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ISSN: 1807 - 2674

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REVISTA de ECONOMIA POLTICA e HISTRIA ECONMICAAno 01 Nmero 01 Setembro de 2004 ndice

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A criao da Tribuna da Imprensa e a defesa dos interesses conservadores no Brasil Marina Gusmo de Mendona

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Notas sobre a Ordem Econmica Mundial: 19441979 Livio Lavagetti

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Mercado e Socialismo na experincia sovitica Lincoln Secco

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Polticas Pblicas em So Bernardo do Campo, 1945 1964: uma anlise emprica Luiz Eduardo Simes de Souza

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Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 01, setembro de 2004.

ExpedienteREVISTA DE ECONOMIA POLTICA E HISTRIA ECONMICA Nmero 01, Ano 01, Setembro de 2004 Uma publicao semestral do NEPHE Ncleo de Economia Poltica e Histria Econmica Rua Luciano Gualberto, 52 Cidade Universitria So Paulo SP CEP 005000-000 http://rephe01.tripod.com e-mail: [email protected] Edio e Diagramao: Luiz Eduardo Simes de Souza Conselho Editorial: Jlio Gomes Neto, Marcos Cordeiro Pires, Marina Gusmo de Mendona, Regina dos Santos Alegre, Romyr Conde Garcia, Rubens Toledo Arakaki, Wilson do Nascimento Barbosa, Wilson Gomes de Almeida.

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EditorialCom este nmero, inaugura-se a REPHE Revista de Economia Poltica e Histria Econmica mais um peridico acadmico que visa promover a exposio, o debate e a circulao de idias referentes s reas de histria econmica e economia poltica. Organizada a partir de algumas das atividades do NEPHE Ncleo de Economia Poltica e Histria Econmica, fundado em 2000 a REPHE tem por princpio no limitar seu escopo de publicaes aos membros do ncleo, ainda que mostre os resultados parciais e finais das pesquisas destes. Tampouco haver limitao temtica. Pretende-se que a periodicidade da REPHE seja semestral. O primeiro nmero da REPHE inicia-se com um texto de Marina Gusmo de Mendona, sobre a criao da tribuna de imprensa e a defesa dos interesses conservadores no Brasil. Livio Lavagetti apresenta um panorama analtico da constituio do sistema financeiro internacional, desde a reunio de Bretton Woods, em meados da dcada de 1940. Lincoln Secco aborda a relao entre mercado e socialismo na experincia sovitica e, por fim, Luiz Eduardo Simes de Souza apresenta alguns resultados de um estudo emprico das polticas pblicas empreendidas em So Bernardo do Campo durante o perodo 1945 1964. Que venham os prximos nmeros.

O Editor

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Ficha CatalogrficaRevista de Economia Poltica e Histria Econmica / So Paulo, Ncleo de Economia Poltica e Histria Econmica -Nmero 01, Ano 01, Setembro de 2004 So Paulo, NEPHE, 2000 Semestral 1. Histria Econmica. 1.Economia Poltica

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A criao da Tribuna da Imprensa e a defesa dos interesses conservadores no BrasilMarina Gusmo de Mendona1 No novidade apontar o significado da inveno da imprensa, ocorrida no final do sculo XV, para as transformaes culturais sofridas pelo mundo a partir de ento. Tambm no representa nada de novo assinalar a participao dos meios de comunicao na evoluo do sistema capitalista. Por outro lado, e considerando-se as fontes de pesquisa histrica, a consulta a jornais e revistas tornou-se, h muito, absolutamente imprescindvel. O que pouco se estuda a Histria da prpria imprensa, seu papel como detentora e difusora de informaes e opinies, bem como sua funo para a manuteno da ordem estabelecida. No caso brasileiro, essa ausncia ainda mais sentida. Poucos so os trabalhos sistemticos dedicados a elucidar as vinculaes da imprensa com as classes dominantes e os grupos ligados ao grande capital internacional. Por isso, a investigao sobre as origens de um jornal, bem como os interesses a que estava vinculado quando de seu surgimento, torna-se primordial para o entendimento da prpria evoluo da Histria brasileira. Tendo em vista essas questes, e considerando-se a permanncia de uma ordem poltica conservadora no Brasil, importante desvendar seus instrumentos e mecanismos, como o caso de alguns jornais, entre os quais se inclui, sem dvida, a Tribuna da Imprensa, criada em 1949, pelo jornalista e poltico Carlos Lacerda. Para compreender a conjuntura em que foi lanado o peridico, convm retomarmos algumas questes referentes s disputas mantidas entre as diversas classes sociais em relao

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aos diferentes projetos para o desenvolvimento brasileiro. E, para analisar o carter dessas disputas, faz-se necessrio lembrar os principais traos polticos do Estado brasileiro implantado a partir de 1930. Nesse sentido, embora a vitria do movimento revolucionrio no significasse a imposio da hegemonia por parte da ascendente burguesia industrial, tampouco destruiu o poder dos setores dominantes at o final da dcada de 1920. Com efeito, a manuteno de parcela do poder pela burguesia agrria aps 1930 se explica pela poltica cafeeira adotada pelo governo federal que, apesar das evidentes contradies das medidas anteriores a 1929, continuou a apoiar os principais setores da agro-exportao, principalmente o caf. Afinal, e a despeito da crise, este ainda constitua a base da economia brasileira, no podendo ser simplesmente abandonado ou substitudo. Apesar disso, a partir da Revoluo de 1930, ocorreu uma profunda mudana na sociedade brasileira. As transformaes econmicas levaram ao rpido surgimento de um mercado interno e alterao da estrutura do comrcio externo, principalmente no que diz respeito s compras internacionais, impulsionando o fenmeno da industrializao substitutiva. Em conseqncia, houve um processo de redistribuio e de rpido crescimento de renda. O Pas deixava de ter sua economia baseada exclusivamente na produo agrcola, ao desenvolver atividades urbanas, notadamente a indstria. De outra parte, o Estado, de mero instrumento de poder da camada dirigente, passaria a planejar o processo de desenvolvimento industrial e a participar dele diretamente. Assim, o Estado de Compromisso, nascido a partir de 1930, conseguiu manter certo equilbrio entre as diversas fraes da burguesia brasileira, o que perdurou at 1964, quando setores dessa burguesia, associados ao capital

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multinacional, passaram - mediante o controle militar do Estado a defender a implantao de seu prprio projeto de desenvolvimento. Esse equilbrio, muitas vezes precrio, foi possvel em decorrncia da dificuldade apresentada pelas vrias fraes da burguesia em se fazerem representar como classe e, dessa forma, propor um modelo de desenvolvimento. Assim, a burocracia de Estado, apoiada numa poltica de cunho nacionalista, imps seu prprio projeto de desenvolvimento, baseado num programa de substituio de importaes, e tendo como suporte o apoio das massas populares. O Estado de Compromisso e a poltica industrializante adotada longe de significarem um equilbrio perfeito, foram responsveis por intensas lutas no interior da classe dominante. Na verdade, a implantao do Estado Novo, em 1937, alm de se configurar como reflexo da coexistncia entre modelos quase antagnicos de desenvolvimento econmico (o agrrioexportador e o de substituio de importaes), no significou a eliminao daquelas lutas. Pelo contrrio: evidenciava tambm a presena de conflitos entre os mesmos, os quais estavam diretamente ligados a interesses de classe. Assim, e apesar de severa censura e de violenta represso a qualquer esboo de oposio, os conflitos apenas permaneceram adormecidos por certo tempo. Por outro lado, a ecloso da Segunda Guerra Mundial, em 1939, viria alterar o quadro econmico, uma vez que provocou uma queda nas exportaes e, conseqentemente, uma limitao na capacidade de importar. Durante o conflito, houve uma reduo do ritmo de crescimento industrial, dada a quase total dependncia em relao importao de equipamentos, o que levou a dificuldades em manter a produo na mesma proporo daquela reclamada pelo

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mercado, apesar da plena utilizao da capacidade instalada. Faltava economia brasileira autonomia para que pudesse se desenvolver prescindindo da importao de equipamentos e bens de produo. Dessa maneira, e num primeiro momento, o projeto de desenvolvimento implantado a partir de 1930, baseado na substituio de importaes, parecia, nos primeiros anos da dcada de 1940, estar-se esgotando, o que se refletia num descontentamento crescente dos diversos setores alijados do poder, especialmente depois de 1937. A par disso, e medida que a derrota das foras do Eixo se evidenciava apenas como uma questo de tempo, foi sendo minada a base de sustentao do Estado Novo, desencadeando-se a crise que levou deposio de Getlio Vargas, em 1945. A perda, por parte do governo, do apoio das Foras Armadas, e a conseqente rearticulao dos diversos segmentos da sociedade brasileira, decorrente tambm do clima de liberalizao reinante no final da guerra, levou retomada das lutas entre os diferentes modelos de desenvolvimento. Isto ficou claro durante todo o processo que culminou na eleio do General Eurico Gaspar Dutra, e nas diretrizes adotadas no incio de sua gesto. Na verdade, o novo governo, embora no tenha representado a manuteno da poltica industrialista anterior, tambm no provocou o rompimento com todas as linhas seguidas desde 1930. De todo modo, e para efeitos de anlise, o governo Dutra pode ser caracterizado por duas fases distintas: a primeira, de 1946 a 1947, em que houve a retomada dos princpios do liberalismo, com um mnimo de controle em cada setor; e a segunda, que se estendeu at o final do mandato, em 1951, em que houve o abandono da poltica liberal, adotando-se um rgido controle das importaes e da taxa cambial.

