Questão Do Partido Distinto Em Marx e as Raízes Ideo-políticas Do Pt - Jacqueline Ferreira
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A QUESTO DO PARTIDO DISTINTO EM MARX E AS RAZES IDEO-
POLTICAS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES.
FERREIRA, Jaqueline.
Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais, FFC Unesp - Campus de Marlia
O presente estudo encontra-se no inicio de seu desenvolvimento e tem por
finalidade analisar o Partido dos Trabalhadores, em sua dinmica interna luz da luta de
classes na sociedade brasileira. A perspectiva de anlise que procuramos desenvolver que
j em sua fundao se apresentava um carter problemtico do programa petista.
Problemtico na medida em que tenta conciliar em seu interior uma proposta de atuao
voltada para o reforo dos laos com as lutas populares, rompendo com os padres
conhecidos de organizao partidria no Brasil, mas preso a um nvel de conscincia
contingente por parte de suas lideranas e tentando conciliar em seu interior a ampla gama
de ideologias distintas que o compem, situao que se reflete na objetivao de seu
Programa Partidrio.1Neste sentido, a anlise se concentrar em seu perodo de fundao,
na busca das mediaes existentes nesse perodo de ecloso espontnea da classe
trabalhadora, e nos desdobramento dessas situaes, passando pela anlise da crise
enfrentada pelo partido em 1982 e seus desdobramentos at o 3 Encontro Nacional em
1984. Buscamos assim, entender as potencialidades existentes e o aproveitamento ou no
das mesmas. Acreditamos que essa anlise nos permitir compreender porque a tendncia
Articulao, surgida em um primeiro momento como tentativa de antitendncia, tendo
como objetivo, ao menos declarado, evitar que grupos internos se arrogassem o direito de
estar acima do PT, acaba assumindo a liderana na disputa pelo aparato burocrtico do
partido, reforando em suas fileiras, uma perspectiva democrtica representativa.
Neste sentido, procura-se escapar dos argumentos simplistas de que o Partido
traiu a classe trabalhadora. Considerar que a classe trabalhadora foi trada pelo Partido
dos Trabalhadores, pressupe que o Partido possusse um campo ttico-estratgico claro no
interior da luta de classes, o que no se observa j em seus documentos de fundao.
1Cf.Meneguello (1989:56) e Keck (1991:25)
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O desafio da proposta que, ao investigarmos o objeto especifico que o Partido
dos Trabalhadores e a partir dele possamos apontar para outras questes que transcendem
ao prprio objeto, ou seja, como esse partido se insere num movimento histrico que
procura responder crise poltico-ideolgica da concepo esquerdista de organizao
partidria e como as respostas que d a essa crise marcar a configurao do partido
indicando os potenciais desdobramentos posteriores. Acreditamos que essa anlise poder
fornecer contribuies para o entendimento da crise poltica atual.
Embora o projeto que orienta o PT, em suas origens, coloque questes de
importncia, tais como a luta pela emancipao da classe trabalhadora2, a proposta
inicial apresenta limites analticos. Os documentos de fundao revelam ambigidades. Em
determinados momentos, encontramos explicitamente colocados conceitos socialistas, que
se perdem em seguida com colocaes que coadunam conceitos socialistas com conceitos
liberais. Se nos orientarmos pela perspectiva marxiana, compromete-se assim a tarefa
qual se prope o partido, que lutar politicamente pela emancipao da classe
trabalhadora, e refora na classe trabalhadora a ideologia burguesa. o que ocorre, por
exemplo, com o debate sobre a questo democrtica. Na Declarao Poltica afirma-se que
O PT luta para que todo poder econmico e poltico venha a ser exercido diretamente
pelos trabalhadores, nica maneira de pr fim explorao e opresso3, posio que
reforada pelo Manifesto de lanamento onde se l: O PT afirma seu compromisso com a
democracia plena e exercida diretamente pelas massas4. Entretanto, estas afirmaes se
contradizem, por vezes no mesmo documento. Assim no Manifesto de lanamento se reduz
a luta dentro dos limites da legalidade, ao afirmar: Queremos a poltica como atividade
2 Se nos pautarmos somente pelos documentos do PT no possvel em um primeiro momento elucidarcom segurana qual a perspectiva de emancipao ali inserido, situao que dever ser elucidada no decorrerda pesquisa. Em determinados momentos somos levados a pensar em uma emancipao humana naperspectiva marxiana, como por exemplo ao proclamarem O PT define-se, programaticamente como umpartido que tem como objetivo acabar com a relao de explorao do homem pelo homem (p.54) porm,fiel as ambiguidades intrnsecas aos documentos, em outros momentos somos levados a entender que estofalando de emancipao poltica, como por exemplo ao afirmar O PT define-se tambm como partido dasmassas populares(...) que lutam por melhores condies de vida, por efetivas liberdade democrticas e porparticipao poltica (p.54). Embora em uma analise primeira, interpretemos as colocaes que buscam umaemancipao humana, como simples retrica, essa discusso fica em aberto, para ser retomada nadissertao.3
Grifo do autor. Partido dos Trabalhadores, Resolues de Encontros e Congressos: Declarao Poltica:(1998:56)4Idem: Manifesto de Lanamento (1998:66).
