REVISTA REDE nº 24 - direitos humanos

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Ano XI- Edição 24 - julho de 2015 Revista Institucional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais direitos humanos

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Direitos humanos: esse é o tema central desta edição da revista Rede. Os avanços e desafios para a promoção da igualdade racial no Brasil, a importância das ações afirmativas e do enfrentamento do racismo por meio da educação, alguns aspectos da atuação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) na defesa de grupos minoritários historicamente vulnerabilizados, números alarmantes da violência contra a mulher no Brasil e uma reflexão sobre formas de combate desse mal, entre as quais a aprovação da chamada Lei do Feminicídio e os direitos dos adolescentes em conflito com a lei penal são abordados nesta edição.

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Ano XI- Edição 24 - julho de 2015

Revista Institucional do MinistérioPúblico do Estado de Minas Gerais

direitos humanos

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Procurador-geral de JustiçaCarlos André Mariani Bittencourt

Corregedor-geral do Ministério Público Luiz Antônio Sasdelli Prudente

Ouvidora do Ministério Público Ruth Lies Scholte Carvalho

Procurador-geral de Justiça adjunto jurídicoWaldemar Antônio de Arimateia

Procurador-geral de Justiça adjunto administrativoMauro Flávio Ferreira Brandão

Procurador-geral de Justiça adjunto institucionalGeraldo Flávio Vásques

Chefe de gabinetePaulo de Tarso Morais Filho

Secretária-geralÉlida de Freitas Rezende

Diretora-geralSimone Maria Lima Santos

Revista Institucional do Ministério Público de Minas Gerais

Tiragem: 2.000 exemplaresImpresso por Del Rey - Indústria gráfica & editora

Nossa capa

Comunidades da região do IsidoroFotógrafo: Alex Lanza

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EDITORIALDireitos humanos: esse é o tema central desta edição da revista Rede. Os avanços e desafios para a promoção da igualdade racial no Brasil, a importância das ações afirmativas e do enfrentamento do racismo por meio da educação são assuntos abordados na entrevista com a ex-ministra chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) Luiza Helena de Bairros.

Uma reportagem especial traz alguns aspectos da atuação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) na defesa de grupos minoritários historicamente vulnerabilizados, entre eles a adesão da instituição à campanha Igualdade racial é pra valer. A atual ministra chefe da Seppir, Nilma Lino Gomes, fala sobre a importância da parceria para a implementação de ações educativas.

Outra reportagem apresenta números alarmantes da violência contra a mulher no Brasil e uma reflexão sobre formas de combate desse mal, entre as quais a aprovação da chamada Lei do Feminicídio. Os direitos dos adolescentes em conflito com a lei penal são tratados na matéria A busca pela efetivação do atendimento socioeducativo.

O direito à moradia inspirou o ensaio fotográfico Na areia, que traz imagens das comunidades Esperança, Vitória e Rosa Leão, localizadas em uma área conhecida como Isidoro, na região metropolitana de Belo Horizonte.

A reportagem Correndo atrás do prejuízo mostra como o aprimoramento do trabalho do MPMG na Defesa da Ordem Econômica e Tributária vem aumentando a recuperação, para os cofres públicos, de valores de impostos sonegados.

Ainda nesta edição, no momento em que o Sudeste do país enfrenta uma grave crise hídrica, especialistas apontam a preservação das matas como medida fundamental para que esse bem tão precioso não falte. Veja como o MPMG contribui para a criação e a efetivação de unidades de conservação em Minas Gerais.

Na estreia da coluna Memória, a contribuição do MPMG para a criação do museu Espaço dos Anjos – casa onde residiu e faleceu o poeta paraibano Augusto dos Anjos – em Leopoldina, na Zona da Mata mineira. Na editoria de Cultura, conheça um pouco do trabalho do estilista mineiro Ronaldo Fraga e o Guia de Parques Estaduais de Minas Gerais, uma publicação do MPMG em parceria com o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a Editora Horizonte.

Boa leitura.

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ATUAÇÃO do MPMG na defesa de grupos minoritários historicamente vulnerabilizados

UNIDADES de conservação são fundamentais para a preservação das nossas “caixas d’água” : as matas

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Alex Lanza

Alex lanza

Alex lanza

SUMÁRIO

RECURSOS HÍDRICOS

DIREITOS HUMANOS

LEI DO FEMINICÍDIOO QUE muda no combate à violência contra a mulher

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4 ENTREVISTA

LUIZA Helena de Bairros fala sobre os desafios para a promoção da igualdade racial no Brasil e da importância do enfrentamentodo racismo por meio da educação

CARTAS & CIA.

38 MEMÓRIAINQUÉRITO que trata do tombamento da casa onde viveu o poeta Augusto dos Anjos, em Leopoldina, é entregue ao Memorial do Ministério Público

ESPAÇO de interação com o leitor

32 FORÇA-TAREFA que envolve o MPMG e o governo estadual produz efeitos inéditos na recuperação de ativos para os cofres públicosSONEGAÇÃO

26 FOTOGRAFIAS mostram como vivem moradores das comunidades Esperança, Vitória e Rosa Leão, localizadas na região metropolitana de Belo HorizonteENSAIO

44 CULTURA UNIDADES de conservação: patrimônio natural de Minas Gerais

48 BOAS PRÁTICAS PROMOTORES de Justiça se empenham para transformar a realidade de Minas

46 CULTURA HISTÓRIAS costuradas no tempo: as narrativas de Ronaldo Fraga

20 ADOLESCENTE BUSCA pela efetivação do atendimento socioeducativo

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Igualdade racialMinistra de Estado chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir) durante o primeiro mandato da presidente Dilma (2011-2014), Luiza Helena de Bairros participa ativamente do movimento negro desde o final dos anos 1970. Nesta entrevista à revista Rede, ela fala dos avanços e desafios para a promoção da igualdade racial no Brasil, da importância das ações afirmativas e do enfrentamento do racismo por meio da educação.

Luiza Helena de BairrosPor Meire Ana Terra

Durante quatro anos, a senhora esteve à frente da Seppir. Como o governo federal tem atuado na promoção de políticas públicas voltadas para as populações negras e minorias étnicas? - A Seppir tem atuado, ao longo dos últimos 12 anos, com uma estrutura que tem dois grandes campos de ações finalísticas – um, sob a coordenação da Secretaria de Políticas de Ações

ENTREVISTA

Fotos: Wilson Ribeiro

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Afirmativas (SPAA), que responde por temas trans-versais, como saúde, justiça, educação, mercado de trabalho, e outro, que corresponde à Secretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais (SECOMT), voltada para o desenvolvimento de segmentos que se caracterizam por modos de vida próprios e que du-rante muito tempo estiveram fora das preocupações das políticas públicas.

Ao longo desses anos, várias iniciativas foram implementadas pelas duas secretarias, com destaque, no âmbito da SPAA, para o Plano Juventude Viva, que tem como objetivo reduzir as mortes por causas violentas que atingem notadamente jovens negros do sexo masculino, e para a Política de Saúde Integral da População Negra, além das ações de fomento à inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho, sendo a legislação de cotas no serviço público a mais recente delas.

No que diz respeito à SECOMT, as ações estão sendo implementadas através do Programa Brasil Quilombola (PBQ), com a participação de mais de 15 órgãos da Administração Pública. Além disso, há o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e as ações para povos ciganos.

Quais são os avanços e desafios das po-líticas públicas de promoção da igualdade ra-cial no país? - Os interesses da população negra passaram a ser considerados pelo governo federal há 26 anos, quando foi criada a Fundação Cultural Pal-mares, ligada ao Ministério da Cultura. Depois disso, entre 1995 e 2002, existiu um grupo interministerial que tratava da perspectiva racial nas políticas públi-cas e conseguiu produzir intervenções pontuais na educação e na saúde. Só com a criação da Seppir, em 2003, é que se pode falar num esforço coordenado de formulação da política de igualdade racial. Desse ponto em diante é que foi possível estabelecer os me-canismos necessários para uma ação governamental mais consistente, como a inclusão do tema em vários programas do Plano Plurianual (PPA) 2012-2015, e para as ações perante o Congresso pela aprovação de leis, como foi o caso do Estatuto da Igualdade Racial. Hoje, pode-se dizer que o esforço de transversalizar a política já rende frutos importantes, pois podem ser sentidos com a ampliação de oportunidades para a população negra.

Agora, os desafios ainda permanecem. O prin-cipal deles é fazer com que toda política pública, em qualquer órgão governamental, nas três esferas, seja pensada tendo como princípio a promoção da igualda-de racial. Acho que só assim vai ser possível garan-tir um desenvolvimento inclusivo. Não há mais como pensar o país desconhecendo o fato de que mulheres e homens negros são mais de 50% da população. Nós sempre dizemos que as desigualdades raciais são o núcleo duro das desigualdades sociais que ainda exis-

tem no Brasil, apesar dos importantes e consistentes avanços que o país tem feito, possibilitando um pro-cesso de mobilidade social realmente inusitado.

Como tem sido a execução da lei que in-cluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultu-ra afro-brasileira? - Essa lei é um dos principais marcos para o enfrentamento ao racismo e fomento a políticas públicas de igualdade racial e nós atuamos no limite das nossas competências para sua imple-mentação já que a política educacional é responsabi-lidade primária do Ministério da Educação (MEC) e das secretarias estaduais e municipais de educação. É bom lembrar que as instituições de ensino superior também têm um papel importante a cumprir nisso, pois cabe a elas formar os professores. Por isso, é preciso incluir nos currículos dos cursos, especialmen-te nas licenciaturas, conteúdos sobre história e cul-tura africana, sua importância no mundo e no Brasil.

O MEC tem oferecido vários cursos de forma-ção continuada, em parceria com universidades, para que professores e gestores possam contribuir mais na transformação da educação, transformando-a em um espaço de valorização da diversidade étnico-racial. A Seppir é parceira de boas iniciativas de formação, com os cursos Gênero e diversidade na escola e Ges-tão de políticas públicas em gênero e raça, ambos re-alizados com a Secretaria de Políticas para Mulheres.

Além disso, o MEC e a Seppir têm apoiado o cumprimento da lei, participando do projeto A cor da cultura, que já está na terceira edição. Esse é mais um esforço de formação de professores das redes municipais e estaduais, com a produção de materiais audiovisuais para uso nas escolas e veiculação no Ca-nal Futura. Esse projeto foi, primeiro, proposto pela organização não governamental Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro e ganhou a parceria do Programa Petrobras Desenvol-vimento e Cidadania, do governo federal e da Funda-ção Roberto Marinho. Quem quiser pode ter acesso aos materiais criados nesse projeto. Acho que eles servem não só para professores, mas para quem se interessa em promover relações mais justas entre as pessoas.

Qual o impacto esperado com a imple-mentação da lei que reserva vagas raciais no serviço público federal? - A Lei 12.990 foi sancionada no dia 9 de junho de 2014 e resultou de uma iniciativa do Poder Executivo. Desde então, o governo brasileiro reserva aos negros 20% das vagas ofertadas em concursos públicos. Isso vale tanto para a administração direta como para a indireta, que inclui as autarquias, fundações, empresas públicas e so-ciedades de economia mista controladas pela União. Com essa amplitude, nossa expectativa é que a lei tenha um impacto positivo sobre as oportunidades abertas para a população negra. Isso vem comple-

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mentar as ações afirmativas para negros, que já estão sendo adotadas no acesso ao ensino superior, abrindo espaço em ocupações mais va-lorizadas do serviço público.

É bom lembrar que pelo menos cinco esta-dos – Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio de Janeiro e Bahia – e cerca de 40 municípios já adotaram medidas semelhantes. O setor público sempre foi muito importante no emprego de traba-lhadores negros e isso vem se dando em maior es-cala no âmbito municipal, depois no estadual e em número menor no federal, quase sempre em cargos de níveis auxiliar e intermediário. Com as cotas nos concursos, vamos despertar maior motivação para que as pessoas negras concorram aos cargos de nível superior.

Nós entendemos que quem ganha com essa lei é a sociedade brasileira como um todo, e não apenas quem ingressar no serviço público por meio da ação afirmativa. A ideia é que a maior diversidade entre os servidores também beneficie o país, já que as polí-ticas públicas passarão a refletir sobre as contribui-ções de técnicos e gestores vindos de experiências diversas, mais preparados para fazer com que a ação governamental leve em conta as demandas e os inte-resses de diferentes segmentos da população.

É possível viver em um país com igualdade racial e com presença de ra-cismo ao mesmo tempo? - Eu diria que, no geral, o racismo é incompatível com a democracia. Obviamente, enquanto o racismo perdurar como manifestação social, ele sempre vai tentar sabotar as conquistas da promoção da igualdade racial. Veja, por exemplo, os casos de racismo vividos por estudan-tes negros, que, nos últimos anos, entram em maior número para universidades públicas e particulares.

Por isso, precisamos conciliar medidas objetivas, que são os instrumentos de promoção da igualdade racial, com ações de garantia de direitos e de enfren-tamento ao racismo. É importante investir na mudan-ça de mentalidades através do sistema educacional e, de modo muito especial, dos meios de comunicação.

O movimento social negro tem tido um papel importante no combate ao racismo, mas não pode mais ser o principal responsável por isso. O Poder Ju-diciário, por exemplo, precisa incorporar a legislação antirracista existente e condenar de modo exemplar os que praticam esse crime. As pessoas podem até não gostar de negros, mas não têm o direito de impe-dir a nossa participação plena na vida da sociedade. É uma luta árdua e a vigilância tem que ser constante.

Luiza Helena de Bairros nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde diplomou-se em Administração Pública e em Administração de Empresas pela Universidade Federal gaúcha.

