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PROCESSO TRANSEXUALIZADOR: UM PONTO DE PARTIDA PARA A
CIDADANIA?
Luis Henrique da Silva Souza1
Andrea Cristina Coelho Scisleski2
Suyanne Nayara dos Santos³
RESUMO:
Este trabalho é um desdobramento de um percurso de pesquisa do Mestrado em Psicologia
da Universidade Católica Dom Bosco e dos estudos junto ao grupo de pesquisa Psicologia,
Direitos Humanos e Subjetivação, ao qual a partir dos pressupostos metodológicos teóricos
do pós estruturalismo, tendo como ponto de partida Michel Foucault, visamos como
propósito problematizar o Processo Transexualizador no SUS, tendo como contexto o de
Campo Grande – MS, a partir de documentos oficiais que estão em domínio público.
Temos então no ano de 2008, a disponibilização do Processo Transexualizador pelo SUS,
que oferece a avaliação psicológica, o tratamento hormonal e o processo cirúrgico. Em
2016 temos a implantação do Processo Transexualizador na cidade de Campo Grande –
MS, com prioridade ambulatorial, o processo cirúrgico então tem que ser feito em regiões
metropolitanas como Rio de Janeiro e São Paulo. O que nós problematizamos é como que
estes sujeitos são colocados dentro desta política pública e como esta acaba se
configurando sobre lógicas biologizantes e sobre um caráter biomédico de doença. Ao
mesmo tempo é por estes sujeitos buscarem esse cuidado de si, que se colocam como
cidadãos de direito na sociedade, buscando sua cidadania. Uma vez que não podemos
esquecer que são sujeitos a margem da sociedade e muitas vezes excluídos do convívio
diário, submetendo-se a trabalhos onde são explorados.
Palavras-chave: Processo Transexualizador, Psicologia, Cidadania.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo parte dos pressupostos metodológicos teóricos do pós estruturalismo,
tendo como ponto de partida Michel Foucault, visando como propósito problematizar o
1 Mestrando em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco. 2 Professora Doutora no Programa de Pós Graduação em Psicologia e da Graduação em Psicologia, na
Universidade Católica Dom Bosco.
³ Mestranda em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco.
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Processo Transexualizador no SUS - MS a partir de documentos oficiais que estão em
domínio público.
Temos então no ano de 2008, a disponibilização do Processo Transexualizador pelo
SUS, de forma gratuita, que oferece a avaliação psicológica, o tratamento hormonal e o
processo cirúrgico.
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das suas atribuições, que lhe
confere os incisos I e II do parágrafo único do artigo 87 da Constituição e,
Considerando que a orientação sexual e a identidade de gênero são fatores
reconhecidos pelo Ministério da Saúde como determinantes e condicionantes da
situação de saúde, não apenas por implicarem práticas sexuais e sociais
específicas, mas também por expor a população GLBTT (Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e Transexuais) a agravos decorrentes do estigma, dos
processos discriminatórios e de exclusão que violam seus direitos humanos,
dentre os quais os direitos à saúde, à dignidade, à não discriminação, à
autonomia e ao livre desenvolvimento da personalidade;
Considerando que a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, instituída pela
Portaria nº 675/GM, de 31 de março de 2006, menciona, explicitamente, o direito
ao atendimento humanizado e livre de discriminação por orientação sexual e
identidade de gênero a todos os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS); Considerando que o transexualismo trata-se de um desejo de viver e ser aceito na
condição de enquanto pessoa do sexo oposto, que em geral vem acompanhado de
um mal-estar ou de sentimento de inadaptação por referência a seu próprio sexo
anatômico, situações estas que devem ser abordadas dentro da integralidade da
atenção à saúde preconizada e a ser prestada pelo SUS;
Considerando a Resolução nº 1.652, de 6 de novembro de 2002, do Conselho
Federal de Medicina, que dispõe sobre a cirurgia do transgenitalismo;
Considerando a necessidade de regulamentação dos procedimentos de
transgenitalização no SUS;
Considerando a necessidade de se estabelecerem as bases para as indicações,
organização da rede assistencial, regulação do acesso, controle, avaliação e
auditoria do processo transexualizador no SUS, e
Considerando a pactuação ocorrida na Reunião da Comissão Intergestores
Tripartite - CIT do dia 31 de julho de 2008, resolve:
Art. 1º - Instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo
Transexualizador a ser empreendido em serviços de referência devidamente
habilitados à atenção integral à saúde aos indivíduos que dele necessitem, observadas as condições estabelecidas na Resolução nº 1.652, de 6 de novembro
de 2002, expedida pelo Conselho Federal de Medicina.
