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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC Genival Lima da Silva Liturgia e Piedade Popular: A relação entre Liturgia e a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis Mestrado em Teologia São Paulo 2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

Genival Lima da Silva

Liturgia e Piedade Popular: A relação entre Liturgia e a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis

Mestrado em Teologia

São Paulo

2015

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Genival Lima da Silva

Liturgia e piedade Popular: A relação entre Liturgia e a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis

Mestrado em Teologia

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Teologia Litúrgica (Área de Concentração: Teologia Sistemática) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do prof. Dr. Pe. Valeriano dos Santos Costa

 

 

 

São Paulo

2015

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Banca Examinadora

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Liturgia e Piedade Popular

Relação entre Liturgia e a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis

SUMARIO SIGLAS 03 INTRODUÇÃO 04 RESUMO 06 ABSTRACT 07

DEDICATÓRIA 08

Capítulo I: Novena a N. S. do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis: elementos histórico-teológicos 09

1. Noções Gerais sobre Religiosidade e Piedade Popular 09

2. O tempo em que viveu Maria de Nazaré 12

3. Maria a partir da inculturação popular 19

4. Maria na Patrística à luz das Sagradas Escrituras 21

5. As origens da novena na Igreja católica 23

6. As proibições de culto a imagens pelos iconoclastas 24

7. Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (breve histórico) 25

8. O quadro do Ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro 26

9. A difusão da devoção à Virgem do Perpétuo Socorro com os agostinianos e os

redentoristas em Roma 28

10. A novena a Nossa Senhora do perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis 31

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Capítulo II: A Teologia Litúrgica 36

1. A Teologia no universo científico 37

2. Principais expoentes da Teologia litúrgica 40

. Guéranger 40 2.1 . L. Beauduin 41

2.2 . Emanuele Caronti 46

2.3 . Romano Guardini 47

2.4 . Maurice Fustigière 49

2.5 . O. Casel 50

2.6 . Cipriano Vagaggini 55

2.7 . Salvatore Marsili 59

3. A Mediator Dei no contexto da Teologia litúrgica 60

4. A Teologia litúrgica na Sacrosanctum Concilium 61

Capítulo III: Perspectivas para a Pastoral Litúrgica em Tocantinópolis 68

1. Relação entre Liturgia e Pastoral 68

2. A relação entre Pastoral Litúrgica e Piedade Popular 76

3. Celebração eucarística e a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na

Diocese de Tocantinópolis 79

4. Indicações para a Pastoral litúrgica na Diocese de Tocantinópolis durante o Ano

Litúrgico 84

5. Indicações para uma boa relação em Tocantinópolis da piedade mariana e

celebração do Dia do Senhor 86

6. Indicações para a Pastoral litúrgica nos tempos fortes do Ano Litúrgico na

Diocese de Tocantinópolis 88

7. Indicações para a Pastoral litúrgica no Tempo Comum do Ano litúrgico na

Diocese de Tocantinópolis 90

8. Indicações para a Pastoral litúrgica na Festa dos santos padroeiros na Diocese de

Tocantinópolis 93

CONCLUSÃO 100

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BIBLIOGRAFIA 101

SIGLAS

AG – Decreto Ad Gentes AA – Decreto Apostolicam Actuositatem

AL – América Latina

DBT – Dicionário Bíblico Teológico

CDC - Código de Direito Canônico

CIC - Catecismo da Igreja Católica

DPPL – Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia

DL - Dicionário de Liturgia

DM – Dicionário de Mariologia

DAp – Documento de Aparecida

DP – Documento de Puebla

DV – Constituição Dogmática Dei Verbum

GS – Constituição pastoral Gaudium et Spes

LG – Constituição Dogmática Lumen Gentium

MC – Marialis Cultus

MD – Mediator Dei

OE – Decreto Orientalium Ecclesiraum

PO – Decreto Presbyterorum Ordinis

PP – Piedade popular

RP – Religiosidade popular

SC – Constituição Sacrosanctum Concilium

UR – Decreto Unitatis Redintegratio

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação de mestrado em teologia tem como objeto formal a relação

entre piedade popular e liturgia. Tal relação é um dos postulados mais candentes do

Concílio Ecumênico Vaticano II, que ao reformar a liturgia, retomando seu lugar na

centralidade da espiritualidade cristã, não a pensou como única atividade espiritual da

Igreja nem preconizou o fim de nenhuma expressão de piedade popular que realmente

ajude o povo de Deus a encontrar-se com o seu Senhor. Portanto o Concílio lançou o

desafio para teólogos e pastoralistas de reconhecer a teologia litúrgica como teologia

prima e buscar o lugar da piedade popular, de forma a compor com o axioma litúrgico:

“[...] a liturgia é o cume para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a força

de donde promana sua força [...]” (SC 10). É neste horizonte que a nossa pesquisa se

desenvolve, tendo como objeto material a novena a Nossa Senhora do Perpétuo

Socorro, já que a novena é considerada um dado relevante da espiritualidade da Diocese

de Tocantinópolis. Portanto o destaque que a novena tem corresponde à realidade da

vida espiritual dos fiéis da Diocese de Tocantinópolis, mas neste trabalho a liturgia é o

tempo todo o objeto formal que dá significado e conteúdo espiritual à nossa gente e à

sua devoção. Na evolução do argumento, a dissertação é construída em três capítulos.

O primeiro capítulo apresenta a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a

partir dos elementos históricos. Porém descreve as principais motivações que

originaram o nosso trabalho, que é buscar os fundamentos teológicos, bíblicos e até

patrísticos que dão o contexto eclesial que une a novena à prece da Igreja, incluindo-a

no oração do povo de Deus.

O segundo capítulo ilumina a dimensão apresentada no primeiro capítulo, com o

estudo da teologia litúrgica, desde o Movimento Litúrgico até a grandiosa elaboração da

teologia litúrgica no pós-Concílio. Ainda no segundo capítulo ressaltamos a colaboração

do pensamento magisterial, com a Encíclica Mediator Dei, de Pio XII, e a Constituição

Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia, do Concílio Ecumênico Vaticano II,

duas “cartas magnas”, uma do Movimento Litúrgico e outra da liturgia reformada.

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Finamente o terceiro e último capítulo apresenta perspectivas para a pastoral litúrgica

diocesana a partir da integração entre a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e

a liturgia da Igreja, de forma que possam harmonizar-se segundo o que foi apresentado

nos dois primeiros capítulos. Portanto é um esforço de manter ao mesmo tempo a

centralidade da liturgia e o destaque e a riqueza que a piedade popular mariana tem na

Diocese. Por isso o último capítulo acaba sendo uma proposta com algumas indicações

pastorais para um aprofundamento da liturgia em comunhão com as devoções

existentes.

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RESUMO

Liturgia e Piedade Popular

Relação entre Liturgia e a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis

“As relações entre Liturgia e Piedade Popular são antigas. Portanto, é preciso antes de tudo um

reconhecimento embora rápido, do modo como tais relações foram vivenciadas ao longo dos séculos. Daí

provirão, em muitos casos, inspiração e sugestões para responder as questões suscitadas em nosso tempo”

(DPPL p. 31). A partir desta constatação é que tivemos a iniciativa para a elaboração desta dissertação

sobre Liturgia e Piedade Popular estabelecendo a relação entre Liturgia e a Novena a Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis. Por isso, vale lembrar que, “Durante o rito não se criam

posições sociais nem papéis de destaque. Quando todos desempenham suas funções com humildade e

competência, então a liturgia será um verdadeiro encontro de salvação” (Costa, Valeriano dos Santos.

Noções teológicas de liturgia. São Paulo: Editora Ave Maria, 2012, p.7).

A presente dissertação objetiva aprofundar sobre este tema e sugerir pistas para um equilíbrio nas

celebrações de novena e a missa, por meio de pesquisas teológicas e das experiências com a Novena a

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis. Certamente é uma experiência que

acontece em outras regiões do Brasil e de outros países, mas, particularmente queremos desenvolver este

trabalho na Diocese de Tocantinópolis.

O referencial teórico nos ajudará na proposta de trabalhar mediante a problematização: falta de

aprofundamento e equilíbrio nas celebrações litúrgicas e a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

em alguns ministros ordenados e leigos na Diocese de Tocantinópolis, como também o avanço no

conhecimento histórico e teológico das duas realidades: Liturgia e Piedade Popular, intimamente ligadas e

distintas ao mesmo tempo, e que têm despertado interesses por parte de um considerável número de

estudiosos da teologia litúrgica, pesquisadores das expressões folclóricas, da piedade popular, liturgistas,

antropólogos e também lideranças leigas que estão engajadas nas celebrações litúrgicas e outras

atividades pastorais na Igreja. Para ilustrar este referencial teórico, teremos como base principal, o

Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia com a colaboração, claro, de vários pesquisadores da ciência

litúrgica e a piedade popular. Por fim, apresentaremos perspectivas para a pastoral litúrgica na Diocese de

Tocantinópolis.

Palavras chaves: Liturgia e Piedade Popular – Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – Teologia –

celebração e Comunhão eclesial.

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ABSTRACT

Liturgy and Popular Piety

Relationship between liturgy and the Novena to Our Lady of Perpetual Help in the Diocese of Tocantinópolis

Genival Lima da Silva

"Relations between Liturgy and Popular Piety are old. Therefore, we must first and foremost a recognition although fast, of how such relationships were experienced over the centuries. There will come, in many cases, inspiration and suggestions to address the issues raised in our time "(DPPL p. 31). From this finding is that we had the initiative for the preparation of this work on Liturgy and Popular Piety establishing the relationship between liturgy and the Novena to Our Lady of Perpetual Help in Tocantinópolis Diocese. So remember that, "During the rite does not create social positions or leading roles. When all play their roles with humility and competence, then the liturgy will be a true meeting of salvation "(Costa, Valeriano dos Santos theological notions of liturgy St. Paul: Editora Ave Maria, 2012, p.7).

This dissertation aims to deepen on this issue and suggest avenues for a balance in the novena celebrations and mass, through theological research and experiences with the Novena to Our Lady of Perpetual Help in Tocantinópolis Diocese. It is certainly an experience that happens in other regions of Brazil and other countries, but particularly want to develop this work in Tocantinópolis Diocese.

The theoretical framework will help us in the proposed work by questioning: lack of depth and balance in the liturgical celebrations and the novena to Our Lady of Perpetual Help in some ordained ministers and lay in Tocantinópolis Diocese, as well as the progress in historical knowledge and theological the two realities: Liturgy and Popular Piety, closely linked and different at the same time and that have aroused interest by a number of scholars of liturgical theology, researchers of folk expressions of popular piety, liturgists, anthropologists and also lay leaders who are engaged in liturgical celebrations and other pastoral activities in the Church. To illustrate this theoretical framework, we will have as main base, the Directory on Popular Piety and the Liturgy with the help of course of several researchers of liturgical science and popular piety. Finally, we present perspectives for liturgical ministry in the Diocese of Tocantinópolis.

Key words: Liturgy and Popular Piety - Novena to Our Lady of Perpetual Help - Theology - celebration and ecclesial communion

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DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS

Ao Deus Uno e Trino pela sua infinita bondade À Diocese de Tocantinópolis na pessoa de D. Giovane Pereira de Melo e irmãos presbíteros e comunidades da mesma Diocese À Arquidiocese de São Paulo na pessoa do Sr. Cardeal Odilo Pedro Scherer pela acolhida Ao corpo docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo na pessoa dos Professores Drs. Padre Boris Augustin Nef Ulloa e Mathias Grenzer À entidade alemã – Adveniat pela generosa colaboração Aos benfeitores e benfeitoras da cidade de ARAGUAÍNA-TO Ao estimado professor Dr. Padre Valeriano Costa dos Santos pela paciência na orientação do nosso trabalho Aos irmãos e irmãs de curso neste período do mestrado Aos meus familiares e amigos (de Araguaína e de São Paulo) pelo constante apoio A todas as pessoas indistintamente nossa eterna gratidão em nome do Senhor! Por todas e em tudo Deus seja louvado!

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CAPÍTULO I Novena a N. S. do Perpétuo Socorro na Diocese de Tocantinópolis: elementos

histórico-teológicos

Para contextualizar a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese

de Tocantinópolis, faremos um caminho inverso ao título do capítulo. Primeiramente

conceituaremos a religiosidade e a piedade popular, que não são equivalentes, mas têm

muitos elementos em comum. Em segundo lugar, faremos uma breve abordagem sobre

mariologia, para podermos nos capítulos seguintes encontrar o nexo entre a piedade

popular expressa na devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, particularmente na

Diocese de Tocantinópolis, e a liturgia. Depois iremos pouco a pouco descrevendo a

história da devoção a Nossa Senhora, tendo como elemento visível o ícone de Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro, com sua história e sua teologia.

1. Noções gerais sobre religiosidade e piedade popular

Inicialmente faremos uma rápida abordagem sobre a relação entre Religiosidade e

Piedade popular. Duas realidades, mas com especificações próprias. Não significa que

estejam em campos opostos, pelo contrário, são complementares. A religiosidade

popular tem sido estudada por outras ciências humanas como fenômeno1, o que

1“A religiosidade popular está sendo uma redescoberta. Ela é estudada por várias ciências: a história, a etnologia, a antropologia cultural, a sociologia, a economia, a psicologia etc. Também como reflexão eclesial, nas intervenções do magistério e na pesquisa bíblica, teológica, litúrgica, mas, sobretudo como avaliação pastoral, está-se desenvolvendo, ainda que em decorrência de estímulos externos, uma significativa atenção [...]. Para uma fazermos uma reflexão teológica válida e apresentarmos uma avaliação pastoral, é importante partirmos da compreensão do fenômeno e, antes de tudo, da análise dos próprios termos com que ele se expressa: religião popular; religiosidade popular, piedade popular e do próprio conceito de “povo de Deus” eu muitas vezes consideramos já suposto [...]. Características da piedade popular: a) A espontaneidade. Nasce da paixão do sentir mais do que raciocinar; b) A festividade. Ela é, no fundo, um êxtase que situa a pessoa acima do monótono, uma superação da rotina quotidiana, do amorfo no canto do coração; c) Pobreza radical e abertura ao Transcendente. Experiência de uma pobreza existencial que tende para a superação do eu e que revela uma necessidade de transcender-se; d) Memória e condivisão. Esta acentuação da vivencia faz que a piedade popular

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naturalmente justifica as expressões de religiosidade humana mais do ponto de vista

histórico e cultural sem um referencial específico como é o caso da piedade popular.

A teologia, reconhecendo a importâncias das outras ciências humanas como, por

exemplo, a antropologia, a sociologia e a história, resgatou da religiosidade popular o

dado da fé recuperado nas expressões religiosas em diversas culturas e épocas. Portanto,

para a teologia, a religiosidade popular é um fenômeno que contém características da

revelação divina.

Em sintonia com os interesses da teologia acerca da religiosidade popular, o

Magistério manifestou a preocupação sobre os cuidados a serem tomados com a

religiosidade popular e a sua relação com a liturgia. A esse respeito, o Magistério

recorda “os piedosos exercícios do povo cristão” (SC 13), embora não faça menção

sobre religiosidade popular de forma direta no Concílio Vaticano II, pois somente

depois é que começaram a surgir estudos sobre essa importante dimensão religiosa na

vida humana 2.

Pela proximidade dos termos, a religiosidade e a piedade popular, às vezes, são

interpretadas confusamente, e isto empobrece ambas. Geralmente se diz no contexto de

cultura religiosa popular: “fiz uma promessa a Santo Antonio”; “vou à novena de Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro”, quase sempre com o intuito de alcançar graças para

superar dificuldades.

Uma breve definição dos termos com suas reais peculiaridades ajudará na

compreensão do argumento deste trabalho. Segundo G. Agostino, “[...] piedade e

religiosidade popular são aspectos de uma só faceta, e, portanto inseparáveis, se trata de

aspectos distintos [...]. A religiosidade popular é manifestação, gestualidade,

enfatize a memória com anamnese do próprio caminho humano, da própria condição existencial”. (G. Agostino. Piedade popular. In: Dicionário de Mariologia. São Paulo: Paulus, 1995. p. 1066-1068). 2 Cf. J. Castellano. Religiosidade Popular e Liturgia. II. Do ponto de vista da teologia e da pastoral litúrgicas. In: M. TRIACCA. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992, p. 1012-1013.

