Revista do CEAT _ nº5
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Transcript of Revista do CEAT _ nº5
* NOTÍCIAS ON-LINE DO CENTRO DE ESTUDOS THEREZINHA GONZAGA FERREIRA
opiniãoDoutora em Educação pela PUC-RIO, Solange Jobim fala sobre como desenvolver o senso crítico dos alunos com as tecnologias e informações da internet
ensaioNinfa Parreiras discorre sobre vida e solidão em romance de Frei Betto
eu & o CEATKeki relembra sua história e a ex-aluna Joana Beleza escreve sobre as funções contemporâneas do livro
Rio de Janeiro, novembro de 2014
ANO III . edição nº 5revista
* 2
pág 3
págs 4, 6 e 8
pág 10
pág 16
pág 18
págs 13 e 14
editorial
na ponta do lápis
Som de quê? _ por Ana CristinaCostura na escola _ por Marcela FernandesAprendizado através da poesia _ por Beth Bottino
palavra de mestre A escola e as redes sociais _ por Solange Jobim
opinião Gestão participativa na educação _ por Paula Cury
resenha Aldeia do Silêncio _ por Ninfa Pereira
eu e o CEATdepoimento de Keki e Joana Beleza
s u m á r i o
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edito
rial
A edição número 5 da Revista levou um pouco mais de tempo para ser
montada. Foi necessário buscar cada contribuição, que tem seu próprio
formato e vida própria, sem, no entanto, deixar de adotar uma linha que
unifique esses pensares: os caminhos da educação no século XXI.
Na seção Opinião, Solange Jobim fala com maestria sobre as relações en-
tre o novo e o velho no que tange ao papel das redes sociais na educação.
Já Paula Cury se inspira em outros autores para refletir a importância da
gestão participativa na escola.
Na ponta do lápis, teremos relatos de experiência de sala de aula com lin-
guagens que se complementam: música, poesia e costura, com as pro-
fessoras Ana Cristina, Beth Bottino e Marcela.
Em Eu e o Ceat, contaremos com o depoimento de Keki, que resgata um
pouco da sua história de trabalho na Escola, e com Joana Beleza, ex-alu-
na que discorre sobre a vida social do livro.
Por fim, Ninfa Parreiras constrói um texto ensaístico para expressar sua
leitura sensibilizada do livro Aldeia do silêncio, de Frei Betto, que toca em
tema difícil de ser abordado,mas que o autor o faz com delicadeza e pro-
priedade: a finitude da vida.
Que tenhamos todos uma boa leitura!
Fátima Serra
* 4
Som de quê?O trabalho de constituição da linguagem musical na escola
Trabalhar com crianças de 1 a 5 anos exige o preparo para vivenciar a música sensorialmente junto a elas, a partir da ótica delas. Decifrar a letra ou a música cantada por uma criança de 1 ou 2 anos equivale quase a ler uma partitura contemporânea.
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Comecei meu trabalho como educadora musi-
cal no Ceat em 1981, e trabalhei com crianças
da educação infantil e do fundamental I.
Ao longo desses meus 33 anos, sempre tive
apoio da equipe de coordenação e da direção pe-
dagógica. Vi que no Ceat a formação de profes-
sores é base de um projeto político e pedagógico,
gerador de uma escola formada por educadores
em todos os níveis: pedagógico e administrati-
vo. Aprendi que, no trabalho que realizo em sala,
educar através da arte é uma função primordial,
um dos nossos pilares. Para isso, busquei sem-
pre traduzir para a sala de aula os conhecimen-
tos adquiridos em nossas reuniões de estudo, o
que se tornou para mim um desafio permanen-
te. O resultado disso está em anos letivos inten-
sos, potencializados por questionamentos e ide-
ologias, que vão me constituindo cada vez mais
como professora.