Vive em Salvador, na Bahia, desde 1979, quando passou a atuar no Movimento Negro Unificado (MNU). Sua militância no movimento de mulheres teve início em 1981 com a formação do Grupo de Mulheres do MNU. Participou ativamente das prin-cipais iniciativas do movimento negro na Bahia e no Brasil, sendo eleita, em 1991, como primeira coordenadora nacional do MNU, organização em que permaneceu até 1994.

No mesmo período, trabalhou na então Secretaria do Tra-balho e Ação Social do Estado da Bahia gerenciando programas de apoio ao trabalhador autônomo e participando de pesquisas

e estudos sobre o mercado de traba-lho naquele estado. Dessa experiência, resultou sua dissertação de mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), intitulada Pe-cados no paraíso racial: o negro no mer-cado de trabalho da Bahia – 1950-1980.

Em 1998, ao retornar de uma temporada de quatro anos nos Esta-dos Unidos, onde cursou pós-gradua-ção em Sociologia pela Michigan State University, tornou-se pesquisadora as-sociada do Centro de Recursos Huma-nos (CRH) da UFBA e fundou o Projeto Raça e Democracia nas Américas, em parceria com a organização norte--americana Conferência Nacional de Cientistas Políticos Negros. Essa inicia-tiva promove a troca de experiências

entre estudantes de pós-graduação afro-brasileiros e pesquisa-dores afro-americanos.

Foi também professora de Sociologia na Faculdade de Di-reito da Universidade Católica de Salvador (UCSAL). Trabalhou como consultora do Sistema Nações Unidas no Brasil no pro-cesso da III Conferência mundial contra o racismo e em projetos de interesse da população afro-brasileira. Entre os projetos de cooperação internacional nos quais atuou, destaca-se o Progra-ma de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), implementado nas prefeituras do Recife e de Salvador e no Ministério Público de Pernambuco, com o apoio do Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

De agosto de 2008 a dezembro de 2010, foi titular da Secre-taria de Promoção da Igualdade do Estado da Bahia (Sepromi). Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2014, foi ministra de Estado chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.

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Ano 2070. O cenário é desolador. O mundo está no último estágio antes do colapso, se é que ele já não veio. Água, apenas para o es-sencial. Meio copo por dia para beber. Banho? Com água, nem pensar. O curta-metragem A carta 2070, disponível na internet, faz uma pre-visão bem pessimista do futuro do mundo. O cenário catastrófico é um alerta de que, para evitarmos o pior, precisamos fazer a coisa cer-ta hoje.

E o que é a coisa certa? Economizar água é um bom começo, mas não é a única forma, nem a medida mais eficiente. Para vários es-pecialistas, o mais importante é proteger as matas, que são nossas caixas-d’água. Elas são as responsáveis por armazenar a água das chu-vas, fazendo com que o líquido se infiltre na terra e alimente nascentes e lençóis freáticos.

A superintendente da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente, Maria Dalce Ri-cas, é taxativa ao falar da relação entre uma área preservada e a disponibilidade de água: “É uma relação direta.” Ela explica que o pro-blema da falta de água na região Sudeste vem sendo tratado como uma questão relativa ao consumo e à distribuição. Segundo Dalce, o desperdício no processo de distribuição, que chega a 40%, e o problema cultural, que faz

com que pessoas lavem calçadas com man-gueiras, realmente têm um papel relevante no atual cenário de escassez. No entanto, ela adverte que “não existe água sem cobertura vegetal”.

Segundo o Instituto Estadual de Florestas (IEF), Minas Gerais possui 3 milhões de hecta-res de áreas protegidas. Entre elas, estão as áreas de proteção permanente, os parques e as reservas legais. “É muito pouco para dizer que nós, efetivamente, estamos protegendo uma fatia expressiva de ambientes naturais importantes que nos garantam a preservação de espécies tanto da fauna quanto da flora e também para proteger a água que nós utiliza-mos”, avalia Maria Dalce.

O diretor de áreas protegidas do IEF, Henri Dubois Collet, concorda: “A quantidade de áre-as [de preservação] poderia ser muito maior”, diz. Ele explica que uma das formas de se au-mentar essa área conservada é por meio da re-serva legal de 20% das propriedades, prevista no Código Florestal desde 1936. “Há um gran-de entrave na hora de implantar uma unidade de conservação e o problema ocorre em todo o país. A regularização fundiária, ou a dificul-dade em realizá-la, influencia diretamente na disponibilidade de água”.

#NãoVaiTerÁguaOu o que podemos fazer para não morrermos de sede

Parque Estadual da Serra da Canastra

Foto: Alex Lanza

Por Eduardo Curi

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“A única maneira de a coisa não piorar ainda mais é parar de fazer gente”, brinca Henri Collet. Ele explica que, ao contrário do que parece, a quantidade de água disponível não diminuiu, mas o consumo aumentou. “Este ano, diminuiu bem a chuva, mas se você olhar o índice pluviométrico de outros anos, está chovendo! Ninguém fala que a construção está crescendo, que a água está sendo mais armazenada, que nós estamos bebendo mais água... é mais gente! Com mais gente se gasta mais água para cozinhar, lavar louça, mais roupa para lavar...”, avalia Collet, lembrando que até mesmo o nosso corpo armazena água.

Outro fator que diminui a água disponível são as ocupações próximas às nascentes e cabeceiras dos rios. À medida que es-sas áreas vão sendo povoadas, a população passa a consumir água que não chegará às comunidades rio abaixo. A necessidade obriga que se busque água cada vez mais longe. Henri conta que já se estuda a captação a 100 km de Belo Horizonte. Sete Lagoas também considera buscar água no rio das Velhas.

Por tudo isso, Henri acredita ser fundamental que se criem novas unidades de conservação. Muitos lugares que hoje são parques estariam sem água se não tivessem sido preservados.

Consumo insustentável

Segundo levantamento do Ministério Público de Minas Ge-rais (MPMG), em 2013, existiam 73 unidades de conservação de proteção integral em Minas Gerais, mas, dos 605.921,67 hectares de áreas protegidas, 426.392,44 ainda não foram desa-propriados pelo estado, de forma que mais de 70% das unidades de conservação mineiras existiam apenas no papel.

As investigações revelaram que havia mais de R$ 69 mi-lhões em pagamentos pendentes de empreendimentos que for-malizaram Termos de Compromisso com o estado a título de medidas compensatórias vinculadas ao investimento nas unida-des de conservação. Há ainda 531 processos de compensação ambiental envolvendo grandes empreendimentos - os mais an-tigos, com trâmite iniciado há mais de dez anos.

Na época, a Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Je-quitinhonha e Mucuri propôs, para tentar resolver a situação, várias Ações Civis Públicas (ACPs), que continuam a tramitar na Justiça. As ações pedem que a Justiça determine ao estado que tome uma série de medidas para proteger seis das mais importantes unidades de conservação de Minas, que, juntas, ocupam uma área de mais de 54 mil hectares.

Segundo o coordenador regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Jequitinho-nha e Mucuri, promotor de Justiça Felipe Faria de Oliveira, as estações ecológicas Mata dos Ausentes e Mata do Acauã e os parques estaduais do Biribiri, do Alto Cariri, do Rio Preto e da Serra Negra apresentam graves problemas, como falta de um plano de manejo, deficiência quanto à regularização fundiária e ausência de estrutura física e de pessoal.

O promotor de Justiça afirma que já existe verba pública em conta bancária com destinação específica para investimentos

Parques de papel

Economizar água é economizar

tudo o que nós consumimos,

pois tudo precisa de água para ser

fabricado.”

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Situação das águas

Mas a escassez não é a única ameaça. Não adianta apenas preservar as nascen-tes se poluímos os cursos d’água. Além da abundância, temos que nos preocupar com a qualidade dos recursos hídricos. Minas Ge-rais tem 36 bacias hidrográficas. O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), desde 2003, faz o controle trimestral da qualidade e da quantidade das águas dessas bacias por meio de testes.

Em 2014, em oito delas, a qualidade da água foi considerada boa. Na comparação com 2013, o Igam avalia que houve uma me-lhora na qualidade da água. “Isso não quer di-zer que ela esteja pura para consumo direto”, diz a diretora de Pesquisa, Desenvolvimento e Monitoramento das Águas do Igam, Ana Carolina Miranda Lopes de Almeida.

Maria Dalce Ricas lamenta que “os rios ainda são encarados como carreadores da nossa sujeira”. Segundo ela, com essa visão, o governo acaba por gastar desnecessaria-mente na resolução de problemas de saúde causados pela água poluída. Além disso, ao não tratar a água, perde-se a oportunidade de reutilizá-la e essa mesma água suja retor-na aos rios, poluindo-os e fazendo com que o governo gaste mais para torná-la utilizável.

nesses locais. “Isso torna possível a imediata tomada de providências para sanar o proble-ma”, aponta.

Há, ainda, na Justiça, outras ações em tramitação cobrando a proteção de áreas de conservação em Minas, caso da Área de Proteção Ambiental do Sul da Região Metro-politana de Belo Horizonte (APA Sul RMBH), do Monumento Natural Serra do Gambá, do Parque Estadual Cerca Grande e da Área de Proteção Especial Aeroporto de Confins.

Somente na APA Sul, os mananciais respondem pelo abastecimento de água de aproximadamente 70% da população da capi-tal mineira e 50% da população de sua região metropolitana. O local também abriga uma das maiores extensões de cobertura vegetal nativa contínua do estado, com mais de 50 mil hectares de remanescentes florestais de Mata Atlântica, além de sítios arqueológicos, cavernas e nascentes.

Em abril de 2015, o MPMG ajuizou uma ACP contra o estado de Minas Gerais e con-tra o IEF para que cumpram o que determi-na a Lei Federal n.º 9.985/2000, destinando efetivamente mais de R$ 198 milhões já arre-cadados para fins de compensação ambiental para implantação e manutenção das unida-des de conservação.

De acordo com o artigo 36 da lei federal que disciplina o Sistema Nacional de Unida-des de Conservação (SNUC), os responsá-veis por empreendimentos de significativo impacto ambiental são obrigados a “apoiar a implantação e a manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral”, disponibilizando um montante de recursos que devem ser investidos pelo órgão com-petente, necessariamente, na implementação dessas unidades, sendo tais recursos verba de aplicação vinculada.

A ACP é resultado de inquérito civil iniciado após representação feita por mem-bro do Conselho de Política Ambiental, que constatou o contingenciamento dos recursos para uso em outras finalidades com graves consequências em detrimento do meio am-biente. “Enquanto mais de R$ 198 milhões que legalmente devem ser investidos na im-plementação da política de proteção à bio-diversidade em Minas Gerais encontram-se disponíveis nos cofres públicos, as unidades de conservação mineiras passam por uma situação de descaso e abandono cada vez mais crescente”, afirma o promotor de Jus-tiça Marcos Paulo de Souza Miranda, coor-denador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas

Gerais. Segundo ele, muitas das unidades de conservação do estado não passam de meros “parques de papel”.

O coordenador do Centro de Apoio Ope-racional das Promotorias de Justiça de Defe-sa do Meio Ambiente (Caoma), Carlos Edu-ardo Ferreira Pinto, explica que o Ministério Público tem papel fundamental na reversão do estado de colapso hídrico. “A sociedade precisa de uma atuação permanente da ins-tituição, defensora dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É por isso que, há tempos, as Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente vêm priorizando atuações focadas na preservação dos recursos hídri-cos, em especial daqueles que compõem os mananciais que abastecem a população. A atuação do MPMG é também no sentido de preservar nossas florestas e buscar a recom-posição das que foram devastadas, princi-palmente das matas ciliares e das reservas legais. As áreas de preservação garantem a proteção dos mananciais”, afirma o promotor de Justiça.

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O que são unidades de conservação?São áreas naturais delimitadas pelo poder público com o objetivo principal de conservar a biodiversidade. Destinam-se à preservação da fauna e flora nativas (sobretudo as espécies ameaçadas de extinção), das formações geológicas, dos recursos hídricos, além da conservação dos valores arqueológicos, históricos e culturais. Promover pesquisas científicas e estudos, o turismo ecológico e a educação também são objetivos no manejo das áreas protegidas.

Aliam a presença humana ao uso ambientalmente correto dos recursos naturais. Em Minas Gerais existem 222 unidades, distribuídas em Áreas de Proteção Ambiental, Florestas Estaduais, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reservas Particulares do Patrimônio Natural.

USO SUSTENTÁVEL

Unidades de conservação em Minas Gerais

Os recursos naturais não podem ser usados de forma direta. Em Minas Gerais existem 72 unidades, entre Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques Estaduais, Monumentos Naturais e Refúgios da Vida Silvestre.

PROTEÇÃO INTEGRAL

A primeira área protegida estadual em Minas Gerais foi o Parque do Rio Doce, criado em 1944 para proteger remanescentes de Mata Atlântica. O Instituto Estadual de Florestas (IEF) é responsável pela administração das unidades de conservação mineiras. No estado, há também Reservas Particulares de Proteção Natural, de propriedade e responsabilidade de pessoas, empresas ou organizações particulares, que se comprometeram a zelar pela integridade de suas áreas e administrá-las. Minas Gerais ainda abriga várias Áreas de Proteção Especial, criadas para proteção de manaciais.