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comportamento; a piedade popular é o que há de culto, a matriz, a fonte interior de tais

gestos” 3. Em outras palavras, a religiosidade popular é algo mais amplo que não se

prende a uma única religião. Enquanto que a piedade popular faz referência a um culto

católico direcionado como, por exemplo, à Virgem do Perpétuo Socorro. A piedade não

pode ser confundida com intimismo religioso, mas é considerada verdadeira experiência

religiosa pessoal ou comunitária.

É também necessário fazer um breve esclarecimento sobre os valores e ambiguidades

destas expressões, pois há consequências em relação à teologia, pastoral e liturgia4, que

serão base para os dois últimos capítulos deste trabalho.

Além dos documentos do Magistério, contamos com estudiosos, como: Ramiro

González, que a partir da SC descreve a importância das festas no âmbito da

religiosidade popular5 e González-Anleo, que faz a leitura sobre a religiosidade popular

3 G. Agostino. Piedade Popular. In: Dicionário de Mariologia, 1995, p. 1067. 4“No plano pastoral, a piedade popular não pode deixar de estar presente, pois justamente neste plano que ela é mais estimulante e incentivadora. Paulo VI na Evangelli Nuntiandi (n. 48) ressaltava: “A caridade pastoral deve sugerir a todos os que o Senhor colocou como chefes de comunidades eclesiais as normas de comportamento a propósito dessa realidade tão rica e ao mesmo tempo tão vulnerável”. No documento de Medellín (1968) fala-se de “oculta presença de Deus” citando (AG 9), de “luz do Verbo presente já antes da encarnação ou da pregação apostólica”, de “elementos religiosos e humanos” que se encontram aninhados na religiosidade popular como “germe do Verbo” e que constituem ou podem constituir uma “presença evangélica” (cf AG 11; LG 16). Certamente a religiosidade popular tem também seus riscos. “Muitas vezes ela pára no nível de manifestações cultuais sem incluir o compromisso com autêntica adesão de fé. Pode até levar à formação de seitas e pôr em perigo a verdadeira comunidade eclesial” (EN 48). A liturgia como ação de Cristo na igreja é epifania, manifestação do alto em sinal humano. A piedade popular é manifestação que vem de baixo, de uma exigência divina. Na liturgia Cristo está presente e agindo nos santos sinais que é preciso superar com o olho do Espírito. Na piedade popular não se captam os “sinais”, porém antes as “imagens” e não necessariamente de modo supersticioso, mas até mesmo de modo significante. Todavia, como atitude espiritual na piedade popular o eu, eu é mais espontâneo e imediato, pode ser, ou melhor, é mais livre, mais intenso. É evidente que se precisa levar a piedade popular à liturgia, mas é necessário igualmente compreender as exigências dela”. G. Agostino. Piedade Popular. In: Dicionário de Mariologia, 1995, p. 1071-1073. 5“A festa e o festivo, conceitos interdisciplinares estudados pelas ciências antroplógico-culturais, interessam hoje de uma forma especial à liturgia. A partir desse conceito-chave de liturgia-celebração, tido em grande estima pelo Vaticano II, o festivo aparece como decisivo para superar um rubricismo frio, um clericalismo formalista e um hieratismo sem calor e vida no momento da celebração. Ademais, o redescobrimento do festivo-popular, com tudo o que isso implica de frescor, ingenuidade, imaginação, criatividade, colorido e misticismo, faz da festa o locus privilegiado para a evangelização. Porém, talvez o mais importante que o estudo da festa esclarece é o fato de que se ensina a celebrar celebrando”. GONZÁLEZ, Ramiro. Piedade popular e liturgia. São Paulo: Loyola, 2007, p. 14-15.

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dando ênfase ao grande número de seitas na Igreja da AL6. Essas análises contribuíram

para os estudos da religiosidade e piedade popular, precisamente depois do Concílio

Vaticano II, representando grandes avanços nas pesquisas sobre essas duas realidades

(religiosidade e piedade popular) no Continente Latino-americano. São tentativas de

traduzir as expressões de piedade popular nas várias culturas existentes no Continente

Latino-americano, com sua riqueza diversa.

Faremos a seguir um breve histórico da devoção à Virgem Maria com o intuito de

contextualizar sobre o recorte pesquisado. Antes do mais, é bom considerar que a

devoção mariana com o título “Senhora do Perpétuo Socorro” surgiu como

desdobramento da história da piedade popular mariana na Igreja ao longo dos séculos.

Maria, enquanto mulher escolhida por Deus para ser a mãe do Salvador, Jesus Cristo,

tem uma aceitação relevante nas experiências de fé dos povos.

2. O tempo em que viveu Maria de Nazaré

O contexto de Nazaré no tempo de Maria foi marcado por suas peculiaridades. Sabe-

se que vários fatores históricos, geográficos, culturais e religiosos influenciaram sua

vida, mas o aspecto religioso foi o que predominou antes e depois da promessa

messiânica: “Eu sou a serva do Senhor, faça-se em segundo a tua palavra” (Lc 1, 38)7.

Escolhida por Deus para a missão que lhe fora confiada, Maria viveu retamente sua fé e

entregou-se com inteira disposição ao Senhor.

6“No caso da América Latina, a RP foi com frequência um antídoto contra o perigo das seitas”. GONZALEZ-ANLEO. La religiosidad española: presente y futuro. In: González, 2007, p. 73. 7“Diante da proposta de Deus, Maria responde prontamente. O seu “sim” ecoa forte e sem dúvidas, cheio de generosidade. Disponível a Deus, Maria une a liberdade com a vontade [...]. Essa entrega de coração a Deus tem um nome muito simples: fé. Significa arriscar-se e jogar-se nas mãos do Senhor com confiança. Na visita a Isabel, esta lhe diz: “Feliz aquela que acreditou o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido”. MURAD, Afonso Tadeu. Maria, toda de Deus e tão humana: Compêndio de mariologia. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 55.

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Clodovis Boff argumenta que antes de uma abordagem bíblica sobre Maria em

relação à sua forte presença na piedade popular, é necessária uma leitura escatológica.

Maria ocupa um lugar privilegiado por iniciativa de Deus; desde a eternidade foi

escolhida para participar diretamente do plano divino. Somente depois é que a devoção

mariana surgiu como um jeito simples e espontâneo de cultuar a Virgem Maria8.

De fato o elemento precedente à vida de Maria como mulher e mãe de Jesus é a

dimensão escatológica a partir de um olhar teológico. Isso significa que Deus realizou

em Maria a sua promessa “em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre!”

(Lc 1, 55), e toda a humanidade por meio do sim de Maria foi agraciada com o dom da

salvação conforme os desígnios divinos do Pai.

Embalado por este dado escatológico, J. López Martín exalta Maria, digna de ser

amada e venerada ao nível da fé porque está em profunda comunhão com o mistério de

Cristo9. Considere-se que Maria não foi vista assim pelos judeus que não aceitaram

Cristo como Messias. Portanto a rejeição a Maria como mãe do Salvador está ligada à

hermenêutica judaica a respeito do Messias. Porém, necessariamente a vida de Maria

terá sua culminância no testemunho deixado na história da Igreja. A sua expressividade

se encontra ao lado de Jesus e do discipulado amado (cf Jo 19, 25-27).

Mesmo assim os relatos mais precisos estão na Bíblia ou nos chamados evangelhos

apócrifos. De tal sorte que a fonte mais segura são os escritos bíblicos, que também

recebem o auxílio da Tradição para a compreensão dos fatos históricos em Israel e

consequentemente no cristianismo10.

8“A elaboração de uma “mariologia popular” deveria partir da condição escatológica de Maria na sua influência constitutiva do “fato mariano” dentro da Igreja, [...]: uma mariologia original, que inverte o método dos manuais”. BOFF, Clodovis. In: Revista Atualidade Teológica. Ano XIV n. 36, set/dez/2010, p. 335-336. 9 Cf. LÓPEZ MARTÍN, J. A celebração do mistério cristão em comunhão com Maria e a liturgia romana. Estudos Marianos 67 (2001), p. 17-68. 10“A comunidade de fé, tanto o povo de Israel quanto a Igreja, vive a experiência religiosa, escreve os relatos inspirada pelo Espírito Santo, faz releituras e define o cânon das Escrituras [...]. A tradição é

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Ao contrário do Ocidente, a cultura de Israel relevava muitas palavras de origem

semita como, por exemplo, mulher em vez de mãe. Quando Maria se dirige ao Filho nas

bodas de Caná, ele a chama de “mulher” e não de mãe (cf. Jo 2, 4). Está na base cultural

daquela época e não denota nenhuma forma de desprezo. Porém Maria é mencionada

como mãe em relação ao discípulo amado, a cujos cuidados foi confiada. Mãe que

supera os laços sanguíneos (cf. Jo 19, 26-27). A intenção de Jesus quando confia Maria

ao discípulo amado é confirmar a sua maternidade divina e não simplesmente biológica.

A mãe dada por Deus para seu Filho foi para cumprir por meio dela a sua iniciativa

amorosa de salvar a humanidade “[...]. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o

nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21). Por isso Jesus

olhou para Maria e a reconheceu como mãe de uma grande multidão (Igreja). Maria

nestes relatos é apresentada como a referência de uma mãe espiritual.

Maria é, portanto a que acompanharia a Igreja por um tempo e confirmaria sua

maternidade universal em comunhão com o seu Filho. No plano de Deus a mãe do

Messias prometido é por ele também escolhida. “No sexto mês, o anjo Gabriel foi

enviado por Deus [...] a uma virgem [...] e o nome da virgem era Maria. Entrando onde

ela estava, disse-lhe: “Alegra-te cheia de graça, o Senhor está contigo!”” (Lc 1, 6-29).

A autenticidade da escolha feita por Deus a Maria de Nazaré confirma que a

relação entre a liturgia e piedade mariana é uma expressão de fé no mistério de

salvação. Foi em vista deste acontecimento que ela se tornara mãe de Jesus Cristo (cf.

Jo 19, 25).

caracterizada como a memória seletiva e coletiva da comunidade eclesial [...]. A tradição realiza simultaneamente um movimento de continuidade e ruptura com o passado. Continuidade, porque é a mesma comunidade de fé que faz a sua história, apoiando-se em balizas do passado. Ruptura, pois o presente impulsiona a redescobrir elementos da Tradição que foram esquecidos com o tempo e estimula a produção de novos significados para a atualidade. Vários fatores intervêm nesta tarefa de redescoberta, purificação e crescimento, como novas práticas sociais e eclesiais, a espiritualidade e a teologia”. MURAD, 2012, p. 120-12.

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Falar de culto à Virgem Maria após a Ressurreição de Jesus não era tão fácil, pois

cultuar alguém fora do Deus único era uma espécie de agressão ao princípio religioso

que guiava o monoteísmo israelita. Seria idolatria, ou seja, pecado original ou raiz de

todos os outros pecados. Portanto essa questão veterotestamentária tinha de ser superada

para se construir no Novo Testamento um culto sólido à Virgem Maria.

Para melhor compreendermos, faz-se necessário um esclarecimento sobre os

conceitos de adoração, idolatria, imagem, mito e lenda, embora que de forma sucinta e

não tão aprofundada, pois não se trata de argumento central deste trabalho.

O termo adoração tem sua origem no hebraico (á.válh) que significa “servir”, e

não indica inicialmente adoração. Outro termo que está mais próximo, (his.tahhawáh),

designa “curvar-se”. A raiz hebraica (ghádh) quer dizer “prostrar-se”. São palavras que

expressam proximidade com adoração. Na língua grega, o substantivo (La..tréia) indica

adoração, o que para o povo da Bíblia, após a revelação feita a Moisés, se refere ao

culto ao Deus único e Santo digno de ser adorado.

O povo de Israel, influenciado pelo politeísmo, teve de fazer sua escolha pelo Deus

único que deve ser adorado: “Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás

[...]” (Ex 20, 5). A partir dessa experiência registrada no Decálogo, o povo de Israel se

sentiu motivado para continuar a caminhada destinada pelo único Deus (Senhor). Do

ponto de vista cristão, a adoração envolve não apenas a veneração a uma imagem, mas

antes o espírito de comunhão com a verdade revelada em Cristo, “os verdadeiros

adoradores em espírito em verdade” (cf. Jo 4, 23). Deus se nos apresenta como Senhor a

ser adorado na pessoa do seu Filho Jesus, “diante do seu nome todo joelho se dobre”

(cf. Fl 2, 10-11). De fato, esta é a verdade, pois desde o seu nascimento o Cristo foi

glorificado pelos pastores e adorado pelos magos (cf. Lc 2, 14; Mt 2, 11).

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A idolatria, portanto, tem sua origem no grego (eidolon + latreia). Estas duas raízes

significam “adoração de corpos”. Daí que se passou a entender idolatria como o ato de

oferecer atributos divinos a coisas ou pessoas como se fossem iguais a Deus.

Comumente o termo idolatria é usado para significar adoração a deuses pagãos. No

imaginário popular, a idolatria parece ser algo quase natural: prestar culto a um ídolo.

Hoje se fala tranquilamente dos ídolos como preferência de escolha.

Imagem é um termo que tem sua origem também no hebraico (tselem=sombra).

Refere-se ao lugar de refúgio, descanso e proteção. Daí que se entende quando

aparecem nos salmos: “Descansa no Senhor e nele espera” (Sl 36, 7) e ainda: “Quem

habita na proteção do Altíssimo” (Sl 91, 1). Na verdade são atributos ao Senhor como

aquele no qual se encontra descanso e proteção.

Em latim, o termo imagem (imago=representação de imagens) não tem a mesma

profundidade que no hebraico; está associado apenas a representação. No início do livro

do Gênesis, Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem” (Gn 1, 26). Para o povo

da Bíblia, a imagem corresponde à representação de Deus, o que não nega a existência

do Senhor, que, por imagem, se faz presente ao seu povo.

O termo ícone é pouco explorado pelos fiéis no ocidente católico, que mais

comumente se referem aos santos representados por meio de imagens. Portanto, o termo

imagem é mais usado que o termo ícone, referindo-se à pintura ou escultura sacras

Comumente se fala em quadros de santos.

As primeiras representações da Virgem Maria foram em formas icônicas.

Curiosamente é nesta forma que se encontra o ícone que motiva devoção a Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro11. Falaremos brevemente dos dois últimos termos: mito e

lenda.

11“O termo ícone vem do grego eikón, imagem, designa a pintura sagrada feita em painel de madeira com uma técnica particular e segundo uma tradição transmitida há séculos [...]. A origem dos ícones

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Os mitos são narrativas originadas pelos gregos antigos e para explicar fatos da

realidade e fenômenos da natureza, as origens do mundo e do homem. Utilizam

simbologias, personagens criados como, deuses e heróis relacionados também à

divindade12.

As lendas são baseadas nas inúmeras experiências das várias culturas no mundo.

Elas nasceram, ao contrário do mito, de acontecimentos na história da humanidade e

foram registradas de algum modo em algum lugar. Relatos que com o passar dos anos

foram tomando corpo na literatura humana e, transformando-se em histórias

repercutindo no mundo humano-religioso13.

Os termos que foram atribuídos no passado, em relação à divindade pelas culturas

gregas, hebraicas e latinas também influenciaram o culto cristão. Não se pode deixar de

reconhecer que em parte, todos esses termos não cristãos tiveram sua participação direta

ou indiretamente nas práticas religiosas do cristianismo e em particular no culto a

deve ser situada no começo do cristianismo [...]. Maria, junto com Cristo, ocupa um lugar de primeiro plano na iconografia oriental [...]. A Virgem da Paixão é uma variante da Hodigítria (a condutora); os russos denominam-na Strasmaia; no Ocidente ela é comumente chamada “Nossa Senhora do Perpétuo Socorro””. G. Gharib. Ícone. In: Dicionário de Mariologia. São Paulo: Paulus, 1995, p. 577-581. 12“O problema da interpretação do mito está, com efeito, presente em todas as épocas da cultura ocidental. Sente-se a necessidade, por assim dizer, de levar em conta um patrimônio religioso e poético, que envolve todas as civilizações e todos os povos [...], o mito foi quase sempre considerado o produto de uma forma de conhecimento do mundo, dos fatos naturais e sobrenaturais, organizada de modo alegórico, a ponto de explicar poeticamente a relação entre homem e universo [...], enfim, um método religioso de aproximação da concepção sagrada da existência em que o mito é tido como um sistema de conhecimento, velado, porém, mesmo assim, exaustivo, do inefável divino [...]. Para Platão, a mitologia é atividade que se insere no âmbito da técnica poética, e uma forma de se chegar a uma série de relatos em torno da divindade [...], o mito no cristianismo sempre se baseou e se fundamentou em fato histórico documentado e/ou em pessoas que histórica e concretamente existiram, primordialmente no evento da encarnação e da existência histórica de Jesus Cristo, de onde extrai seu sentido e a que se dirige toda a religiosidade cristã”. S. Andreani. Mito. L. Pinkus. Maria e o mito. In: Dicionário de Mariologia, 1995, p.894-895. 900. 13“A palavra lenda vem do latim e designa “uma coisa que é pra ser lida”. Em tempos idos por ocasião da morte dos santos lia-se nas comunidades cristãs um resumo da vida (lenda dos mesmos). Sem muita demora, a fantasia do povo ou de algum poeta tentou tratou de “enfeitar” esses relatos, e assim se misturaram, aos poucos histórias com “estórias”. Estas “lendas” dão testemunho da profundidade dos sentimentos do povo cristão e, ao mesmo tempo lhe serve de edificação” (MAX Biber. Eine Marienlegende. In: Schneider, Antonio. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. História- culto- devoção. Aparecida: Santuário, 1991, p. 38).

