Redes, trabalho e ferramenta: etnografia do trabalho através de conexões parciais

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Redes, trabalho e ferramenta: etnografia do trabalho através de conexões parciais. Rafael Martins Lopo – PPGAS / UFRGS [email protected] Resumo: O artigo proposto para este GT tem como pano de fundo etnográfico um momento específico da indústria naval brasileira. Ancorado em uma etnografia que teve como objetivo principal mapear as redes e agentes envolvidos neste novo ciclo do trabalho na região sul do país durante um ano e meio, pretendo aqui pensar sobre as noções e expressões agenciadas pelos atores para falar sobre trabalho, conflito, aprendizado e expertise, colocando em pauta também reflexões sobre o trabalho de campo e as possibilidades/limitações de se pesquisar o trabalho em diferentes escalas envolvidas em projetos de desenvolvimento. Impulsionado pela descoberta de petróleo na camada Pré- Sal, ergue-se um novo discurso baseado na ideia de um ciclo de prosperidade e pujança na construção naval, baseado na encomenda de novas plataformas pela Petrobrás. Olhando para outras escalas deste novo processo, percebem-se processos de terceirização e precarização, bem como novas estratégias dos atores para circularem nestas diversas redes/teias que compõem o tecido social. Inspirado nos debates promovidos por Marilyn Strathern e autores ligados ao campo da Ciência e Tecnologia, penso nestes agenciamentos como formas de transitar, mediar e romper os limites destas diferentes escalas através de conexões parciais, onde o trabalho de campo e o etnógrafo são também considerados agentes importantes. Palavras-Chave: Trabalho, desenvolvimento, conflito, Ferramenta, gato, trecho, encarregado. Em uma primeira leitura estas palavras parecem não apresentar nenhum tipo de ligação. Assim como eventos que são vivenciados durante o trabalho de campo e aparentemente não se mostram conectados, as expressões e termos agenciados entre os atores que circulam entre as esferas do Polo Naval de Rio Grande só aparentam fazer algum tipo de “sentido” se colocadas em relações através de conexões parciais. O artigo proposto para este GT tem como pano de fundo um cenário extremamente complexo e rico, delineado por diversos níveis e escalas, mediado por agentes de diferentes lugares e naturezas. Como será visto nas linhas que seguem, procuro aqui pensar nesta complexidade, bem como suas sutis facilidades/dificuldades em relação à etnografia, propondo que pensemos no trabalho enquanto um dos muitos mediadores que fazem com que conexões parciais e relações de conflito sejam postas em jogo. Os desafios que se lançaram desde o começo da empreitada etnográfica na região do extremo

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Trabalho publicado nos Anais da XI RAM, Montevideo

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Redes, trabalho e ferramenta: etnografia do trabalho através de conexões parciais. Rafael Martins Lopo – PPGAS / UFRGS [email protected] Resumo: O artigo proposto para este GT tem como pano de fundo etnográfico um momento específico da indústria naval brasileira. Ancorado em uma etnografia que teve como objetivo principal mapear as redes e agentes envolvidos neste novo ciclo do trabalho na região sul do país durante um ano e meio, pretendo aqui pensar sobre as noções e expressões agenciadas pelos atores para falar sobre trabalho, conflito, aprendizado e expertise, colocando em pauta também reflexões sobre o trabalho de campo e as possibilidades/limitações de se pesquisar o trabalho em diferentes escalas envolvidas em projetos de desenvolvimento. Impulsionado pela descoberta de petróleo na camada Pré- Sal, ergue-se um novo discurso baseado na ideia de um ciclo de prosperidade e pujança na construção naval, baseado na encomenda de novas plataformas pela Petrobrás. Olhando para outras escalas deste novo processo, percebem-se processos de terceirização e precarização, bem como novas estratégias dos atores para circularem nestas diversas redes/teias que compõem o tecido social. Inspirado nos debates promovidos por Marilyn Strathern e autores ligados ao campo da Ciência e Tecnologia, penso nestes agenciamentos como formas de transitar, mediar e romper os limites destas diferentes escalas através de conexões parciais, onde o trabalho de campo e o etnógrafo são também considerados agentes importantes. Palavras-Chave: Trabalho, desenvolvimento, conflito, Ferramenta, gato, trecho, encarregado. Em uma primeira leitura estas palavras parecem

não apresentar nenhum tipo de ligação. Assim como eventos que são vivenciados durante

o trabalho de campo e aparentemente não se mostram conectados, as expressões e termos

agenciados entre os atores que circulam entre as esferas do Polo Naval de Rio Grande só

aparentam fazer algum tipo de “sentido” se colocadas em relações através de conexões

parciais.

O artigo proposto para este GT tem como pano de fundo um cenário extremamente

complexo e rico, delineado por diversos níveis e escalas, mediado por agentes de

diferentes lugares e naturezas. Como será visto nas linhas que seguem, procuro aqui

pensar nesta complexidade, bem como suas sutis facilidades/dificuldades em relação à

etnografia, propondo que pensemos no trabalho enquanto um dos muitos mediadores que

fazem com que conexões parciais e relações de conflito sejam postas em jogo. Os

desafios que se lançaram desde o começo da empreitada etnográfica na região do extremo

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sul do Brasil trazem para o debate atual sobre trabalho importantes e interessantes

questões como expertise, conhecimento, conflito e mediação.

Particularmente aqui, trarei relatos acerca da expertise e das condições de trabalho que

são mediadas por termos que flutuam e circulam em diferentes escalas deste contexto.

Ferramenta, gato, encarregado, trecho. Todas estas diversas expressões compõem um

cenário que se conecta com o pesquisador através da experiência e das conexões que se

fazem em diferentes pontos desta teia/rede de trabalho e trabalhadores.

Nesse sentido, a inspiração para a confecção desta escrita parte tanto dos

questionamentos trazidos pela experiência etnográfica quanto pelas leituras acerca da

complexidade e escala no trabalho etnográfico. É importante aqui se perguntar, ao se

pesquisar sobre trabalho e desenvolvimento, o quanto de dados recolhidos e interpretados

em campo seriam “necessários” para que um problema antropológico fosse criado. No

meu caso, já respondo e deixo aqui evidente que a preocupação da pesquisa no contexto

em que ela está inserida está muito mais voltada para uma amplitude e ampliação de

dados para construir um problema do que um excesso de informações para sua tentativa

de interpretação e, consequentemente, resposta.

Assim como defende Marylin Strathern (1991), não é apenas uma questão de definir se

um dado é grande ou pequeno, geral ou particular, e sim entender como estas relações

entre dimensões e escalas diferentes do trabalho de campo são colocadas em um mesmo

plano. (no caso da antropologia, o texto etnográfico/teórico). A inspiração fractal que

orbita esta discussão faz parte de um contexto em que não só a representação do trabalho

de campo mas sim a relação que se constrói a partir do próprio deslocamento (empírico,

teórico e epistêmico) através da pesquisa em antropologia.