Junto à equipe de artes, pude aprofundar meus
estudos quanto à função da escola na elabora-
ção dos currículos de cada linguagem artística,
assim como pensar o lugar da cultura popular
no espaço escolar, a contextualização da mídia
na escola, a filosofia da arte e também a criação
dos eventos culturais do Ceat.
Portanto, foi aqui que verdadeiramente me for-
mei como educadora musical. Meu trabalho foi
construído basicamente através de uma prá-
tica reflexiva de sala de aula, através dos fa-
zeres musicais que levam ao domínio dos sen-
tidos rítmicos e melódicos, estabelecendo a
inter-relação das crianças com a linguagem
musical.
Sobre esse aspecto, cabe ressaltar que traba-
lhar com crianças de 1 a 5 anos exige o pre-
paro para vivenciar a música sensorialmente
junto a elas, a partir da ótica delas. Decifrar a
letra ou a música cantada por uma criança de
1 ou 2 anos equivale quase a ler uma partitura
contemporânea.
Os sons, balbucios, ruídos, trechos rítmicos,
movimentos corporais... Tudo pode ser lido
musicalmente. Por outro lado, é também igual-
mente desafiador orquestrar, tal como uma
composição sinfônica, a realização de vários
eventos juninos, de aulas abertas de Música, e
também do encerramento da Educação Infantil.
No entanto, todas essas atividades só se tor-
nam possíveis a partir da realização do traba-
lho musical que acontece prioritariamente no
cotidiano escolar. A partir dele, buscamos apro-
fundar junto às crianças os temas culturais e a
sua importância , criando assim ocasiões que
favoreçam à sua expressividade sonora.
Faz este som,
Som de quê?
Faz este som,
Som de Quê?
Som que escrevi para você.
Ana Cristina
ANA CRISTINA é professora de música na
Educação Infantil do Ceat.
na ponta do lápis*
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Como uma boa trama de fios,
passamos algumas vezes so-
bre o mesmo ponto, e tudo co-
meça no CEAT, no ano de 2006,
quando realizei meu projeto de
conclusão em Design.
O projeto foi desenvolvido em
parceria com a professora
de música Ana Cristina Elias.
Nessa ocasião, iniciei- me nas
costuras e nos bordados para
Costura na escolaClube de costura brinca com textos e tecidos e cria novas narrativas
levar os desenhos e as figuras
do papel para o pano. O proje-
to de nome “Festa Junina can-
tada em gestos ritmos e panos”
se materializou em tecidos de
quatro formatos diferentes,
apresentando as cenas de qua-
tro cantigas de São João. As
imagens nos panos eram de-
senhos que representavam os
gestos das crianças dançan-
do, conduzidos pelo ritmo do
canto/palavra da professora de
música.
Além de inaugurar a prática
de desenhar com panos, nes-
se trabalho, redescobri o uni-
verso das cantigas e narrativas
que povoam o imaginário da in-
fância. A divisão das canções
em cenas e o ponto-a-ponto
de cada letra bordada revela-
ram uma qualidade comum à
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trabalho se apodera dele, ele escuta as histórias de tal ma-neira que adquire espontane-amente o dom de narrá-las. Assim se teceu a rede em que está guardado o dom narrativo.” (BENJAMIN: 2012 p.221)
O relacionamento com as
crianças na biblioteca, ouvindo
histórias e as leituras de tex-
tos literários, me levou a refle-
tir longamente a proposta de
Benjamin: “ninguém mais fia ou
tece enquanto ouve histórias.”
Tratei de reverter esse quadro,
e na biblioteca, passei a ensi-
nar costura para as crianças,
criando, em 2008, o Clube de
Costura. O próprio ambiente de
novelos de linha no meio dos li-
vros já criava a atmosfera ben-
jaminiana pela qual tanto me
interessava: a interseção entre
texto e têxtil.
O Clube de Costura funcionou
desde então, com a intenção de
revelar a linguagem do fazer
com tecidos em textos literá-
rios e criando um espaço onde
tecer e narrar podem coabitar
em suas ações simultâneas e
suplementares.