Art. 2º - Estabelecer que sejam organizadas e implantadas, de forma articulada
entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal, as ações para o Processo Transexualizador no
âmbito do SUS, permitindo:
I - a integralidade da atenção, não restringindo nem centralizando a meta
terapêutica no procedimento cirúrgico de transgenitalização e de demais
intervenções somáticas aparentes ou inaparentes;
II - a humanização da atenção, promovendo um atendimento livre de
discriminação, inclusive pela sensibilização dos trabalhadores e dos demais
usuários do estabelecimento de saúde para o respeito às diferenças e à dignidade
humana;
III - a fomentação, a coordenação a e execução de projetos estratégicos que
visem ao estudo de eficácia, efetividade, custo/benefício e qualidade do processo
transexualizador; e
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IV - a capacitação, a manutenção e a educação permanente das equipes de saúde
em todo o âmbito da atenção, enfocando a promoção da saúde, da primária à
quaternária, e interessando os pólos de educação permanente em saúde.
Art. 3º - Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde -
SAS/MS que, isoladamente ou em conjunto com outras áreas e agências
vinculadas ao Ministério da Saúde, adote as providências necessárias à plena
estruturação e implantação do Processo Transexualizador no SUS, definindo os
critérios mínimos para o funcionamento, o monitoramento e a avaliação dos
serviços. (BRASIL, 2008, s/p.)
Após 8 anos depois, em 2016 temos a implantação do Processo Transexualizador na
cidade de Campo Grande – MS, atualmente com prioridade ambulatorial, o processo
cirúrgico então tem que ser feito em regiões metropolitanas como Rio de Janeiro e São
Paulo.
Os sujeitos que procuram este serviço são as/os transexuais e as travestis, sujeitos
que estão em um conflito entre o gênero que se reconhecem e o sexo biológico que
possuem e/ou desejam fazer mudanças em uma ou mais partes do corpo, para se tornarem
mais femininas ou masculinos. Para conseguirem realizar este desejo de mudança e essas
transformações no corpo, antes da disponibilidade do processo pelo SUS, estes sujeitos
buscavam clínicas particulares ou até viajavam para outros países onde realizavam-se estes
processos, porém era necessário ter uma alto poder aquisitivo, e como muitos desses
sujeitos, por não possuírem um poder financeiro para isso, se submetiam a práticas
clandestinas, como a clínicas médicas ilegais e/ou uso do silicone industrializado, fazendo
eles mesmo os procedimentos de aplicação. Algumas dessas práticas marginalizadas
continuam acontecendo, uma vez que alguns desses sujeitos continuam encontrando
dificuldades no acesso ao processo transexualizador no SUS.
Para as pessoas diretamente interessadas no acesso a esses procedimentos
médicos, e também para os profissionais envolvidos em seu cuidado, a norma
representa evidentemente uma importante conquista social e dá provas do
potencial contra-hegemônico do SUS. Não se trata, no entanto, de um ganho
incontornável, já que tramita atualmente Projeto de Decreto Legislativo para
sustar os efeitos da Portaria GM nº 1.707, que normatiza o Processo
Transexualizador e viabiliza o custeio dos procedimentos pelo SUS.3 Vale
lembrar também que a decisão do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do
Sul,4 de 14 de agosto de 2007, que decidia pelo custeio das cirurgias de
transgenitalização em casos de transexualidade, foi julgada improcedente, em dezembro de 2007, pela então Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ellen Gracie5 (ARÁN; Lionço, 2007), restando ainda a matéria inconclusa pela
Justiça. (LIONÇO, 2009, p.45)
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O foco então é problematizar como que estes sujeitos são colocados dentro de uma
política pública e como esta pode acabar se configurando sobre modos de verdade, lógicas
biologizantes e sobre um caráter biomédico de doença, tendo assim uma forma de governar
estes sujeitos. Ao mesmo tempo é por estes sujeitos buscarem esse cuidado de si, que se
colocam como cidadãos de direito na sociedade, buscando sua cidadania. Uma vez que não
podemos esquecer que são sujeitos a margem da sociedade e muitas vezes excluídos do
convívio diário, submetendo-se a situações onde são explorados.
O eixo estruturante de ambos os parâmetros de questionamento é a questão da
justiça social e a consideração da violação de direitos humanos e sociais em função da sexualidade e das expressões da masculinidade e da feminilidade.
Ainda, remete para o necessário questionamento de valores morais hegemônicos
que permeiam a própria busca pela justiça social de grupos sociais que sustentam
em sua luta a afirmação da diversidade sexual como valor social a ser preservado
diante do franco desprivilégio de status a que estão submetidos em função da
sexualidade e das performances de gênero (FRASER, 2008; BUTLER, 2003).
Isso significa que, ainda que o objeto deste artigo seja uma política publica
imersa nas políticas de reconhecimento da diversidade sexual, a iniciativa não
deixa de estar imersa nos processos de normatização da sexualidade e do gênero.
