dos anos 70, apontam muito mais para um cenário de incertezas:

Não está claro se os novos sistemas de produção e marketing, car-acterizados por processos de trabalho e mercados mais flexíveis, de mobilidade geográfica e de rápidas mudanças práticas de consumo garantem ou não o título de um novo regime de acumulação nem se o neoconservadorismo, associado com a virada cultural para o pós-modernismo, garantem ou não o título de um novo modo de regula-mentação. (HARVEY, 1989, p. 199).

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Percebemos, nessa breve introdução ao pós-moderno, as dificuldades de situar o conceito de pós-moderno, bem como sua própria contextual-ização. Para alguns estudiosos o pós-moderno já poderia ser percebido no final do século XIX, enquanto que para outros seu processo de con-stituição histórico recobre o pós-guerra, acentuando-se a partir dos anos 70, com a afirmação do setor de serviços sobre o industrial, concatenado com o aparecimento das novas tecnologias – computador, internet, co-municação em tempo real, midiatização da vida real. Tais elementos ar-rastaram consigo os paradigmas de pensamento tidos como universais desde a Renascença e do Iluminismo – racionalidade, ciência, identidades unificadas, o progresso como fim último da história – paradigmas que nortearam a cultura ocidental até então.

À crise dos paradigmas da modernidade sucederam novas formas de comportamentos marcados pela imprevisibilidade das ações, pela descren-ça nas ideologias, pela mercantilização cultural e pelas descontinuidades e fragmentações nas elaborações artísticas. Associado à esses elementos, vive-se a hegemonia da sociedade de consumo consagrada pela expansão dos shoppings centers e do mundo imagético e virtual sobre o verbal e real.

2. CRISE DAS METANARRATIVAS

É nesse contexto de debate em torno do pós-moderno que, em 1979, Jean François Lyotard publicou sua obra A Condição Pós-Moderna. Francês, nascido em 1924, Lyotard estudou Filosofia e Literatura na Sor-bonne, onde veio a travar amizade com Gilles Deleuze. Lecionou na Ar-gélia à época das lutas do povo argelino contra o domínio francês, vindo a engajar-se politicamente no movimento. Nos anos 60 aproxima-se do grupo marxista “Socialismo e Barbárie”, escrevendo e editando textos de cunho político, ao lado de Cornelius Castoriadis e Claude Lefort. Após os movimentos políticos de 68, rompe com as posições marxistas, assum-indo, a partir de então, uma postura intelectual mais próxima da psicaná-lise, aprofundando seus estudos sobre Freud.

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Nos anos 70 e 80 mantém intensa atividade acadêmica lecionando em diversas instituições não só na França - Universidade de Paris VIII onde foi professor emérito – como também nos Estados Unidos, Canadá e Brasil. Sua obra abarca temas diversos, tais como a análise do discurso, estudos sobre o marxismo e as relações entre política, economia e psicaná-lise5. Lyotard faleceu em 1998.

Foi com a publicação de A Condição Pós-Moderna que Lyotard tornou-se um pensador mais conhecido do grande público. Tal como aponta Bragança de Miranda na apresentação à edição portuguesa, esse livro ocupa um lugar de transição dentro do conjunto da obra lyotardiana, na medida em que até então o interesse do filósofo francês estava voltado para a chamada “filosofia do desejo”.

Lyotard colocou-se a investigar a “condição pós-moderna”, como de-clara na introdução à obra, a partir de uma encomenda feita pelo Consel-ho das Universidades do Governo de Quebec, que lhe propôs um estudo sobre a situação do saber nas sociedades mais desenvolvidas. Para levar a adiante seu intento investigativo, parte de um conceito específico de pós-moderno afirmando que o termo: “[...] designa o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a a partir do fim do século XIX”.

O primeiro diagnóstico desse “estado da cultura” é o de que existe uma crise envolvendo as metanarrativas construídas pela modernidade. Entre essas narrativas em crise, Lyotard cita a da ciência moderna construí-da pelo Iluminismo, que apoiada em um discurso legitimador, visava atin-gir uma finalidade “ética e política”. A racionalidade científica, o progresso econômico, a emancipação dos sujeitos históricos, os valores universais de verdade e justiça., tudo, enfim, foi colocado em questionamento por um conjunto de forças, apoiado na produção e na tecnologia, que impactou profundamente os modos de ser, pensar e viver do homem, sobretudo, nas sociedades mais desenvolvidas ou sociedades pós-industriais.

5 Nesse ponto o ensaísta lusitano faz referências ao período em que Lyotard aprofundou-se nos estudos da psicanálise, publicando Des dispositifs pulsionnels (1973) e Économie Libidinal (1974) e Derive à partir de Marx et Freud (1975).