No Ceat, a oficina ganhou o
nome “Clube de costura conta
e canta histórias”. Devidamente
rebatizada a atividade, além de
novo espaço e equipe, passou
a receber meninos além das
meninas, e o melhor - passou a
receber crianças desinteressa-
das pelo universo da costura.
É um desafio maravilhoso dar
aulas de costura. Por sorte, na
palavra desafio tem fio e tem
na origem o confiar. Confiança
é enredar histórias que façam
os meninos aprenderem por
seus próprios meios.
MARCELA FERNANDES é pro-fessora do Ceat desde 2012, no Período Integral com a oficina Clube de Costura e é responsá-vel pela biblioteca Roger Melo na Educação Infantil.
comum à palavra e ao fio, am-
bos pequenas partes que inte-
gram uma trama, se organizam,
se repetem, formando um todo
tecido que envolve, encanta e
atualiza um movimento instau-
rado há tanto tempo.
Na busca por me formar tam-
bém como contadora de histó-
rias, frequentei oficinas e tive
acesso ao célebre texto O nar-
rador, considerações sobre
a obra de Nikolai Leskov de,
Walter Benjamin, do qual trago
um trecho:
“Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto escuta as histórias. (...) Quando o ritmo do
Na palavra desafio tem fio e tem na origem o confiar. Confiança é enredar histórias que façam os meninos aprenderem por seus próprios meios.
na ponta do lápis*
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Aprendizado através da poesiaAlunos entram em contato com a linguagem poética para ampliar o seu universo de vida
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Através da linguagem, os indivíduos se comuni-
cam, compartilham informações, constroem vi-
sões e produzem cultura.
As crianças, a cada dia, já chegam à Educação
Infantil fazendo uso de diferentes formas para
se comunicar: usam gestos, expressão facial,
o choro e, dependendo da idade, a fala. No en-
tanto, nem sempre essas formas dão conta de
suprir todas suas necessidades de comunica-
ção. Por isso, ao desenvolvermos trabalhos na
área de Língua Portuguesa no Grupo 3, temos
como objetivo ampliar o universo de comunica-
ção dos nossos alunos, auxiliando–os a dar sen-
tido à própria fala e significado ao mundo que
está à sua volta. Para tanto, estimulamos dife-
rentes situações de interação através da lingua-
gem, usando recursos diversos, dentre os quais
estão as histórias infantis.
Essas histórias ganham vida na voz dos familia-
res, dos professores e possibilitam às crianças
o despertar de muitas descobertas, relações, o
descortinar de um mundo imaginário repleto de
fantasia, enquanto a poesia permite-lhes o livre
acesso ao lúdico e à brincadeira com as palavras.
No Projeto “Poesia”, que, ao longo dos anos, tra-
balhamos na série, temos como objetivo que os
alunos tenham acesso a novos textos, que pos-
sam brincar com as rimas, pois isso os aproxi-
ma de uma linguagem afetiva, que desperta o
lúdico, a fantasia e a imaginação: elementos im-
portantes para o desenvolvimento infantil. Por
intermédio desse gênero, podemos explorar di-
ferentes ritmos, sonoridades e desenvolver a
sensibilidade.
A criança tem o desejo da brincadeira com as
palavras e a relação que é estabelecida entre
ela e a poesia acontece de forma natural no co-
tidiano escolar. Por exemplo, ao apresentarmos
o poema “Jogo de bola ,̃ de Cecília Meireles, po-
demos oferecer bolas de meias, de tamanhos e
pesos diferentes, convidarmos as crianças para
um passeio na quadra e explorar os jogos com
as mãos, com os pés, equilibrar a bola, arremes-
sar no cesto etc. Num outro momento, oferecer
uma atividade de artes com círculos de diferen-
tes tamanhos, cores e texturas, onde explorare-
mos as diferenças e faremos uma colagem.
