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Terapia antiretroviral em uma nova era Pacientes em resgate terapêutico poderão contar com uma grande ajuda a partir do início de 2009. O Ministério da Saúde incluiu na lista de distribuição de antiretrovirais o raltegravir (Isentress), medicamento que faz parte de uma nova classe – inibidores da integrase –, considerada por especialistas em todo o mundo a maior novidade da terapia antiretroviral, desde o surgimento dos inibidores de protease, em 1996. “O raltegravir tem se mostrado extremamente útil aos pacientes multifalhados e sem opções terapêuticas, pois ele age em uma nova enzima da replicação viral”, comemora o infectologista Luis Antônio Teramussi, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Mauro Schechter, infectologista, pesquisador e coordenador do Projeto Praça Onze da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também está entusiasmado: “É uma droga bastante potente, capaz de reduzir a carga viral em grande magnitude e extremamente bem tolerada, sem nenhum efeito colateral importante observado até o momento”. Por enquanto, o raltegravir só poderá ser utilizado em esquemas de resgate e deve sempre ser associado a outros antiretrovirais que ainda apresentem atividade contra o vírus, como explica o infectologista Gustavo Magalhães, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. “Se usado como uma única droga ativa, o vírus desenvolverá resistência com facilidade e perderíamos a oportunidade de seu uso”, alerta o médico. Raltegravir x Enfuvirtida A euforia na comunidade médica e científica é facilmente justificável. Além de todas as vantagens apontadas, o raltegravir surge como um alívio para os pacientes em uso da enfuvirtida (também chamado de Fuzeon ou T20). Por ser um medicamento injetável, com administração complexa e que, em muitos casos, deixa nódulos no local da aplicação, pacientes que utilizam o T20 tendem a aderir menos ao tratamento. Substituir a enfuvirtida pelo raltegravir parece ser um caminho natural. “Certamente esta será a conduta a ser adotada em todos os pacientes fazendo uso da enfuvirtida, com carga viral indetectável. Tenho alguns pacientes que já fizeram esta troca com sucesso. O raltegravir é tão ou mais eficaz que a enfurvitida, mais barato, e muito mais fácil de ser administrado”, esclarece Teramussi. Disponível em comprimidos de 400 mg, a dose recomendada de raltegravir é 800 mg/dia (1 comprimido, de 12 em 12 horas). O medicamento pode ser tomado com ou sem comida e não exige reforço com ritonavir. Avaliação criteriosa Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 1.000 pacientes estarão usando o raltegravir regularmente

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Terapia Anti-retroviral

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Terapia anti­retroviral em uma nova era

Pacientes em resgate terapêutico poderão contar com uma grande ajuda a partir do início de 2009.O  Ministério  da  Saúde  incluiu  na  lista  de  distribuição  de  anti­retrovirais  o  raltegravir  (Isentress),medicamento  que  faz  parte  de  uma  nova  classe  –  inibidores  da  integrase  –,  considerada  porespecialistas em todo o mundo a maior novidade da terapia anti­retroviral, desde o surgimento dosinibidores de protease, em 1996.

“O  raltegravir  tem  se  mostrado  extremamente  útil  aos  pacientes  multi­falhados  e  sem  opçõesterapêuticas, pois ele age em uma nova enzima da replicação viral”, comemora o infectologista LuisAntônio  Teramussi,  da  Secretaria  de  Saúde  do  Distrito  Federal.  Mauro  Schechter,  infectologista,pesquisador  e  coordenador  do  Projeto  Praça  Onze  da  Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro,também  está  entusiasmado:  “É  uma  droga  bastante  potente,  capaz  de  reduzir  a  carga  viral  emgrande  magnitude  e  extremamente  bem  tolerada,  sem  nenhum  efeito  colateral  importanteobservado até o momento”.

Por  enquanto,  o  raltegravir  só  poderá  ser  utilizado  em  esquemas  de  resgate  e  deve  sempre  serassociado a outros anti­retrovirais  que ainda apresentem atividade  contra  o  vírus,  como explica oinfectologista  Gustavo  Magalhães,  professor  da  Universidade  Estadual  do  Rio  de  Janeiro  epesquisador  da  Fundação  Oswaldo  Cruz.  “Se  usado  como  uma  única  droga  ativa,  o  vírusdesenvolverá resistência com facilidade e perderíamos a oportunidade de seu uso”, alerta o médico.

