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SILVIO SANTOS VEM AÍ programas de auditório do SBT numa perspectiva semiótica Silvia Maria de Sousa UFF/ 2009

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SILVIO SANTOS VEM AÍ – programas de auditório do SBT numa

perspectiva semiótica

Silvia Maria de Sousa UFF/ 2009

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SILVIO SANTOS VEM AÍ – programas de auditório do SBT numa perspectiva semiótica

por

Silvia Maria de Sousa

Tese apresentada à banca examinadora do Doutorado em Estudos Lingüísticos como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor. Área de concentração: Discurso e Interação.

Orientadora: Profª Drª Lucia Teixeira

Niterói 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

DOUTORADO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS

SILVIA MARIA DE SOUSA

SILVIO SANTOS VEM AÍ – programas de auditório do SBT numa perspectiva semiótica

Niterói 2009

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SOUSA, Silvia Maria de. Silvio Santos vem aí – programas de auditório do SBT numa perspectiva semiótica./ Silvia Maria de Sousa. Niterói: UFF / PPL, 2009. 196 fl Tese – (Doutorado em Estudos Lingüísticos) – Universidade Federal Fluminense. 1. Semiótica. 2. Sincretismo. 3. Programas de auditório. 4. Tese. I. Título.

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Silvia Maria de Sousa

SILVIO SANTOS VEM AÍ – programas de auditório do SBT numa perspectiva semiótica

Tese apresentada à banca examinadora do Doutorado em Estudos Lingüísticos como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor. Área de concentração: Discurso e Interação.

Banca Examinadora

Profª. Drª Lucia Teixeira (orientadora – UFF)

Prof. Dr. Maurício da Silva (UFF)

Profª Drª Renata Mancini – (UFF)

Profª Drª Regina Souza Gomes – (UFRJ)

Profª Drª Norma Discini de Campos– (USP)

Prof. Dr. Guilherme Nery (UFF – suplente)

Profª Drª Maria Elizabeth Chavez de Mello (UFF – suplente)

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Para André – com amor.

“Me dê a mão vamos sair pra ver o sol”. Dolores Duran

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AGRADECIMENTOS

Ao longo desses quatro anos foram tantas os encontros e pessoas que de

uma maneira ou de outra colaboraram para dar forma a este trabalho que é impossível citar todas. Com agradecimento e afeto aí vão algumas:

Para Lucia Teixeira, que pegou em minha mão há dez anos – ainda na

graduação – e me apresentou à Lingüística e à Semiótica. Além de uma orientadora, no sentido mais estrito da palavra, pela amizade verdadeira que construímos ao longo desse tempo. Meus mais sinceros agradecimentos.

Para todos os “meus colegas de trabalho” do Sedi – Grupo de Pesquisa em

Semiótica e Discurso– pelas discussões, debates e leituras que tanto me incentivaram em especial àqueles que são amigos para além da instância acadêmica: Karlinha – grande amiga, pelo tema da tese e por todo o resto que não cabe aqui! Regina – por tantos bons momentos, Dani – amiga das antigas! Renata e Zé Roberto – casal paulista – agora quase carioca, pela amizade muito bacana. Em especial agradeço a Regina e Renata pela leitura atenta, pelas críticas e sugestões no exame de qualificação, que tanto me ajudaram. Agradeço também a Rívia – amiga recente, por esses dois anos dividindo tanta coisa!

Para os demais amigos por muitos motivos diferentes: Sid e Joi –irmãos-,

Elzi -comadre e amiga, pelo pequeno Miller – (presente bom de apertar!), Laiana - segunda casa, Mônica e Ângela – bons tempos no Rio Comprido, Andréia, Rose Baixinha , Magui e Jane – amigas desde sempre. Um agradecimento especial para Ana Paula (Aninha) – pelo resumé e ao jovem casal Pedro e Larissa - pela edição do DVD.

À minha família, pelo carinho: pai, mãe, minha irmã e amiga Cini e meus

sobrinhos Dudu e Leo. À agência de fomento – CAPES – pela concessão da bolsa de estudos que

possibilitou a realização deste trabalho.

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RESUMO O presente trabalho analisa, com o instrumental teórico da semiótica do

discurso, programas de televisão dirigidos ao grande público. Para isso, realiza-se

o exame de quatro programas de auditório emitidos pelo SBT – Sistema Brasileiro

de Televisão – apresentados por Silvio Santos.

Busca-se investigar quais estratégias são adotadas em tais programas, de

modo a fazê-los permanecerem no ar por mais de quarenta anos. Além disso,

discute-se a peculiaridade desses programas serem apresentados por Silvio

Santos, que além de apresentador é também o proprietário do canal de TV.

A Semiótica permite lançar um olhar sobre a produção da significação dos

programas, considerando-os como textos, ou seja, objetos dotados de sentido. No

caso dos textos televisivos, a análise levará em conta a especificidade do plano da

expressão que se caracteriza pelas linguagens verbal, visual e sonora mobilizadas

numa só enunciação, o que se denomina sincretismo.

A análise realizada assenta-se, então, sobre dois pilares. O primeiro é a

observação dos aspectos intratextuais do enunciado sincrético, a fim de mapear

os efeitos de sentido produzidos, e o segundo é a análise das redes de relações

dialógicas estabelecidas pelo gênero programa de auditório e sua emissão nos

meios de comunicação de massa.

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RÉSUMÉ

Notre texte fait une analyse des émissions de télévision dirigées au grand publique, en utilisant l’instrumental théorique de la sémiotique du discours. Pour cela, on a observé quatre jeux télévisés présentés par Silvio Santos dans la chaîne SBT – Système Brésilien de Télévision. Dans cette analyse, on cherche quelles stratégies sont adoptées par tels programmes afin de les faire durer pendant plus de quarante ans. En outre, on discute un cas très particulier concernant Silvio Santos, qui est à la fois présentateur de ces programmes et propriétaire de la chaîne de télévision SBT. La Sémiotique permet de lancer un regard sur la production de signification de tels programmes, en les considérant comme des textes, c’est-à-dire des objets dotés de sens. Dans le cas des textes de télévision, l’analyse prendra la spécificité du plan de l’expression qui se caractérise par les langages verbal, visuel e sonore mobilisés dans une seule énonciation, ce qu’on appelle syncrétisme. L’analyse se fond donc sur deux piliers. Le premier étant l’observation des aspects intratextuels de l’énoncé syncrétique, afin de planifier les effets de sens produits, le deuxième étant l’analyse des réseaux de relations dialogiques établies par le genre jeux télévisé et son émission dans les moyens de communication de masse.

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SUMÁRIO

Introdução....................................................................................................11

1. Para uma caracterização do gênero Programa de Auditório............ 32 1.1. Encenação e espetáculo – sobre a estrutura composicional.......................... 40

1.2. Agora é hora de alegria! – a temática ............................................................ 46

1.3. Estilo SBT – o povo na TV ............................................................................. 53

1.4. Quem fala é o número – o entretenimento na arena ..................................... 62

2. Tudo ao mesmo tempo agora – estratégias enunciativas de sincretização ............................................................................................ 74 2.1. O plano da expressão do show de variedades ...............................................81

2.2. Esquema narrativo no show de variedades ................................................... 84

2.3. O plano da expressão no game-show............................................................. 85

2.4. Esquema narrativo no game-show.................................................................. 90

2.5. Preenchimento e movimento............................................................................91

2.6. A relação espaço-tempo..................................................................................94

2.6.1. Do caos à ordem – entre extensidade e intensidade........... 104

3. O baú da fidelidade – éthos, páthos e interação.............................. 115 3.1. O SBT e a construção de um baú da fidelidade ......................................... 118

3.1.2. A interação por aproximação ......................................................... 126

3.2. Reais como atores – éthos e páthos............................................................. 139

3.2.1. A relação éthos/ páthos – um caso de (in)fidelidade?.....................153

3.3. Estilo – heterogeneidade e dialogismo ............................................. 164

Conclusão ................................................................................................ 177

Bibliografia .............................................................................................. 185

Anexos ..................................................................................................... 191

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de ouvido

di vi

di do

entre

o

ver

&

o

vidro

du vi do

(LEMINSKI. Caprichos & Relaxos. São Paulo: Brasiliense, 1985.)

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INTRODUÇÃO

Em casa a roda Já mudou, que a moda muda A roda é triste, a roda é muda

Em volta lá da televisão (...)

Os namorados Já dispensam seu namoro

Quem quer riso, quem quer choro Não faz mais esforço não

E a própria vida Ainda vai sentar sentida

Vendo a vida mais vivida Que vem lá da televisão...

Chico Buarque

Só no deslocamento poético é possível concretizar a “vida” e fazê-la

sentar-se no sofá. Essa personagem, que vê a si mesma mais verdadeira,

“mais vivida”, quando reproduzida, faz pensar em várias questões emergentes

da atualidade, tão submetida às exigências, especificidades e coerções

tecnológicas. A imagem criada pelo poeta pode ser tomada como um exemplo

da passagem da experiência a signo, de um modo muito particular, uma vez

que este último passa a comandar o jogo entre o mundo e a sua

representação, configurando uma troca de papéis. Eugênio Bucci, em artigo

publicado na Veja, há dez anos, já fazia uma reflexão semelhante, ao pensar

sobre a relação do homem contemporâneo com a máquina fotográfica:

De bom grado, ele [o turista] substituiu a própria memória

pela fita magnética (...) são as imagens do espetáculo que não foi vivido, pois quem poderia vivê-lo se ocupou em gravá-lo (ou em posar para a gravação). Ali jaz a vida que poderia ter sido. Ali jaz o desejo que não se satisfez, pois entre ele e o turista havia um muro transparente, um vidro, uma câmara, essa engenhoca que reina soberana no espaço exíguo que separa o homem de si mesmo. (BUCCI, Eugênio, Veja, 03/12/1996)

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Assim, televisão, cinema, fotografia, são formas de estar no mundo, que

configuram a relação do homem com outros homens e consigo mesmo. As

clássicas e necessárias formulações de McLuhan evidenciam que a cultura

letrada e a palavra impressa acabam por realizar uma “imposição de padrões

uniformes e contínuos” e, conseqüentemente uma “homogeneização” de

pensamento, comportamento, gostos, etc. (cf. McLUHAN, 2003, p.32). O

surgimento da TV suscita uma veloz proliferação dessa “homogeneização”,

resultando em significativas transformações dos arranjos e esquemas sociais.

Considerado ainda um meio recente – no Brasil1 conta com aproximadamente

meio século de existência –, já instigou inúmeros estudos e pesquisas em todo

o mundo, e não poderia ser diferente, dada a “molduragem que ela [a TV]

produz nas formações sociais ou nos modos de subjetivação” (MACHADO,

2003, p. 16).

No entremeio dessas questões, pretendo utilizar a TV a fim de abordar o

que nela há de fenômeno de linguagem. Entretanto, pensar na linguagem e sua

manifestação mediada implica em considerar as diversas materialidades em

que pode se manifestar. Reside aí um dos desafios atuais aos estudos de

linguagem, que contam com corpora cada vez mais variados, sofisticados e

complexos.

Estudar, então, a linguagem a partir de sua manifestação em objetos

midiáticos é um tema polêmico, pois existe uma tendência na área de

comunicação a considerar que apenas as chamadas “teorias da comunicação”

1 No Brasil é considerado o marco inicial da TV a inauguração do canal 3 – TV Tupi, por Assis Chateaubriand em setembro de 1950. (cf. SODRÉ, 1975, p. 60)

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possam dar conta do fenômeno. No entanto, a reflexão de José Luiz Fiorin

serve-me aqui como justificativa:

Os textos criados pelos meios de comunicação são produtos de linguagens e, por conseguinte, podem ser examinados pelas teorias lingüísticas e semióticas. (FIORIN, 2004, p. 14)

Contudo, há que se considerar, obviamente, a importância do arcabouço

desenvolvido pelas teorias da comunicação, que em certa medida se tornam

teorias da cultura, e enfatizar que reflexões inaugurais como as de Adorno e

McLuhan não podem ser deixadas de lado, já que muitas de suas formulações

serão úteis para o enriquecimento da análise. Afinal, é impossível analisar o

texto produzido para e pela TV sem considerar os estudos específicos sobre

esse veículo.

Arlindo Machado denomina os dois autores precursores como dois

modelos ou maneiras principais de tratar a televisão, sintetizadas na oposição:

“boa”, para McLuhan, vs. “má”, para Adorno. Enquanto para o primeiro as

qualidades da TV residem nos “processos fragmentários abertos” e “numa

recepção intensa e participante”, o segundo a ataca pela má qualidade dos

temas abordados. Aí temos dois pontos de vista, que consideram a televisão

“por sua estrutura tecnológica e mercadológica ou por seu modelo abstrato e

genérico” (cf. MACHADO, 2003, p. 17-19). As observações de Machado

chamam atenção para a necessidade de alargar o modo de observação sobre

a TV, privilegiando o material concreto por ela produzido, a fim de:

...pensar a televisão como o conjunto dos trabalhos audiovisuais (variados, desiguais, contraditórios) que a constituem, assim como o

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cinema é o conjunto de todos os filmes produzidos e a literatura o conjunto de todas as obras literárias escritas ou oralizadas, mas, sobretudo, daquelas obras que a discussão pública qualificada destacou para fora da massa amorfa da trivialidade. O contexto, a estrutura externa, a base tecnológica também contam, é claro, mas eles não explicam nada se não estiverem referidos àquilo que mobiliza tanto produtores quanto telespectadores: as imagens e os sons que constituem a “mensagem” televisual. (MACHADO, 2003. p. 19)

Assim, eleger a televisão como objeto de análise, no âmbito dos estudos

semióticos, significa considerá-la como um tipo de texto, que mobiliza múltiplas

linguagens e se dá a ver por intermédio da tecnologia audiovisual. E para isso

faz-se necessário adotar uma metodologia capaz de abarcar as especificidades

e complexidades do texto em questão.

A Semiótica da Escola de Paris, teoria escolhida para embasar este

trabalho, compreende os textos como objetos de significação e de

comunicação. Suas análises buscam observar os aspectos intrínsecos ao

texto, bem como as redes discursivas em que estão inseridos. Entendendo o

texto como um todo de sentido, a semiótica vai se ocupar de objetos

manifestados nos mais variados meios de expressão, como um texto verbal,

uma pintura, uma música, um filme, um programa de TV.

Tendo como fundador Algirdas Julien Greimas, a semiótica francesa

parte da formulação de Hjelmeslev, que define a significação a partir da relação

entre as formas do plano da expressão e do plano do conteúdo (a partir de

agora PE e PC) das linguagens. Os estudos semióticos pretendem entender,

então, quais são os mecanismos responsáveis pela produção de sentido nos

textos. Para isso, conceberam um aparato metodológico que permite observar

a produção da significação como etapas que se superpõem, indo de um nível

profundo e abstrato até um mais superficial e concreto. O chamado percurso

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gerativo de sentido remonta, na análise, a trajetória da produção do sentido,

através dos três níveis: fundamental, narrativo e discursivo, cada um dotado de

uma gramática própria. A análise consiste numa espécie de desconstrução do

texto e visa reconstituir e recuperar o modo de produção da significação.

A publicação de De l’Imperfection, em 1987, representou um marco para

a teoria, que passa a se expandir para além de seu modelo teórico canônico,

voltando a sua reflexão para a dimensão sensível e afetiva do sentido. Vejamos

a observação de Erick Landowski na apresentação da coletânea Semiótica,

estesis e estética em 1999, sobre o referido livro:

...paradoxalmente, à medida que passam os anos, cada vez mais se reforça a impressão de que, em lugar de ter sido a última de suas obras, foi a primeira, ao menos para os semioticistas. De fato, é naquele livro que os que acreditam nos poderes criativos da disciplina encontram atualmente sua fonte de inspiração preferida.2

Esses “poderes criativos” da disciplina, a que Landowski confere um tom

irônico, consistem justamente em realizar análises que não se prendam

unicamente ao modelo canônico proposto, mas que, por outro lado, também

não o abandonem. Com o avanço da teoria de um lado e a exigência dos

textos produzidos contemporaneamente, com suportes cada vez mais

sofisticados, de outro, a semiótica desenvolve seus conceitos sempre tendo em

vista abarcar o fenômeno da significação, mesmo sabendo de sua

inapreensível extensão. A reflexão de Ignácio Assis Silva num estudo sobre a

2 Este texto foi originalmente publicado na apresentação da coletânea Semiótica, estesis e estética em espanhol. Sua tradução consta da publicação em português de Da imperfeição (2002).

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figuratividade serve-me aqui para exemplificar uma das aspirações teóricas da

semiótica. Trata-se de tentar organizar toda uma estrutura das bases

figurativas, e com isso traçar um “arcabouço organizador do imaginário

humano”. Sendo esta proposta ousada demais, caberia ao analista:

...trabalhar no sentido de ver como é que essa estruturação funciona, atua, na camada profunda, organizando o substrato figurativo a partir do qual o texto entrama, molda, enforma o tema ou temas que o discurso põe em andamento. Na impossibilidade de tentar o macrouniverso (o imaginário humano), contentar-se com o microuniverso em que aquele se espelha, o texto. (SILVA, 1995, p. 30)

Em suma é, então, o texto, com suas múltiplas especificidades e

diversas manifestações, o objeto da semiótica. Para dar conta dos textos que

são formados pela multiplicidade de linguagens, como por exemplo, uma

página de jornal (verbal/visual) ou ainda um programa de TV

(verbal/visual/sonora), a teoria desenvolve o conceito de sincretismo, também

de base hjelmsleviana, para compreender que:

Objetos sincréticos são aqueles em que o plano da expressão se caracteriza por uma pluralidade de substâncias mobilizadas por uma única enunciação cuja competência de textualizar supõe o domínio de várias linguagens para a formalização de uma outra que as organize num todo de significação. (TEIXEIRA, 2004, p.235).

Tomar para análise um texto de TV põe o analista diante de uma tarefa

que envolve a interação entre linguagens verbais e visuais. Atualmente, a

semiótica tem se preocupado em investigar bastante a questão da visualidade.

Como destaca Jacques Fontanille, o grande achado para o avanço teórico do

conceito de sincretismo advém do estudo da dimensão plástica das linguagens:

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(...) a reflexão sobre a dimensão plástica é realmente essencial, já que se trata de saber em que condições e como, sob diferentes modos semióticos, com suportes diferentes e para usos diferentes, um conjunto de proposições visuais poderia ser percebido como coerente. (FONTANILLE, 2004, p.168)

O aprofundamento de tal dimensão traz à tona a necessidade de

enfatizar o estudo do plano da expressão, ou seja, trabalhar os objetos em sua

dimensão visual, através da análise dos formantes cromáticos, eidéticos e

topológicos, cuja apresentação se dá através “das figuras significantes do

plano da expressão do mundo visível” (FONTANILLE, 2004, p.168). Esse

plano da expressão, quando formado por diversas linguagens em relação, a fim

de formar um todo significante, constitui o que chamamos de objetos

sincréticos. O termo sincretismo em Semiótica recebe duas acepções,

conforme elucida Fiorin:

Greimas estabelece dois tipos de sincretismo em semiótica. O primeiro é definido como o entende Hjelmslev. É o “procedimento (ou seu resultado), que consiste em estabelecer por superposição uma relação entre dois (ou vários) termos ou categorias heterogêneas, recobrindo-os com a ajuda de uma grandeza semiótica ou lingüística que os reúne”.(...) O segundo tipo de sincretismo estabelecido por Greimas é o das chamadas semióticas sincréticas –tais como a ópera ou o cinema – que são aquelas que se valem de várias linguagens de manifestação. (FIORIN, 2006, no prelo).

.

Na tentativa de apurar melhor a noção de sincretismo, Floch, no

Dicionário de Semiótica II, retoma a questão para tratar das semióticas

sincréticas. Para o autor elas se caracterizariam pela mobilização de múltiplas

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linguagens de manifestação, como num comercial, num jornal televisivo ou

numa história em quadrinhos, entre outras.3

Ainda buscando maior precisão teórica e consenso para as questões

referentes a esse conceito, o grande desafio que enfrenta, agora, a semiótica é

o desenvolvimento de uma metodologia que explique o modo de ser do texto

sincrético, ou seja, como essa multiplicidade de linguagens manifesta um todo

apreensível como único. Yvana Fechine ao analisar os “procedimentos de

sincretização no audiovisual” considera que:

Nos meios audiovisuais, essa sobreposição, acumulação ou articulação ‘vertical’ (paradigmática) dos seus mais diversos elementos expressivos pode ser pensada como uma estratégia de convergência: convergência de várias linguagens de manifestação para uma mesma forma (a forma única). (FECHINE, 2004)

Um estudo sobre um meio audiovisual tem como preocupação central

revelar o modo de construção dessa “estratégia de convergência”. Para isso,

deve-se partir do levantamento, da observação e da análise das categorias e

procedimentos que estão em jogo no enunciado construído, a fim de depurar

qual mecanismo estratégico é utilizado para fazê-los convergir e construir o

efeito de unidade.

A “forma” de um programa televisivo, com suas múltiplas linguagens

sobrepostas, manifesta-se concretamente em dois eixos: espacial – o espaço

do set de filmagem – e temporal – o tempo de duração do programa. Na mídia

3 “Les sémiotiques syncrétiques se caractérisent par la mise em oeuvre de plusieurs langages de manifestation. Um spot publicitaire, une bande dessinée, um journal télévisé ou une manifestation culturelle ou politique sont, parmi d’utres, des exemples de discours syncrétiques.” (FLOCH, In. GREIMAS, COURTÉS, 2006, p.217)

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televisiva, a administração do tempo é importantíssima, pois é nele que se

desenrola a cena a ser apresentada.

Pode-se dizer que num texto sincrético audiovisual a significação nasce

da convergência das dimensões espaciotemporais, aliadas aos efeitos

plásticos, como luz e sombra, formas, cores, manifestados no PE das imagens.

A grande questão, então, para a análise do texto sincrético é tentar entender

como as diferentes substâncias do PE se articulam, a fim de constituir uma

forma coerente e apreensível como um todo no PC. Lucia Teixeira (2004), “na

tentativa de esboçar uma metodologia para análise da práxis enunciativa que

produz objetos sincréticos”, lança uma proposta de análise que compreende

três etapas:

1) a identificação dos diferentes códigos utilizados no texto

sincrético;

2) a observação das diferentes formas de interação entre os

códigos;

3) a descrição do efeito de unidade alcançado pelo objeto.

Além dos aspectos citados, a análise sincrética deve ainda considerar as

especificidades de manifestação próprias dos textos, com o intuito de construir

uma metodologia adaptável às variações tipológicas. Por exemplo, a relação

sincrética construída numa página de jornal, em que estão em jogo a

linguagem verbal e a fotografia, por meio de arranjos de composição visual

(articulação entre tipos, cores, tamanhos, formatos das fontes e elementos da

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fotografia), difere da relação construída numa imagem de TV em que os

elementos verbal, visual e sonoro convergem de modo extremo, ou seja, são

praticamente indissociáveis. Assim, um leitor diante de uma página de jornal

pode optar por ler a matéria escrita sem sequer olhar a fotografia que a

acompanha e, mesmo assim, atribuir sentido para o texto. Já um telespectador

ao assistir à imagem sem som, fato raro que, no entanto, pode ocorrer ao

acionar a tecla mute do controle remoto para atender ao telefone ou realizar

uma leitura, fatalmente terá a compreensão comprometida. Esse pequeno

exemplo revela uma questão interessante em relação ao modo de presença

diante da TV. É, contudo, muito comum associar a atividade de ver TV com

várias outras atividades. É inclusive bastante comum ligar o aparelho de TV

para não assisti-lo, mas somente tê-lo como uma companhia. Já fazer a leitura

de um jornal concomitantemente com outras atividades é praticamente

impossível. Com isso, observamos que as especificidades de cada texto

resultam em diferentes formas de sincretizar, de instaurar modos de presença

e de propor formas de interação. Yvana Fechine recupera a distinção que John

Ellis faz entre o “regime do olhar” e o “regime da olhadela” para pensar em

regimes de interação:

Quando pensados em termos de uma relação sujeito e objeto, na qual o espectador e a própria TV ocupam os dois termos da função, o “olhar” e a “olhadela” determinam dois regimes de interação que correspondem, por sua vez, a distintos modos de presença. O primeiro regime de interação, do qual vamos inicialmente tratar, define-se a partir dessa relação do espectador com a própria TV, com determinadas ações deflagradas pelo convívio cotidiano com a TV, com a própria manutenção do televisor ligado (práticas em situação nas quais a co-presença entre os actantes faz sentido por si só). O segundo deles depende de uma determinada relação do espectador com aquilo a que ele assiste na TV, com um tipo de contato que se estabelece entre ele, a TV e o

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“mundo” através das transmissões (textos em situação nos quais a co-presença entre sujeito e objeto é uma condição necessária, mas não suficiente, para a emergência do sentido). (FECHINE, 2008, p.106)

Assim, o sujeito diante da TV pode ser flagrado pelo que nela há de mais

sensível ao que há de mais inteligível. No primeiro modo de presença o

envolvimento se dá mais pelas propriedades do PE e pelas especificidades do

suporte: movimento, som e luz. Já no segundo está em voga mais o PC, isto é,

o que se quer dizer e transmitir. A TV por ter de competir com uma gama de

outras atividades enfatiza o modo interpelativo, buscando dirigir-se diretamente

ao telespectador através do posicionamento próximo às câmeras e com frases

do tipo “não saia daí não”, “aguarde o próximo bloco”.

Teixeira (2004) enfatiza a necessidade de se estabelecer “uma tipologia

dos modos de integração de linguagens nos textos” e retoma a oposição entre

sincretismo e discretismo, formulada por Ignácio Assis Silva para demonstrar

que:

Entre um pólo e outro, poderíamos pensar em manifestações com maior ou menor grau de integração entre linguagens, ou poderíamos discutir a construção do próprio objeto pelo analista. (TEIXEIRA, 2004, p, 237)

Especificamente no caso aqui em questão, o texto televisivo, a análise

terá como um dos objetivos propor um percurso coerente com o alto grau de

integração das linguagens postas no enunciado. A relação entre as imagens

(linguagem visual) e o som (linguagem sonora) é praticamente indissolúvel. O

texto sincrético televisivo precisa ser pensado como um objeto sincrético

dotado de uma solidariedade profunda entre as linguagens que o compõem.

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Observar, então, como se constrói esta relação deve ser uma das

preocupações centrais da análise. A pergunta que naturalmente emerge neste

momento é: qual enunciado será eleito como objeto de análise?

Escolhemos, por razões que definiremos a seguir, o Programa Silvio

Santos e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), a emissora historicamente

“vice-líder” de audiência no Brasil.

O “homem do baú” e o SBT

A matéria prima destas casas são os móveis fracos de compensado, as fórmicas, os pés tubulares de metal, o plástico, enfim, tudo o que o comércio impinge e que os refinados consideram de mau gosto. No entanto, com essa matéria prima vai-se compondo o ambiente em que a família se reúne, acolhedor, quente e agradável, onde é bom estar.

Ecléa Bosi

Domingo à noite. Milhares de famílias brasileiras reúnem-se em suas

casas e posicionam-se em frente à tela de cristal. Repouso e confraternização.

Preparação para a semana que está por vir... Pela fabulosa caixa colorida,

homens e mulheres captam, através dos olhos e dos ouvidos, vozes, músicas,

coreografias. Neste jogo entre realidade e imaginação, o apelo visual e sonoro

da TV envolve sob a capa do entretenimento a esperança de um sonho

realizado, que se concretiza no sorteio da casa própria, um carro O Km, ou

quem sabe até um milhão de reais.

Essa família, que se encontra em sua “quente e agradável” sala, se

rende aos luminosos raios da televisão. Na imagem, saltam aos olhos os

movimentos das voluptuosas dançarinas, embaladas por baladas repetidas em

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coro pela platéia que assiste ao vivo ao programa no auditório. Platéia

essencialmente feminina, vinda de todas as partes do Brasil em caravanas.

Todos estão ansiosos, bradando seus corais, aplaudindo, gritando e muitas

vezes chorando. Tudo isto tem um motivo: é aguardada a entrada do

apresentador do espetáculo.

O show-man desta ocasião, Silvio Santos, o apresentador e ídolo

popular brasileiro, personifica o “sonho” que alimenta carentes platéias e

famílias. Comunicador e empresário é, também, proprietário do canal SBT –

Sistema Brasileiro de Televisão – no qual apresenta aos domingos o longo

“Programa Silvio Santos”.

Senor Abravanel (Silvio Santos) nasceu em 12 de dezembro de 1930, na

Lapa, Rio de Janeiro. Filho de imigrantes, quando criança já queria ganhar

dinheiro por conta própria, tendo enveredado pelo caminho do comércio,

seguindo o exemplo de seu pai Alberto, também comerciante. Embora

trabalhasse no comércio informal, como vendedor ambulante, não abandonou

os estudos, formando-se Técnico em Contabilidade. Com grande facilidade

para a comunicação, obteve êxito em todas as suas iniciativas, sempre

voltadas para jogos e entretenimentos. Após vencer vários concursos de

locução, estreou em 1961, na TV Paulista, o programa “Vamos brincar de

forca”. Daí em diante, deslanchou sua carreira de comunicador e empresário

sempre direcionada ao público popular. Em 1993, o “Programa Silvio Santos”

entrou para o livro dos recordes como o programa mais duradouro da televisão

brasileira, a contar de sua estréia em 1962, quando Silvio apresentava uma

série de quadros aos domingos das 12 às 14 horas. Em 1981, recebeu a

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concessão de quatro canais de televisão e fundou o SBT, tornando-se uma das

figuras mais importantes das telecomunicações brasileiras.

O SBT foi fundado em 19 de agosto de 1981 contando com 18 emissoras.

Atualmente possui cerca de 107 espalhadas por todo o país. A história desse

canal apresenta uma peculiaridade desde a sua fundação: a rivalidade com a

Rede Globo, líder absoluta da TV brasileira de todos os tempos. Como fundar

um novo canal de TV e garantir uma satisfatória fatia do “bolo” da audiência?

Para isso, Silvio e os demais dirigentes do SBT perceberam que deveriam

adotar como estratégia a construção de uma imagem de popularidade:

Pareceu desde logo aos dirigentes do SBT que qualquer caminho a seguir seria válido, menos o caminho que já estava sendo seguido pela Globo, a emissora líder. Se a líder era qualificada de elitista, o SBT seria popular. E, assim como se imaginou, se fez. (SILVA, 2000, p. 106)

Desta forma, vemos um canal de TV feito para atender ao “gosto popular”.

Contando com uma infra-estrutura precária, o SBT apresentava em sua grade

de programação poucos quadros de programas, mas a audiência do “Programa

Silvio Santos” já se consolidara ao longo do tempo em que havia sido exibido

nos outros canais. Assim, tendo como líder o comunicador Silvio Santos, a

aposta em fazer um canal popular obteve êxito, e garantiu ao SBT a vice-

liderança:

O SBT partiu para uma comunicação quente e intimista, assumiu o conceito de televisão como mídia de massa, que oferecia entretenimento, shows e informação. Dirigia sua programação para classes sociais definidas como B2, C e D1, que representavam 61% da população. Essa estratégia aparentemente teve sucesso. O SBT passou rapidamente à condição de vice-líder do mercado, aumentou

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sua participação em audiência para 30% no segundo ano de operação.4

Até hoje, o SBT permanece fiel à sua base fundante, embora a produção

de programas como “Jô Soares 11 e meia”, que permaneceu no ar durante 11

anos, para depois ser vendido à Rede Globo, e a recente contratação da

jornalista Ana Paula Padrão, oriunda do canal líder, com a intenção de

estabelecer um “novo padrão de jornalismo” (slogan da propaganda), procure

atingir o público dito de elite e, por conseguinte, disseminar uma imagem de

seriedade e credibilidade.

O “Programa Silvio Santos” já chegou a ocupar praticamente toda a

programação dominical, principalmente na década de 80, época em que os

programas de auditório ressurgem com mais força.5 Formado por vários

quadros que funcionavam como “programas independentes”, e eram

apresentados seqüencialmente, o programa chegava a se estender por cerca

de dez horas. Atualmente, o ”Programa Silvio Santos” 6 diminuiu sua extensão,

4 Disponível em: www.sbt.com.br/institucional/default.asp Acessado em: 14/07/2006 5 Os programas de TV ditos “popularescos”, representados majoritariamente pelos programas de auditório, sofreram uma crise, que vai do final da década de 60 até o final da década seguinte, época em que se buscava construir um “novo perfil do homem brasileiro”. Para isso, foram estabelecidos protocolos de autocensura entre as emissoras, além da atuação já feita na época pela censura do regime militar: “Essa nova estratégia político-econômica se traduziria, no plano cultural e ideológico, num movimento contrário aos programas ‘popularescos’ ou de ‘baixo-nível’” (MIRA, 1995, p. 45). Segundo a autora, na década de 80, o SBT entra na história da TV, apresentando programas adaptados de similares americanos dos anos 50/60. O SBT se torna a “história viva (ou revivida) da televisão brasileira. Não a história toda. Apenas uma parte: exatamente aquela que não encontrara lugar nos padrões vigentes na década de 70”.(MIRA, 1995, p. 110) 6 As tardes de domingo são ocupadas pelo “Domingo Legal”, animado por Gugu Liberato, espécie de seguidor e sucessor de Silvio. Os quadros do “Programa Silvio Santos” são apresentados por vezes aos domingos à noite, por vezes durante a semana em horários variados, entrando e saindo do ar, conforme as exigências da audiência. Além do apresentador Gugu (Augusto Liberato) o time de apresentadores do SBT conta com: Ratinho (Carlos Massa), Hebe Camargo, Celso Portioli e Adriane Galisteu. (Essa formatação da programação ocorreu durante a pesquisa para esta tese entre os anos de 2005 e 2007. Atualmente – 2008 – o Programa Silvio Santos ocupa majoritariamente o dia de domingo, seguido no fim da tarde pelo “Domingo Legal”, de Gugu.).

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embora ainda tenha uma importância significativa no SBT, uma vez que é

apresentado pelo próprio proprietário do canal, que não faz questão de

esconder seu caráter centralizador, sendo constantemente chamado de

““patrão” · por vários jurados, apresentadores e demais “funcionários” do SBT.

Numa reportagem da revista Veja fica clara a preocupação dos demais

empresários do “Grupo Silvio Santos” com o possível afastamento do líder:

A figura de Silvio é poderosa. Na minha avaliação, se ele

pendurasse as chuteiras hoje, perderíamos de imediato 40% de nosso faturamento total, que está em 1,6 bilhão de reais por ano – afirma Luiz Sebastião Sandoval, presidente do Grupo Silvio Santos. (Veja, 17/05/2000 – grifo meu)

O “poder” da “figura de Silvio” pode ser observado num fato interessante,

que é a promoção de seus sucessores. No SBT hoje há pelo menos três

apresentadores que imitam os trejeitos, as roupas e a voz de Silvio Santos:

Gugu Liberato, Luís Ricardo e Celso Portioli. Este último inclusive foi

selecionado como apresentador justamente por ter uma voz incrivelmente

semelhante à do “patrão”. É portanto o papel temático de patrão, de homem

poderoso, centrado na figura tão cara ao sistema capitalista do self-made-man

que emerge dessa variedade de atores.

Essa figura “que deu certo”, reproduzida como imagem diariamente pela

TV, e tomada aqui como um micro-universo de uma estrutura mais ampla, é

dotada de uma dimensão política, na medida em que movimenta quantias e

produtos e se torna o “porta-voz” de valores e práticas sociais, que estão a

serviço de uma determinada ordem social. A análise do audiovisual, enfocando

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particularmente a TV com seu rápido e longo alcance, tem como objetivo,

justamente, refletir sobre os modos de produção imagética e sua conseqüente

ressonância na cultura, através das redes simbólicas que fazem proliferar.

Mais especificamente, neste estudo pretendo observar como se dá a

construção de um determinado tipo de estética popularesca, constituída como

uma espécie de identidade do canal SBT e de seu comandante Silvio Santos.

Para isso, estudarei os mecanismos internos de produção dessa estética do 2º

lugar nos programas, através da análise das categorias do PE da linguagem

audiovisual, bem como da seleção temática e figurativa que confere

consistência semântica ao discurso. Além disso, faz-se necessário perceber

como se dá a construção do enunciatário, através das pistas deixadas no

enunciado, observando também quais estratégias enunciativas são acionadas

na manutenção da fidelidade desse público, de modo a consolidar Silvio Santos

e o seu canal como os grandes campeões da vice-liderança da TV brasileira,

até por volta de 2006, ano em que a Rede Record passa a ameaçar o SBT.

Instaura-se aí uma disputa pela vice-liderança.

Para empreender tal análise, a constituição do corpus adotará o princípio

da “representatividade”, conforme postulado por Greimas e Courtés:

A representatividade, como critério de escolha de um corpus, permite ao descritor satisfazer, da melhor maneira possível, ao princípio da adequação, sem que tenha de submeter-se à exigência da exaustividade7. (GREIMAS. COURTÉS, s/d., p.383)

7O Dicionário de Semiótica desenvolve a noção de corpus, baseando-se nos conceitos de exaustividade, representatividade e simplicidade: “L. Hjelmslev integra a exaustividade no seu princípio de empirismo, fazendo notar entretanto que, se a exigência de exaustividade se sobrepõe à de simplicidade, ela deve dar primazia à exigência de não-contradição (ou coerência).” (GREIMAS. COURTÉS,s/d., p. 171) Para a semiótica a simplicidade “se traduz pela ‘simplificação’, isto é, pela otimização dos procedimentos sintagmáticos, que pode manifestar-se ora pela redução do número de operações que um procedimento de análise

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O corpus final conta com quatro programas: “Gente que brilha” (P1), “Roda

a roda”, (P2), “Rei Majestade” (P3) e “Topa ou não topa” (P4)8. Em anexo

segue detalhamento do corpus, com uma pequena descrição, bem como um

DVD com uma seleção de cenas de cada um. Tomando este conjunto, será

possível ter um panorama representativo dos programas de auditório do SBT

apresentados atualmente. As gravações foram feitas no período de março de

2005 a agosto de 2006. Enfatizarei na análise um exemplar de cada programa,

conforme as datas de exibição em anexo. Entretanto, os outros programas

assistidos e/ou gravados servirão de apoio à minha observação. Além disso, a

título de enriquecimento da análise, lançarei mão do ponto de vista diacrônico,

por meio de eventuais referências a programas antigos exibidos no SBT, ao

longo de sua história, sobre os quais obtenho informações em livros, no site

institucional do SBT, em páginas de fã-clubes de Silvio Santos, bem como,

obviamente, através de minha própria memória como telespectadora desde a

infância, no final da década de 70.