A pergunta feita é sempre no sentido de deslocar a preocupação de explicar um todo

coerente ou uma realidade passível de ser traduzida através da etnografia, mas sim

entender que parte das conexões que se desenham passam por um processo comparativo

entre escalas do trabalho antropológico.

No one is suggesting that anthropologists should stop fieldwork. Rather, the problems surround the kind of narratives they produce - hence the solutions appear to do with how one writes. What is discredited, in other words, is the elision between fieldworker, writer

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and author. The kind of author one should be, it is argued nowadays, has to be settled in terms of the relationships established in the field, the audiences one wishes to reach, the messages at stake. It cannot be settled by the authority of the fieldworker who was there. (Strathern,1991:9)

A ideia de que o pensamento antropológico pode ser entendido como um pensamento

fractal é fundamental para entender o debate feito aqui. É essa ideia de que há sempre

uma outra escala sendo re-arranjada através de duas linhas que ocupam mais de uma

dimensão e menos que duas. Para Roy Wagner

o que é descrito é a maneira como os cientistas sociais operam para tornar seus sujeitos interessantes, estatisticamente variáveis e problemáticos. Não está de modo algum claro que os sujeitos pensam sobre si mesmos dessa maneira, ou que pensam que suas interações sociais são interessantes porque podem ser mapeadas em paradigmas de agrupamentos sociais e variabilidade individual (Wagner, 2001:3)

Esse dois últimos trechos talvez ajudem a entender qual o desafio que me coloco aqui

nesse artigo e, de certa forma, em todo o resto da tese que está em fase de confecção.

Pensar não só sobre as condições de se fazer etnografia em um contexto

desenvolvimentista extremamente diferente dos sempre citados na bibliografia dos

chamados “pós-estruturalistas”1, mas como o próprio processo de construção de um

trabalho de campo fragmentado também pode ajudar a entender as dinâmicas relativas a

este novo contexto de trabalho e ocupação que são colocadas nesta nova realidade.

Para entender o processo do qual estamos falando aqui, começo o artigo apresentando o

contexto em que a cidade de Rio Grande, ao sul do Rio Grande do Sul, se encontra a

partir da nova política econômica voltada para indústria naval no país. Em um segundo

momento, trago relatos e experiências que narram resumidamente as trajetórias da

pesquisa a partir de alguns mediadores (sejam eles humanos ou não-humanos) na busca

de entender e interpretar as dimensões que se apresentavam no contexto em questão.

Finalizando, a terceira parte finaliza o artigo expondo alguns dos elementos que fizeram

com que eu evocasse alguns autores que não são usualmente colocados no diálogo da

antropologia do trabalho para propor aqui um debate rico e, assim espero, frutífero.

                                                                                                               1 Dentre uma série de abordagens e opções, há uma boa revisão realizada por Edelman & Haugerud (2005).

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O Pólo Naval de Rio Grande e as promessas de um novo tempo...

A cidade de Rio Grande, localizada no extremo sul do Brasil, é um dos múltiplos centros2

escolhidos pelo governo federal para ser um dos novos polos de produção naval voltada

para a construção de plataformas no país. Até pouco tempo atrás a indústria naval

brasileira foi chamada por alguns veículos, especializados ou não, como o setor que

desconhecia a crise3. Não seria nenhum pouco precipitado dizer que esta visão estaria um

pouco equivocada de ser utilizada atualmente se considerarmos o grande impacto que

irregularidades em licitações e contratos do governo com grande parte das empresas

envolvidas nesta indústria foram deflagradas pela operação Lava-Jato da polícia federal4.

De qualquer forma, isto também é um elemento chave desta pesquisa. Se até pouco

tempo atrás (menos de um ano) especialistas como André Ricardo Mendonça Pinheiro

consideravam este ultimo período com um tempo de pujanças para indústria naval,

antecedido por uma “idade média” do setor (Pinheiro, 2008:38), atualmente é possível

encontrar uma certa onda de contração e incertezas no que tange a novas contratações e

andamento das obras5.

Todo esse “boom” da indústria naval tem como expoentes motrizes aspectos também

diversos e conectados parcialmente. Há uma série de eventos que foram decisivos para

que quase 15 mil empregos fossem gerados apenas no ano de 2014. Obviamente, um

ponto que torna essas conexões possíveis é a escolha de uma política petista que valoriza

                                                                                                               2 Para além da ironia, a expressão um tanto contraditória tem a ver com o que o governo considerou uma democratização e ampliação da indústria naval pós-2002, como será visto brevemente nas linhas que seguem. 3 Expressão utilizada no título de uma reportagem do Brasil Econômico, a respeito de um seminário realizado em dezembro do ano de 2013, na FIERGS, para discutir as potencialidades e os caminhos da indústria naval no estado do RS. http://economia.ig.com.br-empresas-industria-2012-12-14-setor-de-petroleo-e-gas-desconhecem crise 4 Zero Hora – Lava Jato investiga doações a prefeitos da região do Polo Naval in http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/09/lava-jato-investiga-doacoes-a-prefeitos-da-regiao-do-polo-naval-4848874.html - pesquisado em 18 de setembro de 2015. 5 Segundo levantamentos da própria SINAVAL (Sindicato Nacional da Indústira da Construção e Repaaração Naval e Offshore ) há, pela primeira vez desde 2004, uma diminuição dos postos de empregos entre seus associados. “O Sinaval informa que as estatísticas de empregos levantadas junto aos seus associados, em março de 2015, registraram 68 mil pessoas empregadas nos estaleiros brasileiros. O número representa a perda 14 mil postos de trabalho em relação ao número do emprego registrado em dezembro de 2014 no total de 82.472 empregos”. – disponivel em http://sinaval.org.br/empregos/

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a indústria nacional, principalmente a que envolve a economia petrolífero, e que é muito

discutida entre o então candidato Lula e Fernando Henrique Cardoso nos debates pré-

eleições no ano de 2002.

Com a vitória do Partido dos Trabalhadores, ações governamentais de diferentes fontes e

naturezas foram assentadas em projetos de restruturação como o Fundo da Marinha

Mercante, a criação do Programa de Modernização da Frota (PROMEF I e II) e,

principalmente, através da instituição de um índice de participação da indústria nacional

na construção naval (atualmente com uma média de 65 a 70%). Segundo Carvalho

(2011), através dessa nova postura do governo de Lula, a indústria naval se consolida

como setor estratégico do ponto de vista das políticas governamentais, tornando-se

protagonista de uma trama que põe o petróleo – e toda rede de extração, produção e

consumo – como um dos grandes salvadores da economia nacional e do futuro

desenvolvimento do país6. Obviamente, todo este esforço por parte de agências do Estado

produziu seus resultados, e dados enaltecendo as políticas adotadas e seu impacto em

termos de investimento e geração de empregos não faltam na literatura disponível7. Uma

das estratégias desta política foi, assim, uma expansão geográfica do setor, privilegiando

locais que potencialmente poderiam receber obras de tamanho tão grande em pouco

tempo. A escolha por Rio Grande se deu por conta da experiência da cidade com o

complexo portuário local, que se beneficia da privilegiada saída para o mar que a Lagoa

dos Patos oferece8.

