Roberto Daunis - Bibliodrama

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Bibliodrania Um acesso à Bíblia no contexto pedagógico  Rob erto Da unis Resumo O uso de bibliodramas em grupos cristãos serve ao propósito de promover a aproximação e relacionar os textos bí-  blic os co m a vid a real co tid iana das pe s- soas. Esta aproximação supõe uma prá- tica pedagógica adequada, que conside- re o texto bíblico e a vivência individual e grupai das pessoas que com ele se ocu-  pam , inte gran do as vária s dim ensões do conhecimento. O estudo aponta para detalhes a serem observados em relação aos participantes e em relação ao papel da liderança nos grupos de bibliodrama. Resumen El uso dei bibliodrama en grupos cristianos sirve al propósito de promo- ver la aproximación y relacionar los tex- tos bíblicos con la vida real cotidiana de las per sonas. Est a aproximación supone una practica pedagógica adecuada, que considere el texto bíblico y la vivência individual y grupai de las personas que con él se ocupan, integrando varias dimensiones dei conocimiento. El estúdio apunta para detalles a s er obser- vados en relación a los participantes y en relación al papel de los lideres en los grupos de bibliodrama. Abstract The use of Bible dramas in Christian groups serves to help relate the Bible texts with the real daily lives of people and to bring these texts closer to their lives. This approach presupposes an adequate pedagogical practice that considers the biblical text and the indi- vidual and group life experience of the  peo ple tha t are dea ling wi th the texts, integrating the various dimensions of knowledge. The study points out details to be observed in relation to the  par tici pan ts a nd in rela tio n to the role o f the leadership in Bible dram a gr oups. 3 7

Transcript of Roberto Daunis - Bibliodrama

  • Bibliodrania

    Um acesso Bblia no contexto pedaggico

    Roberto Daunis

    Resumo

    O uso de bibliodramas em grupos cristos serve ao propsito de promover a aproximao e relacionar os textos bblicos com a vida real cotidiana das pessoas. Esta aproximao supe uma prtica pedaggica adequada, que considere o texto bblico e a vivncia individual

    e grupai das pessoas que com ele se ocupam, integrando as vrias dimenses do conhecimento. O estudo aponta para detalhes a serem observados em relao aos participantes e em relao ao papel da liderana nos grupos de bibliodrama.

    Resumen

    El uso dei bibliodrama en grupos cristianos sirve al propsito de promover la aproximacin y relacionar los textos bblicos con la vida real cotidiana de las personas. Esta aproximacin supone una practica pedaggica adecuada, que considere el texto bblico y la vivncia

    individual y grupai de las personas que con l se ocupan, integrando varias dim ensiones dei conocim iento. El estdio apunta para detalles a ser observados en relacin a los participantes y en relacin al papel de los lideres en los grupos de bibliodrama.

    Abstract

    The use of Bible dramas in Christian groups serves to help relate the Bible texts with the real daily lives of people and to bring these texts closer to their lives. This approach presupposes an adequate pedagogical practice that considers the biblical text and the indi

    vidual and group life experience of the people that are dealing with the texts, integrating the various dimensions of knowledge. The study points out details to be observed in re la tion to the participants and in relation to the role of the leadership in Bible drama groups.

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  • 1 - Introduo

    1.1- Uma palavra-sinal

    Em uso h um bom tempo, biblio- drama uma palavra-sinal para desenhar formas determinadas de trabalho bblico em grupo. pr em cena um texto ou uma histria bblica, tentando motivar os participantes para uma auto-ati- vidade que possibilite uma participao pessoal.

    A encenao de histrias bblicas constituiu um recurso freqente na catequese de outros tempos. Seu produto era uma representao visual e explicativa do ensino religioso para o povo, adultos e crianas, que no sabiam ler. Na Idade Mdia da cultura ocidental europia, as grandes encenaes dos mistrios cristos alcanaram alta reputao. Teatros da Paixo de Cristo e teatros de Natal existem at hoje como celebrao festiva dos principais eventos religiosos da comunidade.