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Maria, mãe de Jesus. Porém, vale recordar que os conceitos pagãos e cristãos não

coincidem. Em Cristo tudo recebe um novo sentido teológico e salvífico.

Os deuses pagãos e imperadores eram igualmente adorados como divindades pelos

seus súditos. Estes atributos foram devotamente dados à Maria de Nazaré, não para

divinizá-la, mas por reconhecimento dos méritos de Cristo. “Por isso o Santo que

nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35). A divindade de Cristo se personifica

no mistério da encarnação no ventre de Maria. Esta ação de Deus não é simplesmente

um mito, mas a revelação da sua presença na história humana.

A fonte da santidade em Maria não é desconhecida ou inventada como os deuses

pagãos ou imperadores. O próprio Deus revela sua santidade no seu Filho e faz de Maria

a “bendita entre todas as mulheres da terra” (cf. Lc 1, 42). Tal reconhecimento se deu

por parte de Isabel que estava repleta do Espírito Santo, com a chegada de Maria à sua

casa. A leitura da história mariana, portanto, não é suficiente quando feita apenas com

os atributos do Antigo Testamento. É necessário, portanto, buscar os referenciais

teológicos e bíblicos do Novo Testamento, a partir da hermenêutica que brotou do

evento Jesus de Nazaré.

A piedade mariana tem sido também criticada por muitos que não aprofundaram essa

longa história de fé cristã com a participação da Virgem Maria. É facilmente

compreensível este tipo de atitude quando não se considera o contexto de piedade

popular mariana como um todo. Por outro lado, há falta de conhecimento da raiz

etimológica dos termos comumente utilizados desde a antiguidade.

Este trabalho quer ser um apoio para as reflexões mais direcionadas sobre os

precedentes da piedade mariana. Por essa razão, é preciso desenvolver uma leitura

cuidadosa no processo histórico deste “fenômeno” religioso popular, que requer

dependendo das situações, mais atenção do ponto de vista litúrgico e pastoral.

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3. Maria a partir da inculturação popular

A história de Maria De Nazaré é parte integrante dos escritos bíblicos. Embora sejam

referências breves, mas de um importante significado. Com a divulgação da Palavra de

Deus, especialmente sobre o mistério da encarnação de Cristo, inicialmente se

reconheceu a importância teológica da Virgem de Nazaré. Em seguida o Ocidente

compreendeu a presença de Maria no mistério da Encarnação do Verbo. Diversas

hermenêuticas teológicas foram se formando em torno de Maria ao longo dos séculos.

Todas foram compondo o tecido da espiritualidade mariana, que de forma geral

estabeleceram um culto muito tranquilo à Mãe de Deus. Algumas contestações são

modernas, como, por exemplo, as do protestantismo clássico e mais recentemente as de

cunho marxista na Europa, pois para quem defende uma visão marxista de religião não

faz sentido qualquer culto, pois é uma forma de alienação da consciência humana. Aí

percebemos que existe dificuldade de aceitar a ideia de uma piedade popular mariana.

As contestações mais atuais ao culto mariano brotaram na América Latina por

iniciativa dos movimentos pentecostais de linha protestante14. Tais grupos tentaram

sistematicamente descaracterizar as devoções católicas, entre as quais a devoção

mariana, que perseverou ao longo dos séculos15.

14“O proselitismo pentecostal não competiu com o protestantismo de conversão, procurando esvaziá-lo. Competiu, isso sim, com outras faixas religiosas, ou mais precisamente com o catolicismo, religião da maioria. Basta ver que ao aumento pentecostal não correspondia o esvaziamento das Igrejas protestantes tradicionais. Tal fato nos autoriza a postular, como dado fundamental para a explicação do pentecostalismo, a presença de uma experiência religiosa anterior de tipo católico, atuante explicita ou implicitamente nas camadas populares, aspecto nem sempre considerado pelos estudiosos do pentecostalismo [...]. Hoje, uma vez crente, em lugar da imagem do santo, é a Bíblia que é venerada e lida em sua casa, posta em cima de uma mesa ou de uma estante, bem ao alcance de sua mão, a fim de que possa lê-la quando e como quiser”. ROLIM CARTAXO, Francisco. Pentecostais no Brasil. Uma interpretação sócio-religiosa. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 108-163. 15“Aldo N. Terrin, que já em 1979, opondo-se à corrente marxista dominante, sublinhava que ela não pode ser de forma primária como “religião das classes subalternas”, mas sim, como expressão instintiva, pré-categorial. A tese de Terrin é que, atualmente, na Itália, a religiosidade popular parece dar “sinais de enfraquecimento”, até mesmo de “colapso” ou “adormecimento profundo”, sob a influência dos mass media que realizam “um nivelamento e enfraquecimento das subculturas, realizando uma obra de cancelamento do folclore e das tradições regionais”. Surgem “novos filões” ou formas de “aproximação

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Depois de tantas críticas sobre a piedade popular, se redescobre aos poucos a sua

riqueza nas várias regiões do mundo. Particularmente na América Latina, quando os

bispos se pronunciaram a respeito dos documentos pontifícios sobre a piedade

popular16, demonstrando interesses em acolher com atenção e empenho pastoral as

expressões de piedade presentes também na Igreja Latino-americana e Caribenha.

A diversidade cultural precede às questões da piedade popular e servem também de

base para a “inculturação” dos exercícios piedosos da fé cristã. Não podemos analisar as

expressões de piedade popular de forma simplória, pois exige um profundo

conhecimento das culturas antigas e novas, como também dos dados da revelação

divina. Em outras palavras, a piedade popular do ponto de vista teológico é também um

exercício espiritual que põe os fiéis em contato com o próprio Deus17.

A cultura popular também é cultura religiosa, e por esta razão deve ser valorizada na

sua inteireza e acolhida naquilo que ela pode contribuir na piedade popular. Popular não

ao sagrado através de uma contiguidade de tipo afetivo e experiencial” (começando pelos grupos carismáticos até a New Age), na qual transvasa-se a religiosidade popular. Nessa ótica “a religiosidade popular não desaparece, mas muda de significado”: A religiosidade popular permanecerá sempre como “a religiosidade do coração”, “o sentimento de dependência”, o lugar onde se experimenta “o sentido e o gosto pelo infinito” (Schleiermacher), a “força da vida que se dilata” (Van der Leeuw), o “bom senso” de viver, como aspiração de quem tem ainda esperança e a invocação daqueles que, não podendo alcançar a plenitude que desejam, enveredam pela estrada da invocação, da oração e da súplica”. FIORES, Stefano de. Figura bíblica de Maria e sua inculturação popular. Atualidade Teológica. Ano XVI No 36, Setembro a Dezembro/2010, p. 322. 16“A verdadeira retomada eclesial da piedade popular aconteceu com os bispos da América Latina que no Sínodo de 1974 (ou 70) chamaram a atenção para esta realidade muito vital. Suas intervenções estão presentes na exortação apostólica pós-sinodal Evangelii Nuntiandi (1975), onde Paulo VI exorta a “ser sensíveis” à “realidade tão rica e venerável” que prefere chamar “piedade popular”, a “saber colher as suas dimensões interiores e os seus inegáveis valores” (EN 48). João Paulo II move-se de forma decidida desde o inicio do seu pontificado nessa perspectiva cultural na definição e interpretação da piedade popular. “Esta piedade popular não é necessariamente um sentimento vago, carente de sólida base doutrinal, como se fosse uma forma inferior de manifestação religiosa. Quantas vezes é, ao contrário, a verdadeira expressão da alma de um povo tocado pela graça e forjado pelo encontro feliz entre a obra da evangelização e a cultura local”. João Paulo II. homilia no Santuário de Zapopan, 30 Janeiro, 1979 Cidade do Vaticano, 1979, II, 293, p. 326. 17“[...]. A piedade popular cerca seus atos de celebrações de atitudes que estão perto das que pede a liturgia: sentido do sagrado, afeto profundo, sentido penitencial, atitude suplicante, devoção. Essas atitudes são uma mistagogia certamente imperfeita, porém válida para conduzir os fiéis a uma participação ativa e frutuosa na liturgia”. GONZÁLEZ, Ramiro. Piedade popular e liturgia. São Paulo: Loyola, 2007, p.63)

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significa de segunda ou terceira categoria. Cada cultura tem suas riquezas, que ajudam

nas experiências de fé das pessoas18.

4. Maria na Patrística à luz das Sagradas Escrituras

Para alguns Padres dos primeiros séculos de cristianismo, a presença de Maria é

imprescindível. De fato ela marca no seu silêncio uma atuação considerável. O que

fortalecerá depois os vários tipos de culto à Virgem, nas mais diversas partes do planeta.

Segundo as Escrituras, Maria é agraciada por Deus e recebe a grande mensagem do

arcanjo Gabriel: “O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a

sua sombra; por isso o santo que vai nascer será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 35).

Não se trata de uma iniciativa de Maria, mas do próprio Deus. Ela é protegida por ele e

assim desde a eternidade foi preparada para esta missão.

Em Santo Inácio de Antioquia no segundo séc. II, Maria é aquela que o Espírito

Santo preservou virgem por mérito do Cristo. É uma constatação da veneração a Maria

na história da Salvação. Para Irineu de Lyon também do séc. II, Maria é a nova Eva e

traz em si os sinais de santidade porque daria ao mundo o Salvador19.

18“O essencial da cultura é constituído pela atitude com que o povo afirma ou nega sua vinculação com Deus, pelos valores ou desvalores religiosos. Eles têm a ver com o sentido último da existência e radicam naquela região mais profunda onde o homem encontra respostas para as perguntas básicas e definitivas que o atormentam, quer as encontre numa orientação positivamente católica, ou pelo contrário, numa orientação ateia” (DP 389). 19“Diferentemente da cultura racionalista, a popular sublinha o sentimento ou as emoções, numa palavra: o coração. Isto vale, também, para a relação devota com Maria, que pode ser assim descrita: Em relação à Maria Santíssima, a piedade do povo católico é verdadeiramente “visceral” ou “entranhada”. Os devotos tratam Maria com extremo carinho. Falam em termos de “Mãe querida” e mesmo de “Mãezinha do céu”. Outros modos de falar que denotam intimidade são o uso do diminutivo [...]. O mesmo vale para o uso do pronome “minha” [...]. Há uma responsabilidade e uma sinceridade verdadeiramente comoventes nos ensinamentos da piedade que o povo humilde vota à Mãe de Cristo. De fato a devoção à Santíssima Virgem Maria começou com a própria Igreja e vem se desenvolvendo desde os primeiríssimos tempos do cristianismo. Foram, com efeito, os santos padres que lançaram as pedras fundamentais para a construção do grande edifício de devoção mariana. Santo Inácio de Antioquia discípulo do Apóstolo João, terceiro bispo de Antioquia. Em suas cartas, sente-se o amor ardente de um santo que faz frequentes alusões à Virgem Maria: “Ao príncipe deste mundo permaneceu escondida a virgindade de Maria e também seu parto, e de igual modo a morte do Senhor” (cf. Inácio de Antioquia. Ad Eph. 19, 1). Santo Irineu, discípulo de São Policarpo (Esmirna) escreveu

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São Gregório de Nazianzeno faz uma reflexão sobre Maria no mistério da

encarnação do Senhor, enfatizando a santidade de Maria na sua totalidade. Segundo

Gregório de Nazianzeno, Maria é santificada pelo Espírito Santo para ser mãe, e por

isso a sua virgindade é um sinal da santidade original que deve ser exaltada pelos fiéis

seguidores de Cristo20.

Em Santo Atanásio, a participação de Maria no mistério da encarnação é assumida

como aquela que Deus quis para oferecer ao mundo a salvação. Em Maria, a Palavra do

Pai encontra a forma humana e ao mesmo tempo sinaliza a plenitude da vida na sua

entrega total pela humanidade. Maria é, portanto, o berço principal para esta experiência

no mistério pascal de Cristo21.

Em Santo Agostinho, Maria é comparada à terra de onde brotam os frutos, e que dela

recebemos o melhor que Deus reservou para o tempo certo. Por outro lado, Maria, de

fato, é a figura que desde a sua concepção foi preservada do pecado e que participou

diretamente da vida do povo de sua época. É um solo fecundo, enquanto preparado por

Deus para a fertilização sob a ação do Espírito Santo22. Ambrósio também escreve à luz

do mistério da encarnação dando singular importância à Virgem, que se sente plena da

alegria que vem do alto. Para ele, em Maria, a promessa de Deus se realizou e por isso é

assim “Maria recebeu a boa-nova [...] e mereceu trazer Deus em seu seio, obedecendo à sua palavra”. Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo. (Lib. 5, 19, 1; 20,2: SCh 153, 248-250, 260-264). Liturgia das Horas, Ofício das Leituras, sexta-feira da segunda semana do Advento. 20“[...]. Foi por uma Virgem, já santificada pelo Espírito Santo no corpo e na alma, para honrar a maternidade e ao mesmo tempo exaltar a excelência da divindade” Dos sermões de São Gregório de Nazianzeno, bispo. (Or. 45, 9. 22. 26. 28: PG 36, 634. 658-659. 662). In: Liturgia das Horas. Ofício das Leituras, terça-feira da 1ª semana do Advento. 21“Eis porque Maria está verdadeiramente presente neste mistério; foi dela que o Verbo assumiu, como próprio, aquele corpo que havia de oferecer por nós [...] para se acreditar que o fruto desta concepção procedia realmente de Maria”. Das cartas de Santo Atanásio, bispo. (Epist. ad Epictetum, 5-9: P 26, 1058. 1062-1066). In: Liturgia das Horas. Ofício das Leituras, 1º de Janeiro. Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. 22 “A verdade brotou da terra, isto é, da carne de Maria”. Dos sermões de Santo Agostinho, bispo. (Sermo 185: PL 38, 997-999). In: Liturgia das Horas. Ofício das Leituras, 24 de Dezembro.

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o motivo de maior alegria da serva escolhida ao visitar a sua parenta Isabel na região

montanhosa da Judéia23.

Os santos Padres da igreja no Oriente e no Ocidente manifestam em Maria uma

importância singular. Cada um a seu modo reconhecem a presença de Maria na história.

É como aquela que teve a participação direta no plano da redenção por ação do Espírito

Santo. A história da Salvação em Jesus tem a marcante presença de Maria. Dizer algo

contrário a esta verdade seria anular não somente Maria, mas a importância das

Escrituras Sagradas para o cristianismo.

5. As origens da novena na Igreja católica

Até o momento foi abordado em síntese à importância devotada a Maria desde os

relatos bíblicos e a experiência na época patrística. Certamente existem outras, como

por exemplo, Maria na tradição da Igreja. A história do dia a dia de Maria e Jesus

também é parte de um contexto histórico-cultural e religioso, e a memória de um povo

significa muito aos olhos de Deus e da humanidade24.

Aqui vale considerar que na origem da novena cristã, não se teve a preocupação

com a Missa, mas com a vinda do Espírito Santo. Menos ainda que a novena tenha sido

constituída como a primeira parte da celebração eucarística; foi uma forma de

manifestar a fé na vida nova depois da Ressurreição de Cristo. Ele prometeu enviar o

Paráclito, o Espírito Santo para recordar todos os seus ensinamentos (cf. Jo 14, 26).