São múltiplas as possibilidades de trabalho com
a poesia, as possibilidades de leitura de alguns
textos poéticos e nós desejamos que sejam mul-
tiplicadas multiplamente as sementes lançadas
no nosso projeto.
BETH BOTTINO professora da Educação Infantil
do CEAT
A criança tem o desejo da brincadeira com as palavras e a relação que é estabelecida entre ela e a poesia acontece de forma natural no cotidiano escolar.
na ponta do lápis*
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A escola e as redes sociais Como inCentivar o uso CrítiCo das teCnologias da informação pelas novas gerações
A recepção e o uso das redes sociais
por crianças e adolescentes é tema da
mais alta relevância quando se discu-
te educação nos dias de hoje. Vamos,
então, conversar sobre este tema a
partir da tensão entre as noções de
novo e velho, passado e futuro, antigo
e atual, incentivando o debate sobre a
tecnologia e o confronto de gerações.
O que temos observado é um descom-
passo entre espaço-tempo em que as
atividades curriculares se desenvol-
vem na escola e os modos como os
alunos circulam, neste mesmo es-
paço, com seus celulares, tablets,
etc. O movimento linear e cronológi-
co dos comportamentos nas salas de
aula se confronta com as deambula-
ções transversais, atemporais e vir-
tuais experimentadas pelos alunos
com seus aparatos tecnológicos. O
que se evidencia é a dificuldade que
as instituições educacionais apre-
sentam para acompanhar a velocida-
de das mudanças de comportamento
que acontecem fora dela. Em contra-
partida, as novas gerações se inse-
rem com muita facilidade nesta cul-
tura modificada pelas tecnologias
digitais. Os aparatos tecnológicos não
são mais apenas ferramentas de re-
cepção, mas também instrumen-
tos de produção de linguagens di-
versas. Os jovens, “nativos digitais”,
têm uma disposição multitarefa para
criar e disseminar textos, imagens e
vídeos em linguagens múltiplas. Não
há estranhamento, mas adaptação
permanente e veloz dos sujeitos às
máquinas. Nas salas de aula, os jo-
vens vivenciam um tempo fora do seu
tempo, um verdadeiro desajuste his-
tórico e subjetivo. Como resolver este
dilema? Que alternativas devem ser
encaminhadas para que a escola en-
contre uma solução de continuidade
entre o passado e o futuro?
Se, por um lado, não há dúvida de que
as redes sociais abrem espaço para
novas formas de interação social e
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palavra de mestre*
produção de conhecimento, por outro,
estamos cientes que a capacidade de
filtrar informações e fazer distinções
não depende da quantidade de infor-
mações disponíveis, mas sim da qua-
lidade dos produtos culturais a que se
tem acesso. Contudo, saber filtrar in-
formações e fazer distinções requer
aprendizado. O uso crítico das tec-
nologias de informação depende de
experiências permeadas por trocas
sociais significativas entre adultos,
crianças e jovens, além, obviamente,
do acesso aos aparatos tecnológicos
e o consequente domínio dos signos
necessários para transitar com de-
senvoltura neste contexto. Portanto,
uma relação crítica e criativa com as
redes sociais não é algo dado no pon-
to de partida, mas requer uma toma-
da de consciência sobre o modo como
a cultura do consumo e a sociedade
da informação operam na produção
da subjetividade de crianças, jovens
e adultos. Neste sentido, o papel do
professor, como mediador dos usos
das tecnologias de informação e co-
municação, pode fazer uma grande
diferença.
Educar crianças e adolescentes no
contexto dos desafios contemporâ-
neos significa tê-las como parceiras,
enfrentando junto com elas as ques-
tões que nos colocamos para com-
preender os usos das redes sociais
e suas implicações subjetivas na vida
cotidiana. Creio que este é o cerne
do problema, pois as formas da ver-
dadeira emancipação individual e
Uma relação crítica e criativa com as redes sociais não é algo dado no ponto de partida, mas requer uma tomada de consciência sobre o modo como a cultura do consumo e a sociedade da informação operam na produção da subjetividade de crianças, jovens e adultos.