O Programa Silvio Santos representa o gênero “programa de auditório”.

Todavia, esse gênero abriga diferentes subgêneros: show de variedades,

jogos, disputas, etc. É possível organizar o corpus de análise de acordo com a

seguinte classificação:

exige, ora pela escolha deste ou daquele sistema de representação metalingüística”. (Idem, p. 425) 8 Para facilitar a exposição, ao longo do trabalho, adotarei a abreviação: Programa 1(P1) para Gente que brilha, programa 2 (P2) para Roda a roda, programa 3 (P3) para Rei Majestade e programa 4 (P4) para Topa ou não topa.

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GÊNERO – PROGRAMA DE AUDITÓRIO

Na análise será preciso, então, compreender e explicitar as qualidades e

características do gênero, partindo da observação do corpus. Por isso,

destinarei o primeiro capítulo a uma caracterização do gênero “programa de

auditório”, tomando como base teórica fundamental o pensamento de Bakhtin

(2000), seguido das reflexões de Fiorin (2006b) sobre o tema, na perspectiva

da semiótica. Após detalhar as características que fazem esses textos serem o

que são e funcionarem como funcionam, será necessário adotar um percurso

metodológico que permita analisá-los tendo em vista suas características

fundamentais. Para isso, no segundo capítulo, apresentarei formulações e

observações teóricas sobre procedimentos de enunciação sincrética

concomitantemente à analise dos textos. Observarei, também, quais

estratégias enunciativas põem em andamento o texto sincrético audiovisual, a

partir das duas categorias de tempo e espaço, utilizando uma abordagem

tensiva. No terceiro e último capítulo, enfocarei a categoria de pessoa,

observando os mecanismos de interação entre enunciador e enunciatário, a fim

de observar na concretude do enunciado as marcas de um enunciatário-alvo,

cuja ação de assistir a esse tipo de programa garante a ele a permanência no

PROGRAMA SUBGÊNERO

P1 - Gente que Brilha Show de variedades

P2 - Roda a Roda Game show

P3- Rei Majestade Show de variedades

P 4 - Topa ou não Topa Game show

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ar. Afinal, quem será o público fiel que confere à emissora, seus programas e

seu apresentador o “honroso” segundo lugar? Por outro lado, quem será esse

apresentador, dotado de um “estilo”, a ditar uma determinada identidade

própria à emissora que gira a seu redor?

Enfim, pretendo com este trabalho apresentar contribuição à teoria

semiótica, especificamente para o desenvolvimento de uma metodologia de

análise de textos sincréticos. Com isso, acredito também apresentar um viés

útil para o empreendimento da análise sobre televisão, que leva em conta

aspectos da materialidade significante para a construção do sentido.

Finalmente, busco de certa forma contribuir para compreensão do papel da TV

brasileira, ao desvelar ao longo da análise um determinado estilo que se

constrói e perdura, trabalhando em favor de um determinado modo de

organização social.

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CONTO COLORIDO Quando lhe perguntaram o que queria ser quando crescesse, não vacilou: televisão.

(STRAUSZ, Rosa Amanda. Mínimo múltiplo comum. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990)

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1. PARA UMA CARACTERIZAÇÃO DO GÊNERO PROGRAMA DE AUDITÓRIO

A Profª Norma Discini durante uma aula1 perguntou a um aluno: “O que

você vê na sua frente?” Este meio encabulado respondeu: “Um quadro-de-giz

todo rabiscado”. Ao ouvir a resposta, a professora exclamou: “Ótimo, excelente!

Uma resposta perfeita, adequada ao gênero aula. Estranho seria se você

dissesse que vê um lindo céu estrelado”.Naquela ocasião, o que Norma Discini

fazia questão de nos mostrar era o fato de os enunciados serem produzidos em

função do gênero ao qual pertencem, ou seja, obedecendo a determinadas

coerções. Assim, numa situação formal como uma aula, que pressupõe a

avaliação por parte do professor, presume-se que os alunos busquem

respostas objetivas. Quisesse talvez a professora Norma insinuar que o

“gênero aula” propicia poucas respostas criativas? Deixemos tal questão de

lado para retornar ao que realmente interessa, o gênero.

Se parafrasear, dialogar, intertextualizar são formas de construção

discursiva, peço licença para “bakhtinizar” uma famosa frase de Greimas: “fora

do texto não há salvação”, e dizer que “fora do gênero não há salvação”.

Contudo, Fiorin já alertara para o princípio: “Extra Ecclesiam, nulla salus”, que

ecoava no mote greimasiano, que o próprio Fiorin retomava para dizer: “Fora

da relação com o outro, não há sentido” (Cf. FIORIN, 1994, p.36). A ciranda do

discurso se faz, então, de retomada, de relação, de novidade, de repetição.

1 Refiro-me ao minicurso: “TEXTO E DISCURSO: fundamentos teóricos e procedimentos analíticos”, ministrado pela Profª Drª Norma Discini (USP), no Instituto de Letras da UFF entre os dias 28 e 30 de setembro de 2005.

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Entretanto cada situação exige um “o que dizer”, que é indissociável de um

“como dizer”. É agora Bakhtin quem entra no diálogo, para esclarecer que:

Os gêneros do discurso organizam a nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala evidenciará suas diferenciações. Se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. (BAKHTIN, 2000, p.302)

A teorização de Bakhtin é referencial para a semiótica, uma vez que põe

em discussão a importância de entender que a comunicação se dá através de

enunciados, nos quais se pode prever a relação entre sujeitos, dotada de

intencionalidade, de tomadas de posição, constituindo-se numa relação viva e

ativa, que tem no enunciado uma “unidade real”. Além disso, o pensamento

bakhtiniano faz emergir a necessidade de se pensar em “gêneros do discurso”,

como “tipos relativamente estáveis de enunciados” (Cf. BAKHTIN, 2000,

p.279). Para a semiótica a estabilidade proposta pelo autor russo é

importantíssima, uma vez que torna os enunciados passíveis de análise.

Embora haja a possibilidade de analisar um enunciado isolado, este não deixa

de funcionar no seio de um determinado gênero, sendo dele uma amostragem.

Daí, a importância de a análise levar em conta as especificidades próprias de

cada gênero, que se concretizam em enunciados. No presente trabalho, a

definição do gênero se torna necessária, pois funciona como uma

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caracterização do tipo de texto a ser analisado. Assim, a proposta deste

capítulo é explicitar as qualidades do gênero programa de auditório, tomando

as formulações de Bakhtin (2000) e Fiorin (2006b), a fim de descrever mais

embasada e detalhadamente o enunciado-alvo. Entretanto, tendo em mente

que tal gênero se manifesta num enunciado televisivo, é necessário atentar

para o fato de que este gênero se define a partir de uma estratégia enunciativa

sincrética, responsável por colocar em andamento múltiplas linguagens em

concomitância. Com efeito, a enunciação atualiza o jogo entre as linguagens

de maneira a formar tipos passíveis de identificação. Fontanille destaca o

interesse dos semioticistas pela “formação de tipos” ou a necessidade de

“categorização”, estratégias que atuam na atividade discursiva. Segundo ele:

Somente o discurso poderá, sucessiva ou paralelamente, graças ao ato de referência, evocar esta ou aquela ocorrência do tipo a fim de colocá-la em cena. A formação dos tipos é, de certa forma, um outro nome para categorização. É a formação das classes e das categorias que uma linguagem manipula. Ela concerne a todas as dimensões da linguagem: à percepção, ao código e ao sistema. No entanto a categorização atua particularmente no âmbito do discurso, especialmente porque ela organiza a instauração dos “sistema de valores”. (FONTANILLE, 2007, p. 51)

Tipos, categorias e gêneros estão à disposição dos sujeitos, que na

atividade discursiva deles fazem uso, organizando, repetindo, inovando,

subvertendo. Voltando ao objeto do presente estudo – programas de TV –

sabemos que ao apertar o botão da televisão ou do controle remoto corremos o

risco de nos deparar com uma cena repleta de luzes e cores, uma música alta,

uma platéia ao vivo, aplaudindo freneticamente, bailarinas, dançarinos e uma

figura de comando a guiar o acontecimento. A cena descrita não fala de um

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programa em particular, mas condensa elementos básicos que estão presentes

em vários programas e ausentes em outros. Assim, a presença ou ausência de

determinados elementos faz ser um tipo de programa e deixar de ser outro tipo.

A TV, então, é um objeto que conta com uma variedade, uma infinidade de

“eventos audiovisuais”. Estes em comum possuem “apenas o fato da imagem e

do som serem constituídos eletronicamente e transmitidos de um local

(emissor) a outro (receptor) também por via eletrônica” (MACHADO, 1999,

p.144). Cada programa é, por conseguinte, um enunciado concreto, dotado de

especificidades que o fazem único. Todavia a manifestação de tais enunciados

obedece a regras de uma certa estabilidade, visível na estrutura composicional,

no “volume”, no tema adotado, no enunciatário inscrito e, especificamente no

caso em análise, numa determinada estratégia enunciativa sincrética.

Evidencia-se, desse modo, a necessidade de buscar caracterizar e definir o

gênero que abarca e aglutina um certo conjunto de enunciados. Para tratar

especificamente da TV, sirvo-me de uma observação de Arlindo Machado, no

artigo: “Pode-se falar em gêneros na televisão?”.

De todas as teorias do gênero em circulação, a de Mikhail Bakhtin nos parece a mais aberta e a mais adequada às obras de nosso tempo, mesmo que também Bakhtin nunca tenha dirigido a sua análise para o audiovisual contemporâneo, ficando restrito, como os demais, ao exame dos fenômenos lingüísticos e literários em suas formas impressas ou orais. Para o pensador russo, gênero é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma determinada linguagem, um certo modo de organizar idéias, meios e recursos expressivos, suficientemente estratificado numa cultura, de modo a garantir a comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma junto às comunidades futuras. (MACHADO, 1999, p. 143)

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Com isso, é possível perceber que os enunciados produzidos por um

meio agrupam-se segundo uma determinada base de organização, que os

torna reconhecíveis, e ao mesmo tempo garante sua continuidade. O gênero

promove, então, uma certa coerção, que gera a repetição de caracteres

fundamentais à comunicação, mas deixa ao mesmo tempo uma fresta por onde

adentram a criatividade e, conseqüentemente, as mudanças. Segundo Bakhtin,

são eles, os gêneros do discurso, que “de uma forma imediata, sensível e ágil,

refletem a menor mudança na vida social” (BAKHTIN, 2000, p.285). Essas

inevitáveis transformações, que ocorrem ao longo do tempo, possibilitam uma

migração entre os gêneros. A criação de um novo gênero é, portanto, sempre

fruto de um outro que o antecedeu. Este por sua vez antecede um outro que

virá mais adiante. Entretanto, os gêneros não são puros, havendo sempre uma

mistura, uma troca de características que de certa forma torna mais complexa

sua caracterização. Principalmente com o avanço tecnológico e a proliferação

de textos que mobilizam diversas linguagens em sua manifestação, os gêneros

se tornam cada vez mais híbridos.

Em meio a todo o hibridismo dos gêneros televisivos, Machado destaca

dois tipos, que considera exemplares: as formas fundadas no diálogo e as

narrativas seriadas. Sendo a TV “herdeira direta do rádio” as formas fundadas

no diálogo encontraram fértil terreno, sendo os programas de auditório um

exemplo delas:

Os grandes programas de auditório do rádio nasceram dos programas de calouros. Seu enorme sucesso levou o cronista Caribé da Rocha a lançar a idéia dos “teatros nos rádios”. Em 1983, na Rádio Nacional, seria então escrito e animado por Almirante “o primeiro programa montado do rádio brasileiro”: “Curiosidades Musicais”. No

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mesmo ano, Almirante criava também “Caixa de Perguntas”, em que dialogava com o público presente e oferecia prêmios aos acertadores do auditório. Para tanto, precisava descer do palco e circular no meio do público de modo a colher as respostas ao microfone. (MIRA, 1995, 124-125)

Dialogar com o público é uma das qualidades essenciais e fundamentais

dos programas de auditório. Com efeito, o diálogo é para Bakhtin um dos

gêneros de discurso primários, considerados simples, por se constituírem no

seio de uma comunicação espontânea. Entretanto, a reprodução de um gênero

primário, no interior de um chamado gênero secundário, como o romance, o

teatro, ou o discurso científico, por exemplo, faz com que aquele perca as suas

propriedades, adequando-se ao gosto do autor, do diretor, etc. Assim, a réplica

de um diálogo cotidiano tomada como parte de um romance só tem utilidade ou

funcionalidade dentro da natureza deste segundo gênero complexo (cf.

BAKHTIN, 2000, p.281). Os diálogos estabelecidos nos programas de auditório

por mais naturais e familiares que tentem parecer são apenas réplicas, usadas

na composição da encenação. Observemos este diálogo de P4:

SILVIO: Luciana, onde é que você está? Vem pra cá, Luciana. Vem pra cá. Aê...Luciana. Muito prazer! O que é isso aí, Luciana? LUCIANA: É a foto do meu marido e

do meu filho. SILVIO: Ah...veio fazer propaganda do marido e do filho! E precisa fazer propaganda do marido e do filho? LUCIANA: É que eles não puderam

vir. SILVIO: E o que que tem isso? LUCIANA: Ah...mas faz parte da

minha família, né? É muito importante pra mim. SILVIO: E você veio, você veio aqui

trazer fotografia deles? LUCIANA: Eles vão torcer por mim

aqui! SILVIO: Atenção...atenção! Moças que

querem casar...”ta” disponível... [risos] LUCIANA:Não...não...não...está

disponível, não! Este já é meu!

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O trecho acima representa um bom exemplo da maioria dos diálogos

apresentados no Programa Silvio Santos, os interlocutores parecem bem

próximos e familiares. A questão da aproximação, visível agora na estrutura do

diálogo, será aprofundada mais adiante e tomada como um modo de interação

instaurado no enunciado em questão. É necessário, porém, antever que a

observação das qualidades do gênero programa de auditório permite o

recolhimento das pistas que a análise posterior organizará.

Nos diálogos presentes no Programa Silvio Santos as perguntas

apresentam um caráter pessoal e costumam versar sobre a idade, estado civil,

profissão e endereço dos participantes. Emprega-se um tom humorístico, e por

vezes sarcástico, garantindo a descontração e/ou o constrangimento do

participante, e a diversão do apresentador e do auditório. O diálogo em

destaque, pode-se perceber que, embora ele simule uma familiaridade,

constitui-se na verdade como uma “sabatina”. Nele, o apresentador propõe as

questões e delimita o tamanho dos turnos de fala, os quais quase sempre toma

por assalto. Antes mesmo de o participante concluir a resposta, o apresentador

já está formulando uma outra pergunta. Essa estratégia garante o sucesso do

diálogo, pois não há pausas ou falta de assunto entre os interlocutores, como

pode ocorrer numa situação real ou não simulada. O apresentador é quem

impõe o assunto da conversa, o tom, e delimita o tipo e o tamanho das

respostas, uma vez que interrompe ou corta a fala do participante quando

deseja. A redundância e a repetição também são características marcantes

desse tipo de diálogo, que tem como função muito mais compor a cena e

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cumprir os ritos do gênero em questão, do que esclarecer ou informar qualquer

coisa ao público. Vejamos um trecho de P2:

SILVIO: Bem...aqui estão os fregueses do “Baú da Felicidade”, que estavam em dia com os pagamentos das suas mensalidades...aqui estão para disputar os prêmios do “Roda a roda”. O seu nome é Andrei? ANDREI: Isso. SILVIO: Mora aonde Andrei? ANDREI: Em Manaus, no Amazonas. SILVIO: Aí...Amazonense (aplausos). Quem nasce lá em Manaus é manauara...

ANDREI: Isso. SILVIO: Acertei? ANDREI: Acertou. SILVIO: E você Maria Helena. Mora onde Maria Helena? Mª HELENA: Monte Alegre do Piauí. SILVIO: Aí...piauiense. (aplausos) Feliz natal para os piauienses, não é verdade? Feliz natal para o Hugo Napoleão. Para a esposa dele. E você? Jailson é o seu nome? JAILSON: Isso. SILVIO: Mora aonde Jailson? JAILSON: Florianópolis, Santa Catarina. (aplausos) SILVIO:Florianópolis, Santa Catarina...então nós temos um catarinense, uma piauiense e um manauara ou do Amazonas...Mais uma competição entre três estados...Vamos ver quem vai ganhar! Vamos ver!

O apresentador, mesmo sabendo o nome de cada participante, faz

questão de perguntar. As perguntas redundantes sobre a origem de cada

jogador são habituais e contribuem para reforçar a repetição do diálogo, bem

como para exibir uma ancoragem espacial diversificada, que colabora para a

idéia de espalhamento e expansão do público.

Além desse diálogo com os participantes, Silvio também dialoga com a

platéia, fazendo piadas, brincadeiras, explicando as regras do jogo, fazendo

propaganda de algum produto, entre outras possibilidades. Dirige-se

diretamente ao público que assiste ao vivo e, ao se posicionar em frente à

câmera, ao telespectador que está em casa. Dialogar é, então, uma qualidade

essencial a esse gênero, ajudando a fazê-lo ser reconhecido como tal. Não se

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pode esquecer, no entanto, que essa forma de ser já é ela própria fruto de um

diálogo, só que mais amplo, com as festas populares, o circo, os programas de

rádio e com outros vários elementos que o antecederam e a ele deram origem:

Assimilando elementos do circo e da festa popular, os programas de auditório acabam se tornando uma síntese, “uma nova modalidade de espetáculo de palco”, que Tinhorão descreve como uma “mistura de programa radiofônico, show musical, espetáculo de teatro de variedades e festa de adro”. Como na televisão, os programas de auditório de rádio agregavam uma infinidade de recursos de origens diversas, aliando diferentes tradições culturais como cantores de grande sucesso, humoristas, conjuntos regionais, mágicos e números de exotismo a estratégias comerciais. Os sorteios, por exemplo, são uma tradição das festas de largo, que passam a ser feitos como propaganda do patrocinador do programa. (MIRA, 1995, p.125-126)

A mistura de que fala Tinhorão, citado por Mira é uma característica

própria ao dialogismo discursivo. Um enunciado nunca é, pois, puro e

original, mas sim fruto de várias relações em que um dizer é retomado,

copiado, reinventado. Os programas de auditório da TV resultam dessa

bricolagem do circo, das festas populares, do teatro, dos programas de

rádio. São retalhos de culturas e histórias, atualmente alinhavados pelas

necessidades mercadológicas da sociedade, vendendo valores,

comportamentos e crenças.

Encenação e espetáculo – sobre a estrutura composicional

Um gênero caracteriza-se por regras de composição, temática e estilo.

Como já foi dito, os quatro programas que compõem o corpus possuem uma

determinada forma composicional que os agrega num grande gênero programa

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de auditório, ainda que cada um possua especificidades que os constituem

como concretizações de subgêneros: Show de Variedades e Game Show

(competição). Souza, que estudou o gênero em programas de TV, fala em

formatos:

Gêneros viram formatos e vice-versa. As pesquisas e a criatividade profissional podem levar a uma nova classificação. Conclui-se que um mesmo programa de televisão pode ser classificado em várias categorias e gêneros e ter também vários formatos. (SOUZA, 2004, p. 183)

Assim, para o autor, o “gênero auditório”, é tomado ora como um

gênero, ora como um formato de um outro gênero como um “Quiz show”

(perguntas e respostas), por exemplo:

O gênero quiz show utiliza em praticamente todas as produções o formato auditório. Em algumas, o público do estúdio participa do programa com os artistas e o telespectador. (SOUZA, 2004, p.125, grifo meu)

Por considerar o viés teórico de Souza diferente do que pretendo adotar,

mas tendo em mente a dificuldade na definição e caracterização dos “gêneros”,

sirvo-me das descrições feitas por ele de alguns tipos de programas de

televisão, semelhantes aos que compõem o corpus deste trabalho. Souza

define, por exemplo, o formato game-show, no qual “jogos e brincadeiras

fazem o telespectador participar em casa ou incentivam a interagir com os

programas” ou ainda o formato interativo, em que a “audiência é estimulada a

participar por carta, fax, telefone e Internet”. (Souza, 2004, p. 172-173)

Entretanto, esclareço que considerarei todos os cinco programas pertencentes

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ao gênero programa de auditório, e as suas especificidades tomarei como

subgêneros e não formatos como fez Souza. Assim, o corpus de análise pode

ser organizado, considerando todos os programas pertencentes ao gênero

programa de auditório e divididos em dois subgêneros: game show e show de

variedades. Começo apontando as especificidades de cada subgênero, e

passo mais adiante a uma caracterização global do gênero.

A estrutura composicional do primeiro grupo, Show de variedades,

abriga um certo tipo de programa que apresenta atrações variadas: música,

dança, números circenses, entre outros. Especificamente no caso em questão,

tanto P1 quanto P3 apresentam seqüencialidade, pois preparam para um

grande final. Ambos possuem jurados, responsáveis pela eleição das melhores

atrações e pela distribuição de prêmios. Em P1 há um júri especializado e em

P3, membros do auditório são encarregados de julgar2.

O segundo subgrupo, Game show, apresenta como componente

fundamental a presença de participantes que realizam algum tipo de

competição, a fim de alcançar a vitória e o prêmio em dinheiro. Em P2, três

participantes disputam entre si, em P4 um participante realiza um jogo de

estratégia contra um suposto “banqueiro”. Muitos desses subgêneros são

importados e acabam se espalhando por todo o mundo. É interessante

observar que o SBT utiliza como argumento a seu favor o fato de estar

comprando um programa já pronto. Estratégia semelhante não é vista, por

2 É válido observar que a delegação de determinadas tarefas ao auditório promove uma interação, que aproxima a platéia do espetáculo em cena. Isso colabora para a produção de um efeito de sentido de participação. Esse modo de interação e o efeito dele resultante estão no cerne da discussão deste trabalho, uma vez que serão tomados como os maiores responsáveis por assegurar o sucesso do contrato estabelecido entre enunciador e enunciatário.

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exemplo, na Rede Globo, onde se alimenta a ilusão de que o programa é uma

criação da própria emissora. No caso do SBT, a importação de programas já

faz parte de seu estilo, e tem para isso uma motivação histórica. Por

apresentar poucos recursos, na época de sua fundação, a emissora teve a

necessidade de fazer várias importações. A exibição de novelas mexicanas

como Os ricos também choram, em 1982, por exemplo, tornou-se marca

característica do SBT. Curiosamente a referida novela foi reprisada no ano de

2005, vinte e três anos depois de ter ido ao ar pela primeira vez. Com efeito, a

emissora consolidou como parte de sua imagem a aquisição de programas

importados, sem se importar em ser tachada de pouco original, mas pelo

contrário, adotando essa característica como um diferencial. No texto do

comercial do programa Topa ou não Topa, por exemplo, chama-se atenção

para o sucesso do programa em outros países. Assim qualifica-se o produto

importado como “líder de audiência” ou “um dos maiores sucessos atuais” e

valoriza-se sua difusão:

Líder de audiência nos países em que foi exibido, o programa “Topa ou Não Topa” é uma brincadeira que pode tornar você milionário. Se a sorte permitir e com um pouco de atenção, o jogador sai com o prêmio máximo de R$ 1 milhão de reais (...) Nos EUA, o “Deal or No Deal” (nome original) é um dos maiores sucessos atuais da rede NBC, e o episódio final de sua primeira temporada – com noventa minutos – registrou recordes de audiência.3

No que tange à estrutura composicional, os quatro programas em

análise são compostos de auditório, apresentador, atrações, jogos e sorteios.

3 Disponível em: http://www.sbt.com.br/topaounaotopa/programa/ Acessado em: 10/05/ 2007

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Ao aliar a caracterização do gênero mais diretamente às indagações da

semiótica, ou seja, ao semiotizar a discussão sobre o gênero, algumas

questões podem ser lançadas4: a) quais estratégias argumentativas são mais

recorrentes, b) quais projeções enunciativas são postas, c) qual etapa do

esquema narrativo é privilegiada.

Pensando, mais detidamente, no modo como a estrutura composicional

é narrativizada, foi possível perceber que os diferentes subgêneros privilegiam

diferentes etapas do esquema narrativo. Assim, no esquema narrativo

canônico formado por manipulação, competência, performance e sanção,

pode-se notar que os programas de auditório possuem esquemas narrativos

completamente concretizados, isto é, com todas as fases explícitas. O

Destinador manipula o Destinatário a querer desempenhar as tarefas de jogar

ou de apresentar algum número ou atração. Ele dota os sujeitos de

competência, fazendo-os sentirem-se capazes, valoriza-os positivamente:

“artistas profissionais ou amadores”, “você que é corajoso” depois disso segue-

se a performance, o sujeito dança, canta ou joga. E por fim, recebe as sanções

positivas, com a vitória, ou negativas, com a derrota. Entretanto, é notório que

no game-show se privilegia a fase da sanção, pois o sujeito é mobilizado pela

vitória, e no show de variedades, a performance é mais enfatizada, já que a

realização das atrações é o ponto alto dos programas. Com isso, percebemos

que a caracterização dos subgêneros fica ainda mais coerente quando

tentamos aliá-la a questões propostas pela semiótica.

4 A semiotização da discussão sobre gênero vem sendo pensada, entre outros, por Regina Gomes, integrante do grupo de pesquisa Semiótica e Discurso (Sedi), a quem devo o levantamento dessas questões.

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Em relação à organização espacial, os programas possuem como

elemento cenográfico fundamental o palco. Landowski, referindo-se ao teatro

como espaço cênico, afirma que o palco é:

Uma zona marcada ao mesmo tempo por sua centralidade, pois tudo – iluminação, percursos da platéia, olhares – converge para ela; por sua autonomia, na medida em que, separada do que a cerca, e, ademais figurativamente organizada graças ao cenário, ela se apresenta como lugar utópico ou de outro mundo possível; enfim, por seu encerramento, dado que seus limites espaciais serão também os da ação destinada a ser ali colocada como espetáculo, “representada”... (LANDOWSKI, 2002, p.185)

Embora não seja uma obra ficcional, como uma peça de teatro ou uma

telenovela, o gênero auditório não possui o caráter referencial dos telejornais,

ainda que sejam esses últimos também performativos. A presença do palco,

entretanto, garante o “lugar utópico” e a “centralidade” de tudo o que ali é dado

a ver. O ponto máximo da centralidade, o centro do palco, é ocupado a maior

parte do tempo pelo apresentador. Esse espaço cênico é preenchido por luzes,

cores e excessivos objetos. Em P2, por exemplo, há dois cenários. Num o

apresentador e os três competidores posicionam-se atrás de uma exuberante

roleta e noutro a ajudante fica em frente a um grande painel iluminado, a fim de

ir revelando as letras das palavras (espécie de jogo de forca). Com isso, a

utopia de ganhar grandiosos prêmios é também reiterada pelo modo grandioso

e exuberante de composição do espaço.

Para o grande público, estar no palco ao lado do apresentador já é de

antemão um dos prêmios alcançados. O grande destaque da cena central é

reforçado pela saturação dos elementos. Em P4 há uma grande escadaria

ocupada por nada menos que vinte e seis modelos, portando malas prateadas.

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Já em P3 há ao fundo uma orquestra, um maestro, e no canto direito três

backings vocals. Todas essas cenas são permeadas por vibrantes músicas

instrumentais ou cantadas, por corais da platéia e por palmas, muitas palmas,

além é claro da voz inconfundível do apresentador. As tomadas de câmera,

combinadas com a sonoridade, dotam as cenas de um ritmo acelerado. Esse

gênero de programa, então, organizado espacialmente em torno de um palco,

sempre oferecendo prêmios, através de jogos, sorteios ou atrações variadas,

dá-se a ver como uma grandiosa encenação. Nessa cena circense e popular

só é impossível ficar triste ou parado, pois o clima de festa, show e

empolgação colabora para a tematização da alegria.

1.2. Agora é hora de alegria! – a temática

Para a semiótica temas e figuras são categorias da semântica discursiva

e servem para ancorar o discurso histórica e ideologicamente.

Na tematização ocorre a disseminação no discurso dos traços semânticos tomados de forma abstrata. Já na figurativização esses traços são “recobertos” por “traços semânticos sensoriais” (de cor, de forma, de cheiro, de som, etc) que lhes dão o efeito de concretização sensorial. (BARROS, 2003, p.206)

Partindo do refrão da música que precedeu durante anos a entrada do

apresentador Silvio Santos no palco: “Agora é hora de alegria, vamos sorrir e

cantar!”, é possível perceber que a isotopia temática da alegria é largamente

reiterada nos enunciados em análise. O sorriso estampado nos lábios do

apresentador, ajudantes de palco, bailarinas, participantes e público serve

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como um dos principais elementos figurativos a compor o tema em destaque. A

imagem de um sorriso pode ser tomada, então, como uma das figurativizações

mais icônicas do sentimento da alegria e é emblema do gênero programa de

auditório.

Estar alegre é uma das condições básicas para participar do espetáculo,

e por outro lado uma das estratégias de manipulação por tentação: “venha para

cá e seja feliz”. Essa manipulação, no entanto, se dá por meio de duas

instâncias5: sensível, pelo contato visual, sonoro e tátil com o clima alegre

representado pelo rosto que ri, pelos exagerados elementos do PE: cores,

som, movimentos, e inteligível, atrelada à compreensão dos papéis a jogar e à

aquisição de prêmios, geralmente em dinheiro. Assim, o sujeito é tragado, no

nível sensível, pela mistura de cores, sobreposição de luzes, imagens em

movimento e pela vibração do som. Já no nível do inteligível aciona-se o sujeito

por meio das promessas e ofertas de prêmios. Voltando à definição de Barros

(2006), pode-se dizer que a figurativização, entendida como “traços semânticos

sensoriais” responsáveis por conferir concretude aos temas, acabaria por dotá-

los de uma dimensão sensível. Com isso, o tema da alegria, explorado em

larga escala no gênero programa de auditório, estaria a serviço do esquema

manipulatório que visa modalizar o telespectador a um querer-ver por meio do

contato com determinadas sensações. Analisemos algumas ocorrências de P2:

5 Landowski na apresentação do livro: Do inteligível ao sensível (OLIVEIRA; LANDOWSKI (eds.), 1995, p.14) ao definir a figura de Greimas estabelece uma relação entre inteligível e sensível: “a figura testemunhal (e provavelmente um tanto irônica) de um Greimas também ‘duplo’, que nos fala das ciências e da paixão – do inteligível como paixão do sujeito e do sensível (o ‘perfume’ das coisas) como objeto de saber”.

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VISUAL Mistura de cores, principalmente azuis e vermelhos brilhantes; Intermitência de luzes; Movimentação de pessoas e objetos: roletas giratórias, painel iluminado com letras; Exposição dos prêmios, como carros, fazendo parte do cenário; Sorriso do apresentador, dos participantes e da ajudante de palco.

VERBAL Falas do apresentador: “Vai rodando, vai acertando, e vai ganhando”; “Tá vendo, não falei que você ia acertar? Já ganhou!”. “É todo dia que o baú dá casa, dá casa, dá casa...” (Letra da vinheta)

SONORO Grande quantidade de aplausos, gritos e coro da platéia, música instrumental acelerada, embalando cada jogada; Ritmo da fala do apresentador (quase cantada) Música da vinheta.

Todos esses elementos figurativos, os gritos da platéia, a vibração dos

vencedores, a repetição de refrões, a seqüência gradativa da fala do

apresentador “rodando/acertando/ganhando”, postos sincreticamente na cena

enunciada, criam a sensação de euforia e concretizam o tema da alegria.

Paralelamente a isso, aciona-se um regime de crença, no qual vencer é a única

opção. Vejamos trecho da fala do apresentador, explicando a dinâmica de

premiação do carnê do baú:

Se você não ganhar, não se preocupe. Você recebe todo o dinheiro que você pagou em mercadorias de ótima qualidade, em mercadorias de marcas famosas, em mercadorias que serão úteis no seu lar e que farão você comprar um novo carnê... (P2)

O sujeito tentado para e pela alegria tem a certeza da vitória. Ele pode,

então, ficar relaxado, despreocupado. O produto anunciado é dotado de

confiabilidade e até utilidade. A confiança na vitória, na qualidade das “marcas

famosas”, visa a garantir a satisfação do cliente e o sucesso nas vendas e na

audiência dos programas. Assim, a certeza da vitória por um lado e a

empolgação de outro revestem de concretude uma temática explorada

exaustivamente. Insistir num mesmo tema, preenchê-lo figurativamente com

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excesso, acaba por revelar um esquema todo posto em função da manutenção

da veridicção do discurso. Denis Bertrand apresenta uma importante reflexão

sobre a dimensão figurativa da linguagem e sua implicação num certo modo de

crença:

O crer, que funda assim, num mesmo gesto, a percepção e suas representações figurativas no discurso, dá acesso à problemática da veridicção. Esta descreve, não o cálculo dos valores de verdade, mas sim os jogos e as facetas de sua operação entre os sujeitos do discurso: simulação e dissimulação, verdade e falsidade, segredo e mentira, as quais comandam as formas de adesão (o contrato de veridicção). (BERTRAND, 2003, p.261)

Vemos, então, no gênero em análise a euforização de vários valores

vigentes na sociedade, desde que simulem a aquisição da alegria. Para crer

ser feliz o sujeito precisa estar em conjunção não só com o dinheiro, mas

também com valores como a beleza e o amor, por exemplo. Atualmente, são

comuns em programas de auditório quadros no estilo transformação. Estes se

caracterizam por transformarem a aparência física do candidato ou até mesmo

a casa dos participantes. Majoritariamente do sexo feminino, as participantes

realizam uma espécie de re-encenação do conto da Cinderela. As Cinderelas

contemporâneas, pertencentes aos segmentos economicamente menos

favorecidos, esbanjam alegria através de gritos e lágrimas ao serem

contempladas com a reforma de um cômodo da casa, ou com a “repaginação”

completa do visual, através de requintados tratamentos estéticos. No que tange

ao “amor”, tais programas muitas vezes se encarregaram de oferecer aos

participantes a possibilidade de encontro com parceiros românticos. No SBT,

ficou famoso o Namoro na TV, em que casais, embalados pela romântica

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música “Manuela”, do também romântico intérprete Julio Iglesias, diziam ao

final da dança se haveria ou não uma possibilidade de relacionamento.

Especificamente nos programas que compõem o corpus, todos se

aproximam pelo conteúdo temático da alegria, que é figurativizado pelos

elementos do PE como: cores vibrantes, luzes intermitentes, abundância de

elementos em cena, ritmo movimentado, sons de aplausos, gargalhadas da

platéia, do apresentador e dos participantes, entre muitos outros. Outrossim, a

concretização figurativa do tema da alegria se expressa também de acordo

com o subgênero do programa. Por exemplo, no Game Show vencer a

competição faz a alegria do participante e agita a torcida do público e do

apresentador, reiterando a ênfase dada à etapa da sanção. Já no Show de

Variedades, a alegria é alcançada pelo divertimento com as atrações e a

participação em cena, quando é oferecida ao público a oportunidade de se

apresentar ou simplesmente de torcer e acompanhar seus ídolos ao longo das

apresentações – ênfase na performance.

As nuances de cada subgênero vêm ao encontro da afirmação de Fiorin

que diz: “O conteúdo temático6 não é o assunto específico de um texto, mas é

um domínio de sentido de que se ocupa o gênero” (FIORIN, 2006b, p. 62). 6 Cabe, aqui, uma observação em relação aos conceitos de “tematização” e “conteúdo temático”, ambos utilizados neste trabalho. Fiorin faz referência à formulação de Bakhtin, quando fala em “domínio de sentido”, pois Bakhtin considera que “Uma dada função (científica, técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, geram um dado gênero, ou seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico” (BAKHTIN, 2000, p.284). Logo, o conteúdo temático faz parte da caracterização do gênero, na medida em que ajuda a conferir estabilidade aos enunciados. Partindo dessa postulação teórica, faz-se necessário investigar a questão da temática presente nos programas de auditório. Contudo, para isso utiliza-se a noção de “tematização”, conforme postulada pela semiótica: “Tematizar um discurso é formular os valores de modo abstrato e organizá-los em percursos. Em outras palavras, os percursos são constituídos pela recorrência de traços semânticos ou semas, concebidos abstratamente. Para examinar os percursos devem-se empregar princípios da análise semântica e determinar os traços ou semas que se repetem no discurso e o tornam coerente”. (BARROS, 1990, p.68)

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Pode-se afirmar, então, que o tema da alegria, “domínio de sentido” do gênero

programa de auditório se sobrepõe a todos os outros trabalhados nos

enunciados em análise e mais que isso funciona como um viés que harmoniza

as figuras do discurso e as organiza com um fim comum: garantir a adesão do

público. Por isso, fica claro que:

A tematização consiste em dotar uma seqüência figurativa de significações mais abstratas que têm por função alicerçar os seus elementos e uni-los, indicar sua orientação e finalidade, ou inseri-los num campo de valores cognitivos ou passionais.