Lagoa Dom Helvécio - Parque Estadual do Rio Doce

Com informações do Guia de Parques Estaduais de Minas Gerais

Evandro Rodney

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Fotos: Evandro Rodney

Cachoeira dos Cristais - Parque Estadual do Biribiri

Manancial Taboões - Parque Estadual da Serrra do Rola-Moça

A importância de um parque é que ele vai proteger as nascentes que vão continuar alimentando os rios”

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ESPECIAL

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” Essas são as palavras do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948. O artigo 2º acrescenta que todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos na Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Bem antes, em agosto de 1789, pouco mais de um mês depois do episódio que ficou conhecido como a Queda da Bastilha, a Assembleia Nacional francesa anunciava a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. No entanto, mais de dois séculos se passaram e os ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade” são colocados em xeque a todo o momento, em todas as partes do mundo, por toda sorte de discriminações e violações de direitos. Os noticiários estão repletos de guerras étnico-religiosas, trabalho escravo, tráfico de pessoas, tortura, tratamento degradante, manifestações de racismo, preconceito de gênero.

No século XXI, a internet, sobretudo as redes sociais, tem sido palco constante de manifestações discriminatórias. Em nove anos, de 2005 a 2014, a organização não governamental SaferNet Brasil recebeu e processou cerca de 3,6 milhões de denúncias anônimas de violações de direitos humanos envolvendo quase 600 mil páginas na internet hospedadas em 96 países dos cinco continentes. Apenas em 2014, foram 189.211 denúncias anônimas envolvendo 58.717 páginas. As denúncias são registradas pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.

A sensação de anonimato proporcionada pela rede pode ter estimulado essas manifestações, mas o fato é que racismo, homofobia, intolerância religiosa e outros tipos de discriminação acontecem o tempo todo, nas ruas, nos estádios, nas redes sociais, dentro de casa.

Daí a importância de instituições e mecanismos que contribuam na luta pelos direitos sociais e humanos. Entre as atribuições do Ministério Público, estão a defesa de grupos minoritários historicamente vulnerabilizados e o combate à discriminação.

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grupos minoritáriosA defesa dos

e historicamente vulnerabilizados

Cresce a cada dia a luta por transformações sociais. A efetivação dessa demanda requer esforço coletivo e maior eficácia dos instrumentos de aplicação do Direito e de busca pela justiça social. É nesse vértice que desponta a atuação do Ministério Público (MP) brasileiro. Por seu legado constitucional, é a instituição que reúne as melhores condições para obter êxito na defesa de grupos historicamente vulnera-bilizados. Ciente da complexidade da causa, o MP já vem, há algum tempo, se estruturando nacionalmente para aprimorar a atuação nessa área. Em 2005, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) criou o Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), formado por comissões temáticas que trabalham para abrir caminhos à efetivação dos direitos humanos no Brasil.

Composto por representantes dos Ministérios Públicos dos estados, do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, do Ministério Público Militar e do Ministério Público do Trabalho, o GNDH tem por finalidade promover, proteger e defender os direitos fundamentais dos ci-dadãos. Com atuação em âmbito nacional, o grupo tem como objetivo a efetivação dos direitos humanos a partir da interlocução com a sociedade civil, da articulação entre os Ministérios Públicos, da promoção de convênios e de outros meios de atuação.

O grupo é formado por sete comissões temáticas: Defesa da Saúde, Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso, Infância e Juventude, Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Educação, Meio Ambiente, Habitação, Urbanismo e Patrimônio Cultural e Defesa de Direitos Humanos em Sentido Estrito. Essas comissões reúnem-se, periodicamente, para debater os mais variados assuntos em suas áreas. “Essa formatação permite, então, o debate democrático entre todas as unidades do Ministério Público brasileiro”, afirma Lio Marcos Marin, procurador de Justiça de Santa Catarina e ex-presidente do GNDH.

Além disso, anualmente define-se um tema central a ser estudado por todas as comissões, além dos temas prioritários eleitos por cada uma. A partir daí, “são produzidos estudos e é estimulada a discussão nos encontros ordinários, cujo resultado é a sugestão de projetos, interlocução com outros órgãos de estado e a formulação de ‘enunciados’ para fornecer orientação e inspirar o trabalho dos membros do Ministério Público em todo o Brasil”, explica Lio Marin.

Por Miriângeli Borges

Ao lado: detalhe da obra A liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix. 1830 - Museu do Louvre-Lens

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Detalhe da obra Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de Jean-Jacques François Le Barbier . 1789 - Museu Carnavalet, Paris

A aplicação desse conhecimento ao cotidiano con-tribuirá poderosamente para que a instituição cumpra suas funções, acredita o presidente do GNDH, para quem o grupo promoveu, desde a sua criação, a uni-formização de projetos, de pensamentos e de atua-ção, bem como uma maior articulação entre as diver-sas especialidades de suas comissões. “O discurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul passa a ser afinado com o do Amapá, independentemente da dis-tância geográfica, respeitando-se as peculiaridades. As diretrizes adotadas são de um verdadeiro Ministério Público único”, informa Lio Marin.

O coordenador-geral da Comissão Permanente do Meio Ambiente, Habitação, Urbanismo e Patrimônio Cultural (Copema), Carlos Henrique Siqueira Ribeiro (MP Sergipe), e a coordenadora-geral da Comissão Permanente de Defesa de Direitos Humanos em Sen-tido Estrito (Copedh), Adriane Reis de Araújo (procu-radora regional do Trabalho), concordam que o trabalho do Ministério Público tem sido intenso na área de Di-reitos Humanos, mas que a caminhada a ser percorrida ainda é grande. Conforme explicam, o desafio decorre, primeiro do fato de a instituição ainda ser nova nessa atuação, que se fortaleceu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, e, em segundo lugar, da realidade brasileira e dos abismos sociais históricos, que prejudicam determinados segmentos da socieda-de. “Nas comissões, vamos além do trabalho diário de cada integrante do Ministério Público. Estamos atentos à rica e complexa dimensão do Brasil e nos inspiramos nos princípios da Constituição Federal e sua ampla perspectiva social e progressista”, acentua o presidente do grupo.

Em Minas Gerais, o Centro de Apoio Operacio-nal das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e de Apoio Comunitário (CAO-DH) e as Pro-motorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos (PJDDH) são as estruturas responsáveis pela atuação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) nessa

frente. Esses órgãos zelam pelos direitos de grupos minoritários ou historicamente vulnerabilizados, pelo respeito à diversidade religiosa, pelo direito à moradia; atuam no combate à discriminação de indivíduos ou grupos sociais em razão de etnia, orientação sexual, cor, idade, religião, nacionalidade ou opinião política, na proteção das pessoas em situação de rua e dos cata-dores de material reciclável, além de trabalhar no apoio comunitário e na prevenção e no combate à tortura.

Para a coordenadora do CAO-DH, Nívia Mônica da Silva, nos últimos anos, o MP tem assumido um pro-tagonismo mais autêntico na luta pelos direitos sociais e humanos. Como consequência disso, tem buscado investir, com mais vigor, no aperfeiçoamento dos seus canais de acesso, propondo-se a ampliar seu leque de escuta a todas as pessoas e grupos que eventualmente careçam da intervenção da instituição. “É necessário que o MP esteja mais próximo dos movimentos so-ciais, esteja aberto para escutar o que as ruas estão demandando. A instituição é o elo entre a sociedade e o sistema da Justiça”, reforça Nívia, que defende par-cerias com os conselhos representativos da sociedade civil como uma das formas de se aproximar e buscar espaço junto às populações que historicamente deman-dem maior acesso a direitos fundamentais.

Ainda para a coordenadora do CAO-DH, o Minis-tério Público tem procurado aperfeiçoar-se para de fato se tornar acessível a todos por quem tem o dever de zelar.

Nívia acentua que a força do MP está fora dos órgãos constituídos e que o seu respaldo vem da sua atuação em favor da sociedade, fato este demonstrado nas manifestações de 2013, em que parcela significati-va da sociedade expressou seu posicionamento contrá-rio à PEC 37, pedindo que o poder de investigação do MP fosse mantido. “Esse foi um importante momento para a tomada de consciência de que a instituição pre-cisa se apropriar, com amplitude, do seu papel”, alerta a coordenadora do CAO-DH.

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Frentes de atuação

A despeito do enredamento da área, a PJDDH de Belo Horizonte carrega atuações com a marca do pioneirismo. Em 2007, ela chamou para si todos os inquéritos policiais e processos criminais relativos a crimes de injúria racial, e, diante das deficiências es-truturais da polícia, por várias vezes, tomou a iniciati-va de realizar as investigações necessárias. Em outra frente, a PJDDH tem buscado intervir nos conflitos possessórios urbanos, como no caso da reintegração de posse dos edifícios conhecidos como ‘Torres Gême-as’, na capital.

No âmbito da fiscalização das condições do cárce-re, o MPMG realiza inspeções rotineiras nas unidades prisionais. Em 2009, essa atuação levou a uma ampla reforma da carceragem do Centro de Remanejamen-to do Sistema Prisional (Ceresp) de Belo Horizonte, unidade Gameleira. Suas celas foram remodeladas

e adequadas aos padrões mínimos de salubridade e segurança. Foi também pela intervenção da PJDDH que, na mesma época, o conhecido “depósito de presos da Lagoinha” foi desativado, pondo fim a um longo e nefasto capítulo da história prisional da capital mineira.

O mesmo intento está voltado, atualmente, para o Ceresp Centro-Sul, carceragem feminina, considerada a porta de entrada de detentas no sistema prisional de Belo Horizonte. Atualmente, a demanda do MPMG é que o estado de Minas Gerais construa, no terreno onde funciona o Complexo Penitenciário Estevão Pinto, uma unidade com o perfil mais apropriado para receber mulheres.

O CAO-DH tem trabalhado também, em conjunto com a Promotoria Estadual de Defesa da Educação (Proeduc), a cultura do respeito às diferenças e o en-frentamento às diversas formas de preconceito, levan-do às escolas de nível fundamental de Belo Horizonte uma ação intitulada Educando para a igualdade.

Os casos de violência contra adolescentes autores de ato infracional são outra constante preocupação da área de Direitos Humanos do MP de Minas, que tem se valido de parcerias com a Promotoria de Justiça de Defesa da Criança e do Adolescente e com a Secre-taria Municipal de Saúde para detectar essas ocor-rências, com base no teor das denominadas “fichas de notificação de violência e maus-tratos”, elaboradas por esses órgãos.

A atuação da PJDDH perpassa, inclusive, pelas áreas de Meio Ambiente e Urbanismo. Nesse contexto, vale mencionar a ação cautelar proposta em razão da queda do viaduto Batalha dos Guararapes, em junho de 2014, quando era realizada, no Brasil, a Copa do Mun-do da Fifa, para resguardar os direitos dos moradores da região. Ainda nesse campo, registra-se a participa-ção das promotoras de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e da coordenadora do CAO-DH nas visitas e no levantamento realizados na comunidade do Isidoro, no município de Santa Luzia, região metropolitana de

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Por sua vez, os promotores de Justiça de Defesa de Direitos Humanos de Belo Horizonte, Cláudia do Amaral Xavier, Cláudia Spranger, Janaína de Andrade Dauro e José Silvério Perdigão falam do largo alcance do trabalho nessa esfera. “Não há uma única face que retrate esta Promotoria de Justiça especializada. Pode-mos arriscar em dizer que a área de Direitos Humanos é um mosaico, onde inúmeras facetas se entrelaçam, se cruzam, se tocam”. A área de Direitos Humanos, constantemente, atua em parceria com outras áreas do Ministério Público como Educação, Defesa da Criança e do Adolescente, Combate à Violência Doméstica, Defesa do Meio Ambiente e Inclusão e Mobilização Sociais. “Em razão de tal realidade de transversalidade, as atribuições das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos são subsidiárias às demais es-pecializadas em alguns pontos de interseção”, explicam os promotores de Justiça.

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Belo Horizonte, para aferir as condições de vida da população que ocupa o local.

A PJDDH também tem atuado de forma sistemática em feitos de desapropriação, de usucapião e de conflitos pos-sessórios urbanos de cunho coletivo. Na área cível, tem se empenhado na propositura de Ações Civis Públicas em casos de improbidade administrativa praticada por agentes policiais, correlatos a ilícitos criminais por estes perpetrados.

Em 2014, o Conselho Nacional o Ministério Público (CNMP), por meio de nota técnica dirigida às unidades es-taduais, apontou para a necessidade de o Ministério Público atuar de maneira mais enérgica no combate à violência ho-mofóbica.

A nota técnica, que leva a assinatura do procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, indica aos MPs a criação e a instalação dos Comitês de Enfrentamen-to à Homofobia onde esses grupos ainda não se encontram em efetivo funcionamento. Esses grupos serão integrados à estrutura do Sistema Nacional de Garantia dos Direitos Hu-manos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT.

O mesmo documento foi também encaminhado à Se-cretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR), bem como ao CNPG e à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, para conhecimento e adoção das providências cabíveis.

O CAO-DH tem procurado estimular a formação desses comitês de enfrentamento à discriminação baseada em orien-tação sexual e identidade de gênero, além de criar condições para que o MPMG amplie e torne mais eficiente sua atuação junto a esse grupo.

A doutoranda em Psicologia Social Rafaela Vasconcelos, pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH–UFMG), destaca a necessidade de se pensar coletivamente sobre a vivência das populações minoritárias do Brasil. Além disso, reforça que, com a entrada do Minis-tério Público e de outros órgãos constituídos na defesa da população LGBT, abriu-se mais oportunidade para a cobrança de posicionamentos oficiais com relação à violência sofrida por essas pessoas. Segundo a psicóloga, essas agressões só aparecem ao final, não raro apenas quando a pessoa já está morta, do que decorre a urgência e a importância de se aprofundar a atuação das instituições.