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Para melhor compreender a contradio da poltica econmica nesse perodo, preciso atentar para dois aspectos. O primeiro deles diz respeito prpria poltica norte-americana em relao Amrica Latina no perodo ps-guerra. O segundo refere-se ao desequilbrio das relaes econmicas internacionais. Com efeito, o Brasil havia sado da guerra com grandes saldos cambiais, acumulados em decorrncia da drstica reduo das importaes durante o conflito mundial. Todavia, a maior parte dessas reservas se constitua de moedas no-conversveis. Assim, a poltica econmica de carter liberal logo mostraria sua fragilidade, pois, ao permitir o desperdcio de divisas conversveis com a autorizao para importao desenfreada de bens de consumo leves e sunturios, em breve levou a uma crise cambial e ao aumento da inflao. Alm dessa questo, h de ressaltar um outro dado: com o fim da guerra, o Brasil teve que se defrontar com a alterao de suas pautas de exportao e importao, pois, a partir do incio da recuperao europia, os antigos fornecedores reiniciaram sua participao no mercado. O resultado foi a reduo de exportaes de matrias-primas brasileiras e, especialmente, de artigos manufaturados, agravando a queda das reservas em moedas conversveis. Diante disso, o Pas passou a acumular atrasados comerciais. Essa situao teria efeitos diretos no setor industrial, uma vez que muitos fornecedores suspenderiam suas remessas e diferentes ramos da indstria seriam ameaados pela falta de matrias-primas importadas. Em face do aumento do consumo e da impossibilidade de crescimento da produo - j que a indstria trabalhava no limite de sua capacidade -, o surto inflacionrio, iniciado durante a guerra, recrudesceu, evidenciando a necessidade de mudanas na poltica econmica. Ademais, h de levar em conta a nova situao internacional, em que o advento da

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guerra fria passou a marcar as relaes polticas e econmicas norte-americanas com as naes da Amrica Latina. O alinhamento incondicional do Brasil aos Estados Unidos tornava premente frear eventuais manifestaes populares de descontentamento para afastar o fantasma da tomada do poder pelos comunistas. Portanto, a mudana na poltica econmica do Governo Dutra, a partir de 1947, no se configurou como uma opo, mas sim como uma necessidade. Naquele ano, a poltica liberal foi abandonada, e o controle das importaes e da taxa cambial se transformou, afinal, num grande estmulo industrializao, pois as medidas permitiram um aumento significativo da importao de equipamentos industriais. Iniciava-se, ento, aquela que pode ser considerada a segunda fase da gesto Dutra, marcada pela acelerao da industrializao. Para isso, foi implementada uma poltica creditcia, que inclua emprstimos do Banco do Brasil a diversos setores-chave da indstria privada. E, considerando-se a vulnerabilidade da economia brasileira quanto ao abastecimento de petrleo revelada durante a guerra -, a adoo de uma poltica para o setor comeou a ser avaliada, iniciando-se as discusses que, no segundo governo Vargas, acabariam por levar criao da Petrobrs. Para melhor compreender essa ltima questo, preciso ter em vista o fato de que a Constituio de 1946 estabelecera, no artigo 153, a possibilidade de grupos privados, nacionais ou estrangeiros, explorarem os recursos minerais e de energia, dependendo apenas de autorizao ou concesso do governo federal, o que deveria ser regulamentado em lei ordinria. A alternativa de participao entretanto, do capital internacional amplos no empreendimento, suscitaria debates,

provocando at mesmo denncias de que empresas estran-

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geiras entre elas, a Standard Oil Company haviam pressionado os constituintes para que introduzissem tal dispositivo na Carta. Por outro lado, o problema, nessa poca, comeava a gerar grande mobilizao nas Foras Armadas que, influenciadas pelo clima da guerra fria, passaram a se preocupar com a questo da segurana nacional, participando ativamente do debate, especialmente por intermdio do Clube Militar, onde os generais Juarez do Nascimento Fernandes Tvora e Jlio Caetano Horta Barbosa este ltimo, na qualidade de exPresidente do Conselho Nacional do Petrleo (CNP) - travariam acirrada polmica. A posio de Tvora pressupunha uma aliana militar entre o Pas e os EUA para a explorao das riquezas petrolferas. J Horta Barbosa defendia o monoplio estatal de explorao do petrleo, ameaado pelas perspectivas de uma nova legislao: o anteprojeto encomendado a uma comisso, no incio de 1947, pelo Presidente Dutra (conhecido como Estatuto do Petrleo), bem como a Resoluo n. 1, do CNP, que em 1945 dera a empresas nacionais autorizao para instalao de refinarias. Entretanto, o CNP impusera, como condio para o funcionamento das mesmas, que elas garantissem o fornecimento de leo cru por certo perodo, o que as colocava merc dos fornecedores. Assim, das duas empresas autorizadas a funcionar a Refinaria e Explorao de Petrleo Unio S/A., do grupo Soares Sampaio-Corra e Castro, e a Refinaria de Petrleo do Distrito Federal S/A, do grupo Drault Ernany-Eliezer Magalhes , apenas a primeira, estreitamente ligada Gulf Oil, poderia cumprir as exigncias, o que, desde logo, evidenciava a incapacidade de o capital nacional arcar sozinho com a explorao de refinarias.

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De outra parte, ficava cada vez mais claro o poder de presso que tinham essas empresas nacionais, tanto que Pedro Lus Corra e Castro fora nomeado Ministro da Fazenda, em outubro de 1946. "A concorrncia entre os grupos transferia-se para o interior do aparelho estatal (...). Quem estava melhor localizado junto aos centros de poder, ganhava; ou ento, quem tinha os melhores aliados no campo econmico e, no setor do petrleo, os melhores aliados nem sempre estavam no interior do pas"2. Em 1948, todavia, a situao das empresas autorizadas a explorar refinarias era extremamente difcil, pois nenhuma delas havia conseguido cumprir integralmente as condies impostas pelo CNP, estando prestes a expirar o prazo das concesses. Diante disso, a alternativa que se colocava era: ou o governo tomava para si o problema do petrleo, atribuindo-o exclusivamente ao setor pblico, ou permitia, sem restries, a participao do capital estrangeiro no empreendimento. Os debates sobre o anteprojeto do governo ganharam vulto quando membros da Comisso de Investimentos do Congresso, integrada, entre outros, pelo economista Eugnio Gudin Filho, e presidida pelo empresrio Valentim Fernandes Bouas, passaram a defender abertamente a posio preconizada por Juarez Tvora. Neste ponto, cabe um esclarecimento a respeito de Valentim Bouas. Nascido em Santos (SP), em 1891, era oriundo de uma famlia humilde. Comeou sua vida profissional em 1905, como office-boy da Companhia Docas de Santos. A seguir, passou a ser vendedor da National Cash Register Co., iniciando, ento, suas estreitas ligaes com as grandes corporaes norteamericanas. Assim, em 1915 tornou-se representante da Boston Belting Co.. Dois anos depois, passaria a exercer o mesmo cargo na International Business Machines Co. (IBM), criando, logo

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depois,

a

Companhia

Servios

Hollerith,

que

alugava

equipamentos da IBM no Brasil. Com o tempo, a empresa se mostraria altamente rentvel, pois no incio da dcada de 1930 j possua contratos de prestao de servios com todos os ministrios e com grande nmero de instituies estaduais e municipais. Em 1931, Bouas, que de h muito se interessava por assuntos ligados a economia e finanas, publicou um artigo de grande repercusso no Jornal do Comrcio. Diante disso, Oswaldo Aranha props a Getlio Vargas que assinasse um decreto especial com vistas a atender s despesas relativas aos contratos com a Hollerith. A partir de ento, Bouas conseguiu se incorporar aos crculos econmico-financeiros oficiais, assumindo, no final daquele ano, a coordenao das negociaes relativas dvida externa brasileira junto ao governo dos EUA. Em 1936, Valentim Bouas fundou a revista Observador Econmico e Financeiro, nos moldes da publicao norteamericana Fortune, e dirigida pelo economista Olmpio Guilherme, que se tornaria Presidente do Conselho Nacional de Imprensa e um dos diretores do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No ano seguinte, Bouas foi nomeado secretrio do Conselho Tcnico de Economia e Finanas (CTEF), rgo subordinado ao Ministrio do Trabalho. Em 1940, tornou-se diretor da International Telephone & Telegraph (ITT), assumindo tambm, nessa poca, o cargo de presidente da Comisso Fiscalizadora para a Concesso de Cmbio Oficial Imprensa. Um ano depois foi nomeado presidente da International Business Co., passando, em 1942, a ser tambm diretor-consultivo da Coca-Cola Refrescos S/A. Em 1943, Bouas tornou-se membro e, depois, diretorexecutivo da Comisso de Controle dos Acordos de Washington. Aps integrar a delegao brasileira na Conferncia Monetria e Financeira das Naes Unidas, em Bretton Woods, tornou-se,

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em 1947, membro da Comisso de Investimento de Capitais Estrangeiros no Brasil e presidente do Comit Brasileiro da Cmara Internacional de Comrcio3. E, na condio de presidente da Comisso de Investimentos do Congresso, defenderia enfaticamente a participao do capital norteamericano na explorao do petrleo brasileiro, assim resumindo sua opinio: "ningum mais pode esconder o grande interesse americano pelo petrleo, e, sendo assim, seria um erro gravssimo e imperdovel se no preparssemos um grande programa, abrangendo os vrios aspectos que dependem da colaborao dos Estados Unidos"4. Contudo, os setores partidrios do monoplio estatal, representados no Congresso pelo ex-presidente Arthur Bernardes e pelo jurista Hermes Lima, organizariam, em abril de 1948, o Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia Nacional (CEDPEN), presidido pelo General Horta Barbosa, e que seria responsvel pela deflagrao da Campanha do Petrleo. Esse grupo obteria uma grande vitria em fevereiro de 1949, pois embora no lograsse impor o seu projeto de criao de uma empresa nacional de economia mista para explorao petrolfera, conseguiu, mediante mobilizao popular, paralisar a tramitao da proposta do governo. Ganhava-se tempo para articular a campanha pelo monoplio estatal, ao mesmo tempo em que beneficiavam-se as empresas nacionais de refino, cuja concesso ficava, na prtica, renovada. Nessa ocasio, por intermdio da coluna Na Tribuna da Imprensa, que mantinha no Correio da Manh, Carlos Lacerda j ento um renomado jornalista e figura de proa da UDN passaria a defender a participao do capital estrangeiro na explorao do petrleo, atribuindo a responsabilidade pela paralisao do projeto governamental no Congresso a Arthur

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Bernardes, ao General Horta Barbosa e ao PCB que, mesmo na clandestinidade, participara ativamente da campanha. Esclarea-se que, desde o incio da dcada de 1940, Lacerda - que iniciara sua carreira poltica e jornalstica como militante do PCB - vinha estreitando cada vez mais seus laos com lideranas conservadoras e com representantes do grande capital monopolista internacional, entre os quais se destacava Valentim Bouas. Alis, a respeito de sua vinculao com Bouas, um episdio bastante ilustrativo: no final de 1938, em comemorao ao primeiro aniversrio da implantao do Estado Novo, o governo organizou uma exposio das diversas realizaes de seus ministrios, na qual havia um setor inteiramente dedicado vitria na luta contra o comunismo. Com o objetivo de dar maior publicidade ao evento, Olmpio Guilherme decidiu divulgar algumas matrias sobre a exposio n Observador Econmico e Financeiro, contando, para isso, com recursos do DIP. Dessa forma, incumbiu Lacerda de redigir uma reportagem sobre a histria do PCB, a ser impressa num dos nmeros posteriores da revista. Para obter os dados necessrios, o jornalista valeu-se de sua condio de militante do Partido, bem como de sua intimidade com diversos quadros da agremiao, os quais lhe devotavam grande considerao, principalmente por ser ele filho do ex-deputado Mauricio de Lacerda e sobrinho dos dirigentes comunistas Fernando e Paulo de Lacerda. Assim, o jornalista conseguiu de Astrojildo Pereira e de Eugnia Moreyra, mulher do escritor gacho lvaro Moreyra, informaes preciosas sobre a organizao interna do PCB. O resultado foi uma grande matria intitulada A exposio anticomunista, publicada na revista de Bouas, em janeiro de 1939, na qual o autor assumia uma postura ferrenhamente contrria ao Partido e ao Movimento seria Comunista Internacional. expulso do Em PCB, conseqncia, imediatamente