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coletiva se constituem positivamente
no encontro entre diferenças, ou me-
lhor, na possibilidade de experimen-
tarmos o convívio entre gerações, a
partir das histórias de vidas e sabe-
res cultivados em épocas distintas. A
ausência destas referências na rela-
ção entre adultos e crianças desem-
boca necessariamente em práticas
sociais individualistas e sectárias,
tendo como consequência a falta de
compromisso político com questões
que dizem respeito ao bem comum,
dificultando o agir coletivo. Intervir
neste processo se faz necessário, por
meio de ações educativas que aproxi-
mem os universos de adultos, crian-
ças e jovens, sublinhando as diferen-
ças entre as gerações.
Tanto as crianças como os adultos de-
vem ter acesso à crítica da cultura de
massa, criando modos de dialogar
com ela, sem se submeter às regras
de um jogo definido de antemão, mas
como sujeitos que podem interferir
nas regras e modificá-las. O grande
desafio da educação-intervenção é
incentivar a recusa dos modos cris-
talizados, tipificados e estereotipados
dos usos destes aparatos tecnológi-
cos, em busca de uma expressividade
plural e diversificada.
Não se trata de criar uma oposição ra-
dical à cultura de massa, mas sim in-
centivar condições que permitam aos
sujeitos adquirir modos de expres-
são relativamente mais autônomos e,
portanto, relativamente não recupe-
ráveis pelas tecnologias das diversas
formações de poder, especialmente
as que se realizam, de modo padroni-
zado, através dos meios de comunica-
ção de massa. Para tanto, é imperativo
estar atento aos modos como crian-
ças e jovens entendem, assimilam e
se identificam com os usos dos apa-
ratos tecnológicos e como constroem
valores éticos e estéticos interagin-
do nas redes sociais. Ao se dialogar
com crianças e adolescentes é pos-
sível descobrir novas questões para
se abrir um debate permanente so-
bre os modos como se produz cultura
em um contexto preponderantemente
consumista e informacional. É neste
sentido que entendemos as práticas
educativas no contexto escolar como
uma forma de intervenção nas práti-
cas sociais. A educação-intervenção
significa que o professor deve expor
suas indagações e perplexidades e se
deixar surpreender pela opinião dos
alunos, enfrentando as tensões e as
contradições que a escuta sincera e
verdadeira necessariamente desen-
cadeia. O diálogo traz à tona a diversi-
dade de vozes sociais sobre o uso das
redes sociais, abrindo este tema para
outras novas e possíveis interpreta-
ções. Trata-se de transformar tanto
os processos como os resultados da
educação-intervenção em estratégias
de ação política que podem ser incor-
poradas a uma pedagogia crítica.
SOLANGE JOBIM é Doutora em Educação
pela PUC-Rio, professora do Departamento
de Psicologia da PUC-Rio e pesquisadora
do CNPq e FAPERJ.
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Chegando ao Ceat na década de 1980, co-
mecei a trabalhar no estacionamento como
segurança. Depois, fui para a portaria onde
estou até hoje. Desde essa época, já se pas-
sou muito tempo. Vi várias gerações de alu-
nos estudando aqui, vi os filhos e os netos
dos Ceatianos. Eles são amigos que construí
na vida. Quantas festas fizemos juntos!
Hoje, com 29 anos trabalhando no Ceat, mui-
tas coisas melhoraram para mim: consegui
30 anos de cotidiano e afeto
KEKI É FUNCIONáRIO DO CEAT Há QUASE 30 ANOS. FOI SEGURANçA NO ESTACIONAMENTO
DA ESCOLA, E HOJE TRABALHA NA PORTARIA. ELE CONTA SOBRE AS EXPERIêNCIAS E LEM-
BRANçAS DURANTE AS TRêS DÉCADAS COMO PARTE DA EQUIPE DO CEAT
criar meus filhos - que já são homens for-
mados, graças a Deus - e tenho muitos ami-
gos entre os pais, alunos, professores, co-
ordenadores, funcionários e a direção.