Com relação à situação que pesa sobre essas minorias, a presidente do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais, Anyky Lima, expõe o sentimento de exclusão experimentado pela comunidade LGBT: “Não somos apenas siglas, letrinhas e rótulos, somos seres humanos que necessi-tam de respeito, de dignidade e do direito à vida”. Ela afirma que o Ministério Público tem contribuído para dar visibilidade à população de travestis e transexuais, atuando como porta de ingresso para essa comunidade tão vulnerabilizada, alvo de constantes violências, ao mundo dos direitos já acessíveis a outros grupos sociais.

Combate à homofobia

Não somos apenas siglas,

letrinhas e rótulos, somos seres humanos

que necessitam de respeito, de dignidade e do

direito à vida.”

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“Atualmente verificamos avanços em relação à implementação da História da África e das culturas afro-brasileiras nas nossas escolas da educação básica”. É como avalia a ministra de Estado chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República, Nilma Lino Gomes, sobre a receptividade das escolas brasileiras para inserir, em sua grade curricular, o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira.

A percepção da ministra é legítima. É possível perceber alguns primeiros movimentos em favor da nova matéria nas escolas. Nesse contexto, Minas Gerais tornou-se o primeiro estado do país a promover uma campanha de enfrentamento ao racismo e de busca da promoção da igualdade racial nas escolas públicas.

Um dos pilares dessa campanha, batizada Afroconsciência: com essa história a escola tem tudo a ver, é, exatamente, fazer valer a aplicação da Lei Federal 10.639, de 2003, que instituiu a obrigatoriedade do estudo da história da África e dos africanos no currículo dos ensinos fundamen-tal e médio. Diretrizes estruturantes estão sendo definidas pelo governo mineiro, especialmente, para orientar sobre os preceitos da lei. A princípio, os 135 mil professores da rede estadual de ensino estão sendo incentivados a incluir o tema em suas aulas.

Outra ação proposta que visa contemplar os 2,15 milhões de alunos das escolas públicas es-taduais mineiras é a realização de um diagnóstico para identificar como as relações étnico-raciais e a cultura afro-brasileira e africana são tratadas nas escolas. Com base nisso, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) fará um estudo para estabelecer ações sobre o tema, a serem imple-mentadas de 2016 a 2018.

afroconsciênciaO despertar da

nas escolas

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Segundo a ministra-chefe da Seppir, a campa-nha iniciada no estado vai sistematizar e estimular a implantação da Lei Federal 10.639 em todo o país. Para ela, Minas está sendo um impulsionador desse apoio. Queremos articular ações mais amplas em todas as áreas, e outras mais específicas ligadas à educação, afirmou, durante uma de suas vindas a Belo Horizonte, quando esteve na sede do Ministé-rio Público de Minas Gerais (MPMG), participando de atividade sobre educação.

Os avanços vêm ocorrendo, mas ainda é pre-ciso trabalhar arduamente para o ensino da cultura afro-brasileira constar, naturalmente, do conteúdo programático dos estabelecimentos de ensino. Há resistências, admite Nilma Lino, que advêm do pró-prio desconhecimento das pessoas em relação à importância da ancestralidade africana tem para a compreensão do Brasil. Ela alerta que uma “consci-ência afro” é importante para todos, independente-mente do pertencimento étnico-racial, porque isso significa um fortalecimento da cidadania e da de-mocracia, para que a diversidade do país seja cada vez mais valorizada e para que todos possam supe-rar as formas de discriminação que ainda existem.

A ministra informa que até agora, as iniciativas têm sido muito mais frequentes na rede pública do que na rede privada. “Eu acho que a entrada da rede privada nessa discussão ainda é muito inci-piente, mas o atendimento à legislação, à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que foi al-terada pela Lei 10.639/2003, é para todo o Brasil, e, há a necessidade do cumprimento da lei, que é para todos”, enfatiza.

Para fazer valer a lei e disseminar as medidas nas escolas, a Seppir tem tido como aliado, o Mi-nistério Público. Para ela, a instituição tem dado uma grande contribuição em todo o Brasil, espe-cialmente em Minas Gerais.

Essa cooperação foi chancelada pelo Termo de Cooperação Técnica assinado pela Seppir e pelo MPMG, visando à implementação de ações conjun-tas que assegurem a adesão da instituição mineira à campanha Igualdade racial é pra valer. “É um acordo inédito, que foi estabelecido entre a Seppir e o Ministério Público, que visa ações educativas, e também atos que possam ajudar o MP, dando--lhe instrumentos para que ele possa agir, e para que as escolas cumpram o que está determinado na lei”, explica.

Nilma Gomes destaca que o acordo com o MPMG faz parte do Sistema Nacional de Promo-ção da Igualdade Racial (Sinapir), cujo objetivo é a articulação do governo federal com os outros en-tes federados para a construção de políticas de promoção da igualdade racial. “Espera-se que a iniciativa seja desdobrada para outros estados do Brasil e assim fortaleça a política de promoção da igualdade racial.”

Natural de Belo Horizonte, Nilma Lino Gomes é pedagoga, mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutora em Antro-pologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutora em Sociologia pela Universidade de Coimbra.

Professora da UFMG e pesquisadora das áreas de Educação e Diversidade Étnico-racial, com ênfase especial na atuação do movimento negro brasileiro, Nilma Lino Gomes integra o corpo docente da pós--graduação em Educação, Conhecimento e Inclu-são Social da Faculdade de Educação da UFMG e do mestrado interdisciplinar em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis da Universidade da In-tegração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Foi coordenadora-geral do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na UFMG (2002 a 2013).

A ministra Nilma Lino Gomes é membro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), da qual foi presidente entre os anos 2004 e 2006. Também integrou a Câ-mara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (gestão 2010 - 2014), onde participou da comissão técnica nacional de diversidade para as-suntos relacionados à educação dos afro-brasileiros.

Alex Lanza

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RACISMO NO BRASILApós visita oficial ao Brasil, o grupo de trabalho da Or-

ganização das Nações Unidas (ONU) sobre afrodescenden-tes divulgou, em 2014, relatório no qual conclui que, apesar das iniciativas para a promoção da igualdade racial, “os ne-gros do país ainda sofrem racismo estrutural, institucional e interpessoal”.

De acordo com o relatório, embora os afro-brasileiros constituam mais da metade da população do país, são sub--representados e invisíveis na maioria das estruturas de poder, nos meios de comunicação e no setor privado. Essa situação teria origem na discriminação estrutural, que se baseia em mecanismos históricos de exclusão e estereóti-pos negativos, reforçados pela pobreza, pela marginalização política, econômica, social e cultural.

Já o racismo institucional, frequentemente, assume a forma de uma repartição desigual dos gastos públicos. Mani-festa-se também nos baixos indicadores socioeconômicos e no baixo nível de participação na Administração Pública e de representação na vida política. Segundo o grupo de trabalho da ONU, afro-brasileiros se beneficiam proporcionalmente menos de instalações educacionais e de saúde, dos inves-timentos públicos e privados, da infraestrutura básica e de outros serviços. É ele que impede a igualdade de acesso à Justiça e, além disso, manifesta-se nos números despropor-cionais de prisões e representação excessiva de negros na população carcerária.

O racismo interpessoal se apresenta sob a forma de atitudes de rejeição e exclusão contra os afro-brasileiros, re-forçadas por estereótipos e preconceitos amplamente difun-didos pelos meios de comunicação de massa. No relatório, o grupo de trabalho se mostra particularmente preocupado com o racismo sofrido pelas crianças nas escolas e com o respectivo impacto psicológico.

O relatório da ONU aponta ainda a questão da discri-minação múltipla, que afeta, por exemplo, as mulheres e os indivíduos LGBT negros. O documento cita o fenômeno da feminização da pobreza, com a elevada proporção de mu-lheres afro-brasileiras que trabalham em condições precá-rias, principalmente no serviço doméstico, e a dificuldade de acesso à saúde, que acarreta taxas elevadas de mortalidade materna. A discriminação múltipla também se manifesta na perseguição e nas violações dos direitos culturais e da li-berdade de religião sofridas por comunidades religiosas de origem africana, entre outras, o candomblé e a umbanda.

Ao final do relatório, o grupo de trabalho da ONU expli-ca que o fim da desigualdade racial, do racismo, da discrimi-nação, da xenofobia e das intolerâncias correlatas beneficia-rá não só os negros brasileiros, mas também o conjunto da população do Brasil. Reforçará a democracia, a primazia do direito e o desenvolvimento social e econômico. “Esperamos, ainda, que os progressos alcançados no combate ao racismo no Brasil tenham um impacto profundo e duradouro em todos os países da América Latina que compartilham o legado de racismo”, concluem os integrantes do grupo.

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Foto: Mariana Gontijo

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atendimento socioeducativo

A busca pela efetivação do

A redução da maioridade penal provoca controvérsia entre opositores e defensores nas diversas camadas da sociedade. Nos meios especializados, a questão tornou-se um problema a mais num cenário já permeado por indiferen-ça e dificuldade para fazer valer os direitos dos adolescentes em conflito com a lei penal. É grande a apreensão dos órgãos de defesa da infância e juventude que lutam, em todo o país, para melhorar o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes e a política de atendimento socioeducativo, levando-se em conta os marcos legais introduzidos há 25 anos, pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Por força da Lei Federal n.º 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacio-nal de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamentou a execução das medidas socioeducativas, é obrigação do Estado criar, desenvolver e manter programas para a execução das medidas socioeducativas de internação e se-miliberdade. Já os municípios devem oferecer os programas de atendimento socioeducativo em meio aberto, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. Mas, passados 25 anos da promulgação do ECA, a oferta de vagas nas unidades de internação e semiliberdade está muito aquém do neces-sário. E a maioria dos municípios brasileiros ainda não conta com programas estruturados de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, devidamente equipados e providos de recursos humanos bem dimensionados.

Em Minas Gerais, as unidades de internação da capital e de algumas cidades do interior operam muito acima dos limites, registrando, no início de 2015, uma grave superlotação da ordem de 30%. É consenso entre os promo-tores de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belo Horizonte, que atuam junto à Vara de Atos Infracionais, Lucas Rolla, Márcio Rogério de Oliveira, Cíntia Maria Oliveira de Lucena, Flávia Mussi Bueno do Couto, Larissa Rodrigues Amaral, Ana Carolina Garcia Costa, Ângela Fábero, Carla Lafetá, Luciana Giannasi e Giseli Penteado que a oferta insuficiente de vagas em programas de atendimento socioeducativo, de meio aberto e fechado, compromete o trabalho e o investimento de recursos públicos des-pendidos durante o processo e julgamento de cada adolescente, uma vez que

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Por Miriângeli Borges

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as sentenças que aplicam as medidas, muitas vezes, não são cumpridas pela ausência de programas. Além disso, a oferta insuficiente de vagas compromete a eficácia do Sistema de Justiça da Infância e Juventude como um todo, alimentando o mito da impunidade dos adolescentes que cometem infrações penais graves e reforçando o discurso da redução

Ações

da idade penal.A situação da política de atendimento

socioeducativo, em Minas Gerais, não é dife-rente daquela predominante no país. Encon-tra-se fragilizada e atrasada, ainda distante do mínimo estabelecido na legislação. Mas os problemas poderiam ter dimensões bem maiores não fossem as ações desenvolvidas pelo Ministério Público, por meio das Promo-torias de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (PJDCA), no inte-rior e na capital.

Nos últimos cinco anos, por exemplo, a PJDCA de Atos Infracionais da Capital (PJD-CA/BH/Infracional) procurou sistematizar suas atividades e propor novas metodologias e fluxos de trabalho, além de buscar fortale-cer a rede e o sistema de atendimento socio-educativo, através da criação de um fórum de debates permanente, ampliando as ações de monitoramento e de reordenamento da polí-tica de atendimento ao adolescente autor de ato infracional.

Belo Horizonte foi uma das primeiras ca-pitais a estabelecer uma metodologia de ela-boração do plano individual de atendimento (PIA) para as medidas de semiliberdade e in-ternação, tornado obrigatório pela lei que ins-tituiu o Sinase, o que foi possível mediante a realização de uma série de reuniões técnicas realizadas ao longo dos anos de 2010 e 2011, antes mesmo da promulgação da referida lei, sob iniciativa e coordenação da PJDCA/BH/infracional, com participação dos núcleos téc-nicos da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas de Minas Gerais e da Vara de Atos Infracionais.

Uma das principais características da atuação extrajudicial da PJDCA/BH/Infra-cional é buscar o envolvimento de diversos atores dos órgãos públicos e de organizações

da sociedade civil, ligados ao Sinase. Esse abarcamento de perfis diversos tem rendi-do bons resultados. Foi assim, por meio de orientações e de reuniões com técnicos da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) que, em 2013, foi estabelecida a metodologia do PIA para as medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade.

Antes disso, em 2011, a PJDCA/BH/Infracional, em ação apoiada desde o início pela Vara de Atos Infracionais da Capital, coordenou uma série de reuniões com repre-sentantes das políticas municipais de assis-tência social, saúde e educação, resultando na implantação do Núcleo de Atendimento às Medidas Socioeucativas e Protetivas (Namsep), no mesmo prédio onde funciona o Centro Integrado de Atendimento ao Ado-lescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH). Como resultado, os trâmites necessários para a efetivação das medidas socioeducativas e protetivas passaram a ser imediatos, pois os adolescentes e seus pais são encaminhados diretamente das audiências judiciais para o Namsep, onde são agendados os atendi-mentos necessários junto aos programas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, bem como nas redes de saúde, educação e assistência social. Trata-se de um modelo único no Brasil.