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desenvolvendo, a partir da, um dio visceral aos comunistas e uma postura radicalmente anti-nacionalista. Portanto, a apologia feita por Lacerda em favor da participao do capital estrangeiro na explorao do petrleo brasileiro estava perfeitamente afinada com sua guinada para a direita, iniciada a partir da expulso do PCB, alm de ser condizente com suas vinculaes no empresariado, notadamente representantes de grupos multinacionais, entre os quais se destacava Valentim Bouas. Assim, e no seu j conhecido estilo agressivo, denunciou, em 16 de fevereiro de 1949: "gritam alguns os recados que receberam da Rssia, outros repetem os tais chaves, e por crculos concntricos se amplia cada vez mais a influncia do bananismo, isto , da gongrica, patriotiqueira, tonitroante (sic) e bestialgica liqidao do Brasil pelos que, fora de am-lo, deixam-no morrer mngua"5. Dias depois, num artigo intitulado Um grupo aguando o Brasil, apontava os beneficirios indiretos da paralisao do Estatuto do Petrleo, ou seja, os grupos Soares Sampaio-Corra e Castro e Drault Ernany-Eliezer Magalhes, afirmando que "o episdio mostra como est o governo inado de influncias e de traficantes". Em seguida, acusava a famlia Soares Sampaio de ser "o grupo matriz, o grupo principal da roda de empresrios de negcios que ocupou o governo Dutra e o compromete e o envolve, e o aconselha e o denigre. Em torno dele giram e prosperam os mais notrios prceres da adulao e do engodo"6. Como se v, naquele momento, Lacerda assumia integralmente a posio dos grupos conservadores, que pretendiam obter do governo enormes vantagens para as grandes empresas estrangeiras de explorao petrolfera. De qualquer forma, os artigos provocariam constrangimento a Paulo Bittencourt, proprietrio do Correio da Manh que, como amigo

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ntimo dos Soares Sampaio, acabou por demitir o jornalista, embora concordasse em lhe ceder os direitos sobre o ttulo da coluna Na Tribuna da Imprensa. A perda do emprego, contudo, seria imediatamente compensada pelo surgimento da maior oportunidade de toda a sua carreira profissional, pois os amigos Alusio Alves, Deputado pela UDN do Rio Grande do Norte, e Lus Camilo de Oliveira Neto7 logo o convenceram da viabilidade de fundar seu prprio jornal. Conforme a verso divulgada por Lacerda e seus amigos, o empreendimento teria nascido "de um movimento eminentemente popular, do desejo de muitos de contribuir para o surgimento de um jornal independente", pois a sua sada do Correio da Manh "foi motivo para aglutinar uma massa informe que alimentava, h muito, o desejo de dispor de um veculo de informaes que fosse, acima de tudo, imparcial e que dissesse a verdade". Desse modo, "o apelo dirigido ao povo encontrou eco e deu como origem o primeiro jornal verdadeiramente nascido do apoio popular, representado nos seus quase quatro mil acionistas"8. O peridico teria se tornado vivel graas organizao da Sociedade Annima Editora Tribuna da Imprensa, cujo capital inicial fora obtido mediante a concesso de um emprstimo pelo Banco de Crdito Real de Minas Gerais (que tinha Lus Camilo entre seus diretores), e pelo lanamento de uma campanha nacional de subscrio de 3.500 aes. Os estatutos da empresa que garantiram ao jornalista um salrio fixo e uma quota adicional pela direo da empresa foram elaborados pelos advogados Fernando Ccero Veloso (genro de Valentim Bouas e tido como o melhor amigo de Lacerda), Dario de Almeida Magalhes (ex-diretor dos Dirios Associados, e que havia rompido recentemente com Assis Chateaubriand), e Incio Piquet Carneiro.

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A campanha teria angariado recursos suficientes para a compra de um imvel na Rua do Lavradio, no Rio de Janeiro, e de uma rotativa usada, culminando, pois, com a organizao da Companhia Tribuna da Imprensa. Estabeleceu-se um conselho consultivo, composto pelo advogado Herclito Fontoura Sobral Pinto, pelo escritor Alceu Amoroso Lima, pelo lder catlico ultraconservador, Gustavo Coro Braga, pelo ex-vereador udenista, Adauto Lcio Cardoso, e por Lus Camilo de Oliveira Neto. Para o conselho fiscal foram designados o deputado da UDN e exgovernador de Pernambuco, Carlos de Lima Cavalcanti, alm de Jos Vasconcelos Carvalho e Dario de Almeida Magalhes, enquanto Incio Piquet Carneiro tornou-se diretor-gerente. Carlos Lacerda, que possua no mximo dez aes da empresa, foi indicado para o cargo de diretor-presidente, recebendo tambm procurao da maioria dos acionistas, o que lhe garantia o controle absoluto das assemblias. Na poca, como assinalado, prevaleceu esta verso. Contudo, as prprias circunstncias da criao da Tribuna da Imprensa apontam claramente para outra direo. Em primeiro lugar, preciso lembrar que, na ocasio, os grupos conservadores e os setores ligados ao capital estrangeiro alimentavam um grande temor quanto possibilidade de retorno de Getlio Vargas ao poder. Afinal, no se pode esquecer a entrevista que, no incio de 1949, o ex-ditador concedera ao jornalista Samuel Wainer, na qual afirmava: Eu no sou propriamente um lder poltico. Sou isto sim, um lder de massas. (...) Pessoalmente estou pronto a conversar com quem quer que venha me procurar. Mas uma condio preliminar torna-se necessria para isso: que o seu programa dirija-se antes de mais nada defesa dos trabalhadores brasileiros dentro dos princpio de uma socializao progressiva das fontes nacionais de riqueza (...)9.

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De outra parte, necessrio ressaltar um aspecto levantado por Nelson Werneck Sodr, referente participao da imprensa na defesa dos interesses do capital estrangeiro na questo do petrleo. Segundo ele, a propaganda imperialista se fizera, at bem pouco tempo, em torno da tecla: o Brasil no tem petrleo. Aps a explorao dos poos de Lobato, esse refro teve de ser rapidamente substitudo; a tecla, agora, girava em torno de recursos: o Brasil no tem capitais. Assim, enquanto a polcia do governo Dutra (...) espancava os que defendiam a tese da explorao estatal dos nossos recursos petrolferos, a imprensa se unia para sustentar as teses antinacionais de entrega desses recursos explorao estrangeira10. Tendo em vista as circunstncias acima relatadas, muito mais provvel que o surgimento da Tribuna da Imprensa tenha resultado da mobilizao de grupos empresariais vinculados ao capital externo ante o nacionalismo que

comeava a tomar conta de setores do Exrcito e da prpria burguesia industrial, e que conseguira paralisar a tramitao de um projeto governamental que garantiria participao de investimentos estrangeiros na explorao do petrleo. O simples exame da relao dos maiores acionistas corrobora esta tese, bem como a constatao de que, entre os principais organizadores e, posteriormente, dirigentes da empresa, estavam figuras de proa do empresariado, com notrias vinculaes externas, ou, ao menos, pessoas que com esses grupos mantinham estreitas ligaes. De fato, entre os mais importantes organizadores da Companhia Tribuna da Imprensa estavam Adauto Cardoso, Amoroso Lima, Dario de Almeida Magalhes, Joo Camilo de Oliveira Neto, Prudente de Moraes, neto (jornalista conservador, mais conhecido como Pedro Dantas), e Gileno de Carli (grande

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usineiro pernambucano). O maior acionista era Luiz Severiano Ribeiro, proprietrio de uma cadeia de cinemas no Rio de Janeiro e detentor de 500 aes. Dentre os que tambm possuam uma razovel quota de aes, figuravam Raul Fernandes (Ministro das Relaes Exteriores do governo Dutra), Gustavo Coro, Jos de Carvalho (vinculado ao Grupo Ducal), e Henrique La Rocque de Almeida (diretor da Cmara de Reajustamento Econmico, rgo encarregado de examinar os dbitos do setor agrcola). Por fim, no se pode esquecer o fato de que Fernando Veloso era membro da equipe do Escritrio de Advocacia Monsen, do Rio de Janeiro, que representava, no Brasil, os interesses de grandes empresas estrangeiras, entre as quais a Standard Oil. Por outro lado, de se salientar, tambm, a informao dada pelo jornalista e ex-dirigente da Associao Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Motta Lima, segundo a qual Valentim Bouas teria angariado recursos junto Federao das Indstrias do Rio de Janeiro (FIRJ) para financiar um jornal que, apesar de seu aspecto popular, seria um veculo para a defesa dos interesses empresariais11. Refora tambm esta hiptese o fato de grande parte dos acionistas ter outorgado procurao a Lacerda, para que este os representasse nas assemblias, o que pode evidenciar cooptao pelos grupos ligados ao capital internacional, empenhados em conseguir um porta-voz para seus interesses. Seja como for, o vespertino Tribuna da Imprensa, editado pela primeira vez em 27 de dezembro de 1949, caracterizar-se-ia desde o incio como um veculo de divulgao de teses antinacionalistas e anti-populares, e cujo principal objetivo seria, a partir de 1950, a liqidao de adversrios, investindo sobretudo contra o getulismo e o nacional-desenvolvimentismo. Com isso, Carlos Lacerda, que iniciara sua carreira poltica como uma

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promissora liderana de esquerda, obtinha a maior vitria contra os antigos companheiros do PCB, pois, ao transformar o jornal num instrumento para as mais violentas campanhas de eliminao de opositores, alicerava em slidas bases a carreira poltica, deixando a nu, a partir desse momento, sua face de grande tribuno dos interesses burgueses ligados ao capital internacional.