Assim, para ser compreendido, o figurativo precisa ser assumido por um tema. Este último dá sentido e valor às figuras. (BERTRAND, 2003, p. 213)

No caso em análise vemos que no game-show há a tematização da

esperança, pois se enfatiza o desejo da vitória. Já no show de variedades

vemos tematizado o conformismo, pois é um programa feito para alegrar a

rotina do dia-a-dia, havendo uma ênfase na contemplação por parte do

enunciatário. Com isso, a temática da alegria desdobra-se nos temas da

esperança, de um lado, e de outro naquilo que vamos denominar de

conformismo contemplativo.

Os programas de auditório funcionam como uma fonte de

entretenimento, muitas vezes aliada a premiações. A venda de títulos de

capitalização e do carnê do baú é uma marca que funda e constitui a emissora.

Sempre com a promessa de premiar com casas, carros e dinheiro, o SBT

projeta um enunciatário-alvo, a partir de uma suposta necessidade de obter

prêmios. Os programas de auditório servem-se dessas vendas. A escolha de

participantes é vinculada aos clientes do baú, que no ato do sorteio precisam

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estar em dia com suas mensalidades. Assistir ao SBT implica quase sempre

em adquirir os produtos veiculados. A projeção de um telespectador-cliente

permeia a estratégia de manipulação, cuja tentação se faz através das

propagandas, resultando num envolvimento do público, atraído pela rede de

promessas. Uma propaganda transmitida entre outubro e dezembro de 2006 é

bem exemplar. Vejamos uma pequena descrição: um narrador em off diz o

seguinte texto: “O SBT não é loteria, ma já fez cinco milionários”. Aparece o

slogan da emissora, acompanhado por desenhos de cifrões que rodam no ar.

Uma música instrumental bem acelerada toca durante todo o tempo. Seguem-

se as cenas do momento da vitória de cada um dos cinco participantes. O

narrador diz o nome do vencedor e informa o do programa em que ele venceu,

como por exemplo: “A 4ª milionária Maria Rosário rodou os peões do baú da

felicidade e ganhou o quarto milhão”. As cenas do momento da vitória mostram

as pessoas emocionadas abraçando o apresentador ou familiares e vibrando

muito. A todo momento é repetida na voz de Silvio Santos a frase: “Ganhou um

milhão de reais”. Essa propaganda feita bem ao estilo SBT ajuda a

compreender que os programas de auditório da emissora utilizam como

argumentação o fato de oferecerem não só entretenimento, mas também a

oportunidade única de transformação da vida dos seus telespectadores-

clientes.

Veicula-se, assim, sob o entretenimento, uma gama de valores sociais.

Como a felicidade, muitas vezes transmutada no consumo e na riqueza, é um

valor bastante euforizado na sociedade contemporânea, a tematização da

alegria, figurativizada nos diversos elementos em cena e iconizada pelo

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sorriso, é um dos “ingredientes” importantíssimos à “receita” dos programas de

auditório. A figurativização exacerbada do tema da alegria ajuda na

composição de um “estilo alegre” de programa. Isto demonstra a inter-relação

entre os elementos de caracterização dos gêneros: composição, temática e

estilo.

1.3 Estilo SBT: o povo na TV

A televisão promove ídolos e ícones, que fazem sucesso na sociedade.

Suas imagens largamente difundidas compõem o quadro das celebridades,

que ditam padrões com o modo certo de ser e agir. Vilém Flusser reflete sobre

a fama e mostra que em tempos arcaicos havia a valorização do anonimato

através da preservação e ocultação do nome, reforçada pela crença na força

vital chamada de mana, que estaria escondida no nome. Com o passar do

tempo, no entanto, esse quadro sofreu uma inversão e ter um nome conhecido,

ao menos na Idade Moderna, significava ser imortal. Atualmente, entretanto, o

conceito de imortalidade está obsoleto. O filósofo propõe que a facilidade em

alcançar a fama, com o advento dos meios de comunicação de massa, trouxe

como conseqüência a efemeridade:

Algumas razões da problemática da fama são estas: é muito fácil penetrar na memória coletiva, dada a comunicação de massa. Basta participar de programa televisonado do tipo Chacrinha. É igualmente fácil ser esquecido. Basta mudar o programa. (FLUSSER, 1998, p158)

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A importância dos programas de TV para dar a cidadãos comuns a

oportunidade dos esperados quinze minutos de fama é inegável e tornou-se

uma tendência da televisão contemporânea, mais especificamente a partir das

décadas de 80 e 90. Duarte (2004) mostra que Umberto Eco nomeia esta

tendência como “neotelevisão”:

Segundo Eco, a paleotelevisão, anterior aos anos 80, exigia das pessoas importantes méritos para que merecessem ter sua imagem e opinião veiculada pela “telinha”. Tratava-se de uma tevê-podium, em que as pessoas se apresentavam engravatadas, preocupavam-se em falar de forma gramaticalmente correta. A ela só os melhores tinham acesso: é televisão dos telejornais, dos programas de entrevista, das telenovelas.

A neotelevisão, para o autor, introduzida a partir dos anos 80/90, é uma tevê-espelho, caracterizando-se pela apresentação de um grande número de programas de auditório e jogos. Ela confere acesso a um público sem méritos particulares; seu intento é colocar no ar o cidadão comum vestido negligentemente e falando de forma coloquial. (DUARTE, 2004, p.76)

O SBT, fundado sobre um conceito de popularidade, apropria-se

categoricamente desse estilo noeotelevisivo, embora, como já dito

anteriormente, hoje busque sofisticar a apresentação dos participantes, através

de uma produção visual. No início da década de 80, entretanto, podiam-se ver

no SBT, principalmente, no Show de calouros, pessoas humildes, que

apareciam de modo bem natural, havendo inclusive uma ênfase na aparência

desarrumada e mal cuidada. O cidadão comum continua querendo ter sua

imagem difundida, mas a extrema preocupação em estar de acordo com os

padrões contemporâneos de beleza leva à busca da projeção de uma boa

aparência.

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O SBT é um canal que espelha o cidadão comum e se apóia na

estratégia de identificação e aproximação com o público. A presença da platéia

ao vivo, a escolha de participantes por sorteio permite ao público participar da

encenação. O efeito de participação é uma das principais estratégias de

manipulação e de estabelecimento da fidelidade do público. Como veremos

nos capítulos posteriores, o efeito de participação se deve à forma de interação

estabelecida entre os actantes, que no caso é a aproximação. Aproximam-se

destinador e destinatário, de forma que este último sinta-se participante e,

conseqüentemente, torne-se fiel. O estilo SBT de fazer TV está calcado no

princípio de que é feito para o povo. Busca-se atrair o telespectador, através de

um clima familiar, no qual ele se sinta confortável, participante e acolhido.

Fontanille ao analisar o canal francês TF1 listou cinco modalidades

enunciativas estabelecidas entre os vários participantes das cenas dos

programas, capazes de conferir a elas determinadas estruturas de

comunicação:

Acolher, interagir, participar, controlar, oferecer em espetáculo são as principais modalidades enunciativas. A cada uma corresponde um modo de comunicação dominante: na acolhida, é a troca entre o animador e cada convidado que predomina; na interação, é troca generalizada e cruzada que prevalece, mas limitada aos diversos convidados; na participação, é a troca de cada convidado com o telespectador que é mediada pelo animador; no controle, é a instância de enunciação global do programa que é representada por delegação ao animador, no set; no espetáculo, enfim, os atores são oferecidos ao auditório, no set transformado em sala de espetáculo. (FONTANILLE, 2004, p. 181)

Cada uma destas modalidades tem determinado espaço nos programas,

privilegiando-se ora uma ora outra. No corpus em análise o controle está

presente em todos os programas, principalmente no início, quando há a

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entrada do animador, a saudação ao auditório e aos telespectadores, a

explicação das regras do jogo e a retomada dos acontecimentos dos

programas anteriores. Já a acolhida não é característica dos programas de

Silvio e pode ser observada mais em programas de entrevista. No programa de

Hebe Camargo, por exemplo, embora seja muito explorada a modalidade do

controle, há uma certa exploração da acolhida, quando a apresentadora

entrevista os seus convidados no cenográfico sofá. Outrossim, no talk show de

Jô Soares, há a modalidade enunciativa da acolhida, pois o objetivo maior é a

entrevista, no entanto a presença da platéia e da orquestra ao vivo e a

participação dos telespectadores, por meio da Internet acessada ao vivo pelo

apresentador de certa forma dispersa a atenção do apresentador, que não tem

o entrevistado como único foco. Programas de entrevista como os

apresentados por Marília Gabriela podem ser tomados como exemplares de tal

modalidade, uma vez que a apresentadora tem como foco único o entrevistado

posicionado do outro lado da mesa à sua frente. A modalidade da interação,

conforme postula Fontanille, é explorada no Programa Silvio Santos,

principalmente em alguns Game Shows, compostos de disputas entre colégios,

famílias ou cidades, o que não é o caso de nenhum dos enunciados do corpus

em análise. A modalidade da participação é fortemente marcada nos

programas, uma vez que os participantes engajam-se nas cenas e interagem

com os telespectadores. No Roda a roda, por exemplo, o participante que

conseguir maior quantia dentre os três competidores é o vencedor. Porém este

terá que sortear uma carta, e será estabelecida uma disputa com o remetente.

Assim, se o participante acertar a última palavra, ganha o prêmio em dinheiro e

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uma casa, do contrário recebe apenas o dinheiro, sendo, então, o

telespectador (remetente da carta) contemplado com a casa. Já em P1 e P3, a

modalidade da participação é visível no momento em que os telespectadores

escolhem vencedores e finalistas, votando pelo telefone ou internet. A

modalidade enunciativa da participação é uma tendência da televisão

contemporânea e funciona como uma forma de atrair, seduzir e fidelizar o

público, que se sente “fazendo parte” do espetáculo. O avanço tecnológico

também aponta para um futuro próximo das TVs interativas, que contarão com

uma grade de programação no estilo self-service. O modo de organização

enunciativa da internet, essencialmente interativo, tende a proliferar e afetar os

outros meios.

A modalidade do espetáculo é largamente utilizada no programa em

análise, dos quais os programas do subgênero show de variedades são

exemplos emblemáticos. O game show não deixa de privilegiar também tal

modalidade, uma vez que o apresentador com ar apoteótico, as glamourosas

ajudantes de palco e a aura colorida e brilhante, oferecida aos mais simples

participantes – através de roupas novas, maquiagem e penteados – tudo isso

contribui para transformar a todos em atores e o set com seu palco central

numa sala de espetáculo. A organização espacial do set e o mobiliário servem,

também, ao modelo enunciativo proposto. A presença de uma mesa redonda,

um sofá, escadarias ou palco, organiza de maneira particular o espaço e as

relações nele estabelecidas. É ainda Fontanille quem afirma que:

Quanto ao palco, o seu papel é de realçar os atores e oferecê-los em espetáculo a um auditório presente na sala (...) Os diversos entrevistados, animadores ou convidados, não mais são, então,

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simples participantes, mas atores em cena, cuja performance é primeiramente dirigida a um auditório, antes de ser oferecida ao telespectador. (FONTANILLE, 2004, p.181)

Vale ressaltar que as modalidades enunciativas definidas por Fontanille:

controlar, interagir, participar, acolher e oferecer em espetáculo podem ser

subsumidas à interação, que funcionaria como uma espécie de modalidade

englobante de todas as outras. Ainda que cada tipo de programa enfatize uma

ou outra modalidade, todas elas funcionam como um modo de interação entre

enunciador e enunciatário. A caracterização das modalidades de interação

acaba por demonstrar os diferentes estilos de interação. Este ponto será

desenvolvido no quarto capítulo, quando tratarei mais especificamente do

modo de interação por participação que é adotado nos programas.

O estilo programa de auditório cria um efeito de individuação, de modo

que todos os programas do gênero podem ser reconhecidos como tal. Essas

características estão presentes também na temática e na composição. Assim,

ao tomar a questão do estilo é preciso considerar a “unidade porque há um

sentido único, ou um efeito de individuação” (DISCINI, 2004, p. 31). Contudo,

a divisão em subgêneros aponta para distinções e nuances que diferenciam,

no caso, o game show e o show de variedades. Em relação ao estilo, ambos

são marcados pelo clima familiar e pela aproximação. Porém, é possível notar

que o game show adota um estilo “esportivo”, não só no que o esporte tem de

disputa, mas também de jovialidade, humor e ação. O participante do game

show é disposto e quer conquistar a vitória. O público é vibrante. Já no show

de variedades há o que denominamos de estilo “artístico”, pois o programa

busca distrair e surpreender o espectador diante das atrações que, muitas

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vezes, apresentam pessoas dotadas de habilidades particulares: mágicos,

cantores, músicos, contorcionistas. O show de variedades possui, ainda,

bailarinas e orquestras, que reforçam o clima de espetáculo e o estilo artístico.

Além disso, outra característica do estilo sobre o qual se funda o canal

SBT é a projeção da imagem de Silvio Santos. O proprietário da emissora é

também seu principal animador. É ele um homem milionário e poderoso, que

em presença física se relaciona com o seu público e vibra com ele a cada

vitória. Longe de construir-se como um empresário bem sucedido, que não sai

de seu luxuoso gabinete, Silvio consolidou e até hoje reforça uma imagem de

homem do povo. Tal fato, inclusive, quase o levou a uma candidatura a

presidente da República em novembro de 1989. Contava, na época, com

favoráveis índices de aceitação popular nas pesquisas de opinião. Essa

empreitada, no entanto, não se realizou em virtude da não estabilidade de

Silvio em nenhum partido político, o que acabou gerando uma negativa do

Tribunal Superior Eleitoral ao registro de sua candidatura:

No dia seguinte ao julgamento no TSE, as ruas do Morumbi vizinhas à residência de Silvio ficaram bloqueadas pela quantidade de carros de reportagem de jornais, revistas, televisões, rádios. (...) Silvio apareceu às 17h30, aparentando cansaço. (...) Disse aos jornalistas que “continuaria na política”. “Tenho qualidades para servir o povo. Para governar o país, o homem precisa ser sensato”.Deixou claro que continuava sonhando com a Presidência. “O dia em que eu for presidente, serei um bom presidente” (SILVA, 2000, p.190)

O episódio narrado, que retomo menos como curiosidade e mais para

mostrar o modo de construção da imagem do animador, é contundente na

verificação do poder da imagem na estruturação das realidades criadas,

apresentadas e comercializadas. O animador em questão, visto como um

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homem do povo que trabalha para o povo, apresenta um estilo solidamente

composto por uma aparência de seriedade, presente no vestuário, sempre de

terno e gravata, somada a um tom de humor e ironia e a uma voz

inconfundível. A identidade do apresentador está ligada não só ao rosto exibido

diariamente, mas tem na voz um elemento fundamental. Sobre isso Landowski

afirma que:

Vozes e fisionomias às vezes irritantes por terem se tornado familiares demais, elas estão ali, em volta de nós, perto de nós, diante de nós, entre nós, como tantas presenças ao mesmo tempo inacessíveis e bem próximas que freqüentam cotidianamente o círculo da “família” e que fazem, por assim dizer parte dele. (LANDOWSKI, 2002, p.190).

O gestual, a gargalhada e até mesmo a assinatura de Silvio Santos

exibida como vinheta antes do início de cada programa são tomados como

marca registrada do SBT e fundam uma maneira Silvio Santos de fazer

televisão. A criação de um estilo inconfundível cria uma identidade da emissora

e funciona também como uma das formas de manipulação que buscam como

fim a adesão do público, a audiência e, especificamente, no caso em questão,

a tentativa de permanecer na vice-liderança da TV brasileira.

Caracterizar, então, o gênero programa de auditório, tendo como corpus

de análise o Programa Silvio Santos implica em necessariamente pensar na

figura deste animador, que com seu estilo constitui um elemento fundamental

do programa. O povo que está na TV, e se vê pelo que vê na TV, assina um

contrato que tem como cláusula principal a fé nas promessas veiculadas pela

emissora. Este é um telespectador-cliente que compra os produtos e sonha em

ganhar, que participa, torce e aplaude. Por outro lado, essa é a emissora criada

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a partir do estilo de um apresentador, o qual comanda todos os espetáculos, na

frente e atrás das câmeras. Este é o canal que adota como marca a

popularidade, que promete alegria e, através do jogo, do sorteio e do show,

monta seus espetáculos e segue brigando pelos números de audiência.

Tomando, então, a temática, a composição e o estilo, os três elementos

que caracterizam o gênero, chegamos ao seguinte quadro resumidor:

GÊNERO PROGRAMA DE AUDITÓRIO

SUBGÊNERO COMPOSIÇÃO TEMÁTICA ESTILO

GAME SHOW

Interação direta entre auditório e apresentador; Distribuição de prêmios em dinheiro Participantes realizando competição; Intervalos comerciais; Cenário repleto de objetos tecnológicos: (painéis, roletas, botões).

Alegria; Sucesso; Esperança; Sorte;

Popular; Clima familiar; Espelha-se no estilo do apresentador; Interação por aproximação. Estilo esportivo

SHOW DE VARIEDADES

Interação direta entre auditório e apresentador; Distribuição de prêmios em dinheiro e premiação com gravação de CDs, projeção na mídia; Apresentações variadas: música, dança, mágicos, números circenses... Presença de jurados. Intervalos comerciais; Orquestra; Bailarinas.

Alegria; Sucesso; Divertimento com as atrações em cena. Distração

Popular; Clima familiar; Espelha-se no estilo do apresentador; Espetacularização; Interação por aproximação. Estilo artístico

O gênero programa de auditório é um tipo de enunciado dotado de uma

certa estabilidade. Isso é perceptível nas semelhanças que aparecem na

composição, na temática e no estilo. A interação direta entre o apresentador e

a platéia, a distribuição de prêmios, bem como a temática da alegria e do

sucesso são características do gênero programa de auditório, concretizadas

nos dois subgêneros. A divisão em subgêneros, por outro lado, põe as

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distinções em evidência. Assim, na questão da premiação, presente tanto no

game show quanto no show de variedades, é possível perceber que há

nuances específicas em cada subgênero. Enquanto no primeiro faz-se apenas

uma premiação em dinheiro, no segundo, além do prêmio em dinheiro, existem

gravações de CD, ou até mesmo o tempo de exposição na TV, que funciona

como premiação para um artista iniciante em busca de projeção. Há no show

de variedades premiações de outra ordem que se sobrepõem à premiação

material. Já em relação à temática, é possível perceber que no game show

ocorre a tematização da esperança, pois os membros da platéia e os

telespectadores podem vir a ser os participantes dos próximos programas. A

temática da distração, por exemplo, é enfatizada no show de variedades que

busca trazer antigos sucessos, ou atrações inesperadas para atrair e divertir o

público. Assim, os subgêneros podem ser definidos como subdivisões de um

gênero e, portanto, são caracterizados pelas semelhanças presentes no

espaço da intersecção dos subconjuntos, juntamente com as especificidades

de cada um.

1.4. Quem fala é o número – o entretenimento na arena

A caracterização de um gênero, além de levar em conta suas

especificidades características, deve também atentar para sua esfera de

circulação, isto é, onde, como e quando um gênero ocorre. O modo como um

gênero circula é que garante sua funcionalidade. No caso de qualquer

enunciado televisivo há sempre um enunciado apelativo subjacente: “assista a

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este programa”. Para isso, uma das características fundamentais da

programação, de modo geral, é o entretenimento. Souza (2004) afirma que:

Qualquer que seja a categoria de um programa de televisão, ele deve sempre entreter e pode também informar. Pode ser informativo, mas deve ser também de entretenimento. (SOUZA, 2004, p.39)

O entretenimento não está apenas ligado ao tom humorístico. Um

programa chocante ou surpreendente também pode cumprir essa função.

Entreter o telespectador é o objetivo primeiro da programação televisiva e para

alcançá-lo é necessário montar esquemas manipulatórios que mobilizem o

telespectador e o façam querer-assisitir aos programas. Como alerta Bakhtin,

para cada função gera-se um dado gênero. A TV constrói enunciados com

diversos intuitos: alegrar, chocar, emocionar, surpreender. Para que tais

enunciados funcionem, é preciso que as marcas do gênero estejam bem à

mostra, de modo que o destinatário, ao “zapear” o controle e passear pelo

“cardápio” televisivo, possa ver e reconhecer rapidamente as marcas do

gênero que melhor se adaptem às suas necessidades. A semioticista Elizabeth

Bastos Duarte chama a atenção para o papel a ser desempenhado pelo

telespectador:

Cabe ao telespectador o reconhecimento do tipo de realidade que lhe está sendo ofertada e do regime de crença que ela pressupõe, bem como a verificação da coerência entre essa proposta e o discurso disponibilizado. (DUARTE, 2004, p.70)

Uma formulação importante de Bakhtin diz respeito à natureza da

relação entre os interlocutores numa situação comunicativa. Para ele, não há

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um locutor que emite uma mensagem a seu bel prazer para um receptor

passivo. Para cada tipo de mensagem emitida há uma ação, uma resposta

prevista no modo de elaboração do enunciado:

De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. (BAKHTIN, 2000, p.290)

Com isso, a “atitude responsiva ativa” é prevista no enunciado e

colabora para desenhar a imagem do enunciatário a quem se quer atingir, bem

como a atitude que dele se espera. Barthes na sua definição de mito, ao citar o

exemplo de uma história infantil do leão, da vitela e da vaca mostra que a

reação de uma criança, sem conhecimento de política, seria bem diferente dos

alunos do segundo ano de um liceu francês diante do desaparecimento do

leão. Para Barthes: De fato, se considerarmos este mito politicamente

insignificante, é porque, simplesmente ele não foi feito para nós. (BARTHES,

2003, p.237).

Tanto os mitos quanto os gêneros devem endereçar-se a um tipo

específico de público. Para perceber as qualidades dos gêneros, faz-se

necessário pensar para quem eles se dirigem e de quais estratégias

argumentativas lançam mão para convencer o interlocutor. O recorte mais

generalizante mostra que os gêneros televisivos constroem um querer-dizer

que pretende provocar a “atitude responsiva” de assistir. Semiotizando um

pouco a questão, pode-se dizer que os gêneros televisivos, primordialmente,

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manipulam em favor da ação de “assistir”. Para isso as estratégias

enunciativas têm que ser muito bem elaboradas de modo a alcançar a resposta

desejada. O enunciatário só aceitará a manipulação e fará cumprir o programa

narrativo caso seja convencido. A tematização da alegria, de modo

exacerbado, por exemplo, colabora para tal fim. Por outro lado, o enunciatário

também funciona como manipulador, na medida em que apresenta desejos e

gostos que são contemplados no enunciado, que tem em seu interior

desenhada a sua imagem e/ou o perfil.

No corpus em análise é possível destacar como ações esperadas:

“torça”, “aplauda”, “dance”, “compre”, entre várias outras. Como o público de

tais programas se divide em platéia ao vivo + telespectadores, algumas

atitudes são comuns a ambos e outras são específicas de cada um. No caso

da platéia que está ao vivo há uma participação ativa, em virtude da

manipulação por aplaudir, cantar, rir, etc. Partindo do pressuposto de que este

público se inscreve para ir ao programa, viaja, se organiza em caravanas, já é

possível perceber que ele está receptivo à mensagem e à aceitação da

manipulação. Sabe-se que a platéia ao vivo também faz parte do enunciado

emitido pela TV, devendo adequar-se, portanto, ao protocolo próprio dos

programas de auditório. A ação dos animadores de platéia, que define o

momento exato das palmas, a intensidade de gritos, vaias, risadas, etc. deixa

claro que é instalado, na verdade, um jogo manipulatório, no qual a adesão

contratual já está prevista. Manipular, então, o telespectador de tal forma que,

em última análise, o leve a querer-assisitir é o grande desafio dos enunciados

de TV. Para isso, além das demais estratégias de manipulação, é importante a

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adoção de um determinado estilo, que traz em seu interior o desenho do

interlocutor a quem se espera atingir:

Estilo é, pois, uma seleção de certos meios lexicais, fraseológicos e gramaticais em função da imagem do interlocutor e de como se presume sua compreensão responsiva ativa do enunciado. (FIORIN, 2006b, p.62)

No caso dos programas de auditório desenha-se como enunciatário-alvo

pessoas que buscam o entretenimento através da diversão. Isto é perceptível

pelo tom de humor das cenas, pelo pouco compromisso dos diálogos em

relação a um engajamento político ou social, pelos recursos de mobilização do

público. Cada subgênero, entretanto, vai privilegiar determinadas ações,

embora todos se assentem sobre o querer-ganhar. Em P4, por exemplo,

embora haja apenas um participante pleiteando o prêmio de R$1 milhão de

reais, o enunciado enfatiza um tom de expectativa, que envolve o público,

levando-o a torcer ativamente. A pergunta repetida ao longo de todo o

programa Topa ou não topa, a trilha sonora de suspense e a imprevisibilidade

própria do jogo de azar levam à histeria do público ao vivo. Além disso, as

vultosas quantias em dinheiro sempre envolvidas e a falta de meio-termo das

apostas, que são do tipo “ganha muito” ou “perde muito” levam o espectador a

um tipo de aflição e espera angustiada pelo resultado final.

Já nos programas do subgênero Show de variedades o entretenimento é

alcançado mais por uma certa apreciação das atrações apresentadas. O

enunciatário distrai-se em frente à TV acompanhando cantores, mágicos,

imitadores, etc. A convocação constante da participação do telespectador, que

é dotado de um poder e saber julgar, colabora bastante para a obtenção da

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ação querer-assistir. Este interlocutor é levado, então, a responder através de

ações como “ligue”, “acesse”, “vote”. A característica de programas

seqüenciais busca como resposta a vinculação do interlocutor, que deve tornar

a ver o programa. Expressões como: “não perca na próxima semana”,

“preparem-se para a grande final” colaboram para tal fim. Os takes resumitivos

dos programas anteriores, bem como os resumos apresentados pelo

apresentador a cada bloco situam o telespectador, inclusive aquele que acabou

de ligar a TV, quanto aos acontecimentos do programa,.

Em suma, garantir um público fiel é o grande fim de uma emissora de

TV. E como às vezes “os fins justificam os meios”, apostar no entretenimento-

trash, através da exploração exacerbada das várias facetas de um gênero,

pode configurar-se numa eficaz estratégia. No caso do SBT, insistir na emissão

de vários programas pertencentes ao mesmo gênero, cujos caracteres foram

expostos, tem uma ligação com a esfera de circulação comercial da emissora.

Segundo Fiorin, no estudo do gênero:

O que importa verdadeiramente é a compreensão do processo de emergência e de estabilização dos gêneros, ou seja, a íntima vinculação do gênero com uma esfera de atividade. (FIORIN, 2006b, p. 63)

Em relação à TV, podem-se destacar duas esferas de circulação

principais, a esfera econômica (comercial) e a esfera de lazer (entretenimento).

A esfera de atividade comercial pode ser analisada através de alguns aspectos

referentes à montagem. No enunciado televisivo a montagem diz respeito tanto

à montagem do programa em si, quanto a seu modo de inserção na

programação: horário de exibição, duração de blocos, serialidade, etc. Ela é

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constitutiva dos enunciados e, por conseguinte, da estrutura da obra e do

gênero. Segundo Arlindo Machado:

Há, em primeiro lugar, a montagem interna do programa, que poderia parecer semelhante à de outros meios audiovisuais, como o cinema por exemplo. Mas há também uma outra “montagem”, que se dá no nível da macroestrutura da televisão e que faz coexistir o programa stricto sensu (uma telenovela, um telejornal etc.) com os breaks e outros tipos de interrupções, além de amarrar cada capítulo ou unidade com a sua continuidade no dia seguinte. Por fim, há a “montagem” que o próprio espectador realiza, com sua unidade de controle remoto, pulando de um programa para outro, de uma emissora a outra, como um viajante errando nas ondas hertzianas. (MACHADO, 1999, p.154)

Os enunciados em questão, por serem exibidos em um canal de TV

comercial, são divididos em blocos, em virtude dos intervalos comerciais. Esse

tipo de organização característico da televisão influencia na composição dos

programas:

A sua função estrutural [do intervalo comercial] não se limita apenas a um constrangimento de natureza econômica. Ele tem também um papel organizativo muito preciso, que é o de garantir, de um lado, um momento de “respiração” para absorver a dispersão e, de outro, explorar ganchos de tensão que permitem despertar o interesse da audiência, conforme o modelo do corte com suspense explorado na técnica do folhetim. (MACHADO, 1999, p.154)

No corpus em análise há uma particularidade em relação a essa divisão

em blocos. Em função de o SBT ser um canal que veicula largamente seus

próprios produtos como: carnê do Baú, computador do milhão, o relógio do

Silvio Santos, etc., alguns programas possuem blocos de longa duração. É o

caso, por exemplo, do Show de Variedades, com blocos de 40 ou 50min cada,

dentro dos quais muitas vezes o merchandise é feito internamente. No caso do

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subgênero Game Show, enquanto P2 se estrutura em dois blocos de 15

minutos, em P4 já foi possível observar a técnica do “gancho de tensão”, mais

comum ao gênero de narrativa seriada. No momento em que as jogadas do

participante se aproximam do final, o auditório está agitado e todos anseiam

pelo desfecho da situação, o apresentador astutamente chama os comerciais.

Na maioria dos programas em análise, entretanto, ocorrem propagandas de

produtos da emissora, dentro do próprio programa. O apresentador Silvio

Santos chama o narrador em off7 Lombardi, que apresenta as novidades. A

sua fala é acompanhada de imagens dos produtos, havendo um corte na cena

apresentada. O fenômeno é denominado por Duarte (2004) de “auto-

referenciação televisiva”, nele a emissora lança e faz propaganda de seus

próprios produtos, bem como promove os “artistas da casa” ou ainda noticia

acontecimentos promovidos pela própria emissora:

A auto-referenciação é uma macro-estratégia que as emissoras empregam com diferentes finalidades, que vão da construção de sua própria imagem e promoção de seus produtos à proposição mesmo de um real artificial, paralelo, constituído no interior do próprio meio e gerador de acontecimentos sobre os quais a emissora detém o controle e os quais transforma em notícias. (DUARTE, 2004, p.47)

Tal estratégia é largamente utilizada pelo SBT e ajuda a construir,

inclusive, um determinado estilo da emissora. No programa de Hebe Camargo

(SBT), por exemplo, a apresentadora faz o marketing de alguns produtos,

utilizando como argumento o fato de utilizar em sua própria residência

determinada batedeira, ou aspirador de pó. Sendo o SBT em boa parte o seu

próprio patrocinador, utiliza os programas de auditório a seu favor: 7 “OFF-em televisão refere-se ao texto lido sobre imagens, podendo ser ao vivo ou pré-gravado. O locutor não aparece”.(ROITER ; TRESSE, 1995, p.87.)

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A combinação dos elementos programa-intervalo e comercial-emissora cria a identidade das redes. Um gênero determinado atrai certo tipo de patrocinador e forma a característica da rede. Por isso se identifica a programação com a emissora. A Record ficou conhecida pelas séries; o SBT, pelos programas de auditório; a Band, pelo esporte; a Globo, pelas novelas; a Cultura, pelos programas infantis. (SOUZA, 2004, p.53)

Bakhtin alerta para o fato de que “o querer dizer do locutor se realiza

acima de tudo na escolha de um gênero do discurso” (BAKHTIN, 2000, p.301).

Assim, a escolha do SBT por uma programação permeada por grande

quantidade de programas de auditório acaba por revelar a configuração da

emissora, uma vez que programa de auditório é espaço fecundo para a

veiculação da alegria, da descontração, da venda de produtos e o modo de

construção da grade de programação do SBT apresenta como característica

uma instabilidade que acaba por reiterar o estilo da emissora vice-líder. Por ser

um canal extremamente comercial, que a duras penas se consolida no

segundo lugar, fazendo frente à supremacia “global”, a programação do SBT

obedece rigorosamente aos índices de audiência. Com isso, um programa

entra ou sai do ar, muda de horário, ou mesmo é reprisado abruptamente,

seguindo as ordens e até mesmo os humores do “patrão”. Durante o ano de

2006, os apresentadores Adriane Galisteu e Carlos Massa (Ratinho) tiveram

problemas com Silvio Santos. Galisteu teve o seu programa Charme

transferido de dia e horário várias vezes. Já o Programa do Ratinho

permaneceu fora do ar e o apresentador quase teve rescindido o seu contrato.

Fatos como esses tornam a grade de programação muitas vezes incoerente e

imprevisível, principalmente se comparada com a regularidade da grade da TV

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Globo. É importante ressaltar que mesmo em face dessa irregularidade o SBT

possui um público cativo. Este acaba por se caracterizar como um público que

vê qualquer coisa apresentada no canal de Silvio, indistintamente, pois busca a

diversão, o lazer apresentados por todos os programas do gênero. Com isso

reforça-se o modo de interação marcado por uma passionalidade, um

envolvimento afetivo entre os actantes. Mudanças dos números do IBOPE ou

estados de espírito de Silvio Santos produzem o efeito de improviso e acabam

por compor um determinado estilo SBT de fazer TV que é, conseqüentemente,

parte da natureza dos seus programas de auditório. O proprietário do canal,

embora tente dissimular seu papel centralizador, é o verdadeiro comandante

do eixo, por vezes errante, da sua emissora:

Na minha emissora, eu não interfiro. Cada um faz o programa do jeito que quer. Eu não falo nada. Quem fala é o número. Quem dá ibope pode mostrar o que quiser. As pessoas sabem que não é o Silvio Santos que está mostrando esta ou aquela coisa, é o apresentador. 8

No caso do SBT, como aliás em todas as emissoras privadas, é notório

que os números regem a orquestra da programação. Um desafino aqui, um

descompasso ali e até alguma harmonia, em dados momentos, são traços

característicos da emissora, que não faz a mínima questão de esconder ou ao

menos disfarçar suas intenções. Atualmente, sob a ameaça de perder a vice-

liderança para a Rede Record, o SBT leva a cabo um projeto de revitalização

da programação. Em fevereiro de 2007, uma propaganda auto-referencial

alardeava a nova programação do SBT, chamando atenção para novas

8 Disponível em http:// veja.abril.com.Br/170500/ entrevista_Silvio.html. Acessado em: 17/04/2005.

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contratações e a utilização de recursos mais modernos, como uma iluminação

de ponta. Vale transcrever a chamada, na qual o locutor com uma voz

impactante diz: “2007, o ano da virada do SBT. A concorrência vai tremer de

medo”. Com efeito, o SBT se constrói como um enunciador competitivo, que

não poupa esforços para manter-se no honroso segundo lugar. Cabe aqui um

destaque para o fato de a maior estratégia utilizada na reformulação da

programação consistir na concentração do Programa Silvio Santos no dia de

domingo. Assim, alguns programas que estavam sendo apresentados durante

a semana, bem como outros que estavam fora do ar, voltam a ocupar o dia

nobre do entretenimento. Aplica-se, então, a estratégia do eterno retorno

televisivo. Quase tudo na TV é cíclico e repetitivo. Com isso, o caríssimo

telespectador por opção ou por falta dela segue como Sísifo sua eterna rotina,

vendo o que é dado a ver e sendo mais um número na arena.

A caracterização do gênero programa de auditório através de suas

regras de composição, temática e estilo, bem como a análise das esferas de

circulação, fornecem pistas importantes sobre o arranjo interno desse tipo de

texto. A investigação dessas pistas é valiosa para a continuidade deste

trabalho, na medida em que colabora para desvelar a estratégia enunciativa

que rege e ordena o texto sincrético televisivo, conforme veremos adiante nas

cenas dos próximos capítulos.

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2. TUDO AO MESMO TEMPO AGORA: ESTRATÉGIAS ENUNCIATIVAS DE SINCRETIZAÇÃO

Não me iludo Tudo permanecerá

Do jeito que tem sido Transcorrendo

Transformando Tempo e espaço navegando

Todos os sentidos... Gilberto Gil

Muitas são as acepções pelas quais se podem tomar as noções de

tempo e espaço. Entretanto, num trabalho que adota a perspectiva da

semiótica discursiva, grande serventia há na imagem construída pelo

compositor. Segundo Gilberto Gil, o tempo e o espaço navegam em todos

sentidos. A idéia da navegação remete ao percurso entre um espaço e outro e

nos leva a pensar na questão do sentido por dois ângulos. Afinal, de que

sentido nos ocupamos? Como sabemos, ”navegar é preciso” e para isso

necessita-se do sentido como direção, aquele que mostra aonde ir e,

fatalmente, conduz o sujeito por espaços muitas vezes “nunca dantes

navegados”. Ao percorrer esses espaços, inevitavelmente, o tempo passa,

dias, noites, primaveras, verões, pois o deus Cronos nunca dorme. Contudo, e

o sentido organizado em significação? Este que é moldado na malha textual e

recuperado pela análise?

Fontanille ao esclarecer “a diversidade das abordagens sobre o sentido”

vai nos mostrar que “o sentido é, em primeiro lugar, uma direção:dizer que um

objeto ou uma situação tem um sentido, é na verdade, dizer que eles tendem a

algo”(FONTANILLE, 2007, p.31). Este percurso, entretanto, pelo qual passa o

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objeto desenrola-se necessariamente num tempo e num espaço. Assim, a

observação do sentido, da produção da significação, não pode deixar de ser

atravessada pela observação das categorias da enunciação. Essa lição a

semiótica aprendeu com Benveniste, pois foi ele o primeiro a demonstrar que a

enunciação põe a língua em funcionamento e dela resulta o enunciado,

recheado por suas marcas. Ao estudar os enunciados, os textos, temos ali

incrustadas as marcas do tempo, do espaço e da pessoa. Fiorin chama

atenção para o modo como se dá a relação entre essas categorias, ressaltando

o caráter referencial da categoria de pessoa:

Como a pessoa enuncia num dado espaço e num determinado tempo, todo espaço e todo tempo organizam-se em torno do “sujeito”, tomado como ponto de referência. Assim, espaço e tempo estão na dependência do eu, que neles se enuncia. O aqui é o espaço do eu e o presente é o tempo em que coincidem o momento do evento descrito e o ato de enunciação que o descreve. A partir desses dois elementos, organizam-se todas as relações espaciais e temporais. (FIORIN, 2001, p. 48)

Todavia, essas relações espácio-temporais, que orbitam em torno da

referencialidade da pessoa, possuem especificidades em função do modo de

organização dos enunciados. Voltando ao objeto desta pesquisa, o texto

televisivo, algumas considerações são pertinentes.