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Como diz Lyotard o interesse não é mais o de buscar o “consenso” através da “discussão”, como defende Habermas, mas a “invenção” por meio da “divergência”. O critério de legitimidade na sociedade pós-mod-erna, afirma Lyotard, está no tecnológico e na performance e eficácia, a fim de atingir a satisfação do sistema.

3. O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS

A hipótese que fundamenta o estudo de Lyotard é a de que as trans-formações na base produtiva-tecnológica das sociedades industriais pro-vocaram uma alteração profunda no estatuto do saber e da cultura. O marco dessas transformações e suas respectivas conseqüências, embora não constitua um processo linear, foi a década de 1950, período de recon-strução da Europa no pós-guerra.

Uma comprovação do impacto provocado pelas novas tecnologias sobre o saber estaria presente na informática, nos computadores, nos bancos de dados e de memórias informatizados. Tais “testemunhos” – na terminologia de Lyotard – provocaram alterações substancias no sa-ber, tanto no nível da “investigação” científica, como na “transmissão de conhecimentos”. A “multiplicação” dos produtos das novas tecnologias, tais como os computadores, terá efeito sobre o processo de “circulação do conhecimento”. Desse modo, a forma tradicional de circulação do saber será substituída por formas que utilizam novas linguagens tais como a da informática (LYOTARD, 1989).

O saber, assume na pós-modernidade, conforme Lyotard, a condição de “valor de troca”, substituindo o significado que tinha até então, qual seja, o de “valor de uso”, deixando de ser componente fundamental na “formação dos espíritos” e assumindo a condição de mercadoria para ser vendida, consumida e trocada:

Em vez de os conhecimentos serem difundidos em virtude de seu valor “formador” ou da sua importância política (administrativa,

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diplomática, militar), pode-se imaginar que sejam postos em circula-ção segundo as mesmas redes que a moeda, “conhecimentos de paga-mento/conhecimentos de investimento”, isto é, conhecimentos tro-cados no quadro da manutenção da vida quotidiana (reconstituição da força de trabalho, “sobrevivência”) versus créditos de conhecimen-tos tendo em vista a optimização das performances de um programa. (LYOTARD, 1998, p. 18).

Tal condição, contudo, não impedirá que o saber continue sendo uma ferramenta fundamental da “força de produção”, nas sociedades pós-industriais, assumindo mesmo a condição de fator competitivo en-tre Estados-Nações e contribuindo para acelerar os abismos já existentes entre eles. Apesar disso, o contexto das novas tecnologias, no tocante às novas formas de saberes (aqueles ligados à informática e às comunicações) também coloca novos problemas, a saber: a quem caberá o papel de con-trole sobre a produção e difusão desses novos saberes, ao Estado ou às cor-porações? O acirramento da competição econômica em escala mundial entre as empresas transnacionais deslocará o papel dos Estados enquanto agentes indispensáveis no jogo de poder? Qual é o estatuto do saber no contexto das chamadas “sociedades da informatização”? Quais são as con-seqüências das transformações com o saber sobre as esferas da “autoridade pública” e das “instituições civis”? (LYOTARD, 1989).

4. LEGITIMIDADE DO SABER

Surge, então, o problema da legitimidade do saber, nesse novo con-texto de sua produção e sua difusão mediatizado pelas tecnologias. Di-ante das novas utilidades do saber, de sua mercantilização, de sua subordi-nação a novos jogos de interesse, Lyotard propõe uma questão pertinente: “quem decide o que é saber e quem sabe o que convém decidir?” (1989, p. 15). Na perspectiva do discurso ocidental desde a antiguidade clássica o que emprestava legitimidade à ciência era seu caráter “verdadeiro”, “justo”,

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“ético” e “político”, enunciados típicos das grandes narrativas que foram colocados de lado pela pós-modernidade. Para solucionar o impasse, Lyo-tard propõe a retomada dos jogos de linguagem de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) como método investigativo do problema da legitimidade do saber na era pós-moderna.

Wittgenstein intitula “jogos de linguagem”6 às diversas categorias de enunciados determinadas por regras específicas e por usos e apropriações particulares. Lyotard, acerca dos jogos de linguagem, faz as seguintes ob-servações:

A primeira é que as suas regras não têm a sua legitimação em si mes-ma, mas que elas são o objeto de um contrato explícito ou não entre os jogadores (o que não é o mesmo que dizer que estes as inventam). A segunda é que na falta de regras não há jogo, que uma modifica-ção, mesmo mínima, de uma regra modifica a natureza do jogo e que um “lance” ou um enunciado que não satisfaça as regras não pertence ao jogo definido por estas. O terceiro reparo acabou de ser sugerido: qualquer enunciado deve ser considerado como um “lance” feito num jogo.” (16).