O primeiro grande consórcio a se instalar na cidade de Rio Grande foi a QUIP, em 2006.

Formado, na época, pela Construtora Queiroz Galvão, UTC Engenharia, Camargo Corrêa

e IESA Óleo e Gás, construiu três plataformas FSPO9 em seus canteiros: a P-53, a P-65 e

a P-58. Já no pátio do ERG1, sob a responsabilidade da QUIP, foi finalizada a P55,                                                                                                                6 Tal opção se refletiu concretamente em locais tidos como mais adequados em termos logísticos. Se antes a produção de navios e plataformas se concentrava no Rio de Janeiro, a partir daí estados como Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Pernambuco e Santa Catarina passaram a receber incentivos. 7 Segundo Carvalho (2011), por exemplo, enquanto estaleiros existentes em 2000 ofereciam cerca de 1900 empregos direto, em 2010 este número saltaria para cerca de 56 mil. Já o investimento do Fundo da Marinha Mercante aumentou de R$ 300 milhões em 2000 para 2,6 bilhões em 2009. 8 Altmayer, 2007. 9 Plataforma flutuante em um casco modificado de um navio, normalmente um petroleiro. Representa uma unidade de produção de petróleo flutuante, com unidade de armazenamento, uma unidade de processamento e com sistema de transbordo (transferência) do petróleo. Fonte: Dicionário naval da SOBENA (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval): http://www.sobena.org.br/downloads/diciona_naval/Tipos%20de%20Plataformas.pdf

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última tipo plataforma de estilo submersível a ser encomendada pela Petrobrás, em

outubro de 201310. Atualmente, devido à saída da UTC11, um novo consórcio formado

pela Camargo Corrêa, Inepar e Queiroz Galvão, ganhou a licitação de duas novas

plataformas, a P-75 e P-77, que ainda não tiveram seu processo de construção iniciados12.

Já aqui há um tema interessante para se pensar sobre a pesquisa. O tempo de

acontecimentos do campo ocorre em um ritmo completamente diferente da escrita e

confecção da narrativa da pesquisa. Pelas redes sociais e notícias de diversos veículos,

acompanhei a luta do sindicato e representantes locais para que as plataformas não

fossem enviadas para Cingapura. O consórcio se recusava a começar as obras e ameaçava

parar completamente suas atividades na cidade se os aditivos do contrato não fossem

aceitos pela Petrobrás. O recuo da multinacional era facilmente compreendido se

lembrarmos que grande parte das ações ilegais que foram investigadas pela Polícia

Federal na operação Lava-Jato tinham a ver com estes tipos de aditivos e outras táticas

das empresas para superfaturar suas obras.

O presidente do Sindicato dos trabalhadores se amarrou em frente ao pátio de obras por

cerca de uma semana. Reuniões em diversos locais, envolvendo diferentes representantes

foram realizadas para que a atividade do estaleiro, e a consequente geração de empregos

prevista em 4 mil, não fosse abandonada. A estatal e o consórcio chegaram a um acordo

em julho deste ano13, mas as obras das plataformas e a estruturação do canteiro ainda não

foram iniciadas.

O outro estaleiro estabelecido na cidade é o Estaleiro Rio Grande, dividido entre duas

unidades (ERG 1 e ERG2). Gerenciado pela ECOVIX, os dois “ERGs” representam um

braço de construção oceânica da ENGEVIX. É nos canteiros do ERG1 que um dos

maiores projetos da Petrobrás está sendo levado a cabo. Segundo números divulgados na

imprensa14, a estatal está investindo cerca de R$ 3,5 bilhões para a construção de oito

                                                                                                               10 Plataforma na qual a superestrutura está apoiada sobre conjunto de flutuadores que ficam pouco abaixo do nível do mar. Fonte: Dicionário naval da SOBENA (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval): http://www.sobena.org.br/downloads/diciona_naval/Tipos%20de%20Plataformas.pdf 11 http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=129952 12 http://www.valor.com.br/empresas/3273858/inepar-queiroz-galvao-e-camargo-correa-farao-plataformas-p-75-e-p-77 13 http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/economia/noticia/2015/07/marta-sfredo-p-75-e-p-77-serao-montadas-em-rio-grande-4793702.html 14 http://andreolimsl.com.br/ecovix-inicia-edificacao-do-primeiro-casco-dos-replicantes-no-dique-seco/

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cascos replicantes, ou seja, realizados “em série”. Cada um dos cascos tem um calado

máximo de 23,2m, acomodam até 110 pessoas e levam cada um, cerca de 40.000

toneladas de aço em todo seu processo, com uma capacidade de produção de até 150.000

barris de óleo e 6.000.000 de m³ de gás por dia. Na mesma área, está o ERG2, que

ajudará a montar parte dos 278 blocos de chapas de alumínio que compõem cada uma das

futuras 8 plataformas. Nos canteiros do ERG2 também serão construídas 3 sondas de

perfuração, que fazem parte do programa de 28 sondas a serem construídas em vários

estaleiros no Brasil, para atuação na construção dos poços para o desenvolvimento dos

campos no pré-sal15.

São José do Norte, cidade vizinha a Rio Grande, com cerca de 20 mil habitantes, também

será alvo desta nova política, com a participação da Estaleiros do Brasil (EBR), que irá

montar parte do casco da P-74 e da P-7616. A construção teve sua última Licença de

Operação liberada pela FEPAM através de um esforço conjunto entre o governador do

estado, sindicato local e governo federal17.

A cidade de Rio Grande e o balneário Cassino tornam-se, a partir desse momento, não só

um local impactado, com sujeitos esmagados sob a égide do desenvolvimento, mas

também um lócus interessantíssimo de pesquisa e de questionamentos antropológicos,

sociológicos, econômicos e políticos. Temos, cotidianamente, exemplos e experiências

que versam sobre os temas do trabalho, da crise, do conflito, e até mesmo conhecimento.

Sobre o trabalho, há o tema da qualificação profissional e das necessidades da cidade (na

figura das suas escolas profissionais, sindicato, órgãos públicos, entre outros) e seus

habitantes em aprender a lidar com essa nova feição do trabalho no trecho, com uma

mão-de-obra específica e uma lógica de profissionalização e terceirização atual18. Há, a

partir e em conjunto a isso, um conflito cotidiano evidenciado pela migração do trabalho,

representado pela forma pejorativa como “baianos” são estigmatizados como os

principais causadores de antigos-novos problemas na cidade, como criminalização,

tráfico de drogas, prostituição, entre outros. No âmbito das políticas públicas locais,

                                                                                                               15 http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2012/09/17/presidenta-dilma-rousseff-visita-obras-da-petrobras-em-rio-grande/#sthash.sxDsKDxU.dpuf 16 http://www.petronoticias.com.br/archives/21902 17 http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=172861 18 Há relatos, por parte dos trabalhadores e representantes sindicais, de um processo extremo de terceirização em mais de quatro níveis chamado, de maneira êmica, de “quarteirização” e “quinterização”.