Primeiro, ao tomar para análise um texto de televisão, é preciso evocar

uma questão que diz respeito à configuração técnica do veículo. Ou seja, em

que medida os programas, produto final produzido pela TV, são gerados em

conformidade com tal tecnologia que os impregna com determinada natureza,

aqui entendida como o modo de ser, de funcionar, de produzir sentidos?

O primeiro conceito de televisão se refere antes de tudo a uma técnica de produção de imagem em movimento e som e veiculação instantânea à distância. Começamos do óbvio – mas também daquilo onde ela revolucionou. (FRANÇA, 2006, p. 19)

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A conceituação de Vera França faz pensar em duas questões. Uma é a

técnica de produção, que alia som e imagem, e torna primordial o conceito de

sincretismo de linguagens. A outra, sobre a veiculação instantânea, mostra a

instauração de um novo modo de presença, que como conseqüência altera as

noções de tempo, que com a TV passa a ser instantâneo, e espaço, pois o

veículo atinge qualquer distância. Para tangenciar tais assuntos, e

teoricamente buscar uma descrição das estratégias enunciativas que tornam o

texto televisivo um texto sincrético, tomar os eixos do tempo e do espaço faz-se

mais do que importante, antes de tudo necessário.

Com efeito, o eixo da temporalidade apresenta um caráter central na

constituição do texto televisivo, uma vez que:

O meio de transmissão é o tempo. A programação televisiva é assim um discurso que só existe numa duração: aquela na qual se dá o ciclo contínuo da transmissão e recepção de sinais eletromagnéticos de uma fonte emissora aos milhões de monitores. (FECHINE, 2008, p. 107)

A partir da observação de Fechine, é possível pensar a temporalidade

por duas vias. Uma, intrínseca ao enunciado, diz respeito às debreagens

temporais que são ali postas. A outra, porém, refere-se ao tempo da

transmissão, sendo este o marco referencial temporal adotado como presente,

a partir do qual se marca um “antes” e um “depois”. Assim, quando um

apresentador diz “não perca, daqui a pouco no nosso próximo programa” a

posterioridade é em relação ao momento em que se transmite essa fala, que

na maioria das vezes é não-concomitante ao momento do acontecimento, por

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se tratar de um programa gravado. A transmissão, então, é o que presentifica,

atualiza o enunciado, o “agora” é o “agora” da transmissão.

Fiorin distingue dois sistemas temporais na língua, enunciativo e

enuncivo. O primeiro ocorre quando o momento de referência está relacionado

ao momento da enunciação. O segundo é ordenado em função das referências

instaladas no enunciado. Como o eixo de ordenação das referências é o

momento da enunciação, a partir dele podm se instalar três momentos de

referência: concomitante, anterior ou posterior à enunciação. Além disso, há o

momento dos acontecimentos (dos estados e transformações), que recebe

uma ordenação em relação aos momentos de referência. Com isso, o autor

destaca o momento da enunciação (ME), o momento da referência (MR) e o

momento do acontecimento (MA) como os três marcos estruturais que

constroem o sistema temporal (cf. FIORIN, 2001, p.145-146). A observação

desses três marcos guiará as observações feitas a respeito da organização

temporal nos programas de TV. Segue um exemplo.

O caso real que narrarei, a conversa entre uma amiga minha1 e sua avó,

diversas vezes recontada como anedota, serve-me para iniciar uma reflexão

acerca das estratégia de temporalidade na TV, que adota a atualização como

uma das principais estratégias. A cena se ambienta na década de 80, época

em que o programa Silvio Santos ocupava tardes inteiras aos domingos. Dizia

a avó, assídua telespectadora do programa e fã de seu apresentador: “Eu

adoro assistir o Silvio Santos, porque ele está lá agora falando com a gente”.

Retrucava a jovem neta: “Vó, deixa de ser boba, você não vê que o programa é

1 Menciono a história sempre contada pela amiga e também semioticista Karla Cristina Faria, numa de nossas conversas sobre o comportamento das pessoas, tão envolvidas pelos artifícios dos meios de comunicação.

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gravado...” À afirmativa irritada da neta seguia-se a fala da senhora, que não se

deixava convencer facilmente: “Se é gravado, me responde como é que ele

sabe que hoje é domingo e, olhando pro relógio, viu que são três horas da

tarde?” A impertinência da insistente “vovó” suscita pensarmos, que, para além

da credulidade de fã, estava aí um enunciatário confrontado com estratégias

discursivas habilmente postas em funcionamento. O efeito de “ao vivo”

construído pela debreagem de um “hoje” como o dia de domingo e o horário,

que coincide com o horário da transmissão, simula a concomitância entre o

momento de referência e o momento da enunciação, através da presentificação

do enunciado.

A obliteração das marcas da gravação e a necessidade de construir um

enunciado que seja inserido num “agora”, num momento presente, ou seja, no

instante mesmo em que os telespectadores se põem diante da TV, revela,

outrossim, um dos modos de presença desse veículo inserido na casa e na

vida das pessoas:

A programação da TV é, portanto, um discurso que, quando

considerado como um todo – ou seja, como um ciclo de programas ordenados numa grade diária – entrelaça uma duração do “mundo” (o tempo medido pelos relógios num mundo social) e uma duração na “linguagem” (o tempo construído pela televisão na sucessão dos seus programas) que, sobrepostas no momento mesmo da transmissão, desdobram-se em um “tempo vivido”, através dessa própria relação com a televisão. (FECHINE, 2008, p. 108)

Torna-se claro, assim, que é preciso examinar a sintaxe discursiva dos

programas, pois é aí que a semiótica localiza a obervação das categorias de

espaço e tempo, ao mapear os mecanismos de debreagem e embreagem,

responsáveis pela temporalização, espacialização e actorialização. Vale dizer

que enfatizarei, por enquanto, as categorias de tempo e espaço, e a de pessoa

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será discutida no próximo capítulo, integrada à questão da interação. O

problema teórico tratado nesta parte do trabalho é mais precisamente o das

relações de tempo e espaço como modos de construção do sincretismo no

texto televisivo. Para tanto, pretendo observar a estratégia de sincretização que

põe em andamento as diferentes linguagens, numa enunciação única, partindo

das estratégias de temporalização e espacialização. Para isso, lançarei mão

ainda da abordagem tensiva desenvolvida especialmente por Zilberberg e

Fontanille. A também denominada Semiótica Tensiva pode ser entendida como

uma das mais recentes abordagens da semiótica que, ao lado dos estudos

sobre as paixões, busca recuperar o exame da dimensão sensível do sentido,

que é tomada como instância de mediação entre sujeitos e objetos, e como

parte constitutiva da percepção.

O mergulho no universo sensível, facultado pelas ferramentas tensivas, acabou por reaproximar a semiótica greimasiana de suas bases fenomenológicas, notadamente no que diz respeito à fenomenologia de Merleau-Ponty, de onde a importância da noção de campo de presença. De fato, o campo de presença nada mais é do que a contrapartida tensiva das relações juntivas entre sujeito e objeto. A questão em destaque para a abordagem tensiva é a compreensão da arena onde se estabelece a relação entre sujeito e objeto como sendo um campo perceptivo. Segundo este ponto de vista, o sujeito se constrói na passagem por um percurso em busca de um objeto, sendo que vale atentar para o fato de que este percurso é delimitado por sua própria percepção. A partir desse momento, a junção (base do enunciado narrativo) ganha certa autonomia em relação ao ponto de vista da ação, de modo que a relação juntiva não mais precisa ser equacionada a partir da inclinação do sujeito em direção ao objeto, mas pode ser pensada enquanto estado na coexistência dos dois termos dessa oposição, uma vez que o sujeito constrói o objeto com sua percepção e, ao fazê-lo, se constrói a si mesmo como sujeito daquela percepção. (SOUSA; MANCINI; TROTTA, 2007, p. 296)

A tensividade compreende a significação como um processo contínuo,

modularizado entre os eixos da intensidade (sensível) e da extensidade

(inteligível). Como a primeira rege a segunda, na abordagem tensiva vê-se uma

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autoridade do sensível sobre o inteligível. O eixo da intensidade é formado

pelas subdimensões do andamento e da tonicidade e o da extensidade pela

temporaliade e espacialidade. O tempo e o espaço são, então, regidos pela

intensidade. Assim, no entrecruzamento das subdimensões temos o

andamento regendo a temporalidade (duração) e a tonicidade regendo a

espacialidade (profundidade). Das associações entre as valências extensivas e

intensivas geram-se os valores, por meio de relações conversas (quanto

mais...mais, quanto menos...menos) ou inversas (quanto mais...menos, quanto

menos...mais). Como explica Fiorin:

... a Semiótica Tensiva busca explicar as instabilidades. Por isso, parte do pressuposto de que as alterações e vicissitudes que afetam o sentido derivam do fato de que ele está mergulhado na instabilidade, na imprevisibilidade, na foria. Essa transposição semiótica da energia é uma força diretriz, que se analisa em três grandezas (foremas): a direção, o intervalo e o elã (impulso). A intersecção de um forema com uma subdimensão da intensidade (andamento e tonicidade) ou da extensidade (temporalidade e espacialidade) produz uma valência. (FIORIN, 2008, p.136)

No caso do programa em análise, por exemplo, percebemos que a sua

longa duração gera uma extensidade, que remete ao habitual. Estar no ar há

tanto tempo, ou em termos teóricos, fazer-se como objeto extensivamente

presente no campo de percepção do sujeito poderia levar ao desgaste, à

diluição e, conseqüentemente, à perda da audiência. A fim de evitar isso, há

uma regulagem da modulação tensiva entre a extensidade (hábito) e a

intensidade (surpresa), logo, analisar essa alternância entre extensidade e

intensidade faz-se necessário para desvelar o esquema tensivo adotado no

Programa Silvio Santos, como veremos mais adiante ao longo da análise.

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Passo a seguir à descrição do plano da expressão dos programas e da

estrutura narrativa, necessária para a análise da relação tempo/espaço, que se

fará através do exame das categorias enunciativas por uma ótica tensiva.

2.1. O plano da expressão do show de variedades

Como discuti no capítulo anterior, as estratégias adotadas na feitura dos

programas respondem a algumas coerções específicas do gênero e também

dos subgêneros. O chamado show de variedades, aqui representados por P1

Gente que brilha e P3 Rei Majestade, apresenta como especificidade o fato de

ser seqüencial, ou seja, a cada apresentação participantes são selecionados

para a “grande final”, na qual os prêmios serão distribuídos. Em P1, no ar

sempre aos domingos às 22h2, pessoas comuns ou artistas desconhecidos

apresentam diferentes números, “cantores, dançarinos, modelos, imitadores,

ilusionistas, humoristas, atores, inventores, estilistas, adestradores, cantores

mirins” . Todos os participantes passam pela avaliação de um júri, presente no

palco, como também pelas palmas do auditório. Aqueles que conseguem uma

determinada pontuação ficam classificados para a final. Já em P3, exibido às

quartas-feiras às 23h, cantores populares, que alcançaram sucesso na década

de 50, 60, 70 e 80, e são atualmente menos privilegiados pela mídia,

apresentam antigos sucessos e uma canção atual e são avaliados pelo

auditório e pelos telespectadores, que votam pelo telefone ou no site do SBT.

Como em P1, aqueles que conseguirem expressiva votação serão também

classificados e, além do prêmio em dinheiro, gravarão um CD, chamado “CD

do SBT”. Pode-se observar essa utilização de programas em seqüência como

2 Esta data de exibição diz respeito à data da gravação, a saber: P1 gravado em: 20/03/2005 e P2 em 26/07/2006.

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uma primeira grande estratégia de instauração da fidelidade. No plano verbal,

expressões como: “na próxima semana”, ou “preparem-se para a grande final”

colaboram para criar expectativa no telespectador. Atentemos, agora, mais

detalhadamente, para os elementos que aparecem em cada programa.

Seqüência de P1

P1 é dividido em três grandes blocos de aproximadamente quarenta

minutos de duração cada um. O cenário é composto por um palco central, com

um piso espelhado repleto de formas triangulares que acendem

alternadamente. Os triângulos se agrupam compondo uma grande estrela. O

fundo azul é recortado em quadrados, que também se acendem em

alternância. No canto direito, há quatro poltronas brancas ocupadas pelos

jurados, que já se encontram no palco. Entre cada poltrona, um objeto cilíndrico

numerado de 1 a 10. A cada nota atribuída pelo jurado o cilindro acenderá até

a altura do número correspondente. Do lado esquerdo, separados do palco

central por uma grade, percebem-se músicos e cantores, um tipo de orquestra,

ocupando o canto mais escuro da cena. Ao fundo há uma espécie de porta,

cuja parte superior recebe forma geométrica e de dentro dela aparece ao fundo

uma enorme estrela azul de cinco pontas, recortada por um hexágono central,

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destacado num azul mais escuro. Ocupam o centro do palco seis bailarinas de

roupas brilhantes dançando uma vibrante coreografia. Assim, verificamos no

PE as seguintes categorias: a) cores: tons de azul (piso e fundo), branco

(poltronas dos jurados e piso/ fundo) e amarelo (fachos de luz), b)formas:

predominantemente triangulares no fundo e no piso, quadrados também no

fundo, arredondadas (nos corpos) circulares (luz), c) som: música instrumental

em ritmo acelerado.

Seqüência de P3

Em P3 temos três blocos de aproximadamente trinta minutos cada um.

O cenário é formado por um palco redondo com um grande círculo branco no

chão e sobre ele o logotipo do programa, que é composto pelo nome do

programa e o desenho de uma coroa. No palco, cinco bailarinas dançam

alegremente, uniformizadas de vestidos cor-de-rosa. O fundo, que na primeira

parte do programa está um pouco mais escuro, é ocupado por uma orquestra.

Na segunda parte do programa, porém, quando os cantores têm que cantar ao

vivo, a luz incide sobre a orquestra. O palco é emoldurado por seis colunas

iluminadas, três à direita e três à esquerda, que mudam de cor em função das

cores dos fachos de luz. Do alto vários canhões de luz projetam formas

arredondadas no piso e piscam incessantemente fortes e brilhantes tons de

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azuis, rosas, laranjas e verdes. Diante do palco fica a platéia, que é bastante

focalizada na cena inicial do programa. As pilastras e os desenhos de coroas

iluminados também aparecem no fundo atrás da platéia. Podemos dividir os

elementos da seguinte maneira: a) cores: predominantemente o azul nos

fachos de luz, branco (chão), preto (mais ao fundo/ na roupa dos componentes

da orquestra) b) luz: fachos de luz branca formando desenhos sobre o fundo,

canhões de luz projetadas sobre as pilastras, canhões de luz colorida piscando

em cima do palco, por trás do auditório canhões de luzes coloridas piscando, c)

formas: arredondadas no piso e nos corpos, linhas retas das pilastras, d) som:

no início do programa, antes de cada comercial e no final, toca em som alto a

música Celebration, grande sucesso dançante das discotecas dos anos 70,

aplausos e gritos da platéia e a voz do apresentador.

2.2. Esquema narrativo no show de variedades

No show de variedades vemos, então, o esquema de manipulação entre

um sujeito S1 que leva o S2 a querer entrar em conjunção com o objetos valor

fama ou ao menos visibilidade na mídia. Embora tenha a oferta de prêmios em

dinheiro tanto em P1, que promove a aparição diante da TV, quanto em P3 em

que há a reaparição do sujeito, o foco sobre o qual recai a euforização é a

possibilidade de estar em foco. Para isso é preciso vencer cada etapa para

permanecer mais tempo – ao longo da seqüência dos programas no ar. É

relevante notar que cada um dos programas realiza um programa narrativo

completo. O sujeito aceita a manipulação proposta, torna-se competente para

fazer sua apresentação: passa pela triagem da produção, ensaia, usa figurinos,

enfim prepara-se para entrar no ar. Dotado, então, de competência ocorrem as

performances. Em P1, mágicos, maquiadores, covers. Em P3, cantores e

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músicos. Por último, ocorre a sanção. Em P1 jurados e a platéia escolhem

quem vai para a final. Em P3, o julgamento é feito pela platéia e pelos

telespectadores, que atribuem sanção positiva para os vencedores e negativa

para os perdedores. Os vencedores aguardam a grande final e têm a imagem

projetada na retomada dos programas anteriores. Nota-se a existência da

narrativa de cada programa e um esquema narrativo do conjunto seqüencial de

todos eles. Esse esquema narrativo está também presente em outros

programas apresentados no SBT como o “Bailando por um sonho”3, que

esteve no ar em 2006.

2.3. O Plano da expressão no subgênero game-show

Os programas que pertencem ao subgênero game-show, ao contrário do

show de variedades, não são seqüenciais. Buscam o interesse do público

essencialmente pelo clima competitivo e pela oferta de muitas premiações.

Seqüência de P2

3 Segue a descrição do programa Bailando por um sonho, publicada na Folha online, na reportagem: Silvio Santos lança “bailando por um sonho” neste sábado: “Semanalmente, dez trios formados por um artista, um” sonhador anônimo “e um coreógrafo apresentam um número de dança depois de uma semana de treinamento. O trio se apresenta para um júri formado por quatro especialistas em dança. Um dos jurados é sorteado pelo apresentador, por meio de uma roleta, e vai para o camarim. Lá, ele coloca a nota secreta do trio em um envelope que será entregue aos próprios participantes. Os outros três jurados ficam no palco, com Silvio Santos, e dão seu voto aberto. Silvio Santos revelará a soma das notas no final do programa e mostrará o ranking”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u65333.shtml Acessado em: 07/12/2008.

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Em P2, game que reedita o programa Roletrando, grande sucesso do

SBT na década de 80, pecebe-se uma das características mais marcantes do

jogo em si, a competição entre diferentes participantes. O cenário é composto

pelo que podemos chamar de três espaços. Num, que será ocupado pela

auxiliar do apresentador, há um grande painel azul dividido em quadrados, que

escondem as letras a serem adivinhadas pelos participantes para formar as

palavras ou frases ocultas - muito semelhante ao antigo e popular jogo de

forca4. O outro, onde ficarão, num nível um pouco mais alto, Silvio e os

participantes, tem uma grande roleta central branca, tomando quase todo o

espaço. A face de cima da roleta é subdividida em vinte e quatro partes

coloridas, unidas por uma esfera azul no centro. Sobre cada uma das partes

está escrito o valor do prêmio que o participante ganhará, ou algumas

penalidades como “passe a vez”, “perde tudo”. Por trás da roleta se posicionam

os participantes, cada um diante de uma placa, onde será registrada a sua

pontuação. As placas são de cores diferentes: amarelo, azul e rosa. À

esquerda de pé fica o apresentador. O terceiro espaço, um corredor que une os

dois anteriores, possui um piso espelhado. Sobre ele dois carros zero km, um

branco e outro vermelho, que servirão de premiação. Os três espaços em que

se divide o palco são bem claros, a luz é branca e contínua. A divisão do palco

em diferentes espaços é resolvida através de uma tomada de dois planos

simultâneos, na qual o vídeo é dividido em duas partes. Na parte superior,

focalizam-se os três participantes e a roleta e na parte inferior a ajudante de

palco e o painel de letras. A platéia, posta diante do palco, aparece poucas 4 Como o programa usado na análise foi apresentado próximo ao natal, o cenário apresenta motivos natalinos. Ao lado do painel há dois grandes bonecos de neve e por trás dos participantes aparece pintada uma paisagem tipicamente natalina, com muita neve, trenós, papai noel e pinheiros.

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vezes, contudo participa ativamente através de muitos aplausos e repetições

de vários coros, risos e vaias. A câmera não se movimenta muito e o plano

geral5 é predominante, embora alterne com alguns closes no apresentador e

nos participantes. A sonoplastia é composta de sinais sonoros agudos, que

indicam que o participante acertou a letra, e de uma ruidosa buzina em tom

grave, para mostrar que errou. Além disso, uma trilha sonora acompanhada por

palmas cadenciadas da platéia toca enquanto a roleta gira e cessa

imediatamente quando ela pára. A descrição dos elementos postos na cena

pode ser assim sistematizada: a)cores: branco (roleta, carro), azul (painel e

placar), vermelho (elementos do cenário natalino), rosa (placar), amarelo

(placar); b) luz: branca e contínua; c) forma: circular (roleta), quadrado (painel

de letras), arredondadas (corpos das pessoas, elementos de cenário); e) som:

vinhetas, buzina, trilha sonora, palmas e corais da platéia.

Seqüência de P4

Já o game Topa ou não topa, programa assumidamente importado e

qualificado como “um fenômeno da TV que está conquistando o mundo”, é

marcado por um cenário sofisticado. O palco fica no centro e tem forma

pentagonal. Compõe uma espécie de adaptação do teatro de arena com 5 “Plano geral (PG): enquadramento feito com a câmera distante mostrando a pessoa por inteiro ou um local completo”.(WATTS, 1990, p. 273)

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entrada lateral e corredores, por onde entram o animador e os participantes,

que ficam no centro e são rodeados pela platéia. Uma parte do público se

posiciona, como na arena, numa arquibancada e vê o palco do alto para baixo.

Entretanto, outra parte é acomodada em cadeiras que estão num nível pouco

abaixo do palco. No fundo há uma escadaria muito iluminada, larga e alta, com

mais de dez degraus, onde se posicionam as vinte e seis modelos portando as

maletas prateadas. A escada é emoldurada por imensas colunas iluminadas

pendendo para o tom de dourado, que também aparece nas luzes acesas entre

um degrau e outro. Há uma infinidade de canhões de luz que projetam do alto

fachos de luzes predominantemente azuis. Por trás da escadaria e do público,

o fundo simula imensas vidraças transparentes de onde se podem ver

projetados prédios de uma cidade, também iluminados. Quando o jogo

começa, uma parte desse fundo dá lugar a um suntuoso painel retangular que

vai do chão, mais precisamente da direção da cabeça das pessoas da platéia,

até o teto. Nele se digitalizam duas colunas iluminadas divididas em treze

linhas com os algarismos dos valores em dinheiro, de cinqüenta centavos a um

milhão de reais. No alto do painel, o logotipo com o título do programa. O

pentágono do chão é dividido ao meio em preto e branco e no centro dele há

um púlpito em forma de balcão feito de matéria acrílica transparente, sobre o

qual ficam um telefone e uma caixa a serem utilizados ao longo do jogo. Ali

também será depositada a maleta escolhida pelo participante. O apresentador

e o participante postam-se cada qual de um lado da tribuna, podendo apoiar os

braços ou outros objetos. Sobre o palco, um sofá destinado aos familiares do

participante que ficam, então, separados do resto do público. Há ainda, na

parte superior esquerda, uma cabine escurecida de onde se pode ver a silhueta

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de um homem, o banqueiro. Ela contém vários painéis digitais semelhantes aos

painéis de cotação da bolsa de valores e também a projeção de imagens do

participante. É como se uma câmera monitorasse as reações e movimentos do

jogador e reproduzisse para apreciação do banqueiro. O movimento de câmera

é intenso e realiza muitas tomadas em ângulo elevado, ou seja, com a câmera

acima das pessoas. Desde a entrada do apresentador toca, intermitentemente,

uma música instrumental bem ao estilo de trilha sonora de suspense. Vale

ressaltar que no momento da entrada do apresentador e quando este convoca

o participante a música aumenta e se torna mais acelerada. P4 tem

aproximadamente uma hora de duração e o número de quadros é variável, pois

o apresentador chama os comerciais em função do suspense da jogada.

Sistematizando temos: a) cores: preto e branco (chão), azul (luzes, roupa das

bailarinas), dourado (detalhes de cenários), prata (maletas), verde (prédios) e

cinza (roupa do apresentador); b) luz: múltiplos canhões de luz azul incidindo

sobre a escadaria, luz branca clareando o palco; c) formas: linhas retas

(pilastras, escada, painéis), pentágono (piso) e quadrados (formam o

pentágono), arredondadas (somente nos corpos); d) som: aplausos, coro e

gritos da platéia, música instrumental.

A partir dessa observação do PE é possível perceber que os programas

de auditório, embora sejam um gênero padrão, bastante tradicional da televisão

brasileira, cujo elemento primordial de caracterização é a exacerbação da

função do entretenimento, apresentam variações de estilo nos seus

subgêneros. Pode-se verificar no corpus em análise que o show de variedades

cria, em seu PE um efeito de lirismo, dado pela penumbra de cores e luzes, a

presença de orquestra que toca ao vivo, os temas musicais, as bailarinas, uma

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certa glamourização dos participantes-artistas. Já o game-show caracteriza o

seu PE pela presença mais acurada da tecnologia, através de roletas, painéis

eletrônicos, vinhetas musicais. Em ambos os subgêneros, embora haja a

repetição de um formato antigo, é possível notar a construção de um efeito de

modernidade através das formas geométricas no cenário, jogos de iluminação

sofisticados e uso de tecnologia digital.

2.4. Esquema narrativo do subgênero game-show

O subgênero game-show, como já dito no capítulo 1, enfatiza a etapa da

sanção, ganhar dos outros participantes em P2 ou fazer a escolha certa em P4.

Em P2, o jogo é coletivo. Três participantes precisam acertar as letras que

compõem as palavras. S1 manipula o S2 (coletivo) a querer e poder participar.

Dota-os de competência: são sorteados para ir ao programa, a viagem até o

SBT é financiada, recebem produção (maquiagem, figurinos, alimentação).

Entretanto, a performance se realiza de maneira distinta, pois nesse caso

depende de um saber individual responsável por tornar apenas um dos

participantes o vencedor, sendo os outros dois selecionados negativamente. Já

em P4 há apenas um participante que escolhe as maletas. O percurso da

manipulação é igual ao dos outros programas; a diferença está na performance

que depende não de um saber, mas de uma escolha, representada pela

pergunta “topa ou não topa”. Ambos, P2 e P4 são jogos de azar, mas o

esquema narrativo evidencia a performance através do querer, poder e saber

dos sujeitos. Simula-se a livre escolha dos participantes. Em P4, na medida em

que as maletas vão sendo abertas, as propostas em dinheiro feitas pelo

“banqueiro” podem mudar radicalmente de valor. Em P4, há ainda um aumento

gradativo na tensão, pois a performance só se realiza realmente quando o

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participante “topa”, ou seja, aceita a quantia oferecida. Muitas vezes, sem mais

nenhuma saída, o participante aceita quantias bem inferiores a outras já

anteriormente oferecidas. Quando a performance se realiza é feita uma

simulação das outras possibilidades que o jogador teria daquele momento em

diante. Assim, por exemplo, um jogador que tenha aceitado e parado de jogar

com cem mil reais é levado a crer que se continuasse chegaria a setecentos

mil, por exemplo. Daí a sanção é negativa. Também pode ocorrer o contrário

Quando o participante percebe que fez a escolha certa ou um bom negócio

sente-se sancionado positivamente.

2.5. Preenchimento e movimento

Ao observar os elementos que compõem as categorias do PE dos

programas é possível formalizar oposições, que estão na base de construção

de alguns efeitos. A partir deles pode-se chegar aos dois quadros seguintes. O

primeiro descreve as oposições e efeitos a partir dos formantes e o segundo da

tensividade, marcada pela sobreposição da luz e dos efeitos sonoros às

categorias discretas plásticas e sonoras:

FORMANTES P1 P2 P3 P4 OPOSIÇÕES EFEITOS

CROMÁTICO

Predomínio de

azul, amarelo,

branco.

Predomínio de

branco , azul,

vermelho rosa

amarelo

Predomínio de

azul, preto e

branco, azuis,

rosas, laranjas e

verdes

preto e branco,

azul, dourado,

prata, verde e

cinza

luminosidade

vs

obscuridade

Efeito de

preenchimento

(multi-

cromatismo)

EIDÉTICO

Formas geométricas

(triangulares/quadrados) e

arredondadas

Circular,

arredondadas e

quadrados

Arredondadas/

linhas retas

Linhas retas e

formas

geométricas

pentágono e

quadrados,

poucas formas

arredondadas

Retilíneo vs

curvilíneo

Efeito de

preenchimento

(variedade

eidética)

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TOPOLÓGICO

Palco centra/ cadeira de

jurados canto direito / Porta

ao fundo / platéia em frente

ao palco

Palco central

dividido em três

“espaços”/

platéia em frente

ao palco

Palco central /

orquestra ao

fundo/ platéia

em frente ao

palco

Palco central

tipo arena,

platéia em

volta do palco

Central vs.

periférico

Efeito de

preenchimento

(ocupação plena

do espaço)

(Quadro 1 – formantes)

ELEMENTOS

TENSIVOS

P1 P2 P3 P4 OPOSIÇÕES EFEITOS

TENSIVOS

LUZ

Em vários formatos e cores, estilo pisca-pisca

Branca e contínua

Vários canhões coloridos piscando sobre o palco e fundo/ projeção de vários tipos de desenhos

Vários canhões de luz azul / luz branca

Intermitência vs. Não-intermitência / forte vs fraco

Efeito de movimento (tonicidade + andamento)

REGULAÇÃO DO SOM

Música instrumental acelerada/ palmas Fundo musical (efeito incidental) – marcação acelerada

Vinhetas, buzina, trilha sonora, palmas e corais da platéia.

Musical/ vocal/ incidental – marcação desacelerada

Música “Celebration” / palmas (aceleração)

Música instrumental (suspense), vinhetas, aplausos, coral (desaceleração)

Aceleração vs desaceleração / Alto vs baixo

Efeito de movimento

(tonicidade +andamento)

(Quadro 2 – elementos tensivos)

A profusão de elementos obedece a uma organização espacial ditada

pelo tipo de enquadramento da câmera e pelo próprio espaço do set, que por

não ser grande, ajuda a criar a sensação de saturação. Por sua vez, o ritmo

da música, a dança das bailarinas, as tomadas de câmera e os fachos de luz

criam, no plano do conteúdo (PC), um efeito tensivo de movimento, que se

acelera e tonifica gradualmente.

O efeito de preenchimento é construído pela fixação de um dos termos

dos pares opositivos que é reforçado, resultando da euforização do eixo de

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oposições: luminosidade+retilíneo+central. Já o efeito de movimento se

estabelece na relação entre os termos opostos que instaura a intensidade

sobre a extensidade dos elementos plásticos e sonoros. Na luz vai-se de uma

não-intermitência a uma intermitência e, nessa passagem, ora a luz é mais

forte, ora mais fraca, marcando o percurso da tonificação à atonização. A luz

também é dotada de andamento, na medida em que ora é mais rápida, ora

mais lenta, formando um percurso caracterizado por acelerações e

desacelerações. Já no som vai-se de uma aceleração a uma desaceleração e

vice-versa, e também de uma tonificação à atonização, pois o volume do som

varia entre mais forte e mais fraco. O ritmo da cena se dá, então, através do

efeito de movimento, que aciona uma categoria temporal extensa sobre a qual

incide a subdimensão intensa do andamento. É importante notar que a luz é

uma substância “enformada” pelos formantes cromáticos e eidéticos, pertinente

portanto ao espaço e ao canal perceptivo visual. Porém o seu emprego

intermitente confere a ela uma duração temporal e uma movimentação rítmica

– marcada por continuidades e descontinuidades – ainda que absorvida pelo

canal visual. O percurso da continuidade à descontinuidade faz da luz um

elemento tensivo. O formante sonoro recebe a regulagem aceleração /

desaceleração (andamento) e tonificação / atonização (tonicidade), mas essa

sonoridade que vem de todos os lados também colabora no preenchimento do

espaço, embora seja absorvida pelo canal auditivo.

O esquema tensivo adotado sincretiza os formantes de modo a criar o

efeito totalizante. O sujeito diante do acontecimento, isto é, da cena, antes de

compreendê-la é capturado pela sensação do exagero, para só posteriormente

na desaceleração ir “resolvendo” e compreendendo o que vê. Essa junção de

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elementos dá corpo a um tipo de estética ou estilo adotado no texto em

questão, qual seja a estética do excesso.

2.6. A relação espaço-tempo

Uma coisa de cada vez Tudo ao mesmo tempo agora

Titãs

Os dois únicos versos que compõem uma canção do grupo Titãs (1991)

formam um paradoxo que tangencia algumas das questões que pretendo tratar

nesta parte do capítulo. Como se dá a instauração dos elementos postos na

cena do programas? Depurando ainda mais a questão, como se constrói este

efeito de “tudo ao mesmo tempo agora” característico do sincretismo no

audiovisual e, no caso do programa de auditório, reiterado no excesso.

Nos programas em análise a cena inicial6 é marcada pela saturação de

elementos diversos postos em simultaneidade, o exagero de formas e o

movimento acelerado das imagens, que aparecem em consonância com a

música que toca, os som dos aplausos e gritos da platéia intensificando-se até

chegar a um ponto culminante, a entrada do animador. Tudo é posto de forma

a guiar todos os olhares ao centro. Por exemplo, em P1 o foco vai-se fechando

em direção à porta, no fundo, e a cena se ilumina. Em P2, embora o palco já

esteja iluminado, as luzes se intensificam e a câmera fecha lentamente o foco 6 Considerarei a cena inicial dos programas a seqüência que vai da vinheta de abertura e entrada do apresentador até o momento em que se inicia a ação do programa, seja chamando o participante ou anunciando o convidado. Essas seqüências possuem a seguinte duração: P1: 2’ / P2: 1’23”/ P3: 3’/ P4: 1’57”.

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até focalizar de corpo inteiro o animador e sua ajudante que estão

conversando. Já em P4, o apresentador faz uma contagem regressiva de cinco

segundos e o palco totalmente escurecido só é iluminado quando ele chega ao

centro.

Embora cada seqüência inicial apresente suas particularidades, todas

obedecem a um movimento que parte do geral (primeiras tomadas), para o

particular (foco no apresentador). Essa passagem, que vai do aberto (plano

inicial) para o fechado, aponta como chave de análise a relação espaço–tempo,

pois a organização espacial submete-se a três marcos temporais: antes da

chegada do apresentador, o momento da chegada e após a chegada. A

transformação da organização espacial, subjugada à relação entre a figura de

comando (central) e o entorno, constrói, através do efeito de movimento e

preenchimento, a tematização da alegria e da espera entusiasmada, esta

última representada nos gritos e aplausos do auditório, marcas intensas. Já se

sabe quem virá, mas o momento causa expectativa e possui clima de surpresa.

Essa surpresa simulada obedece, no entanto, a um certo ritmo, isto é, a um

princípio temporal necessário para caracterizá-la como tal. Segundo Tatit

(1997) tanto a surpresa quanto a espera necessitam de um equilíbrio entre o

sujeito e o objeto. Se o objeto se apresenta numa velocidade muito grande,

corre o risco de escapar do sujeito, pela perda de seus contornos e

identificações. É o caso de alguns objetos de vanguarda artística, por exemplo,

que de tão imprevisíveis nem chegam a ser notados. Em contrapartida, na

utilização de um ritmo lento demais é o sujeito que se perde do objeto, dele se

desinteressando. Diante de uma peça de teatro que levou ao extremo a

lentidão dos movimentos dos atores, chegando sua encenação a durar uma

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noite inteira, o grande desafio do público era não desistir de assisti-la ou não

adormecer (Cf. TATIT, 1997, p.54). Com isso, percebemos que o “clima de

surpresa” está atrelado a alterações rítmicas da cena, sendo regido pelo

esquema tensivo de organização do enunciado. A aceleração que precede a

entrada do animador e colabora para ajustar o tempo da surpresa é dotada de

uma intensidade e uma descontinuidade em relação a um contínuo

pressuposto. O tempo de “antes do início” do programa seria a extensidade, ou

um contínuo prévio, ao qual se retorna após a entrada do animador, num tipo

de volta à ordem, ao relaxamento. Nas formulações de Zilberberg, retomadas

por Tatit, adotam-se as noções de parada e parada da parada, para a

compreensão da produção do sentido:

Zilberberg compreende que o sentido fórico só se estabelece a partir da intervenção rítmica do sujeito que, rejeitando um tempo fora de controle, um fluxo indeterminável e imprevisível, propõe, por meio da enunciação, uma redistribuição das descontinuidades e continuidades em forma de paradas e paradas das paradas. Nesses termos, a própria enunciação constitui, em última instância, a parada da parada de um fluxo interrompido ou, se preferirmos, o restabelecimento de uma continuidade que ela mesma estancou. (TATIT, 1997, p. 15)

No enunciado em questão, nota-se que após a entrada de Silvio a luz

aumenta, tornando o palco mais claro. Nesse momento há uma alteração do

ritmo, passando gradativamente de uma intensidade extrema – parada da

parada – a um relaxamento, um retorno à extensidade – parada. A mesma

música que tocava antes volta a tocar num volume bem mais baixo, tornando-

se um fundo musical. A coreografia das bailarinas dá lugar ao gestual do

animador, que passa a compor juntamente com o auditório uma coreografia

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ritmada, em P1 e P3. A voz do apresentador também reforça o ritmo da cena,

pois possui uma prosódia entoativa, que é acompanhada pelas respostas e

aplausos da platéia. Ele estabelece, então, uma espécie de diálogo com o

público, que é convocado a participar. À pergunta dirigida à platéia: “Está todo

mundo animado?”, ouve-se a resposta: “Sim!” Ou ainda na brincadeira com as

modelos de P4: “ – Alô, moças bonitas”, diz Silvio, ouve-se a resposta: “-Alô,

Silvio Santos”. Todas as perguntas são seguidas de respostas com a mesma

tonalidade musical e obedecem a um roteiro ensaiado.