Em outra iniciativa semelhante, ao lon-go dos anos de 2010 e 2011, a PJDCA/BH/Infracional percebeu a necessidade de aperfeiçoar os fluxos de encaminhamento de crianças e adolescentes ao Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Amea-çados de Morte (PPCAAM) e convocou uma sequência de reuniões que serviram para de-limitar os papéis das três portas de entrada deste importante programa: o Poder Judiciá-rio, o Ministério Público e o Conselho Tutelar. Com essas redefinições, foram estabelecidos fluxos de comunicação entre esses órgãos e o PPCAAM, contribuindo para evitar desen-contros ou sobreposição de ações, além de agilizar o atendimento inicial e de qualificar o acompanhamento dos protegidos e suas famílias, não apenas durante o tempo de permanência no programa, mas também no momento de seu desligamento e das ações de apoio pós-desligamento, em conformida-de com a legislação e com o respectivo Guia Metodológico Nacional.

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Quase dez anos depois da criação da lei que representou um marco no combate à violência

contra a mulher, o Brasil ainda busca soluções para sair das primeiras posições no ranking dos países

com altos índices de homicídios de mulheres

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Foto: Programa Cidade e Alteridade

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Foi aprovada no Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República uma nova lei que tipificará os crimes cometidos contra as mulheres dentro do contexto doméstico e familiar ou pelo simples fato de a vítima ser mulher. A norma vem sendo considerada a mais significativa para o combate à violência contra a mulher desde a Lei Maria da Penha, sancionada em agosto de 2006.

A Lei n.º 13.104/15 incluiu no Código Penal brasileiro o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, colocando o delito no rol dos crimes hediondos. Quando uma determinada conduta é tipificada, passa a ter um campo específico nas ocorrências policiais, ou seja, não en-tra na categoria genérica de homicídios, o que facilita o controle estatístico referente a esse crime.

Nos casos de homicídio qualificado, as penas podem variar de 12 a 30 anos de prisão. Haverá ainda o agravamento da pena em 1/3 se o crime for praticado durante período de gestação da vítima; contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência, ou se ocorrer na presença de descendente ou ascendente da vítima. Com a aprovação da medida, o Brasil dá um passo em direção ao que tem se tornado tendência em outros países, especialmente na América Latina.

Na Argentina, por exemplo, o feminicídio pode resultar em prisão per-pétua ao criminoso. Na Bolívia, a partir de março de 2013, a pena para esse crime passou a ser de até 30 anos, sem direito a recurso. Na Colômbia, a reforma do código penal endureceu ainda mais a punição a quem assassina uma mulher em função de gênero: pena de 30 a 55 anos. O levantamento foi feito pelo projeto Compromisso e atitude pela Lei Maria da Penha – a lei é mais forte, resultado da cooperação entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o governo federal e o Ministério da Justiça.

No final de 2014, durante oficina sobre o tema realizada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Nadine Gasman, representante do Escritório da ONU Mulheres no Brasil, revelou que, desde 2012, 13 pa-íses já haviam aprovado leis que tipificam o feminicídio: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela. “Esperamos poder ser o número 14”, disse Gasman à época, quando o projeto de lei do feminicídio ainda tramitava no Congresso Nacional brasileiro.

O evento reuniu promotores de Justiça do Tribunal do Júri e de Com-bate à Violência Doméstica e Familiar para debaterem o conceito, as cir-cunstâncias e a investigação de feminicídio no Brasil.

Da Lei

à Lei do

Por André Lana

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Com uma taxa de 4,4 assassinatos a cada 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a sétima posição em um ranking de 84 nações, segundo dados do Mapa da Violência 2012 (Cebela/Flacso). Para se ter ideia, das 43,7 mil mulheres assassinadas no país entre 2000 e 2010, 41% foram mortas dentro da própria casa, mui-tas vezes pelo companheiro ou ex-companheiro. Em Minas Gerais, conforme Pesquisa Nacional por Amos-tra de Domicílios (Pnad/IBGE), o número de mulheres mortas dentro do próprio lar alcançou 55% em 2009.

Para a promotora de Justiça Patrícia Habkouk, da Promotoria de Justiça de Defesa da Mulher de Belo Horizonte, agravar a punição contra o agressor pode representar um passo importante para mudar esse quadro. No entanto, segundo ela, legislações mais rigorosas precisam ser acompanhadas por um inten-so trabalho de conscientização. “O problema é que a maioria das pessoas não pensa que vá ser punida. Acredito que o maior desafio no contexto da violência doméstica e familiar é mostrar que o agressor não tem direitos sobre a pessoa da vítima. A questão é complexa. Precisamos pensar em intervenções sociais mais efetivas. Temos que ter em mente, por exemplo, que o agressor, normalmente, é o provedor da casa”, lembra Patrícia.

Ainda segundo a promotora de Justiça, os as-sassinatos representam o último ato da violência de gênero, que geralmente se inicia por meio de agres-sões verbais. “Normalmente, a violência moral e a psi-cológica existem ao longo da relação, até que chega o dia em que o agressor, já não satisfeito em apenas ofender, parte para a agressão física, o que, em casos extremos, resulta na morte da mulher”, explica.

Importância da conscientização

Pesquisa do Instituto Avon/Data Popular 2013 – Percepções dos homens sobre a violência domés-tica contra a mulher – mostra que 41% dos brasilei-ros conhecem ao menos um homem que foi violento com sua parceira. No entanto, a pesquisa indica que a

Violência que ganha as ruas

violência moral, a patrimonial e a psicológica não são vistas, ainda, como passíveis de enquadramento na Lei Maria da Penha.

Em relação às violências moral e psicológica, do total de homens que responderam à pesquisa, 53% admitiram já ter xingado a mulher, 9% disseram ter ameaçado com palavras, 5% humilharam em público e 35% impediram a mulher de sair de casa. Contudo, grande parte desses homens acredita que esse tipo de caso não requeira denúncia ou acionamento da polícia.

Segundo a promotora de Justiça Patrícia Ha-bkouk, geralmente esses vieses são identificados dentro de um contexto de violência física. Apesar de alertar para a necessidade de acionamento dos órgãos de defesa da mulher em razão de qualquer tipo de violência, a integrante do MPMG admite que é muito difícil ocorrer alguma denúncia de violência moral ou psicológica. “Às vezes a mulher nem se dá conta de que está sofrendo esse tipo de violência há tempos. Além disso, nesse contexto, pesa a dependência eco-nômica, a afetiva, a emocional. É muito difícil romper qualquer relacionamento”, afirma.

Para a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, que, em março, abraçou a cau-sa das mulheres com a campanha Justiça pela paz em casa, a violência doméstica não se interrompe no portão dos lares. “Ela ganha a rua, ganha a praça e se transforma em fúria. Depois, não há quem consiga aplacá-la. Mas somos responsáveis, cada um de nós, pela pacificação das relações”, disse durante visita a Belo Horizonte (foto).

Na opinião da ministra, é hora de transformar o Judiciário e assumir a responsabilidade para mudar a realidade. “Precisamos aplicar as leis, com novas práticas, com um Ministério Público avançado na sua atuação. Quando se trata de violência doméstica, a Justiça não somente tarda, mas também falha. Um júri pode aplicar a lei, mas não a justiça”, avaliou.

No mês de março, a campanha Justiça pela paz em casa promoveu uma mobilização de todos os Tri-bunais de Justiça do país para o julgamento de ações relacionadas à violência doméstica. Ao longo de uma semana, houve um aumento, em quantidade de julga-mentos e de audiências, de quase 1.000%, envolvendo também a atuação intensa do Ministério Público.

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Campanha no Dia da Mulher

O apelo por prevenção e combate à violência doméstica e familiar contra a mulher ecoou no Mineirão, em Belo Horizonte, em 8 de março de 2015, Dia Internacional da Mulher. Durante um dos maiores clássicos do futebol brasileiro, Cruzeiro e Atlético, o MPMG realizou uma ação de conscientização. Antes e durante a partida, uma faixa contendo os dizeres “todos unidos no combate à violência contra a mulher” percorreu os quatro lados do campo. No telão do estádio, estatísticas chamaram a atenção para a realidade da violência doméstica no Brasil, além de compará-la com a de outros países que também enfrentam o problema. A iniciativa foi da Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da capital.

- Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher- Delegacia de Polícia da sua cidade- Promotoria de Justiça de Combate à Violência Doméstica da sua cidade (denúncias também podem ser feitas pelo e-mail: [email protected])- Centro Integrado de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar (CIM) em Belo Horizonte (av. Olegário Maciel, 600, Centro)- Núcleo de Defesa da Mulher Vítima de Violência (Nudem)- Defensoria Pública Especializada na Defesa dos Diretos das Mulheres em Situação de Violência- Secretarias Municipais e Estadual de Saúde- Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas)- Centros de Referência de Assistência Social (Cras)

Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher

André Lana

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ENSAIO

Em 2014, a Justiça definiu que as áreas particulares ocupadas na região conhecida como Isidoro, próxima à divisa entre Belo Horizonte e Santa Luzia, deveriam ser reintegradas aos seus proprietários. As famílias que lá estavam foram firmes e decidiram não sair do local, alegando direito constitucional à moradia.O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) passaram a trabalhar por uma solução pacífica para a desocupação da área, sem a intervenção de força policial, minimizando o agravamento do problema social já existente. Diversos órgãos e instituições buscaram meios de contribuir com a mediação.As lideranças das comunidades Esperança, Vitória e Rosa Leão informavam haver nas áreas ocupadas cerca de 8.000 famílias. Já a prefeitura da capital calculava que 2.500 famílias viviam no local. Para colher elementos precisos que pudessem ser colocados à mesa de negociação, o MPMG e a DPMG realizaram levantamento quantitativo sobre as pessoas que vivem nas ocupações.Ao todo, foram contabilizadas 2.888 unidades ocupacionais, entre alvenarias, madeirites, lonas e lotes demarcados e identificados.Até o fechamento desta edição, o impasse continuava a ser mediado.

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Fotos: Alex Lanza

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NA AREIA

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A terra - As áreas ocupadas pelas comunidades Esperança, Vitória e Rosa Leão, localizadas

na região norte de Belo Horizonte, não possuem um único proprietário, estando segmentadas entre pessoas

físicas, a prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e a empresa

familiar Granja Werneck S.A. De acordo com a PBH,

essas áreas, que coincidem praticamente com toda a

extensão da região do Isidoro – historicamente conhecida

como Córrego da Isidora –, possuem 933 hectares,

quase a mesma área limitada pela avenida do Contorno, que circunda toda a região central da capital mineira.

Ainda segundo informações da prefeitura, a área

ocupada pelas comunidades corresponde a cerca de 150

hectares.

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“A inclusão dos cidadãos em situação de exclusão

há de ser feita pela legalidade para que [eles]

possam exercer a plena cidadania.”

Procuradora de Justiça Gisela

Potério Santos Saldanha

“Enxergamos no MPMG o começo de uma solução,

de um caminho para resolver a situação da

melhor maneira possível, sem que as famílias se machuquem. Todos já

estamos muito abalados com essa situação.”

Rosemilda de Freitas,

uma das coordenadoras

da comunidade Esperança

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“Eu não tenhoonde morar

É por isso que eu moro na areia

Eu nasci pequenininho

Como todomundo nasceu

Todo mundomora direitoQuem mora

torto sou eu”Eu não tenho onde morar

Dorival Caymmi

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As vultosas cifras da corrupção no Brasil impressionam. A cada novo

escândalo, mais zeros são adicionados às propinas, aos desvios, aos contratos

superfaturados. É certo que esses esquemas, presentes nos mais variados

níveis da política e da sociedade, contribuem para atrasar o país, mas outro

fator, recorrentemente subestimado, também compõe o rol de desmandos que dificultam o desenvolvimento da nação: a

sonegação fiscal.

Correndo atrás do prejuízo

Por Théo Filipe

Trabalho integrado e estratégico vem aumentando a recuperação de impostos

sonegados para os cofres públicos. Fraudadores fazem acordos e quitam

seus débitos com o fisco

Foto: Alex Lanza - Operação 3 em 1

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Cálculos do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) divulgados no “Sone-gômetro”, “placar” da sonegação fiscal, apontam que em 2014 o valor de impostos sonegados no Brasil ba-teu a incrível marca de R$ 501,9 bilhões. Os resultados do estudo indicaram ainda que, mantendo-se todos os demais parâmetros constantes, a arrecadação tribu-tária brasileira, no ano passado, poderia se expandir em 27,1%, ou seja, de R$ 1,851 trilhão para R$ 2,301 trilhões.

Em Minas Gerais, sonegadores, alguns acostu-mados a postergar o pagamento de seus débitos há décadas, estão tendo que acertar suas contas com o fisco.Uma força-tarefa que envolve o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o governo estadual tem produzido efeitos inéditos na recuperação de ativos para os cofres públicos.

Estão envolvidos diretamente nessa força-tarefa o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Ordem Econômica e Tributária (Caoet) do MPMG, a Secretaria de Estado de Fazenda (SEF), a Advocacia-Geral do Estado (AGE), além das Polícias Civil e Militar.

A institucionalização do trabalho conjunto deu-se com a criação, em 2007, do Comitê Interistitucional de Recuperação de Ativos (Cira). Desde então, o trabalho vem se aperfeiçoando e já serve de modelo para outros estados da federação, que, constantemente, enviam representantes a Belo Horizonte para conhecer como são desenvolvidas as ações.

Um dos pontos que mais chamam a atenção das autoridades é que, para o recebimento dos débitos, normalmente não é necessário aguardar o fim de lon-gas batalhas judiciais entre Estado e devedores. Na grande maioria dos casos trabalhados pela força-tare-fa, o resultado tem sido um acordo para a liquidação da dívida.