Portanto, a novena a Maria é posterior à novena ao Espírito Santo. De fato, este

23“[...] dirigiu-se às montanhas, não por falta de fé [...], mas guiada pela felicidade de ver cumprida a promessa [...], impulso interior da sua alegria”. Da exposição sobre o Evangelho de São Lucas, de Santo Ambrósio, bispo. (Lib. 2, 19. 22-23. 26-27: CCL 14, 3942). In: Liturgia das Horas. Ofício das Leituras, 21 de Dezembro. 24“A reflexão a cerca de Maria vai além dos dados bíblicos, pois incorpora a memória coletiva e seletiva da Tradição, servindo-se da evolução do culto (liturgia e piedade) e do dogma. Por outro lado, a imagem bíblica de Maria permanece como centro irradiador, que legitima e reorienta a Tradição” (MURAD, 2012, P. 123).

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acontecimento marcante na história da Igreja, se deu no dia de Pentecostes quando os

apóstolos, Maria e gente de várias nações estiveram reunidos em oração (cf. At 2, 1-13).

6. As proibições de culto a imagens pelos iconoclastas

As inúmeras dificuldades encontradas nos tempos de proibições do culto de imagens

marcam profundamente a história da devoção dos santos e, particularmente, de Maria,

As “disputas iconoclastas25 constituem uma questão considerada por estudiosos como,

Antonio Schneider, disputas iniciadas na época pelo Imperador Leão III e certamente

com influências de cunho mais político que religioso.

O papa Gregório II, para defender a piedade do povo de Deus e garantir que não se

trata de idolatria, fundamenta sua visão diante do Imperador Leão III. Isso ajudou a

Igreja a sentir-se motivada a difundir a piedade mariana sem preocupar-se com as

acusações do Imperador Leão III26. Então o culto, na sua etimologia cristã, refere-se à

adoração ao Deus único, culto que celebra a revelação de Deus na criação, e neste

sentido, a Virgem Maria é agraciada quando proclama as maravilhas de Deus na sua

vida: “O todo Poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu nome é santo [...]” (Lc 1,

49). Nessa mesma linha de pensamento foi iniciado o culto a imagens de santos no

Oriente, em vista de louvar e adorar o único Deus. Como em alguns lugares as imagens

25“As disputas a respeito da liceidade do culto e da veneração das imagens dos santos certamente influíram numa sensível mudança na piedade mariana. Por estas disputas as devoções em geral e a devoção mariana em particular forma centrando-se mais e mais em tipos iconográficos precisos e fixos que, sem o querer vão afastando a “devoção” do mistério integral. Um dos argumentos mais fortes que o Concílio Niceno II usou para justificar o uso e a veneração das imagens foi o da Tradição, que remonta a Constantino, à época do primeiro dos seis concílios Ecumênicos que nunca impugnaram. O Concílio cita testemunhos dos santos padres”. SCHNEIDER, Antonio. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Aparecida: Santuário, 1991, p. 27-28. 26“Tu dizes que nós adoramos pedras, paredes e tábuas, não é como dizes, Imperador, mas para a nossa memória seja despertada e para que nossa mente estúpida, ignorante e grosseira seja elevada e dirigida, para o alto por aqueles que têm esses nomes, essas prerrogativas e de que são essas imagens [...]; longe de nós, pois não depositamos nelas nossa esperança”. Papa Gregório II. Primeira carta sobre as sagradas imagens. In: SCHNEIDER, Antonio, 1991, p. 28.

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eram consideradas divindades, houve um argumento chave para os defensores da

iconoclastia, inclusive o Imperador Leão III porque seria contraditório à Bíblia o fato de

imagens substituírem o próprio Deus (cf. Ex 20, 3).

7. Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (um breve histórico)

A devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro é ligada a um ícone que teria

sido roubado de Creta para ser vendido em Roma. Conforme relatos, o ícone não tinha o

nome que conhecemos hoje. Era o ícone da Virgem da Paixão. Foi a partir da sua

descoberta em Roma que iniciou a devoção a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e se

expandiu pelo mundo ocidental tornando-se uma das maiores devoções na Igreja

católica.

Com as marcas de uma história que precede o culto mariano desde os primeiros

séculos da Igreja, a novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro é uma das mais

antigas. Ela surgiu, conforme historiadores, mais precisamente Antonio Schneider, da

experiência aparentemente simples, mas de profundo significado para a piedade cristã

católica. Trata-se de um sinal da conversão daquele que roubara o ícone, e a partir das

terras distantes da Itália, o mundo começou a conhecer a grandeza de Deus por

intermédio do ícone da Virgem27.

27“Um comerciante de Creta roubou este quadro de Nossa Senhora de uma Igreja daquela ilha, onde operou muitos milagres [...]. Durante a viagem, levantou-se violenta tempestade; a tripulação já começava a perder a esperança e, mesmo sem saber do quadro, fez vários votos a Deus e a nossa senhora para escapar do naufrágio. Com a proteção de Deus chegaram realmente ao porto desejado [...]” (Schneider Antonio, 1991, p. 46).

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8. O ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

Com a chegada do ícone a Roma, muitas histórias foram surgindo, demonstrando a

importância da piedade das pessoas devotas28. As experiências de devoções pessoais e

comunitárias foram resultado de um longo processo envolvendo as mais variadas

situações de povos e nações.

Independente de ser original ou cópia, o ícone da Virgem foi recuperado e encontrou

em Roma um lugar para ser cultuado por três séculos: a Igreja de S. Mateus, sob a

custódia dos monges agostinianos. Devido à invasão de Roma por Napoleão Bonaparte,

o ícone desapareceu. Somente em 27 de Abril de 1866 foi solenemente confiado pelo

Papa Pio IX aos cuidados dos padres redentoristas29.

Então o ícone foi classificado na teologia dos sinais, tema de longa abrangência nos

estudos teológicos. Por vários motivos, as pessoas descobrem a presença de Deus por

meio dos sinais. O povo de Israel, durante a caminhada para a terra prometida, sofreu e

contou também com o auxílio do Senhor por meio de sinais. “Moisés intercedeu pelo

povo e o Senhor respondeu-lhe: Faze uma serpente de abrasadora e coloca-a em uma

haste. Todo aquele que for mordido e contemplar viverá” (Nm 21, 7c-8 a.). Assim se

revelou na vida do povo de Israel a face de um Pai que não abandona as súplicas do seu

povo. Portanto a teologia dos sinais tem fundamentos bíblicos desde o início da história

do povo de Deus.

28“O quadro, digno produto da arte bizantina, foi exposto à veneração pública numa igreja na ilha de Creta, cujo nome também não é conhecido. O povo católico, que se sentiu atraído pelo quadro cheio de simbolismos, passou a rezar diante dele com grande confiança e não ficou desiludido. Logo se ouviu falar de graças extraordinárias alcançadas e isto aumentou a fama do quadro. Um belo dia desapareceu [...], um rico comerciante cretense, que tinha ligações com o Ocidente, havia secretamente subtraído o quadro, chegou com o quadro na Itália. Compreende-se que logo surgiram cópias do quadro tão característico, seja no tempo em que esteve em Creta ou depois que ele desapareceu”. Schneider, Antonio. 1991, p 41-42. 29 Cf. Schneider, Antonio. 1991, p. 51-55.

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Ainda no contexto da revelação divina, por meio de sinais, podemos lembrar o

exemplo de Moisés na sarça que não se consumia (cf. Ex 3, 2-20), como também a

coluna luminosa pela qual o Senhor guia, acompanha e protege o seu povo (cf. Ex 13,

21-22; 14, 17-15,10). Os sinais teofânicos encontram seu pleno cumprimento em Cristo,

o Filho amado do Pai (cf. Mt 17, 1-9), aquele que venceu a morte para sempre (cf. Jo

20, 15-18), e se tornou o sinal visível do Pai no mundo (cf. Cl 1, 15-16).

Em nossos dias a presença dos sinais de Deus continua fortemente na história da sua

Igreja. Trata-se da revelação de Deus não apenas como no AT, mas nos acontecimentos

de salvação que encerram no próprio Cristo, o Filho único do Pai, e finalmente na sua

Igreja continuadora da transmissão desta revelação divina. Basta percebermos nas ações

litúrgicas (principalmente nos sinais do pão e do vinho) que atualizam em cada

celebração a presença pascal do Senhor30.

Dessa forma, no caminho em busca de uma vida sem males, as pessoas têm

recorrido aos intercessores que apontam para a fonte da Vida. Maria, a mãe do Perpétuo

Socorro, se tornou a intercessora no NT desde a Galiléia. “Então a mãe de Jesus disse:

Eles não têm mais vinho. Sua mãe disse aos serventes: fazei tudo o que ele vos disser”

(Jo 2, 3b.5). Com poucas e sábias palavras, a Virgem previne o Filho sobre as reais

necessidades do povo que o segue.

Não muito distante de Israel, as nações vivenciam as mais variadas experiências do

“sagrado” e mais precisamente da bondade de Deus por meio de Maria, que assume a

30“[...]. A seu tempo chamou Abraão afim de fazer dele um grande povo (cf. Gn 12, 2-3), ao qual depois dos patriarcas, ensinou por meio de Moisés e dos profetas, a reconhecê-lo como único Deus vivo e verdadeiro, Pai providente e justo juiz, e a esperar o Salvador prometido. E assim preparou ao longo dos séculos, o caminho para o Evangelho [...]. Jesus Cristo, portanto, verbo feito carne, enviado como homem aos homens, profere as palavras de Deus (cf. Jo 3, 34) e consuma a obra salvífica que o Pai que lhe confiou (cf. Jo 5, 36; 17, 4). Eis porque Ele, ao qual quem vê vê também o Pai (cf. Jo 14, 9), pela plena presença e manifestação de Si mesmo por palavras e obras, sinais e milagres, especialmente por sua morte e gloriosa ressurreição dentre os mortos, enviado finalmente o espírito de verdade, aperfeiçoa e completa a revelação e a confirma com o testemunho divino que Deus está conosco para libertar-nos das trevas do pecado e da morte e para ressuscitar-nos para a vida eterna” (DV 163-164).

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herança de Israel enquanto povo a caminho da vida segundo a vontade de Deus. A

sabedoria do Pai envolve os que nele acreditam. A longa história do ícone de Nossa

Senhora do Socorro ou do Perpétuo Socorro faz alusão à piedade do povo que recorria à

mãe de Deus nas horas de dificuldades.

9. A difusão da devoção à Virgem do Perpétuo Socorro com os agostinianos e os

redentoristas em Roma

Sobre a difusão da devoção à Virgem do Perpétuo Socorro, percebemos que é uma

experiência ligada historicamente à sua descoberta na ilha de Creta31. Ou seja, lá já

havia um grande número de devotos, pois era o lugar onde possivelmente tenha sido

construído o ícone da Mãe da Paixão. Chegando a Roma, o ícone foi venerado por

muitos anos sob os cuidados dos padres agostinianos. Ali tiveram a oportunidade de

renovar o amor pela Virgem do Socorro.

Antes de descrever sobre a difusão faz-se necessária uma alusão ao que se pode

chamar de “nova devoção”32 na piedade cristã católica voltada ao culto a Virgem Maria.

Esta terminologia se deve aos acontecimentos contra a devoção ao ícone da Virgem, que

ocasionou mudanças consideráveis. Com isso estabeleceu-se um novo jeito de cultuar

Maria, o que não contribuiu muito para a permanência das características próprias da

piedade dos fiéis. Por exemplo, certo distanciamento do mistério central do culto

cristão, ou ainda uma espécie de culto desligado da Eucaristia.

31“A piedade e a própria ideia do socorro mariano aparecem primeiro no Oriente. Lá, muito antes que no Ocidente, começaram a centrar-se em lugares invocações e imagens, que serão a origem das festas litúrgicas particulares. Não obstante, também no Ocidente essa ideia e essa piedade já são conhecidas há séculos”. SCHNEIDER, Antonio, 1991, P. 31. 32“A devoção e o culto a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro não tem a pretensão de ser algo novo, mas apenas uma restauração de um culto e uma devoção que eram prestados à Virgem sob este título na antiga Igreja de S. Mateus. [...]. Nada se sabia de seu culto litúrgico, das orações dos fiéis, das formas e manifestações de sua antiga devoção. Apenas existia o mistério de um monumento mariano que inexplicavelmente caíra no esquecimento”. HENZE, C. Mater de Perpetuo Sucurso. In: Schneider, Antonio. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. 1991, p. 88.

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A expressão “nova devoção” é entendida também a partir de dois momentos na

história da veneração à Virgem do Perpétuo Socorro: 1) Depois das perseguições por

parte dos iconoclastas, muitas características da forma de culto foram perdidas, ou seja,

não se tinha o registro das verdadeiras orações litúrgicas e da missa votiva a Nossa

Senhora do Perpétuo Socorro. Por outro lado, o tempo em que o ícone da Virgem ficou

perdido, dificultou uma reelaboração dos padres agostinianos sobre a forma de

celebração votiva a Nossa Senhora do Socorro, e consequentemente sob a custódia dos

redentoristas, o culto a mãe do Perpétuo Socorro, adquiriu uma restauração do rito,

ligado ao estilo do próprio fundador da congregação, Santo Afonso Maria; 2) Com a

difusão da devoção à Virgem do Perpétuo Socorro especialmente no Brasil, foram

inseridos elementos de cunho pentecostal, como por exemplo, o estilo carismático de

celebrar, o que tem prejudicado no que diz respeito ao sentido teológico e litúrgico da

novena e também da missa. Por fim, “nova devoção” está mais ligada à restauração do

ícone e dos textos litúrgicos da novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mantendo

o espírito de uma verdadeira piedade mariana33.

33“No início da restauração oficial do culto até 1876, o ofício e a missa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro eram os mesmos de Nossa Senhora do Socorro. Por necessidade e talvez pela própria prática agostiniana, a devoção que agora voltava a adquirir um esplendor nunca visto combinava com a devoção a Nossa Senhora do Socorro. Mas, quem examinar as orações extralitúrgicas em honra de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro encontrará uma diferença substancial entre essas devoções. Tudo indica que a devoção geral ao Socorro de Maria não era conhecida pelos instauradores da Igreja do SS. Redentor e Santo Afonso. Por isso é compreensível que eles se fixassem no título do quadro milagroso e, ao procurarem formar uma espiritualidade mariana em torno do mesmo, com redentoristas, seguissem santo Afonso quase ao pé da letra. Como se dizia: “sob o título e a invocação da Bem-Aventurada Virgem Maria do Perpétuo Socorro e de Santo Afonso”, porque o quadro da Virgem era venerado na Igreja de Santo Afonso em Roma [...]. Era o começo de uma devoção nova, baseada fundamentalmente numa imagem particular, num título próprio, e numa espiritualidade mariana peculiar [...]. “O culto da Bem-Aventurada Virgem do Perpétuo Socorro, de fato, não se estende a um mistério da vida da Mãe de Deus, nem a um título da mesma Virgem Mãe. A veneração tem por objeto a própria imagem exposta em Roma, em nossa Igreja de Santo Afonso, ou suas reproduções [...]. Esta doutrina da mediação universal de Maria, que de todas as graças nos vêm por seu intermédio, é o fundamento natural, espontâneo que supõe nosso constante recurso a ser perpétuo auxílio, e daí brotou também o título de Perpétuo Socorro. Pois, se Deus não nos dispensa graça alguma senão por meio de Maria, esta Mãe de Cristo e nossa Mãe, por disposição providencial de Deus, pode e deve socorrer-nos perpetuamente em todas as circunstâncias da vida, e de fato nos socorre, de tal sorte que, com sua intercessão, conseguimos todas as graças de que precisamos para nossa eterna salvação”. Beta Virgo de perpetuo

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Isso não significa que devoção à Virgem do Perpétuo Socorro tenha perdido o seu

valor enquanto culto mariano, mas poderá gerar certos erros que não ajudam a viver o

que realmente se propõe como novena desde o seu surgimento na Igreja. É o que se

constata pela seriedade do autêntico ato de piedade mariana, reconhecido pela Igreja

desde os seus primórdios34. A sabedoria de ver com bons olhos o devocional do povo de

Deus sem, contudo, orientar para que não seja apenas um “fanatismo” religioso.