Já em P3, à musica alta soma-se a voz do apresentador, enquanto a câmera

focaliza do alto, em diversas posições, o público. Antes mesmo de ser

focalizado, o apresentador dirige-se à platéia: “Agora vocês dançando,

dançando. Rodando, rodando, dançando, batendo palma”.

Concomitantemente às “ordens” proferidas pela voz do animador, visualiza-se

o auditório realizando as ações. Pode-se, então, dizer que a cena inicial é

fática, servindo prioritariamente à abertura do canal comunicativo. Com efeito,

a constante repetição desgasta e esvazia a informação e o enunciado passa a

funcionar mais como uma mise en scène. Todavia, a intensidade conferida a

essa cena fática tem um sentido de compensação, já que preenche o vazio

causado pelo desgaste. Nota-se uma atonização do conteúdo, que é

contrabalançada pela tonificação dos elementos da expressão. Esse quase

apagamento do conteúdo pela exacerbação da expressão é uma característica

geral importante dos programas em análise.

Passado o momento inicial, todas as atenções centram-se no apresentador,

dotado de uma confiabilidade própria àquele que comanda o espetáculo. Há

uma configuração da modalidade enunciativa do controle, que conforme teoriza

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Fontanille (2004, p.181) ocorre quando: “a instância de enunciação global do

programa é representada por delegação ao animador”.

P1 e P3, como já mencionado, apresentam-se seqüencialmente. Assim,

cada programa apresentado agora se relaciona com um outro que veio antes e

prepara para os outros que virão depois. Com efeito, essa relação temporal é

construída no interior do programa atual, por meio de várias estratégias de

conversão do passado e do futuro para o presente. Tanto na cena inicial de P1

quanto de P3 exibe-se um tipo de resumo das apresentações dos vencedores

dos programas anteriores. Essas imagens aparecem juntamente com falas do

apresentador, tais como:

Estamos iniciando o programa “Gente que Brilha”. E já temos muitas pessoas classificadas para o programa final. (...) Daqui a pouco, no decorrer do programa, eu vou dizendo quais os outros que estão classificados para o programa final... (P1)

...É vamos ver quais os outros artistas que receberam a coroa de ouro e que já estão classificados para os programas finais, vamos ver... (P2)

Em P3, como anuncia o próprio apresentador “celebra-se o encontro das

músicas de ontem com as músicas de hoje”. Vale a pena ressaltar que o tema

da celebração é construído pela simultaneidade de vários recursos: música

“Celebration”, as ações do auditório, cantando e dançando, e uma certa pompa

do cenário, que conta com uma grande orquestra ao fundo. A relação temporal

de aproximação de passado e presente se expressa por meio de um videoteipe

com a retrospectiva da vida de cada artista. As antigas imagens precedem a

entrada do participante. Ao ocuparem o palco, eles são costumeiramente

interpelados por perguntas como: “Você gravou esta música há mais de 30

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anos?” No primeiro bloco do programa, quando os artistas apresentam os

antigos sucessos, utiliza-se playback com as gravações originais, talvez para

não correr o risco de nenhuma alteração de timbre ou de arranjo, que poderia

modificar a imagem cristalizada na memória. Já na segunda parte do

programa, em que os artistas interpretarão ao vivo sucessos atuais, todos

aparecem com trajes a rigor, no palco posicionam-se músicos, o maestro e o

backing vocal. Durante todo esse momento há uma iluminação especial, uma

espécie de penumbra esfumaçada azul. Todos esses elementos geram uma

euforização do passado, visto como tempos áureos. E o programa apresentado

ganha ares de uma l’âge d’or revisitada.

A subdimensão do andamento funciona como um elo de ligação entre os

efeitos, uma vez que o movimento se dá através dos elementos que

preenchem o espaço, dotando-o de determinado ritmo. Yvana Fechine

apresenta uma proveitosa reflexão sobre os procedimentos de sincretização,

na qual destaca as propriedades expressivas de ritmo e movimento:

Na análise dos discursos sincréticos do cinema, da TV, do vídeo

ou da Internet o primeiro desafio passa a ser, então, a identificação das propriedades expressivas capazes de convocar simultaneamente ao menos duas ordens sensoriais envolvidas nos sistemas audiovisuais. O ritmo e o movimento estão certamente entre elas. Dessas propriedades, desprendem-se categorias expressivas comuns ao vídeo e ao áudio. Inventariamos, a princípio, oito pares categoriais, a partir dos quais podemos pensar uma articulação sinestésica entre imagem e música (ou efeitos sonoros): /aceleração vs. desaceleração/, / continuidade vs. descontinuidade/ , / dinamicidade vs. estaticidade/ , pontualidade vs. duratividade/ , /intervalaridade vs. progressividade/, / expansão (extensão) vs. contração (intensão)/, /ascendência vs. descendência/, / abertura vs. fechamento/. (FECHINE, 2006, mimeo)

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A preocupação de Fechine é, através desses pares de categorias, entender

como se dá a relação sincrética entre o áudio e o vídeo. Expandindo, então, as

categorias listadas por Fechine, através da incorporação da abordagem

tensiva, chega-se ao seguinte quadro:

SEQÜÊNCIA TEMPORAL

OCORRÊNCIA VALÊNCIAS CANAL SENSORIAL

RELAÇÃO PC

Cena inicial (antes da entrada do animador)

Focalização de todo o palco e da platéia; Jogo de luzes coloridas; Aplausos e coro da platéia

Abertura Aceleração Foco Rapidez Brevidade

Áudio Vídeo

Consonância

Expectativa Surpresa Empolgação

Cena imediatamente após a entrada do animador

Foco fechado no apresentador; Luz branca parada; Somente a fala do apresentador

Desaceleração Fechamento Apreensão Repouso

Áudio Vídeo

Consonância

Controle Contenção

Continuidade do programa

Entrada de atrações variadas e convidados; Focalização de todo o palco e da platéia; (movimento de câmera) Foco no apresentador; Aplausos, gritos, músicas e voz do apresentador

Abertura Aceleração Foco Fechamento Desaceleração Apreensão Deslocamento Tonicidade

Áudio Vídeo

Consonância

Empolgação Controle

À relação de consonância entre os canais áudio / vídeo soma-se a

integração entre tempo e espaço – subdimensões da extensidade –, revelando

a estratégia de sincretização. Se tomarmos, por exemplo, o fechamento,

veremos que ele está presente ao mesmo tempo no áudio (diminuição da

música e aplausos/ unicamente a voz do apresentador) e no vídeo (fechamento

do foco). O fechamento promove, então, contenção espacial (foco fechado)

somada ao tempo, através da desaceleração. No enunciado em análise, é

ainda possível notar que há uma euforização do eixo: abertura + aceleração+

apreensão, que fica evidente na saturação de elementos e no ritmo acelerado,

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reiterando, assim, no PE os efeitos tensivos de preenchimento e movimento.

Pode-se perceber essa ênfase pela observação da continuidade do programa,

que retoma as categorias presentes antes da entrada do animador. Ele passa a

figurar no centro da cena, ocupando o centro do campo de presença, e usa

como estratégia a regulação da alternância entre tensão / relaxamento. Ao

mesmo tempo em que incentiva e promove a movimentação e a empolgação

(tensão), acalma a platéia para tomar a palavra. A famosa embregem de

pessoa: “O Silvio Santos, fala ou não fala!” é projetada como uma das

estratégias de relaxamento, diante de uma ruidosa platéia. Vale ainda ressaltar

que o controle exercido se dilui na interação íntima que o apresentador mantém

com o auditório, por meio do efeito de aproximação, concretizado no

tratamento sem comedimentos ou entraves.

No primeiro momento da seqüência temporal analisada, tem-se um

andamento rápido regendo a duração, a temporalidade é regida pelo foco com

andamento acelerado, isso ocorre tanto no áudio (sonoridade em andamento

rápido), quanto no vídeo (movimento acelerado de câmera, efeito intermitente

de luz). O elã que rege a temporalidade é o da brevidade e o que rege o

andamento, o da rapidez. A cena é curta (breve) e a rapidez acelera-se

continuamente. No marco temporal dois, que é o momento de maior

intensidade, marcado pela entrada do apresentador, há uma descontinuidade

rítmica. O andamento é desacelerado e a cena passa a ser regida pelo

esquema de apreensão. No áudio, somente a voz do apresentador ou a voz e

um fundo musical baixo. A amplidão sonora cede lugar à concentração. No

vídeo, a imagem do apresentador em close no centro da tela substitui a

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dispersão imagética de antes. Nesse instante é possível apreender melhor os

detalhes.

Vê-se, então, que no percurso que compreende o intervalo entre esses

dois marcos temporais vai-se da dispersão à concentração e isso se dá

sincreticamente, por meio da consonância entre os canais sensoriais áudio e

vídeo. O elã da rapidez, do deslocamento, da brevidade e da tonicidade passa

ao de lentidão, longevidade, repouso e atonia.

O terceiro momento, da continuidade do programa, realiza-se através da

recuperação de parte da tonicidade, o que é bastante justificável, já que do

contrário o prolongamento do repouso levaria ao tédio e, por outro lado, a

manutenção de uma acentuação tônica tão elevada implicaria em uma

“saturação opressora ou obsessiva”, para utilizar a expressão de Fontanille (cf.

Fontanille, 2007, p.126). A estratégia adotada na continuidade do programa é

justamente o equilíbrio e alternância entre tensão e relaxamento, já que se

busca a captura e a fidelização do sujeito.

Assim, vemos que a consonância entre canais de áudio e vídeo, aliada

aos efeitos do PC e aos mecanismos de interação, cria uma concomitância

ponto a ponto, que imprime um modo de operar a sincretização no enunciado

analisado. No PC, pode-se considerar que a concomitância facilita a

compreensão e é reforçada pela repetição, pelo conhecido, pelo habitual.

Postulo, então, que a um sincretismo por concomitância se opõe um

sincretismo por discrepância, mais presente na videoarte ou no cinema, por

exemplo. O polêmico filme “Maria Antonieta” (Marie Antoniete, Estados Unidos,

2006), de Sofia Copolla, chamou atenção por narrar a vida de Maria Antonieta

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– na ingenuidade dos quatorze anos de idade, ao ser levada à opulenta corte

francesa, para um casamento arranjado – conjugando tomadas do castelo e

momentos bucólicos da princesa, com uma trilha sonora que vai do rock à

música eletrônica, passando pelo punk. O insólito provoca estranhamento,

característico do efeito estético. Na TV, a exploração do sincretismo por

concomitância gera uma certa obviedade, como é bastante comum em

matérias sobre esportes radicais que via de regra apresentam uma trilha

sonora de rock. Entretanto, também é possível assistir a uma jogada brilhante

de futebol, acompanhada por um tema famoso de balé, criando assim uma

novidade e provocando o riso. Os programas informativos esportivos buscam,

em alguns momentos, adotar a estratégia do novo, do diferente, através de

trilhas sonoras, paráfrases para narrativizar jogadas ou percursos de vida de

algum atleta, chamadas com títulos intertextuais. Assim, o sincretismo por

concomitância é marcado pela “reiteração”, pela concordância enquanto o

sincretismo por discrepância é constituído no “contraponto”. Lucia Teixeira

desenvolveu as noções de “reiteração” e “contraponto” para analisar a relação

entre quadros e títulos nas artes plásticas. A autora mostra como os efeitos de

iconicidade – em que se busca aproximar a representação de uma imagem do

mundo – e de plasticidade – procedimento que confere à pintura seu caráter de

pintura, sem se preocupar prioritariamente com a representação – se

constroem na relação entre interação e contraponto (Cf. TEIXEIRA, 2001, p.

415-425).

A relação, portanto, entre títulos e pinturas pode ocorrer como contraponto ou como reiteração. No primeiro caso, desestabiliza-se o sentido da pintura, marcando-se a tensão entre o icônico e o plástico; no segundo, reforça-se ou dilui-se o sentido icônico. (TEIXEIRA, 2001, p. 418)

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O contraponto marca a desestabilização, o desvio, como ocorre no

sincretismo por discrepância. Já na reiteração se acha o reforço, a estabilidade,

como no sincretismo por concomitância. Teixeira demonstra ainda que “se

pensarmos na oposição extensidade/intensidade (cf. TATIT, 2001), a reiteração

é o extenso e o contraponto, o intenso” (TEIXEIRA, 2001, p.418). Assim como

acontece no sincretismo por concomitância, em que se emprega a lógica

implicativa (previsível) e no sincretismo por discrepância, a lógica concessiva

(inesperado)7.

2.6.1. Do caos à ordem – entre extensidade e intensidade

Após a cena inicial dos programas, com a entrada do animador, que

exerce o controle, segue-se logicamente a continuidade do espetáculo. Assim,

depois de um momento de intensidade marcado pela aceleração e

ascendência, tem-se uma descendência, um retorno ao fluxo contínuo, ao

conforto do conhecido. Entretanto, nos programas de auditório liderados por

Silvio Santos, a extensidade é marcada por constantes idas e vindas que no

PC oscilam entre os pólos do controle e da empolgação. Pode-se afirmar que a

justa medida de variação entre esses pólos garante a audiência, pois influencia

no controle da atenção. Para isso, ajustam-se as estratégias de tempo e

7 Para tratar da questão da concessão e da implicação Zilberberg no artigo “Síntese da gramática tensiva” serve-se do percurso: /hermético/ fechado /aberto/ escancarado/, para mostrar que para além da oposição / aberto/ e /fechado/ ainda poderiam ser geradas entre um subcontrário e sobrecontrário a oposição /fechado/ e /hermético/, ou seja, entre o que se pode abrir e o que não se pode abrir. Ou entre /aberto/ e /escancarado/, o que se pode fechar e o que não se pode fechar. A implicação, então, o esperado produziria sintagmas do tipo motivado: fechar o aberto e abrir o fechado. Já a concessão trabalharia com a oposição entre aquilo que se julga irrealizável e a possibilidade de sua realização, assim: embora seja hermético eu o abro. A lógica implicativa é representada por (se...então) e a concessiva por (embora...). Segundo Zilberberg passa-se da “ordem enfadonha da regra para a ordem tonificante do acontecimento” (cf. Zilberberg, 2006, p.197).

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espaço, a fim de que não haja uma morosidade excessiva que possa levar ao

tédio, e conseqüentemente, ao desinteresse, nem uma velocidade tão intensa

que deixe escapar informações e detalhes importantes.

As relações espaciotemporais, embora os programas tenham o set de

gravação estruturado apenas na divisão palco vs platéia, e o tempo seja o do

agora da transmissão, podem ser organizadas de muitos modos, criando

efeitos de sentido variados. O espaço do aqui e o tempo do agora podem

sofrer alargamentos capazes de provocar uma verdadeira elasticidade

espaciotemporal. Em P3, por exemplo, a necessidade de apresentar uma

narrativa da vida dos partcipantes promove através de debreagens e

embreagens efeitos de encaixamento de lá por aqui, de então por agora.

Observemos o quadro com uma parte da seqüência de entrada do cantor

Wando:

VISUAL VERBAL ESTRATÉGIAS EFEITOS

SILVIO: Vamos ver quem é o nosso primeiro convidado!

Visual: close no apresentador

Verbal: locução verbal no presente.Uso da 1ª pessoa do plural.Uso do pronome possessivo no plural.

Aproximação com o espaço da enunciação “aqui” e do tempo “agora”. Inclusão do interlocutor nas ações.

LOMBARDI: Wando é mineiro de Cajuri, mas adotou...

Visual: corte da imagem de Silvio e inserção imediata do close de uma foto de Wando, ocupando a tela inteira.

Verbal: uso do presente gnômico e do pretérito perfeito.

O momento da referência é um sempre, geralmente usado nas definições.

Não-concomitância, anterioridade ao momento de referência.

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...O Rio como sua cidade...

Visual: Superposição de uma foto do Rio à foto de Wando.

Concomitância entre o verbal e o visual, palavra Rio e imagem do Rio (iconicidade).

...com trinta e cinco anos de carreira seus maiores sucessos foram “Moça” e “Fogo e paixão”...

Visual: Imagem de uma apresentação de Wando.

Verbal: música Fogo e Paixão, interpretada por Wando.

Uso do pretérito imperfeito

Concomitância entre verbal e visual. Wando canta a música no mesmo momento em que o narrador fala sobre ela.

Fato durativo, contínuo no passado.

...Em todo este tempo, ele gravou 25 discos e um DVD, que venderam 15 milhões de cópias...

Visual: Imagens de capas de discos de Wando vão aparecendo uma a uma, preenchendo a tela.

Verbal: passagem do tempo, pretérito perfeito e pretérito imperfeito

O visual constrói a grandiosidade da obra de Wando.

Ação anterior ao momento de referência, aspecto acabado.

A venda dos discos – fato durativo

A descrição dessa parte do programa revela algumas debreagens e

embreagens internas, que vão se encaixando e instaurando outros tempos e

espaços, embora todos sejam atualizados no enunciado. Quando o

apresentador chama o público para ver o convidado, poderia aparecer uma tela

dentro do set de gravação, mas pelo contrário o filme ocupa todo a tela,

havendo um apagamento das marcas de projeção. É impossível, inclusive,

saber de que modo o auditório que está ao vivo na gravação vê as imagens. O

marco referencial da enunciação aqui e agora funciona como o englobante de

todos os demais espaços e tempos, que são englobados, através de

estratégias simultâneas entre verbal e visual. O exagero da coincidência, como

por exemplo, falar da cidade do Rio e mostrar imagem do Rio busca guiar

passo-a-passo a interpretação do enunciatário. Não há implícitos, nem não-

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ditos. Não há margem, nem tempo para reflexão. A velocidade e a reiteração,

que exacerbam de informações, são especificidades do modo de presença do

audiovisual. Basta pensarmos, no caso do cinema, na rotulação pejorativa que

sofre o cinema americano em oposição ao cinema europeu. O primeiro, de uma

velocidade por vezes incômoda, é tachado de um cinema sem conteúdo, para

assisti-lo não é preciso pensar, apenas receber passivamente o show de

imagens em movimento. Já o segundo, marcado pela lentidão, que desagrada

uma parte dos telespectadores, recebe a marca de “cinema-cabeça”, isto é,

aquele que faz pensar e refletir.

Na continuação de P3, após a apresentação do filme com a trajetória de

Wando, projeta-se de imediato o close no apresentador e ouvem-se muitas

palmas. Volta-se à contenção, ao controle, ou seja, à extensidade. Percebe-se

que, mais do que uma passagem da intensidade à extensidade, há uma

oscilação dinâmica de um pólo a outro. O animador, então, chama o

participante e este faz a apresentação de seu grande sucesso. As bailarinas do

início do programa voltam à cena, a luz recebe o mesmo tratamento de antes,

a música toca novamente num volume alto, muitas palmas e coral da platéia,

num outro retorno à intensidade. Além disso, projeta-se uma faixa na parte

inferior da tela, contendo a letra da música executada, de modo a guiar o

comportamento do telespectador para que cante a música “junto”, “ao mesmo

tempo” que o intérprete. Reiteram-se as linguagens, pois ao som da música é

somada a sua letra, simultaneamente, mobilizando-se visão e audição, em

torno de um mesmo conteúdo, há aqui novamente marcas de um sincretismo

por concomitância. Essa estratégia de projeção de tarjas e quadros com

inscrições sobre a tela da TV é uma tendência atual, largamente utilizada em

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várias situações. Utilizam-se diferentes canais de expressão exacerbando a

informação, através da saturação. Mais uma vez o intuito é fisgar a atenção e

atender ao público disposto ao relaxamento. Vê-se que há uma passagem

gradual do modo da apreensão regido pela desaceleração para o foco regido

pela aceleração.

Mais especificamente em P1 e P3, a organização espacial ditada por

todos os elementos do PE recebe um enquadramento específico da câmera

que colabora para a dinamicidade entre a intensidade e a extensidade. Com

isso, vê-se o predomínio da focalização em ângulo plano (horizontal) do

apresentador e da platéia. Tomadas do alto e em movimento aparecem mais

no momento das atrações. Efeitos de câmera aproximam apresentador e

público, através da utilização do plano médio (da cintura para cima) e do plano

próximo (ombros e rosto). O apresentador, quando se dirige ao público, ocupa

exatamente o centro da tela, olhando diretamente para a câmera. Há então,

através da aproximação da imagem, da direção do olhar, de gestos como

apontar com o dedo, da entonação vocal e dos conteúdos das falas, uma forma

de interação por aproximação, dela resultando a participação deste “tu”, para e

com quem se fala. Implanta-se, nesse momento, o modo da apreensão, e uma

espacialidade fechada, promovendo a aproximação, na qual é possível

perceber mais os detalhes como olhar, gestos, entre outros.

Em P2, algumas ocorrências bastante interessantes criam o efeito de

elastização do tempo e do espaço. Num certo momento do programa, entre

uma jogada e outra, o apresentador chama o narrador em off: “Lombardi, não é

você, Lombardi?”. Lombardi, então, narra uma das vantagens do carnê do baú:

“Quando você compra o carnê do baú, no final de todos os pagamentos, você

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retira tudo o que pagou em mercadorias da mais alta qualidade...” A narração é

acompanhada pela projeção das imagens da loja lotada de pessoas que

passeiam por corredores repletos de fogões, geladeiras, entre outros

eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Observamos, então, que o espaço do lá é

debreado no interior do enunciado e com isso temos reforçados efeitos de

realidade e de referente. O episódio das pessoas retirando as mercadorias é

presentificado no interior do programa, que reconstrói o espetáculo. Com efeito,

há aqui a abertura do eixo da espacialidade que se transpõe do set de

gravação (palco/platéia) para a loja do Baú cheia e movimentada.

Em outra parte do programa, o animador chama o narrador em off para

apresentar uma propaganda sobre um novo programa que estreará em breve.

O narrador mostra que a atração chamada “Ídolos” foi sucesso em vários

países. Aparecem cenas do programa na Inglaterra, Estados Unidos,etc. Uma

inscrição em letras azuis sobre a tela, acompanhada de narração em tom

enfático mostra o seguinte texto: “aqui não vai ser diferente”. Aparece a vinheta

do programa e o narrador diz: “Vem aí, Ídolos. A voz de uma nova estrela, em

breve!” Com esta descrição, é possível notar que os programas não só

introduzem acontecimentos que marcam a anterioridade entre o momento do

acontecimento e o momento de referência, como no caso do exemplo de P3,

mas preparam o enunciatário para acontecimentos que se instauram numa

posterioridade, isto é, textualizado nas expressões “vem aí” e “em breve”. Além

disso, existe um jogo entre a projeção espacial que se distancia da enunciação

através do lá, representado pelos países onde o programa já foi exibido e o

“aqui”, que é inclusive textualizado. A categoria enunciativa do “aqui”,

entretanto, faz referência a dois lugares: o Brasil e a emissora SBT. Com isso,

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qualifica-se positivamente a programação do canal, por portar um programa

que já fulgurou em países desenvolvidos. Além disso, narrativiza-se a ação de

um sujeito que torna o outro competente para realizar a performance de assistir

a uma programação “moderna”, do primeiro mundo em seu próprio país, que

conseqüentemente, também se torna moderno. Tais estratégias dinamizam o

enunciado e remetem a uma questão mais global, qual seja a inserção dos

programas num conjunto mais amplo, o da programação, que deve aparecer

como coerente e ao mesmo tempo atrativa. A espacialidade passa a ser regida

pela posição da exterioridade, concretizada pela modernidade, pelas

novidades. Assim, torna-se mais atrativo o espaço interior do programa. Já a

temporalidade expande-se para uma posterioridade, que pretende despertar o

interesse do enunciatário pelo que está por vir. Percebe-se que os eixos da

temporalidade e da espacialidade são esquematizados tensivamente nas

seguintes direções:

Anterioridade posterioridade

Interioridade exterioridade

A estratégia de uma busca pela modernização através da importação de

gêneros e formatos está presente no SBT, que a utiliza a seu favor. Uma

matéria publicada no site do Observatório da Imprensa diz8:

8 Matéria: "O limite da cópia", copyright O Estado de S. Paulo, 4/11/01. Publicada em www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/.

Acessado em: 26/03/08

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O SBT enfrenta uma série de processos ligados a direitos autorais envolvendo sua programação. Mesmo assim, mantém como prática, há muitos anos, incorporar formatos de atrações produzidas em outros países sem pagar por isso.

As viagens de Silvio ao exterior já são até conhecidas por isso. O homem do Baú viaja constantemente para Miami e Los Angeles, dá uma olhada no que estão fazendo na TV lá fora e volta cheio de novidades.

Assim, o SBT constrói a imagem do canal das “novidades”, embora

ainda aposte largamente nos tradicionais programas de auditório. Do ponto

de vista da programação como um todo, os programas de auditório possuem

um caráter metonímico do eixo da extensão, uma vez que são eles o conforto

do conhecido, a marca registrada do canal, embora busquem através de

várias estratégias incluir o novo, o intenso, a surpresa. De certa forma, o

equilíbrio entre a intensidade e a extensidade é bem sucedido, visto que o

Programa Silvio Santos ainda garante bons pontos de audiência.

Outra questão que merece ser destacada diz respeito à seqüência

final dos programas. Elas são repletas de elementos que desempenham a

função de conectores, quer com outros programas da emissora, quer com o

próximo programa de série. P1 e P3 preparam o gancho para o outro

“O Observatório da Imprensa é uma iniciativa do Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo e projeto original do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É um veículo jornalístico focado na crítica da mídia, com presença regular na internet desde abril de 1996 (veja aqui a edição nº 1). Nascido como site na web, em maio de 1998 o Observatório da Imprensa ganhou uma versão televisiva, produzida pela TVE do Rio de Janeiro e TV Cultura de São Paulo, e transmitida semanalmente pela Rede Pública de Televisão (confira a grade horária no site do programa).”

Publicada em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/historia.asp

Acessado em: 06/12/2008

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episódio, no qual mais alguns artistas serão selecionados. Expressões como

“não perca o próximo programa” são muito comuns. Além desses aspectos é

bastante interessante perceber que a busca pela fidelização do público se

estende para outros meios como a Internet e o telefone. Assim, o programa

acaba, mas as ações de “votar”, “eleger”, destinadas aos telespectadores,

perduram. Pode-se dizer que tais ações, então, possuem uma temporalidade

em que o momento de referência é mais longo do que o da enunciação, o

uso do gerúndio marca esta relação temporal: “continue votando”, “continue

acessando”.

Uma das cenas finais de P2, é emblemática. Trata-se de um diálogo

entre Silvio Santos e Lombardi:

VERBAL VISUAL SILVIO: Oh, Lombardi, os internautas esperam por você! Lombardi!

LOMBARDI: Legal! Entre no clube da fidelidade pela internet ou pelo telefone. Diga qual é a palavra final e concorra a um Celta 0km toda semana.

AUDITÓRIO: (palmas) Ê...ê...ê...

O chamado “clube da fidelidade” é uma extensão do programa que

expande para um espaço virtual, que pode ser acessado pela internet ou

telefone, e para um tempo da posterioridade, não-concomitante com a

enunciação. O uso do modo imperativo “entre”, “diga” e “concorra”, marca as

ordens, ou melhor, sugestões de atividades que devem ser praticadas num

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momento posterior ao marco de referência. Pode-se inclusive considerar que

tal estratégia une essa duratividade temporal a uma amplificação da

ambiência, pois:

Desde o advento dos meios eletrônicos, estar na mesma ambiência, no mesmo lugar ou situação não significa, no entanto, comungar o mesmo espaço físico. (FECHINE, 2008, p.135)

Com isso, a ambiência promovida pela interação no momento de

transmissão dos programas prorroga-se para o depois e o lá da conexão ou

da ligação. A chamada da vinheta e mesmo o modo como o apresentador se

despede provocam um retorno à intensidade, através da aceleração do ritmo.

Percebemos que os programas não podem terminar sob o elã da atonia, daí

a concentração da tonicidade nos instantes finais. A intensidade somada à

amplificação da ambiência colaboram na manutenção do estado constante

de participação e envolvimento dos telespectadores.

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SOB CONTROLE

(Capa da Revista do Anunciante, junho de 1998)

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3. BAÚ DA FIDELIDADE – ÉTHOS, PÁTHOS E INTERAÇÃO

Nem realidade para além dos bastidores Nem realidade real em quem vê

Mas só real o cenário e os atores Reais como atores, não como gente que cada um é.

Fernando Pessoa

A reflexão do genial poeta português vem exatamente ao encontro de

algumas questões de que pretendo tratar neste capítulo. O contentamento em ter

um tão ilustre interlocutor é tamanho, que eis aí o Pessoa, como mais uma voz a

dialogar nesta tecedura. No entanto, não é de poesia, nem de poetas que vamos

tratar, mas sim da “realidade” ou justamente de sua ausência “para além dos

bastidores”. Conforme a afirmação do poeta vê-se que só há de real “o cenário e

os atores”. Sobre estes últimos necessita-se, agora, lançar um olhar mais detido e

formular algumas indagações.

O veículo TV, com o tipo de programas que promove, atua na construção

dos gostos, sonhos e desejos de seus espectadores. Por ser um meio de

comunicação de massa e, desta forma, construir a grade de programação voltada

ao grande público, a televisão, muitas vezes, manipula, convence e controla a

representação imaginária das pessoas, e trabalha em favor de uma lógica de

mercado, na qual luxo, riqueza e sucesso são vendidos como ideais de felicidade,

que se não podem ser atingidos na acromaticidade do cotidiano são alimentados

na colorida hiper-realidade construída e transmitida pelos programas. De que

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modo, no entanto, realizar uma difusão de determinados padrões que se fixem,

resistindo à fugacidade e efemeridade que cercam o homem contemporâneo?

Na análise do Programa Silvio Santos uma questão a ser considerada é a

sua permanência, já que é o mais duradouro programa da história da televisão

brasileira. Essa peculiaridade permite pensar sobre a eficácia do elo estabelecido

com o público, levando-o a permanecer fiel por tanto tempo. Se, como afirma o

poeta, não se pode definir a “realidade real” de “quem vê”, não se pode negar que

“cenário” e “atores” são feitos para serem vistos e se perduram é, justamente,

porque são vistos. Partindo do pressuposto de que todo texto voltado para a

comunicação de massa necessita, prioritariamente, de um público fiel1,

pretendemos pensar mais profundamente no modo de construção do contrato

fiduciário, que “põe em jogo um fazer persuasivo de parte do destinador e, em

contrapartida, a adesão do destinatário” (GREIMAS, COURTES, s/d, p. 184).

Entretanto, para desvendar esse “jogo” é preciso observar os mecanismos

internos de construção do enunciado, o modo de interação instaurado, bem como

o efeito de sentido que dele resulta. Assim, postulamos que todas as estratégias

adotadas na construção desses enunciados estão a priori a serviço do sucesso de

um contrato persuasivo e, dessa forma, é possível esquematizar como se dá a

instauração desse contrato. Postulo que a eficácia do contrato fiduciário

estabelecido no Programa Silvio Santos se deve à adoção do que denominarei de

esquema de fidelidade. Este seria composto de uma determinada forma de

1 A reflexão sobre a necessidade de manutenção da fidelidade do público, principalmente em textos de comunicação de massa, é desenvolvida por Nilton Hernandes (2006) através da postulação do “gerenciamento do nível de atenção”. Para o pesquisador a “fidelização” é uma das etapas do gerenciamento. Aqui postulamos que a fidelidade se apresenta como um esquema.

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interação entre destinador e destinatário, observável nas várias categorias do

discurso. Dessa interação resulta um determinado efeito, que abriga obviamente

vários outros, mas que os põe a seu serviço. Ou seja, o estabelecimento de uma

adesão sólida entre destinador e destinatário, estabelecida em virtude da fé no

dizer-verdadeiro, exige uma série de estratégias que obedeçam a um esquema,

uma espécie de fórmula de manutenção do crer-verdadeiro. Nota-se que, no

corpus em análise, programas de auditório dirigidos ao grande público, a

manutenção do crer se dá preferencialmente através de um “efeito de

participação”, que alimenta a crença na proximidade entre os actantes, e numa

suposta relação de parceria democrática.

A tentativa de formulação de um “esquema” organizador das estratégias

enunciativas justifica-se como etapa do percurso de análise, pois ao conseguir

observar quais esquemas regem as estratégias enunciativas adotadas pelos

textos sincréticos é possível avançar na construção de uma metodologia útil à

análise de qualquer texto que envolva mais de uma linguagem. Para isso, partirei

do exame do regime de interação estabelecido entre os atores da enunciação. No

caso, o regime adotado tem como função colaborar para a garantia da fidelidade

do enunciatário, finalidade primordial de um discurso veiculado por um meio de

comunicação de massa. Especialmente no caso em questão, textos sincréticos

audiovisuais, produzidos para televisão, é necessário ter em mente que o largo

alcance é parte constitutiva do meio, como bem observa Arlindo Machado:

A mais baixa audiência de televisão é, ainda assim, uma audiência de várias centenas de milhares de telespectadores, e, portanto, muito superior à mais

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massiva audiência de qualquer outro meio, equivalente à performance comercial de um best seller na área da literatura. (MACHADO, 2003, p.30)

Então, sendo a TV um meio de massa por excelência, as estratégias

enunciativas adotadas pela grande maioria dos programas objetivam garantir

audiência e, conseqüentemente, permanência no ar. Não raro há casos de

programas que, imediatamente após entrarem no ar, passam por alterações, ou

mesmo saem da grade de programação, o mesmo acontecendo com

apresentadores que modificam horários, temas e até o estilo. É possível lembrar

ainda das telenovelas, que transformam a trama e até as características físicas e

psicológicas de personagens, tudo posto irremediavelmente “ao gosto do freguês”,

ao menos aparentemente.

3.1 – O SBT e a construção da fidelidade

O brasileiro é um povo humilde. A televisão é a sua única diversão. Esse povo não quer ligar a televisão para ter aula ou ter cultura. (...) Temos de dar ao povo o que o povo quer. Se for samba, será samba. Se for mulher com pouca roupa, será mulher com pouca roupa.2

Silvio Santos

A afirmação de Silvio Santos busca justificar os conteúdos trabalhados nos

programas de sua emissora, apoiando-se num suposto “querer” dos

telespectadores. No entanto, como ter a exata dimensão sobre o “querer” do

“povo” a que ele se refere? Posta de tal forma, a seleção deste ou daquele

conteúdo ganha um caráter tautológico, ou seja, “o que o povo quer é o que o

2 Disponível em: http://veja.abril.com.br/1750500/p_148.html’ Acessado em: 17/04/2005

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povo quer”. A fala do apresentador provoca uma inversão do programa de

manipulação, no qual o público (destinatário) passa a figurar como manipulador.

Caracteriza-se, assim, o discurso típico do vendedor, ao reforçar a idéia de que o

telespectador é quem manda. No entanto, a relação destinador vs. destinatário, ou

manipulador vs. manipulado3, aqui ilustrada, constitui um dilema. De um lado as

emissoras e suas escolhas por temas, gêneros e formatos, de outro o público,

que, através da audiência, referenda ou recusa o que vê. Entretanto, esse mesmo

público move-se dentro dos limites do que lhe é apresentado, sendo a “escolha”

mera ilusão. O enunciado de Silvio Santos reitera uma “isotopia da liberdade”,

observada em proposições muito comuns como: “escolha o vencedor”, “o

escolhido pelo público”, “artistas que vocês de casa escolherão”. A instalação

dessa isotopia colabora para ancorar o contrato, estabelecido entre sujeitos, no

efeito de “participação”. À medida que o destinatário se sente responsável pelas

escolhas do que será veiculado no enunciado, sai de um estado de passividade e

passa a figurar como um sujeito participante da ação e livre para decidir. Esse

efeito de participação resulta, no entanto, de um determinado modo de interação

estabelecido entre os sujeitos sobre as quais pretendemos pensar ao longo desta

análise.

A constituição do gênero programa de auditório que conjuga prêmios em

dinheiro, atrações musicais, participação da platéia em brincadeiras, entre outros,

3 Utilizo, aqui, os termos manipulador e manipulado para explicitar que trato do percurso da manipulação, no qual se estabelece uma relação contratual entre os actantes destinador e destinatário. Barros explica que: “O percurso da manipulação deve ser entendido, assim, em primeiro lugar , como uma ou mais transformações de estado, mas de tipo particular. Para diferenciá-las das demais transformações, o sujeito operador será denominado destinador e o sujeito dos estados sobre os quais ele age, destinatário.” (BARROS, 2003, p.197)

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tem grande destaque na história da TV por conquistar a adesão do público e bom

índice de audiência:

Os programas que mais aproximam o telespectador da realidade da produção em televisão são os de auditório, pois permitem a entrada do público nos estúdios ou nos locais preparados para a gravação. (SOUZA, 2004, p.93)

Estar ao vivo no momento da gravação colabora para fortalecer o elo entre

destinador e destinatário, tornando-os muito próximos e familiarizados. Esse modo

específico de interação pela proximidade será proporcionalmente mais proveitoso,

quanto mais houver adesão por parte do público. Ações como aplaudir, gritar,

vibrar, cantar fazem parte da performance participativa do público, que deve ser

modalizado por um querer-saber participar, e revelam o grau de envolvimento com

o espetáculo. Em contrapartida, o apresentador deve se mostrar competente para

atrair a atenção, divertir e entreter. Habitar, então, efetivamente um espaço e

tempo comum leva a uma comunhão entre artista e platéia, pois ambos estão

fazendo juntos o espetáculo acontecer. Entretanto, o modo de interação por

aproximação, que produz esse efeito de participação, precisa estender-se ao

telespectador, que está em casa, do outro lado da tela.