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órgãos e instituições ligadas ou não ao estado e governo tentando também lidar com essa

nova feição e essa nova dinâmica do trabalho. Um exemplo disto pode ser trazido

brevemente na figura do sindicato, que luta por melhores condições, cria mobilizações e

greve cobrando de empresas e da Petrobrás, ao mesmo tempo em que está ligado á CUT e

necessita controlar os ânimos de outras entidades nos momentos em que Dilma e/ou

Maria Graça Foster vêm à cidade para inauguração de uma plataforma. No campo do

conhecimento e tecnologia, a Universidade local trava uma batalha contra o tempo

burocrático e contra a inércia de licitações para tentar erguer centros tecnológicos e

incubadoras dentro de seus domínios, ao mesmo tempo em que sedia encontros e feiras

de negócios em que são constantemente cobrados, por parte das empresas locais, para

terem mais protagonismo na inovação e tecnologia, extremamente necessários (para estes

empresários) para que o setor seja mais competitivo e não sofra, em menos de uma

década, um provável e previsível esfriamento.

Estamos, portanto, diante de um fenômeno e um processo de múltiplos níveis, camadas,

escalas que me coloca, constantemente, diante da necessidade de pensar meu próprio

deslocamento enquanto parte da construção de um objeto e de um problema de pesquisa.

Diante de um campo multifacetado e complexo como esse, coloco aqui a minha relação

com as expressões/ocupações/feições/expertises compartilhados comigo durante alguns

dos períodos na etnografia.

A Ferramenta, o gato, o trecho e o encarregado...

Antes de tudo, um primeiro ponto a ser ressaltado aqui é o dito ineditismo e a novidade

que uma feição específica do trabalho e sua organização também ímpar trazem para as

relações cotidianas na cidade de Rio Grande e seus arredores. Através de uma experiência

cotidiana de inserção na cidade, um dos primeiros elementos que surgem como as

ligações e conexões desta rede seria o que é tomado pelos interlocutores como o “choque

cultural”, que diz respeito à migração de trabalhadores para a cidade. A primeira vez que

ouvi esta expressão foi em um encontro promovido pela prefeitura, onde foram

mostrados dois vídeos, que tratavam sobre a condição dos “baianos” na cidade. Um deles

tratava da música intitulada “foge que é baiano”, composta por dois músicos locais que

adotaram o codinome de “Vatapá e Acarajé”. Usando de termos pejorativos, a

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composição colocava em xeque a masculinidade e preferências sexuais, gosto musical e

estilo de vida para fazer um claro deboche aos trabalhadores de fora, colocando, no

mesmo conjunto, todos sobre a condição de “baianos”. Essa expressão “êmica” foi

ouvida por mim em diversos outros espaços, por diferentes pessoas de diferentes espaços

na rede. Ao contrário dos baianos narrados por moradores do bairro Bixiga, analisados

por Teresa Caldeira (2002), pude perceber que não há uma marginalização do baiano por

meio da sua condição social, mas sim por outros elementos. Na própria música dos

gaúchos, o termo “encarregado” era utilizado também como forma de deboche, e só por

meio de uma outra relação que pude perceber o peso que essa função possui no trabalho

da indústria naval.

Enquanto acompanhava os trabalhos no sindicato local, tive a oportunidade de

visitar o ERG1, junto com uma comitiva formada por representantes do sindicato dos

trabalhadores, o STIMMMERG (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias

Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico e de Construção e Reparação Naval e

Offshore do Rio Grande e de São José do Norte), e um representante do sindicato

patronal, o SINAVAL (Sindicato Nacional da Industria da Construção e Reparação Naval

e Offshore). Esta visita ocorre a cada 15 dias, e é através dela que as negociações diversas

referentes a condições de trabalho são feitas. Dentre muitos pontos levantados, a maioria

se refere a desvio de função e cumprimento das normas de EPI (Equipamento de Proteção

Individual). Na primeira visita que pude acompanhar, já pude desconfiar porque o

encarregado é uma posição de destaque na hierarquia da empresa.

Estávamos visitando o setor de soldas especiais em tubulações, quando o

representante da SINAVAL se aproximou de um trabalhador e perguntou se alguém

poderia chamar o engenheiro chefe. Sua reivindicação era voltada para saber se o sistema

de exaustão e ventilação iria ser instalado ou não, pois havia duas semanas que a situação

não se resolvia. A resposta do sujeito de macacão foi que não havia nenhum engenheiro

no setor, apenas um encarregado. Depois de muito tempo aguardando, chega o

encarregado, que foi indagado sobre sua formação, e pude perceber que esta não se

diferenciava em nada dos outros trabalhadores do local.

Já no final da visita, na sala de reuniões da empresa, enquanto a ata era redigida,

veio à tona o caso dos níveis salariais de promoção e aumento. Um dos representantes do

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STTIMERG queria saber se o plano de dez níveis já havia sido substituído pelo de cinco,

e a resposta do representante da ECOVIX foi positiva. No mesmo dia, no sindicato, dois

representantes sindicais me mostraram as duas tabelas com os níveis, dizendo que essa

ação de mudar o plano de carreira de cinco para dez níveis foi uma estratégia adotada

pela empresa para diminuir a possibilidade de crescimento, tendo em vista que a maioria

dos trabalhos ligados ao estaleiro são bastante rotativos, dando poucas possibilidades ao

trabalhador de ascender até o ultimo nível salarial. Fora isto, o que me impressionou foi

ver a diferença de rendimentos de um soldador comum para um encarregado da mesma

área. Na tabela passada pelo sindicato, tanto a folha de cinco quanto a divisão de dez

níveis, o salário médio inicial de um soldador era de cerca de R$ 1.8000, enquanto o de

um encarregado de solda gira em torno de R$ 3.780,00. De certa forma, não basta que o

soldador que possua experiência em outros estaleiros, seja assíduo e cumpra as demandas

da empresa para acabar conseguindo a vaga de encarregado. Como me foi relatado por

alguns trabalhadores, as relações pessoais são muito mais importantes para seleção de

promoções do que competência19.

É possível , assim, explicar um fenômeno como esse para além de uma simples

relação entre causa e efeito? Inicialmente, é possível ver que há uma série de conexões

entre relações.

Primeiro, há uma especificidade na construção de plataformas que tange ao

processo múltiplo de diferentes etapas do trabalho. As funções e feições de trabalho são

específicas, ao mesmo tempo que diversas. A política de incentivo a construção naval

deu-se, como grande parte das políticas econômicas do governo federal pós-Lula, em um

ritmo muito mais acelerado do que em outros países. A chegada dos estaleiros em Rio

Grande, próximo ao ano de 2007, colocou como problema principal a qualificação

profissional. Os grandes estaleiros preferiram, desde o começo, contratar trabalhadores

que já tinham experiência na indústria, o que causou um impacto migratório muito grande

na cidade. Em outro campo de relações entre o conhecimento e o trabalho, o professor

Marcelo Domingues, a pedido da então Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos                                                                                                                19 Consequentemente, o surgimento de escolas e cursos de soldagem na cidade de Rio Grande cresceu bastante nos últimos anos. A média de duração de um curso de soldador de arame tubular é de dois meses (160h), e tem um custo médio de R$ 2.500. Em uma das escolas que visitei, em março de 2013, o coordenador me informou, em tom de publicidade, que havia cerca de 400 vagas imediatas para contratação no Polo Naval.