O Papa Pio IX, na pessoa do seu vigário geral, o Cardeal Patrizi, dirigiu um

convite aos fiéis e padres redentoristas. Isto favoreceu uma rápida difusão da devoção à

Virgem do Perpétuo Socorro em várias partes do mundo35, que segundo alguns

estudiosos, como Antonio Schneider e Nilza Botelho Megale, essa devoção mariana se

espalhou em todo o planeta. Daí que se propagou rapidamente a novena a nossa Senhora

do Perpétuo Socorro também no Brasil, que tem tido uma aceitação considerável.

O desejo dos superiores gerais da Congregação do Santíssimo Redentor, na época,

foi determinante para a propagação do “socorro de Maria”. Em vários momentos

percebe-se que o fundador da Congregação tinha como prioridade a devoção a Maria.

É parte da constituição da Congregação Redentorista a especial devoção mariana.

Neste contexto é que Santo Afonso Maria, exorta os seus irmãos de congregação e

Succursu. Roma 1876:, P. Meerschaut: De imaginibus BVM de Perpetuo Succursu- Analecta, C.Ss.R. In: Schneider, 1991, p. 89-94. 34“A piedade da Igreja para com a Santíssima Virgem é intrínseca ao culto cristão” (MC 56). A santíssima Virgem “é legitimamente honrada com um culto especial pela Igreja. Com efeito, desde remotíssimos tempos, a Bem-Aventurada Virgem é venerada sobre os títulos de “Mãe de Deus”, sob cuja proteção os fiéis se refugiam suplicantes em todos os seus perigos e necessidades. [...]. Este culto [...] embora inteiramente singular, difere essencialmente do culto de adoração que se presta ao Verbo encarnado e igualmente ao Pai e ao Espírito Santo, mas favorece poderosamente” (LG 66); este culto encontra sua expressão nas festas litúrgicas dedicadas á Mãe de Deus (SC 103) e na oração mariana, tal como o santo rosário, “resumo de todo o Evangelho”. MC 42” (cf. CIC 971). 35“[...] mostrai agora vosso amor a Maria! Vossos antepassados tiveram grande devoção a Nossa Senhora sob o título de “Perpétuo Socorro”. Segui seu exemplo! Recorrei a ela nas vossas angústias e necessidades. Esta boa mãe não cessará de ajudar-vos até que vos veja no céu para gozar eternamente o fruto do seu “perpetuo socorro””. HENZER, C. Mater de Perpetuo Sucurso. In: Schneider, Antonio, 1991, 66-67.

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demais fiéis da sua época36. Do mesmo modo deveria ser parte constitutiva da

espiritualidade de cada pessoa cristã. Sabe-se que a presença de Maria é, como já foi

mencionado, marco importante na vida de fé da Igreja.

O fator marcante na difusão da devoção à Virgem do “Perpétuo Socorro” foi o

surgimento de muitas igrejas com este título. Inicialmente na Europa, os redentoristas

conseguiram o apoio para a construção de grandes conventos e igrejas em honra à

Virgem do Perpétuo Socorro.

10. A novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Tocantinópolis

A região na qual está situada a Diocese de Tocantinópolis é terra de missão. Como

extremo norte goiano viveu experiências de fé com o auxílio de missionários franceses,

tendo como o bispo D. Alano, de Porto Nacional, até então era da diocese de Goiás.

A Diocese de Tocantinópolis atualmente está situada no extremo norte do Estado do

Tocantins. É uma das dioceses que compõem o mais novo Regional da CNBB,

pertencente à província eclesiástica de Palmas, capital do Tocantins. Até 2013 esta

diocese pertencia à Província Eclesiástica de Goiânia, Regional Centro Oeste. Tem 27

paróquias numa vasta extensão territorial com quarenta municípios. A sede da diocese

de Tocantinópolis é a cidade do mesmo nome.

É uma Igreja marcada pelos conflitos agrários, elevado número de desemprego.

Culturas diversas formaram esta parte do Brasil. São muitas as iniciativas pastorais na

região e com uma boa participação de movimentos e fortes expressões de piedade

popular. Grande parte é ligada a grupos que já receberam como herança tais

manifestações de fé. 36 “Não deixemos jamais de recomendar-nos à divina Mãe [...] essa boa mãe não deixará de cuidar de nós [...] de tornar-nos santos”. Dos escritos de Santo Afonso a seus padres e irmãos em 1774. In: Schneider Antonio, 1991, p. 63.

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Das várias experiências existentes na Diocese de Tocantinópolis, escolhemos

como objeto de estudo, a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. As expressões

de piedade popular estão ligadas à história da Igreja de Tocantinópolis, antes mesmo da

chegada dos primeiros missionários franciscanos e dominicanos.

Ainda como prelazia de Tocantinópolis, no ano de 1962 deu-se início a esta

prática de piedade popular na região. Os padres redentoristas visitaram algumas cidades

do Estado de Goiás. Na época, Tocantinópolis fazia parte do mesmo Estado e era uma

das cidades mais movimentadas. As primeiras cidades e povoados que receberam a

visita dos padres redentoristas foram Araguatins, São Sebastião, Axixá, Sítio Novo,

Itaguatins, Nazaré e a sede da prelazia, Tocantinópolis.

Na primeira visita missionária (missões populares), os padres redentoristas deixaram

as sementes do trabalho. Espalharam a importância da devoção a Nossa Senhora do

Perpetuo Socorro nas comunidades conforme o espírito do fundador da congregação.

Dez anos depois os redentoristas retornaram a então diocese de Tocantinópolis. A

visita consistia em renovar e reanimar a devoção à Virgem do Perpétuo Socorro entre os

fiéis. Naquele período foi constatado o considerável avanço.

Destas experiências foram surgindo paróquias em honra a Nossa Senhora do

Perpetuo Socorro. Atualmente são quatro em cidades diferentes: Aragominas,

Araguanã, Filadélfia e Buriti (este último sede municipal)37.

Destaca-se neste contexto a paróquia São Sebastião, em Araguaína, que tem como

copadroeira a Virgem do Perpétuo Socorro, e com o auxílio dos padres orionitas tornou-

se uma paróquia onde grande número de fiéis se reúne semanalmente para a novena a

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

37 Fonte dos dados: Pe. Carmelo di Grigório (entrevistado). Padre da Congregação dos padres de D. Orione (PODP). É um dos primeiros missionários orionitas a chegar à Prelazia de Tocantinópolis. Devoto da Virgem e de uma memória espetacular. Atualmente reside no Seminário (Pe. Patarelo) da sua congregação em Araguaína-TO).

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Consideramos que pequenas igrejas (capelas) foram também construídas por conta

da difusão da devoção à Virgem do Perpétuo Socorro; isto indica uma boa aceitação em

grande parte dos ministros ordenados e leigos.

O que se destaca como positivo nestes anos de piedade popular é a celebração da

novena (modelo dos padres redentoristas) em quase toda diocese. As paróquias, na sua

maioria, acolheram e ficou a terça-feira o dia mais apropriado.

Importante na história de Tocantinópolis é que no decorrer dos anos vem

aumentando a dedicação. Apesar de ser num dia de semana, a participação dos fiéis tem

sido em grande número. Em algumas cidades muitas pessoas consideram como se fosse

a celebração dominical. Este comportamento se deve também, ao que na novena veio

como “apêndice”, que são as bênçãos sobre as pessoas e objetos. Estas bênçãos são

sacramentais, ou seja, não fazem parte dos sacramentos enquanto tais.

Na verdade a celebração da novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese

de Tocantinópolis acontece a partir de um pequeno manual da novena divulgado pelos

missionários redentoristas que tem como título: Novena Perpétua a Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro. Neste mesmo livrinho contém um pouco da história do ícone da

Virgem, a oração a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, e seguem a celebração com

ritos iniciais, um momento penitencial, oferecimento e intenções, orações pela Igreja,

pelos sacerdotes, religiosos, vocacionados, famílias, enfermos, idosos (este momento é

sempre intercalado com os fiéis). Por fim a liturgia da Palavra e as bênçãos sobre os

doentes, objetos de devoção e todo o povo38 .

Vale lembrar que as pessoas buscam com mais naturalidade aquilo que em

linguagem simples se oferece. É o que no inicio deste capítulo foi mencionado sobre

expressões de religiosidade e piedade popular. O sentido da bênção (sacramental) na

38 Cf. CARLOS, Silva da. Novena Perpétua a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. ed. 108ª. Aparecida: Santuário, 2006.

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vida das pessoas tem sido também esquecido. Talvez seja por motivo de um

secularismo no qual a liberdade religiosa significa “esquecer” ou ignorar o antigo. Ou

ainda, “não faz mais sentido” esse tipo de ritos “ultrapassados” na história.

Apesar dos avanços no conhecimento percebemos que, na história de Deus com

Abraão, a bênção é sinal da presença do próprio Deus. “Eu farei de ti um grande povo,

eu te abençoarei [...], por ti serão benditos todos os clãs da terra” (Gn 12, 2-3). Deus

abençoa seu povo e promete o aumento da sua família no mundo.

Quanto às expressões de piedade, o documento de Aparecida valoriza e desperta o

cuidado pastoral. As experiências de fé na Igreja do Brasil por meio de gestos são

carregadas de profundo sentido de espiritualidade39. Com sabedoria, o documento

motiva os leitores a buscar uma experiência transcendental. Este estudo pressupõe o

mínimo de conhecimento dos níveis histórico, antropológico, político, social, religioso,

cultural e litúrgico, em vista de uma compreensão mais sensata das celebrações

litúrgicas. Sabe-se que as dificuldades vêm de longos anos. A pressa de inserir

determinadas experiências religiosas sempre deixará lacunas.

Em Tocantinópolis as experiências têm fluido com bastante naturalidade. Às vezes

sem o mínimo de atenção para um aprofundamento sobre as riquezas de uma piedade

popular encarnada na sua história. A diocese de Tocantinópolis, no seu Plano de

Pastoral, reconhece a necessidade da difusão e valorização da piedade popular. Este

39“Entre as expressões dessa espiritualidade contam-se: as festas patronais, as novenas, os rosários e via sacras, as procissões, as danças e os cânticos do folclore religioso, o carinho aos santos e anjos, as promessas, as orações em família [...]. A piedade popular penetra delicadamente a existência pessoal de cada fiel e, ainda que se viva numa multidão, não é uma “espiritualidade de massas”. Nos diferentes momentos da luta cotidiana, muitos recorrem a algum pequeno sinal do amor de Deus: um crucifixo, um rosário, uma vela que se acende para acompanhar um filho em sua enfermidade, um Pai Nosso recitado entre lágrimas, um entranhável a uma imagem querida de Maria, um sorriso dirigido ao Céu em meio a uma alegria singela. [...]. Não podemos desvalorizar a espiritualidade popular ou considerá-la como modo secundário da vida cristã, porque seria esquecer o primado da ação do Espírito e a iniciativa gratuita do amor de Deus”. DAp, n. 259; 261; 263.

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trabalho contribuirá também para a formação sobre a importância da liturgia e piedade

popular na Diocese, a partir dos elementos histórico-teológicos.

Por estas razões, a iniciativa missionária dos padres redentoristas tem sido valorizada

em Tocantinópolis. A esperança é de que, no decorrer dos anos, todas as experiências de

piedade popular sejam iluminadas em comunhão com a liturgia, em vista da

participação dos fiéis.

Certamente, cabe aos primeiros responsáveis pela animação litúrgica nas paróquias e

comunidades, um conhecimento mais aprofundado para ajudar na consciente promoção

das riquezas populares como expressão também de fé.

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CAPITULO II: A Teologia Litúrgica

Quando falamos em teologia litúrgica, referimo-nos ao universo epistemológico da

liturgia. Isso implica que a teologia litúrgica é um conhecimento necessário e

indispensável para a compreensão da celebração do culto cristão.

A partir dos relatos sobre a história e os elementos teológicos abordados no primeiro

capítulo, particularmente sobre a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro como

devoção à Virgem Maria na Diocese de Tocantinópolis, queremos aprofundar este tema

central do nosso trabalho com a teologia litúrgica, em vista do agir, que será o conteúdo

do terceiro e último capítulo. Em outras palavras, por meio deste segundo capítulo,

queremos iluminar o primeiro com a teologia litúrgica e com mais segurança sugerir

propostas de perspectivas pastorais específicas para a Diocese de Tocantinópolis na

relação entre a liturgia e a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

Para realizar o intento proposto no capítulo, abordaremos teólogos da teologia

litúrgica como Lambert Beauduin, Emanuel Caronti, Romano Guardini, Maurice

Festugière, Odo Casel (A doutrina do mistério na Patrística, na Escolástica, no Concílio

de Trento e na MD), Cipriano Vagaggini e Salvatore Marsili. E, ainda, o que significou

a Encíclica Mediator Dei de Pio XII no contexto teológico-litúrgico e, sobretudo, a

própria Constituição Sacrosanctum Concilium, do Concílio Ecumênico Vaticano II, que

recebeu todo o acervo de conhecimentos durante o longo tempo de aprofundamento

teológico sobre a liturgia. Deste modo, o precioso trabalho dos teóricos da teologia

litúrgica nos ajudará entender a conexão entre os temas do primeiro e último capítulo da

dissertação.

A teologia litúrgica é base indispensável para a compreensão do culto cristão. Não

resta dúvida de que ela será também luz para o culto devocional à Virgem Maria. Em

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outras palavras, devemos entender que não se trata de dois cultos, mas do mesmo e

único culto cristão, pois com Maria aprendemos a fazer do Cristo o centro do mistério

celebrado: “fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Assim sendo, podemos dizer que

o culto à Virgem Maria não poderá ser compreendido sem a sua base teológica, porque

a mãe de Cristo ocupa um lugar relevante como cooperadora na história da Salvação,

que celebramos em cada páscoa semanal.

É pertinente dizer que se trata de um estudo científico, estudado como um todo

nas várias perspectivas teológicas, colaborando para o conhecimento das verdadeiras

origens do culto cristão e mariano, com toda a sua riqueza subjacente nos gestos e

simbolismos de cada ação ritual. Portanto, antes da exposição dos principais teóricos da

teologia litúrgica, faremos uma breve abordagem sobre o caráter científico da liturgia,

que ajudará na compreensão do resultado das pesquisas realizadas pelos já referidos

teóricos ou expoentes da teologia litúrgica.

1. A teologia litúrgica no universo científico

Do ponto de vista histórico, a ciência litúrgica foi objeto de estudo para aprofundar a

compreensão do mistério celebrado. A fé, enquanto dado revelado, é o elemento

epistemológico fundamental que diferencia a teologia das demais ciências, porque é o

dado da revelação divina que permite as reflexões teológicas sistemáticas sobre a

liturgia.

Neste vasto universo da teologia litúrgica, os escritos bíblicos e patrísticos (cf.

capítulo I, n. 4), são referenciais importantes para esse estudo assim como documentos

do magistério da Igreja. Ademais, os estudos realizados no campo teológico-litúrgico

têm obtido resultados positivos e, sem dúvida, o contexto histórico de cada época

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contribuiu para os avanços ou retrocessos na compreensão do mistério celebrado. Ou

seja, contaremos com o auxílio das características marcantes de cada período histórico

na Igreja e na sociedade em geral, como por exemplo, a evolução científica e

tecnológica que estão diretamente ligadas ao conhecimento também da teologia e que

proporcionam o aprofundamento da ciência litúrgica como um todo40.

Desde a Idade Média, passando pelo Iluminismo, muitos acontecimentos

influenciaram os estudos litúrgicos, e como toda ciência, a teologia litúrgica também

sofreu inúmeras “crises” no seu processo histórico41. Mesmo assim, houve progressos

consideráveis, e isso colaborou para as várias experiências teológicas amadurecer e

atingir maior aperfeiçoamento.