    1 .2 - 0 novo no velho

    Na perspectiva da tradio do ensino religioso, portanto, pode-se afirmar, por um lado, que o bibliodrama na Europa e nos EUA, assim como as cenas do teatro popular na Amrica Latina, no representa uma forma totalmente nova de trabalho bblico. Por outro lado, porm, tanto o bibliodrama como o teatro popular mostram atualmente

    uma diferena notvel para com as peas cnicas tradicionais. Na forma clssica, elas consistem numa representao e numa interpretao que algum autor ou alguns atores oferecem para os espectadores. No bibliodrama e na inteno original do teatro popular, ao contrrio, os participantes no so apenas espectadores, mas tomam-se atores, geralmente participantes de uma forma pessoal. Desde fins dos anos sessenta, no teatro religioso popular da Amrica Latina, as tendncias mais interessantes tentaram viabilizar uma participao mais ativa do povo. Empregam-se, s vezes, grandes foras para realizar encenaes bblico-religiosas feitas pelos participantes, e no simplesmente para eles. No entanto, a separao entre autores e espectadores nem sempre chega a ser adequadamente superada. Diante desse pano de fundo compreensvel que o bibliodrama ganhe atualmente, na Amrica Latina, cada vez mais adeptos.

    A seguir sero desenvolvidas duas partes. A primeira trata, de modo mais geral, a respeito dos novos mtodos e acessos didticos de hoje. Essa a temtica de fundo pela qual o bibliodrama se enquadra num contexto didtico mais geral. Numa segunda parte so abordadas reflexes e pautas especficas para a prtica pedaggica com o uso de elementos do bibliodrama.

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  • 2 - Novos mtodos e acessos didticos Bblia

    2.1 - Pontos de partida motivadores

    Vistos de perto, nem todos os chamados mtodos novos parecem realmente novos. O impulso do novo consiste na tentativa de achar pontos de partida motivadores para incluir ativamente as pessoas no trabalho bblico. Motivar, incentivar, despertar interesse desde o comeo - esse o alvo pragmtico e a origem dos novos acessos ao trabalho bblico. A razo de ser das dinmicas e dos procedimentos de trabalho abertos e atrativos o desejo de possibilitar formas de participao pessoal, para que os participantes no sejam apenas ouvintes, espectadores passivos e, em casos extremos, at mesmo vtimas de monlogos cansativos, tericos, afastados da realidade, numa linguagem sofisticada que nem todos entendem. Falando a partir da experincia do ensino religioso e confirmatrio, trata-se da tentativa de evitar que estudantes, jovens e crianas considerem as aulas banquetes de tdio.

    2.2 - Uma figurao imaginria em dois exemplos vivenciados

    como opostos

    Para explicar pragmaticamente a dinmica em questo, parece til descrever dois exemplos extremamente opostos, apelando, no entanto, ao imaginrio do leitor, que pode entrar numa figurao a ser colocada antes do relato dos dois exemplos.

    Certamente o leitor poder situar-se, p. ex., numa comunidade ou grupo religioso em qualquer lugar do mundo ocidental ainda considerado cristo. o cenrio de um pastor luterano, que poderia chamar-se Abrao. Ele trabalha h vrios anos nessa comunidade. Ele e a esposa, dona Sara, formada em psicologia, tm boa aceitao. Muitos membros da comunidade conhecem e prezam o casal pessoalmente. Pelo seu jeito pastoral, ambos ajudaram algumas pessoas que os consultaram. No cenrio fictcio aparece tambm uma mulher, membro da comunidade, que se colocou disposio como presbtera, uma vez que recebeu deles uma ajuda decisiva de aconselhamento. Essa mulher conhece bem o casal, sem chegarem a ser amigos. Numa manh de sbado ela v a manchete do jornal da cidade e fica alarmada: tragdia na casa pastoral. O pastor Abrao em custdia policial. Um texto explica o porqu. Felizmente a tragdia fatal foi evitada no ltimo momento, graas interveno inteligente de dona Sara, a esposa do pastor Abrao, que o acompanhou delegacia. Pois ele estava prestes a sacrificar seu filho nico, Isaque. Interrogado pela esposa e pelo delegado, o pastor Abrao declarou que ouviu claramente a voz de Deus, Senhor todo-poderoso, que exigia dele que lhe sacrificasse seu filho nico, que ele como pai amava intensamente. Apesar de ter dvidas, devo fazer o que Deus exige de mim, repetia o pastor.

    a conhecida histria do cap. 22 de Gnesis. H padres e pastores que s vezes fazem pregaes um tanto esquisitas, usando esse texto para tematizar a