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Internacionais do Rio Grande do Sul (hoje já denominada de Secretaria de

Desenvolvimento e Promoção do Investimento), realizou um relatório avaliando as

potencialidades do Arranjo Produtivo Local ligado à indústria naval:

A qualificação profissional da mão-de-obra local e microrregional, que, se não for preparada adequadamente para ocupar a multifacetada oferta de postos de trabalho, assistirá a ocupação crescente dos mesmos pelos migrantes, como se verifica atualmente, onde 70% da mão-de-obra empregada no polo naval e offshore em gestação são de cariocas, baianos, paulistas, mineiros, capixabas e gaúchos oriundos da Serra e da região metropolitana de Porto Alegre, restando aos riograndinos os serviços de menor qualificação profissional e, por via de consequência, de menor remuneração (Domingues, 2009:320)

Em outra ponta desta teia, o Sindicato local luta de maneira contraditória para

melhorar as condições dos trabalhadores. Ao mesmo tempo em que representa todos os

trabalhadores que contribuem financeiramente, nenhum de seus integrantes escondeu de

mim a sua briga pela substituição da mão-de-obra externa pela local, e reproduziu,

diversas vezes, os termos pejorativos e preconceitos ligados aos trabalhadores de fora20.

Outro fator importante e componente das relações entre trabalho,

desenvolvimento e etnografia, o processo de múltiplas terceirizações, comum dentro de

um estaleiro nacional, tem como consequência uma série de conflitos e “calotes” das

empresas no momento de homologações, rescisões contratuais e desligamentos. Foi

através de um processo massivo de demissões, causados pela rotatividade inerente ao

setor, que conheci alguns trabalhadores de fora que tinham como projeto continuar na

cidade para tentar emprego em outras plataformas que estavam em andamento ou ainda

viriam para a cidade.

É importante ressaltar que uma das especificidades da construção naval é a

rotatividade de obras e oportunidades de empregabilidade. Um dos interlocutores com

quem tive oportunidade de conversar deixou claro que cada estaleiro vive por obras, e

cada obra tem diferentes etapas a serem cumpridas. Algumas funções são necessárias

durante todo o processo, mas quase todo o empregado sabe que a duração de seu contrato

depende do ritmo e da finalização da obra. A estabilidade ou a possibilidade de uma nova

contratação depende, em grande parte, das relações interpessoais que se criam no pátio de                                                                                                                20 Em uma das muitas conversas, um dos sindicalistas, ao saber que eu estava hospedado em um hotel mais simples do centro, me perguntou se havia gente da QUIP e, assim que eu confirmei a informação me avisou, de maneira irônica, que eu tivesse cuidado com minhas coisas e meus pertences.

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cada obra. Segundo Diego21 sua atual ocupação não foi seu primeiro plano, e que chegou

até a gastar com curso de solda. Quando viu que não conseguiria vaga como soldador,

resolveu começar de baixo, como ajudante

Foi em Ouro Branco, estado onde eu moro mesmo, 4h de distância. Aí fui subindo ponto a ponto. Hoje o que acontece, chegando lá eu vi que a realidade é outra. Cheguei lá, e o cara olhou pra mim, via que eu trabalhava, e terminava tudo rápido. Só que a estrutura, eu trabalhava na montagem, ele mandava eu fazer e ia rápido falar com o soldador. Aí ele me pedia outra coisa, eu fazia rápido e ia lá conversar com o soldador, e o cara foi observando aquilo. Aí dava horário do almoço, eu subia, ia correndo pra poder voltar e treinar pra solda. Até que um dia ele virou pra mim e chegou e disse: “cara, você é um cara trabalhador, você é esforçado, sempre chega no horário, tudo que é hora extra que eu peço você faz, tô vendo que você é um cara interessado mas tô vendo que você tá indo pro outro lado”, e eu “como assim?”. “Cara, você tá na estrutura”. Eu até passei esse exemplo “prum” cara que tá lá na estrutura, ele fez o curso e diz “eu sou soldador, eu sou bom, me ajuda cara”, eu falei, a mesma coisa que aquele me falou, eu espero que ele tenha absorvido da mesma forma, mas é difícil, porque eu só pensava no dinheiro, “porra, vou deixar dois e oitocentos pra trás”. Mas, é, esse camarada me falou o seguinte: “cara, você tá tendo a oportunidade de aprender a montagem de estrutura, você tá dentro da área tendo oportunidade de aprender a montar estrutura. A montagem de estrutura não envolve só você pegar uma lixadeira alí e sair lixando igual um louco, o cara pede e você sai fazendo de cabeça baixa, não. Você tem que chegar, o cara que você tá ajudando, você tem que perguntar porque tá lixando essa peça, o que vai fazer depois com essa peça, tem que ter curiosidade pra aprender também, porque vai que você tá brigando, brigando e brigando e nunca vai pra solda, você tá perdendo oportunidade de aprender outra coisa”. Então o que que ele falou “no momento que você largar essa solda, eu vou passar a te ajudar, entendeu?” e nessa aí eu fiquei em dúvida, o cara era meu encarregado, me falou, “que que eu faço, eu dou uma oportunidade pra esse cara aí, eu vou pegar essa palavra, será que posso confiar nele?” e fiquei naquela, e no fim pensei “quer saber, eu vou mesmo. Vou pegar isso aqui. O que eu tenho na mão aqui é isso aqui”. E nisso eu aprendi a ler desenho, a montar, nisso mesmo a gente acaba aprendendo a usar outras ferramentas, eles chamam de desvio de função, mas não existe isso no trecho, porque o cara, principalmente na minha profissão, eu sou caldeireiro. O caldeireiro, no trecho, tem que saber fazer tudo.

                                                                                                               21 Os nomes, conforme acordo anterior, serão todos mantidos em sigilo. Na maioria das vezes os entrevistados fizeram questão de manter o anonimato. Segundo alguns contam, as empresas que realizam os principais serviços na obra são sempre as mesmas, independente do local onde ela está sendo realizada. Este é, sem duvida, outro fator fundamental para pensar as relações e condições de trabalho dentro de um estaleiro.

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A ideia de que o caldeireiro tem que aprender a fazer tudo vai contra muitas das

acusações feitas pelo sindicato local com relação aos desvios de função dentro do

estaleiro. Outro elemento importante para pensar, através de seu relato, outras escalas do

trabalho em um estaleiro, é a importância dessas relações internas e esses laços que se

criam a partir das funções e trabalhos na obra. O próprio Diego diz que só chegou na

cidade de Rio Grande por intermédio desse mesmo encarregado, que o chamou junto com

uma equipe de mais de 30 caldeireiros, todos de diferentes regiões do país.