“Para nós é muito mais importante buscar o res-sarcimento do prejuízo causado do que propriamente tentar uma condenação por crime tributário ou econô-mico, cujos processos, além de preverem penas redu-zidas, tramitam durante anos e muitos acabam pres-crevendo, deixando o prejuízo para o Estado”, explica o coordenador do Caoet, promotor de Justiça Renato Fróes.

Em 2014 o montante das autuações fiscais im-postas aos investigados somaram R$ 400 milhões e o patrimônio recuperado ou sequestrado superou o montante de R$ 200 milhões.

Renato Fróes salienta, entretanto, que o caminho até os acordos não é fácil. O principal trunfo da equipe é a possibilidade de troca constante de informações entre os órgãos envolvidos. Três auditores-fiscais da SEF trabalham exclusivamente com o Caoet em um dos prédios do MPMG. O mesmo número de procura-dores do Estado está designado para a força-tarefa. Eles contam com o Laboratório de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro (Lab LD), além da possibilidade de investigações com o apoio da Polícia Civil. Dessa forma, uma gama enorme de dados é disponibilizada, cruzada e analisada.

Os casos analisados pela força-tarefa podem ser desencadeados por qualquer um dos órgãos. A SEF, ao notar alguma variação brusca ou receber informação de que determinado contribuinte ou empresa está adotan-do procedimento irregular, verifica o alcance daquele esquema. A AGE, responsável por executar as dívidas dos contribuintes, muitas vezes se depara com dívidas muito altas. Denúncias também podem dar início a in-vestigações.

Reunidas todas as fontes, são estabelecidos os casos prioritários dando início à coleta de informações nos serviços de inteligência da SEF, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), no Ministé-rio do Trabalho, no Departamento de Trânsito (Detran), entre outras fontes dos órgãos governamentais.

A equipe da Polícia Civil, comandada pelo delega-do Denílson dos Reis Gomes, conta com cinco agentes, número que é incrementado durante as operações. Da mesma forma, policiais militares lotados no Centro de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado e de Investigação Criminal (Caocrimo) do MPMG, au-xiliam nas investigações em áreas às quais os demais órgãos não têm acesso.

A partir do cruzamento de informações, são levan-tados os bens do contribuinte, e sua situação econômi-co-financeira é analisada antes de qualquer ação. Mui-tas vezes, quando o devedor é intimado a comparecer ao MPMG ou se torna alvo de uma operação de busca e apreensão ou até de um mandado de prisão, toda sua condição já está mapeada e seus bens, colocados em indisponibilidade.

Djalma França, um dos auditores-fiscais da força--tarefa, lembra o primeiro caso emblemático do mo-delo, que envolveu R$ 69 milhões em sonegação de

Alex Lanza

Renato Fróes, coordenador do Caoet

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Aumento na arrecadação

Para Adriano Dutra, integrante da 2ª Procuradoria da Dívida Ativa do Estado e coordenador dos procura-dores estaduais que atuam com o Caoet, o grande es-toque de débitos tributários e o percentual muito baixo de recebimento, devido à ineficácia da cobrança judi-cial, sempre foram problemas crônicos da AGE. A partir da atuação integrada e consolidada entre o MPMG e a SEF, segundo ele, os pagamentos têm crescido.

Em 2011, o índice de recebimento em relação ao total da dívida ativa foi de 0,69% e, em 2012, de 0,56%. Já em 2013, quando as ações conjuntas se incremen-taram, esse número mais do que dobrou, alcançando 1,23%. “Os dados, apesar de ainda tímidos, mostram, sem sombra de dúvida, as vantagens do formato que estamos adotando”, comemora Adriano.

O procurador do Estado ressalta o significado da postura firme do Caoet nesse processo. Ele avalia que uma simples intimação do Ministério Público eleva a negociação com o contribuinte devedor a outro pata-mar em comparação à cobrança por meio judicial.

O coordenador do Caoet admite que a ameaça de prisão e a indisponibilidade de bens dos fraudado-res, em alguns casos, torna-se fator preponderante para que o acordo seja encaminhado. Segundo ele, o contribuinte que não se sente pressionado a pagar em uma discussão na área cível tende a mudar de pos-tura quando o caso é tratado pelo MPMG com uma conotação criminal. “Eles sabem que os efeitos de um eventual não pagamento são outros. Assim, muitas em-presas estão se antecipando e buscando uma forma de viabilizar o acordo, inclusive por orientação de seus advogados, com o objetivo de paralisar a ação penal a partir do pagamento da dívida”, afirma Renato Fróes.

Um caso específico explicita essa situação. Foi identificada uma dívida de R$ 11 milhões de um con-tribuinte que, de acordo com Djalma França, “sonegou [impostos] a vida toda”. As investigações, contudo, não identificaram bens que lhe dessem condições de paga-mento. Quando foi intimado a comparecer ao MPMG e as possíveis sanções que lhe seriam impostas foram

apresentadas, ele “arrumou, de um dia para o outro”, R$ 9 milhões e fez o pagamento do débito à vista.

A auditora-fiscal Cristiane Albergaria destaca como uma grande evolução no trabalho o momento em que começaram a ser exigidas garantias para o pa-gamento da dívida. “Antes, mesmo com o planejamento para o parcelamento, acontecia de o contribuinte pagar somente algumas parcelas. Hoje, se ele não pagar, a garantia poder ser executada até o quitamento total”, afirma.

uma companhia da área de ferro-gusa no centro-oeste mineiro e comprovou o acerto da estratégia. “Uma vez que os donos tiveram seus bens bloqueados, eles se apressaram em buscar o acordo. Passamos a usar essa tática como padrão, com o bloqueio já no início do pro-cesso, para evitar que os fraudadores transfiram tudo para terceiros”, disse Djalma.

Ele considera esse modelo uma revolução no com-bate à sonegação fiscal por mexer no bolso do sonega-dor, não se limitando a autuações e denúncias judiciais. Ele aponta o efeito ainda mais positivo quando se trata de lidar com a sonegação estruturada, que afeta efeti-vamente a Receita Estadual.

Cristiane e Djalma ponderam que é observada a capacidade de pagamento do contribuinte, identifican-do o valor máximo com que ele pode arcar sem estran-gular seu negócio. Eles demonstram ainda que o não pagamento será mais prejudicial e fará a dívida crescer. “O primeiro contato é tenso e não poderia ser de outra forma, alguns têm medo. Mas nas reuniões subsequen-tes entendem o trabalho, tentam se justificar e acabam optando pelo acordo”, resume Djalma França.

Elisão fiscal x evasão fiscal

Renato Fróes explica que a inteiração com a AGE e com a SEF é fundamental para que possa ser feita a distinção entre as condutas dos devedores identifi-cados. Com base nos dados coletados, entende-se o método de funcionamento do sistema para, numa eta-pa posterior, compreender até que ponto determinado procedimento do contribuinte caracteriza uma fraude tributária ou um planejamento tributário, diferenciando, assim, elisão fiscal e evasão fiscal. “No primeiro caso

Alex Lanza

Planejamento e ações são definidos em conjunto pelo MPMG, Receita Estadual e Advocacia-Geral do Estado

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ele [o contribuinte] usa os meandros da legislação tributária, que no Brasil é extremamente complexa, para pagar menos impostos, sem burlar a lei. Já a evasão é uma forma de reduzir, de maneira criminosa, o tributo”, detalha Fróes.

Grandes esquemas de sonegação envolvendo várias empresas, criação de empresas de fachada, notas falsas, paraísos fiscais, lavagem de dinheiro geralmente culminam em uma grande operação. Normalmente, nesses casos, com o apoio das Polícias Militar e Civil, são cumpridos mandados de busca e apreensão e de prisões. Em outras situações que envolvem grande débito, mas não necessariamente um esquema criminoso, a empresa é tratada como inadimplente, e não como criminosa. Nesses casos a estratégia é chamar os representantes da empresa para uma reunião da qual participam os três órgãos da força-tarefa.

Flávio Pena

Carros apreendidos durante a operação Mustang, em setembro de 2014

Alex Lanza

Fiscais da Receita Estadual apreendem documentos na operação Concorrência Leal, em dezembro de 2013

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Novo patamar

Uma das operações mais recentes da for-ça-tarefa, contra um grupo de empresas ata-cadistas atuantes especialmente no ramo de alimentos e bebidas, denominada O Dono do Mundo, teve sua terceira etapa deflagrada no final de abril. Estima-se que o esquema tenha movimentado, nos últimos quatro anos, valores próximos a R$ 1 bilhão, ocorrendo sonegação de aproximadamente R$ 300 milhões. Transações simuladas com notas fiscais de diferentes esta-dos eram utilizadas para driblar o fisco mineiro.

Após a análise de arquivos de computa-dores e de material apreendido durante as pri-meiras fases da investigação, chegou-se ao co-nhecimento das atividades praticadas por uma empresa “sucessora” da anterior nas fraudes tributárias então detectadas. A continuidade do esquema teria sido viabilizada pela participação de um sócio “laranja”, que, juntamente com ou-tra pessoa, auxiliava o chefe da organização criminosa a gerir os negócios ilícitos.

Para Renato Fróes, essa ação representou um novo patamar no combate à sonegação fis-cal. “Conseguimos, a partir de um trabalho con-junto minucioso com a Secretaria de Fazenda, comprovar a sucessão da fraude. Demonstra-mos que ela se deslocou para uma terceira com-panhia que, a princípio, não levantaria qualquer suspeita, mas que nada mais é que uma em-presa usada para instrumentalizar a sonegação fiscal por parte do grupo econômico criminoso identificado anteriormente.”

Cultura da sonegação

O coordenador do Caoet, Renato Fróes, reconhece que, em um país onde as notícias de corrupção são diárias e a carga tributária em cima dos contribuintes é pesada, falar em sonegação fiscal pode soar quase como uma agressão ao cidadão brasileiro, mas ele ressal-ta a importância do pagamento e, sobretudo, da correta aplicação dos recursos arrecadados. “A sonegação faz parte da cultura do brasileiro. Diante do quadro político, é mais difícil ainda convencer a população de que é preciso pagar os impostos para atender às demandas do Es-tado. Mas o controle maior tem que ser no uso desse dinheiro. A arrecadação é lícita, necessá-ria. O que temos que incrementar são as ações de fiscalização do uso desse dinheiro público”, concluiu ele.

Um dos importantes instrumentos dentro da estrutura do Caoet é o

Laboratório de Tecnologia contra a Lavagem de Dinheiro (Lab LD). Instalado

em 2009, ele é fruto de um termo de cooperação entre MPMG o Ministério da Justiça, onde o primeiro se comprometeu

a fornecer pessoal e espaço físico, enquanto o órgão federal forneceu os

equipamentos.“As instituições que lidam com crimes

de sonegação, lavagem de dinheiro e corrupção passaram a entender a

necessidade de criar estruturas como essa, que utilizam os meios tecnológicos

para produção de conhecimento e informações estratégicas”, afirma o coordenador operacional do Lab LD,

tenente-coronel Evandro Borges.Ele explica que, em uma quebra

de sigilo bancário, são gerados oito relatórios técnicos e estatísticos -

análises bancárias/financeiras, análises fiscais/patrimoniais, análises de vínculo

entre pessoas e empresas, empresas e empresas, pessoa jurídica e pessoa

física. Também é feito o cruzamento entre os relatórios para avaliar, entre outras coisas, a compatibilidade de renda e a

evolução patrimonial.O prazo atualmente é de 30 a 40 dias

para que as informações solicitadas, com autorização judicial, sejam transmitidas

pelas instituições bancárias.“É uma ferramenta poderosa em uma investigação. Traduzimos informações

complexas em algo útil, probatório para o procedimento em andamento. E, caso não

haja acordo, os documentos vão servir como instrução em um processo judicial”,

afirma Borges lembrando que também fazem parte do trabalho os relatórios de inteligência, que, apesar de constituírem prova, indicam a necessidade de outras

orientações e diligências.O coordenador operacional do

Lab LD explica ainda que o órgão não atua por iniciativa própria, mas quando provocado. Apesar de estar inserido no

Caoet, qualquer área do MPMG, por meio do promotor de Justiça, pode solicitar o

auxílio das ferramentas disponíveis.

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Augusto dos AnjosMemorial do MPMG guarda inquérito que imortalizou poetaPor Lúcia Lobo

“Tombar, em Leopoldina, a casa onde Augusto dos Anjos passou seus últimos meses de vida e transformá-la no museu que guarda preciosidades sobre o poeta permitiu à cidade resgatar sua dívida com esse importante escritor paraibano. Por isso me emociono ao entregar ao Memorial do Ministério Público o inquérito civil que nos proporcionou essa conquista, com o apoio da sociedade e com a superação de tantos obstáculos”.

Com essa declaração, durante cerimônia realizada na Procuradoria-Geral de Justiça, em Belo Horizonte, o promotor de Justiça Sérgio Soares da Silveira entregou ao Memorial do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) os originais do inquérito instaurado por ele, em 2007, depois de receber do artista plástico de Leopoldina, Luiz Raphael Domingues Rosa, a documentação sobre a vida e sobre a obra do escritor, que antecipou o Modernismo no Brasil e deixou versos que permanecem na memória de seus leitores.

“Luiz Raphael, que morou na mesma casa onde residiu Augusto dos Anjos, já estava doente quando chegou à Promotoria de Justiça com a documentação debaixo do braço. Ele morreu dois meses depois da instauração do inquérito. Eu me senti tão responsável que mantive sob minha tutela a documentação sobre o poeta, que viveu apenas 30 anos e que cem anos depois de sua morte é reconhecido pela originalidade de suas crônicas e de seu único livro de poesia, intitulado Eu.”