Não tenho como enumerar a quantidade de
famílias e alunos que entram e saem todos
os dias pelo portão. E nunca tive problemas
com nenhum deles. Quero dar continuida-
de a esses quase 30 anos de trabalho na
escola. É muito gratificante trabalhar aqui!
. . . . . . . . . eu & o CEAT . . . .
[funcionário]depoimento de Keki
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As funções contemporâneas do livroComo os livros acumularam diversos significados na vida social
. . . . . . . . . eu & o CEAT . . . .
[ex-aluna]depoimento de Joana Beleza
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O estudo “A vida social do livro”, resultado da minha pesquisa de mestrado (PUC-Rio), se
propôs a observar os novos cenários e relações experimentados contemporaneamente
pelo livro, quando acumula valores e funções, inéditos ou não, sem, no entanto, perder
o valor de suporte de leitura.
Conhece pessoas que não leem, mas compram livros “a metro” para parecerem intelec-
tuais? Já presenciaram livros participando da decoração de um ambiente? Identificando
profissões? Essas foram algumas curiosidades encontradas na pesquisa, que observou
o objeto, principalmente, a partir de novas “leituras” - estéticas e culturais - , extraídas,
não do conteúdo, mas da força estética e cultural do livro na afirmação de identidades
e contextos.
Desde a pluralização da produção e do culto à materialidade do objeto, associaram-se
aos livros novas práticas distintivas. Observamos, por exemplo, que a presença e a re-
lação com livros clássicos, em ambientes domésticos ou profissionais, atribuem alto
grau de intelectualidade aos sujeitos, mesmo que a relação com o objeto nem sempre
se efetive nas práticas cotidianas, e, nas relações puramente estéticas, acrescentam va-
lor de ‘tradição’ aos espaços; ao passo que livros de arte, pintura, fotografia, arquitetu-
ra, música e design, os ditos decorativos, conferem ares de elegância e sofisticação aos
sujeitos e aos ambientes, e acrescentam beleza, cor, modernidade e ritmo aos espaços.
Enquanto a primeira categoria esteve motivada principalmente pela qualidade textual e
exibiu-se basicamente na vertical, a segunda viu-se constantemente movida pela quali-
dade visual dos exemplares, dispostos com frequência na horizontal.
Observamos que sua posse e exposição, portanto, não mais pressupõem apenas in-
teligência e conhecimento, mas também supõe e comunica traços distintivos de or-
dens culturais diversas (requinte, charme, conhecimento, cultura, memória, tradição).
O discurso midiático, por exemplo, associa o livro a valores como tradição, memória,
saber e educação, mas, paralelamente, abarca relações estéticas que o restringem
frequentemente à categoria de ornamento. O campo da decoração, além de reprodu-
zir valores de outros discursos, incentiva e (re)produz as novas funções, relações e
ambiências do livro.
Mas embora o livro, despido de sua função original, tenha atuado nas mais diversas oca-
siões, seu significado mais amplo não se desprendeu completamente. Deslocado a ou-
tros espaços, o livro seguiu carregando o peso de elemento propagador de cultura e co-
nhecimento, apesar de ter se apresentado despido temporariamente desta função para
agregar e acumular outras.
* 16
O tema gestão é bem amplo e muito utilizado ultimamente. Na educação, tem
sido pauta de grandes reflexões.
Nas atuais discussões acerca da educação, “Exige-se da administração da
educação novas formas de organização que possibilitem participação efetiva
de todos os processos de conhecimento e de tomada de decisão” (FERREIRA,
2004).