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prpria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decises da
sociedade5.
A interpretao que fazemos dessa passagem que ao colocar a participao
democrtica dentro da legalidade, reduz a ao ao plano institucional, isto , da ordem
existente. Esta tese petista se fortalece com colocaes do Programa do partido, como por
exemplo: O Partido dos Trabalhadores PT atuar permanentemente em mbito nacional,
com estrita observncia deste Estatuto, do Programa Partidrio e da legislao em
vigor6.
Ao colocar a atuao do partido com estrita observncia da legislao em vigor,
cria empecilhos para sua proposta de praticar uma poltica diferente, constituda por uma
democracia ampla e no meramente representativa.
Pode-se argumentar que ao colocar a situao nessa perspectiva, buscava-se
demonstrar que o partido no pretendia recorrer as armas, visto o momento delicado de
abertura poltica em processo, sendo que uma radicalizao do discurso poderia significar
um retrocesso nos direitos dos trabalhadores. Contudo a situao cria armadilhas
perigosas, pois cada passo de movimento real vale mais do que uma dzia de programas.
(...) Mas, quando se redige um programa de princpios (...), expem-se diante de todo o
mundo os marcos pelos quais medido o nvel do movimento do Partido.7
Situao que toma propores ainda maiores, se levarmos em considerao a
afirmao encontrada em seus estatutos, sobre a obrigatoriedade de seus membros em
divulgar a ideologia exposta nos documentos partidrios.8
O espontaneismo e o mecanicismo so um trao muito forte nos documentos do PT,
com grande significado nas ambigidades encontradas nos documentos. Mesmo quando
ocorre a tentativa de defesa do rtulo de espontaneista, incorrem no mesmo erro. Isto se
evidencia com grande clareza, no discurso de Luiz Incio Lula da Silva, por ocasio da 1
Conveno Nacional do Partido, ao afirmar que (...) Ns, do PT, sabemos que o mundo
caminha para o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a iniciativa histrica de propor a
criao do PT j sabiam disto muito antes de terem sequer a idia da necessidade do
Partido. E, por isso, sabemos tambm que falso dizer que os trabalhadores, em sua
5Idem (1998:66).6grifo do autor: idem: Estatuto (1998:75).7
MARX, K., ENGELS, F., Obras Escolhidas: Crtica ao Programa de Gotha.Ed.Alfa Omega. So Paulo,p.207.8MENEGUELLO, R., PT A Formao de Um Partido 1979-1982.. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1989, p.93
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trabalhadores possuem nmero; mas os nmeros s pesam na balana quando unidos
pela associao e encabeados pelo conhecimento13
As conseqncias desse espontaneismo desempenharo um forte papel nos
desdobramentos do PT, haja vista a iluso, por ocasio das eleies de 1982, onde se
acreditava que o fato de ser (...) bem diferente (...) dos demais partidos, sem promessas
eleitoreiras e com um programa identificado com os anseios populares, poderia atingir
grande parcela do eleitorado14, sem levar em considerao toda a ideologia burguesa que
perpassa a classe trabalhadora.