A questão da interação vem sendo abordada pela semiótica, através dos

trabalhos de Landowski. No artigo Les interations risquées, o autor estabelece

quatro regimes de interação, assim denominados: programação, manipulação,

acidente e ajustamento. Cada um deles é fundado sobre um tipo de relação

definida em função dos possíveis percursos que sujeitos hipotéticos fariam nas

interações que estabelecem no mundo (Cf. Landowski, 2005, p. 39). Os quatro

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regimes se dividem entre os que formam a “constelação da prudência” –

programação e manipulação – e os que formam a “constelação da aventura” –

acidente e ajustamento. Landowski relaciona a cada regime de interação um

regime de sentido. O regime da programação, que se funda na regularidade, diz

respeito ao que é habitual como os rituais, por exemplo. A programação tem como

regime de sentido “o insignificante”, pois a repetição pode levar ao “esvaziamento

do sentido” (LANDOWSKI, 2005, p. 42). Já o regime da manipulação é baseado

na argumentação de um sujeito que busca fazer o outro crer em determinados

valores, logo, é fundado na intencionalidade. O esquema proposto por Landowski

prevê ainda um régime de risque (regime de risco) para cada um dos regimes de

interação. Na “constelação da prudência” há o “regime da segurança”, relacionado

à programação, e o “regime de risco limitado” à manipulação. Já a denominada

“constelação da aventura” é formada pela junção dos regimes do acidente e do

ajustamento. O primeiro é fundado sobre o perigo e tem como regime de risco o

“puro risco” le risque pur. O regime de ajustamento funda-se sobre a sensibilidade,

ou seja, aciona a competência estésica dos sujeitos, e tem como regime de risco a

insegurança. Para Landowski, se por um lado, o regime de ajustamento oferece

mais riscos que a manipulação e a programação, “ele abre em contrapartida

perspectivas mais amplas em termos de criação de sentido” (LANDOWSKI, 2005,

p. 20)4, visto que tem como regime de sentido o “fazer sentido”.

Através dessa esquematização, Landowski busca analisar os percursos

percorridos pelos sujeitos, não só quando estão submersos em dos quatro

4 Citação original em francês: “...il ouvre en contrapartie de beaucoup plus larges perspectives en termes de création de sens”. (LANDOWSKI, 2005, p. 20)

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regimes de interação, mas também na passagem de um regime a outro. O

esquema, portanto, é dinâmico, pois supõe a possibilidade de movimentação dos

sujeitos. Além disso, Landowski chama atenção para os riscos inerentes aos

quatro regimes de interação, como se um pudesse vir a se submeter ao outro:

Vemos, com efeito, que o risco inerente ao regime da manipulação é “cair” na programação, ou seja, passar de um regime relativamente incerto mas que, nessa mesma medida, deixa aberta a possibilidade de efeitos de sentido imprevistos, a um universo mais seguro mas que tende, por força da redundância, ao esvaziamento do sentido e a dissolução na insignificância. Simetricamente o risco do ajustamento é o de oscilar na direção do acidente e do insensato. (LANDOWSKI, 2005, p. 42) 5

Nota-se, assim, a possibilidade de uma dinâmica entre os diversos regimes.

Além disso, pode haver uma espécie de concomitância entre eles, através da

realização de mais de um regime ao mesmo tempo. Os programas em análise, por

exemplo, embora adotem o regime da manipulação, sendo, desta maneira,

dotados de intencionalidade – levar o enunciatário a poder e querer assisti-los –

trabalham também com o regime do ajustamento, já que possuem o apelo ao

sensível, através do emprego dos elementos do PE como luz, cor e som.

É importante ressaltar que essa esquematização, embora emblemática, não

será tomada como base para a investigação proposta pelo presente trabalho, visto

que a análise não busca definir regimes de interação, nem as relações

estabelecidas entre eles, mas sim considera o modo de interação por

aproximação, aqui proposto, como etapa que ajuda a revelar o efeito sobre o qual

5 Segue a citação do original em francês: “On a vu en effet que le risque inhérent au régime de la manipulation est de “tomber” dans la programmation, c’est-à-dire de passer d’un régime relativement incertain mais qui, dans cette mesure même, laisse ouverte la possibilité d’effets de sens imprévus, à un univers plus sécurisant mais tendant, à force de redondance, vers l’évidement du sens et la dissolution dans l’insignifiance. Symétriquement, le risque de l’ajustement est de faire basculer dans l’accident et l’insensé”.

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se assenta o esquema de fidelidade. Além disso, o modo de interação por

aproximação encontra eco em vários dos regimes propostos por Landowski. Por

exemplo, a aproximação que se constrói na identidade entre enunciador e

enunciatário, provocada pela confiabilidade da imagem de Silvio Santos, remete

ao regime da programação, que se refere ao hábito. A repetição que reforça a

credibilidade, no entanto, é a mesma que leva ao desgaste do sentido. Daí

decorre o emprego de estratégias de fidelização do público, a fim de não correr o

risco de perdê-lo de vista. Essas estratégias, no entanto, podem remeter tanto ao

apelo ao sensível, através do regime do ajustamento, quanto ao uso da

argumentação, enquadrando-se ao regime da manipulação.

Voltando à caracterização do modo de interação por aproximação,

implantado nos programas de auditório, é possível perceber que, mesmo sendo o

programa gravado, é necessário manter um “efeito de ao vivo”, apagando-se

qualquer marca de distanciamento entre o tempo da produção e o da recepção:

O que muitos programas de TV gravados buscam é, através de

mecanismos de linguagem – estratégias de continuidade –, dar ao espectador a impressão de que estão acontecendo junto com a programação. (FECHINE, 2008, p. 28)

Para exemplificar uma dessas estratégias basta relembrarmos expressões

como: “Não perca ainda hoje, logo após os comerciais” muito utilizadas tanto nos

programas transmitidos ao vivo, quanto nos gravados. Notemos que nas falas do

apresentador dirigidas ao público (platéia e telespectador) há, corriqueiramente, o

emprego do modo imperativo: “não perca”, “assista”, “vote”, “ligue”.

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Além dessas estratégias de organização sintática do discurso, a

instauração de um modo de interação que se funda na proximidade exige

estímulos de ordem sensível, a fim de garantir entre os envolvidos a fidelidade.

Landowski, ao estudar a “teatralização” como uma das formas de significação,

afirma que:

Nós nos reconhecemos mediante uma conjunção com o outro: espectadores sentados em algum lugar da sala e olhando o que diante de nós se representa de nós mesmos, estamos então presentes também em cena, pelo menos desde o momento em que começamos a nos ‘identificar’ com os atores que vemos atuar ali. (LANDOWSKI, 2002, p. 187)

Assim, é possível notar que é adotado um regime de identificação,

construído também em função da adoção do gênero em questão. Podemos

remeter ao capítulo 1, no qual se caracterizou a temática adotada no gênero

programa de auditório para voltar a mencionar que a manipulação é feita não só

pelos conteúdos veiculados – alegria, sucesso, vitória – mas também pelos

estímulos de ordem sensível, postos no PE visual e sonoro.

Além do que já foi exposto, é preciso mencionar ainda que o SBT, em que

os programas de auditório são uma marca, torna-se um canal sui generis em

relação à adoção de jogos de azar. Estes são traços recorrentes da programação

e se consolidam como parte das estratégias de manipulação para obtenção de

audiência e, sobretudo, de obtenção de lucros da emissora. Tal faceta torna o SBT

uma emissora muitas vezes autofinanciável, que, ao invés de vender espaço para

propagandas, veicula e anuncia os próprios produtos. Isso ajuda a construir uma

identidade do canal e delinear o enunciatário que com ele se identifica.

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Os jogos são por definição, caracterizados por um componente lúdico, ou

seja, aliam a brincadeira, o divertimento, à aquisição de prêmios. Com isso, vemos

uma estratégia de passionalizar o enunciatário pelo desejo de vencer e também

de se divertir. Isso é construído no SBT, por meio de uma espécie de venda

casada, na qual a ação de assistir é atrelada à ação de comprar produtos, o maior

deles sendo o “carnê do baú”. Esse consórcio da sorte partiu de uma idéia de

Manoel de Nóbrega, transmitida em 1959 a Silvio Santos, que a aprimorou e

ampliou (cf. SILVA, 2000, p.37). Vejamos o texto de apresentação do Baú, que

consta do site oficial do SBT:

Há 50 anos no mercado varejista, o Baú da Felicidade firmou-se entre os clientes, unindo credibilidade com a imagem de Silvio Santos a uma fórmula original de comercialização de produtos para o lar. Sem similar no mercado, o produto Carnê de Mercadorias, além de um mecanismo simples de incentivo à poupança representa a democratização do crédito e a possibilidade de adquirir bens de forma programada.

Representa, também, a chance de mudar a vida de um cliente que pode ganhar prêmios em sorteios, concursos e promoções especiais e também nos programas atrelados ao SBT.

É uma fórmula consagrada, que já conquistou a simpatia de milhões de pessoas.6 (grifos do autor)

Um dos modos de promoção da identificação entre o público e os

programas é a popularidade do apresentador, construída em pequenos gestos,

que vão da participação numa brincadeira, misturado ao público na platéia, à

assunção de um papel protetor e condescendente, ao prometer mudança de vida

dos participantes pela aquisição de bens de consumo. Assim, num procedimento

circular e cumulativo, quanto mais popular for o apresentador mais se promove a 6 Disponível em: http://www.bau.com.br/site/content/conheca/default.aspx Acessado em: 22/11/08

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identificação e quanto maior a identificação, mais o apresentador se torna popular.

No caso em análise, a popularidade cresce com a extensidade dos programas de

Silvio Santos, pois com isso ele se torna conhecido de várias gerações de

brasileiros. Essa identificação, possível pelo regime de interação entre a platéia e

os atores que atuam diante dela, é responsável pelo sucesso, a permanência dos

programas, e revela a chave do contrato de fidúcia implantado discursivamente

entre os sujeitos que interagem.

Com efeito, o papel de homem do povo atribuído a Silvio Santos aparece

atrelado à ação de ser popular, ou seja, conhecido e admirado por seu público.

Isso se torna possível graças a um jogo de simulação e dissimulação entre esses

papéis. Simula-se a proximidade entre apresentador e platéia e, com isso,

dissimulam-se intenções como a venda de produtos, ou a busca desmedida pela

audiência, que acabam por se dissolver sob o disfarce do entretenimento e da

alegria, percursos temáticos reiterados ao longo dos programas.

3.1.2 A interação por aproximação

Nas aberturas dos programas que compõem o corpus, o apresentador, que

entra triunfalmente, passa a manter o controle da situação, interage

profundamente com o público, que se divide em dois tipos: o que assiste ao vivo à

gravação e aquele que assiste ao programa gravado em casa pela TV. O primeiro

tipo de público constitui a platéia que participa em presença do evento; o segundo

é o telespectador, aquele que é chamado a participar por diversas formas de

interação. A própria necessidade de diferentes nomeações nos aponta para a

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especificidade do tipo de enunciado em análise, uma vez que ele propicia

maneiras diferentes de interação. Com isso, temos um modo de “interação cara-a-

cara”, por parte dos destinatários que se encontram no estúdio no momento da

gravação, e um modo de “interação mediada”, a dos telespectadores. É

interessante perceber que a existência de um auditório em presença na gravação

de antemão contribui para o efeito de participação, uma vez que se projeta no

narratário (platéia) uma imagem fiel do enunciatário. Essa identificação entre um

aqui (o estúdio) e um lá (a casa) reforça a verdade da cena narrada, visto que uma

parcela do auditório tem supostamente acesso à totalidade do que é dado a ver.

Enquanto isso, o telespectador só vê o que é focalizado pelo olho da câmera,

embora tenha também a ilusão de compreender a totalidade, uma vez que por

extensão faz parte do mesmo auditório. A interação destinador-destinatário é

então controladora e cerceadora por parte de quem detém o controle, mas se

assenta sobre o princípio de uma participação igualitária. A existência de

“animadores de auditório”, que atuam no estúdio, guiando as ações e reações da

platéia, é um bom exemplo desta relação. Podemos melhor observar a estratégia

do controle neste trecho da entrevista de Roque (Gonçalo Roque), organizador de

auditório do SBT desde o surgimento do canal:

Na época dos auditórios eu fui o primeiro. Lidar com o auditório, é no gogó mesmo. Você antes bate um papinho com a turma... Pede para a turma: "Olha quando entrar o fulano, vamos aplaudir". Eu fui uma pessoa muitas vezes contratada, quando tinha uns cantores que estavam meio caídos... então eles vinham para o programa e eu levava a mulherada lá pra gritar para eles.7

7Disponível em: http://www.tudosobretv.com.br/histortv/depo/roque/ Acessado em: 19/07/2006.

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No momento da entrada do apresentador, há uma ênfase na utilização do

código verbal, que até então só tinha aparecido com o coro a gritar o nome do

animador. O jogo entre luz e música dá lugar a uma relação entre o verbal (falas

do apresentador) e tomadas de câmera. Assim, todas as vezes em que o

apresentador se refere à platéia a câmera a focaliza. Vejamos: ao mesmo tempo

em que ouvimos a frase: “Nós hoje, com satisfação estamos recebendo a

caravana do Jardim Canaã”, proferida pelo apresentador, temos a tomada de um

grupo de pessoas aplaudindo e vibrando. O som da voz do apresentador, a

imagem das pessoas, os gritos e aplausos em concomitância criam um clima de

festa, onde tudo é repleto de empolgação. Vale ressaltar que esse efeito é criado

pela reiteração de procedimentos das diversas linguagens, que convergem

formando o enunciado sincrético.

O posicionamento do apresentador, no meio do palco e situado bem em

frente à câmera faz com ele se dirija diretamente ao público, construindo o que

Yvana Fechine chama de “modelo enunciativo interpelativo”, característico da

linguagem televisual. Por meio dele, o enunciador:

...reconhece um interlocutor do outro lado da tela, seja por meio de um olhar dirigido diretamente à câmera ou por meio de uma menção verbal direta ao espectador... (FECHINE, 2001, p.394)

Em P3, por exemplo, isso fica claro, num dos momentos em que Silvio

Santos dirige-se diretamente ao público que assiste ao programa pela TV, e além

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de dirigir o olhar à câmera, aponta com o dedo, no exato momento em que

pronuncia a palavra “vocês”:

Vamos continuar perguntando aos telespectadores, quem será que vai gravar o CD do SBT? Quais sãos os três artistas que vocês de casa escolherão, quais os três artistas que receberão a coroa de ouro? (P3)

Assim, nos programas em análise, tanto o auditório quanto os

telespectadores são convocados a participar durante todo o tempo. Em P1, um

aparelho posto no palco para medir a intensidade de palmas da platéia - um

“medidor de palmas’” – compõe uma das notas dos participantes, juntamente com

as notas atribuídas pelos jurados. Constrói-se, então, um efeito de objetividade,

em face da utilização de “recursos científicos”, que garantem a precisão do

julgamento feito pelo público. Outrossim, em P3, duzentas pessoas da platéia

com um aparelho específico votarão, a fim de escolher o melhor participante do

dia. E os telespectadores, através do telefone ou do site, vão eleger o artista que

irá para a final. Durante as apresentações dos artistas, aparece no canto inferior

esquerdo da tela um retângulo com o nome do artista e no canto inferior direito

outro retângulo com o verbo no imperativo “vote”, acompanhado ora do número do

telefone, ora do endereço eletrônico do SBT. Em P4 a repetição da pergunta “topa

ou não topa?” dirigida à platéia é uma das estratégias de participação, assim

como em P2 o diálogo cantado entre Silvio e a platéia simula a participação na

tomada de decisão do apresentador: “(SILVIO) O que é que a gente faz com ela?

(PLATÉIA) Dá o dinheiro pra ela!”. Com isso, percebemos que, nos programas,

seja aplaudindo, respondendo aos coros propostos na platéia, seja em casa,

votando por telefone ou pela internet, o fato é que o enunciado utiliza uma série de

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estratégias para que o público-alvo se sinta parte integrante da cena enunciada.

Para simular essa participação são utilizados como procedimentos o

“palmômetro”, que mede a intensidade de palmas, o aparelho que registra os

votos da platéia que está ao vivo e ainda a contagem dos votos feitos pelo

telefone e internet. Tais procedimentos buscam conferir uma objetividade ao

processo de participação, concretizado na ação de votar, construindo a idéia de

igualdade de oportunidades, visto que, como numa democracia,vence quem

obtiver maior quantidade de votos.

As estratégias utilizadas para a construção de um efeito de participação

resultam de uma determinada forma de interação, que neste caso é a

aproximação, obtida por procedimentos do PE, aliados a determinados

procedimentos do PC.

Tomadas de câmera que aproximam o apresentador e telespectador, por

exemplo, e expressões como “minhas colegas de trabalho”, colaboram para a

instauração de uma interação por aproximação e, por conseguinte, para a

construção do efeito de participação. A forma de interação e o efeito por ela

proporcionado, juntos, formam o que chamaremos de “esquema de fidelidade”,

adotado neste tipo de programa.

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ESQUEMA DE FIDELIDADE

Títulos e slogans têm também importante função nesse esquema. No caso

de P1, no título Gente que brilha já se realiza, por meio da palavra “gente”, uma

aproximação com o público: pessoas comuns, “artistas profissionais e amadores”

podem de um momento para o outro alcançar o sucesso, brilhar! É interessante

perceber que essa gente e sua arte é julgada por uma equipe de jurados, que,

embora não especializada, é ao menos referendada pela fama. Décio Pitinini,

Sheila Melo (ex-integrante do grupo “É o tchan”), Pedro de Lara, entre outros, são

dotados de um “saber-fazer” para julgar as pessoas comuns, que neles se

INTERAÇÃO

EFEITO DE PARTICIPAÇÃO

APROXIMAÇÃO destinador destinatário

RECURSOS � Expressões verbais em primeira

pessoa; � Verbos no imperativo; � Apelo ao sensível (luz, música,

som, cor); � Tomadas de câmera

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espelham ou ao menos os respeitam. Já em P3, o slogan “quem foi rei não perde

a majestade” sugere um resgate do brilho de artistas atualmente desprestigiados

pela mídia, mas nunca “desauratizados”8. Sendo fiel à interação por aproximação,

o programa apresenta vídeos em que tais artistas são focalizados em situações

cotidianas como jantares em família e relação com filhos e cônjuges.

Esse tipo de estratégia pode ser compreendida, teoricamente, através do

conceito de debreagem, que é o mecanismo por meio do qual pessoas, espaços e

tempos são instaurados no enunciado. Uma das facetas da debreagem, como

mostra Fiorin, consiste em “disjungir do sujeito, do espaço e do tempo da

enunciação e em projetar no enunciado um não-eu, um não-aqui e um não-agora”

(FIORIN, 2001, p. 43), embora estes possam se passar por um – eu, aqui, agora –

através da debreagem enunciativa, ou, pelo contrário serem substituídos por um –

ele, lá, então – o que caracterizaria a debreagem enunciva. Os efeitos de sentido

obtidos por meio de tais procedimentos são o efeito de subjetividade, através de

uma aproximação com a enunciação, na debreagem enunciativa, e o efeito de

objetividade, através do distanciamento projetado pela debreagem enunciva:

A debreagem enunciativa e a enunciva criam, em princípio, dois grandes efeitos de sentido: o de subjetividade e o de objetividade. Com efeito, a instalação dos simulacros do ego – hic – nunc enunciativos, com suas apreciações dos fatos, constrói um efeito de subjetividade. Já a eliminação das marcas de enunciação do texto, ou seja, da enunciação

8 O conceito de aura, tal como formulado por Benjamin, serve-me aqui para identificar o resíduo de fama que envolve esses artistas. Como se, uma vez famosos, não fosse mais possível voltar a um estado inicial de não-fama, uma vez que a evocação das imagens guardadas recupera a fama de outrora. Diz Benjamin: “Se chamamos de aura às imagens que, sediadas na mémoire involontaire, tendem a se agrupar em torno de um objeto de percepção, então esta aura em torno do objeto corresponde à própria experiência que se cristaliza em um objeto de uso sob a forma de exercício. Os dispositivos, com que as câmeras e as aparelhagens análogas posteriores foram equipadas, ampliaram o alcance da mémoire volontaire; por meio dessa aparelhagem, eles possibilitam fixar um acontecimento a qualquer momento, em som e imagem, e se transformam assim em uma importante conquista para a sociedade, na qual o exercício se atrofia.” (BENJAMIN, 1985, p.137)

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enunciada, fazendo que o discurso se construa apenas com enunciado enunciado, produz efeitos de sentido de objetividade. Como o ideal de ciência que se constitui a partir do positivismo é a objetividade, o discurso científico tem como uma de suas regras constitutivas a eliminação de marcas enunciativas, isto é, aquilo a que se aspira no discurso científico é construir um discurso só com enunciados. (FIORIN, 2001, p. 45)

As possibilidades de uso do recurso da debreagem são múltiplas, pois:

(...) muito raramente os discursos apresentam apenas um tipo de desembreagem9 e de efeito de sentido. O mais comum é que se misturem e confundam dispositivos, produzindo assim uma grande variedade de efeitos de sentido. Três procedimentos são os mais freqüentes, (...) a) desembreagem interna, (...) dá-se a voz, internamente, em primeira pessoa a um ator. (...) Esse tipo de desembreagem produz, no discurso, o efeito de realidade ou de referente, pois reconstrói o espetáculo. (...) b) desembreagens paralelas ou alternadas, (...) o discurso alterna, por exemplo, desembreagens enunciativas e enuncivas (...), c) embreagem, (...) o texto é produzido com desembreagem enunciativa e, sobre ela, como uma espécie de volta, ocorre uma desembreagem enunciva, e vice-versa. (BARROS, 2003, p. 205)

Para construir o efeito de aproximação, no programa Rei Majestade,

ocorrem debreagens paralelas. Isso se dá por meio do corte da cena inicial e da

projeção dos vídeos, gravados previamente, ou seja, num tempo e espaço em

relação de anterioridade à enunciação. Assim vemos que as debreagens vão

sendo encaixadas. Primeiro há o aqui/ agora do programa que está sendo exibido.

Depois o lá/ então dos outros ambientes mostrados. A debreagem muitas vezes é

enunciva, quando é projetado o espaço do lá – a casa dos participantes, a

academia onde fazem ginástica, o estúdio onde gravam suas músicas – entretanto

a narração em off alterna o uso de debreagens enunciativas e enuncivas, como no

exemplo abaixo:

Wando mora num amplo apartamento de cobertura na Barra da Tijuca e adora olhar a paisagem agradável de sua cidade de adoção. É aqui

9 O termo debreagem também pode admite a grafia desembreagem.

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que o Wando compõe suas novas músicas e revive os grandes sucessos. Além de música, a outra paixão de Wando é a pesca... (P3)

Assim alterna-se o uso do ele (Wando), do lá (o apartamento) com um aqui,

que aparece concomitantemente à imagem do quarto do cantor. O uso do

advérbio marca a aproximação, ao mesmo tempo em que, através das imagens, é

permitida a entrada no espaço íntimo do artista. Além disso, a estratégia de

revelar preferências e gostos dos convidados funciona como um modo de mostrar

que os artistas possuem um cotidiano comum. Se a fama de outrora corre o risco

de afastá-los da realidade do público, a exibição de cenas do dia-a-dia os

humaniza e aproxima.

O efeito de participação, em P3, é também evidenciado pela eliminação do

júri especializado, pois apenas o público tem o poder de escolher os vencedores.

Atribui-se ao público a competência, dotando-o de saberes e poderes. Essa

oportunidade de participação é constantemente convocada e relembrada ao longo

do programa. Afinal é ela quem garante um público fiel e a tão necessária

pontuação no IBOPE. Observemos um trecho de uma fala de Silvio Santos:

Bem, mais uma vez, quero lembrar a vocês do auditório que serão responsáveis pelo artista que neste programa receberá a coroa de prata e vocês de casa que serão responsáveis pelo artista que receberá a coroa de ouro. Aqueles que receberem a coroa de ouro ficarão para as semifinais. Nas semifinais vai haver uma disputa entre aqueles que se apresentaram bem em cada um desses programas. Aí então vocês vão escolher os três que vão gravar o CD do SBT...

Nesse caso é possível observar ainda a distribuição de tarefas específicas

para cada parte do auditório. A platéia elege o melhor da noite e o telespectador

escolhe quem vai para a final. O envolvimento de todo o público é pensado

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cuidadosamente e cada qual, interagindo a seu modo, executa o papel que lhe

cabe. É necessário destacar ainda o relevante papel da mediação do

apresentador para garantir a aproximação. Na maior parte do tempo ocupando o

centro do palco, a conhecida figura de Silvio Santos utiliza falas e gestos há muito

conhecidos pelo público. Em P3, cada participante trava uma amigável conversa

com Silvio, relembrando fatos antigos, da época em que se apresentava no

programa. Já em P1, o apresentador faz perguntas sobre o trabalho dos artistas, a

vida pessoal, alguma piada ou trocadilho com o nome ou o local de onde vem o

participante. Nos dois programas, instaura-se um clima descontraído e informal.

Ao se relacionar com a platéia ou os telespectadores o comandante da cena

também tenta sempre estar próximo, ser amigável e engraçado. A busca pelo

efeito de humor, no entanto, muitas vezes se dá através de um tom irônico ou

cínico, que é justificado pelo querer-fazer rir, aceito contratualmente por

participantes e pelo público.

A relação apresentador-participantes-auditório é toda ela regida pelo

princípio da aproximação e reforça, por conseguinte, o efeito de participação,

reiterado fortemente com a atuação de todos em cena, cantando, dançando,

aplaudindo, exibindo seus números. Ao telespectador em presença mediada cabe

ainda assistir, acompanhar, escolher, telefonar, acessar. Doar ao telespectador

determinadas responsabilidades, torná-lo capaz, competente e envolvido é um

modo de construção da participação observável, inclusive, em outros programas e

emissoras. Para falar do gênero programa de auditório, atualmente10 os

10 Os dois programas apresentaram tais quadros durante o ano de 2007.

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programas “Caldeirão do Huck” e “Domingão do Faustão”, ambos da Rede Globo

de Televisão, apresentam quadros que contam com a mesma estratégia. No

primeiro faz-se a eleição de uma atriz iniciante, que como prêmio atuará na novela

das oito, horário nobre da teledramaturgia. No segundo, o quadro “A dança dos

famosos” realiza uma disputa, que tem como objetivo premiar uma dupla

composta de um ator e um professor de dança. Nos dois, à nota dos jurados

soma-se a nota da platéia. Para além da televisão, as emissoras utilizam ainda

como aliada a internet, estendendo aos seus sites as mesmas estratégias. O

modo interativo típico do veículo preenche a lacuna deixada pela TV, que por sua

vez sempre necessitará de outros meios: computador, telefone, correio, para

receber respostas às questões lançadas no ar. Com isso, através da aproximação

com o público e dessa ilusão de participação, os programas de auditório garantem

a fidelidade do público, conquistam adesão e a tão disputada audiência. A

estratégia da chamada TV interativa não aparece só nos programas de auditório.

Atualmente, o telejornalismo tem feito um largo uso dela. Para exemplificar,

podemos citar o programa Fantástico da rede Globo, que expande sua

permanência no ar ao contar com a continuidade do programa na Internet. Assim,

o “telespectador- internauta” pode dar opinião sobre algum assunto discutido ou

participar de um bate-papo com especialistas. É interessante perceber que a

Internet, mídia mais recente do que a TV, empresta a esta seu modo de presença

interativo11. A própria TV com o advento da TV digital caminha para um modelo

11 Ao adotar cada vez mais um regime que preza a participação do telespectador, a televisão vai modificando o seu regime de presença até chegar mais contemporaneamente, com o avanço tecnológico, à TV digital, que é muito mais próxima do modelo interativo da Internet. Entretanto a migração da TV como a conhecemos hoje para a TV digital está atrelada a questões de mercado e

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interativo muito próximo ao da Internet. Como nos lembra McLuhan: “Nenhum

meio tem sua existência ou significado por si só, estando na dependência da

constante inter-relação com os outros meios“ (McLUHAN, 2003, p.42). Para

pensar ainda a questão da interatividade na TV, vale atentar para a observação de

Lemos:

A televisão tradicional permite uma interação com a máquina tipo analógico-digital (ligar, zappear) sem permitir uma interação direta e mais ampla (que a simples votação por telefone), com o conteúdo das emissões, o que seria uma interatividade eletrônico-digital. (...) A emissão Hugo (jogo eletrônico pela televisão com manipulação do personagem central) incorpora elementos de uma verdadeira TV interativa já que, a partir das teclas do telefone, o espectador se transforma em jogador e modifica o conteúdo da emissão, no caso o resultado do jogo. (LEMOS, 2004, p. 114)

Vê-se, assim, que o contrato fiduciário será estabelecido com êxito, na

medida em que todas as estratégias convergem para a alimentação do crer dos

destinatários e, por conseguinte, influenciam na aceitação do fazer persuasivo a

que são submetidos. Além disso, é estabelecida uma relação afetiva, que através

da “aproximação” entre os actantes promove um envolvimento passional. Este é

também responsável pelo êxito do contrato. Mais adiante, ao examinar a

constituição do éthos e do páthos retornaremos a esta questão.

Ainda que antenados com os modos de operação da nova mídia,

entretanto, os antigos formatos, como o de programa de auditório, mantêm antigas

estratégias, como a ocupação feérica do espaço, dada pela saturação de cores, à própria estruturação da sociedade. Sobre isso vale citar as indagações propostas por Ana Sílvia Médola: “Como pensar os processos de convergência midiática, de migração dos meios analógicos para os digitais sem considerar o alijamento sócio-cultural da massa de excluídos? Quanto tempo a televisão, como conhecemos hoje, irá coexistir com os meios já plenamente integrados em um só suporte, o computador, até que seja plenamente extinta?” MÉDOLA, Ana Sílvia Lopes Davi. Globo mídia center: televisão e Internet em processo de convergência midiática. Disponível em: http:/ www.unicap.br/gtpsmid/artigos/2005/Ana-Silvia.pdf Acessado em: 10/10/2008

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luzes e movimento, e insistem na estrutura de entretenimento: jogos, disputas e

premiações. Símbolos estereotipados como estrelas para figurativizar o brilho em

P1, e coroas como figuras da majestade em P3, que aparecem em vários

formatos e tamanhos, ora concretos no cenário, ora apenas como efeitos de luz,

ora como vinhetas e animações, compõem um estilo visual de gosto kitsch

adotados nos programas de Silvio Santos aqui analisados, mas que não deixam

de figurar em todos os outros do gênero, não necessariamente com a repetição de

elementos figurativos, mas sempre com o procedimento reiterativo de associar o

que se vê ao que se diz. Entretanto, para satisfazer as exigências da

contemporaneidade é necessário mais que isso. É preciso trazer o enunciatário

para o centro da cena. É preciso alimentar a crença nos poderes de escolha e nas

ilusões de participação.

No caso em análise, para alcançar tal fim há como estratégia enunciativa

de sincretização a concomitância que ocorre entre categorias do áudio e do vídeo

e reforça a solidariedade dos elementos do PE e PC. O ritmo, categoria do tempo,

alinhava os elementos na cena através da aceleração e reitera a saturação e o

preenchimento espacial. Há, digamos, um grande excesso de elementos que

organizam o sentido do programa. É esse mesmo excesso que está também no

modo de interação, pois a aproximação, concretizada na familiaridade, na falta de

entraves e fronteiras, caracteriza a intimidade estabelecida entre a emissora de

“que o povo gosta” e seus interlocutores, pois o (tel)espectador deve se identificar

com o que vê e assim reconhecer e legitimar a fala que lhe é dirigida. Nesse

simulado jogo narcísico é preciso fugir do “real intolerável”, de que nos fala

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Barthes (BARTHES, 2003, p. 245), para postar-se, então, defronte à efígie,

grudar-se e confundir-se com ela.

3.2. Reais como atores – éthos e páthos

A semiótica formaliza a discussão da adesão entre sujeitos como um

contrato de fidúcia que se assenta no valor doado aos objetos. A construção do

éthos12 daquele que diz, ou enunciador, feita através de um corpo, de um tom e de

um caráter, está intimamente ligada à obtenção dessa adesão. Na semiótica,

partimos da premissa teórica de que o sujeito da enunciação biparte-se em

enunciador e enunciatário. Os contornos de ambos delineiam-se no interior do

enunciado, uma vez que a projeção de um enunciador acarreta necessariamente a

projeção de um enunciatário, ou mais precisamente, de uma determinada imagem

de enunciatário, o páthos.

O enunciador é aquele que diz e dirige-se ao enunciatário, que ouve, lê, ou

assiste. No entanto ambos, enunciador e enunciatário, são instâncias

pressupostas, já que em qualquer enunciado pressupõe-se o “eu” que fala e

logicamente um “tu” a quem ele se dirige, mesmo que isso seja apagado no

enunciado. A dinâmica estabelecida entre esses papéis desmembra-se nas vozes

do narrador e narratário – eu e tu projetados – e do interlocutor e interlocutário –

12 No artigo “Semiótica e comunicação”, José Luis Fiorin discute o conceito de éthos, segundo Dominique Maingueneau, a fim de estudar a composição do enunciador. Ancoro minha reflexão nesta citação: “Dominique Mainguenau diz que o éthos compreende três componentes: o caráter, que é o conjunto de características psíquicas reveladas pelo enunciador (é o que chamaríamos o éthos propriamente dito), o corpo, que é o feixe de características físicas que o enunciador apresenta; o tom, a dimensão vocal do enunciador, desvelada pelo discurso.” (FIORIN, 2004, p.19)

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eu e tu como personagens que falam em discurso direto (cf. FIORIN, 2004, p.

119). Logo, na materialidade discursiva, sobre a qual o analista se debruça, é

possível encontrar as marcas que reunidas formam um conjunto capaz de

caracterizar os atores da enunciação:

Os atores da enunciação imagens do enunciador e do enunciatário, constituem simulacros do autor e do leitor criados pelo texto. São esses simulacros que determinam todas as escolhas enunciativas, sejam elas conscientes ou inconscientes, que produzem os discursos. Para entender bem o conjunto de opções enunciativas produtoras de um discurso e para compreender sua eficácia, é preciso apreender as imagens do enunciador e do enunciatário, com suas paixões e qualidades, criadas discursivamente. (FIORIN, 2008a, p. 161)

Para chegar à imagem dos atores da enunciação, ou seja, ao éthos e

páthos, é preciso ter em mente que não se trata da caracterização dos

interlocutores, personagens que aparecem recheados de características físicas e

psicológicas. A esse respeito, cabe observar o alerta feito por Fiorin, ao apontar a

problemática distinção entre o caráter do enunciador e do narrador, e a pista

deixada por Greimas para solucioná-la:

(...) o enunciador tomado como ator da enunciação se define pela totalidade de sua obra. Quando analisamos uma obra singular, podemos definir os traços do narrador, quando estudamos a obra inteira de um autor é que podemos apreender o éthos do enunciador “. (FIORIN, 2008a, p.141)

Neste trabalho, em que se pretende caracterizar o éthos do enunciador, o

corpus, embora não apresente à exaustão todo o conjunto dos programas de

auditório apresentados por Silvio Santos, é tomado como uma totalidade, visto que

é uma representação significativa da referida produção. Entender o conjunto de

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programas como totalidade é possível, na medida em que compreendemos as

diferenças e semelhanças entre esse conjunto e muitos outros possíveis:

Não podemos esquecer que a totalidade, de que se depreende um estilo é, em princípio, determinada diferencialmente. Falamos de relações de semelhança e diferença entre x e y, sendo que as primeiras são necessárias para que as segundas se realizem. (DISCINI, 2004, p. 117)

A partir das considerações de Discini sobre a questão das totalidades, é

importante ressaltar que os programas de auditório do SBT, tomados como

totalidade, permitem a depreensão do éthos do enunciador e a caracterização de

um estilo.

Para caracterizar, então, éthos e páthos é preciso ainda atentar para a

relação entre o dito, que pertence à instância do enunciado, e o dizer, que

pertence à instância da enunciação. Dessa relação depreende-se o caráter

daquele que diz, implícito justamente no modo como constrói o dizer, pois “o éthos

explicita-se na enunciação enunciada, ou seja, nas marcas da enunciação

deixadas no enunciado” (FIORIN, 2008a, p.139). Para caracterizar o éthos faz-se,

então, necessário examinar as marcas recorrentes deixadas na materialidade

discursiva da totalidade, tais como: a) o elemento composicional do discurso, b) a

escolha do assunto, c) a construção dos personagens, d) os gêneros escolhidos,

e) o nível de linguagem empregado, f) a figurativização, g) os temas e as isotopias

(Cf. FIORIN, 2008a, p. 143).

Para isso passo, agora, ao exame da categoria enunciativa da pessoa,

através da observação da construção dos atores do enunciado e da relação

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estabelecida entre enunciador e enunciatário, através das projeções do éthos e do

páthos:

A actorialização é um dos componentes da discursivização e constitui-se por operações combinadas que se dão tanto no componente sintáxico quanto no semântico do discurso. Os mecanismos da sintaxe discursiva, debreagem e embreagem, instalam no enunciado a pessoa. Tematizada e figurativizada, esta converte-se em ator do discurso. (FIORIN, 2001, p.59)

No corpus em análise, a caracterização do éthos de Silvio Santos ajuda a

delinear a imagem do enunciador. Não me refiro ao Silvio Santos real, um homem

nascido na Lapa (Rio de Janeiro), filho de pai grego e mãe turca, 77 anos, cujo

verdadeiro nome é Senor Abravanel. Trato da imagem de “apresentador”

projetada nos programas de auditório do SBT, e da sombra da imagem de

empresário e proprietário do SBT que também aparece projetada na rede

discursiva que daí decorre. Afinal, de que Silvio Santos estamos falando, daquele

que se coloca como autoridade e centro de decisões e ações do SBT, ou do

apresentador carismático e piadista?