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  • obedincia devida a Deus. Um exemplo, conscientemente referido aqui como modelo negativo, uma prdica mais ou menos assim: no comeo aconteceu uma narrativa bastante teatral, de uma forma que alguns usam para impressionar crianas ingnuas. A narrao substituiu a leitura do texto, interpretando-o ao mesmo tempo. Numa redundncia penetrante, o pregador salientou a necessidade de obedecer sempre a Deus, sem perguntas nem dvidas. Deus quem suprir e solucionar as dificuldades. O pastor ou padre que falava sequer parecia perceber que desse momento em diante quase ningum mais continuava a ouvir suas repeties. Os ouvintes j sabiam bem que preciso obedecer a Deus. O problema, no entanto, era como se pode reconhecer a vontade de Deus numa ordem to esquisita de matar o prprio filho. Sem ter entrado nessa problemtica, apenas mencionada de passagem, o pregador fez uma virada retrica no meio da fala, lanando algumas perguntas sugestivas, algo tericas, em tomo do que ele chamava de teologia da libertao. P. ex.: acaso lcito obedecer aos superiores e s autoridades, quando exigem coisas injustas? Os ouvintes j sabiam o que ele afirmaria: no lcito obedecer nesse caso. Obedecer assim, absolutamente, s em relao a Deus. A pregao continuou at o Amm final, que felizmente aliviou mais uma vez os ouvintes, j acostumados a no mais prestar ateno quando ele falava.

    A problemtica desse exemplo, quase incrvel em sua negatividade extrema, no , com certeza, o fato de que toda prdica, como forma de comunicao, seja um monlogo e no um dilogo. O que faltou nessa fala foram os elementos dialogais, no sentido de o pregador ter-se informado seriamente sobre as

    perguntas existenciais dos ouvintes, sobre suas condies de vida e seus pressupostos e interesses. No caso ideal uma pregao, apresentada retoricamente como monlogo, contm uma estrutura dialogai e se toma o resultado de um trabalho bblico anterior que o pregador fez com pessoas interessadas.

    Para construir um exemplo de contraponto, conscientemente oposto ao anterior e apresentado como positivo, o leitor pode imaginar um grupo ou uma turma de jovens adultos, retrabalhando a mesma histria num bibliodrama. Quase todos os elementos motivadores que faltaram no exemplo negativo anterior podem ser encontrados na elaborao bibliodramtica: a formulao clara dos problemas centrais do texto, a tematiza- o, em grupo, de perguntas relevantes para os participantes (p. ex., quais as vias e formas de conhecer a vontade de Deus e distingui-la das projees e desejos pessoais?; quais os critrios realistas perante exigncias radicais, que derivam duma determinada interpretao das histrias bblicas?; o esclarecimento do fato de que hoje existem parmetros e medidas de obedincia diferentes dos existentes nos tempos do antigo Israel, etc.).

    Embora parea uma fantasia irreal, praticamente impossvel e at ridcula no mundo luterano (a idia de um pai, pastor da Igreja Luterana, aparentemente disposto a sacrificar seu filho), a figurao apresentada acima foi encenada, algumas vezes, em bibliodramas bastante bem-sucedidos. Numa primeira rodada de dramatizao de papis, aconteceu uma conversa entre Abrao e o seu filho Isaque, quanndo ambos esto a caminho do morro do sacrifcio, e logo depois, outra conversa deles, retomando juntos. Num segundo momento de desempenho de papis, outros participantes represen-

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  • tam Sara e Abrao em sua casa, conversando na vspera do dia previsto, sem a presena do filho. Numa ltima vez, Sara e Abrao conversam na noite seguinte ao dia da ocorrncia. Uma mulher participante, no papel de Sara, diz a Abrao: Voc no precisa mais sacrificar seu filho. Como pai, h muito tempo voc anulou seu filho, quebrando cada dia a sua vontade, impondo-lhe exigncias desnecessrias e destruindo sua auto-es- tima. Seu desprezo de pai (que o desprezo dum homem insatisfeito consigo mesmo, inseguro e agressivo) foi para ele um castigo fatal, cada vez que ele no queria ou no podia obedecer s suas arbitrariedades. Outros participantes construram narraes pessoais na primeira pessoa, partindo da perspectiva de um pai, uma me ou uma filha. Dvidas existenciais e de f, assim como conflitos bsicos da vida cotidiana, at ento reprimidos, ignorados ou ocultos, foram expressos e evidenciados, compartilhados e tematizados. Outras pessoas escre

    veram uma carta para Abrao, argumentando: Se voc, com o seu jeito de patriarca, realmente cr que Jav, o Deus da vida, pode de fato exigir que voc mate, quer dizer: destrua seu filho, ento voc no conhece o Deus da Bblia. Alm disso, como telogo voc est mal informado. Sequer sabe que essa histria do cap. 22 de Gnesis provavelmente foi recolhida ou elaborada pela tradio justamente para fundamentar que Jav probe o sacrifcio de crianas, como era costume no antigo Israel.