(LIONÇO, 2009, p.45)
Ao problematizar o processo transexualizador consideraremos se esta política pública
de saúde, suas diretrizes, normas técnicas e procedimentos não reproduzem configurações
e dispositivos da heteronormatividade, binarismo de gênero, preconceitos, discriminações e
violências. Ao mesmo tempo analisaremos como a partir da sexualidade esse sujeito faz
investimentos de um cuidado de si.
2 PROBLEMATIZANDO O PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NO SUS
A implantação do Processo Transexualizador no SUS se deu a partir de lutas e
reivindicações da população Trans (transexuais e travestis) e todo segmento LGBTT
(lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis). Este processo foi instituído pelas
Portarias GM/MS 1707, de 18 de Agosto de 2008 e SAS/MS nº 457 de 19 de Agosto de
2008, onde foram estabelecidas diretrizes e que foi implantada a regulamentação dos
procedimentos tantos ambulatoriais e os cirúrgicos para as readequações genitais.
O Processo Transexualizador teve então sua ampliação pela Portaria GM/MS nº 2803
em 19 de Novembro de 2013, e além de ter ampliado esta portaria redefiniu o processo,
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buscando a integralidade da atenção a saúde dos transexuais e travestis, e que esses
usuários pudessem ter acesso a esse cuidado desde a atenção básica até à especializada.
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe
conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e
Considerando a decisão judicial transitada em julgado proferida nos autos da
Ação Civil Pública nº 2001.71.00.026279-9/RS, que versa sobre a implantação
no SUS de cirurgias de readequação sexual;
Considerando a decisão judicial proferida no dia 13 de setembro de 2013 em
sede de execução na referida Ação Civil Pública, que determinou ao Ministério
da Saúde o cumprimento integral, no prazo de 30 (trinta) dias, das medidas
necessárias para possibilitar a realização no Sistema Único de Saúde (SUS) de
todos os procedimentos médicos para garantir a cirurgia de transgenitalização e a
readequação sexual no Processo Transexualizador, conforme os critérios estabelecidos na Resolução nº 1.652 de 2002 do Conselho Federal de Medicina
(CFM);
Considerando o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei
nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), em especial a
instituição da Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES) e da
Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME);
Considerando a Portaria nº 1.820/GM/MS, de 13 de agosto de 2009, que dispõe
sobre os direitos e deveres dos usuários(as) da saúde e assegura o uso do nome
social no SUS;
Considerando a Portaria nº 4.279/GM/MS, de 30 de dezembro de 2010, que
prioriza a organização e implementação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) no
país;
Considerando a Portaria nº 1.600/GM/MS, de 7 de julho de 2011, que reformula
a Política Nacional de Atenção às Urgências e a implementação da Rede de
Atenção às Urgências;
Considerando a Portaria nº 2.836/GM/MS, de 1º de dezembro de 2011, que
institui no âmbito do SUS, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais;
Considerando a Portaria nº 3.088/GM/MS, de 23 de dezembro de 2011, que
institui a Rede de Atenção Psicossocial para Pessoas com Sofrimento ou
Transtorno Mental com Necessidades Decorrentes do Uso de Crack, Álcool e
Outras Drogas no SUS;
Considerando a recomendação do Relatório nº 54 da Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), de 7 de dezembro de 2012,
no qual recomenda a incorporação de novos procedimentos relativos ao processo
transexualizador noâmbito do SUS;
Considerando a Resolução nº 2, de 6 de dezembro de 2011, da Comissão
Intergestores Tripartite (CIT), que estabelece estratégias e ações que orientam o
Plano Operativo da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais no âmbito do SUS;
Considerando a necessidade de identificar, estruturar, ampliar e aprimorar a rede
de atenção à saúde e a linha de cuidado de transexuais e travestis;
Considerando a necessidade de atualizar o processo de habilitação dos serviços
que prestam assistência aos usuários(as) com demanda para o Processo
Transexualizador; Considerando a necessidade de estabelecer padronização dos critérios de
indicação para a realização dos procedimentos previstos no Processo
Transexualizador, de transformação do fenótipo masculino para feminino e do
feminino para o masculino;
Considerando a necessidade de aprimorar a linha de cuidado no Processo
Transexualizador, em especial para pacientes que desejam a readequação para o
fenótipo masculino, pelo SUS;
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Considerando a Resolução nº 1.955, de 3 de setembro de 2010, do Conselho
Federal de Medicina (CFM), que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e
revoga a Resolução CFM nº 1.652 de 2002; e
Considerando a necessidade de apoiar os gestores do SUS na regulação,
avaliação e controle da atenção especializada e na formação de profissionais de
saúde, no que concerne ao Processo Transexualizador, resolve:
Art. 1º Fica redefinido e ampliado o Processo Transexualizador no Sistema
Único de Saúde (SUS).