1 Mestre e Doutora em Histria Econmica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo; Bacharel em Histria pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo; Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo; Professora Titular de Formao Econmica do Brasil e Formao Econmica da Amrica Latina da Faculdade de Economia e Relaes Internacionais da Fundao Armando lvares Penteado; autora de O Demolidor de Presidentes (Editora Cdex) e de Formao Econmica do Brasil (Editora Thomson), este em co-autoria com Marcos Cordeiro Pires. 2 COHN, Gabriel. Petrleo e nacionalismo. So Paulo: Difuso Europia do Livro, p. 103, 1968. 3 Veja-se: ABREU, Alzira Alves de e col. Dicionrio histrico-biogrfico brasileiro. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, v. 1, p. 745-747, 2001. 4 Apud COHN, Gabriel, op. cit., p. 113, 1968. 5 Correio da Manh, 16/2/1949. 6 Idem, 26/4/1949. 7 Joo Camilo de Oliveira Neto havia sido um dos articuladores do Manifesto dos Mineiros, divulgado em outubro de 1943 e tido como a primeira manifestao pblica de descontentamento com a ditadura do Estado Novo. No incio de 1945, sugeriu a seu amigo Carlos Lacerda que fizesse uma entrevista com o ex-candidato presidencial Jos Amrico de Almeida, comprometendo-se a conseguir a publicao da matria nos grandes jornais. A princpio, os mais importantes peridicos da poca recusaram divulgar a reportagem. No entanto, aps a publicao de uma entrevista de Mauricio de Lacerda, em 21 de fevereiro de 1945, na qual o ex-deputado fazia cidas crticas ao regime, o Correio da Manh decidiu apresentar o artigo contendo as declaraes de Jos Amrico. A matria, de enorme repercusso, assinalou um momento decisivo na campanha de combate ao Estado Novo, sendo considerada um marco na luta pela supresso da censura. 8 OLIVEIRA, Wilson de. Como surgiu Tribuna da Imprensa. Comunicaes e Problemas. Recife, v. 2, n. 3, p. 165, 1966.

WAINER, Samuel. O debate da sucesso presidencial no poder ser mais contido In: LACERDA, Carlos e col. Reportagens que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Bloch, p. 133140, 1973. 1010 SODR, Nelson Werneck. A histria da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, p. 456, 1966. 11 Paulo Motta Lima, Entrevista autora, 12/11/1993. Note-se que, em 1954, por ocasio da crise que culminou com o suicdio de Getlio Vargas, o jornal France Observateur referia-se Tribuna da Imprensa como Tribuna das Empresas (veja-se: O Semanrio, v. 7, n. 296, p. 9, 30/8/1962).9

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Notas sobre a Ordem Econmica Mundial: 19441979Livio Lavagetti1 Estas notas lanam mo de uma abordagem retrospectiva sobre a estruturao do sistema financeiro internacional durante o ps-guerra, realizando, ao seu final, um pequeno balano sobre os efeitos desse processo em alguns aspectos da Diviso Internacional do Trabalho.

1. O Acordo de Bretton WoodsA Conferncia Internacional de Bretton Woods, foi

convocada pelo presidente norte-americano, Franklin Delano Roosevelt, e teve lugar em New Hampshire, nos Estados Unidos, em 1o de julho de 1944. Teve a participao de representantes de quarenta e quatro naes, e seu principal objetivo foi o de procurar estabelecer uma nova ordem econmica mundial para o ps-guerra. Isso seria materializado atravs da criao de um novo padro monetrio internacional que substitusse o padroouro, j ento carcomido por duas guerras mundiais e uma depresso. Buscou-se evitar que as fortes instabilidades econmicas ocorridas nas trs primeiras dcadas do sculo XX voltassem a se repetir: os processos de hiperinflao dos pases centrais europeus; as desvalorizaes cambiais competitivas entre as principais moedas, que resultaram na maior contrao do comrcio internacional desde o incio do capitalismo; as infrutferas tentativas de dar sobrevida aos parmetros do padro ouro; e a Depresso da dcada de 1930.

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O arranjo estabelecido pelo Acordo de Bretton Woods refletiu a ascenso dos Estados Unidos como potncia hegemnica, e o declnio da Inglaterra. Ao final da guerra os norte-americanos foram os grandes vitoriosos no apenas no plano militar, mas principalmente no econmico. Os pases do Eixo, - Alemanha, Itlia e Japo -, foram derrotados militarmente e terminaram com suas economias arrasadas; e as principais potncias pases aliadas de antes, Inglaterra e Frana, embora vitoriosas, tiveram como saldo de guerra, alm dos danos humanos e materiais, forte perda de reservas e endividamento junto aos EUA, decorrentes das compras de armamentos e provises de guerra. Exemplo claro dessa situao consistiu no emprstimo feito pelos EUA Inglaterra em dezembro de 1945, US$ 3,75 bilhes, reembolsveis em cinqenta anos taxa de juros anual de 2%. Esta operao destinou-se a dar cobertura ao Banco Central ingls, que, exaurido pelo dispndio militar, teve um crescimento dramtico em seu estoque de ativos financeiros estrangeiros em libras esterlinas. Este, ao longo da guerra, passou de 600 milhes para 3,6 bilhes. A Inglaterra no poderia fazer frente a uma converso desses ttulos em libras, moeda forte ou ouro, e, portanto, no poderia garantir a conversibilidade de sua moeda: no lhe restava alternativa seno recorrer ao crdito norte-americano e ceder s suas exigncias2. Isso obrigou os britnicos a priorizar a reconstruo de sua economia e a deixar de lado fazer uma poltica dependente do exterior. Sem dvida, haviam cabalmente chegado ao fim seus tempos e prerrogativas de imprio mundial. Os Estados Unidos, que no incio do sculo XX portavam a condio de grande devedor, j na dcada de 1920 invertem esta situao, Iorque como grande praa financeira e tornando-se no grandes credores internacionais, com a ascenso de Nova internacional entreguerras, quando o dlar j rivalizava com a libra inglesa

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como moeda internacional3. A adoo do dlar como moeda de curso internacional a partir de Bretton Woods vem referendar a supremacia econmica e militar norte-americana no plano mundial: tem em seu poder, neste perodo, dois teros das reservas de ouro e respondem por cerca da metade do produto industrial mundial. A economia no norte-americana de guerra, teve seu dinamismo conseguiu revigorado esforo quando

efetivamente superar os efeitos da depresso dos 30, passando a apresentar aps esse perodo altas taxas de crescimento, alm de ostentar uma situao privilegiada do ponto de vista industrial, tecnolgico e organizacional. Seus interesses concentravam-se, assim, nas possibilidades de expanso do comrcio internacional; haviam sido superadas as restries da Depresso e queria-se evitar a todo custo o ressurgimento de taxas cambiais competitivas e restries ao comrcio. experincia do caos econmico que ficou do liberalismo da depresso do entreguerras foram contrapostos os ditames intervencionistas a partir do New Deal de 1933, e elementos de planejamento econmico, instrumental herdado dos anos de economia de guerra. Surgiam, dentro desse contexto, novas convices na conduo das polticas econmicas nacionais. O economista ingls John Maynard Keynes, autor da obra que se tornaria mais tarde o referencial terico das novas formas de se fazer e estabelecer polticas econmicas apontava para essas influncias em 1926: A experincia da Guerra nas organizaes da produo socialista deixou alguns observadores mais prximos com um otimismo ansioso de reproduzi-la em condies de paz. O socialismo de guerra alcanou uma produo de riqueza numa escala muito maior do j conhecida em perodos de paz, pois, embora os bens e servios

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produzidos se destinassem extino imediata e intil, eles no deixavam de representar uma riqueza. No obstante, a dissipao de esforos tambm foi prodigiosa, e a atmosfera de desperdcio e de negligncia com os custos era repugnante para os espritos parcimoniosos e prudentes.4 Por esses caminhos foram sendo construidos os

paradigmas econmicos que viriam a sustentar o Estado de Bem-Estar Social, o Welfare State, que prevaleceria nas economias capitalistas desenvolvidas ocidentais at o final da dcada de 1960. O contexto de hegemonia norte americana no ps-guerra teve importantes implicaes na elaborao dos termos do Acordo de Bretton Woods. Foram apresentadas nas reunies preliminares conferncia duas propostas, uma inglesa, preparada por John M.Keynes, e outra, de Harry White, do Departamento de Estado norte americano. As diferenas bsicas entre as duas propostas centraram-se na estruturao do sistema monetrio internacional e a forma sob a qual seria criada uma moeda de curso internacional. A proposta de Keynes, que havia sido preparada no ano anterior a pedido do governo ingls, tinha como ponto central a criao de uma moeda contbil internacional, o bancor, conversvel nas diversas moedas, e que seria utilizado em todas as transaes comerciais entre pases. Na verdade, essa alternativa permitiria Inglaterra abandonar a funo monetria internacional exercida pela libra, mas sem passa-la aos americanos. Isso se daria atravs de uma unio internacional sob a forma de clearing multilateral, onde uma instituio faria o papel de banco central dos bancos centrais dos diversos pases, ajustando periodicamente os saldos comerciais resultantes do comrcio de seus participantes, registrando em seus passivos,

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como depsitos, as contas dos pases superavitrios, e em seus ativos, as contas devedoras dos pases deficitrios. O plano keynesiano considerava a moeda como ativo essencial, o bancor seria capaz de suportar contnuas reavaliaes em relao s moedas dos pases participantes: para os superavitrios, isso se traduziria em valorizao cambial de suas moedas nacionais, reduo de tarifas aduaneiras e concesso de crditos; para os pases devedores, desvalorizao cambial, maiores controles de sadas de capitais e amortizaes em ouro, divisas ou ttulos. Esse arranjo, baseado no supracitado clearing multilateral, embora no tenha se viabilizado em Bretton Woods, inspiraria depois os termos dos acordos europeus de carvo e ao, que dariam mais tarde origem ao Mercado Comum Europeu, em 1958. A proposta norte-americana, apresentada por Harry White, o Plano White, tinha como argumentos centrais a criao de organismos institucionais supranacionais e a adoo da moeda norte-americana, o dlar, como moeda de curso internacional. Os objetivos da proposta institucional, e a sua estruturao, na poca, deveriam ter o intuito de preservar a estabilidade econmica internacional, a capacidade de previso e a presena do setor pblico no mercado internacional de capitais, sendo responsveis pela superviso do comrcio, do sistema monetrio internacional e o equilbrio dos balanos de pagamentos dos pases membros. Privilegiavam a estabilidade das taxas de cmbio e o levantamento de restries ao comrcio internacional, de modo a favorecer seus investimentos no estrangeiro. Para tanto, os organismos internacionais propostos foram o Banco Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento, BIRD (mais tarde Banco Mundial), o Fundo Monetrio Internacional, FMI. O primeiro, como o nome indica, seria responsvel pela proviso de crditos destinados