Uma tal escolha, é claro, tem como pressuposto uma gestão democrática par-
ticipativa, que, nas palavras de Libâneo(2005), “valoriza a participação da co-
munidade escolar no processo de tomada de decisões, apostando na constru-
ção coletiva dos objetivos e do funcionamento da escola através do diálogo, do
consenso”.
Gestão participativa na EducaçãoO DESAFIO DE UM PLANEJAMENTO QUE ENVOLVA TODA A EQUIPE DE UMA INSTITUIçãO
Pensar a escola como um espaço de troca e de construção coletiva é sim um grande desafio para a educação atual.
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Enfim, pensar a escola como um espaço de troca e de construção coletiva é
sim um grande desafio para a educação atual.
Hoje posso afirmar que acredito profundamente no planejamento que envol-
ve todos de uma instituição. Gasta-se muito mais tempo, mas os resultados
acontecem mais rápido, uma vez que os que participam do planejamento tor-
nam-se os autores principais e não apenas os coadjuvantes. Além do que
muitas cabeças pensam mais e melhor, e o planejamento torna-se mais rico
e eficiente.
Na Santi, aprendi que os valores da instituição devem ser muito claros para
todos que fazem parte da comunidade escolar, pois são eles que regem a or-
questra. São eles que estão por trás das grandes decisões da escola, desde as
situações em sala de aula e no pátio, até as formações dos professores e em
qualquer relação da comunidade escolar.
A construção dos valores é um processo de muita reflexão por parte de to-
dos, e este é um exemplo das situações do Planejamento Estratégico, em que
a equipe toda, desde os ajudantes de limpeza até os diretores, participou da
tomada de decisão.
A Santi tem mais de 40 anos, e eu diria que quase sempre a sua gestão teve o
olhar externo de consultores que puderam sempre nos fazer pensar “fora da
caixa”.
Acredito numa gestão que promova a cooperação ao invés da competitivida-
de, e para isso é preciso abrir espaço nas situações formativas da equipe para
que aprendamos a viver esta cultura.
Os resultados têm sido muito bons, uma equipe mais unida e acima de tudo mais
eficaz. Creio que posso tomar como minhas as palavras de Marques(1981):“A
participação de todos nos diferentes níveis de decisão e nas sucessivas fases de
atividades é essencial para assegurar o eficiente desempenho da organização” .
Para terminar, defino-me como uma pessoa que preza por resultados de ex-
celência, mas que, acima deles, preza antes de tudo pelos processos. Acredito
que alcançar o objetivo não é apenas o que mais vale, e sim o percurso que se
faz para alcançá-lo!
PAULA F. CURy é consultora pedagógica e membro do conselho da Escola Santi em
São Paulo. Membro do conselho da Expedição Vagalume (ONG que implanta bibliote-
cas em comunidades rurais da Amazônia Legal).
opin
ião*
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Aldeia do SilêncioO que seria viver em uma aldeia com um mir-
rado número de gente? Sem contato com a vida
urbana e a civilização. Contemplar o silêncio, as
horas vazias, o tempo sem relógio... Frei Betto
traz o tema da solidão e do silêncio em seu mais
recente romance. Com a leitura, podemos pen-
sar a vida turbulenta, tumultuada e virtual que
temos vivido nos grandes centros. Cada vez
mais, o tempo é pouco para fazermos tudo que
planejamos. E o apelo visual de celulares, redes
sociais, computadores nos engole como uma ar-
madilha sem saída.
São cinco personagens, três pessoas, uma ca-
dela e um urubu. Seriam sobreviventes? Com
pouco se constrói uma vida e uma narrativa de
muito pensar.
O urubu é um animal higiênico, que raspa os res-
tos, lambe as carniças. Estaria ali para fazer a
limpeza do terreno? Fotografar o que sobrou?
Cada personagem é uma metáfora que encerra
um sentido pleno, também ambíguo. Se o uru-
bu está associado à podridão, está também à hi-
giene. O velho representa o fim da vida, a ruína,
mas também a experiência e a memória, tão ne-
cessárias para a humanidade.