Art. 2º São diretrizes de assistência ao usuário(a) com demanda para realização
do Processo Transexualizador no SUS:
I - integralidade da atenção a transexuais e travestis, não restringindo ou
centralizando a meta terapêutica às cirurgias de transgenitalização e demais intervenções somáticas;
II - trabalho em equipe interdisciplinar e multiprofissional;
III - integração com as ações e serviços em atendimento ao Processo
Transexualizador, tendo como porta de entrada a Atenção Básica em saúde,
incluindo-se acolhimento e humanização do atendimento livre de discriminação,
por meio da sensibilização dos trabalhadores e demais usuários e usuárias da
unidade de saúde para o respeito às diferenças e à dignidade humana, em todos
os níveis de atenção.
Parágrafo único. Compreende-se como usuário(a) com demanda para o Processo
Transexualizador os transexuais e travestis.
Art. 3º A linha de cuidado da atenção aos usuários e usuárias com demanda para
a realização das ações no Processo Transexualizadoré estruturada pelos seguintes
componentes:
I - Atenção Básica: é o componente da Rede de Atenção à Saúde (RAS)
responsável pela coordenação do cuidado e por realizar a atenção contínua da
população que está sob sua responsabilidade, adstrita, além de ser a porta de
entrada prioritária do usuário na rede; e
II - Atenção Especializada: é um conjunto de diversos pontos de atenção com diferentes densidades tecnológicas para a realização de ações e serviços de
urgência, ambulatorial especializado e hospitalar, apoiando e complementando
os serviços da atenção básica de forma resolutiva e em tempo oportuno.
Art. 4º A integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com demanda para a
realização das ações no Processo Transexualizador no Componente Atenção
Básica será garantida pelo:
I - acolhimento com humanização e respeito ao uso do nome social; e
II - encaminhamento regulado ao Serviço de Atenção Especializado no Processo
Transexualizador.
Art. 5º Para garantir a integralidade do cuidado aos usuários e usuárias com
demanda para a realização das ações no Processo Transexualizador no
Componente Atenção Especializada, serão definidas as seguintes modalidades:
I - Modalidade Ambulatorial: consiste nas ações de âmbito ambulatorial, quais
sejam acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e
hormonioterapia, destinadas a promover atenção especializada no Processo
Transexualizador definidas nesta Portaria e realizadas em estabelecimento de
saúde cadastrado no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) que possua condições técnicas, instalações físicas e recursos
humanos adequados conforme descrito no anexo I a esta Portaria; e
II - Modalidade Hospitalar: consiste nas ações de âmbito hospitalar, quais sejam
realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório, destinadas a
promover atenção especializada no Processo Transexualizador definidas nesta
Portaria e realizadas em estabelecimento de saúde cadastrado no SCNES que
possua condições técnicas, instalações físicas e recursos humanos adequados
conforme descrito no anexo I a esta Portaria.
Art. 6º A RAS é responsável pela integralidade do cuidado ao transexual e
travesti no âmbito do SUS.
Art. 7º Fica definido que, para fins de habilitação no Componente Atenção
Especializada no Processo Transexualizador, os gestores de saúde interessados
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deverão cumprir as Normas de Habilitação previstas no anexo I, conforme
modalidade assistencial ambulatorial e/ou hospitalar do estabelecimento de
saúde a ser habilitado, e encaminhar à Coordenação-Geral de Média e Alta
Complexidade (CGMAC/DAET/SAS/MS):
I - documento que comprove aprovação na Comissão Intergestores Bipartite
(CIB) ou, quando for o caso, no Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde do
Distrito Federal (CGSES/DF) sobre o Processo Transexualizador, conforme
definidos nesta Portaria; e
II - formulário de vistoria, devidamente assinado pelo gestor de saúde, para
habilitação do estabelecimento de saúde no Componente Atenção Especializada
no Processo Transexualizador, conforme anexo II a esta Portaria, seja para
modalidade ambulatorial e/ou hospitalar. (BRASIL, 2013, s/p)
Esses serviços devem ser assegurados por um trabalho de equipe tanto
multidisciplinar e interdisciplinar, existindo assim uma rede de atenção à saúde, que
prioriza o acolhimento e a humanização do atendimento. O que se prioriza é que seja um
local livre de discriminação e preconceito, onde os técnicos que trabalham nesses espaços e
os outros usuários que transitam por aquele território sejam sensibilizados e respeitem a
diferença entre as pessoas.