Reflexos de no ver suas pretenses eleitorais concretizadas, possvel encontrar
em seu 3 Encontro Nacional realizado em 1984, onde entre vrias colocaes
encontramos a de que Dentro do PT ainda vigora um grande fosso a separar os militantes,
os filiados e os simpatizantes (...). Isso corresponde a uma grave distoro de nossa
proposta como partido de massas. E decorre diretamente do fato de que, muitas vezes, ao
invs de nos apresentarmos com as portas abertas a todos quantos queiram organizar-se
politicamente num projeto autnomo, s conseguimos passar a imagem de um partido
fechado em si mesmo, onde vigoram discusses estreis, excessivamente ideologizadas
(...)15. A autocrtica diante dos resultados das eleies, que poderia se transformar em um
momento de aprofundamento de anlise e avano no processo de estruturao do partido
enquanto agente de conscientizao de classe se perde, abrindo assim um caminho dbio
na forma de atuao do partido e um encaminhamento em sua estruturao, para um
partido representativo nos moldes burgueses.
No 1 Congresso Nacional realizado em 1991, encontramos exemplos da
consolidao social-democrata, como a afirmao, A ao dos movimentos sociais (...)
amplia o conceito de democracia e cidadania (...). Essa ao vem revelando o potencial
transformador e revolucionrio desses movimentos 16. Esta perspectiva se torna mais
evidente ainda na seguinte afirmao O Partido precisa repensar sua atuao na
sociedade, entendendo as diferentes formas de opresso nela existentes, que no se
resumem contradio capital-trabalho, mas que se estendem a processos
discriminatrios (...) que expressam a natureza de classe, de raa e de gnero,
13MARX,ENGELS:Manifesto de lanamento da Associao Internacional dos Trabalhadores.p.320.14Fundao Perseu Abramo. Partido dos Trabalhadores: Trajetrias.(2000)15
Grifo do autor. Partido dos Trabalhadores, Resolues de Encontros e Congressos: Teses Para a Atuaodo PT (1998:43).16Partido dos Trabalhadores, Resolues de Encontros e Congressos: I Congresso (19987:503,504)
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caractersticos do processo de dominao (...) e responsvel pela transformao de
maiorias sociais em minorias polticas.17Descarta a problemtica central, transferindo o
embate para elementos que constituem sua expresso fenomnica, que conformam
objetivamente os componentes ideolgicos da sociabilidade burguesa e se manifestam nas
formas paralelas da explorao e da alienao, dando uma dimenso maior ao que
epifenomnico.
Sem dvida uma anlise dos movimentos sociais se faz necessria, mas no
descolando os mesmos da luta de classes, transformando a luta em uma questo de gnero.
Sintetizando, o Partido dos Trabalhadores, surge em uma situao limite. O
processo de luta econmica, social e poltica dos trabalhadores e seus aliados, por ocasio
de sua fundao, encontrava-se inserida em um panorama de negao da ordem social
existente. Nasce como partido de contestao da ordem existente, mas permeado de
contradies. Coloca como bandeira de luta a Democracia, mas inserida em um quadro de
ambigidades. Propala a busca por uma democracia exercida pelas massas, com poder de
deciso sobre o econmico e social, no entanto lderes de responsabilidade cometem
confuses incrveis , seja por ignorncia ou por comparaes acadmica insustentveis.
Superestimam a conscincia poltica dos trabalhadores e criam uma armadilha, que
acarretar uma mudana em toda a configurao do partido, de agente de conscientizao,
para agente de representatividade poltica dos trabalhadores, se aproximando assim do
iderio democrtico burgus.