    2.3 - As formas mais freqentes de novos acessos Bblia

    atualmente

    Por meio de um esquema explicitaremos as sete formas de acesso didtico a textos da Bblia utilizadas com mais freqncia no apenas na rea do ensino religioso:

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  • 3 - Algumas reflexes com vistas prtica pedaggica

    3.1 - Integrar vrias dimenses do conhecimento num trabalho

    srio com a Bblia

    Nos anos oitenta surge, p. ex., na Europa um forte movimento de bibliodra- ma. Pouco antes haviam comeado a se espalhar experincias provenientes do teatro popular latino-americano. O desabrochar do bibliodrama registrou, em pouco tempo, um rpido aumento, cronologicamente simultneo em diversos lugares, tendo comeado j antes nos EUA.

    Nas igrejas evanglicas, o bibliodrama foi incentivado por mulheres e homens preocupados em experimentar formas mais participativas e pessoais de trabalho bblico. Essa busca dura at hoje. Com efeito, o bibliodrama oferece uma participao pessoal mais integral, um trabalho abrangente que no se esgota num mero falar sobre" as histrias e os textos bblicos em linguagem abstrata e intelectual.

    Um alvo central do bibliodrama esforar-se por um trabalho srio com a Bblia. As cenas da dramatizao desenrolam-se pela abordagem de vrias dimenses:

    criatividadeestticaexperincia, pessoal e social (no gru-

    po).Elas incluem dinmicas abertas,

    participativas e dialogais, que abarcam as dimenses da afetividade, da ao e da razo.

    Trata-se, portanto, de um processo anlogo ao psicodrama e ao sociodrama, que elaboram conflitos pessoais (psi- co) e de relacionamento grupai (s

    cio). Um eixo central da reflexo, da percepo e das experincias bibliodra- mticas pode ser reconhecido em seus referenciais especficos'.

    o texto bblico, enquanto palavra viva de Deus,

    o eu pessoal, enquanto elemento do si-prprio individual,

    o grupo, enquanto mbito das formas de trabalho, e

    o contexto social, enquanto determinante da pessoa e do grupo.

    3.2 - Trs tarefas especficas nas fases do bibliodrama

    A caminhada bibliodramtica percorre, em geral, trs fases:

    a) Introduzir ao trabalho, possibilitando desde logo um acesso no apenas ao texto bblico, mas um relacionamento descontrado consigo mesmo e com os demais participantes do grupo, que se preparam, assim, para a tarefa comum (p. ex., descontrair-se, meditao, roda associativa, etc.). Partem de referncias pessoais, abertas e livres, relacionadas com a(s) temtica(s) do texto;

    b) Realizar tarefas participativas no grupo, s vezes em pares, com dinmicas espaosas e folgadas (p. ex., exerccios imaginrios, desempenho de papis, dramatizaes, meditaes, cantos, msica, dilogos temticos e pessoais em tomo do texto e das temticas descobertas nele, oraes, etc.);

    c) Concluir, avaliar juntos o desenvolvimento das diversas tarefas e do todo.

    Considerando que o bibliodrama pretende ser um caminho entre outros para relacionar adequadamente a Bblia com

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  • a vida real cotidiana dos participantes, em geral indispensvel percorrer as trs fases, sem omitir nenhuma, a fim de facilitar um encontro e um trabalho eficientes.

    Disso resultam as trs tarefas especficas da liderana, que so ajudar a estruturar, realizar e avaliar em conjunto principalmente as encenaes.

    3.3 - Detalhes a observar quando a turma no est

    acostumada

    Turmas orientadas para formas cooperativas de aprendizagem, e alunas e alunos que j fizeram a aprendizagem de aprender a pensar autonomamente e de relacionar-se pessoal e afetivamente, no tero maiores dificuldades de acesso a encenaes bibliodramticas. Pelo contrrio, turmas acostumadas apenas a uma forma frontal e diretiva de ensino, que produz uma aprendizagem mais passiva, geralmente precisam de uma dupla preparao at que saibam lidar com dinmicas abertas e participativas, a fim de integrar elementos bibliodramticos em seu trabalho de aprendizagem.