A regulamentação do Processo Transexualizador - formalizada pela Portaria da
Secretaria de Atenção à Saúde nº 457, de 19 de agosto de 2008 (BRASIL,
2008b)-, permite afirmar que se trata de uma normatização que visa a resgatar os
princípios da universalidade do acesso e integralidade na atenção, mas
especificamente em relação às dimensões físicas e psicossociais implicadas no
processo de transformação fenotípico e social característico à transexualidade,
prioritariamente no contexto da atenção especializada. Envolve a habilitação de
determinados hospitais universitários que já vinham prestando serviços de
atenção a essa população específica, com previsão de destinação orçamentária
para procedimentos médicocirúrgicos envolvidos na transgenitalização e demais alterações de caracteres sexuais, reiterando os critérios estipulados pelo
Conselho Federal de Medicina2 para a sustentação da licitude da aplicabilidade
dos procedimentos. A dimensão diferencial da norma brasileira é o
estabelecimento de parâmetros éticos para a condução do processo de atenção à
saúde, com ênfase na garantia da autonomia e no enfrentamento dos agravos
decorrentes de processos discriminatórios.
Como a Psicologia faz parte deste processo, dos trabalhos realizados em saúde
pública e das políticas públicas para estas populações, surge o interesse de saber como
esses técnicos operacionalizam essas teorias e metodologias advindas do século passado,
onde a transexualidade era vista como uma doença. Produções sobre sexualidade eram
escassas e nota-se que começam a emergir neste momento e contexto, onde discussões
sobre gênero e feminismo adquirem força. A produção acadêmica então acaba adquirindo
novas configurações com posicionamentos mais críticos e políticos. Nota-se então que
estes espaços possuem forças que se tensionam a todo momento.
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Assim problematizar o Processo transexualizador no SUS é poder trabalhar numa
crítica e em tensionamentos dessas forças para que assim haja a possibilidade de produção
de saberes que possam dar cada vez mais um carater mais humano, universal e integral
neste processo e ao próprio estudo sobre gênero que se encontra em uma crescente.
Na realidade brasileira, usuários(as) transexuais que chegam aos serviços de
saúde encontram-se, muitas vezes, numa condição de extrema vulnerabilidade
psíquica, física e social, sendo a “saúde” não apenas o que vai proporcionar o
tratamento necessário e desejado, mas, muito provavelmente, o que permitirá a
construção de uma rede de reconhecimento e inclusão social para estas pessoas.
Isto porque, apesar da fundamental importância da constituição dos movimentos
sociais - principalmente do movimento LGBTT e do coletivo nacional de
transexuais -, muitas pessoas trans chegam aos serviços sem informações básicas
sobre seus direitos e condição. Além disso, a maioria dos usuários(as) se
identifica como homem ou como mulher e não pretende revelar ou sequer
compartilhar a vivência da transexualidade com alguém; muitos(as) perderam seu vínculo familiar ou mudaram de cidade; e outros(as) têm dificuldades
concretas provenientes de problemas com a documentação ou mesmo com a
profissionalização. Neste sentido, faz parte da rotina da maioria dos serviços
acolher uma demanda social - a qual pode envolver diretamente um trabalho de
assistência social - que se expressa através de intenso sofrimento psíquico.
(ARAN;MURTA, 2009, p. 19)
Uma vez que já existe trabalhos feitos sobre essas temáticas, buscamos buscar
novos olhares, uitlizando de outros conceitos para operacionalizar sobre estes fenômenos e
sobre o Processo Transexualizador no SUS que é tão recente no estado de Mato Grosso do
Sul.
2.1 PRESSUPOSTOS METODÓLÓGICOS DE MICHEL FOUCAULT E SUA VISÃO
SOBRE A SEXUALIDADE
Tentar sistematizar e/ou esquematizar a teoria de Michel Foucault é uma tarefa
complexa, pois este é um autor que presava por uma não categorização das pessoas e do
mundo, muito menos de sua forma de produzir conhecimento científico. Este já é um
ponto de partida para começar entender a teoria foucaultiana e o tipo de ciência que este se
propõe a produzir. O próprio autor não se colocava em nenhuma linha teórica-
metodológica, mas sua produção é colocada pelos estudiosos no pós-estruturalismo, uma
vez que esta se baseia numa negação e transformação dos fundamentos do estruturalismo,
além de criticar também as filosofias tradicionalistas e sua base em Nietzsche. A principal
função desta teoria-metodológica é a problematização dos fenômenos, para então poder
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desnaturalizar os aspectos que são tidos como algo inato e que na verdade são construídos
e/ou inventados.