Dessa forma, na impossibilidade de legitimar o atual estágio do saber por meio dos enunciados totalizantes e universais, os jogos de linguagem poderiam resolver o problema através da idéia de que sua legitimidade é apenas parcial, provisória, local e contextual. O saber, em uma sociedade atravessada por inúmeros jogos de linguagem , não daria mais respostas totalizantes, mas parciais e locais, seguindo uma lógica da performance e da sua aplicabilidade, otimizado pelas novas tecnologias, visando atingir o máximo de eficácia.

A legitimação do saber pela sua performance, princípio geral adot-ado pelo saber na sociedade pós-moderna, afetou profundamente as in-

6 Por “jogos de linguagem” podemos entender como critérios legitimadores que funcionam como alterna-tiva à falta de critérios/paradigmas para julgamentos de valor e utilidade, substituindo discursos universais por pactos locais/regionais. (Prof. Dr. Jean Marcel de Carvalho França, anotações de aula, tomadas em 31.05.2011)

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stituições acadêmicas de ensino superior, tradicionalmente, lugares por excelência de transmissão dos saberes. Nesse contexto, afirma Lyotard, as universidades deveriam assumir um papel pragmático no sentido de não mais “formar uma elite capaz de guiar a nação na sua emancipação”, mas de “fornecer ao sistema os jogadores capazes de assegurar convenientemente o seu papel nos lugares pragmáticos de que as instituições necessitam” (LYOTARD, 1989, p. 95).

Diz Lyotard que o “princípio da performance” desconstruiu e desle-gitimou o papel das instituições de ensino do superior – e do ensino, de um modo geral – desempenhado até o momento na sociedade. As in-úmeras possibilidades criadas pelas facilidades tecnológicas criaram uma rede, fora das instituições de ensino de acesso ao conhecimento, provo-cando, inevitavelmente a necessidade do ensino, rever suas técnicas de procedimentos didáticos. Como afirma Lyotard (1989, p. 100), é preciso ensinar os estudantes,

[...] não os conteúdos, mas o uso dos terminais, ou seja, novas lin-guagens, por um lado, e, por outro, um manuseamento mais refinado desse jogo de linguagem que é a interrogação: para onde dirigir a questão, ou seja, qual é a memória pertinente para o que se quer sa-ber? Como formulá-la para evitar equívocos?

Se, no jogo do ensino, como constata Lyotard (1989) o processo de deslegitimação do saber científico colocou em xeque as instituições esco-lares impelidas, agora, a não mais serem correria de transmissão de conheci-mento para finalidades de “elevação intelectual dos indivíduos”, também, no jogo da investigação, o saber científico passa pelo impacto dos processos de performance. Na perspectiva da modernidade o saber científico se legitima a partir do princípio da competência dos pares assentado sobre um “critério de verdade” que é seu próprio “valor de verdade”, relacionando-se com a sociedade por meio de instituições acadêmicas e científicas.

Tais procedimentos foram modificados, na contemporaneidade, na medida em que o saber assumiu um caráter de “competência técnica”, visando a obtenção de aplicabilidade e eficácia. Sua relação com a socie-

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dade é, agora, mediatizada pelos agentes financiadores como empresas estados-nações, ávidos por inovações.

5. A ALTERNATIVA PÓS-MODERNA

Um dos efeitos do novo estatuto assumido pelo saber no mundo pós-moderno recai sobre os vínculos sociais. Lyotard, nesse sentido, lem-bra que a alternativa moderna acerca da natureza dos vínculos sociais foi construída a partir de dois modelos teóricos: o funcionalista, a partir das concepções de Talcott Parsons; e a marxista, a partir de seus fundadores e suas correntes.

O modelo teórico de Parsons toma a sociedade como um “sistema autorregulado” comparando o seu funcionamento ao de um modelo “cibernético”, no qual o sistema funciona com uma finalidade visando a otimização das relações internas (leia-se “competitividade” e “raciona-lidade”). A emergência de conflitos não representa obstáculos, pois os mesmos são absorvidos pelo sistema, tornando-se, assim, reajustado para seus fins. Para Parsons, portanto, a sociedade, enquanto sistema, funciona como uma “totalidade unida, uma unicidade”, onde cada membro tem uma função definida (LYOTARD, 1989).

A teoria da sociedade proposta pelo modelo marxista também não escapa aos “dualismos” (nesse caso, fundados no princípio da luta de classes) e a busca por um modelo alternativo de vínculo social ao estabe-lecido pelo capitalismo e pela sociedade de classes. Entretanto, conforme observa Lyotard (1989), historicamente o que se verificou com a concep-ção marxista de sociedade, foi uma situação paradoxal: nos países de eco-nomia liberal, as lutas e conflitos foram absorvidos pela sociedade que a partir de então passou a criar novos mecanismos sociais reguladores; nos países comunistas, tais conflitos não só foram proibidos como não admitidos, resultando em governos de fundo totalitário.