Isto traz, consigo, uma série de outras conexões possíveis. A chegada ao Polo

através de equipes é ao mesmo tempo um incômodo quanto possibilidade de mobilização

do sindicato. Laranjo destacou, mais de uma vez, que essa experiência no trecho, essa

capacidade de se deslocar e de lutar coletivamente, ainda é algo que falta ao trabalhador.

Esse pessoal acho que foi bom. Porque ensinou bastante gente aqui né, um pouco da cultura deles, que os cara chamam trechero, que aqui em Rio Grande não acontece isso. Se nós chegar aqui em Rio Grande e falar “cara, nós vamos parar a obra de vocês hoje aí por melhorias”. O cara que é rio-grandino ele não para. Ele passa por cima de ti e entra, porque, o camarada que ganhava 600 pila pra trabalhar num outro setor, não desmerecendo, mas tipo eu, que questionei ha pouco tempo. Eu era encarregado, ganhava menos que ganha um esmerilhador hoje do Polo Naval. Então esse camarada ele tem uma postura diferente do cara que é trecheiro. O camarada chega ali e “pô sindicato, não vou parar, se eu paro os cara vão me botar na rua, vai ficar ruim, tenho família lá cara”. O trecheiro não cara, o trecheiro “quer me botar pra rua vão botar, não quero nem saber, depois vou pro Rio, pra São Paulo, tenho emprego em qualquer lugar”, então os caras são de luta né, e esse camarada de Rio Grande não. Isso aí eles trouxeram pro Rio Grandino. Hoje em dia o rio-grandino sabe muita coisa, o cara sabe que pra ganhar alguma coisa tem que lutar mesmo (...)

(...) Sabe porque? O baiano, o baiano ele é trabalhador, não. Não é aquele trabalhador esticado, só que ele em um negócio, se ele diz “vamo fazer, faz todo mundo junto”, se ele diz “vamo parar”, para todo mundo junto. Então, é isso que eu comecei a aprender com o baiano, porque de tudo, o ser humano é egocêntrico, mas o baiano é diferente, eles parecem um bando de lobo. Quando ataca, ataca todo mundo, quando larga larga todo mundo. E quando se ajunta, quando fala assim, tem um trabalho fora, eles mandam trazer tudo.

A expertise de greves e a forma de se relacionar com as dificuldades enfrentadas no

trecho também fazem parte de uma experiência do trabalho. Roberta, soldadora local, foi

uma das principais “líderes” de um dos maiores movimentos de paralisação ocorridos nos

canteiros da ECOVIX.

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O cara tá trabalhando sem ar, trabalhando com calor, é subumano, porque até o calor é previsto em lei que tem que ser amenizado. É previsto em lei, eu ensinei o pessoal disso, por isso eles me consideram corresponsável. Só que os mais antigos, a ECOVIX começou e se obrigar contratar pessoas com tempo de trecho. Eles podem não saber o numerozinho, a lei tudo certo, mas eles sabem trabalhar, eles sabem que algo tá errado. Por pior que esteja a temperatura, eles têm que amenizar aquilo pra nós, e dar intervalo, e dar água gelada, e dar isotônico, entendesse? É um atrás do outro desmaiando, um atrás do outro, e isso também mina tua cabeça

Vamos voltar lá, o cara tá com toda aquela perda, too enjoado, tudo que tu vê é uma desidratação acontecendo, aí tu sobre pra tomar água e água tá quente, e não adianta nada, e tu desmaia. Ou vai tomar água e não tem água, ou ela tá cheia de ponto preto. Aí tua cabeça tá desse tamanho, aí qualquer coisa que a ECOVIX faz o povo para. Sabe porque o povo parou? Porque eles se enganaram, se perderam e não depositaram o vale-fome, o VR pro pessoal, e tem gente que realmente depende daquilo pra comer. Parou!

(...) Parou porque os antigos pararam. Eu ensinei a ler só, me botaram como responsável de alguma coisa, não sei, e os antigos pararam. Por isso que parou, foi por tudo. Aí o pessoal perguntou “Raquel, porque o pessoal parou?”, eu falei “foi por um copo d’água, foi a gota dágua, por não ter água naqueles calor que tava tendo, por eles não darem intervalo, por causa daquelas roupas grossas”.

A paralisação acabou se tornando greve partiu de uma atitude dos trabalhadores,

sendo mediada posteriormente pelo sindicato. Uma pauta com 64 reivindicações foi

levantada, e a empresa, por meio de uma ATA, se comprometeu a cumprir cerca de 54. A

maioria destas reivindicações versava sobre condições e normas básicas estabelecidas em

acordos coletivos da categorias, NRs do Ministério do Trabalho, CLT, entre outras.

Existem também outras maneiras e agentes capazes de mediar as relações entre

trabalhadores e o Polo Naval que são tomadas por meio de uma relação entre

prática/conhecimento/sociabilidade. A expressão do gato e da ferramenta são outros

elementos que aparecem sempre em diferentes níveis e se relacionam através e com os

trabalhadores de maneiras diversas. Gato, na maioria das vezes, versa sobre o emprego.

Porém, pode se dirigir ao ato de fazer, ao empregador, à empresa e à função que se tem

no estaleiro. Na música anteriormente citada, a primeira parte da letra é sobre o gato e o

cargo de encarregado

Todo pessoal da p-58, p-55 / Tamo Junto / Trabalho na " ingivix " sou encarregado / Melhor gato que tem, venha se aproxime...

Laranjo, em uma de nossas conversas, ao falar sobre sua trajetória, me contou que

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Antes do Polo Naval eu trabalhava nisso aí, eu nunca fui de pular de gato em gato, como chamam de emprego em emprego, eu sempre fui de trabalhar um tempo numa empresa só, nunca fui de faltar nem nada

De outra forma, em momentos no sindicato e entre trabalhadores também pude

ouvir a expressão “gato safado”, se referindo a empresas que não pagam corretamente ou

que não cumprem com suas obrigações com os trabalhadores. O gato pode, portanto,

ligar-se de diferentes formas ao trabalho no Polo Naval. Para Diego a expressão tem

muito mais a ver com a forma com que os trabalhadores se relacionam com seus patrões e

como se criam algumas estratégias para lidar com as dificuldades e ou possibilidades

dentro de cada função.