Diante da surpresa com a derrota eleitoral de 1982, tenta se reestruturar, buscando
atingir os trabalhadores. A anlise feita no apreende a necessidade de conscientizao da
massa, para a luta em busca da emancipao da classe trabalhadora. Inverte-se a questo, o
partido fica preso somente aos meios para atingir os trabalhadores em suas percepes
imediatas da vida poltica.Segundo Maria Izabel Lagoa em sua dissertao de mestrado18, o PT (...) nasce se
dizendo um partido novo (...) confrontando-se com a esquerda tradicional (...). Essa recusa
histria do movimento operrio (...) se tornar potencialmente perigosa na medida em
que desconsidera uma anlise dos erros cometidos no passado, deixando o partido
predisposto a cometer os mesmos erros19. Buscar os direcionamentos dados para a
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idem (1998:504).18LAGOA (2004)19LAGOA (2004:83)
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atuao do PT, analisando seus nexos internos, significa ir alm da retrica que aponta
seus erros e acertos. Significa a tentativa de compreenso desses momentos, na busca de
identificar as potencialidades desperdiadas, para como bem definiu Lagoa, no cometer os
mesmos erros, ou seja, significa enfrentarmos nossa prpria histria, ao invs de
simplesmente refuta-la.
Com o objetivo de desenvolver a proposta de trabalho apresentada,
partiremos dos documentos produzidos pelo Partido dos Trabalhadores, buscando
apreender atravs deles e dialeticamente as contradies que marcam o processo de
formao e solidificao do PT.
Este caminho passa, necessariamente pela compreenso do conflito de classes
existente na sociedade brasileira. Fundamental para a compreenso das alternativas,
potencialidades e limites que se colocam, desde o inicio, ao Partido dos Trabalhadores o
carter da burguesia no Brasil, que busca por todos os meios reprimir os avanos da classe
trabalhadora, com uma elite dirigente, que protelou as reformas capitalistas, e uma classe
trabalhadora com profundos limites no que concerne ao desenvolvimento de sua
conscincia de classe, fruto da prpria realidade concreta na qual encontra-se imersa.
Em um primeiro momento a pesquisa buscar apreender o surgimento do PT, em
uma realidade concreta, marcada pela revitalizao progressiva da classe trabalhadora
brasileira em seus protestos e reivindicaes, a partir dos anos 1970, com o esgotamento
do milagre economico. Permeando essa revitalizao da classe trabalhadora, est a
burguesia brasileira se recompondo diante dos conflitos, pela via institucional.
Igualmente necessrio, a compreenso das influncias da luta de classes a nvel
mundial sobre o mundo do trabalho no Brasil e seus plos mais avanados, principalmente
a forte tendncia na esquerda mundial ao reformismo, que busca no Estado um articulador
dos interesses gerais.Portanto apreender dialeticamente as determinaes que levaram o PT a se formar
enquanto partido reformista passa necessariamente pela anlise do Brasil, enquanto uma
economia capitalista perifrica, que sofre as influncias da crise capitalista mundial, tendo
uma burguesia que busca se recompor, utilizando para isso o discurso democrtico.
Acreditamos que assim ser possvel compreender, porque a liderana do movimento de
processo de formao do partido foi ocupada em sua maioria por sindicalistas,
despreparados teoricamente, carentes de um programa teleolgico poltico, que refora nas
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fileiras do partido a tendncia mundial ao reformismo, com marcas muitos fortes de
reivindicaes imediatistas.
Igualmente importante a anlise o desmonte do Leste Europeu. A ausncia de
uma teoria poltica cientifica, aliada ao mecanicismo, coloca o partido em uma situao
conflituosa diante da necessidade de dar respostas aos trabalhadores sobre os
acontecimentos no Leste Europeu, reforando seu carter reformista com a desfigurao
ainda maior do que seria um projeto de esquerda capaz de produzir a emancipao social
sugerida nos primeiros documentos do Partido.
Portanto, apreender as aes concretas do partido e seus reflexos, significa
compreender, como diria Marx, a rica totalidade de determinaes e relaes diversas, que
integram sociedade nacional.
A tcnica de pesquisa incluir o estudo de bibliografias sobre o Partido Poltico da
Classe Trabalhadora no referencial terico Marxiano para uma compreenso efetiva do
conceito de partido distinto. Em um segundo momento, partindo desse referencial terico,
ser efetuado uma anlise dos documentos do prprio Partido dos Trabalhadores, desde os
documentos de fundao Pr-PT, passando pelos documentos de fundao do PT e as
resolues de Encontros e Congressos dentro do perodo delimitado, efetuando uma
anlise comparativa entre as teses aprovadas e os rascunhos de teses no aprovadas no
Encontros Nacionais. Recorremos tambm a fontes secundrias nos centros acadmicos
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