Embora tenham representados diferentes concepções de sociedade, funcionalismo e marxismo caminharam para um mesmo modelo de ho-

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mogeneidade social, totalizante e dualista, distinguindo-se, apenas, no to-cante à aplicação conceitual: para o funcionalismo o saber se aplica como técnica de aperfeiçoamento do sistema social, ao passo que, para o marx-ismo, o saber se aplica como forma de crítica à sociedade existente visando sua superação.

O pensamento por oposições – a que Lyotard (1989) chama de “solução de partilha” – não dá conta, enquanto modelo teórico explica-tivo, dos novos modos de saberes que emergiram com o advento da socie-dade pós-moderna, derivando disso uma perspectiva diferente de vinculo social. As transformações tecnológicas impuseram novas necessidades tornando, desse modo, obsoleta as alternativas modernas de pensar os vínculos sociais.

Por outro lado, a disponibilidade e a circulação da informação por meio de dispositivos cada vez mais rápidos e instantâneos provocaram um deslocamento sociopolítico, trazendo à tona a questão da gerência e controle desses circuitos de informação e revelando a fragilidade e in-capacidade dos tradicionais centros de poder e decisão como governos, partidos políticos, instituições, competência profissionais entre outras (LYOTARD, 1989).

A alternativa pós-moderna para o estabelecimento de vínculos soci-ais, estaria, de acordo com Lyotard, nos acordos provisórios e locais dos indivíduos, a fim de manterem um mínimo de relação exigido para a ex-istência da sociedade.

6. CONCLUSÃO

A apreensão que Jean François Lyotard faz da condição pós-mod-erna é aquela relativa ao problema do estatuto do saber, diferentemente de outras abordagens que enfatizam os processos de produção, as alter-ações nos processos organizacionais do trabalho etc. Constata Lyotard que, desde o final do século XIX o discurso da ciência vem sendo perma-nentemente questionado pela sociedade e que as promessas de progresso

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e emancipação do homem não se realizaram, abrindo margem para uma crise dos grandes paradigmas anunciados desde a renascença. A falência do que chama de “metanarrativa” foi aprofundada a partir do pós-guerra com a emergência de novas tecnologias que impulsionaram novas estraté-gias comunicativas e novos setores da atividade econômica.

Consequentemente, mudou a natureza do saber, obrigando os tradi-cionais canais de produção e transmissão do saber a se reconfigurarem em diferentes estratégias, afim de se adaptarem a um mundo que ávido por novidades e invenções. O saber na condição pós-moderna converte-se, as-sim, em uma mercadoria e somente faz sentido quando procura satisfazer o máximo de eficácia exigida pelo sistema produtivo.

Os efeitos dessa alteração do estatuto do saber são visíveis na esfera econômica, com a alteração no perfil qualificativo da força de trabalho; nas relações internacionais, aumentando mais ainda as distâncias entre os países visto que as pesquisas em tecnologia apresentam custos elevados e com isso os Estados mais ricos têm condições de financiá-las; além dos efeitos sobre a esfera da política, na medida em que as facilidades de acesso à informação deixaram em aberto o controle por parte do Estado.

REFERÊNCIAS

CAMARGO, Sílvio César – “Adorno e Pós-Modernidade em Fredric Jamenson”. Bar-barói. Santa Cruz do Sul, n. 30, jan./jul. 2009.

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JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1997.

LEITE, Marcos R. “Formação e (Pós-Modernidade): Aproximações a Adorno e Lyo-tard”. Disponível em: <www.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/032e4.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2011.

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LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Lisboa: Gradiva, 1989.

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REALE, Giovanni & ANTISSEDI, Dario. “Ludwig Wittgeinstein: do Tractatus Lógi-co-Philophicus às Pesquisas Filosóficas”. In: História da Filosofia: do Romantismo até nos-sos dias. São Paulo, 1991, p. 657-669, vol. 3 (capítulo XXIV).

Title: Condition, status and Flow of Knowledge in Postmodernity Lyotard.Author: Rubens Arantes Correa.

ABSTRACT: We try to make this work a critical reading of the problem of postmo-dernity as a reference the ideas of Jean-Francois Lyotard, French philosopher, who pub-lished in the late 1970’s book The Postmodern Condition, using the term to refer to changes caused by the advance of technology and its impact on the scope of knowledge and of their seizures.Keywords: Post-Modern. Knowledge. Language Games. Legitimacy.