MEMÓRIA

Foto: Museu Espaço dos Anjos, em LeopoldinaWendell Nogueira Rodrigues

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O resultado do trabalho foi a cria-ção do museu Espaço dos Anjos, onde estão expostas raridades como poemas em registros originais, fragmentos de cartas, objetos pessoais e documentos do poeta paraibano. “A inauguração do museu representou o resgate de uma obra que tem reconhecimento interna-cional e isso é muito compensador”, disse o promotor de Justiça.

Durante a cerimônia em Belo Ho-rizonte, o promotor de Justiça Luciano Badini, presidente do Conselho Cura-dor do Memorial do MPMG, recebeu e acondicionou as peças do inquérito na Sala de Exposição Permanente do Memorial. Para Badini, o promotor de Justiça demonstrou como o Ministério Público pode obter o máximo do inqué-rito civil. “Ao identificar a relevância his-tórica do material que tinha em mãos, Sérgio tomou a iniciativa de guardar esse patrimônio, que certamente se perderia com o tempo, e deu uma de-monstração de como o Ministério Pú-blico pode atuar de forma eficiente através do inquérito civil”.

O procurador de Justiça Joaquim Cabral Netto, conselheiro do Memorial, falou sobre a importância da preserva-ção da história da instituição. “Ainda não estamos muito atinados com a história de dentro da nossa casa. Es-tamos preocupados com a história no entorno de nós. Trazer o inquérito civil sobre Augusto dos Anjos para o Memo-rial é importante porque contribui para que nossa memória seja preservada. Uma instituição que não conhece sua história não tem perspectiva, não tem seguidores, e, sem seguidores, não há horizontes”.

Também conselheira do Memo-rial, a coordenadora de Informação e Conhecimento do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), Cristina Garabini, destacou o valor do documento. “Peças dessa importância enriquecem nosso acervo ao mesmo tempo que disponibilizam esse exem-plo de atuação, considerada de máxima relevância pelo Ministério Público. Por isso o conselheiro do Memorial e co-ordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turís-tico de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda, sugeriu que os originais do inquérito fossem destinados à guar-

da do Memorial, e o promotor de Justiça Sérgio Soares da Silveira concordou, prontamente”.

O inquérito foi instaurado em 2007 e seu arquivamento só foi homologado em maio de 2013, após o Ministério Público vencer os inúmeros obstáculos que permearam o andamento das investiga-ções. No documento que homologou o arquivamento, o conselhei-ro-relator, procurador de Justiça Antônio Joaquim Schellenberger Fernandes, dirigiu-se aos demais membros do Conselho Superior do MPMG reiterando: “Considerando que foi integralmente alcançado o objeto do feito, ante o brilhante trabalho realizado pelo promotor de Justiça, confirmo o arquivamento deste procedimento, nos ter-mos da Lei n.º 7.347/85 e da Resolução Conjunta PGJ/CGMP n.º 03/2009”.

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Alex Lanza

Cristina Garabini

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A criação do museu

O Espaço dos Anjos fica na rua Barão

de Cotegipe, 386, no Centro de Leopoldina. O imóvel abriga também a Secretaria Municipal de

Cultura, além de oferecer um anfiteatro e uma sala para oficinas de poesia e

pintura.No museu estão

expostas raridades como poemas em registros

originais, fragmentos de cartas, objetos pessoais e documentos, entre os

quais a certidão de óbito do poeta. Há também um livro sobre ele, produzido em 1916 por sua esposa.

Uma preciosidade, em função de seu alto valor

histórico e afetivo.

Espaço dos Anjos

O promotor de Justiça em Leopoldina Sérgio Soares da Silveira conta que assim que chegou à cidade, localizada na Zona da Mata mineira, ouviu reclama-ções das pessoas ligadas à cultura sobre a omissão do Poder Público em relação à obra e à história do poeta Augusto dos Anjos. Segundo ele, o dono do imóvel onde viveu o poeta não facilitava o processo para a instalação do Espaço dos Anjos e o Poder Executivo municipal estava se omitindo de suas obrigações com o imóvel.

Quando recebeu os documentos do artista plástico Luiz Raphael, que fez uma representação na Promotoria de Justiça, foi instaurado o inquérito civil. “Minha primeira preocupação foi resgatar o material. Vi que era preciso uma decisão urgente do Ministério Público. Eu tinha então duas caixas com informa-ções, um inquérito, um imóvel e o apoio do Rogério, servidor do MPMG”, lembra o promotor de Justiça.

De acordo com Sérgio Silveira, a casa onde Augusto dos Anjos viveu, em 1914, estava sendo descaracterizada. “Conseguimos que o prefeito regularizas-se o tombamento da casa antes de terminar seu mandato. Veio outro prefeito e começamos tudo de novo. Só então conquistamos a desapropriação, a reforma e a abertura do museu”, explica.

“Leopoldina não tinha prestado a devida homenagem a Augusto dos Anjos, autor reconhecido pela singularidade de sua escrita, de sua poesia, inclusive fora do país. Ele buscou, no clima da cidade, a melhoria para a própria saúde, o que infelizmente não ocorreu, resultando na sua morte aos 30 anos. Viramos uma página ruim e abrimos uma página bonita, com um museu simples, mas muito bem organizado, à disposição de todos os mineiros e dos pesquisadores interessados, um resultado melhor que o esperado”, conclui Sérgio.

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Fotos: Wendell Nogueira Rodrigues

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O poeta Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu na Paraíba no dia 20 de abril de 1884 e morreu de pneumonia, em Leopoldina, Minas Gerais, no dia 12 de novembro de 1914.Era conhecido como “o poeta da morte” e considerado excêntrico, pelo pessimismo exacerbado e pela utilização de termos científicos, tidos como antipoéticos.Sua obra apresenta características do Parnasianismo e do Simbolismo, dois estilos literários do final do século XIX, mas repercutiu fora do país por antecipar elementos da poesia que seriam criados pelos modernistas a partir de 1922. Ferreira Gullar, em seu livro Augusto dos Anjos ou vida e morte nordestina, destaca o estilo pré-modernista do poeta paraibano, com características expressionistas, que marcavam sua singularidade em relação ao estilo da época.Ele escreveu seu primeiro soneto, Saudades, em 1900. Ingressou na Faculdade de Direito do Recife em 1903 e retornou a João Pessoa em 1907, onde, no ano seguinte, passou a lecionar Literatura Brasileira no Lyceu Paraibano.Em 1910 casou-se com Ester Fialho e, em consequência de desentendimentos com o governador, foi afastado do cargo. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi nomeado professor de Geografia no Colégio Pedro II. Após perder esse emprego, transferiu-se para Leopoldina, a convite do senador Ribeiro Junqueira, onde foi diretor do grupo escolar.Em 1912, inspirado na própria vida, publicou Eu, seu único volume de poesias. A obra, reeditada posteriormente com o título “Eu, e outras poesias”, chocou os críticos da época pela agressividade do vocabulário e pela dramaticidade angustiante.

Vês! Ninguém assistiu ao formidávelEnterro de tua última quimera.Somente a Ingratidão - esta pantera Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!O Homem, que, nesta terra miserável,Mora, entre feras, sente inevitávelNecessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!O beijo, amigo, é a véspera do escarro,A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,Apedreja essa mão vil que te afaga,Escarra nessa boca que te beija!

Versos íntimos

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Página ao lado: desenho a bico de pena.Referência: GARNIER, M.J. Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro (RJ): F.Briguiet & Cie. Editores, [189-?]. Disponível na página da Biblioteca Nacional Digital

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patrimônios naturaisUnidades de conservação:

CULTURA

Com quase 600 mil km2 de área, Minas Gerais é um estado rico em biodiversidade. No entanto, um estudo ela-borado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), em par-ceria com a Universidade Federal de Lavras (Ufla), indicou que restam apenas cerca de 33% de cobertura vegetal nati-va no estado, dividida entre cerrado (20%), mata atlântica (10%) e caatinga (3%).

Daí a importância das áreas de preservação. Além de parques nacionais, como Caparaó, Itatiaia e Serras da Canastra e do Cipó, Minas possui quase 300 unidades de conservação. Elas estão divididas entre as de Proteção In-tegral (Parques Estaduais, Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Monumentos Naturais e Refúgios de Vida Sil-vestre) e de Uso Sustentável (Florestas Estaduais, Áreas de Proteção Ambiental, Reservas de Desenvolvimento Sus-tentável e Reservas Particulares do Patrimônio Natural).

De acordo com o IEF, responsável pela administração das unidades de conservação, por meio das visitas a tais espaços, as comunidades e os turistas são sensibilizados quanto à importância da conservação da natureza. Para o diretor-geral do IEF, Bertholdino Apolônio Teixeira Júnior, cada visitante dos parques estaduais transforma-se em um aliado na defesa do meio ambiente. “As unidades de conservação não devem ser apenas estratégias para a con-servação da biodiversidade, mas também colaborar para a melhoria da qualidade de vida das pessoas”.

Segundo o coordenador do Centro de Apoio Ope-racional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, “são as áreas mais importantes do ponto de vista da biodiversidade e da produção de serviços ambientais dos quais a sociedade pode usufruir. E muitos mineiros ainda desconhecem os parques do estado, mesmo alguns estando tão próximos de centros urbanos, inclusive da capital. Daí a importância de se valorizar esses espaços para que as pessoas produzam conhecimento para a preservação”, disse ele.

de Minas Gerais

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Fotos: Alex Lanza

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O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em parceria com o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a Editora Horizonte, lançou o Guia de Parques Estaduais de Minas Gerais, que reúne informações sobre os 16 parques e dois monumentos naturais do estado. Com 256 páginas, o guia conta ainda com mapa completo de Minas, com estradas e localização de 91 unidades de conservação.

Entre os conteúdos apresentados estão dezenas de atrações, sugestões de trilhas e atividades ao ar livre, além de curiosas histórias locais. O leitor poderá se informar sobre como chegar, os horários dos parques, cachoeiras e piscinas naturais. A publicação traz ainda uma introdução sobre os biomas, características e os cuidados para um turismo responsável.

Os interessados em receber o guia podem requisitá-lo pelo site da editora Horizonte (http://loja.edhorizonte.com.br/guia-parques-estaduais-de-minas-gerais.html), assumindo apenas o custo do frete cobrado pelos correios de acordo com a região. O guia também pode ser baixado em tablet ou smartphone. Basta acessar diretamente o aplicativo Editora Horizonte Geográfico pela App Store ou pelo Google Play.

Guia dos Parques Estaduais de Minas Gerais

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Eu amo coração de galinha. Esse é o nome da primeira coleção do estilista mineiro Ronaldo Fraga. Segundo ele – para quem o papel do design brasileiro é diminuir o espaço entre o produto feito à mão e o industrializado, trocar a cultura pasteurizada pela identidade local –, a ideia era dizer que a moda tem outros caminhos possíveis, além da cópia do que é feito nos grandes centros internacionais.

“Por trás de cada coleção tem uma história. Algumas pessoas acham que isso só cabe no carnaval, em samba-enredo, mas, para mim, roupa é letra”. De 1996 até agora, foram quase 40 histórias com belos títulos: Álbum de família, O império do falso na bacia das almas, O vendedor de milagres, Quantas noites não durmo, Todo mundo e ninguém, A loja de tecidos...

Muitas das narrativas foram inspiradas em grandes ícones da cultura nacional: Em nome do bispo (Artur Bispo do Rosário), São Zé (Tom Zé), A cobra que ri: uma história para Guimarães Rosa, Athos do início ao fim (Athos Bulcão), O caderno secreto de Cândido Portinari.

Zuzu Angel, tema da coleção do verão 2001/2002 (Quem matou Zuzu Angel), teve papel importante na escolha profissional de Ronaldo. Ele conta que sempre gostou de desenhar, mas foi lendo sobre a história da estilista mineira radicada no Rio de Janeiro que descobriu que moda poderia também ser uma manifestação política. A costureira, como se autointitulava, ficou conhecida internacionalmente por seu trabalho inovador e pela busca de seu filho, Stuart Angel, militante político torturado e morto durante a ditadura militar. A partir da prisão e do desaparecimento do filho, em 1971, Zuzu iniciou uma busca pelo corpo e uma campanha contra as arbitrariedades do regime, utilizando a moda como arma e meio de contestação. Zuzu Angel morreu em 1976 em um suposto acidente de carro na estrada Lagoa-Barra, no Rio de Janeiro.

Muitas das coleções de Ronaldo são coleções-manifestos, como a que foi apresentada em junho de 2008 na São Paulo Fashion Week: São Francisco, uma defesa do rio que nasce em Minas Gerais, na época em que se discutia a sua transposição.

Ronaldo FragaHistórias costuradas no tempo: as narrativas de

Por Fernanda Magalhães - Fotos: Alex Lanza

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Em 2002, Ronaldo Fraga fez um trabalho com 30 presos da Penitenciária de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ele conta que não foi um processo fácil, além da dificuldade para entrar no presídio com agulhas de bordar, durante uma rebelião muitas peças foram queimadas. Mesmo assim, a empreitada deu certo e o resultado foi a coleção Cordeiro de Deus (verão 2002/2003).

Consciente da riqueza cultural do nosso estado e do nosso país e da necessidade de apoio para a preservação e o desenvolvimento dessa riqueza, Ronaldo Fraga tem buscado se engajar e desenvolver projetos de geração de emprego e renda com reafirmação cultural em cooperativas e comunidades de artesãos. O estilista participou de projeto do governo federal criado para estimular a troca de conhecimentos entre cooperativas e grupos de artesãs. Ele trabalhou com três grupos: pele de peixe (Mato Grosso do Sul), renda labirinto (Paraíba) e lã e crina de cavalo (Rio Grande do Sul).