Outro destaque na história da teologia litúrgica foi a Idade moderna. Nela, surge o

Movimento litúrgico, que vai do final do século XVIII Até o século XX. Este

40“A liturgia cristã é uma realidade muito rica e polivalente que pode ser analisada sob numerosos aspectos. É inegável que se trata de uma realidade unida à fé e à expressão pessoal e social dos membros da Igreja. Isso faz com que a ciência que tem como objeto a liturgia procure abranger todos os aspectos do fato litúrgico e, de maneira especial, aqueles que se referem à sua realização atual [...]. Por ciência litúrgica se entende o corpo de conhecimentos organizados e sistemáticos sobre a liturgia em toda sua amplitude [...]. O conceito de liturgia é essencialmente teológico, mas abrange também a dimensão expressiva e simbólica, isto é, antropológica da celebração [...]. A moderna ciência litúrgica começa no século XVI com os primeiros estudos dedicados à liturgia. Contudo, isso não significa que até esse momento não existira reflexão teológica sobre a liturgia [...]. De fato, já no Novo Testamento se pode ver os primeiros vislumbres de uma noção dos sacramentos cristãos na perspectiva da história da salvação e levando em consideração a própria celebração. Como por exemplos poderiam ser citados: 1Cor 10, 1-11; Rm 6, 4-10; Ef 5, 22-33; 1Pd 2, 1-2; Jo 3, 3-5. Por sua vez, as primeiras prescrições eclesiásticas da liturgia (Didaché, Traditio Apostolica de Hipólito, Constituitiones Apostolorum, Testamentum Domini). Não se limitam a dar normas, mas também justificam a maneira de proceder aludindo ao significado dos ritos e à sua importância e dignidade. A mesma coisa acontece com o bispo de Roma e de outro bispos para solucionar os problemas litúrgicos concretos – por exemplo, a carta de Inocêncio I a Decêncio de Gúbio (416), a do papa Virgílio a Profuturo de Braga (538). Os santos padres compuseram as catequeses mistagógicas e deixaram em homilias e tratados elementos suficientes para uma autêntica teologia da liturgia”. LÓPEZ MARTIN, Julián. A liturgia da Igreja: Teologia, história, espiritualidade e pastoral. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 48-50. 41“Durante a Idade Media, percebeu-se a necessidade explicar os ritos litúrgicos ao povo [...]. No século do Iluminismo, a ciência litúrgica experimentou um progresso notável no nível dos estudos e publicações [...]”. LÓPEZ MARTIN, Julián. 2006, p. 50-51.

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movimento, por sua vez, prepara, depois da Reforma protestante, um caminho de

restauração da liturgia, a começar pela Europa, por iniciativa monástica42.

No século XX começou então um aprofundamento da episteme litúrgica, ou seja, os

estudos sobre a liturgia ganharam uma dimensão mais científica, em vista de uma

melhor compreensão do universo histórico da liturgia43 enquanto ciência litúrgica.

Vale ressaltar que a ciência litúrgica tem suas orientações ou fundamentos principais

nos dados teológicos e antropológicos. É uma visão equilibrada para os tempos atuais

depois de trabalhos realizados pelos estudiosos e o próprio magistério da Igreja. Em

outras palavras, a liturgia é antes, a ação reveladora de Deus (dado teológico) na história

do seu povo (dado antropológico). Esta experiência divina na história humana se dá no

ato celebrativo: o mistério pascal de Cristo.

Enquanto ciência, a liturgia não é isolada das demais ciências; pelo contrário,

existe uma interdisciplinaridade entre a ciência litúrgica e demais ciências, sobretudo

aquelas que são afins à liturgia44. Ou seja, a liturgia encontra-se num universo que

42“França, com P. Guéranger, em Solesmes, depois Alemanha, Bélgica, Espanha, Inglaterra e Itália” (cf. LÓPEZ MARTIN, Julián. 2006, p. 51). 43 “No século XX podem ser distinguidas três fases sucessivas no desenvolvimento da ciência litúrgica, cada uma presidida por uma tendência epistemológica predominante. Todas têm em comum o abandono de um tratamento da liturgia meramente rubricista ou jurídico-cerimonial. 1. Fase histórica e filológica. Os pioneiros da análise científica da liturgia se movimentam no âmbito da história da liturgia, cujo método aperfeiçoaram [...]. Ao mesmo tempo, a obra dos pesquisadores e divulgadores da história da liturgia deixou clara a necessidade de uma reforma profunda, uma vez que trazia os elementos para levá-la a cabo. Desses estudos se beneficiaram tanto as reformas litúrgicas parciais realizadas por Pio XII na década de 1950 como a reforma geral promovida pelo Concílio Vaticano I. 2. Fase teológica. Os resultados da história da liturgia e da filologia propunham não somente uma interpretação dos dados históricos e literários relativos aos ritos, mas também a questão fundamental sobre a essência da liturgia cristã. No fundo, existe não somente o problema hermenêutico da leitura dos dados históricos do passado, mas também a grande pergunta da passagem do significado histórico dos ritos para a verdade permanente de sua essência e de sua inserção na realização atual do desígnio salvífico da Deus na vida Igreja. 3. Fase pastoral e antropológica. A preocupação pastoral apareceu desde o momento em que o papa Pio X propôs a participação ativa dos fiéis [...]. Entre os primeiros incentivadores dessa nova tendência da ciência litúrgica encontram-se L. Beauduin (+1960), R. Guardini (+1968) e J. A. Jungmann (+1974)”. In: LÓPEZ MARTÍN, Julián. p.51-54). 44 “Com efeito, a ciência litúrgica se serve da história de outras ciências auxiliares para apreciar, em cada época histórica, a relação entre a vida eclesial e a celebração litúrgica, entre os ritos e a cultura de um povo. A ciência litúrgica deve ao direito os critérios para julgar os valores de unidade e de diversidade nas formas de celebração, e para encontrar equilíbrio entre o universal e o particular [...]. A teologia não é uma ciência auxiliar da liturgia, mas sua verdadeira matriz. A teologia oferece à ciência litúrgica seus

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requer diálogo com outras ciências, que, de certa forma, ajudam no desenvolvimento da

própria teologia litúrgica.

Certamente outras ciências humanas têm colaborado com a ciência litúrgica. O que

antes foi abordado como dados ou vias do conhecimento teológico-litúrgico,

caracterizou o auxílio das riquezas de cada ciência no universo da liturgia. É nessa

experiência de diálogo que se percebe a importância da teologia litúrgica na história

milenar da Igreja. Eis porque este segundo capítulo apresentará a teologia litúrgica a

partir dos principais pensadores e estudiosos do tema.

2. Principais expoentes da teologia litúrgica

2.1. Guéranger

Quem começou o caminho que acabou adentrando o universo teológico da liturgia

foi o monge Próspero Guéranger (1805-1875), abade de Solesme. Foi por causa das

inquietações sobre a liturgia da sua época que Guéranger quis iniciar um movimento de

restauração da sagrada liturgia. Começou na própria vida monástica a sua missão de

melhorar a liturgia, que atravessava em toda a Igreja uma crise de descuido e

desinteresse45. Era para Guéranger a redescoberta da liturgia romana. Então se pode

dizer que a obra de Guéranger foi mais “restauracionista” que reformista. Seu papel foi

despertar a questão para toda a Igreja.

métodos positivo e especulativo [...]. A teologia bíblica, em especial, permite à ciência litúrgica situar a celebração na corrente dos fatos da história da salvação. Mas, junto com a teologia bíblica, se situa a teologia patrística para ajudar a interpretar os ritos e as formas sacramentais no contexto doutrinal, catequético e mistagógico no qual os Santos Padres explicaram e celebraram a liturgia”. LOPÉZ MARTIN, Julián. p. 59-60. 45“Com Guéranger não aconteceu uma contribuição suficientemente válida para a teologia litúrgica [...], alguns estudiosos consideram que Guéranger não pode ser tido como principal fundador do movimento litúrgico na França”. FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 76-78.

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Por isso havia necessidade, antes de tudo, de um aprofundamento teológico, pois

na época, a situação exigia um retorno às fontes litúrgicas, e as pessoas não tinham mais

o que antes fora ensinado pelos Santos Padres da Igreja, por exemplo, a consciência de

que a liturgia é ação de Cristo e da sua Igreja. Tudo isso foi se perdendo pelos inúmeros

acontecimentos também de ordem religiosa e espiritual na liturgia cristã católica.

2.2. Lambert Beauduin

No início do século XX, a Igreja teve um grande avanço nos estudos da liturgia, e o

monge Lambert Beauduin é considerado o animador do movimento litúrgico na Europa.

Ele despertou para uma tomada de consciência sobre o que se deveria rever na liturgia.

A sua preocupação inicial era promover uma reforma litúrgica, começando pela

reivindicação da participação dos fiéis nas celebrações litúrgicas, principalmente da

Eucaristia. Beauduin começou a escrever sobre a teologia da liturgia, dedicando parte de

sua vida a esse trabalho. Para ele a liturgia é uma experiência não apenas cultual, mas

eclesiológica e pastoral, com espiritualidade própria46. Tudo isso foi constatado pelo

tradicionalismo na Idade Média, com o qual Guéranger tinha sido influenciado nos seus

estudos sobre a liturgia.

Dá-se início, portanto, a uma nova fase de readaptação da vida das pessoas à

liturgia. Com este impulso de Beauduin, a Igreja se abre às propostas que estavam

surgindo. O grande desafio era realmente fazer chegar estas ideias de renovação

46“Dom Lambert Beauduin, com A piedade da Igreja (Lovaina, 1914), propôs a ideia de um retorno consciente da massa dos fiéis à liturgia e apresentou o que chamou de leis primordiais da santidade das almas [...] Com o congresso de Malines, em setembro de 1909, começou o movimento litúrgico clássico. O iniciador desse movimento foi Lambert Beauduin, que fez a liturgia dar um salto para diante no plano teológico. a pastoral litúrgica foi fundamental entre os anos 1909 e 1921, para o que são interessantes alguns pontos. A) O estudo da liturgia: 1º nível: a crítica histórica; 2º nível: o estudo da ciência ascética. B) A liturgia é a fonte da vida espiritual; c) A difusão e a formação litúrgica” (Dom Lambert Beauduin. A piedade da Igreja). In: FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica. São Paulo: Paulinas, 2006, 100.

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litúrgica às bases da própria Igreja. Tudo muito recente para uma estrutura eclesial que

há séculos vivia a liturgia sem o entusiasmo que as ações litúrgicas despertam no

coração dos crentes. A este enfraquecimento litúrgico Beauduin chama inicialmente de

decadência litúrgica47.

Beauduin motiva a Igreja para uma renovação litúrgica, movido pelos

acontecimentos da sua época, especialmente as influências do mundo moderno, numa

visão pastoral da liturgia, deixando algumas orientações práticas, cujo pressuposto era a

importância na formação dos fiéis sobre a sagrada liturgia48. É importante notar que

Beauduin teve iniciativas para um trabalho promissor na liturgia, com a preocupação de

que ela fosse difundida na Igreja, não apenas uma releitura das ações litúrgicas, pois na

verdade, ele quis imprimir o sentido teológico da liturgia. Sabemos que muitas pessoas

não queriam abandonar as práticas cristalizadas por um longo período, o que é comum

em todo processo de adaptação às novas realidades e inovações na liturgia49. Não se

tratava de mudar o essencial do culto cristão, mas criar uma metodologia que pudesse

ajudar na mudança de mentalidade. Assim o monge Beauduin anunciava um futuro

promissor, pois a Igreja se preparava para o Concílio Vaticano II, e seu trabalho muito

colaborou para que a liturgia fosse uma das prioridades do Concílio50.

47“Segundo Beauduin, com efeito, a vida litúrgica não se baseia o suficiente nos dogmas fundamentais que apresentam o coração da liturgia. Em suma, a liturgia não é, para o povo cristão, o centro e a fonte da vida. A ignorância dessas verdades fundamentais da fé conduz à diminuição da prática religiosa. Falta o alimento essencial do povo cristão, que é a sua vida litúrgica na comunidade e não isoladamente [...]. em Beauduin o aspecto comunitário é fundamental”. FLORES, Juan Javier. 2006, p. 116. 48 a)“Missal traduzido para os fiéis, reza das vésperas e completas; b) valorização da missa paroquial principal e das antigas tradições litúrgicas nas famílias, assim como fazer os fiéis leigos compreender e amar os sagrados mistérios que são celebrados no altar [...]. c) Dada a ignorância dos fiéis, fazia-se necessária uma reeducação deles no que a Igreja ensina por meio dos ritos sagrados. (cf. FLORES, Juan Javier. p. 102-103). 49“A comprovação sem dúvida é bastante sincera [...], que não se trata de uma tarefa fácil muito menos rápida: “As gerações gastam séculos para des-aprender essa piedade tradicional; impregnarão muito tempo para aprendê-lo de novo”” (cf. FLORES JUAN, Javier. 2006, p. 103). 50“Procuremos apresentar aos homens de nosso tempo, íntegra e pura a verdade de Deus de tal maneira que eles possam compreender e a ela espontaneamente assentir”. Mensagem dos Padres Conciliares. In: Compêndio Vaticano II. Introdução Geral. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 9.

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O que ajudou bastante na difusão das ideias de Beauduin foram publicações de

vários artigos, revistas e obras, o que na prática a Europa e o mundo começavam a

receber como iluminação para um novo tempo na vida litúrgica, partindo de uma

profunda experiência teológica e pastoral51.

A eclesiologia de Beauduin é um elemento indispensável para uma compreensão de

do seu trabalho. Portanto, a iniciativas de renovação na liturgia supõem uma

eclesiologia coerente. A visão eclesiológica de Beauduin é fundamentada, a princípio,

nos escritos bíblicos. Para ele é impossível pensar uma eclesiologia fora da economia de

salvação, o que vai imprimir no seu pensamento, a importância das Escrituras como luz

para todas as reflexões sobre a teologia litúrgica.

Beauduin tem como referencial bíblico textos do apóstolo Paulo, quando se

posiciona sobre a Igreja e a sua missão no mundo. Dos temas apresentados por ele,

destacam-se também críticas aos estudiosos da época, inclusive, protestantes e

modernistas52.

51 “Para difundir essas ideias, fundou também La Vie Liturgique (1909), uma revista mensal que se propôs oferecer os textos dominicais e também alguns artigos de divulgação. Logo depois adotou o título de Les questions Liturgiques (1910). Com o advento da Primeira Guerra Mundial, mudou o título, que, como já dissemos, foi Les questions Liturgiques et Parossiales. O objetivo que se propôs conseguir foi a formação litúrgica do clero com o desejo, ao mesmo tempo, de divulgar os estudos histórico-teológicos, a fim de promover um melhor conhecimento da liturgia. Em 1914, publicou A Piedade da Igreja, com a intenção de imprimir ao movimento litúrgico sua base teológica”. FLORES, Juan Javier., p. 105. 52“Beauduin coloca sua eclesiologia na linha da economia da salvação. Deus, desde a eternidade, concebeu um plano salvífico para os seres humanos e, em sua infinita providencia, quis constituir sua Igreja. A isso se referem os textos paulinos, como Ef 1, 5-9. O sentido de Mysterium em Beauduin é o que se encontra na noção paulina de salvação. Na pessoa de Cristo, Deus constituiu a Igreja, uma raça, um povo, para nos fazer partícipes de sua vida interior [...]. Baseando-se nas Escrituras, desenvolve também uma teologia da redenção. Rejeita como incompletas, três interpretações: 1. A interpretação que considera o mistério da redenção limitando-o unicamente à cruz (entre eles estava Tanquerey). 2. A interpretação incompleta dos protestantes, como Sabatier e A. Von Harnack, e dos modernistas, como Loisy, que consideram a redenção, a paixão e a morte de Cristo um grande exemplo e uma abnegação heroica. A cruz tem uma eficácia subjetiva, mas não objetiva. Essa afirmação diminui a realidade profunda da redenção, uma vez que o cristão não pode realizar sua própria salvação fora de Cristo; acolhendo-a e vivendo cada dia a cruz de Cristo, o cristão Põe-se em contato com a redenção. 3. A interpretação da expiação penal, entre cujos defensores estão Calvino e Heidegger. Trata-se de uma teoria que prefere ver Deus Pai como um grande justiceiro, um juiz inexorável, um credor que exige toda dívida. O Filho do homem transforma-se somente no objeto de da maldição do Pai e, assim, por conseguinte expia os pecados da humanidade. Essas teorias esquecem, no entanto, que a cruz é o dom

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Beauduin faz uma abordagem sobre a missão do Espírito na Igreja, sendo a Igreja o

corpo místico e sacramento de Cristo. Ele estabelece a relação litúrgica entre o Espírito

e Cristo e ressalta a importância do primeiro na ação do Filho53. Ou seja, a celebração

do mistério de Cristo acontece por meio desta ação dinâmica do Espírito na pessoa do

Filho que age concretamente na Igreja.

É de capital importância o que Beauduin escreve sobre Igreja enquanto lugar

privilegiado para a ação do Espírito Santo. Em Cristo, a experiência eclesiológica é

participada pelos membros do seu corpo (membros pelo Batismo), e nela acontece a

transmissão da vida divina54. Isto nos leva a crer que em Cristo somos criaturas novas e

formamos uma única Igreja profética e ministerial, presente visivelmente na ação ritual

do culto.