Ah, uma história legal. O dono da empresa, na 58 (P58), tava sempre na área, sempre na área, só que quando o cara fala gato, tá menosprezando a empresa, “gato safado”, não presta. Aí, antigamente era gato safado, gato safado, aí já diminui, tipo o barbaridade, agora é bah e as vezes nem sai voz. Então o gato, é uma ofensa pra empresa. Então tem a situação, o peão tá ali trabalhando, mas não, tá na área mas tá dando nó, não tá executando tarefa nenhuma, a gente fala “pô, tá roubando hora do gato né”. Aí um dia né, no Sábado, normalmente é 100%, quem vai trabalhar ganha o dobro do valor, na verdade, você não ia ganhar aquele dia, você ganha o dia e ainda mais 100% em cima. Daí a gente dá o grito “porra, tá roubando a hora do gato”, aí tem uns peão que já tão acostumado com isso, que a gente só chega “e aí”, e ele “e aí, tô aqui roubando a hora do gato”. Um cara chegou um dia naquele bolinho e o homem chegou naquele bolinho, tava todo mundo, e “bom dia, bom dia, como tá meu filho, como vai a família, tudo bem? bom dia”, o dono da empresa, e aí chegou num cara num peão e “e aí meu filho, como tá, tudo bem, trabalhando bastante?”, aí o outro respondeu, “tamo aí né, roubando a hora do gato”, falou pro dono da empresa e ele “ah, meu filho, fala gato não, fala empresa”, levou na brincadeira, mas pô, tá loco, além de tá ali sem trabalhar ainda via chamar a empresa de gato.

Nesse sentido, é interessante notar que há uma série de diferentes níveis de redes sendo

constituídas e tecidas, teias que são compostas também por estas ferramentas, expertises e

formas de se relacionar não só com as pessoas mas também com os materiais e feições do

trabalho

Não menos importante, é até curioso pensar que a resposta de Arturo Escobar às

críticas dirigidas ao pós-estruturalismo também envolve a noção de redes. A ideia de que

há uma circulação de agentes construindo e tecendo redes e teias sempre surge quando se

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pensa nas práticas desenvolvimentistas, sejam elas interpretadas a partir dos sujeitos ou

das estruturas.

Com o subtítulo “lugar, movimiento, vida, redes”, Escobar tenta articular uma

formação hipertextual no livro, com a intenção de diminuir a fronteira entre

conhecimento acadêmico e ação política e ativista, através da inclusão de diferentes

marcos de pesquisa e análise. Segundo ele, aspectos que

son tanto dependientes como independientes del contexto/ambiente, auto-organizados y externo-organizados (other-organized), tanto con explicaciones de causalidad lineal como no lineales, en el cual agentes y estructuras son inseparables, y en el que el emergente movimiento modelado es explicado mejor como el resultado de la interacción en el terreno de la actividad recurrente y las condiciones circundantes (Escobar, 2010:13)

O relato de encontros entre ONGs e outras instituições serve como objeto para

que Escobar pense nas novas agências que articulações entre redes e os cenários

contemporâneos da globalização e desenvolvimento. Mais que um exemplo a ser seguido

para análise de alternativas (ou críticas) ao modelo global de desenvolvimento, tal obra se

torna aqui importante por trazer uma nova reflexão sobre como as redes, enquanto

“códigos de conduta” (Escobar, 2010:292) são também práticas de produção de

conhecimento mútuo.

Ademais, é através da articulação de diferentes redes que Escobar analisa uma

série de impactos e mudanças junto a comunidades locais dentro de uma escala de

múltiplos níveis de decisões. Dito de outra forma, Escobar afirma, pelo estudo das redes,

que decisões que afetam as comunidades negras do pacífico são tomadas em diferentes

níveis institucionais.

Porém, o que nos parece mais rico aqui é ver como Escobar analisa as formas que

diferentes teorias sociais se utilizam do conceito e do método de redes. Podemos pensar

que a antropologia de um processo como o desenvolvimento da indústria naval na região

sul do RS, poderia lançar mão de uma teoria social que se constrói sobre a base do

conceito de rede e, a partir do próprio exemplo trazido pelo antropólogo colombiano,

pensar através de Latour (2012) e da Teoria do Ator-Rede (TAR), afirmando que o real é

também um efeito destas redes. De certa forma, se para Malinowski só era possível

perceber essas redes que compõem a estrutura social a partir da rígida avaliação

Page 17: Redes, trabalho e ferramenta: etnografia do trabalho através de conexões parciais

sociológica, é possível, no giro de Latour através da TAR, pensar que a rede se constitui

também através da ação do antropólogo, do cientista social.

Há, claramente, de um lado, redes de instituições e organizações gigantescas na

política de incentivo a indústria naval na cidade de Rio Grande. São estas as que Manuel

de Landa (1997 apud Escobar 2010) denomina como hierárquicas. Por outro, há o que o

autor denomina como redes auto-organizadas, ou meshworks (Landa apud Escobar,

2010:304), que se baseiam na tomada de decisões descentralizada, na auto-organização,

sem um objetivo único específico.

De qualquer forma, só é possível construir ou interpretar estas redes através do

trabalho analítico de pesquisa etnográfica, e se colocar, nesse sentido, como um ator-rede

de Latour. Isso nos traz, enfim, até a provocação feita por Ingold à TAR, através da

metáfora do encontro entre a aranha e a formiga 22 . Pensar em teias, através do

“pensamento da aranha”, é pensar que o contexto social em que nós, antropólogos, nos

inscrevemos enquanto sujeitos ou atores-rede, só é conduzido e percebido através das

linhas que reverberam em nós. Nós construímos cotidianamente, através e a partir de

nosso corpo (diários, encontros, entrevistas), relações e fios não-regulares, objetos de

análise com seus conteúdos que se colocam sobre outros objetos que podem ser

justapostos ou subjugados. Nem tudo, e nem todos os eventos podem ser agregados

impositivamente à rede de cooperação sócio-técnica que configura e constrói a realidade

social em Rio Grande, pois essa realidade só tem sentido, só é objeto e alvo de

compreensão a partir da própria inserção de outros sujeitos tecendo linhas e conexões a

todo o momento.

Nas linhas de Leite Lopes, é possível também pensar nessa tecelagem de redes

como uma forma de lidar com as relações entre trajetórias coletivas e individuais. Essa

noçnao de tecelagem evoca, nas linhas do autor

a ideia de “auto-construção” de um grupo social, de formação de uma identidade social e uma “consciência de classe”(...) Mais ainda, ao sugerir a imagem de “teia”, “trama”, ou “imbricação”, ela pretende apontar para a análise de múltiplas determinações que atingem os conflitos de classe no interior dos quais o grupo operário de Paulista é protagonista. (Leite Lopes, 1988:22)

                                                                                                               22 Ingold (2008)

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Poderíamos, a partir disso, pensar no trabalho como um mediador. Uma das

inspirações buscadas para este artigo vem das reflexões acerca dos novos estudos sobre

ciência e tecnologia, colocando não só as redes e seus atores-redes como mediadores,

mas modificando também o dito estatuto de outros agente que estão também sendo

mediadores nestas redes.