Sempre trajando sóbrio terno e gravata, Silvio Santos é dono de voz e

gargalhada inconfundíveis, amplificadas através de um microfone preso junto à

gola da camisa. Esse microfone, bastante ultrapassado diante da tecnologia atual,

acompanha o apresentador desde sua estréia na TV. As qualidades físicas, que

ajudam a compor o “personagem” Silvio Santos, criaram tamanha identidade ao

SBT – emissora de propriedade do empresário Silvio Santos – que, atualmente,

os apresentadores cotados como seus possíveis sucessores – Gugu Liberato e

Celso Portioli – imitam seus trejeitos, roupas e voz:

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No conjunto de programas nota-se que, ao entrar no palco, o apresentador

dirige um olhar firme para a câmera, esta, na maioria das vezes, o focaliza em

plano americano13. No enunciado é projetado um interlocutor, que instaura como

interlocutários o auditório e os participantes. Assim, o enunciador do programa

projeta o apresentador como narrador, pois é quem organiza a cena e dá a

palavra aos demais participantes, no entanto ele também desempenha um papel

temático de interlocutor, através dos diálogos e da interação com a platéia. Os

telespectadores, também projetados no interior do enunciado, sincretizam os

papéis de narratários, quando não tomam a palavra, e interlocutários, quando

realizam participações por telefone, internet e cartas. No exemplo 1 (abaixo),

evidencia-se a participação do telespectador. Ele deverá escolher quem “receberá

a coroa de prata” e para isso terá que telefonar ou mandar e-mail. A transmutação

do narratário em interlocutário é característica da TV contemporânea que cria,

através da delegação de tarefas ao telespectador, um efeito de participação,

responsável por estabelecer uma imagem de interatividade e, conseqüentemente,

garantir a fidelização. Com isso, refuta-se atribuir ao telespectador um papel de

passividade e ele se torna também responsável pelo desenrolar dos

acontecimentos.

O interlocutor dirige-se aos dois interlocutários em momentos específicos e

inclusive nomeia-os de forma diferente. O auditório ao vivo na gravação,

composto majoritariamente por mulheres, recebe a alcunha de “minhas colegas

de trabalho”, enquanto o público que assiste à TV é chamado de “querido

13 “Plano Americano. Tipo de captação de imagem, em que o artista só aparece do busto para cima. No cinema é do joelho para cima”. (ROITER; TRESSE. 1995, p. 92)

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telespectador”. A expressão adotada para se referir à platéia ao vivo instaura uma

relação mais direta e cria uma aproximação. Além disso, por estar no feminino,

restringe e caracteriza precisamente o interlocutário. Já a expressão “querido

telespectador” é mais abrangente e instaura um maior distanciamento. O

apresentador toma a palavra em primeira pessoa. Faz uso da norma culta real14 e

emprega um tom que oscila entre uma seriedade didática, ao explicar as regras

de um jogo, e o humor sarcástico ou cínico ao dirigir piadas de duplo sentido a um

jurado ou participante:

Bem, mais uma vez, quero lembrar a vocês do auditório que serão responsáveis

pelo artista que neste programa receberá a coroa de prata e vocês de casa que serão responsáveis pelo artista que receberá a coroa de ouro. Aqueles que receberem a coroa de ouro ficarão para as semifinais. Nas semifinais vai haver uma disputa entre aqueles que se apresentaram bem em cada um desses programas. Aí então vocês vão escolher os três que vão gravar o CD do SBT... (P3)

Silvio: Você está vendo, Pedro, que o Décio e a Sônia estão com mania de grandeza. Estão dando dez estrelas a torto e a direito. Agora é a sua vez, você é o torto e o direito.

Pedro de Lara: Eu tenho que dizer a você, cada um dá o que quer!

Silvio: Cada um dá o que quer, claro! É verdade, neste programa, todos têm liberdade...cada um dá o que quer!

[risos] (P1)

A suposta seriedade de Silvio, no entanto, não é abalada por ocorrências

tais como o duplo sentido atribuído ao verbo dar, e ele aparece como o

14 Fiorin estuda as relações entre o que chama de “norma culta real” e “norma culta escolar”, para diferenciar o uso da língua nos jornais O Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo. No primeiro, “Os textos são escritos no que se poderia denominar a norma culta escolar. Os períodos são mais longos e a sintaxe, mais complexa.” Já na Folha, “Os textos são escritos no que se poderia chamar de norma culta real. Os períodos não são muito longos” (FIORIN, 2004a, p. 25). Assim, observamos, nos programas em análise, o uso da “norma culta real”, ou seja, o registro se dá dentro da norma culta, porém num uso dotado de maior informalidade e menos rebuscamento do que na “norma culta escolar”. Entretanto, não há uma transgressão às regras propostas pela normatividade, o que caracterizaria o registro popular.

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“apresentador da família brasileira”, ou seja, um homem respeitável e respeitoso,

que estabelece uma intimidade com o público e participantes de maneira bem

humorada e afetuosa. Mesmo quando constrange um convidado com algum

trocadilho em função de seu nome, profissão, ou local onde reside, o tom de

brincadeira suaviza as afirmações do apresentador, que mantém sempre o

controle da situação, seja ditando o tom e o tema dos diálogos, fazendo perguntas

que conduzem à resposta desejada, ou ainda, proferindo julgamentos e juízos de

valor. Estabelece-se um confronto entre as instâncias do dito e do dizer. No dito,

as piadas, os trocadilhos. No dizer a emersão da figura de líder, de comandante.

No caso de Silvio, o comandante não só do programa, mas também da emissora,

daí resultando o papel temático de “patrão”, que ele habilmente acumula com o de

animador.

Com efeito, constrói-se um éthos masculino e tradicional, protótipo do homem

bem sucedido, que sabe e pode dizer o que quiser. O tom de ensinamento

permeia as falas do apresentador e projeta um “enunciatário-discente”, pronto a

seguir as estratégias propostas e com isso ser sancionado positivamente, através

de prêmios em dinheiro, eletrodomésticos, casas, entre outros. Observemos o

trecho abaixo:

Bem você vai ver agora alguém ganhando um milhão de reais! Tomara! Tomara que aconteça. Aqui neste cofre, como vocês sabem, estão as vinte e seis maletas. Vinte e seis maletas com importâncias diferentes, de cinqüenta centavos até um milhão de reais. Muita gente pergunta pra mim: - Como é que eu posso me inscrever? Entre no site do SBT. E, se você tem coragem – não é pra desistir com cinco ou oito mil reais, não – se você tem coragem, inscreva-se que você pode ganhar um milhão de reais. Você pode ser o próximo milionário! E você já sabe que o SBT já fez cinco pessoas ganhar um milhão de reais. Pode ser que hoje nós consigamos fazer o sexto milionário. (P4)

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A cena descrita se passa nos segundos que precedem o início do

programa Topa ou não topa. O apresentador encontra-se sentado dentro de um

cofre, no qual se guardam as maletas numeradas a serem usadas segundos

depois no programa. A câmera o focaliza em close e plano americano. Ele dirige

o olhar diretamente para a câmera e gesticula bastante. A câmera também

focaliza, bem de perto, as maletas numeradas. A luz não é forte e cria um efeito

de penumbra. Toca uma música instrumental, no estilo de suspense, durante todo

o tempo. O pequeno exemplo serve para elucidar algumas características do

páthos do enunciatário. Como a cena é gravada antes do programa, ela se volta

exclusivamente ao narratário (telespectadores), que é convidado a participar, a

assumir o papel de interlocutário. O programa Topa ou não topa é um game-show

e, em virtude disso, após a entrada no palco o apresentador vai se dirigir quase

exclusivamente à platéia e aos participantes do jogo. Isso é uma característica da

estrutura composicional desse subgênero, que resulta numa interação mais

amena entre o apresentador e o telespectador. Daí a necessidade de inserção de

uma espécie de prólogo, com a função de prestar esclarecimentos sobre como

fazer para se inscrever no programa e ampliar a credibilidade ao focalizar as

maletas em lugar seguro, o cofre. O diálogo é instaurado exclusivamente com o

telespectador, segundos antes de o programa efetivamente começar. O tom

adotado, neste momento, é de seriedade e aconselhamento. O interlocutário é

tratado como um antigo conhecido por já possuir várias informações que são

relembradas, juntamente com algumas poucas novidades, é também incentivado

a participar e a desejar o vultoso prêmio de um milhão de reais. Adota-se como

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estratégia a massificação da informação, note-se que apenas neste pequeno

trecho, a expressão “um milhão de reais” foi repetida quatro vezes. O repetitivo

discurso do interlocutor reforça, confirma e chama atenção para a informação.

Busca-se atrair o interlocutor, mas ao mesmo tempo dá ao discurso um tom

paternal, no qual é preciso repetir a ordem. Por outro lado, a repetição revela o

tipo de público a que se dirige: que não entende a informação pela primeira vez,

ou que precisa ter certeza do que o outro diz.

O páthos é, dessa forma, caracterizado como o de pessoas de classe

baixa, que têm necessidade de obter como prêmios “uma casa própria no valor de

quarenta mil reais”, “um carro zero quilômetro”, “um refrigerador”, ou “um milhão

de reais”. Este último prêmio é o ponto alto das premiações do SBT. O

interlocutário é manipulado por tentação através de construções como “se você

participar, pode ser o próximo ganhador” e para isso é preciso acreditar. A

garantia de realização concreta da vitória é a divulgação das cenas dos

vencedores como, por exemplo, a estatística dos cinco premiados com um milhão,

exaustivamente apresentada através de uma propaganda transmitida entre

outubro e dezembro, sobre a qual já fiz referência no primeiro capítulo.

A base da crença é, por conseguinte, o sonho e a ilusão, muito próximo ao

discurso de auto-ajuda do tipo “desejar é conseguir” ou “querer é poder”. No

entanto, para a realização desses sonhos e a obtenção dos prêmios, o

interlocutário precisa agir inscrevendo-se nos programas e participando, ou seja,

sendo corajoso. Não há espaço para o posicionamento crítico ou a discordância,

busca-se a adesão cega, semelhante ao contrato da crença religiosa, sustentado

dogmaticamente pela fé. Com efeito, projeta-se um páthos carente, movido não

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apenas pelo querer, mas primordialmente pela necessidade. O diálogo

estabelecido entre Silvio Santos e uma participante do programa Topa ou não

topa evidencia um descompasso entre o páthos projetado e a situação financeira

da interlocutária:

SILVIO: Você só tem um marido e um filho? LUCIANA: Só um. SILVIO: Ainda bem, não? LUCIANA: Graças a Deus. SILVIO: Você o que faz da vida? LUCIANA: Sou advogada, Silvio. SILVIO: Gostei desse seu...do seu corpete. O que é isso? É chinês? LUCIANA: É... é... chinês, chinês... SILVIO: Comprou na China?

LUCIANA: Comprei. SILVIO: Você “teve” na China? LUCIANA: “Tive”.

SILVIO: “Teve” na China...Ela é rica, não precisa de um milhão de reais, não, ela “teve

na China! [risos] (P4)

A observação feita pelo apresentador provoca o riso da platéia e

desconcerta a participante. O riso cúmplice deixa transparecer o tipo de relação

instaurada entre interlocutores e revela a chave sobre a qual se assentam as

estratégias argumentativas do enunciador, qual seja a sólida construção do éthos

e, por outro lado, um páthos delineado com precisão.

No programa em análise corrobora para esta conjunção e,

conseqüentemente, identificação, a construção da imagem do apresentador. Silvio

Santos possui a mesma caracterização física desde seu aparecimento na TV. Sua

risada é um tipo de marca registrada, a voz marcante e trejeitos inconfundíveis

compõem um estilo próprio muito singular, formando o éthos do comunicador.

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Através de sua vestimenta, ele sustenta uma imagem convencional e tradicional,

que muitas vezes destoa do gosto duvidoso de suas piadas. Com isso, mantém

uma suposta seriedade, não se rendendo a um estilo carnavalesco, mas ao

mesmo tempo apresentando uma dose de cinismo na sua relação com o público,

jurados e participantes dos programas. Este comportamento oscilante, no entanto,

em nada desautoriza ou desqualifica a fala do apresentador, que, colocado no

centro do foco, é a autoridade máxima do espetáculo. A esta imagem solidamente

construída soma-se a história de vida do apresentador, sendo ela mesma

mitificada, como a história do menino de origem humilde que por esforço e mérito

próprio se torna um dos homens mais ricos do país. O percurso de passagem da

pobreza à riqueza, tomado como feito heróico, ressoa na figura de Silvio Santos,

posto que se encontra armazenado na memória discursiva do público. Com efeito,

instala-se aí um jogo de alternância de vozes e papéis entre o personagem

(apresentador) e o próprio apresentador do programa, no qual cada um funciona

como espelho e reflexo do outro.

Observar a dinâmica desse jogo ajuda a compreender a construção do

enunciador, entendido como a imagem de um eu, pressuposto ao enunciado.

Assim, nesses programas de auditório, o comunicador funciona como narrador e

interlocutor e as suas características fornecem pistas sobre o éthos do enunciador.

Este, por conseguinte, se refere a um enunciatário, um tu, também projetado no

interior do discurso como interlocutário. A imagem de enunciatário construída pelo

enunciador, ou o páthos do enunciatário, é que garante a eficácia discursiva, já

que maior será a funcionalidade do discurso, quanto maior identificação houver

entre o éthos e o páthos:

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A eficácia discursiva está diretamente ligada à questão da adesão do enunciatário ao discurso. O enunciatário não adere ao discurso apenas porque ele é apresentado como um conjunto de idéias que expressam seus possíveis interesses, mas sim, porque se identifica com um dado sujeito da enunciação, com um caráter, com um corpo, com um tom. Assim, o discurso não é apenas um conteúdo, mas também um modo de dizer, que constrói os sujeitos da enunciação. O discurso, ao construir um enunciador, constrói também seu correlato, o enunciatário. (FIORIN, 2008a, p.157)

Com isso, percebe-se que o modo de construção da imagem de Silvio Santos

colabora no estabelecimento do esquema de fidelidade, na medida em que

promove a identificação necessária para mobilizar passionalmente o sujeito

espectador, pois o “apresentador da família brasileira” demonstra intimidade na

sua relação com o público. Quanto ao “querido telespectador”, vê-se representado

e sente-se próximo. Só lhe resta rir das piadas, comprar os produtos, jogar os

jogos e com isso garantir a audiência. O enunciador que pretende “dar ao povo o

que o povo quer” revela, então, boa estratégia argumentativa, pois entende ser

necessário conhecer as carências de seu auditório, a fim de agradá-lo e,

conseqüentemente, convencê-lo.

Quanto ao páthos projetado, temos a imagem da família que se reúne em

frente à televisão e assiste a uma encenação. Nela determinado objeto-valor é

oferecido ao telespectador com o intuito de fazê-lo aceitar contratualmente o que

lhe é proposto. Para isso, é necessário fundar um regime de interação calcado na

identidade. Assim, se o páthos construído pelo Programa Silvio Santos

caracteriza-se como o do “povo”, ou seja, pessoas simples, pertencentes aos

setores menos privilegiados econômica e culturalmente, é preciso observar em

que medida a construção do éthos também se dá através deste conceito de

“popularidade”. Landowski ao estudar as “formas de popularidade” chama atenção

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para o fato de que para ser popular, ou seja, conhecido e amado pelo povo, o

sujeito famoso, marcado pela notoriedade, precisa deixar-se conhecer de forma

íntima:

Dizemos conhecer nossos amigos ou próximos e – o que é quase a mesma coisa – que os “amamos” (ou detestamos), a proximidade no plano cognitivo traduzindo-se então por si mesma num elo (valorizado positiva ou negativamente) no plano afetivo. Mostrar-se aberto a todos, apresentar-se para o maior número possível sem a máscara profissional, deixar-se perceber em sua verdadeira identidade ou pelo menos dar a impressão disso: assim se cultiva, além da notoriedade, uma forma de adesão fundada no sentimento de uma familiaridade interindividual, se possível matizada de “simpatia”. (LANDOWSKI, 2002, p.190)

No caso em estudo, podemos citar como exemplo o fato de todos os

telespectadores terem conhecimento sobre o que deveria ser uma particularidade

de Silvio Santos: o nome de seu cabeleireiro. Jássa, citado freqüentemente no ar,

transformou-se em um personagem das narrativas e piadas de Silvio. Observemos

o trecho da reportagem publicada na Folha online de 31 de agosto de 2001, que

descortina a intimidade de Silvio:

Quando está no Brasil, sua rotina é quase sempre a mesma. Acorda cedo, por volta das 6h, e faz exercícios -cerca de uma hora de esteira e flexões. Ele não lê jornais. Diz ter alergia à tinta. Nos dias em que grava seus programas, passa antes, por volta das 7h30, no salão de Jassa -onde arruma o penteado e, a cada 15 dias, tinge o cabelo com uma mistura de dois tons de loiro. Chega ao SBT às 10h e sai de lá no máximo às 19h. Às 20h, janta com a família em sua casa, no Morumbi. Nos dias em que não grava, costuma despachar em seu escritório, no Ibirapuera.15

15 “Silvio Santos evita andar com segurança”.

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u36094.shtml

Acessado em: 18/11/2008

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Saber, então, que o milionário empresário usa no cabelo “dois tons de

loiro”, ou ainda de suas alergias, funda a “familiaridade individual” que colabora na

consolidação de um corpo e um caráter. Essa forma de popularidade é bastante

difundida no show business atual, através da promoção das chamadas

celebridades, que freqüentemente revelam dados de sua vida íntima nos

programas de TV, sites, jornais e revistas. Isso, de certa maneira, também reflete

a dissolução das fronteiras entre espaço público e privado, que caracteriza um

modo contemporâneo de interagir, revelado em blogs que relatam e expõem

imagens da intimidade, sites de relacionamento e até mesmo nas conversas entre

amigos, que costumeiramente relatam em público detalhes da vida íntima.

Para a semiótica o movimento do homem no mundo, nas suas práticas

sociais, é semelhante ao dos artistas em suas encenações, já que se pratica uma

construção de simulacros. Neles cada sujeito projeta e, ao mesmo tempo,

interpreta a imagem de si e do outro. No caso do Programa Silvio Santos, em que

a construção do éthos possui uma eficiência muito grande, podemos ver uma

fusão entre as imagens do apresentador, do patrão e de uma suposta projeção do

homem Silvio Santos, construída textualmente pela sincretização entre os papéis

de narrador e interlocutor.

Assim, o narrador Silvio Santos projetado tematicamente como patrão, dono

e responsável pelo que é transmitido, é também o interlocutor quando diante das

câmeras toma a palavra para dialogar seja com Pedro de Lara diretamente, por

exemplo, seja para se dirigir a “vocês aí de casa”, projetando como interlocutores

os telespectadores. Contudo, durante a atuação de interlocutor, Silvio Santos diz o

nome de seu cabeleireiro, de suas filhas e esposa, a fim de matizar este narrador

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com as cores da intimidade e com isso favorecer a construção da identidade.

Pode-se perceber que a um éthos constituído pelo gosto em revelar os detalhes

da intimidade corresponde um páthos que sente prazer em espreitar e aí se

instaura uma parceria.

3.2.1 - A relação éthos / páthos – um caso de (in)fidelidade?

Uma das questões centrais deste trabalho é a questão da fidelização do

público que permite ao Programa Silvio Santos estar há quase meio século no ar.

No entanto, o estilo do SBT, construído pela imagem de Silvio Santos e sua

maneira de fazer TV, pode nos levar ao questionamento dessa fidelidade. Isso se

dá pela instabilidade da grade de programação, que promove a surpresa no

telespectador e pode gerar a paixão complexa da frustração, que se dá no arranjo

de duas modalidades, querer e não-poder assistir ao programa desejado. A

existência de um público fiel para além da instabilidade e muitas vezes incoerência

da programação revela também importantes características desse páthos. O

sujeito que diante da TV percebe que o seriado que vem acompanhando, há

semanas, saiu sem qualquer aviso prévio do ar, sente-se traído? E o que dizer das

intermináveis repetições de programas e filmes, marca estilística do SBT? Daí

podemos depreender o páthos projetado, qual seja o sujeito moldado ao “estilo”

SBT, que não se importa ou se importa pouco diante das surpresas a que é

submetido.

A grade de programação do SBT é marcada pela projeção da subjetividade.

A imagem construída corrobora a centralidade do poder, estando tudo, no SBT,

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nas mãos do “patrão”.O enunciador projeta um “eu” que fala e toma as decisões

de maneira absolutista. Essa exacerbação da subjetividade diferencia o SBT das

demais emissoras brasileiras, todas elas compostas por uma diretoria. Assim,

enquanto o enunciador “TV Globo”, por exemplo, é fragmentado, sendo difícil

concretizar quem está por trás de uma decisão ou outra, no SBT há uma

concretização do enunciador que toma corpo e voz através da projeção do

narrador Silvio Santos. Este decide quem entra e sai do ar e quando, ou ao menos

esse é o efeito de sentido construído. Numa comparação inevitável entre as

emissoras Globo e SBT teríamos os efeitos de objetividade e distanciamento na

primeira, de modo que os “fatos pareçam narrar-se a si mesmos, sem

aparentemente um narrador instalado no discurso” (DISCINI, 2004, p. 156),

construído através do apagamento das marcas de subjetividade, contra

subjetividade e aproximação na segunda, justamente pela exacerbação das

marcas referentes ao enunciador. Vejamos abaixo algumas ocorrências.

Entre os meses de junho e julho de 2008, a mudança de horário do

programa apresentado por Hebe Camargo das 22 para as 23 horas causou

polêmica. A apresentadora, que está na emissora desde 1986, chegou a reclamar

no ar. Algumas semanas após e com uma queda significativa de pontos no

IBOPE, o programa foi apresentado às 20h., o que agradou à apresentadora e

rendeu alguns pontos a mais na audiência. Entretanto, a passagem das 23h para

as 20h foi anunciada por uma propaganda, na qual um narrador em off dizia: “A

Hebe reclamou e seu programa muda de horário”. A construção do enunciado faz

uma espécie de mediação, através da instância da narração, entre a reclamação

de Hebe e a tomada de decisão da emissora.

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O que observamos nessa narrativa é que, quando Hebe reclama no ar,

dirigindo-se à câmera com o dedo em riste, ela faz referência ao Silvio Santos em

seu papel temático de patrão. Assim, ele é projetado no discurso como aquele que

tem o poder de decidir. Hebe, imbuída da autoridade de apresentadora

consagrada, demonstra coragem por questionar a ordem recebida. Toda essa

polêmica narrativizada pela reclamação de Hebe e pela propaganda pode ser

também acompanhada pela mídia impressa, através de revistas e sites, muitos

deles especializados em fofocas de bastidores. Assim, observa-se uma narrativa

interna construída pelo SBT e uma narrativa paralela sobre o SBT, em que ecoam

os acontecimentos presenciados ou não pelo público. Há aqui, e particularmente

no episódio de Hebe Camargo, um efeito suplementar de briga familiar, de

intimidade dada a ver que reforça a ligação entre emissora e público.

Através dessa ocorrência, é possível delinear melhor a diversidade de

papéis desempenhados por Silvio – narrador/ interlocutor – como um traço

marcante do estilo da emissora. A exacerbação do efeito de subjetividade é

também utilizada a favor do estabelecimento da fidúcia, visto que as narrativas

podem ser acompanhadas pelo público como uma novela paralela à programação.

As polêmicas em torno dos apresentadores Ratinho e Adriane Galisteu, por

exemplo, rendem matérias em revistas e suplementos de jornais. O trecho da

matéria “Mudanças de grade agitam bastidores do SBT”, publicada na Revista da

TV do jornal O Globo de 31 de março de 2008 é emblemático:

Galisteu, por exemplo, gravou normalmente o ‘Charme’ na segunda-feira retrasada, mas no dia seguinte, foi avisada que sua atração seria suspensa por tempo indeterminado. Uma semana antes, o programa havia passado para as madrugadas e mudado de horário pela 19ª vez. A apresentadora tentou encarar tudo com bom humor e passou a comandar o “Charme” de pijama e pantufa. Aos jornais e sites dizia que ”a única

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coisa que tinha certeza é de que cumpriria o contrato com o SBT até outubro”. Silvio Santos não gostou do figurino – e muito menos das declarações – e aproveitou a saída do ‘Fantasia’ da grade para cancelar também o “Charme.”16

Expressões como “Silvio Santos não gostou” constroem a imagem de um

canal de TV dirigido em função dos estados de alma de seu proprietário. A

subjetividade resulta num efeito de aproximação, o que nos remete ao esquema

de fidelidade, com a ressalva de que desta vez, à aproximação entre os

interlocutores (apresentador e platéia/ telespectadores), soma-se a instância

narrador e narratário (patrão/ empregada)instituída nos textos que relatam os

acontecimentos e mesmo nas falas e gestos das apresentadoras, que constroem

uma narrativa.. A saída de Charme da grade se deve a uma narrativa que subjaz

ao programa, sem deixar de ser textualizada no figurino da impetuosa

apresentadora, sancionada, por isso, negativamente.

Essas diferentes instâncias de atuação e representação do enunciador

caracterizam o éthos discursivo, também responsável pela composição do estilo

da emissora e, ao mesmo tempo, projeta um páthos, caracterizado em função do

contrato firmado em aproximação e subjetividade. As intrigas e notícias que vêm a

público, funcionando como eco do que se pode ver e ouvir diante da TV, são

acompanhadas pelos leitores e telespectadores que se juntam num páthos

constituído de gosto pela intriga, pelas relações pessoais e pela exposição da

intimidade. Aqui é possível traçar uma analogia entre o éthos do SBT e o éthos da

imprensa popular, demonstrado por Norma Discini. A autora retoma Bourdieu

(1979), que “comenta o franco-falar, ou o falar sem censura, aliado ao franco- 16 Disponível em: www.oglobo.globo.com/ cultura/revistadatv Acessado em: 10/11/08.

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comer, ou comer sem preocupação de polidez, como constituintes de um estilo de

vida” (DISCINI, 2004, p.129). Esse, digamos, estilo franco, próprio ao que é

popular, pode ser observado no SBT, através de uma simulação de franqueza

presente nos comentários do apresentador, na reclamação de Hebe ou no pijama

de Galisteu, por exemplo. Insistindo ainda nas reflexões de Discini, pensamos na

“voz discursiva que grita” (cf DISCINI, 2004, p. 129) presente na imprensa popular,

possível de ser percebida também no tom das intrigas que ocupam a cena central

no SBT. Mais adiante voltaremos a essas e outras questões levantadas por Discini

em relação ao éthos e ao estilo.

Ao caracterizar o gênero Programa de Auditório e ao pensar sobre um estilo

SBT, a busca desmedida pela audiência já foi mencionada. Entretanto, algumas

considerações ainda cabem aqui. Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que o

“honroso” segundo lugar tão proclamado pelo SBT, ao longo de sua história e

atribuído ao estilo popular adotado pela emissora, vem sendo ameaçado há pelo

menos dois anos pela TV Record.17 A perda nos números gera ainda mais

mudanças na grade. Assim, com tamanhas disparidades na programação, qual é

o público que consegue resistir e quais estratégias de fidelização são adotadas?

O Programa Silvio Santos voltou a ocupar quase toda a programação de

domingo, trazendo de volta boa parte dos antigos quadros, como o “Segredo

musical” e “Topa tudo por dinheiro”. Este último retomou os polêmicos aviõezinhos

de dinheiro que Silvio lança para suas “colegas de trabalho”, atração diversas

17 A Rede Record está no ar desde 1953 e apresenta, assim como o SBT, um estilo voltado ao público popular, através de programas de variedades, notícias de variedades e também de telenovelas. Desde 2005 vem se consolidando como a vice-liderança da TV brasileira, numa disputa acirrada com O SBT. Um espaço de sua programação veicula a programação da Igreja Universal do Reino de Deus.

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vezes alvo de críticas. Faz-se, outrossim, a reprise de atrações antigas como as

reaproveitadas “pegadinhas”. Assim, vê-se que uma das estratégias adotadas é a

revitalização do contrato de fidúcia, através do retorno ao já-dito, que

insistentemente se repete. Aliás, a repetição também pode ser considerada uma

das marcas do estilo SBT e se dá não só nos programas de auditório, mas em

toda a grade de programação. Duas ocorrências merecem atenção. O programa

Chaves 18e a novela Pantanal19.

Um dos grandes trunfos do SBT, por mais curioso que possa parecer, é o

programa humorístico destinado ao público infanto-juvenil chamado Chaves, que

está no ar desde 1984, sendo reprisado exaustivamente. Observemos na notícia a

seguir o efeito que tem tal programa no SBT.

Chaves", arma antiga do SBT na briga pela audiência, ataca novamente. Nesta quarta, o seriado mexicano garantiu um empate no horário das 12h45m. De acordo com o Ibope, "Chaves" obteve 8 pontos, mesmo número da Globo, que exibia "Globo Esporte" e a Record, com o "Balanço geral".20

A estratégia da repetição de programas e filmes é utilizada sem pudor pelo

SBT. A reprise da novela Pantanal, produzida pela extinta Rede Manchete e

exibida no ano de 1990 é um bom exemplo. Essa estratégia rendeu IBOPE e

18 Constam na programação do SBT, disponível no site oficial ,três apresentações do programa “Chaves” em 10/12/08: 7h, 12h e 45min e 18 e 15 min. Disponível em: http://www.sbt.com.br/programacao/ Acessado em: 10/12/08

19 Vale aqui uma ressalva e justificativa pela citação de episódios sobre a programação geral do SBT, estendendo as conclusões sobre os programas que compõem o corpus. Por um lado, os programas estão inseridos em uma grade dotada de coerência, (a incoerência lógica dos horários é uma forma coerente de construir o perfil da rede) sendo, portanto, importante examinar a seqüência da programação; por outro lado, a busca pela caracterização de um estilo que confere uma unidade ao canal justifica a preocupação, ainda que sem aprofundamento, com a totalidade. 20 Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/kogut/post.asp?cod_post=106560 Acessado em 09 de novembro de 2008

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causou polêmica em relação aos direitos de exibição das imagens e aos cachês

dos atores. Abaixo, tomarei para análise o trecho de duas cartas publicadas na

seção “opinião” da Revista da TV do Globo de 9 de novembro de 2008:

Pantanal

Concordo com a leitora Regina Castilho (edição de 02/11) sobre a reprise de “Pantanal”. É um desrespeito a nós, telespectadores, a insistência em tanta repetição de capítulos! Além de reprisar a novela num horário tardio, ainda nos deparamos com essa chateação. Aline Nolasco

Sou uma senhora de 68 anos e vejo televisão o dia todo. “Pantanal” é

uma grande alegria. Parabéns a Cláudio Marzo e a todos os artistas que trabalham nesta maravilhosa novela. Obrigada pela beleza que vejo todos os dias. Regina Helena (Revista da TV, O Globo, 09/11/08)

As duas opiniões, uma contrária e a outra a favor, deixam pistas

interessantes sobre a construção da fidelidade.

A primeira telespectadora, num texto mais temático, expõe os temas

do desrespeito, da chateação e da repetição. Para isso, faz referência a outra

telespectadora também chateada. O segundo fragmento, no entanto, assinado por

uma senhora de 68 anos é que nos ajuda a revelar um pouco mais sobre o páthos

fiel ao SBT. Para ela a “maravilhosa novela” pode passar em qualquer horário, já

que assiste à TV o dia todo. Unindo essas informações ao sucesso do programa

Chaves, pode-se perceber que o SBT busca atingir como grande filão por um lado

o público infanto-juvenil e por outro as donas-de-casa, que compõem a maior

parte do público diurno. Tais telespectadores são em sua maioria dotados de

maior tempo livre. O ocioso enunciatário tem possibilidade de ver e rever os

programas e manter-se fiel independentemente da infidelidade da programação.

Vale aqui uma ressalva e justificativa pela citação de episódios sobre a

programação geral do SBT, estendendo as conclusões sobre os programas que

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compõem o corpus. Por um lado, os programas estão inseridos em uma grade

dotada de coerência, (a incoerência lógica dos horários é uma forma coerente de

construir o perfil da rede) sendo, portanto, importante examinar a seqüência da

programação; por outro lado, a busca pela caracterização de um estilo que

confere uma unidade ao canal justifica a preocupação, ainda que sem

aprofundamento, com a totalidade.

Programas como P1, ao apresentar artistas como Nalva Aguiar que teve o auge

de sua carreira em 1970 ou mesmo a dupla Jane e Herondi que em 1977 explodia

com a música “Não se vá”, chamam atenção para o resgate de memórias. Com

isso, busca-se atingir a atenção daqueles que acompanharam esses

acontecimentos, através da recuperação de prazerosas lembranças. Em quadros

como “Não erre a letra”,21 que faz parte do atual Programa Silvio Santos, embora

não passe de uma adaptação do antigo “Qual é a música?”, é possível ver a

participação de muitas senhoras completando as letras das músicas mais antigas

que não são de conhecimento da parte mais jovem da platéia. Arlindo Silva, em A

fantástica história de Silvio Santos, ao descrever a programação do SBT na época

de sua fundação, chama atenção para o modo como a jovem emissora explora a

programação infantil:

Logo que o SBT entrou no ar, Silvio Santos procurou explorar um filão até então praticamente ignorado pelas demais emissoras: a programação infantil das manhãs. (...) Silvio Santos adotava uma filosofia simples e realista: oferecendo desenhos à criançada, os pais não se atreveriam a mudar de canal. (...) Hoje, todas as emissoras fazem isso, seguindo os passos de Silvio Santos. Na realidade, esse truque de oferecer desenho

21 O quadro “Não erre a letra” faz parte do Programa Silvio Santos que nesse ano de 2008 voltou a ocupar a maior parte da programação dos domingos. O jogo é formado por seis participantes que se inscrevem pela Internet. Eles devem cantar a música designada pelo apresentador sem errar a letra. Quando os participantes não conhecem a música, ou erram a letra, o apresentador solicita a participação da platéia, que se dirige a um microfone instalado no meio do auditório. Quem acertar a letra da música é premiado em dinheiro.

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animado às crianças para prender os adultos foi a primeira grande tacada do SBT em sua estratégia para conquistar a audiência tanto da criança como do papai, da mamãe, da titia e da vovó – isto é, do público de todas as idades. (SILVA, 2000, p.109)

Assim, o SBT, como todas as emissoras de TV, quer atingir todas os tipos

de público, daí a variedade da programação. É preciso somente atentar que

mesmo quando investe em jornalismo, e, então, projeta um enunciatário que se

interessa pelas notícias, questões da atualidade, ou seja, o enunciatário mais

inclinado à reflexão e ao debate, tudo se faz num estilo Silvio Santos. Por

exemplo, no caso da contratação da jornalista Ana Paula Padrão, com intuito de

melhorar a equipe e a produção dos telejornais ocorreu o mesmo. Como a

audiência esperada pelo SBT Brasil não foi alcançada, algumas trocas de horário

foram realizadas e a jornalista permaneceu apenas um ano como âncora. A

relação do SBT com o jornalismo sempre foi atribulada e compor a imagem de

uma emissora capaz de realizar um jornalismo de qualidade é uma questão ainda

não resolvida.

Duas estrelas do telejornalismo, contratadas a peso de ouro – Ana Paula Padrão e Carlos Nascimento – padecem na ciranda de mudanças de horário e formato de seus programas, e já amargam uma lamentável invisibilidade. Descontente por ver a imprensa comentando esses fatos, Silvio Santos desativou a assessoria de comunicação por um ano, reorganizando-a apenas recentemente.22

Com efeito, o investimento mais alto do SBT visa a atrair o público de maior

tempo livre, que busca a diversão, o entretenimento. Este é, sem dúvida, o público

22 Trecho da reportagem:Silvio Santos e SBT: como é difícil largar a rapadura, de Gabriel Priolli. Disponível em: C:\Documents and Settings\professor\Meus documentos\Silvia\silvio santos\Observatorio - Silvio Santos e SBT como é difícil largar a rapadura.mht Acessado em:08/01/09

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que mais se identifica com o apresentador Silvio Santos. A estratégia de uma

revitalização do Programa Silvio Santos, através da apresentação dos mesmos

quadros antigos também pretende atingir o antigo e fiel telespectador. Ao invés de

criar novos programas e com isso arriscar ainda mais problemas com a audiência

o SBT consolida mais do que nunca o contrato estabelecido e segue apostando na

repetição. Contudo, o constante retorno vem salpicado pela tentativa de

modernização, como nos reality shows, apresentados atualmente no SBT.

Todos os exemplos mostram que é possível perceber, através das

ferramentas que a semiótica disponibiliza, o jogo de vozes que é projetado

hierarquicamente no discurso. Num primeiro nível, projetam-se os actantes

pressupostos: enunciador e enunciatário. Assim, não se pode confundir, por

exemplo, o enunciador dos programas de auditório do SBT com o apresentador

projetado internamente dentro do enunciado (programa), correspondente ao

narrador com função de interlocutor. É a imagem construída por esse acúmulo de

papéis sintáticos e temáticos que delineia o éthos do enunciador.

Nos programas, considerados como um enunciado, constrói-se um efeito

de polifonia, já que na encenação temos diversos atores que dialogam, expõem

opiniões (como é o caso dos jurados), trazem informações. Um exemplo

emblemático é a voz de Lombardi23, que em discurso direto conversa com Silvio

Santos durante os programas. Os anúncios de produtos e a promoção de outros

programas são feitos por Lombardi. O contrato de trabalho feito com Lombardi,

estrategicamente, o impede de mostrar o rosto na mídia. Daí criou-se um mistério

23 Luiz Lombardi Neto é o locutor que acompanha Silvio Santos há pelo menos 35 anos. Iniciou sua carreira na TV Globo, mas migrou para o SBT desde sua fundação. Por questões contratuais não expõe sua imagem na mídia, raríssimas vezes apareceu no ar no próprio SBT.