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retomada de investimentos e do crescimento econmico; o segundo como organismo regulador para auxiliar pases com dificuldades em seus balanos de pagamentos. Nos estatutos do FMI, foram definidas como principais funes: a) assegurar a estabilizao das moedas, b) conceder crditos compensatrios (s dificuldades do balano de pagamentos), c) promover os ajustamentos necessrios, quais sejam, medidas para reduzir os dficits. Cabe destacar que os termos estabelecidos em Bretton Woods, e que predominaro na economia internacional at o final dos anos 60, tiveram ainda, como aspecto econmico e poltico principal a adoo do dlar norte americano como moeda de curso internacional e conversvel em ouro, e um sistema de regimes cambiais fixos, mas ajustveis, ligados ao padro dlar. Foi um perodo em que os Estados Unidos, no papel de potncia hegemnica no mundo ocidental, cumpriram, simultaneamente, o papel de fonte autnoma de demanda efetiva e a funo de emprestador de ltima instncia5 ou prestamista internacional, atravs da atuao de seu banco central, o Federal Reserve, FED. Este tem cumprido importante papel como regulador da liquidez internacional do sistema: Apesar da imponente arquitetura das instituies multilaterais, FMI e o Banco Mundial, criadas em Bretton Woods, o principal regulador da liquidez internacional foi desempenhado pelo Federal Reserve. O banco central americano funcionou, na verdade, como regulador do sistema de crdito em que se transformou o regime monetrio internacional. Isso significa que os Estados Unidos cumpriram, simultaneamente, o papel de fonte autnoma de demanda efetiva e a funo de emprestador de ltima instncia.6

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Vale ressaltar que o consenso econmico da poca no se opunha s restries estabelecidas pelos Estados-Naes aos fluxos internacionais de capital. Prevalecia a premissa de que as correntes internacionais de capitais eram no s improvveis, como indesejveis em enormes quantidades, j que teriam como conseqncia a instabilidade e a perda do controle de polticas econmicas internas. A postura adotada pelo FMI nesse perodo francamente favorvel ao controle dos fluxos financeiros internacionais: Uma dificuldade bsica que deve ser evitada reside nas diferenas de critrio quanto forma de reconciliar as tendncias divergentes das contas correntes e das contas de capital no balano de pagamentos. Alguns consideram que no prtico, e inclusive resulta inconveniente, dificultar mesmo que apenas as tendncias persistentes do fluxo de capitais mediante um conjunto de controles ou de incentivos artificiais, e que as contas correntes e de capital devem ajustar-se entre si atravs das foras de mercado. Outros, se bem que aceitam que muitos tipos de movimentos de capital, e em particular os movimentos de longo prazo, so teis e no devem ser dificultados indevidamente, sustentam que todos os pases devem adotar medidas para controlar os fluxos de capitais (especialmente os especulativos, e talvez as inverses diretas), e que, quando se produzirem desequilbrios generalizados, a carga do ajuste deve recair tanto sobre as contas correntes como sobre a de capital. 7 Esse esprito passou a refletir-se na conduo estabelecida pelas principais economias ocidentais desse perodo, como podemos abaixo depreender, por exemplo, em famoso discursso de Keynes, na Cmara dos Lordes do Parlamento Britnico, em 23/05/1944: Meus senhores, a experincia dos anos anteriores Guerra levou a maioria de ns, embora alguns de ns muito tarde, a algumas firmes concluses.

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Particularmente trs so extremamente relevantes para essa discusso. Estamos decididos a que, no futuro, o valor externo da libra se conforme a seu valor interno, estabelecido por nossa interna, e no ao contrrio. Em segundo lugar, pretendemos reter o controle de nossa taxa interna de juros, a fim de mant-la to baixa quanto convier a nossos propsitos, sem a interferncia dos fluxos e refluxos dos movimentos internacionais de capitais ou das fugas de dinheiro vivo. Em terceiro lugar, enquanto pretendemos impedir a inflao interna, no aceitaremos uma deflao ditada por influncias externas. Em outras palavras, renunciaremos aos instrumentos do juro bancrio e da contrao de crdito que resultem em aumento do desemprego, como meio de forar o ajuste de nossa economia interna aos fatores externos.8 Nos estatutos de Bretton Woods, o artigo VI confirma claramente esta opo, qual seja, a liberdade, pelos Estados Nacionais, de controlar os fluxos internacionais de capitais para evitar desarranjos nos mercados cambiais, ainda bastante presentes na lembrana do entreguerras: os membros podero exercer todos os controles necessrios para regular os movimentos internacionais de capitais 9. Esse arranjo entre instituies internacionais se coadunava com as polticas econmicas nacionais centradas no intervencionismo estatal, encarregado de prevenir flutuaes bruscas e incertezas inerentes ao funcionamento dos diversos mercados, destas conforme indicavam as polticas nascidas da na experincia da Grande Depresso da dcada de 1930. A lgica polticas econmicas estava fundamentada soberania dos instrumentos de poltica econmica e controle dos mercados de capitais, como bem o destacou Paul Hirst e Grahame Thompson:

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As moedas correntes foram fixadas em termos do dlar americano, que deveria ser conversvel em ouro; desequilbrios fundamentais eram ajustados com o consentimento do FMI; as economias nacionais ganhavam autonomia para perseguir seu prprio nvel de preo e os objetivos de emprego sem restries de uma ncora de preos nominais comuns. Os mercados de capitais nacionais eram mantidos relativamente separados, pela imposio de controles cambiais sobre outras transaes e no sobre as contas correntes, e os impactos domsticos das intervenes nas taxas de cmbio eram esterilizados pela compensao das reservas de cmbio oficial e por crditos do FMI que, consequentemente, atuavam como prachoques entre as condies monetrias domsticas e internacionais, alm da autonomia domstica.10 Duas circunstncias acompanham o breve perodo de Bretton Woods, de 1944 a 1971. A primeira reside no fato de ter sido esse perodo o de maior crescimento de toda a histria do modo de produo capitalista, e com taxas de crescimento do comrcio internacional igualmente impressionantes. E, em segundo lugar, a predominncia de polticas econmicas nacionais centradas no intervencionismo estatal, em variadas formas. Assim, no plano internacional a coerncia da estrutura de Bretton Woods foi mantida graas a cinco chaves estruturais11: 1. Providenciar um grande acordo de liberdade de planejamento aos pases para a promoo do pleno emprego, estabilidade de preos e crescimento econmico; 2. Estipular que taxas de cmbio entre moedas deveriam ser ajustadas e fixas, a despeito do que se praticou nas dcadas de 1920 e 1930; 3. Conversibilidade das transaes em moedas estrangeiras para a moeda domstica;

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4. Criao de um rgo para administrar as provises feitas pelos pases para cobrir os dficits nos balanos de pagamentos; 5. As naes seriam autorizadas, e at encorajadas, a alterar suas taxas de cmbio, ao tornar claro que desequilbrios viriam em seus balanos de pagamentos. A estrutura internacional assim estabelecida manteve uma linha de coerncia com a dinmica das polticas econmicas dos pases participantes, na medida em que predominavam as diversas formas de intervencionismo estatal, o que colocava o Estado como uma das peas fundamentais na determinao dos destinos econmicos dos pases. Esse aspecto apontado por Kuznets, ao enfatizar a importncia do setor pblico na dinmica econmica desse perodo, o que contrariava a tendncia secular anterior: O decnio posterior Segunda Guerra Mundial caracterizou-se nos pases desenvolvidos livres por uma estrutura algo diferenciada, na qual os participantes do consumo governamental e da formao bruta de capital, interna ou nacional, foram significativamente mais elevadas que os nveis vigentes antes da Segunda Guerra Mundial, e as dos dispndios do consumo privado correlativamente mais baixas.12

2. Influncias da Guerra FriaAs bombas atmicas lanadas pelos norte-americanos sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, e a realizao de testes nucleares pela URSS, foram os eventos que marcaram o incio da Guerra Fria13, um perodo de quarenta anos de tenses geopolticas entre EUA e URSS, em que as duas potncias ampliaram em propores inditas na Histria a capacidade de destruio atravs de seus arsenais nucleares, alm de se

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tornarem grandes produtores e exportadores de armamentos no nucleares. Enquanto os primeiros passos da Guerra Fria se desenvolviam, a imponncia da estrutura monetria e financeira construda em Bretton Woods no conseguiu por si s resultados promissores na Europa nos dois anos que se seguiram guerra. O Banco Mundial e o FMI, os robustos gmeos , como eram chamados por Keynes, no lograram xitos expressivos na reconstruo das economias europias, mergulhadas em profunda estagnao. Para os EUA isso se traduzia em problemas em duas frentes: na poltica estavam dadas as condies de insatisfao que serviriam de terreno para os avanos dos partidos de esquerda na Europa Ocidental; na econmica constitua, em ltima instncia, sria restrio prpria expanso da economia norte-americana, que se via privada destes mercados. A devastao da guerra traduziu-se em um continente europeu de economias arruinadas e tenses sociais crescentes. Nos pases europeus, notadamente Frana e Itlia, comeavam a ganhar expresso os partidos polticos de esquerda, o que, em um contexto de Guerra Fria, ento em entre os em seus a da primeiros Europa movimentos, ideolgica Ocidental. Os governos da unidade antifacista que tinham acabado com a guerra na Europa (exceto, significativamente, os trs principais Estados beligerantes, URSS, EUA e Gr-Bretanha) dividiram-se homogneos marginalizados em em na regimes dos pr-comunistas No e Os Ocidente foram EUA e anticomunistas os comunistas intervir 1947-48. poltica. poderia colocar cheque supremacia

norte-americana

pases

desapareceram

governos

sistematicamente

planejaram

militarmente se os comunistas vencessem as eleies de 1948 na

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Itlia. A URSS fez o mesmo eliminando os no-comunistas de suas democracias populares multipartidrias, da em diante reclassificadas como ditaduras do proletariado, isto , dos partidos comunistas.14 A retomada do crescimento econmico nos pases da Europa Ocidental tornou-se, assim, uma questo imperativa dentro do jogo bipolar estabelecido pelas duas grandes potncias. Mas o instrumental multilateral montado em Bretton Woods e a esperana de crescimento do comrcio mundial no se mostraram eficientes, ou mesmo suficientes, para a retomada das economias ocidentais europias. Em junho de 1947, em Harvard, o General George C. Marshall15, secretrio de Estado dos EUA, defendeu a assistncia econmica aos europeus, condicionada elaborao de projetos pelos prprios europeus. A proposta contou com o apoio do presidente Truman, que havia sucedido a Roosevelt, e do Congresso, sendo acolhida por banqueiros e empresrios, que perceberam ser este um caminho que, ao mesmo tempo, a) restauraria os mercados europeus, e, b) ofereceria resistncia ideolgica ao comunismo, fortalecendo o pr-estadunismo na Europa Ocidental. A proposta, que recebeu pronta adeso dos europeus ocidentais, foi estendida ao Japo e aceita. Delineava-se assim a diferena entre os dois grandes plos econmicos, polticos e militares do Ps-Guerra. A reconstruo econmica europia a partir do Plano Marshall, anunciado em junho de 1947, se traduziu em dlares, sob a forma de emprstimos, doaes e gastos com bases militares em solo europeu, o que totalizou cerca de US$ 13,2 bilhes (que convertidos em valores de 1994, equivaleriam a US$ 140 bilhes), no perodo de vigncia do plano, entre 1947 e 1952. Esse volume de recursos, injetado na Europa e entre os pases derrotados na guerra, foi a sada para que o Plano alcanasse