Com mais de cinquenta livros publicados, dentre
romances, contos e narrativas para crianças e jo-
vens, publicado em mais de vinte idiomas, Betto
realiza nesta obra uma lavoura literária, que nos
faz lembrar Vidas secas, de Graciliano Ramos. A
economia de palavras, o uso predominantemen-
te de verbos e substantivos, a condensação de
Escritora Ninfa Parreiras faz um texto ensaístico sobre livro de Frei Betto
* 19
imagens, a sequidão da prosa. A concentração
do texto em pouca descrição, em vazios. Uma
roça de aparos, de viver com palavras certeiras
e precisas. (Preciosas)
Podemos transformar essa prosa em poesia, se
tirarmos a pontuação e ocultarmos alguns co-
nectivos. São palavras muito lavadas, lavradas
e o terreno bem capinado e com adubo orgâni-
co. É um texto com trabalho de linguagem, teve
mãos que o lavraram. Ao mesmo tempo, é um
texto metalinguístico, que questiona a aridez do
escrever e do ler. Associa a escrita aos afetos:
“Tomou em mãos um galho e, com a ponta, mar-
cou os sinais no chão de terra. Indaguei pra que
serviam. Disse que para revelar o caráter das
pessoas. As egoístas encobrem de arrogância
suas inseguranças: usam o ponto. As genero-
sas, em busca do melhor para si e os outros,
são como a vírgula. Os prepotentes, taxativos
em suas opiniões, abusam da exclamação, não
toleram quem deles discorda. ‘A sabedoria, fi-
lho, consiste em ser vírgula e interrogação. A
vida é feita mais de perguntas que de respos-
tas.’” (p. 42)
História de pouca razão, do contemplar, do sen-
tir emoções. Do viver sem pressa e sem a no-
ção de tempo assustadora que nos engole. É
um livro que nos coloca em contato com as nos-
sas pulsões, a sobrevivência, a necessidade de
amar e ser amado. A urgente necessidade de re-
tomarmos nossas origens, a simplicidade, a coi-
sa pouca.
O que é ficar olhando o nada e não fazer nada?
Serve para quê essa história também nos fala
de coisas que não têm serventia. Por que o
que fazemos deve ter algum fim em si mesmo?
Esses valores, tão difíceis de serem discutidos,
de serem lapidados, estão no cerne das ciências
humanas. Urgente que sejam colocados em pau-
ta das discussões contemporâneas.
Há paradoxos na obra: a mudez (o silêncio) e a
fala (a palavra); o cheio e o vazio; o dentro e o
fora, num relato que inaugura um tempo interno
e subjetivo. O diálogo com o avô mostra tempos
diferentes: o de antes, o de agora e o que pode-
rá ser. Podemos pensar em Tempo de vôo, de
Bartolomeu Campos de Queirós que descons-
trói noções de tempo. Traz um pensar a vida e a
morte, num vagar, num diálogo do próprio per-
sonagem menino com o idoso. Essa conversa
entre um idoso e uma pessoa mais jovem mos-
tra um discurso de troca e de transmissão, a ser
resgatado pelas novas gerações.
Seria autobiográfico o texto de Betto? Com sua
indignação frente à selvageria e à sociedade do
espetáculo que vivemos. O palco está cheio e a
plateia? Resta A aldeia do silêncio, feita de poe-
sia e de afeto.
Curioso que a personagem narradora se cha-
ma Nemo, do latim: nada. Quem é nada? Quem
somos nós? Talvez tudo isso que vivemos seja
nada mesmo. E a literatura traz algum sentido
para essa coisa que poderia ser menos. Um en-
xugamento de palavras e sentidos que se afir-
mam a partir da palavra.
Há paradoxos na obra: a mudez (o silêncio) e a fala (a palavra); o cheio e o vazio; o dentro e o fora, num relato que inaugura um tempo interno e subjetivo.
resenha*
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