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e muitas conjecturas em torno dessa figura, que só se concretiza numa voz sem

rosto. A polêmica sobre o horário do Programa da Hebe revelada no ar é também

um episódio em que o efeito de polifonia é reforçado, pois simula a existência de

diferentes pontos de vista. No exemplo, prevalece a opinião da apresentadora

Hebe. Todavia, a polifonia construída é marcada por uma identidade discursiva da

emissora, que se dá pela permanência de percursos e papéis conferidos aos

actantes e aos atores que, segundo Fontanille, é uma forma de isotopia:

(...) aquilo que chamamos aqui de permanência ou identidade não é senão uma forma particular de isotopia, isto é, uma redundância semântica que, nesse caso é aplicada a uma categoria particular de conteúdos. (...)

Os dois grandes tipos de identidades são, respectivamente, (1) no caso dos actantes, aqueles assegurados pelas isotopias predicativas e, (2) no caso dos atores, aqueles assegurados por todas as outras isotopias (figurativas, temáticas, afetivas etc.). (FONTANILLE, 2007, ,p. 150)

No caso do SBT é possível perceber que o canal do entretenimento fácil,

isotopicamente construído pela reiteração dos temas da descontração e da

diversão e pela figurativização do excesso, possui a figura de Silvio Santos como

um grande conector de isotopias, no sentido de que atribui uma coerência ou

quem sabe incoerência à emissora. A onipresente figura de Silvio Santos, que se

apresenta não só nos programas de auditório, mas contamina toda a programação

do SBT, ajuda na construção do éthos do enunciador e na caracterização de um

estilo.

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3.3. Estilo – heterogeneidade e dialogismo

O estilo, sendo um fato discursivo, constitui-se heterogeneamente. É na oposição a outro estilo que se constrói.

Fiorin

Enquanto tantos querem atingir o público A e B, a nossa realidade é o C e D. A gente é C e D naturalmente. Tem uma identificação natural com a massa (...) É óbvio que perder a segunda posição, para quem quer que seja, não é agradável. A gente, por muito tempo, correu sozinho no segundo lugar.24

Daniela Beyruti

O trecho da entrevista de Daniela Beyruti, uma das filhas de Silvio Santos,

faz referência a uma “identificação natural com a massa”, ou seja, evidencia o

enunciatário projetado pela emissora de seu pai. Isso remete à questão do estilo,

abordada, ainda que de modo disperso, ao longo desse trabalho. Para caracterizar

o éthos do enunciador foi preciso tratar um pouco da arquitetura do canal SBT,

tomado como uma totalidade e, portanto, dotado de um efeito de individualidade.

Discini (2004) mostra que esse “efeito de individualidade” é responsável por

permitir a “construção do ator da enunciação” e como o “ator da enunciação

manifesta-se por um éthos” é necessário analisar a construção do estilo a partir da

investigação do éthos do enunciador:

Afirmamos que o ator da enunciação é figurativizado, logo, ele concretiza temas. Ele é um antropônimo, o que significa dizer que tem um corpo. Pensamos na antroponímia desse ator, em princípio, enquanto éthos, com caráter e corporalidade: um éthos, por exemplo, que grita, por que hiperbólico, de jornais da imprensa dita sensacionalista, que se corporifica por ocupar de maneira própria ume espaço social, opõe-se a um éthos eufemístico e que fala baixo, de jornais da imprensa dita séria. Não

24 “Filha de Silvio Santos assume o SBT e critica o pai”. Disponível em: http://www.titinet.com.br/news/filha-de-silvio-santos-assume-sbt-e-critica-o-pai-1210.asp Acessado em: 10/11/2008

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esquecendo que o ethos é deduzível de uma maneira de dizer e que emerge do dito ... (DISCINI, 2004, p. 39-40)

Assim, o estilo SBT se define pelo conjunto de traços que o diferencia das

outras emissoras. O SBT é o que todas as outras emissoras não são e vice-versa,

ainda que o discurso da TV, tomado como totalidade, apresente traços em comum

que o diferenciam do discurso da literatura, ou do cinema, por exemplo. Fiorin

acrescenta a essa discussão a questão da “heterogeneidade” como característica

constitutiva do estilo, numa referência explícita aos conceitos bakhtinianos de

dialogismo e polifonia, que perpassarão a discussão travada de agora em diante.

Pretende-se abordar, pelo viés teórico da semiótica, o jogo de vozes instaurado

discursivamente através de dois recortes: 1) o jogo intrínseco que dinamiza a

construção discursiva dos programas numa relação com a programação da

emissora e 2) extrinsecamente a relação do SBT com as outras TVs abertas

brasileiras.

Para a semiótica, no nível discursivo, considerado o mais superficial da

produção da significação, a análise deve “buscar as formas, as estratégias, os

procedimentos que fazem de um texto, mesmo dialogicamente constituído,

discursos monofônicos e polifônicos” (BARROS, 1994, p.9). Estes últimos,

caracterizados pela multiplicidade de vozes expostas, se opõem aos primeiros,

marcados pelo apagamento dos diálogos que os constituem em favor da

monofonia, ou seja, a supremacia de uma só voz. Fiorin, retomando Bakhtin, vai

mostrar os dois mecanismos pelos quais se constrói a consciência dos sujeitos:

Bakhtin qualifica de ptolomaica a consciência organizada em torno de um centro fixo, como era o sistema planetário de Ptolomeu, em que a Terra era fixa. Já a galileana é a consciência mais aberta, mais móvel, não

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organizada em torno de um centro fixo, como é o sistema de Galileu, em que a Terra se move. (FIORIN, 2006, p. 56)

Dessa forma, apesar de inerentemente dialógicos, os textos podem se

construir a partir de uma polifonia, nos quais se deixam descortinar embates e

confrontos, através das várias vozes expressas, ou a partir da monofonia, que

gera os discursos autoritários. Estes últimos, embora também diologicamente

construídos, fazem ouvir apenas uma voz e, portanto, não se deixam contestar, já

que criam uma simulação de verdade.

No caso dos programas do SBT, em vários momentos da análise ficou clara

a centralização da voz por parte do apresentador. É interessante que, embora haja

a simulação de delegação de vozes, percebe-se na verdade a construção da

monofonia, posta no intervalo entre o parecer de várias vozes e o ser de uma só

voz. Em alguns momentos, no entanto, há uma explicitação do discurso

autoritário. A fala de Silvio Santos dirigida a uma participante no quadro

Pegadinha, de 19/10/08, é um bom exemplo: “Aqui a produção não sabe escolher

nada. Eu é que escolho tudo. Aqui é tudo eu. Tudo eu.” O apresentador

desqualifica a produção e, ao mesmo tempo, exacerba a subjetividade. Em outras

ocasiões mostradas ao longo do trabalho, entretanto, ao reafirmar a participação,

simula-se uma democratização da voz, como se todos tivessem poderes de

escolha.

Na relação de Silvio Santos com os jurados, por exemplo, há uma

desqualificação da opinião destes últimos. O tom de chacota é instituído e no

momento do julgamento o apresentador expõe a opinião dele de modo

tendencioso. Na verdade, a presença de jurados, que faz parte da estrutura

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composicional dos programas, é uma encenação e cada um deles representa um

tipo, ou seja, cada um já é programado para desempenhar certo papel temático e

figurativo. Assim, consolidaram-se como “jurados do Silvio Santos”, o rabujento

Pedro de Lara, o exigente Décio Pitinini, a tola Sônia Lima e ainda personagens

lendários como Aracy de Almeida, que pertenceu ao júri nas décadas de 70 e 80,

encarnando a personagem indelicada, que julgava apontando falhas de maneira

grosseira, sob vaias efusivas da platéia. Vejamos, a seguir, trecho do diálogo de

Silvio e Décio Pitinini no programa Gente que brilha:

SILVIO: Mas você tem uma voz muito parecida com a do Nelson

Gonçalves. Não é mesmo? Olha quando você estava cantando

tinha um jurado que é muito exigente e que estava sorrindo. Eu

não sei se ele estava sorrindo pra você ou se ele “tava” rindo de

você. Agora, vou perguntar. Décio Pitinini, por que é que estava

mostrando os dentes para o rapaz?

DÉCIO: Porque é uma forma maravilhosa da gente começar o

programa. Dez estrelas para você! (palmas) Parabéns, parabéns,

parabéns!

SILVIO: Quantas estrelas? Quantas? Quantas?

DÉCIO: Dez estrelas, a voz dele é maravilhosa!

SILVIO: Você está sendo exagerado, exagerado! (P1)

É interessante notar, através do exemplo, que na relação com os jurados

tem-se uma via dupla de efeitos de sentido. Primeiro, o jogo de vozes entre os

atores do enunciado, construindo a polifonia. Ao mesmo tempo, o tom jocoso do

apresentador e sua expressão de opiniões contrárias às dos jurados, como forma

de autoritarismo. Entretanto, o próprio autoritarismo é simulado, pois já faz parte

da imagem de apresentador projetada e, portanto, deve se repetir sempre. Logo,

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aí a relação não é nem autoritária, nem democrática, visto que o caráter burlesco

neutraliza a oposição. Aqui podemos perceber uma relação entre o dito e o dizer,

já que a enunciação (dizer) é autoritária, mas o enunciado (dito) é engraçado. A

adoção do tom de farsa serve para atenuar o discurso autoritário e com isso ajuda

a construir o estilo da emissora, através de um simulacro de mundo, onde

transborda o riso e a alegria.

Voltando à fala de Daniela, a filha de Silvio Santos, é notória a tentativa de

criar uma naturalização do estilo popular do SBT e, com isso, fundar um

diferencial. É possível traçar um paralelo entre essa tentativa e a questão da

heterogeneidade apontada por Fiorin, visto que um determinado estilo existe como

resposta a outros estilos. Atingir os públicos D e E é uma oposição a outras

emissoras, que projetariam como enunciatários os públicos A, B e C. Uma

emissora que se diferencia pelo estilo popular está em oposição a outra não-

popular. Assim,

Só se entende o estilo, portanto, se se observa o centro, o fechamento da totalidade de discursos enunciados, circunscritos aos seus limites, de onde emerge o efeito de diferença. Para a diferença, entretanto, não se perde de vista o diálogo com seu exterior, o não-centro, que é a heterogeneidade constitutiva a todo estilo. (DISCINI, 2004, p. 29)

Pode-se afirmar que a palavra do SBT, desde a sua fundação, assim como

de certa maneira, de todas as emissoras do Brasil, é sempre uma resposta à TV

Globo, líder absoluta do mercado nacional. É ainda possível notar que a grade de

programação do SBT não possui autonomia, sendo feita em relação à grade da

TV Globo. Observemos o exemplo seguinte.

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Numa visita ao site do SBT, o telespectador tem diante de si, na página de

abertura, a seguinte propaganda25:

A chamada para o SBT Show é construída no plano visual, obedecendo ao

mesmo padrão dos programas aqui analisados, ou seja, forma-se sob a estética

do exagero. Assim, sobre um fundo azul, na parte central, o colorido logotipo da

emissora pousa sobre a palavra “show” que é escrita em letras maiúsculas e

prateadas. A letra “o” transmuta-se num canhão de luz a projetar um feixe de raios

luminosos que se expandem pela tela. Reitera-se, então, a isotopia do show, que

está também em consonância com o Programa Silvio Santos. No plano verbal, a

proposição na parte superior: “Cansado de ver noticiários em outros canais? Então

mude” visa atingir uma parcela do público que prefere se distrair diante de um

show a se confrontar com a “realidade” dos noticiários. Mais uma vez enfatiza-se o

entretenimento, através do show, da brincadeira, do espetáculo. Há também, na

parte inferior da propaganda, referências temporais, com o dia e horário da

atração. O interessante dessa questão está no fato de o SBT Show ser transmitido

25 O SBT Show vai ao ar diariamente das 20 às 21h / 30 min. Conta com uma programação variada: talk shows, games, humorísticos e reality shows: segunda – “Programa da Hebe”, terça – “Nada além da verdade” , quarta – “Astros”, quinta – “A praça é nossa” , sexta – “Quem manda é o chefe”, sábado – “Supernanny”.Os programas das terças e sextas-feiras são apresentados por Silvio Santos.

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das 20h às 21h30min, compreendendo justamente o horário do Jornal Nacional,

telejornal de maior audiência no Brasil, que vai ao ar das 20 às 20h30mim na

Globo. Assim, o SBT monta uma programação como alternativa aos

telespectadores, a fim de fisgar os indecisos ou mesmo os “cansados de ver

noticiários”. O oferecimento da diversão, do lazer, constrói-se discursivamente

como oposição ao discurso jornalístico (noticiários), por meio de uma polêmica

velada, já que as duas vozes em confronto não são expressas abertamente,

apenas faz-se uma réplica a outro discurso pré-existente (cf FIORIN, 2006, p. 41).

A construção de uma programação feita “a partir de” deixa às claras a

retomada que um enunciado faz do outro, seja para imitá-lo, respondê-lo ou

mesmo subvertê-lo. Por exemplo, a novela Pantanal é exibida logo após a “novela

das oito” da Rede Globo. Temos aí a apresentação do mesmo gênero

(telenovela), sendo que numa emissora há o componente do inédito e na outra

trata-se de uma reprise. É como se o SBT propusesse a um público apaixonado

por telenovelas assistir à novela inédita da Globo e depois rever o antigo sucesso

Pantanal. Esperar terminar a novela do outro canal, para só depois emitir a sua,

atrasar ou adiantar programas para que se ajustem ao horário da grade de

programação da concorrente é reconhecer a voz do outro interferindo sobre o seu

próprio modo de ser. O SBT faz uso dessa estratégia e traz a Globo para o seu

convívio, buscando sempre tirar proveito disso. A novela Pantanal, por exemplo, é

anunciada pelo próprio Silvio Santos, durante seus programas dizendo, “Não

perca, aqui no SBT, a novela Pantanal, logo após A Favorita, da rede Globo de

Televisão”. É necessário, contudo, mencionar que o fato de a TV Globo não

explicitar as marcas do diálogo que trava com as emissoras brasileiras e até

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estrangeiras, não significa que tenha uma grade independente, pois o discurso se

constrói na heterogeneidade e é sempre dialógico. Todos os enunciados e falas

estão inevitavelmente em resposta uns aos outros:

Todos os enunciados no processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são dialógicos. Neles, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. (FIORIN, 2006, p.19)

No caso em análise, o que fica evidente é que o SBT tem como marca

estilística mencionar a presença do outro, fazendo disso um argumento a seu

favor. Utiliza-se o que seria da instância do outro, da alteridade, para fundar a

identidade. O SBT considera a existência da Globo, constrói a grade de

programação na dependência da grade da Globo, sem no entanto querer ser a

Globo. O SBT produz sua própria identidade, na afirmação desse outro, que é a

Globo e não na sua negação, como seria mais comum. Segundo Landowski:

... cada um, se quiser, pode tentar pensar e gerir sua própria identidade enquanto positividade, ou, em outras palavras, sem ter mais que, para fundamentá-la, passar necessariamente pela negação do Outro. Então, e somente então, a partir desse ponto de ruptura (de ordem “epistemológica”, como deve ser), desaparecem os sintomas da crise de alteridade e começam de fato a colocar-se os problemas de uma autêntica busca de identidade: “ Eu sou o que você não é, sem dúvida, mas não sou somente isso, sou também algo a mais, que me é próprio – ou que talvez nos seja comum”. (LANDOWSKI, 2002, p. 27- grifos do autor)

Esse “Outro” com letra maiúscula é o centro de referência a partir do qual

outras identidades se constroem. No caso da TV brasileira, o centro é a Globo.

Dela as outras emissoras tendem a se afastar ou a se aproximar, imitar ou

esnobar, enaltecer ou desqualificar. Obviamente que, numa via de mão dupla, o

ponto de referência também é afetado pelas presenças desses outros.

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Especialmente em relação ao SBT, que desde a fundação buscou diferenciar-se

através de uma estética popular. Como “nunca se faz parte inocentemente de uma

minoria” (Landowski, 2002, p. 47), as forças das outras emissoras acabam por

também empurrar a Globo em direções múltiplas, que vão da minissérie mais

caprichada e esteticamente cuidada ao humor pastelão dos programas de sábado

à noite. Dessa mistura de padrões e intercâmbio permanente de estímulos é que

se faz hoje a TV brasileira, identificada em emissoras que se constituem como

diferentes éthe.

Como mais um recurso de consolidação do éthos do SBT, ajusta-se o jogo

de vozes pela subjetividade implantada por meio da figura de Silvio Santos, que

toma e dá a voz. Vejamos o trecho da reportagem:

"Revelação" marca a volta do SBT à produção de novelas originais após o fim do acordo com a Televisa. É também a estréia de Iris, esposa de Silvio Santos, na dramaturgia. "O SBT só passava enlatados, mas o público se cansou disso. Precisávamos trazer vida à teledramaturgia do SBT, a cidade cenográfica estava se decompondo. Mas não conseguíamos contratar autores, porque estavam todos amarrados com a Globo e a Record. Então decidi escrever a novela", conta Iris. Ela contou com a ajuda de roteiristas experientes do SBT, como Yves Dumont.(...) Uma curiosidade: Iris conta que o nome "Revelação" foi sugerido pelo próprio Silvio Santos, antes da trama estar concluída. Com o nome aceito, a equipe teve que inventar, na novela, o que seria a tal "revelação", que não existia originalmente na história. 26 (...)

O contrato de fidúcia, que obedece a um “esquema da fidelidade”, funda-se

na proximidade, na intimidade que se dá discursivamente através de várias

estratégias. Uma delas seria a criação de um efeito de polifonia, que na verdade

26 Disponível em: http://www.telaviva.com.br/News.asp?ID=105516&Chapeu= Acessado em: 27/11/08

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serve como um véu que recai sobre um fundo monofônico. A monofonia aqui se

refere à discursivização do discurso autoritário, por meio da simulação da voz do

outro. O caso curioso, contado na reportagem, mostra um Silvio que, não só

delega à esposa o papel de dramaturga, mas também escolhe o nome da novela.

A centralização do poder se reflete, então, em todas as áreas de atuação da

emissora.

Além disso, outra característica perceptível é que o SBT se desenvolve

como um negócio de família. À esposa dramaturga, juntam-se as filhas diretoras e

as administradoras. Isso revela a preocupação do líder com o futuro de seu

império, instituindo um verdadeiro clã. O clã Abravanel repete o discurso do chefe

– pai e marido – e assim vemos surgir uma consciência, nos termos de Bakhtin,

muito mais ptolomaica, pois gira em torno de um centro fixo. O cartaz que anuncia

o Show do SBT, com a etra central “o” da palavra show emanando luz para todo o

espaço, pode ser tomado como metonímia, simulacro do mundo construído no

SBT. Na emissora do patrão, são dele as idéias e as escolhas, embora o diálogo

com o outro, seja a TV Globo, sejam as emissoras de onde se importam

programas e formatos, esteja presente e se faça visível.

A relação estabelecida entre éthos e páthos, que constrói o estilo do SBT,

pode ser sintetizada no seguinte quadro:

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RELAÇÃO ÉTHOS / PÁTHOS

ÉTHOS PÁTHOS EFEITOS

CO

RPO

Corpo forte e enérgico.

Gesticula, fala alto, canta.

Adota uma atitude de

comando.

O corpo encontra-se em

repouso, acomodado. Adota

uma atitude de espera.

Aproximação

Identidade

Intimidade

Subjetividade

CA

TER

Caráter autoritário, dono da

verdade e decidido. Tem

iniciativa e liderança.

Caráter crédulo e passivo,

indiferente ao debate ou

discussão. Gosto pela fruição

e a diversão.

TOM

O tom é decidido, firme,

afirmativo. Claro e alto.

Expansivo, risonho.

Responde, aos gritos, ao que

lhe é perguntado.

Os efeitos de aproximação, identidade, subjetividade e intimidade se

constroem na relação amigável entre éthos e páthos. Nela, ao caráter dissimulado

do éthos corresponde à ingenuidade do páthos. O éthos é brincalhão, do tipo que

faz amizade rapidamente, e torna-se íntimo. O páthos abre a porta de casa e

convida para entrar. Diante da oferta de prêmios e jogos, ele arrisca, pois é

incentivado, e porque precisa acreditar na possibilidade de mudança.

É essa crença que, para a semiótica, move o homem no mundo de valores

e sentidos projetados nos textos. Os textos simulam o mundo com palavras, sons

e imagens. Tanto diante do mundo como dos textos, o sujeito é afetado e precisa

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compreender. Para isso, nomeia os objetos, compara-os, percebe semelhanças e

diferenças. Aceita ou refuta o que vê, e assim segue o inevitável percurso a que

se chama vida.

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TELEVISÃO

A televisão, com seus intervalos comerciais, é escola de paciência.

(DRUMMOND. O avesso das coisas. Rio de Janeiro: Record, 1987)

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CONCLUSÃO

Histórias de sucesso devem ser simples, diretas, sem mistérios. Assim o querem os personagens que as vivem, os autores que as escrevem, os editores que as manipulam e o público que as devora. Ninguém ensinou isso a Silvio Santos – adivinhava, puro instinto.

Alberto Dines

No livro intitulado O Baú de Abravanel, o jornalista Alberto Dines,

impulsionado pela polêmica candidatura de Silvio Santos à presidência, em 1989,

fez uma pesquisa histórica sobre a família Abravanel, da qual se têm registros

desde o século XIII. Eruditos, filósofos, poetas, estadistas compõem uma “árvore

genealógica” quase sempre marcada pela notoriedade.

Considerado por muitos um fenômeno da comunicação no Brasil, Silvio

Santos, é também uma figura polêmica, que responde a processos por

contrabandear “idéias” de TVs estrangeiras, aparece em cadeia nacional

negociando com os seqüestradores da própria filha, ou ainda tem a imagem

transmitida por mais de uma hora na emissora concorrente em desfile do Grêmio

Recreativo Escola de Samba Tradição, agremiação do carnaval carioca que no

ano de 2001 homenageou1 o empresário em seu enredo. Assim foi o percurso do

1 Sobre o desfile de escola de samba, vejamos o trecho da reportagem de Raphael Perret Leal, do Obervatório da Imprensa: “... no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, mais um gol do SBT. A Tradição homenageou Silvio Santos. Apesar do samba medíocre, conquistou o público ao reverenciar uma figura popular. Depois de muito mistério, o empresário decidiu desfilar e apareceu sem cortes na tela da Globo. Sem falar de Lombardi, Ratinho, Hebe e outros figurões do SBT. Os pontos de audiência foram para a emissora carioca. O prestígio, para Silvio. Aproximou-se do público do Rio – dizem que ele não queria desfilar por temer uma possível frieza da platéia carioca, já que tem ciência de que domina muito bem, pelo menos, o gosto dos paulistas – e conquistou-o”.

Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp0711200199.htm

Acessado em: 10/12/2008

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178sucesso de Silvio e de sua emissora, alinhavado pelo “instinto” e pela capacidade

de “adivinhar”, que o conduziu de mascate a mega-empresário. Assim se justifica

a existência dessa tese, que com a instrumentalização da semiótica do discurso

numa das mãos e a curiosidade por esse personagem e os programas que

apresenta há meio século na outra, tentou refletir sobre algumas questões, que

podem interessar à teoria e aos estudos da Comunicação.

A primeira pergunta, “como definir os gêneros televisivos?”, parte da

problemática do hibridismo que se apresenta na TV, na qual uma bricolagem de

elementos se reitera ao longo das grades de programação. Para respondê-la,

contou-se com a obra referencial de Mikail Bakhtin e a retomada que dela fez José

Luiz Fiorin, à luz da semiótica. Gêneros são formas estáveis de discurso e a

estabilidade é chave de entrada de uma análise. Cada programa é um

acontecimento, uma efervescência, mas que se conecta a outros do mesmo tipo

numa rede isotópica. Para Zilberberg “a perenização dos clichês e a ritualização

dos gêneros visam a conter e, por vezes, estancar essa efervescência”

(ZILBERBERG, 2006, p. 173), bem como oferecer ao sujeito o conforto do

conhecido.

Pensando, então, sobre o gênero foi possível perceber que os programas

de auditório fundam-se no diálogo e na participação do público, que está logo ali,

bem diante do apresentador. Se a ênfase será dada aos jogos, atrações variadas

ou entrevistas, isso dependerá dos subgrupos em que esse gênero se divide. No

caso em análise, a observação recaiu sobre programas do tipo game-show e show

de variedades. Em cada um deles, uma etapa do percurso narrativo é enfatizada,

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179a saber, a sanção no primeiro e a performance no segundo. Além disso, no show

de variedades, uma seqüencialidade temporal fez o percurso narrativo de cada um

relacionar-se com o esquema de narração que engloba toda a série de programas.

A sanção só se realiza de fato na grande final. Já nos games, premiações em

dinheiro, disputas e apostas passionalizam sujeitos dentro dos programas ou do

outro lado da tela. Em ambos, a alegria contagia a todos e busca-se o

envolvimento dos destinatários que são levados a participar e se envolver com a

cena narrada.

Para que tudo isso ocorra, entretanto, estratégias enunciativas são

necessárias para mobilizar as linguagens do áudio e do vídeo, de modo a serem

apreendidas como um todo. Daí o exame da enunciação sincrética faz-se

necessário. Um dos desafios que aqui se tentou enfrentar foi o do estabelecimento

de uma metodologia capaz de abarcar a complexidade de um texto concretizado

no cruzamento de múltiplas linguagens e apreendido num tempo, o tempo da

transmissão. O tempo, então, é tomado como dimensão de base, já que é nele e

por ele que se dá a existência do texto televisivo. Para tratar da questão do tempo

que por implicação leva à questão do espaço, tomou-se a tensividade, como

abordagem de análise, pois esta articula a questão da intensidade e da

extensidade, através de subdimensões que incluem a temporalidade e a

espacialidade:

A extensidade concerne ao alcance no tempo e no espaço do campo controlado pela intensidade. A intensidade é da ordem do sensível; a extensidade, da do inteligível. A primeira rege a segunda. Por isso, diz-se que o tempo e o espaço são controlados pela intensidade. (FIORIN, 2008b, p. 135)

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180

A partir do exame do PE dos programas que compõem o corpus é possível

concluir que os formantes cromáticos, eidéticos e topológicos do componente

visual, responsáveis por criar um efeito de preenchimento, recebem a regulagem

das categorias tensivas de tonicidade e andamento, por meio dos elementos

tensivos – luz e som – gerando, então, o efeito de movimento. Preenchimento e

movimento em abundância criam a estética do excesso que caracteriza os

programas analisados.

Foi ainda possível perceber que a categoria temporal tem o percurso

marcado por continuidades e descontinuidades, resultantes da alternância entre

intensidades e extensidades. É nesse percurso que os programas caracterizam o

campo de presença e buscam afetar a percepção dos sujeitos em relação aos

objetos. A entrada do apresentador, como momento culminante da intensidade,

prepara uma surpresa eufórica, embora já esperada, em função de sua repetição

ao longo dos anos. Vimos, então, a adoção de uma regulação entre as categorias

da /tensão/ vs. /relaxamento/, como forma de atrair a atenção e livrar o

enunciatário do tédio, provocado por uma extensão longeva. Essa regulação é

controlada pelo apresentador, que ocupa o centro do campo de presença. Dele

emanam as ordens de expansão, vista em falas como “mais aplausos, mais

aplausos...” ou contenção em “calma, calma...”, dadas a uma platéia participativa e

colaboradora.

A regulagem entre os pólos da intensidade e da extensidade se dá no PE e

no PC por meio de uma consonância entre o que ocorre nos canais sensoriais de

áudio e vídeo. Tal estratégia aqui se denominou de sincretismo por consonância,

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181responsável por uma interpretação mais rápida, fácil e simples. O sincretismo por

consonância se opõe a um sincretismo por discrepância que cria o efeito de

estranhamento, de contraponto, usado nas obras de arte. Mostrou-se assim que a

TV, como mídia de massa, opera majoritariamente com o habitual, o conhecido, a

reiteração. A massificação, entretanto, tem espaço para uma escala estética que

iria do mais diferente ao mais repetido. A apresentação de um concerto de música

clássica ou, no caso do SBT, o Cine Belas Artes, programa dedicado, quase

sempre, à exibição de filmes de arte poderiam figurar no pólo do máximo de

estranhamento, enquanto o “novelão mexicano” ocuparia o pólo contrário, do

máximo de lugar-comum. O estilo SBT de programas repete e retoma à exaustão

os mesmos padrões, deixando a emissora estabilizada no pólo do já conhecido.

A esse estilo se costuma chamar “popular”, o que leva a uma indagação a

respeito das estratégias adotadas na obtenção de um público fiel. Para desvelar

tais estratégias, um exame do modo de interação implantado na relação

enunciador / enunciatário foi necessário. Na análise foi possível perceber que a

interação se apóia numa aproximação com público (platéia e telespectadores).

Isso se constrói discursivamente a partir de estratégias que aparecem no PE – tipo

de enquadramento de câmera, posicionamento do apresentador, gestos como

apontar – e também no PC – verbos no imperativo, uso da primeira pessoa,

construção da subjetividade. Da interação por aproximação resulta o efeito de

participação, que torna o enunciatário um actante do enunciado, convidado a

participar do programa narrativo proposto, de modo a escolher o vencedor de

determinada prova, ou ainda a acompanhar a letra da música exposta numa tarja

na parte inferior da tela da TV. Vimos que tal modo de interação e o efeito dele

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182resultante podem ser tomados como parte de um esquema de fidelização

implantado como uma fórmula repetitiva. A interação por aproximação resulta,

ainda, de uma interação íntima implantada pela presença do apresentador Silvio

Santos, e seu modo de se relacionar com o público. Para compreender essa

interação fez-se necessário observar e caracterizar as imagens de éthos e páthos

(enunciador e enunciatário) projetadas no interior do enunciado, e aí se tornou

possível dar atenção à categoria enunciativa de pessoa.

A construção e a projeção da imagem do apresentador Silvio Santos, tanto

quando toma a palavra nos programas que apresenta, tanto quando opera no

papel temático de narrador, muito tem a dizer sobre o éthos do enunciador,

marcado por um estilo dito popular, que visa atingir o público chamado de D e E.

Assim, a solidificação do éthos, através da identidade que constrói, colabora para

a fidelização do público, que reconhece no que assiste uma parte de si mesmo.

Nos programas de auditório do SBT o páthos é, então, delineado com precisão,

através de uma relação bem estruturada com o éthos. Dela resultam os efeitos

de: a) intimidade, b) aproximação, c) identidade, d) subjetividade, todos eles

funcionando como mediação entre as duas instâncias.

O efeito de subjetividade acaba também dando respaldo para a construção

da grade de programação, que por isso é marcada por uma instabilidade, idas e

vindas, mudanças de horário, repetição de programas, suspensão de outros. Tal

instabilidade é atribuída à crença de que no SBT todas as decisões estão

centralizadas nos humores e vontades do patrão. Essa centralização de poder e

de voz cria um efeito de monofonia, típico do discurso autoritário.

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183Funda-se, então, um estilo subjetivo de fazer TV e administrar uma rede de

comunicação. Isso pode ser visto internamente na análise dos programas, nos

quais também se projeta o apresentador como o centro de decisões e organizador

da seqüência narrativa. O autoritarismo evidencia-se na relação com público e

participantes, guiados a agir e falar, participar, aplaudir, sorrir, calar, embora haja

uma diluição desse autoritarismo feita pelo humor, o clima brincalhão e o tom de

farsa impresso nas cenas. O autoritarismo recebe uma acentuação átona que,

aliada à exacerbação do efeito de participação ganha ares de um coleguismo

bem-humorado, no qual só não se pode esquecer quem é que manda.

Como “o estilo se constrói sobre outro estilo e, por isso, mostra seu direito e

seu avesso” (DISCINI, 2004, p. 31), a análise inevitavelmente revela a relação

entre os programas de auditório e os outros programas da emissora, por um lado,

e por outro a relação do SBT com os outros canais da TV brasileira. Sendo a TV

Globo líder absoluta de audiência, é a ela que o SBT responde e ao mesmo tempo

retoma, para replicar.

Assim, o SBT constrói sua programação em relação à programação da

Globo. No horário do “Jornal Nacional”, emite-se o SBT show para quem está

“cansado de noticiários” e só após as novelas da Globo é que o SBT apresenta as

suas próprias novelas. Entretanto, uma marca de estilo que chama atenção na

emissora de Silvio Santos é justamente a textualização do “outro”. Utiliza-se a

concorrência como um argumento positivo, assim como se anuncia em alto e bom

som a importação de programas de emissoras estrangeiras, ou seja, é justamente

no diálogo explícito com o outro que o SBT cria sua individualidade. Com isso, é

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184possível perceber que a afirmação de um estilo se dá no jogo entre identidades e

alteridades.

Conclui-se, então, que examinar as questões de gênero e estilo é

importantíssimo para a análise de qualquer tipo de texto, como já demonstrou o

minucioso trabalho de Discini (2004). Porém, numa análise do texto de TV, que

tem como peculiaridade apresentar-se no tempo da transmissão, que ocorre em

concomitância nos diversos canais, as redes dialógicas se fazem muito evidentes

e, por isso, foram centrais para a análise. Além disso, o exame da enunciação

sincrética, que põe em andamento o texto televisivo, também se fez uma

exigência da abordagem semiótica, aqui apreendida, principalmente considerando

que os dias atuais são marcados por avalanches de imagens, sons, enfim,

linguagens, que cercam e muitas vezes até atordoam o homem contemporâneo.

Esse sujeito que, por vezes, sem sair do sofá da sala, alegra-se ou

assombra-se, nasce, cresce e até namora em frente à TV. A televisão é

camaleônica, vista como máquina, utensílio doméstico indispensável, formadora

de opinião. Muitas são as definições. Em diversos momentos, une, num mesmo

instante, olhares de vários desconhecidos que se encontram nos lugares mais

díspares, em outros, desune os conhecidos que estão tão perto. O fato é que a TV

está no mundo, lançando moda, fabricando celebridades instantâneas, revelando

talentos, transmitindo informações. Analisá-la é preciso!

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ANEXOS

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PROGRAMA DATA DA EXIBIÇÃO P1 Gente que brilha

20/03/2005

P2 Roda a Roda

22/12/2005

P3 Rei Majestade

26/07/2006

P4 Topa ou não topa

23/08/2006

DESCRIÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE

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193

O programa Gente que Brilha era exibido aos domingos das 20h às 22h na

época da gravação. Composto de três blocos de aproximadamente 40min cada, o

programa pertence ao subgênero show de variedades. Nele vários artistas e

amadores apresentavam as mais variadas atrações como: imitadores,

maquiadores, mágicos, números circenses, cantores, dançarinos, etc. Cada

participante era julgado por quatro jurados: Sheila Carvalho, Sônia Lima, Décio

Pitinini e Pedro de Lara, recebendo uma nota de até 10 estrelas. Além desta nota,

um “medidor de palmas” capaz de captar a intensidade das palmas da platéia

conferia até 10 estrelas. Assim, o participante com a maior quantidade de estrelas

do dia era classificado para a final, a fim de receber um prêmio de duzentos mil

reais.

P1 - PROGRAMA GENTE QUE BRILHA / Show de Variedades

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O programa “Roda a roda” apresentado de segunda a sexta às 20 horas é

um game show, bastante semelhante ao programa “Roletrando”, sucesso no SBT

nas décadas de 80 e 90. Nele há uma roleta premiada no centro do palco toda

dividida com vários valores em dinheiro. Cada um dos três participantes roda a

roleta e recebe o valor marcado, caso acerte as letras que compõem a palavra

escondida no painel, num estilo da antiga brincadeira de forca. O cenário é

composto de dois ambientes. Num Silvio e os participantes se posicionam atrás da

roleta. No outro, a ajudante de palco Patrícia revela no painel as letras e as

palavras conforme o acerto de cada concorrente. O participante que tiver a maior

quantia ainda concorre a uma casa sorteada ao final do programa. O programa

tem 30 minutos de duração, divide-se em dois blocos.

P2- RODA A RODA / Game show

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O programa “Rei Majestade” vai ao ar às quartas-feiras às 22h, tendo

aproximadamente 1h e meia de duração. Nele, artistas que fizeram sucesso nas

décadas de 60, 70,80 e 90, fazem duas apresentações. Na primeira parte do

programa cantam com a ajuda de um playback um antigo sucesso. Apresentam-se

também vídeos com cenas antigas do artista. Já na segunda parte do programa, o

artista canta ao vivo o sucesso de um cantor atual, sendo acompanhado por uma

orquestra. O auditório que assiste ao programa no estúdio faz uma votação e

elege o “melhor da noite”, premiado com uma coroa de prata. Ao longo da

semana, os telespectadores votam pelo telefone ou internet e escolhem o melhor

participante, que recebe uma coroa de ouro e classifica-se para a final. Os três

finalistas receberão prêmios em dinheiro e gravarão músicas para o CD do SBT.

P3 -PROGRAMA REI MAJESTADE / Show de variedades

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O programa “Topa ou não topa” é um game show em que apenas um

participante concorre a 1 milhão de reais. Vinte e seis modelos portam maletas

com quantias que variam de 50 centavos a um milhão. No início, o competidor

escolhe uma mala, que fica separada e só é aberta ao final da competição. Depois

o participante vai abrindo as maletas com os mais variados valores. Quanto

menores os valores, maiores as chances de a maleta do participante ter uma alta

quantia. Assim, após a abertura de seis maletas um suposto “banqueiro”, que fica

numa sala isolada ao fundo do palco, do qual vemos apenas a sombra, comunica-

se com o apresentador, através de um telefone celular que fica no palco e oferece

uma determinada quantia em dinheiro. Se o jogador aceitar o valor oferecido o

jogo será encerrado. Caso não aceite, a competição continua até que se esgotem

as maletas. A competição termina quando o participante aceita a proposta do

banqueiro ou se esgotam as maletas e, enfim, revela-se o valor do prêmio. A cada

proposta do banqueiro, o apresentador aumenta o suspense da cena ao repetir

várias vezes a pergunta: “Você topa ou não topa?”. Este game show é importado e

já fez sucesso em vários países, como faz questão de revelar o comercial

veiculado na emissora.

P4- PROGRAMA TOPA OU NÃO TOPA / game show

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