Raltegravir x EnfuvirtidaA euforia na comunidade médica e científica é facilmente justificável. Além de todas as vantagensapontadas, o raltegravir surge como um alívio para os pacientes em uso da enfuvirtida (tambémchamado de Fuzeon ou T20). Por ser um medicamento injetável, com administração complexa eque, em muitos casos, deixa nódulos no local da aplicação, pacientes que utilizam o T20 tendem aaderir menos ao tratamento.

Substituir  a  enfuvirtida  pelo  raltegravir  parece  ser  um  caminho  natural.  “Certamente  esta  será  aconduta  a  ser  adotada  em  todos  os  pacientes  fazendo  uso  da  enfuvirtida,  com  carga  viralindetectável. Tenho alguns pacientes que já fizeram esta troca com sucesso. O raltegravir é tão oumais  eficaz  que  a  enfurvitida,  mais  barato,  e  muito  mais  fácil  de  ser  administrado”,  esclareceTeramussi. Disponível em comprimidos de 400 mg, a dose recomendada de raltegravir é 800 mg/dia(1 comprimido, de 12 em 12 horas). O medicamento pode ser  tomado com ou sem comida e nãoexige reforço com ritonavir.

Avaliação criteriosa Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 1.000 pacientes estarão usando o raltegravir regularmente

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até o final de 2009, o que custará US$ 6,85 milhões para o Governo Federal. O medicamento seráutilizado apenas em pacientes cuja resistência a outros anti­retrovirais seja comprovada através deexames de genotipagem.

“A  prescrição  do  raltegravir  será  definida  a  partir  de  critérios  clínicos  pelo médico  do  paciente. Apossível substituição da enfuvirtida pelo raltegravir será discutida após uma avaliação criteriosa daúltima  genotipagem  do  paciente  pelos  médicos  assistentes,  que  realizam  o  acompanhamentoperiódico, e pelo médico de  referência em genotipagem, sempre  respeitando os critérios definidospelo consenso”, afirma Rachel Baccarini, médica clínica e responsável pela Unidade de Assistência eTratamento  do  Programa  Nacional  de  DST  e  Aids  do  Ministério  da  Saúde.  “Os  especialistas  dereferência  em  genotipagem  nos  estados  serão  convidados  para  discutir  os  casos  consideradosdiferenciados  (com  poucas  opções  para  compor  esquema).  As  conclusões  farão  parte  de  umsuplemento do Consenso Brasileiro para Terapia Anti­Retroviral”, afirma Raquel.

INIBIDOR DE INTEGRASEInibidor de  integrase é uma nova classe de anti­retroviral que  impede a  integração do DNA viral  játranscrito  ao  núcleo  do  linfócito  CD4+,  ou  seja,  ao  cromossomo  humano.  Trata­se  de  um  novomecanismo  de  ação,  que  inibe  a  replicação  do  vírus  e  sua  capacidade  de  infectar  novascélulas. Existem medicamentos em uso que inibem outras duas enzimas – protease e transcriptasereversa. O raltegravir é o primeiro medicamento disponível no mercado que inibe a integrase.

DEFININDO CONDUTAS CLÍNICAS Inúmeras  pesquisas  observacionais  vêm  sendo  realizadas  ao  longo  dos  anos  na  tentativa  dedesvendar alguns mistérios sobre o tratamento com anti­retrovirais. Os resultados ajudam a nortearas  políticas  públicas  em  relação  ao HIV/aids  e  a  definir  normas  e  consensos  terapêuticos  usadoscomo manuais de conduta por profissionais de saúde em todo o mundo.

Quando  iniciar  a  terapia  antiretroviral?  A  interrupção  temporária  do  tratamento  pode  ajudar  naresposta  imunológica do paciente? Essas são algumas perguntas ainda sem  respostas definitivas.Entretanto,  diversos  estudos  clínicos  já  realizados  e  em  andamento  pretendem  indicar  possíveissoluções.