Foucault durante sua trajetória passou por próprias mudanças em sua vida e de
interesses de pesquisa, assim seus próprios conceitos passavam por transformações e
começavam a assumir diferentes configurações. O autor se preocupou durante sua história
pela investigação de Instituições Modernas (psiquiatria, medicina, direito, prisões e outras)
e pelo sujeito que as mesmas produziam, sobre a produção de saberes e pelos poderes, pela
verdade, pelo governo dos sujeitos e de si próprio. Em diferentes períodos de sua vida
nota-se que Foucault detinha seu foco em um determinado problema e este produzia um
apanhado de conceitos que ajudava o autor a operacionalizar o seu próprio saber de análise
sobre os sujeitos e sobre o mundo.
É comum então para os estudiosos de Foucault, e para assim poder simplificar o
entendimento e desenvolvimento de sua teoria, colocar o autor em três fases e/ou etapas. A
arqueologia, genealogia e a ética. Nota-se que em cada fase/etapa existia uma pergunta que
fundamentava a direção que o autor pretendia percorrer. Na arqueologia sua pergunta era o
que posso saber, na genealogia o que posso fazer e na ética quem sou eu? (VEIGA-NETO,
2007)
Na sua primeira e segunda fase sua metodologia possui características distintas, uma
vez que a arqueologia buscava descrever, a partir dos regimes de saberes sobre domínios
determinados e a genealogia buscava explicar a partir das relações de poder. Estas duas
então se complementam e temos então na terceira fase a proposta da arquegenealogia.
A arqueologia de Foucault busca uma definição e caracterização, para poder analisar
o domínio dos fatos, isto então possibilitava a investigação das situações e condições que
davam possibilidade para o surgimento e a transformação dos saberes. Buscar então
entender na história não a origem de algo, buscando cronologicamente a origem, mas sim o
que sustenta o que esta objetivado naquele momento histórico.
Na genealogia Foucault buscava uma explicação para os fatos e acontecimentos. O
autor busca então com esta metodologia, entender quais são os processos, que dão
possibilidade do indivíduo se tornarem sujeitos, uma vez que o resultado dessa
subjetivação esta ligado a um processo de objetivação que existe no interior das redes de
poderes, que capturam os indivíduos, dividindo e classificando. Existe uma preocupação
do autor em entender que o poder é como um elemento que pode assumir a função de
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explicar a produção dos saberes e como os sujeitos são constituídos nessa relação. Busca-
se uma função então de desnaturalizar os enunciados, podendo explicitar como eles foram
e são inventados.
O que se deve perceber é que não existe uma cisão ou ruptura sobre os seus
conhecimentos produzidos em cada etapa, como se Foucault nega-se o que foi produzido
anteriormente em cada fase/etapa, mas como uma incorpora a outra para uma maior
operacionalização dos conceitos e de poder de analise que a própria teoria comporta.
Temos então na arquegenealogia, um Foucault que direciona sua atenção a
sexualidade, e problematiza como em um determinado momento, este conceito vem sendo
usado e abordado pelas ciências, uma vez que o conceito de sexualidade estava sendo
negada por um grande período de tempo. O autor se concentra em entender como a
sexualidade é uma via pela qual o sujeito experimenta a subjetivação. Ele chega a uma
função onde a sexualidade é algo que é regulado pelos outros e por si próprio.
É neste momento que temos Foucault trazendo a discussão sobre a ética, e esta sendo
ligada a moral, ao comportamento, onde valores são atribuídos em polaridades positivas ou
negativas. A ética entra em uma configuração de relação de si para consigo, onde o
indivíduo se constitui a si mesmo como aquele sujeito moral de suas próprias ações.
Trabalhar com a teoria Foucaultiana é também mudar o ponto de partida de olhar pra
um problema onde se indagar: o que é isso?, o pesquisador que utiliza Foucault como
norteador assume a pergunta: quem somos nós? Esta é ontologia do presente.
Foucault se baseia na filosofia kantiana e nietzschiana para a constituição dessa
ontologia. Temos então o saber (ser-saber), sujeitos do conhecimento. Outro constituição é
ação de uns sobre os outros (ser-poder) sujeitos de ação sobre os outros, o poder assume
aqui uma função de operador, que torna capaz a explicação de como nos subjetivamos, já
que estamos imersos dentro de suas redes de poderes e saberes. E ao final, a ação de cada
um consigo próprio (ser-consigo) sujeito da ação moral consigo mesmo.
Trabalhar com esta metodologia é assumir a postura da procura de fatos e
acontecimentos na história, e não de um retorno cronológico até o momento onde tal
fenômeno aparece pela primeira vez. Buscar esses acontecimentos é entender que eles
possuem uma função na história pois são eles que demonstram as conexões, encontros,
apoios, bloqueios, jogos de força e estratégias que demonstrarão uma evidência ou
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emergência de que algo causa uma tensão naquele contexto histórico-social. Trazer esses
acontecimentos ao momento atual é poder problematizar o próprio presente.