    A (dupla) preparao consiste em:a) uma preparao a longo prazo que

    permita experimentar, inicialmente, formas prvias de dinmicas ou participaes mais simples que as que exigem os elementos bibliodramticos (p. ex., exerccios de interao, para conhecer-se e relacionar-se mais pessoalmente, bem como a prtica de dilogos que observem as regras bsicas de conversas simtricas a partir do respeito mtuo), e

    b) uma organizao detalhada e paciente, imediatamente antes do jogo previsto (esclarecendo a situao concreta da qual o jogo deve partir, o setting ou ponto de partida).

    Para obter condies ideais de trabalho com elementos bibliodramticos, passveis de ser utilizados no ensino religioso escolar e confirmatrio, necessrio proceder adotando algumas cautelas:

    aa) No que diz respeito ao planejamento de jogos abertos:

    - proporcionar clareza sobre os papis a serem representados, esclarecer com os participantes quem gostaria de assumir (livremente!) que papel; indispensvel que os atores reconheam (e formulem) tarefas ntidas, a fim de que cada um/a possa preparar, imaginar, limitar e repensar seu papel;

    - partir de uma situao inicial { setting) bem determinada, que seja fcil de ser entendida (um caso claro, um problema concreto, um pequeno conflito, algo tpico que acontece na vida diria);

    Se no for assim, os atores, principalmente os mais jovens, so prematuramente exigidos demais, ficam quase desamparados, e reagem forados, sem chegar a realizar aes expressivas e coerentes. Nessa situao permanecem calados e inertes, ou, inversamente, fazem bobagens e qualquer baguna, sem demonstrar interesse por um trabalho responsvel que tenha sentido;

    bb) A/o lder precisa esclarecer, sempre de novo, seu prprio papel, que pode atingir vrios aspectos (ser somente lder; ser lder e participante; nesse caso, em que medida e em quais situaes, que papel desempenhar, etc.). Tanto no incio quanto durante o desenvolvimento e no final, a tarefa da liderana consiste em iniciar processos, incentivar e acompanhar, para possibilitar participaes autnticas e improvisaes genunas. muito importante abrir espao para contribuies livres e pessoais, por um lado

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  • no regulamentadas, e por outro flexivelmente direcionadas e levemente estruturadas, para evitar repeties desnecessrias e cansativas, bem como desvios caticos e frustrantes, que derivam das expectativas altamente narcisistas de alguns participantes.

    A tarefa da/o lder, no entanto, no pode ser a de oferecer ao grupo, talvez perplexo e inativo, solues prontas, mas, sim, de incentivar os participantes a:

    - perceber seus sentimentos,- formular suas perguntas e- experimentar caminhos e solues

    possveis.

    3.4 - A dramatizao como tarefa exigente e sria

    Por ser uma tarefa realmente criativa, a dramatizao, como uma constante especfica do bibliodrama, resulta sempre num trabalho srio e exigente.

    As formas abertas de dramatizao, as cenas, as dinmicas livres, as pantomimas e danas, etc., altemam-se com conversas pessoais e dilogos intensivos em tomo do texto bblico. Quando necessrio, breves informaes exegticas podem e devem ser oferecidas na progresso do processo cooperativo (evitando fazer longas palestras iniciais).

    As perspectivas da ao concentram-se em vrias condies e tarefas:

    a) Atualizao: qual o significado para mim, para o grupo; quais as situaes concretas da vida e qual a dimenso da vida da f; quais a exigncias possveis e realistas do compromisso cristo, etc.;

    b) Os rituais que facilitem uma elaborao comum e prpria do grupo; as festas acontecem, geralmente, no final;

    c) Um fim aberto das encenaes e dos dilogos, uma vez que processos realmente criativos no prevem um resultado fixo ou exato no final;

    d) Trabalho em equipe, com um/a lder formado/a (e mais uma pessoa com experincia bibliodramtica como assistente), cerca de dez participantes, atuando todos num intercmbio de alteridade (uma vez, alguns de forma mais ativa, outras vezes, afastando-se do centro das atividades para abrir espao para os demais);

    e) Disposio para, caso necessrio, abandonar um processo metodolgico e construir um novo;

    f) Capacidade de trabalhar com destreza os mtodos de dinmica de grupo;

    g) Um/a lder (formado/a) com suficiente experincia e firmeza interior para saber lidar com alguns problemas delicados e sensveis que, s vezes, surgem (depresses, agresses, projees, transferncias, etc.).

    Disso resulta que qualquer diletantismo significa sempre um grande perigo real. A conseqncia para o ensino religioso que muitas vezes somente se podem integrar alguns elementos bi- bliodramticos (= dinmicas abertas e participativas!) no trabalho cotidiano e nos projetos pedaggicos.