Segundo Beauduin, a Igreja recebeu um novo impulso e sentiu-se chamada a uma

experiência em que a liturgia deve ser assimilada como uma expressão concreta de toda

teologia que a fundamenta.

Os desafios não foram poucos quando a questão era resgatar a vitalidade da liturgia

na vida da Igreja, e muito se perdeu com os desvios daquilo que é essencial na liturgia e

de amor misericordioso de Deus, concedido à humanidade para resgatá-la [...]. Como bom liturgista Beauduin, põe Cristo ressuscitado no centro da redenção, desde o momento em que a própria redenção é a ressurreição, a ascensão e a glória de Cristo, que subirá ao céu para retornar ao Pai. A cruz, o sacrifício do Calvário, não é senão meio que permite a cada um de nós chegarmos a tal plenitude de vida, porque mostra o triunfo de Cristo sobre a morte que aparece como outro aspecto significativo da obra redentora”. FLORES, Juan Javier. p. 107-109. 53“Essa temática, como sabemos, está muito presente também nos santos Padres da Igreja, de modo que Beauduin, inspirando-se neles, define o Espírito Santo como dom por excelência que o Pai oferece ao Filho e que este apresenta, por sua vez, ao Pai”. FLORES, Juan Javier, 2006, p. 111. 54“A Igreja vista também como corpo visível que revela, no entanto, a presença invisível de Cristo. Por sua ressurreição e glorificação, Cristo entrou no mundo invisível e, para dar-se ao mundo, quis criar a Igreja, que é seu grande sacramento. Portanto, Beauduin põe Cristo ressuscitado no centro do mistério da Igreja e chama seu corpo glorioso de o grande corpo místico para significar que Cristo triunfador é, ao mesmo tempo, uma pessoa viva que abraça o mundo visível e o mundo invisível. A comunidade eclesial, em seu aspecto visível, contém um elemento invisível e fundamental que constitui sua vida. Seu princípio vital é o Espírito invisível que comunica à Igreja a vida de Cristo e lhe permite viver plenamente a dimensão sacramental. Ela, que comunica e dá os sacramentos, não é puramente invisível, mas conserva seu aspecto visível existindo uma realidade invisível, que é sua alma. A eclesiologia de Beauduin, pelo menos a que se encontra em suas cartas e em seus escritos, insere-se na Sagrada Escritura, na tradição e nos documentos mais recentes do magistério”. FLORES Juan Javier. p. 114.

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vida de comunidade55. Por outro lado, permaneceu o que de mais importante a liturgia

celebra na história da salvação: a experiência pascal com Cristo na sua Igreja. Os

avanços foram positivos da parte de Beauduin pelo fato de uma fundamentação

consistente nas experiências passadas, que ajudaram de certo modo no impulso para a

renovação necessária à liturgia em geral naquela época. Sabemos que não se trata de um

aprofundamento teológico geral da liturgia, mas um passo sobre este precioso trabalho

teológico da liturgia.

Vale ainda considerar que na visão litúrgica de Beauduin o exercício do sacerdócio

na liturgia da Igreja é de fundamental relevância. Porém ressalta a distinção e a

integração entre o sacerdócio ministerial e comum, este último é dom a todos os fiéis

batizados. Existe, portanto, na visão de Beauduin uma comunhão sacerdotal na Igreja,

segundo a qual o sacerdócio ministerial está em função do sacerdócio comum dos fiéis

em Cristo56.

Por fim, um tema interessante que merece atenção é a piedade litúrgica em

Beauduin, que também é uma riqueza para as inovações na liturgia e ajudará bastante no

tema central do nosso trabalho. As riquezas da piedade litúrgica na vida da Igreja são

um bem necessário em todos os tempos, por isso devemos nos servir dos conhecimentos

sobre esta preciosa sabedoria da piedade existente na liturgia.

Sem dúvida a piedade litúrgica é um elemento fundamental na vida cristã, e

conforme Beauduin, ela é um fortalecimento transformador na vida da Igreja. Isto

implica também que a piedade litúrgica colabora diretamente com uma autêntica liturgia

55“Chega-se a um individualismo religioso que é caracterizado por várias tendências antirreligiosas. Há um ambiente de laicização e correntes modernistas e protestantes que consideram a religião como algo interior e intimista. A participação dos fiéis na grande oração da Igreja é considerada necessária para que aconteça uma verdadeira piedade litúrgica; desse modo, a piedade dos fiéis torna-se sólida e autentica quando se alimenta da oração litúrgica da Igreja. Fora dela, a oração individual desliza, facilmente, para as devoções, que não são essenciais à experiência litúrgica, sacramental e espiritual”. FLORES, Juan Javier 2006, p. 116. 56“cf. FLORES, JUAN, Javier. 2006, p.120; MARSIL, S. Rumo a uma teologia da liturgia. In: VV. AA. A liturgia momento histórico da Salvação. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 91-92. Anamnesis 1.

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cristã57. Sem esta experiência, algo de importante se perde e torna a liturgia incompleta

na sua ação celebrativa.

2.3. Emanuele Caronti

O monge Emanuele Caronti foi um dos que seguiram as propostas de Beauduin.

Com os seus escritos e publicações, desenvolveu um excelente trabalho em colaboração

para o avanço das inovações litúrgicas. Seguindo as pegadas de Beauduin, vê na liturgia

um acontecimento que deve fomentar sempre a piedade litúrgica na Igreja, isto é, uma

maior intimidade com o mistério celebrado.

Enquanto Beauduin estava inicialmente preocupado com a piedade da Igreja, Caronti

inicia com a piedade litúrgica58, tema que não foi esquecido por Beauduin. Contudo, se

tornou mais amplo e desenvolvido por Caronti. A piedade litúrgica é algo indispensável

para a própria vivência cristã, não apenas no momento de celebrações.

Na mesma linha teológica de Beauduin, Caronti tentou aprofundar aquilo que

anteriormente foi proposta para a renovação litúrgica. Já bem mais próximo do Concílio

Vaticano II, suas ideias tiveram grande relevância para a Igreja. De igual modo, os dois,

Beauduin e Caronti foram inspirados por Pio X quando escrevem sobre a participação

dos fiéis na liturgia da Igreja59.

57“A piedade litúrgica transforma-se em alimento principal da era cristã; transformará a piedade privada, dará a ela um novo impulso, uma nova intensidade, e lhe garantirá seu lugar na Igreja”. FLORES, Juan Javier. p. 123. 58“Na introdução do seu livro A Piedade litúrgica, o abade Caronti colocou-se em clara sintonia com a ideia de participação. Com efeito, em seu livro escreve: A liturgia da Igreja em sua forma coletiva e social, é pratica cotidiana da vida religiosa da Igreja, é o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo. A participação na liturgia da Igreja dá à nossa religiosidade o perfume austero que se respira n altar e, enchendo o coração com o sentido generoso da vida cristã, entusiasma-nos para a conquista de um ideal altíssimo, Jesus Cristo, cada vez mais bem conhecido, mais bem amado, mais bem servido, primeiro por nós e,, depois, pelos outros”. CARONTI, E. La liturgia. Nozioni e principi. Revista Litúrgica 1 1914. In: FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica. 2006, p. 126. 59 “A questão da participação é dominante, especialmente pela influência do moto-próprio de Pio X [...]. Trata-se de um primeiro passo, mas de um passo seguro e decisivo, que levará, com o passar do tempo, à participação plena, consciente, ativa e frutuosa que preparou a Sacrosanctum Concilium e toda a reforma da liturgia” (FLORES, Juan Javier. p. 129).

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2. 4. Romano Guardini

Outro teórico que muito se destacou na teologia litúrgica foi Romano Guardini.

Na sua pesquisa sobre a liturgia ele nos chama a atenção para o sentido dado pela

liturgia em nossa vida, isto é, a partir de dados da realidade humana como, por exemplo,

o sentido da existência do ser humano, Guardini desenvolveu em seu trabalho questões

sobre a relação do homem com Deus por meio da liturgia60. Guardini quis também

aprofundar a teologia litúrgica a partir do conhecimento filosófico, respaldando a

dimensão antropológica na liturgia, ou seja, para ele não se pode conceber a liturgia

desligada das realidades humanas. É interessante notar também que Guardini, além de

reconhecer a importância cultural das gerações, chama a atenção para outro aspecto não

muito considerado: a questão dos exageros por parte de algumas pessoas, influenciadas

por outras tendências da usa época que de certo modo prejudicam a própria liturgia61.

Guardini acrescenta dados às propostas de Beauduin, quando aprofunda alguns

aspectos da liturgia na prática, por exemplo, a reflexão sobre os sinais sagrados, tema

interessante pelos dados teológicos e antropológicos dos sinais62. O tema dos sinais foi

mencionado no primeiro capítulo. Sabemos que não é tão fácil abordar esta questão,

60 “Qual o sentido daquilo que é? O fato de ser, e de ser um reflexo do Deus infinito. E qual o sentido do ser que vive? O fato de viver e deste modo, manifestar sua vida, florescendo como uma revelação natural do Deus vivo [...]. O sentido da liturgia é que nela a alma se encontra diante de Deus, expande-se diante d’Ele, vive no mundo sagrado das realidades, verdades, mistérios e sinais divinos, - vida essa que é a sua própria vida real e verdadeira”. GUARDINI, Romano. O Espírito da Liturgia. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1942). 61“[...] “tendências muito exclusivas” [...], o liturgismo (hoje conhecido como “panliturgismo”), o praticismo e o diletantismo. A esses perigos acrescentou a análise da atitude contrária ao movimento litúrgico: o conservadorismo” cf. GUARDINI, Romano. Carta ao bispo de Mogúncia. In: FLORES, Juan Javier. 2006, p. 132. 62“O símbolo surge quando o interno e espiritual encontra sua expressão externa e sensível [...]. Para que o símbolo exista, é preciso que a transposição, que a projeção do interno para o exterior se verifique com caráter de necessidade essencial e obedeça a uma exigência da natureza. Dessa maneira, o corpo, por sua própria condição natural, transforma-se em imagem expressiva da alma”. GUARDINI, R. O Espírito da liturgia. Barcelona, Centro de Pastoral Litúrgica, 1999, p. 53ss. In: FLORES, Juan Javier. p. 133 e ALDAZÁBAL, José. Gestos e símbolos. São Paulo: Loyola, 2005, p. 16-18.

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porque se trata de um longo trabalho de compreensão da linguagem simbólica na

liturgia, o que está sendo desenvolvido até hoje.

Os estudos acerca dessa temática têm sido desde o início algo precioso. Por isso se

defende a ideia de que a própria liturgia fala quando é bem celebrada e participada pelos

fiéis. Segundo Guardini, não existe a necessidade de fazer da liturgia um simples objeto

que necessita de explicações durante o ato de culto63, ou seja, pela própria natureza do

mistério, as pessoas são envolvidas na sua essência (por meio de sinais e gestos), de tal

forma que o divino e o humano se encontram naturalmente.

Preocupado com um trabalho mais sistematizado sobre a liturgia, Guardini

desenvolve suas pesquisas mais centradas na teologia, e entre suas preocupações

elaborou um estudo que pudesse ajudar no exercício da renovação litúrgica. Sua

concepção antropológica que permeia toda visão de liturgia reconhece o ser humano

como parte integrante das ações litúrgicas. Por isso ele também se preocupa com uma

formação metodológica e esclarecedora sobre a liturgia. A sua pesquisa é basicamente

centrada na relação entre o humano e o divino. Como ciência, a liturgia deverá

favorecer a aproximação (pelo conhecimento e participação) dos fiéis da realidade

divina que não pode ser vista e entendida como simples ação isolada do alcance

humano. É, portanto uma forma de conceber o culto cristão, numa dimensão horizontal

e não apenas vertical.

Sem dúvida Guardini acentua bastante a simbologia na liturgia, e tem a colaboração

de outros estudiosos, como por exemplo, Caronti, Insiste sobre a prática como único

63 “A implicação de todo ser humano é possível precisamente porque a liturgia tem em si mesma uma força simbolizadora que se expressa em gestos religiosos, em ações rituais e também em objetos que intensificam e ampliam no espaço gestos e ações. Por ser a liturgia uma realidade de vida, não podemos nos aproximar dela como de um objeto que tem de ser explicado, como se fosse um elemento isolável e depois analisável. Também não é possível uma pesquisa histórica carente da paixão hermenêutica. O único método é o de revier a experiência e, ao revivê-la, deixá-la falar”. FLORES, JUAN Javier. p. 133.

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caminho de explicação da liturgia. A prática que para ele não é um “praticismo” ou

ativismo, mas experiências centradas na essência do mistério celebrado.

Grandes avanços foram dados a estas propostas de Guardini na teologia litúrgica. Por

outro lado, uma série de dificuldades foi surgindo devido ao mal-entendido do seu

pensamento. Guardini se destaca: a) Porque fez um trabalho que até então não tinha sido

explorado; b) o dado antropológico é algo inerente à liturgia. A liturgia é um evento

presente na vida humana. A relação humana e divina se completa no mistério de Cristo

que sendo Deus se fez homem e habitou entre os seres humanos (cf. Jo 1, 14).

2.5. Maurice Festugière

Outro monge beneditino de origem francesa, Dom Maurice Festugière, também

colaborou neste longo trabalho da teologia litúrgica. Ele não teve muito respaldo na sua

época, por ser um filósofo e antropólogo. Por essa razão, sua visão nem sempre era

condizente aos pensadores da época sobre a liturgia. Contudo teve sua participação no

campo litúrgico a partir de suas experiências. Ele é um dos que, não sendo liturgistas,

dialoga com a liturgia e reconhece seu valor na vida da Igreja. Seu trabalho foi

importante para a liturgia enquanto base filosófica, e a grande surpresa no seu tempo foi

a sua coragem de inserir ideias que levaram a uma reflexão litúrgica do ponto de vista

filosófico. Sem dúvida ele retoma um tema que é parte de uma experiência da teologia

desde os seus primórdios: a compreensão filosófica para uma teologia que estuda o dado

revelado.

Festugière se aproxima de Beauduin quando entende a liturgia do ponto de vista

científico64, em suas obras tentou conceituar a liturgia, mas não teve muita aceitação.

64“Para dividir cientificamente a matéria da liturgia, basta considerar o conteúdo dos livros que a Igreja chama, somente eles, litúrgicos, a saber: o missal, o breviário, o pontifical, o ritual, o cerimonial dos bispos e o martirológio. A liturgia compreende três partes: a liturgia sacrifical; a liturgia de louvor ou epenética; a liturgia sacramental. A primeira supera as outras em dignidade, numa altura infinita, posto

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Na verdade ele quis que sua proposta também provocasse uma mudança na renovação

do pensamento litúrgico, sem grandes pretensões, por não ser um pesquisador exclusivo

da teologia litúrgica. Ele também se propôs a um trabalho sobre a liturgia fundamental,

focando a necessidade de um fundamento teológico. Sem dúvida ajudou bastante no

campo teológico-litúrgico da época, algo que depois vai culminar como disciplina na

teologia.

Para Festugière a teologia é indispensável. Embora sendo um filósofo, buscou um

sentido cristão aos estudos litúrgicos de uma forma louvável, apesar das críticas

acirradas do jesuíta Navatel 65.