Procuro trabalhar no sentido de uma “acontecimentalização”. Se o
acontecimento foi, durante um tempo, uma categoria pouco avaliada dos
historiadores, pergunto-me se, compreendida de uma certa maneira, a
“acontecimentalização” não é um processo de análise útil. O que se deve
entender por “acontecimentalização”? Uma ruptura absolutamente evidente, em
primeiro lugar. Ali onde se estaria bastante tentado a se referir a uma constante
histórica, ou a um traço antropológico imediato, ou ainda a uma evidência se
impondo da mesma maneira para todos, trata-se de fazer sugir uma
“singularidade”. Mostrar que não era “tão necessário assim”; não era tão
evidente que os loucos fossem reconhecidos como doentes mentais; não era tão
evidente que a única coisa a fazer com um deliqüente fosse interna-lo; não era tão evidente que as causas da doença devessem ser buscadas no exame
individual do corpo etc. Ruptura das evidências, essas evidências sobre as quais
se apoiam nosso saber, nossos consentimentos, nossas práticas. Tal é a primeira
função teórica-política do que chamaria acontecimentalização. (FOUCAULT,
2003, p. 339)
Tomar então os pressupostos teóricos-metodológicos de Foucault é também assumir
um posicionamento político em frente ao fazer pesquisa. A pesquisa tem então um caráter
qualitativo, uma vez que não trabalhará com dados estatísticos, mas sim com documentos
de domínio público que explicitam o território da saúde pública.
É neste contexto que estamos ligados a uma proposta-política, uma forma de fazer
pesquisa que é utilizar o método dos acontecimentos, onde o pesquisador buscará na
história, rupturas e conteúdos que emergem para serem discutidos, uma forma de
experimentação desta realidade, é que os acontecimentos são problematizados no caminho
da pesquisa. É uma forma de crítica a um modo hegemônico de se fazer pesquisa e de
produzir conhecimento que colocam e dizem a priori o que se encontrará no trajeto da
pesquisa.
Esse modo de fazer pesquisa faz com que o pesquisador trabalhe sobre fragmentos, e
não propondo tratados e manuais, pois aqui a função é problematizar. Partindo de um
campo empírico, o pesquisador traz questões que poderão ser analisadas e assim
entendermos as práticas, os modos de governar, a partir da moral imposta, da forma de agir
e pensar, como este sujeitos estão sendo constituídos.
É a partir desse tipo de pesquisa que Foucault propõe um texto-experiência que busca
uma transformação da forma de pensar do próprio leitor como do pesquisador. A pesquisa
assume uma função de instrumento de transformação, em que certas situações e
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acontecimentos se encontram, trazendo assim novas formas de subjetivação e instaurar
novas opções de realidade.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de Foucault podemos perceber que nossa sociedade passa por
transformações, assim, as relações entre os sujeitos acabam adquirindo novas
configurações. O autor coloca a existência de um poder soberano ao qual um sujeito tinha
direito de vida e morte sobre o outro. Muitas vezes essa morte era um castigo frente a um
desrespeito as leis impostas por este soberano, ou caso a vida deste fosse colocada em
risco, por exigir, a morte marca seu poder sobre a vida.
A medida que essa sociedade adquire novas configurações, o poder muda seu
direcionamento e destina-se a maximização da produção de força dos corpos, e faze-las
crescer e serem ordenadas. Isto é feita pelo controle do tempo dos sujeitos, de seus corpos,
da economia, do uso de seus próprios saberes, funções das instituições de sequestro, que
visam ter gestão da vida pelos poderes que acabam assumindo uma função de
policiamento. Esta nova forma de gestão de vidas, força o direito de morte a uma forma de
poder que gere vida.
Nossa sociedade em seus momentos de guerra demonstraram seu poder de morte ao
aniquilar populações inteiras em nome da existência de outras. A lógica muda, passa do
poder sobre a vida do soberano sobre o outro, e se configura da vida de um Estado sobre o
outro Estado. Em um nível individual a exemplificação pelo fenômeno da pena de morte,
um fenômeno que chega ao limite, escândalo e contradição frente a lógica da vida, mas
esse dispositivo vem e funciona para a sociedade já que este sujeito é tido como risco
biológico as outros.
A lógico do direito sobre vida, nos coloca numa configuração em que o poder causa
a vida ou devolve a morte. O fenômeno do suicídio é uma forma do sujeito tomar o poder
sobre o exercício da vida, direito individual e privado de morrer, já que a morte é o secreto
da vida.
Esses fenômenos demonstram formas de governo e de resistências que configuram a
política de gerir a vida. Entendendo o corpo como máquina, um corpo que produz, esse
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corpo também é entendido como espécie, que pode proliferar, trazer o nascimento e
carrega em si a mortalidade. É produzida assim uma bio-política da população, a partir de
intervenções e reguladores. Inicia-se a Era do Biopoder visando tecnologias para a sujeição
dos corpos e controle das populações, e um deles é o dispositivo da sexualidade.