    3.5 - Vantagens

    Apesar de eventuais dificuldades e das exigncias reais que o trabalho bi- bliodramtico significa, no deveriam ser desprezadas suas grandes vantagens. Trata-se de redescobrir o trabalho com a Bblia como livro da vida real e pessoal.

    A realidade que no bibliodrama se precisa de tempo para:

    - compreender o texto bblico como um todo e nos seus detalhes,

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  • - esclarecer mal-entendidos da pessoa e do grupo,

    -manifestar impresses, idias, fantasias e desejos,

    - trocar informaes e pareceres,- contar lembranas, ouvir os outros

    atentamente e falar da experincia prpria,

    - assumir e apresentar diferentes papis e pontos de vista.

    As histrias bblicas ganham um significado enorme, j ao serem adequadamente narradas. Nas apresentaes bi- bliodramticas (prprias, pessoais e engenhosas) elas podem ser experimentadas de forma ainda mais intensiva e integral. Os participantes comeam a ver-se a si mesmos, aos outros, ao mundo e ao texto em perspectivas diferentes das que tinham experimentado at agora. Os horizontes se alargam, o olhar tor- na-se mais aguado e abrangente, apro- ximando-se das profundezas do prprio inconsciente, das projees e transferncias.

    Esse trabalho engajado reativa qualidades e atos de conhecimento e de comportamento social, como, p. ex.: intuio, percepo da realidade (percepo de si mesmo e dos outros), formulao de desejos ocultos e reprimidos, energia e nova dinmica pessoal, descoberta de novas possibilidades, sagacidade, interesse palpitante, resistncia, catarses emocionais (entre conformar-se, sublevar-se ou permanecer reprimido), aceitao dos prprios limites, das faltas e dos erros, etc.

    No bibliodrama podem acontecer identificaes assombrosas e desconcertantes com personagens da Bblia ou com foras da realidade psquica do ser humano. Os participantes podem, p. ex., descobrir limites e possibilidades pessoais diante das exigncias radicais da Bblia ou diante de certas demandas e expectativas do prximo. O processo de esclarecimento ajuda ora a decidir cortes, subtraes adequadas ou necessrias, ora a obter um novo incentivo para empreender tarefas indispensveis.

    4 - guisa de concluso: Bblia ou drama?

    Bblia ou drama? uma alternativa que no deveria ser mal-entendida, como se o drama significasse simplesmente /codrama ou .vociodrama, no sentido de um trabalho exclusivamente psicolgico, sem a Bblia nem a f. O bibliodrama um trabalho bblico, um processo tanto espiritual quanto de construo (psicolgica e intelectual) do conhecimento (Gerhard Mareei Martin). Como trabalho especificamente bblico, o bibliodrama ajuda para uma maior experincia de si prprio. A palavra drama significa literalmente: ao, aconteci

    mento ou sucesso (no sentido do que ocorre na vida diria).

    Embora o bibliodrama possa utilizar elementos psicodramticos, h uma diferena fundamental: nos trabalhos de dinmica de grupo o alvo geralmente um processo teraputico explicitamente relacionado a uma determinada pessoa. No bibliodrama, porm, trata-se de um encontro com a Bblia no grupo. Por isso no existem, no bibliodrama, os protagonistas do psicodrama. Dentro desses limites, a prtica bibliodramtica bem pode criar um efeito teraputico no amplo sen-

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  • tido de therapeuein: tomar-se cada vez mais um pouco mais idntico consigo mesmo e, por conseqncia, sadio.

    A Bblia trata de conflitos bsicos do ser humano (do nascimento at a morte), dos relacionamentos fundamentais (homem - mulher, pais - filhos, superior - subordinados, etc.) e da vida social (violncia - paz, carncia - abundncia, trabalho - explorao - mais- valia de valor - libertao, etc.). Por isso,

    o trabalho engajado dos fiis com a Bblia pode ter no apenas conseqncias teraputicas para os indivduos, mas tambm decorrncias sociais, devido a novos conhecimentos da f pessoal. tambm por isso que fiis interessados, exclusiva ou principalmente, em manter uma poltica conservadora e uma ordem scio-econmica de explorao sistemtica lanam descrdito sobre o bibliodra- ma e, entre outras, o boicotam.

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    Roberto Daunis Ellwanger Strasse 22

    D-71640 Ludwigsburg Alemanha

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