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seus dois principais objetivos, quais sejam, evitar o crescimento de orientaes comunistas nos pases empobrecidos do psguerra europeu e, ao mesmo tempo, recolocar esses mesmos pases na rbita da relaes comerciais norte-americanas. Cabe destacar uma clusula, segundo a qual todas as mercadorias adquiridas com fundos do plano deveriam ter procedncia estadunidense, vinculando assim os interesses dos europeus com os interesses comerciais dos norte-americanos. Ao longo do plano, os pases europeus contemplados obtiveram os seguintes montantes: US$ 3,2 bilhes destinados ao Reino Unido e suas dependncias, US$ 2,7 bilhes para a Frana, US$ 1,7 bilho Itlia, e US$ 1,4 bilho Alemanha. Esses valores, destinados em sua maior parte aos pases da Europa Ocidental, representaram cerca de 2% do PIB norteamericano na poca e no se traduziram em restries sua economia: no primeiro ano do plano o PIB per capita dos EUA estava 25% acima daquele de 1940 e parte desses fundos de reconstruo serviram para financiar e dinamizar as exportaes americanas para o mercado europeu. Ressalte-se que, nesse perodo, os principais bancos norte americanos, que desde o fim da guerra j faziam emprstimos aos europeus, converteram-se em parte integrante e instrumento do plano, com o estabelecimento de filiais nas principais cidades europias: Com a recuperao da Europa, os banqueiros americanos comearam a cruzar o Atlntico. J antes do Plano Marshall, porm, negociavam emprstimos privados prprios. Em 1945, o Chase tomou a iniciativa com um emprstimo Holanda e continuou a emprestar em termos comerciais Frana, no que foi seguido pelo Morgans. Giannini, do Bank of Amrica, voou para a Itlia, a fim de inspecionar sua subsidiria, a Banca dAmerica e dItalia, e fornecer crditos a outros banqueiros italianos. O Plano Marshall, no entanto, tinha como parte integrante os banqueiros, podendo cada pas europeu escolher

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o banco americano que preferisse. Em quatro anos, a partir de 1948, o Chase liderou, com US$ 977 milhes, seguido pelo Citibank. O Bank of Amrica, especializando-se ainda na Itlia, vinha em sexto lugar, com US$ 389 milhes.16 A implementao do Plano Marshall, na reconstruo econmica da Europa Ocidental e Japo, ajudou a impulsionar as bases iniciais para o perodo de expanso que perduraria at a dcada de 60. Finalmente, cabe destacar, entre os aspectos relativos Guerra Fria, o papel representado pelos gastos militares e armamentistas, que ajudaram a impedir, com sua continuao nos anos que se seguiram ao fim da guerra, a inevitvel queda do crescimento econmico decorrente da reestruturao para os tempos de paz. Durante a guerra os EUA chegaram a destinar para o setor militar 42% de seu produto nacional bruto (1943 e 1944), 36% em 1945, 11% em 1946, caindo para a mdia de 6% entre 1947/1950, e de novo aumentando para 12,5% entre 1950 e 1955, em funo dos gastos com a Guerra dos EUA na Coria, de 1951-5317.

Os gastos militares continuaram a constituir no ps-

guerra importante vertente no dispndio governamental, com intricada e abrangente rede de fornecimento de equipamentos, servios e matrias primas junto ao setor privado. O enorme crescimento dos gastos americanos com a defesa, durante vrios anos posteriores a 1950, refletiu claramente os custos da Guerra da Coria e a convico de Washington da necessidade de voltar a armar-se num mundo ameaador. O declnio posterior a 1953 indica a tentativa de Eisenhower de controlar o complexo militar e industrial antes que ele causasse danos sociedade e economia; os aumentos de 19611962 refletem as crises do Muro de Berlin e dos msseis urbanos; e o crescimento das despesas depois de 1965 mostravam os crescentes compromissos americanos no Sudeste da sia. 18

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A expanso dos gastos do complexo militar e industrial tambm teve impacto positivo para os pases fornecedores de matrias primas, que viram suas exportaes para os Estados Unidos aumentarem significativamente nos perodos em que este estivesse envolvido em conflitos blicos. Os maiores exportadores latino-americanos para os EUA, entre eles Mxico, Argentina e Brasil foram beneficiados por esse aspecto. O contexto em que se insere o perodo de prosperidade e crescimento, que vai do ps-guerra at o incio dos anos 70, teve, portanto, muito de sua especificidade delineada pela lgica da Guerra Fria: um mundo dividido ideologicamente em dois sistemas econmicos e polticos, capitalista e socialista, sob a liderana de Estados Unidos e Unio Sovitica. As diferenas de interesses que caracterizavam o bloco capitalista e o bloco socialista deram os temas, os problemas, e o tom das discusses ideolgicas dadas no terceiro quartil do sculo XX. Nesse sentido, a Economia e a Poltica no tiveram papel diferente de outras reas em que as posies norte-americanas e soviticas colocaram-se em lados opostos. Isso estabeleceu o campo referencial ideolgico com que seriam introduzidos no discurso econmico ocidental o Welfare State e suas regulaes sociais, com a aceitao do papel do Estado como regulador, planejador, produtor ou coordenador de investimentos vitais para o desenvolvimento. No plano externo, criaram-se condies favorveis a um crescimento sem precedentes do comrcio internacional, que forneceria maior lastro Diviso Internacional do Trabalho. Para os pases que buscavam os reflexos o caminho desse do desenvolvimento econmico, conflito

apareceram nas polticas econmicas desenvolvimentistas. Por desenvolvimentismo, entenda-se uma corrente de pensamento econmico originada a partir dos anos de 1930, que teve grande

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influncia entre os pases perifricos. Constituram a alternativa de sobrevivncia mudana nas relaes sociais de produo nestes empreendidas, constituindo-se como uma estratgia possvel para a recuperao do atraso econmico e da diminuio das desigualdades sociais. Na Amrica Latina, este espectro ideolgico acompanhar as polticas de industrializao por substituio de importaes conduzidas pelos estados nacionais, muitas vezes sob governos autoritrios, no mais das vezes apoiados pelos EUA, a contraposio tolerada em relao ameaa comunista. O trip do desenvolvimento nesses pases, em diversos graus de interao, pressupunha a participao do Estado, do capital privado nacional e do capital industrial internacional (principalmente nos segmentos de bens de consumo durvel e insumos produtivos). Mxico e Brasil constituram, nesse sentido, as experincias desenvolvimentistas que lograram maiores xitos. 3. O papel das instituies internacionais e dos bancos comerciais na era Bretton Woods No plano monetrio, a heterodoxia econmica ento baseada na ao do Estado permitiu assim sistemas financeiros nacionais submetidos aos objetivos polticos do crescimento e do pleno emprego. A arquitetura do sistema financeiro internacional, nos anos de Bretton Woods, se construiu imagem do sistema financeiro norte-americano que, por sua vez, teve as bases lanadas nas reformas empreendidas durante o New Deal, de 1933-1934, quando foram reformulados e fortalecidos o sistema bancrio norte-americano e seu mercado de capitais 19. Dentre as inovaes operacionais e institucionais lanadas no New Deal, destacaram-se duas:

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1) Formou-se uma rede de proteo aos bancos contra insolvncia generalizada em perodos de contrao econmica; planos de seguros para depositantes com o apoio do Estado; o regulamento Q, que limitou a taxa de juros para depsitos. As funes de um banco central foram estabelecidas ao Federal Reserve System, FED, antes agrupamento livre, de bancos regionais de compensao, passando assim a exercer a funo de banco central dos EUA, com poderes de controlar as reservas, criar liquidez e atuar como prestamista de ltima instncia. Nessa ltima funo, o FED pode intervir no sistema bancrio e financeiro, como emprestador de ltimo recurso, em casos de quebras bancrias e crises financeiras, provendo recursos para cobrir os correntistas ou sanear instituies. 2) Fim das informaes privilegiadas, que tanto elevaram os preos dos papis em 1929, pondo fim s manipulaes no mercado de aes e de bnus. Em 1934 constitudo o SEC, Securities and Exchange Comission, comisso de bolsa e valores, que estabeleceu normas para a divulgao pblica de informaes sobre empresas com papis em bolsa. Um dos aspectos institucionais mais importantes das reformas de 1933, alm da criao do Federal Reserve System, FED, consistiu na Glass Steagal Act`, lei que regulamentou a estruturao dos mercados financeiros por segmentos, - bancos comerciais, bancos de fomento e desenvolvimento, bancos de investimentos, emprstimos, corretoras, por parte etc-, das evitando instituies a excessiva financeiras, alavancagem, ou seja, operaes especulativas cobertas com principalmente a corretoras e bancos de investimento, que inflacionavam artificialmente os preos dos papeis negociados. Este aspecto, alis, foi um dos elementos presentes na fragilizao financeira que acompanhava a onda especulativa ocorrida na economia americana s vsperas da crise de 1929, e