Quando iniciar a TARV Estudos preliminares sugerem que pacientes que iniciam o quanto antes a terapia anti­retroviral(TARV) podem se beneficiar com a redução do risco de infartos no miocárdio e de alguns tipos decânceres. Segundo um estudo realizado nos EUA, o grupo de pacientes que esperou para tomaranti­retrovirais quando o CD4 estava inferior a 350 mm3 apresentou um risco de morrer 71% maiorque o braço da pesquisa que iniciou a TARV com taxas maiores de CD4. Entre os que defendem o uso imediato dos anti­retrovirais, a justificativa é a de que, quando o CD4cai a níveis inferiores a 350 mm3, o sistema imunológico já estaria gravemente debilitado. Mas aquestão é polêmica e ainda não convenceu toda a comunidade médica e científica.“É um assunto bem delicado, pois existem vantagens e desvantagens”, avalia o infectologistaGustavo Magalhães, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e pesquisador daFundação Oswaldo Cruz. “Quando se inicia a terapia anti­retroviral e o paciente não toma

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corretamente a medicação, aumenta o risco de resistência do vírus”.

Mudanças no Consenso Terapêutico O Consenso Brasileiro de Terapia Anti­Retroviral, que até pouco tempo recomendava o início daterapia a pacientes com CD4 inferior a 200 mm3, alterou sua recomendação. Agora, de acordo coma última edição do Consenso, de outubro de 2008, o paciente assintomático deve iniciar a TARVquando apresentar uma taxa de CD4 inferior a 350 mm3. O Ministério da Saúde lembra, no entanto,que os profissionais de saúde devem trabalhar bem a adesão antes de prescrever os anti­retrovirais.

“A terapia anti­retroviral não deve ser iniciada até que a importância da adesão ao tratamento sejaentendida  e  aceita  pelo  paciente  –  objetivo  que  deve  ser  buscado  pelas  equipes  e  serviços  desaúde, estabelecendo uma relação de co­responsabilidade entre estes e o paciente”, afirma RominaOliveira, assessora técnica da Unidade de Assistência e Tratamento do Programa Nacional de DST eAids do Ministério da Saúde.

Diagnóstico precoce facilita o tratamento“A aproximação da contagem de células CD4 do valor de 200 mm3 ou menos acarreta relevantecomprometimento no status imunológico dos indivíduos que vivem com HIV, podendo evoluir comgravidade clínica e laboratorial”, diz Romina Oliveira, destacando que este fato assinala aimportância do diagnóstico precoce da infecção por HIV.

A  ampliação  do  acesso  ao  diagnóstico  do  HIV  também  é  apontado  pelo  infectologista  GustavoMagalhães  como  fator  essencial  para  o  sucesso  do  tratamento  contra  a  aids.  “O  que  temos  quefazer é aumentar a capacidade de realizar diagnósticos precoces, facilitando o acesso aos examesanti­HIV com uma equipe  treinada e capacitada” diz o médico.  “Muitos pacientes descobrem  ter oHIV quando já estão em fase de doença avançada”, revela.

Estudos em andamentoPara o infectologista e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mauro Schechter, háindícios de que antecipar o início da TARV pode beneficiar o paciente. “Para investigar esta hipótese,será iniciado no começo de 2009 um grande estudo chamado START, que envolverá seis milpacientes nos EUA, Europa, África do Sul, Austrália, Argentina e Brasil”, informa Schechter. O estudovai avaliar não apenas os benefícios do início precoce da TARV, mas também as possíveisdesvantagens, como os efeitos colaterais, a toxidade e a resistência.

Interrupção terapêutica em chequeA interrupção programada da terapia anti­retroviral, procedimento descartado pelo estudo SMARTno início de 2008, voltou a ser discutida durante a IX Conferência Internacional em Tratamento eInfecção do HIV, realizada em Glasgow, Escócia, em novembro de 2008. Os resultados de doisnovos estudos, ainda preliminares, indicam que, em situações específicas, a interrupção pode serbenéfica para o paciente.

Num  deles,  verificou­se  que  quatro  pacientes  do  grupo  que manteve  o  tratamento  apresentaramproblemas  cardiovasculares,  contra  nenhum no  grupo  que  interrompeu  os  anti­retrovirais. Mesmo

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com  a  interrupção,  os  pacientes  conseguiram  manter  os  mesmos  níveis  de  CD4  do  início  dapesquisa.