Mais tarde, em 2010, trabalhou com bordadeiras de Passira, no agreste pernambucano, para a coleçao Turista aprendiz. O nome da coleção é uma referência direta ao livro homônimo de Mário de Andrade. A obra narra a viagem do autor de São Paulo ao Nordeste do Brasil, na qual a cultura popular é protagonista. Mário foi pioneiro na reflexão e no debate sobre a riqueza e importância do patrimônio imaterial para a identidade cultural de um povo. Em 1937, ele propôs a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a primeira instituição governamental voltada à preservação do patrimônio cultural.

Em 2012, Ronaldo foi convidado a conhecer uma cooperativa de artesãs que produziam biojoias com sementes da amazônia, em Tucumã, no sudeste do Pará. Durante a viagem, uma revoada de guarás, pássaro vermelho símbolo do estado, foi o ponto de partida para criar a coleção Um turista aprendiz na terra do Grão-Pará. As peças foram para a passarela da São Paulo Fashion Week acompanhadas da coleção de joias criada pelas artesãs com a orientação de designers que participaram do projeto.

Essas experiências deram origem a uma metodologia que gerou o que ele chama de coleções etnográficas, criadas a partir da incursão em determinada cultura. Carne seca ou um turista aprendiz em terra áspera, coleção inspirada no semi-árido brasileiro, é outro exemplo dessa forma de criação.

Não se trata de uma simples utilização da mão de obra, mas de capacitação e criação de oportunidades que podem ser mantidas e geridas pela própria comunidade após o fim do projeto. Segundo Ronaldo, por meio dessa apropriação da cultura local é possível mudar tanto a visão dos artesãos, que passam a valorizar o que fazem, quanto a de quem consome, que passa a valorizar o produto. “O processo é o que fica. Sempre saio melhor do que entrei”, conclui.

Selecionado um dos sete estilistas mais

inovadores do mundo pelo Design Museum de

Londres para o prêmio Design of the Year 2014,

Ronaldo Fraga é reconhecido pelo diálogo que

estabelece entre a cultura brasileira e o mundo

contemporâneo. Suas criações ultrapassaram

os limites das passarelas e ganharam outros

espaços, como exposições, filmes e livros e

ainda foram apresentadas em diferentes países,

entre eles Japão, Holanda, Espanha, Bélgica,

Chile, Argentina e México.

Formado em moda pelo curso de estilismo

da Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG) e pós-graduado pela Parson's School

of Design de Nova Iorque e Saint Martin's de

Londres, o estilista desenvolve projetos de

geração de emprego e renda com reafirmação

cultural em diferentes regiões do Brasil. É autor

dos livros Moda, roupa e tempo: Drummond

selecionado e ilustrado por Ronaldo Fraga,

Caderno de roupas, memórias e croquis, além

do infantil Uma festa de cores: memórias de um

tecido brasileiro, que conta a história da chita.

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Boas práticasMorada Nova de Minas e Biquinhas

CRIANÇA E ADOLESCENTE

TAC estabelece implantação de entidade para acolhimento de crianças e adolescentes

O MPMG e os municípios de Morada Nova de Minas e Biquinhas, na região Central do estado, firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o objetivo de garantir a implantação de uma entidade para acolhimento e proteção de crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social.

A entidade terá sede em Morada Nova de Minas e deverá atender até 20 crianças e adolescentes dos dois municípios. Em razão de Biquinhas ter um quarto da população de Morada Nova de Minas, entregará mensalmente a parcela correspondente a 30% do valor do custeio integral do acolhimento, além de ceder três cuidadores.

Segundo o promotor de Justiça Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis, a entidade deverá disponibilizar atendimento personalizado e em pequenos grupos, favorecendo o convívio familiar e comunitário das crianças e dos adolescentes, além de contar com equipe técnica com capacitação específica.

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O MPMG ajuizou Ações Civis Públicas (ACPs) pedindo a retirada de edificações ilegais localizadas na Serra dos Cristais, em Diamantina. A área é tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artísti-co de Minas Gerais (Iepha-MG) e está sob a proteção de leis municipais.

Segundo o promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente Wag-ner Moura, a Serra dos Cristais é um dos mais importantes patrimônios culturais de Diamantina. “A beleza paisagística da serra, em harmonia com a arquitetura barroca de Diamantina, foi determinante para que a cidade ganhasse o título de Patrimônio da Humanidade pela Unesco”, explica. O promotor de Justiça diz que, apesar da importância “desse patrimônio único da sociedade”, há um movimento de ocupação maciça e irregular da Serra dos Cristais, o que tem sido objeto de análises e providências por parte do MPMG e de seus parceiros.

As ações foram ajuizadas pelo promotor de Justiça em conjunto com a Coordenadoria Regional de Meio Ambiente das Bacias dos Rios Jequitinhonha e Mucuri e com a Promotoria Estadual de Defesa do Pa-trimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais. De acordo com Wagner Moura, “elas são fruto de uma atuação singular do MPMG em parceria com o Iepha, com o município de Diamantina e com a Universidade Fe-deral dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri”.

Diamantina

MEIO AMBIENTE

MPMG ingressa na Justiça para proteger a Serra dos Cristais

Ipatinga

O MPMG, em parceria com a prefeitu-ra de Ipatinga e o Instituto Interagir, lançou o projeto Mapa da mina. A iniciativa tem por objetivo identificar, mapear, catalogar, diagnos-ticar e classificar todas as nascentes d’água da cidade e, a partir desse trabalho, fomentar a recuperação das que estiverem degradadas, nas áreas rural e urbana.

Levantamento prévio indica a existência de cerca de 300 nascentes dentro do municí-pio de Ipatinga, estimando-se que aproxima-damente um terço delas estariam degradadas.

Segundo o promotor de Justiça de De-fesa do Meio Ambiente de Ipatinga, Rafael Pureza Nunes da Silva, equipes treinadas irão percorrer propriedades que abrigam cursos d’água para realizar a identificação e catalogação das nascentes, por meio de aparelhos GPS, fotografias, relatórios e contatos com proprietários rurais.

Todo o material colhido será utilizado na produção de um mapa hidrográfico atualizado da região. Entre as ações estratégias previstas no projeto, estão a doação de materiais – como mudas arbóreas e cercas, para in-centivar a proteção de “olhos d’água” – e o monitoramento das nascentes identificadas.

Projeto mapeia e recupera nascentes no Vale do Aço

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Itabira

Uma parceria entre o MPMG, o município de Itabira e o presídio da cidade possibilitará a redução anual de até 48 dias de pena, caso o preso esteja disposto a ler um livro por mês, apresentando uma resenha sobre cada obra lida.

A iniciativa – autorizada pela Portaria n.º 276/2012 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e determinada pela Recomendação n.º 44 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – tem como objetivo incentivar a leitura, a aquisição de conhecimento e a expansão da cultura entre os presos.

O apenado tem o prazo de 21 a 30 dias para ler uma obra literária. A resenha deve ser escrita de próprio punho e será submetida a avaliação de professores da rede municipal de ensino. Para cada resenha entregue e corrigida, o preso pode obter a diminuição de quatro dias da pena aplicada. Em cada trabalho apresentado, é preciso alcançar o aproveitamento mínimo de 70% para que ocorra a computação dos dias.

O artigo 21 da Lei de Execução Penal (LEP) estabelece que cada unidade prisional, atentando-se às condições locais, deve constituir uma biblioteca para uso comum dos presos, provida de livros recreativos e didáticos. Os reeducandos também poderão receber livros de seus familiares.

Presos poderão reduzir a pena por meio da leitura

EXECUÇÃO PENAL

Periquito e Frei Inocêncio

Uma equipe do MPMG visitou acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) em Periquito e Frei Inocêncio, no Vale do Rio Doce, para tratar de educação financeira. Segundo o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Governador Valadares, Lélio Braga Calhau, o principal objetivo é evitar situações de supe-rendividamento.

“Esses consumidores estão em situação de patente vulnerabilidade em face da popula-rização dos serviços financeiros e ir aos assen-tamentos levando orientação é muito impor-tante para reforçar a necessidade de cuidados com o superendividamento e com a publicidade abusiva”, destaca o promotor de Justiça.

Durante as visitas, são distribuídos exem-plares da cartilha 20 dicas de saúde financeira, elaborada pelo Procon-MG.

MPMG leva orientações sobre educação financeira para moradores de assentamentos do MST no Vale do Rio Doce

CONSUMIDOR

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Uberlândia

O MPMG realizou Audiência Pública para debater a acessibilidade das pessoas com deficiência nos estabelecimentos comerciais e nas instituições em geral, em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. A partir dos debates, os promotores de Justiça de Defesa do Consumidor, Fernando Martins, e de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Fabrício José da Fonseca Pinto, propuseram aos empresários a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para adequação dos estabelecimentos. Segundo os promotores de Justiça, a acessibilidade é um direito fundamental, portanto, os estabelecimentos devem adaptar ou construir logradouros e prédios que garantam o acesso das pessoas com deficiência.

Audiência Pública em Uberlândia discute acessibilidade de pessoas com deficiência nos estabelecimentos comerciais

IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Cambuquira

O MPMG celebrou termo de acordo judicial com o município de Cambuquira e com os atuais proprietários do imóvel situado na avenida Virgílio de Melo Franco, 637, para a restauração e a con-servação do prédio onde funcionou o Hotel Elite, tombado pelo Decreto Municipal n.° 2.134/2014. O acordo, que contou ainda com a interveniência do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Cambuquira (Compac), extingue a Ação Civil Pública (ACP) proposta pelo MPMG contra a então proprietária e contra o município, objetivando a restauração e a adequada utilização do prédio.

Pelo acordo, os proprietários do imóvel se comprometeram a executar medidas emergenciais e a apresentar projeto de restauro que respeite altimetria e volumetrias originais, preserve inte-gralmente as fachadas externas e mantenha os elementos artísticos, incluindo escadas mo-numentais e ferragens. O restauro do primeiro volume do hotel (compreendido pelas fachadas voltadas para a rua) deverá ser concluído em dois anos. Eles se comprometeram também a manter o imóvel em bom estado de conser-vação, assegurando uso compatível com sua natureza de bem cultural protegido pelo tom-bamento integral.

O Hotel Elite, cuja construção foi inicia-da em 1917, era composto de duas alas de aposentos amplos e confortáveis, partindo de um hall de entrada de forma circular, coberto com uma cúpula em estilo romano importada da França. Localizado na Estância Hidromineral de Cambuquira, no Sul de Minas, foi um dos hotéis mais elegantes da região, tendo ser-vido, inclusive, de base para o alto comando das forças legalistas durante a Revolução de 1930 No entanto, vistoria realizada pela Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais constatou que, “apesar de toda sua importância, o imóvel encontra-se em precário estado de conservação, já em processo de arruinamento”.

Edificação do início do século XX, onde funcionou o Hotel Elite, será restaurada

PATRIMÔNIO CULTURAL

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CARTAS & CIA.

Esta seção é dedicada a você, leitor. Envie sugestões, críticas e temas que gostaria

de ver nas páginas da revista Rede.

[email protected]

ACUSAMOS o recebimento e agradecemos o envio ao Museu Histórico Nacional de exemplar da publicação Rede. No ensejo, informamos que a publicação foi incorporada à nossa biblioteca, enriquecendo seu acervo e mantendo-o permanentemente atualizado.

Na oportunidade, apresentamos nossos protestos de estima e consideração.

Atenciosamente,

Ruth Beatriz SilvaCaldeira de AndradaDiretora substituta do Museu Histórico NacionalRio de Janeiro - RJ

RECEBEMOS e agradecemos o envio da revista institucional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Rede.

Márcia NunesTécnico de bibliotecaCentro Universitário ToledoPresidente Prudente – SP

Noturno

Curvam no fim do diaos passos repetidos

as tentativas sem cora hora que não veio

a resposta postiçao rigor do cansaço

as mãos

um afeto anônimono pensamento;

uma noite imprecisasemi-inquieta

excesso de vozes

sem o som corporalde uma respiração

uma janela

cansada de sol

o lençol

e esse coração que não se move a corda.

Eric Teixeira Silva, graduado em Letras (UFU/MG) e pós-graduado em Revisão de Textos (Gama Filho/DF) e em Língua Portuguesa (Signorelli/RJ), é oficial do Ministério Público de Minas Gerais, lotado em Uberlândia. Em 2014 venceu em primeiro lugar o 10º Concurso Literário Mário Quintana (Sintrajufe/RS), na categoria Poesia, pelo poema Noturno. Na mesma premição, recebeu a menção honrosa pela crônica Avenida e eu. O poema vencedor e a crônica integram a antologia literária Lavra palavra, lançada em 2014 durante a 60ª Feira do Livro de Porto Alegre.

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Coordenação e ediçãoFernanda Magalhães e Giselle Borges

Redação André Lana, Eduardo Curi, Fernanda Magalhães, Giselle Borges, Lúcia Lobo, Meire Ana Terra, Miriângelli Borges e Théo Filipe

FotografiaAlex Lanza

Projeto gráfico, arte e diagramaçãoRúbia Oliveira Guimarães e Alessandro Paiva

Revista Institucional do Ministério Público de Minas Gerais

Editada pela Superintendência de Comunicação Integrada

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Rua Dias Adorno, 367 | 10o andar | Santo AgostinhoBelo Horizonte - MG - CEP: 30190-100(31) 3330-8166 | (31) 3330-8016

Superintendência de Comunicação Integrada