Este novo campo delimita os fenômenos próprios da vida da espécie humana na
ordem do saber-poder, da governamentalidade e que estes são operacionalizadores de
transformação, que por mais que ele sejam colocados em técnicas que tenta domina-las,
eles a escapam continuamente. Podemos então tomar a vida dos sujeitos como objeto
político.
É partindo então dessa lógica colocada na teoria foucaultiana, que a transexualidade,
como uma forma de configuração da sexualidade, e que esta produz subjetivação, que o
trabalho com a arquegenealogia, acontecimentos e fragmentos, me proporcionam
operacionalizar os conceitos de poder, saber, verdade, governamentalidade que me ajudão
a analisar a própria sexualidade e o Processo Transexualizador que é oferecido pelo SUS.
A Carta Constitucional explicita a universalidade dos direitos sociais, sem
discriminação de qualquer espécie, apresentando a diversidade como valor
social. Considerando ser a intimidade inviolável, a sexualidade não pode se
restringir a padrões unívocos, denotando a própria pluralidade entre os cidadãos
e grupos sociais, bem como a de suas formas de laço afetivo. O conceito de
diversidade sexual apresenta aqui uma função central e estratégica para a
proteção dos direitos sociais de pessoas que encontram na orientação sexual e na
expressão de gênero fatores de violação de seus direitos, tendo como fatores de
prejuízo social a heteronormatividade e a naturalização do binarismo de gênero,
sócio-historicamente construídos. Ainda, a noção de diversidade sexual visa a
explicitar o potencial de variação das orientações sexuais e expressões de gênero,
por meio da ênfase na ideia de pluralismo, servindo para problematizar também
as afirmações identitárias que carregam a marca da essencialização. (LIONÇO,
2009, p. 48)
Trazendo então para a pesquisa a problematização do conceito de transexualidade,
que antes possui a denominação de doença, hoje ainda temos a questão da disforia de
gênero como uma patologia. Temos a forma e o funcionamento do ambulatório
transexualizador e os acontecimentos que colocaram como necessidade do Estado
implantar e oferecer o processo transexualizador como algo público, que o tornou uma
política pública. Foi refazendo esse caminho, buscando acontecimentos, onde forças e
configurações fizeram emergir estas as necessidades na história, que esta tornou-se uma
política pública de saúde, temos nela um avanço considerável sobre os direitos sexuais.
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A inclusão da perspectiva de processo foi estrategicamente adotada para superar
a restrição da compreensão da atenção à saúde de transexuais, centrada até então
no evento cirúrgico. Ainda, as discussões nesta reunião específica do Comitê
Técnico, que contou com a participação de lideranças do movimento social
(tanto de mulheres transexuais quanto de homens transexuais) e de profissionais
pesquisadores que atuam na atenção à saúde dessa população, priorizaram a
problematização do caráter psicopatológico da transexualidade e evidenciaram a
própria patologização como fator de sofrimento e agravo à saúde, questionando a
centralidade das medidas médico-cirúrgicas na atenção a transexuais. A reunião
sobre o Processo Transexualizador no SUS, portanto, enfatizou a necessária
despatologização da transexualidade como estratégia de promoção da saúde, e
afirmou a pluralidade na transexualidade, considerando que a autonomia da pessoa transexual na tomada de decisão sobre as medidas necessárias a uma
melhor qualidade de vida seria fundamental para que a atenção à saúde não
dispusesse novos mecanismos de controle e normatização sobre as condutas e
modos de vida e de subjetivação. As cirurgias, portanto, passaram a ser
compreendidas como parte ou não do Processo Transexualizador, e a discussão
superou o viés medicalizador e correcional para o foco na garantia do direito à
saúde integral. (LIONÇO, 2009, p. 51)
Ao mesmo tempo por todas as complicações, formas de governo que são impostas a
população trans, que estes se reafirmam como cidadãos uma vez que buscam esse cuidado
de si, reivindicando seu lugar na sociedade. A busca por cidadania dessa população
começa pelo cuidado de sua sexualidade, onde por mais que essas políticas acabam sendo
transversalizadas por saberes biomédicos e patologizantes, a população também encontra o
seu direito a saúde, sua emergência em ser reconhecida como cidadãos dessa sociedade que
o excluem.
4 REFERÊNCIAS
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redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero,
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Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as
competências das três esferas de gestão. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 de
agosto de 2008(a).
Brasil. Portaria nº. 2.803, de 19 de Novembro de 2013. Redefine e Amplia o Processo
Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília,
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