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a reforma empreendida pelo New Deal visou justamente coibir os excessos especulativos. Nesse sentido, a reestruturao do sistema financeiro americano desde o New Deal constituiu importante marco regulatrio, que acabou por servir de padro nas reformas dos sistemas financeiros e mercados de capitais de diversos pases a partir do ps-guerra. No Brasil, por exemplo, esse tipo de reforma, baseada na restruturao de sistema bancrio por segmentos, ocorreria a partir do PAEG, de 1966.20 Nos mercados de capitais nacionais passou a predominar, assim, a imposio de controles sobre o balano de capitais, emprstimos, financiamentos e investimentos -, e no sobre as transaes correntes, onde os impactos domsticos das intervenes nas taxas de cmbio eram compensados pelas reservas cambiais oficiais e, quando necessrio, por crditos do FMI, que cumpriam papel de anteparo entre as condies monetrias domsticas e internacionais. Portanto, em sntese, a estruturao dos mercados financeiros nacionais apresentava as seguintes caractersticas gerais: 1) Polticas monetrias e de crdito condicionadas aos objetivos econmicos nacionais; 2) Regimes cambiais fixos; 3) Limitaes aos fluxos de capitais internacionais de curto prazo, impedindo choques externos s taxas de juros domsticas; 4) Segmentao e especializao das instituies financeiras; 5) Fixao de tetos para taxas de depsitos e emprstimos; 6) Banco Central regulador e provedor de liquidez ao sistema. Nesse contexto, estabeleceu-se a seguinte regulao: o papel principal no sistema financeiro passou a ser desempenhado pelo sistema bancrio. No plano institucional coube ao banco central a normatizao e fiscalizao dos mercados financeiro e bancrio, atuando como prestamista de ltima instncia para o sistema e operacionalizando polticas

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monetrias baseadas em taxas de juros nominais e reais baixas por longos perodos. Este arranjo do sistema financeiro possibilitava grande capacidade de recomposio de dvidas entre empresas e bancos, e garantia flexibilidade no que se refere liquidez junto ao banco central. Os ganhos do sistema estavam vinculados ao crescimento do volume de emprstimos e financiamentos. Assim, na organizao internacional das finanas desse perodo predominou a captao internacional de recursos financeiros entre pases atravs dos crditos de instituies multilaterais: FMI, BIRD, BID, e em menor escala, de bancos comerciais internacionais. As polticas monetrias e de crdito estavam voltadas predominantemente para os mercados nacionais; e, no plano externo as taxas fixas de cmbio e as restries circulao de capitais de curto prazo impediam choques externos na administrao interna da taxa de juros.

4. O Mercado de EurodlaresA designao eurodlares originou-se nos depsitos em dlares, marcos e outras moedas fortes e conversveis, feitos fora do pas de origem. A prtica de utilizao de moeda estrangeira teve como antecedente a hiperinflao alem de 1919-1923, quando eram procurados dlares e libras como forma de fugir aos efeitos da alarmante depreciao do marco. Mas foi o fluxo de dlares que entrou na Europa Ocidental no ps-guerra, na esteira do Plano Marshall, sob a forma de emprstimos, investimentos, doaes e gastos militares, que comeou a definir esta tendncia, fortalecida a seguir com a expanso internacional dos grandes bancos norte-americanos, atravs da criao de filiais nas principais praas financeiras europias:

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Londres, Paris, Frankfurt, Zurique, Milo, para enumerar os centros financeiros mais importantes. Mas sua caracterstica principal, qual seja, a de moeda expatriada em fuga de restries legais em seus pases de origem, s viria a se consolidar entre o final dos anos de 1940 e incio dos de 1950. Isso se deu quando pases do bloco socialista resolveram depositar em bancos europeus suas receitas de exportao em dlares, como forma de evitar eventual embargo de seus haveres pelos norte-americanos, e, ao mesmo tempo, manter disponibilidades em dlares para seus compromissos de comrcio exterior. Em 1949 o Governo Popular da China efetuou um grande depsito em dlares junto Banque Commerciale pour lEurope du Nord, um banco sovitico sediado em Paris,- e de endereo telegrfico eurobank, o que teria servido de inspirao para jornalistas econmicos adotarem depois o termo eurodlares -, com o intuito de evitar confiscos da parte dos norte-americanos. O exemplo foi imitado por outros pases socialistas, que passaram a vincular suas receitas de exportao a esses depsitos em bancos europeus. Na mesma poca os russos passaram a manter depsitos no Moscow Narodny Bank, em Londres21. A prtica se disseminou e ampliou a partir da, com a adeso de bancos e operadores de pases ocidentais; a aceitao de depsitos por residentes fora do pas pelos bancos possibilitou e a ampliao de fontes o de fluxo financiamentos emprstimos, potencializando

movimentado pelos bancos: o de reciclar o dinheiro que recebiam por uma via, emprestando-o por outra, sem as regulamentaes restritivas de seus pases de origem. O mercado da moeda refugiada de suas regulamentaes ptrias cresceu em volume e nmero de negcios ao longo da dcada de 1950, concentrou-se nas principais praas europias, mas tambm surgiam praas em

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continentes,

destas,

Hong

Kong

tornou-se

a

mais

importante e dinmica. Londres tornou-se a praa preferencial desse mercado. Seu sistema bancrio possua a combinao necessria de tradio e percia, boas comunicaes, e funcionrios experientes nas reas de cmbio e de negcios internacionais. No final dos anos de 1950, o mercado de eurodlares passou por forte expanso, sendo que suas operaes triplicaram em volume de negcios no ano de 1959 e voltaram a duplicar-se em 1960, empurradas pelo surto de prosperidade europia e pelo crescimento e ampliao das operaes das empresas multinacionais norte-americanas. Em 1958, o Tratado de Roma deu forma ao Mercado Comum Europeu. Ao mesmo tempo, as doze moedas europias pertencentes ao Acordo passaram a ser consideradas conversveis ao dlar e aceitas internacionalmente, conferindo maior liberdade aos negcios externos. Isso foi um fator decisivo de intensificao dos negcios entre os pases participantes deste mercado, constituindo fator de estmulo proliferao de operaes financeiras no exterior. A conversibilidade das diversas moedas nacionais, e a possibilidade de virem a ser escrituralmente depositadas em praas no exterior, deu origem a uma grande reserva monetria em disponibilidade no mercado internacional. Foi nesse perodo que o termo euromercados passou a ser mais percebido e conhecido pelos meios de comunicao e pelo jornalismo econmico. At ento sua existncia contava com a discrio de banqueiros e de seus operadores. Do lado dos governos dos pases onde operavam estes mercados, o grau de tolerncia era maior que aquele adotado pelo FED norte americano, de vez que estes fluxos financeiros representavam receitas invisveis, na expresso dos economistas da city de Londres, oriundas das exportaes de

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capitais e que entram no balano de pagamentos sob a forma de juros, dividendos e royalties. O conhecimento destas operaes, no entanto, passou a suscitar maiores preocupaes entre os bancos centrais europeus: o processo de emprstimos e reemprstimos poderia multiplicar-se sem controle e vir a provocar crises financeiras. Os riscos se tornariam crescentes medida que as instituies financeiras nesses mercados no contassem com um emprestador de ltima instncia, pelo menos ao modo em que estavam estruturados os mercados financeiros, com seus recursos e operaes circunscritas aos mercados internos, na arquitetura engendrada em Bretton Woods. Em 1963, preocupado com as conseqncias do risco acima exposto, o governo norte-americano procurou estabelecer limites sobre os fluxos financeiros oriundos destes mercados, os euromercados, de vez que eram a poderiam ser obtidos emprstimos e financiamentos a taxas de juros mais favorveis que aquelas praticadas nos EUA. Naquele ano foi lanado, pelo governo Kennedy, o Imposto de Equalizao de Juros, que tornou mais cara a tomada de emprstimos no exterior para os bancos dos EUA. Embora a medida visasse a defesa dos termos de Bretton Woods, estabelecendo controles sobre fluxos de capitais externos, seus resultados prticos acabaram apontando em direo contrria, encorajando a tomada de emprstimos nos euromercados, inclusive por parte dos grandes bancos norte americanos, Citibank, Bank of America, Chase e outros. Estes, no exterior conseguiam contornar com mais facilidade as restries legais existentes em seu pas. Em 1966, novas restries sobre a taxa de juros nos EUA, desta vez no governo Johnson, igualmente referendaram esta tendncia dos bancos americanos buscarem no exterior mais operaes, emprestando e prestando servios a seus clientes multinacionais.

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Com a expanso dos negcios com eurodlares em Londres, e nas principais praas financeiras, na dcada de 1960 comearam a surgir outras candidatas a praas financeiras internacionais e mercados off-shore22. Assim, s praas europias, Londres, Luxemburgo e Sua, somaram-se neste perodo,- alm da j citada Hong Kong -, Singapura, Bahamas, Ilha Grande Caym e outras ilhas da regio do Caribe23. A regra desses centros desregulamentados era criar facilidades e diminuir restries circulao de eurodlares, o sucesso desses centros contou, como principais atrativos: 1. Legislao bancria permissiva circulao de capitais estrangeiros; 2. Sigilo bancrio absoluto; 3. Regulamentao mnima para entrada e sada de fundos; 4. Impostos baixos; 5. Separao entre fluxos financeiros internacionais e o sistema financeiro local; 6. Estabilidade financeira e banco central efetivo; 7. Localizao conveniente em termos de fuso horrio. A Ilha Grande Caym, por exemplo, entre 1963-66 elaborou lei de fideicomisso (designao, em testamento, de dois ou mais herdeiros), ampliou seu aeroporto, passou a integrar o sistema telefnico internacional e promulgou uma lei das sociedades annimas. As estruturas financeiras a montadas no exigiam fortes industrias ou setores comerciais: Caym at ento era apenas um paraso turstico. Tornou-se um paraso fiscal. Um dos segmentos mais promissores dos euromercados, que passou a tomar forma nesse perodo, foi o dos eurobonds, ou seja, ttulos isentos de tributao lanados por grandes empresas e bancos nos principais euromercados. Este tipo de operao, que possibilitou s grandes empresas e corporaes

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um novo e importante canal de captao de recursos, constituiu, nas dcadas seguintes, um dos instrumentos principais nos fluxos de financiamento nos mercados financeiros internacionais. O primeiro lanamento registrado deste tipo de ttulos deu-se em 1957, em Zurique, pela companhia petrolfera belga Petrofina; em 1963, foram negociados em Londres US$ 15 milhes em ttulos para financiar projetos rodovirios italianos, o que constituiu a maior operao com ttulos at ento. Abriu-se assim aberta, no mercado internacional, nova e importante possibilidade de financiamentos para as grandes corporaes, que passaram, a partir da, a desenvolver cada vez mais as atividades de gesto financeira de seus prprios recursos. O crescimento do volume de recursos financeiros e nmero de operaes nos euromercados, em emprstimos e negociao de ttulos, estimulou a criao, desde 1969, de consrcios de bancos, montados nas concesses de grandes emprstimos. Os emprstimos consorciados foram inaugurados naquele ano, em Londres, por um emprstimo bancrio de US$ 80 milhes ao Ir do X Rehza Pavlevi. Outra grande operao ocorreu ainda no mesmo ano, quando o Banco da Itlia, enfrentando uma crise econmica e xodo de capitais, obteve um emprstimo de US$ 200 milhes, levantado atravs de um consrcio bancrio composto por 22 bancos. A operao tinha por parmetros o estabelecimento de um spread24 de 0,75% acima da taxa de juros de Londres, a Libor (London interbank offering rate), revisada esta a cada seis meses, de acordo com as taxas em vigor no mercado. Essa prtica de incidncia de juros denominada juros flutuantes, colocou banqueiros e tomadores em posies assimtricas. Para os primeiros constituiu uma diminuio de risco. O contrrio se passa com os tomadores, para os quais o risco tornar-se-ia mais elevado na eventualidade de futuras elevaes da taxa de juros. Naquela