John Law, que já escreveu sobre a tecnologia e suas mediações enquanto

monstros (Law, 1991), também pensa atualmente através da ideia de fractal, a mesma que

inspira Strathern ao falar de conexões parciais (Law, 2002). Ao escrever sobre o projeto

da construção de um avinao de guerra, o autor se pergunta sobre as formas de

compreender e escrever através de pequenas estórias sobre eventos específicos. Fazendo

isso

they play upon recurrent themes to do with partiality, fractionality, interference, and collusion, while doing so in a manner that resists the simplicities of an overall beginning, middle, and end. (Law, 2002:6)

A ferramenta também é um termo/conceito/expressão/agente que se apresenta de diversas

e diferentes formas dentro desta rede/teia. A ferramenta, além de se ligar ao trabalhador

braçal enquanto objeto, também se coloca como uma condição. Como objeto, coloca o

trabalhador diante de um conhecimento que se lapida na prática, sempre dependendo das

relações que se criam entre objeto, trabalhador e estrutura da empresa. Roberta, ao

comentar sobre a política dos níveis e as hierarquias no pátio de um estaleiro que

deveriam acontecer na ECOVIX, comenta:

É simples, o básico, não o que acontece na ECOVIX né, mas o funcional é o seguinte. O padrão seria o que: o aprendiz, o cara que tá iniciando ali na ferramenta, que fez um curso e precisa ir trabalhar. O meio-oficial, que é um aprendiz que já tá um tempo trabalhando, não necessariamente tem um período pré-determinado, o cara as vezes já sai bem, ou no caso de muito rio-grandino não tinha qualificação, acabou fazendo e já é um profissional. Então passou a meio-oficial, e depois passa a oficial, isso em qualquer profissão, só muda na solda. No caso dele que é caldeireiro, ele fez um cursinho de Caldereiro ali no SENAI, ele entrou como aprendiz, ganhando x, bem abaixo, passou a meio-oficial ganhando um pouco mais, e depois a oficial, ganhando melhor. Depois disso já vai pra mestre, que já lidera uma equipe, e depois disso encarregado que lidera dois, três mestres. Entendesse? Aí supervisor que pega 3, 4, 5 encarregados. Pensa num quartel, não tem como errar.

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Ao mesmo tempo, a forma como lidar e interagir com e através da ferramenta é

algo que distingue o trabalhador pela prática, muito mais que pela formação. Divino

conta um “causo” sobre um novo engenheiro local que sofreu para conseguir entender as

dinâmicas do trabalho no Polo Naval.

Aqui, quando eu cheguei aqui, era até engraçado de ver. Tem um camarada meu, que até hoje, ele é daqui, ele iniciou uma Engenharia Mecânica na FURG, e só que sempre trabalhou de pescador, marinheiro, apaixonado pelo mar. Só que pô, o Polo Naval, oportunidade, fez os contatos, os cara ficharam ele, de caldeireiro. Tipo assim, nunca tinha entrado lá. Então, quem conhece, quem já trabalha há muito tempo, uma palavra, uma coisa que você diz, simples, uma caneta, se você nunca entrou na área você não sabe o nome da tal caneta. Um exemplo, foi o que aconteceu com ele: lá, a gente vai falar de cano, a gente não fala cano, a gente fala tubo. E se, aí, o pessoal que bate o olho, vai falar aquele cano pra cá, cano pra lá, quem conhece fala “esse cara nunca entrou numa obra”, entendeu? Então, esse camarada meu, que que acontece, a gente entrou, tal, e deram um trabalho pra nós, pré-montar uns dutos de ventilação de uns módulos de geração da plataformas, e esses dutos eram, tem em shopping também, essas saídas de ar, por dentro tem, já viu em filme, né, sabe? Exatamente esses aí. Que que acontece? Daí o cara, caldeireiro, profissional, fichado igual nós, cruzou o bracinho, e soltou “o que nós vamo fazê com esses cano quadrado aí?”

Cara, ainda bem que ele falou comigo que sou de boa, mas tem cara que fica brabo, “porra, esse cara aí, tá ganhando a mesma coisa que eu, e não sabe nem o que é um duto de ventilação, não sabe o que que é isso, não sabe o que que é uma chave”. Que nem os cálculos mesmo, que é feito pra traçado de caldeiraria, é utilizado bastante o PI, o 3,1492, matemático mesmo. Aí tinha um coroa, que entrou, chegava nos cara, e testava os cara mesmo, esse o cara gaguejasse, “ferramenta cega, cê não sabe trabalhar, não sei nem o que cê tá fazendo aqui”, um coroa, e de Porto Alegre, mas gente boa pra caramba, fazia isso mas só pra botar pressão. Bigodão, cara de brabo, mas nada, só conversava. Mas aí, o que acontece. A gente sente a diferença mas a gente sabe que acontece isso: muitas pessoas que eu conheço hoje, que é encarregado e supervisor o cara não tem ensino fundamental, o cara não tem um curso de nada.

Por outro lado, Laranjo por algumas vezes se dirigia aos tabalhadores mais “braçais”

como ferramentas. Pensnado também nas relações de trabalho, hierarquias e nos níveis de

conhecimento que interferem na estrutura do Polo Naval, Laranja afirma que a ECOVIX.

é uma empresa que é mal administrada, tipo assim. Assim, ela tem 50 cacique pra um índio. É tanto cara pra te mandar, que o cara que é ferramenta mesmo só tem um. Mas só que acima desse cara que tá soldando, fazendo o serviço dele ali, tem um mestre, um encarregado,

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um supervisor, um lá sei eu, vai indo de escala assim pra cima, todos ganham bem pra caramba, e quem tá lá se ralando que tá ganhando uma mixaria.

Para Annemarie Mol, os materiais não falam por si só. Ao pensar na relação que as

expressões comer e chupar têm com o ato corpóreo ligados à diferentes frutas, a autora

defende que

Overall we are not in the business of using theory to explain materials, but rather in that of using materials to enrich our collective theoretical repertoires. This is not to say that these materials speak for themselves: we ask the questions, we write. This text participates in a series of anthropological conversations. (Mol, 2015:66)

Apesar de Mol estar pensando em verbos (comer e chupar), é interessante aqui refletir

sobre as diferentes conexões feitas não só através da ferramenta, mas também o gato, o

trecho, o encarregado. Estes termos e expressões são portanto mais uma das muitas

conexões parciais que o trabalho de campo me permite ligar, seja pensando através de

redes ou teias. O sentido dado a estes trechos aqui escolhidos de entrevistas e diários de

campo foram também maneiras que tive para dar um certo sentido a estas conexões

múltiplas e nem sempre casualmente explicáveis que são trazidas a tona na relação

etnográfica. Circular por estas camadas não significa apenas um deslocamento físico em

diferentes espaços e lugares do campo, mas pensar nestas conexões entre trabalho,

conhecimento e prática em múltiplas dimensões e níveis.

Acima de tudo, cabe aqui deixar compreensível a ideia de que o trabalho em si ainda está

em constante processo, fazendo, desfazendo, refazendo e rearticulando estas conexões

que surgem a cada novo momento, seja através da revisão do trabalho de campo ou então

a partir de notícias e eventos que ainda estão ocorrendo ligados ao Polo Naval.

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