O segundo estudo apresentado em Glasgow teve uma abordagem diferente, com a interrupção dotratamento apenas nos finais de semana, ou seja, cinco dias de tratamento e dois dias de “folga”. Oestudo observou apenas os efeitos  da  suspensão em pacientes que  tomam efavirenz,  tenofovir  eemitricitabina (semelhante à lamivudina). Os resultados preliminares mostram que os dois grupos –os que interromperam e os que não interromperam – apresentaram os mesmos índices de controleviral. O objetivo deste estudo é provar que alguns regimes de tratamento podem ter uma meia vidalonga, mantendo a supressão viral mesmo nos dois dias de interrupção.

Avaliação deve ser individual O infectologista Gustavo Magalhães lembra que, no momento, a indicação ainda é de nãointerromper o tratamento, mas admite que há casos que precisam ser avaliados de formaindividualizada. “Sabemos de estudos internacionais em que muitos pacientes que pararam a terapiaanti­retroviral apresentaram mais problemas de saúde, principalmente doenças cardiovasculares”,diz o médico, acrescentando que a parada pode ser útil em casos bem específicos, quando omedicamento está causando danos importantes à saúde (exemplo: insuficiência renal, pancreatiteaguda, hepatite medicamentosa). “Mas isso, só o médico assistente, levando em conta os exames eo histórico do paciente pode avaliar”, completa Magalhães.

NOVOS ARVS A CAMINHO Novos anti­retrovirais  (ARVs) são aguardados por profissionais de saúde e pacientes. Um deles  jáestá  disponível  nos  Estados  Unidos  e  na  Europa,  mas  ainda  não  foi  registrado  no  Brasil  –  aetravirina. E dois medicamentos estão em fase final de pesquisa.

INTELENCE (ETRAVIRINA), DA TIBOTEC PHARMACEUTICAL É um inibidor não­nucleosídeo da transcriptase reversa, já disponível na Europa e nos EstadosUnidos, mas ainda não registrado no Brasil. Usado em pacientes adultos com múltiplas falhas aotratamento anti­retroviral, demonstrou eficácia mesmo nos pacientes que desenvolveram resistênciacruzada a outros ARVs da mesma classe, como efavirenz, nevirapina e delavurdina. Disponível emcomprimidosde 100 mg, a dose recomendada é de 400 mg/dia (2 comprimidos, 2 vezes ao dia) e deve seracompanhada por uma refeição.Além dos efeitos colaterais comuns aos ARVs, como dor de cabeça e mal estar, o etravirina podecausar dor abdominal, vômito, náuseas e erupções na pele após a segunda semana de tratamento,devendo ser suspenso caso as erupções se tornem graves. Não há ainda estudos que comprovem asegurança do medicamento em crianças.

TMC 278 (RILVIPIRINA), DA TIBOTEC PHARMACEUTICAL É um inibidor não­nucleosídeo da transcriptase reversa ainda não aprovado pelo FDA (Food andDrug Administration), dos Estados Unidos. Poderá ser utilizado em pacientes virgens de tratamentoe em pacientes já resistentes a outros ARVs. A dose correta do rilvipirina ainda não foi definida, mas em um dos estudos clínicos observou­se que

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a redução da carga viral foi semelhante em pacientes que tomaram doses diferentes do ARV. Deve,portanto, ser aprovado na dosagem menor, de 25mg (1 comprimido de 25mg ao dia). Os efeitoscolaterais do rilvirapina, embora semelhantes ao do efavirenz, são menos freqüentes.

GS 9137 (ELVITEGRAVIR), DA GILEAD SCIENCES É um inibidor de integrase, a mesma classe do raltegravir. Apesar de ainda não ter aprovação doFDA, o elvitegravir deverá ser usado com ritonavir, para aumentar sua eficácia no combate ao HIV.Por ser de uma classe nova de medicamentos, oelvitegravir deve beneficiar principalmente os pacientes já em tratamento antiretroviral,independentemente do seu histórico terapêutico. A dose apropriada do elvitegravir ainda não foidefinida e nenhum efeito colateral de curto prazo foi observado.

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