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poca, esta perspectiva no parecia constituir maiores riscos, de vez que as taxas de juros dos principais pases industrializados vinha se mantendo em baixos patamares por longos perodos. Este ltimo ponto se revelar perversamente crucial na crise da dvida externa dos pases latino americanos na dcada de 1980. O sentido desta expanso dos mercados de eurodlares, de contornar os entraves legais e buscar mercados mais brandos em relao movimentao de suas operaes, estava em completo desacordo com os parmetros estabelecidos em Bretton Woods, principalmente no que diz respeito aos controles de fluxos internacionais de capitais. Este aspecto claramente expresso nas palavras do presidente do Citibank daquele perodo, Walter Wriston: As fronteiras nacionais no so mais defensveis contra a invaso de idias ou dados financeiros. Os mercados de eurodlares constituem um exemplo perfeito disto. Ningum os projetou, ningum os autorizou e ningum os controlou. Foram gerados pelos controles, criados pela tecnologia (comunicaes) e hoje so refugiados, se quiserem, de tentativas nacionais de alocar crdito e capital por motivos que pouco ou nada tem a ver com finanas e economia. 25 A partir do final dos anos 60, os euromercados, tambm aqueles designados como mercados off-shore, tiveram seu crescimento estimulado por uma nova e poderosa fonte de dlares: o excesso de dlares gerados pelos dficits que o balano de pagamentos norte americano passou a ostentar. Este aspecto, aliado crescente especulao com moedas, principalmente marcos e yens, que j rivalizavam com o dlar, de vez que havia a percepo de sua iminente desvalorizao, finalmente estabelecida em 1971, quando o Governo Nixon decretou a inconversibilidade do dlar pelo ouro -, marcam, no incio da dcada de 70, uma onda especulativa nos principais

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euromercados, com fortes valorizaes nos setor imobilirio e nos mercados de aes. A expanso mais agressiva dos negcios nos euromercados causaria a proliferao de bancos de 2a linha, bancos de menor porte, mas bastante agressivos em suas operaes, notadamente nos mercados domsticos da Inglaterra e dos EUA, enquanto os grandes bancos, por seu turno, passaram a especializar-se em operaes de emprstimos no exterior, principalmente para os pases do terceiro mundo. Aqueles tomadores mais promissores deste grupo foram cortejados por vrios bancos internacionais, que lhes ofereciam emprstimos e servios. Alguns destes pases, principalmente aqueles cujas economias apresentavam altas taxas de crescimento, passaram a ser avaliados como bom risco, na medida que tinham, como contrapartida aos emprstimos, atividades econmicas em expanso e receitas cambiais crescentes.

5. A Crise do Petrleo de 1973O cenrio acima exposto, marcado pelas presses especulativas, teve uma reverso abrupta a partir de outubro de 1973, com o primeiro choque do petrleo, cujos preos foram quase quadruplicados pela OPEP. Resultaram em significativa deteriorao nas contas externas de vrios pases importadores de petrleo. A decorrente reverso de expectativas nos mercados financeiros provocou forte queda nos preos dos mercados imobilirios e de aes, colocando em risco as instituies bancrias, principalmente as de menor porte. Esta situao foi agravada pelo endurecimento do crdito adotado pelos formuladores de poltica econmica dos principais pases

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industrializados, revertendo a at ento adotada poltica de juros baixos e crdito barato. O resultado foi a quebra de bancos menores, os supracitados bancos de segunda linha, nos mercados londrino e norte-americano. Estas quebras s no se generalizaram devido interveno dos bancos centrais, como o Banco da Inglaterra que, em 1974, formou um consrcio de bancos e levantou US$ 3 bilhes para salvar 26 bancos de 2a linha, evitando assim a generalizao da crise. O incio de superao da crise de 1973 dar-se-ia a partir do ano seguinte, quando comearam a ingressar naqueles mercados, sob forma de depsitos e aplicaes financeiras, os dlares obtidos pelos pases produtores de petrleo. O ingresso macio dos recursos provenientes da elevao dos preos do petrleo, denominados petrodlares representar, para os euromercados, um patamar superior em termos de volumes financeiros disponveis para as instituies financeiras. Seguiu-se uma forte expanso dos emprstimos pelos bancos comerciais, denominada na poca de reciclagem dos petrodlares. Boa parte desses novos e abundantes recursos financeiros foi ento canalizada em emprstimos para os pases em desenvolvimento. Para a Amrica Latina, poca imersa em seus projetos de industrializao, notadamente Mxico e Brasil, e sob os efeitos negativos da crise do petrleo para os pases no-produtores, os petrodlares reciclados significaram uma vlvula de escape para a continuao e consecuo de suas polticas econmicas. O recurso ao endividamento fcil marcaria o ltimo captulo da histria da industrializao latino-americana sob a conduo de polticas econmicas desenvolvimentistas. Os anos 80 seriam marcados pela crise da dvida externa e a falncia do Estado desenvolvimentista. Por dez anos os pases latinoamericanos ficaram praticamente sem novos emprstimos,

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tornando-se, sob o peso dos pagamentos de amortizaes e juros, exportadores lquidos de capitais.

6. A ruptura de Bretton WoodsO perodo compreendido entre o final dos anos de 1950 e o incio dos 1970 foi marcado no plano internacional por uma srie de fatos geradores de fortes instabilidades polticas e sociais: Revoluo Cubana em 1959; retomada do canal de Suez por Nasser no Egito em 1957; descontentamento social na forma de greves sindicais e estudantis nas dcadas de 1960 e 1970; assassinatos de John Kennedy em 1963 e Martin Luther King; agravamento das tenses da Guerra Fria (com o ponto culminante no episdio da Baia dos Porcos e os msseis soviticos em Cuba, em 1962), e no conflito rabe-israelense no Oriente Mdio; movimentos de independncia na frica, guerrilhas na Amrica do Sul e Central; e, sobretudo, a derrota americana na Guerra do Vietn, em 1975. Vale salientar que este contexto de turbulncias no plano internacional suscitou nos anos de 1970 diversas anlises apontando para o declnio da hegemonia norte-americana. O comportamento dos principais indicadores da economia americana naquele perodo reforava estas suspeitas. A balana comercial comeou a partir da segunda metade dos anos 60 a apresentar, pela primeira vez desde o ps-guerra, longos e seguidos perodos deficitrios, ao contrrio do que ocorria no perodo de Bretton Woods. Do mesmo modo, a presso sobre o seu dficit pblico passou a refletir os custos crescentes da escalada armamentista. No comrcio internacional, a economia norte-americana comeava a sentir os efeitos resultantes da intensificao da concorrncia, notadamente pelo crescimento acentuado

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verificado nas economias alem e japonesa, notadamente nesta ltima, que atingiu a marca de 20 anos de crescimento contnuo, entre 1953 e 1973. Estas economias haviam superado, vinte anos depois, os reveses da Segunda Guerra, em parte graas ao sucesso das polticas de reconstruo. Reassumiram assim, a condio de potncias econmicas, atingindo ento condies avanadas de competitividade no comrcio internacional. Dado este crescimento, a economia norteamericana perdeu participao relativa na economia mundial ao longo do perodo, apesar de ter apresentado forte crescimento. Ela passou, de quase 50% do PIB mundial em 1945, para cerca de 28%, quarenta anos depois. Mas o aspecto mais importante dessa conjuntura reside no enfraquecimento da credibilidade do dlar como moeda de curso internacional. Ao longo dos anos de 1960 a moeda ianque passou a sofrer a concorrncia do marco alemo e iene japons, o que, nos mercados financeiros, lanava suspeitas sobre a capacidade dos Estados Unidos em manter a paridade do dlar fixa em relao ao ouro. A mais de vinte anos a ona de ouro estava fixada em US$ 35, e, dada a fragilidade apresentada pela economia norte-americana, isso estimulava os operadores internacionais a trocar suas posies em dlar por ouro, marcos e ienes. Nessa conjuntura de assimetrias cambiais do dlar em relao s principais moedas conversveis, no interessava mais aos norte-americanos a desvalorizao do dlar dentro das regras do sistema de cmbios fixos. A principal preocupao residia na fuga generalizada do dlar para o ouro, que queriam evitar, pois certamente potencializaria as restries sobre seu balano de pagamentos. Nos meios acadmicos americanos e alemes cresciam as crticas ao dogma das taxas cambiais fixas. As fraquezas intrnsecas apontadas no sistema de Bretton

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Woods residiam em dois fatos: a) a convertibilidade em ouro do dlar tornou-se progressivamente duvidosa devido s dvidas lanadas sobre o estoque de ouro dos Estados Unidos; b) com isso diminuiu a confiana e aumentaram as suspeitas nas taxas de cmbio para corrigir balanos de pagamentos. Isso implica dizer ser que se persistissem desequilbrios abriam-se no as balano portas de da pagamentos, por um perodo suficiente para que deixassem de considerados temporrios, especulao cambial.26 A estrutura das taxas cambiais estava assentada na estabilidade, e esta estava prxima de seu ponto de ruptura. As presses crescentes decorrentes dos dficits comercial e fiscal da economia norte-americana levaram o Governo Nixon a lanar, em agosto de 1971, o Novo Programa Econmico, um programa abrangente para tentar reverter a situao. Consistia em um conjunto de medidas internas conservadoras, como controle e corte de gastos pblicos e, buscando aliviar as presses sobre a sua balana comercial, que vinha apresentando fortes dficits, uma sobretaxao de 10% sobre todas as importaes norte-americanas. Mas a principal e mais explosiva resoluo desse programa dizia respeito questo cambial: o governo dos EUA declarava, unilateralmente, que no mais iria converter ilimitadamente estoques oficiais de dlares em ouro. Essa declarao, dada no dia 15 de agosto, buscava estancar a corrida contra o dlar e a contnua queda das reservas norte-americanas, que vinham se acentuando nos meses anteriores. Nas semanas que antecederam essa data, o FED j se encontrava em posio bastante debilitada no seu estoque de reservas cambiais. Alguns governos j faziam converses de dlares por ouro em grandes lotes, e o FED se via obrigado, assim, a obter moedas estrangeiras atravs do emprego de l