2.6. Odo Casel

Outro monge beneditino de considerável papel no aprofundamento da teologia

litúrgica foi Odo Casel. Na mesma linha de pensamento dos seus confrades Beauduin e

Festugière, Casel iniciou um trabalho longo e profundo sobre a teologia litúrgica. Autor

de várias obras e dedicado inteiramente às questões litúrgicas do seu tempo. Conhecido,

sobretudo por desenvolver a teologia do mistério, ou seja, enquanto Beauduin chama de que o ato do sacrifício domina absolutamente toda a religião. A liturgia de louvor tira, principalmente, da sua nobreza que é a oração e o canto preparatório para o sacrifício [...]. A liturgia sacramental está vinculada ao sacrifício, em relação qual purifica os fiéis ou cujos frutos lhes aplica”. FESTUGIÉRE, M. la definition de la liturgie, cit., p. 8-9. In: FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica, 2006, p. 142. 65“Festugière buscou na liturgia não tanto a matéria de erudição quanto a fonte de vida espiritual. Com efeito, é considerado teólogo da espiritualidade porque é, sem dúvida, o teólogo do fundamento da liturgia. Foi um “filósofo” que tentou reformular o fundamento da liturgia para a fé cristã [...]. Festugière esteve sempre preocupado em fazer uma pesquisa teórica que ilustrasse as conexões entre experiência religiosa e experiência litúrgico-ritual, a relação entre vida espiritual e liturgia católica [...], liturgia que estava descuidada pela reflexão científica, inteiramente dedicada a seguir o modernismo ou protestantismo liberal, ou então a mística católica, sem avaliar o potencial religioso do breviário, do missal ou do rito [...]. No século XVI, surgiu um novo e poderoso despertar de piedade por obra de santo Inácio de Loyola e da Companhia de Jesus, mas esse despertar foi feito completamente fora da liturgia, tendo mesmo, em grande parte, se mostrado hostil a ela. O caminho do individualismo conduziu, depois, ao divórcio entre liturgia e vida espiritual, porque a meditação pessoal se havia transformado no centro da vida espiritual. A posição de Festugière a respeito tornou-se polêmica quando afirmou que os jesuítas não tinham feito nada pela liturgia [...], podem ser vistos dois modos de compreender a liturgia: o Navatel fixa-se simplesmente na pura exterioridade da função religiosa e litúrgica, preferindo, portanto, o aparto renascentista, enquanto Festugière insistia na eficácia da liturgia que se mostra como meio superior a outros instrumentos pastorais para um processo de recristianização do povo de Deus”. FLORES, Juan Javier. 2006, p. 145-153.

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mistério a redenção, ele alarga o pensamento e desenvolve seus estudos sobre o assunto

com mais conhecimento de causa sobre a teoria do mistério66. Cristo, na sua

compreensão é o centro principal do mistério celebrado. Casel busca dar à teologia

litúrgica um impulso para a compreensão mistérica do culto cristão. Para ele é evidente

a primazia do culto cristão em relação às demais tentativas de definição do mistério

celebrado. Na sua concepção, a vida cristã tem raízes no mistério redentor de Cristo.

Essa realidade não é apenas uma questão de cerimônia ou ritualismo, mas, sobretudo a

experiência pascal cristã que continua na vida da Igreja.

Ao longo dos anos a concepção caseliana sobre o mistério do culto cristão foi alvo

de críticas, sobretudo porque o autor faz suas pesquisas sobre o mistério considerando

as experiências religiosas do mundo pagão, pois as religiões pagãs serviram também

como base para o mistério cristão. Contudo o trabalho obteve avanços por causa da base

sólida.67 O termo mistério em Casel é na verdade de suma importância, porque Deus

deu-se a conhecer na história humana, concepção paulina de mistério adotada por

Casel68. Não se trata, portanto, de um cristianismo cópia de religiões pagãs, mas de

admitir exteriormente certa aproximação de alguns aspectos pagãos em rituais nas

66“1. Ação de Deus na história. Mas especificamente, é a realização de um plano eterno numa ação que procede da eternidade de Deus. 2. Uma ação que se realiza no tempo e no espaço. 3. Uma ação que tem seu termo novamente em Deus [...]. Por intermédio do culto o ser humano coloca-se em contato com a morte e a ressurreição do Senhor, tornando-o, ao mesmo tempo, participante do mistério, com o qual pode experimentar a redenção de Cristo. mediante o culto descobre-se o plano salvífico de Cristo, que encontra sua origem na eternidade, expressando também a dimensão escatológica do ser humano”. FLORES JUAN, Javier, 2006, p. 166. 67“A vida cristã dos primeiros séculos estava organizada de modo a ter, como centro, o mistério da redenção e de sua celebração de culto. Com o tempo, no entanto, irromperam orientações subjetivistas e prevalentemente éticas. Revalorizou-se a contribuição do esforço humano na obra da santificação pessoal com a diminuição da ação objetiva que nos vem de Deus por meio dos sacramentos. Deve-se imputar ao espírito individualista dos povos germânicos, que se acentuou nas épocas românica e gótica, o fato de chegar-se ao humanismo. No entanto, a liturgia manteve, em seus ritos e em seus textos, a concepção primitiva”. FLORES, Juan Javier. p. 167-168. 68“[...], “daquele que habita numa luz inacessível e que ninguém viu nem pode ver” [...]. A encarnação do Filho de Deus e sua obra redentora são o mistério propriamente dito. São a epifania de Deus. Tal acontecimento deriva da profundidade inexplorável do ágape divino de modo que não está ao alcance da nossa capacidade de pensar e avaliar porque somos seres humanos que experimentamos sempre o confim do limite”(cf. CASEL, O. fede, gnosi e mistero, p. 12).

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celebrações do culto cristão. A liturgia cristã com certeza bebeu na fonte pagã as

experiências positivas69, sempre no sentido exterior e não de conteúdo. Em outras

palavras, daquilo que certamente faria parte do projeto de Jesus como enviado do Pai

para ser a presença do Deus invisível. Por isso o trabalho de Casel sobre mistério

marcou profundamente o pensamento cristão. Nas suas descobertas enquanto

pesquisador das religiões pagãs encontra-se uma grande riqueza, sobretudo pela

abertura ao diálogo com as outras religiões mais antigas.

Dentro de uma perspectiva cristã devem-se ressaltar os valores da cultura religiosa

helênica, como o culto aos deuses pagãos70. Tais experiências abriram o caminho para

uma formação universal do culto cristão. Certamente os grandes defensores das

religiões pagãs não tiveram a intenção de fundar a religião cristã. Mas, em Cristo

encontra-se o fundamento verdadeiro com suas peculiaridades.

À luz dos textos bíblicos não se pode afirmar que Cristo tivesse também o projeto de

uma religião, pelo próprio testemunho percebe-se que sendo judeu era Filho de Deus e

“veio para fazer a sua vontade” (cf. Sl 39; Hb 10, 5-7) não nos moldes da “sua” religião.

Portanto, os estudos de Casel se dão exatamente sobre o culto cristão, isto é, das

realidades celebradas depois da subida de Cristo ao Pai, como afirma São Leão Magno

69 “O mistério cristão não seria mais do que a resposta divina às maiores aspirações da alma religiosa da antiguidade [...]. Em seu pensamento, Casel formula um princípio segundo o qual Deus preparou também os pagãos para receber a salvação de Cristo [...]. A filosofia grega contribuiu do ponto de vista humano, para o aperfeiçoamento, aprofundamento e espiritualização dos conceitos religiosos [...]. Existe, como observa Casel, analogia, apesar do invisível entre essas aspirações e a realidade cristã. Em ambos os casos, são encontrados os elementos essenciais do eidos que chamamos mistério cultual. Essa analogia ou coincidência, permitiu aos Padres da Igreja e à liturgia utilizar a terminologia das religiões do mistério do culto cristão. O próprio Platão teria dado o primeiro passo na direção de Cristo [...]. Essa mentalidade que as religiões do mistério criaram no ser humano helenístico serviu de módulo providencialmente adequado para a encarnação da mensagem cristã”. FLORES, Juan Javier. p. 172-173. 70“A mentalidade que as religiões do mistério criaram no ser humano helenístico serviu de módulo providencialmente adequado para a encarnação da mensagem cristã [...]. uma escola preparatória do cristianismo. Essa preparação da humanidade para o mistério cristão chegou a um limite sem precedentes no mundo influenciado pelos cultos do mistério helenístico [...], dos mistérios órficos, gregos, cultos secretos de Adón, Attis, Cibele, Mitra e Elêusis”. CASEL, O. Liturgia come mistero, p. 40.

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por meio dos sacramentos - mistérios71. A religião enquanto experiência de povos e

culturas no mundo não é algo exclusivo do cristianismo, mas Cristo deu pleno sentido

ao que hoje chamamos de religião cristã, na sua entrega como sacerdote (intercessor)

por excelência pela salvação da humanidade pecadora (cf. Hb 10, 11-12. 14).

Casel defende a ideia de que o culto, quer seja pagão ou cristão, acontece mediante a

necessidade do humano se relacionar com o divino, e neste sentido, a visão do mistério

não é algo apenas da fé cristã, mas é uma experiência universal e independe do ser

humano72. No que se refere ao cristianismo, Cristo é o mistério do Pai revelado ao

mundo conforme os escritos paulinos e joaninos (cf. 1Tm 6, 16; Jo 1, 18). Em outras

palavras, Deus se faz presente na pessoa do seu Filho, não é um deus criado pelos

homens. Casel com base nos dados revelados e as experiências de culto pagão e cristão

tenta esclarecer que o culto ritual também é formulado, organizado em seus aspectos

próprios ou elementos indispensáveis73. A estrutura do culto é algo imprescindível pelo

fato de ser uma ação dialogal entre o humano e o divino, e nesta dinâmica se celebra o

culto por meio de ritos. Portanto não se deve confundir o cristianismo com outras

71“Quod conspicuum erat in Christo transviti in Ecclesiae sacramenta (Sermão 74, 2). Em outras palavras, aquilo que o Senhor era visível para os sacramentos”. CASEL, O. Fede, gnosi e mistero, p. 137. 72 Cf. FLORES, Juan Javier, 2006, p. 175. 73“1) Todo mistério supõe uma ação, uma representação dramática. Alguns seres humanos reproduzem, simbolicamente, ações que pertencem a uma esfera sagrada. Toda mística teísta deve servir-se de palavras, ações e símbolos. 2) O drama sagrado é um símbolo eficaz, um signum efficax, e contém realmente a realidade simbólica idêntica que aparece dramaticamente reproduzida na cerimônia religiosa. 3) Essa ação divina tem, de algum modo, uma finalidade soteriológica. Os cultos mistéricos pretendem estabelecer um contato físico e pessoal entre o iniciado e a divindade. Por meio desse contato pessoal, o iniciado tenta introduzir-se no círculo divino, identificar-se com a divindade, impregnar-se da vida divina e alcançar a salvação da alma, a sotería, já neste mundo. Os mistérios ensinam uma salvação dada por Deus, não uma auto-redenção, como pensa e propõe o budismo. 4) A salvação de que a ação divina é portadora comunica-se ao iniciado por meio de sua participação ativa no drama ritual [...]. 5) A eficácia do mistério não depende da atividade humana, uma vez que o mistério é, antes de tudo, comunicação objetiva da realidade salvífica da divindade; mais do que um triunfo da vontade e do entendimento humano, é um submergir-se na corrente da vida divina, mais do que um mazein é um pazein [...]. O mistério é criador de comunidade, de modo que o culto é essencialmente comunitário. Esse mistério possui também uma característica universal”. FLORES, Juan Javier, 2006 p. 174-175.

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religiões, embora Casel use o culto pagão como analogia em relação ao culto cristão74.

Contudo, o termo mistério foi utilizado pela Igreja nos primeiros séculos para designar

os sacramentos75, e essa terminologia antiga perdura até nossos dias. Por isso Casel

deixa claro que não se trata de uma identificação entre o culto pagão e cristão, isso é de

suma importância do ponto de vista teológico e espiritual. Casel reconheceu que em

alguns pontos não foram felizes as suas afirmações, e como Beauduin, ele também

escolheu os escritos paulinos como apoio para seu trabalho e se nutriu das experiências

patrísticas com o intuito de aprofundar as características pagãs76. Casel ao falar da

universalidade da liturgia explica numa visão teológica, segundo ele, não se pode

interpretar o culto cristão como algo que tenha sido preparado pelos cultos pagãos77.

O estudo realizado por Casel sobre o mistério cristão tem também um caráter

“essencialmente teológico” e quando questionado sobre o mistério cristão,

particularmente a eucaristia, ele se explica recorrendo ao que significa de fato, essa

realidade desde sua origem no Cristo78. Por fim, com o auxílio de Sto Tomás de

74 “[...]: as ações dos deuses não tiveram, em suas origens, um significado soteriológico”. FLORES, Juan Javier. 2006, p. 177. 75“Toda a terminologia antiga passou para o cristianismo. Este aspecto encontra uma comprovação positiva no século IV, quando os Padres da Igreja insistiam na terminologia entre o mistério cristão e os mistérios pagãos e aplicavam aos sacramentos a terminologia de mistério”. FLORES, Juan Javier. 2006, p. 178-179. 76“[...]. Sublinhou que Paulo e os primeiros padres da Igreja entenderam o cristianismo como culto que conserva as analogias mais profundas com a ideia fundamental das religiões dos mistérios. Casel estudou também em Paulo a existência de uma longa série de expressões impregnadas da linguagem dos mistérios pagãos. Além disso, nos escrito do século II encontra-se já a palavra “mistério” utilizada no sentido correto (Didaqué 11, 11; Epístola a Diogneto 4, 6; Inácio de Antioquia, Ad Eph. 18ss). Mas foi Clemente de Alexandria que utilizou tudo em Proteptikos 118-123. Para Clemente, os mistérios eram, em primeiro lugar, ações de Deus e fatos históricos [...]. A doutrina de Orígenes, ao contrário, baseou-se num sacramentalismo, onde tudo acontece ou se realiza nos “mistérios” ou símbolos”. FLORES, Juan Javier. p. 178. 77“[...] embora tenham existido mistérios anteriores ao cristianismo, este o seria por antonomásia, desde o momento em que se insere na história do ser humano a ação salvífica de Cristo. então na liturgia encontramos os três elementos característicos do mistério: uma realidade sagrada, que se torna presente, na ação ritual”. FLORES, Juan Javier. 2006, p. 179. 78“[...], o mistério não é uma aplicação particular das graças que se originam da atividade redentora de Cristo no passado, mas produz, de forma sacramental, a mesma realidade da obra redentora, da qual deriva a eficácia de sua ação sobre as almas. A obra da redenção compreende também todas as ações salvíficas de Cristo: a segunda vinda faz parte dessa glorificação, que via desde a encarnação, para continuar ao longo de toda a vida, culminar com a paixão e a morte e terminar na glória do Senhor [...].

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Aquino, Casel encontra motivos para afirmar que tudo acontece na eucaristia é a obra

redentora de Cristo. Assim sendo, a eucaristia se torna um prolongamento da obra

redentora do Senhor, considerando, no entanto, que a ação salvífica de Cristo não se

prende apenas à eucaristia (primazia do mistério do Senhor), como também estar em

outros sacramentos79.

2.7. Cipriano Vagaggini

Outro teólogo da liturgia de renome é Cipriano Vagaggini, que com sua vida doada

aos estudos, deixou também sua grande contribuição no universo teológico-litúrgico.

Como monge e teólogo na Igreja, aprofundou bastante a teologia litúrgica com

experiências no Oriente, algo que não foi possível ao seu antecessor Casel, conforme os

limites na sua doutrina sobre o mistério. Vagaggini contribuiu com os estudos no

Concílio Vaticano II por meio de suas obras que formam um exemplo de dedicação à

teologia litúrgica em geral. E com certeza ajudou também numa visão mais

amadurecida sobre a teologia litúrgica na Igreja utilizando os recursos teológicos

inerentes à liturgia cristã católica.

Vale ressaltar que Vagaggini não foi um dos que deu forças e apoio ao movimento

litúrgico; ele manteve-se como um teólogo crítico em relação às ideias desse

movimento. Vagaggini buscou inserir a liturgia dentro do contexto teológico, ou seja,

para ele não se pode conceber a liturgia sem teologia, e dentro dessa perspectiva,

A presença da obra redentora realiza-se no sacramento de maneira objetiva, isto é, faz-se presente no sacramento antes de agir em nós e para nós. A realidade objetiva é anterior à sua aplicação no sujeito do sacramento e é independente dela. De modo que é necessário que a morte e a ressurreição de Cristo se façam presentes no sacramento de maneira efetiva para que o cristão, no batismo, possa morrer e ressuscitar verdadeiramente com cristo [...]. Portanto, o mistério do culto é a presença sacramental ou mística da obra histórica da redenção. Essa presença sacramental não multiplica os atos redentores de Cristo. Neste sentido, trata-se de uma re-apresentação ou atualização de um mesmo e único ato” (FLORES, Juan Javier. p. 180-181). 79“[...], se a eucaristia é o vértice de todos os demais sacramentos, os demais sacramentos são também verdadeiros sacramentos; por conseguinte, sua natureza tem de ser análoga à da eucaristia [...], cada um a seu modo” (FLORES JUAN, Javier, 2006, p. 182).

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estudou sobre o verdadeiro sentido teológico da liturgia. Sempre voltado para um estudo

da teologia nos seus vários aspectos, Vagaggini, teve em seu pensamento a liturgia

como ciência que pudesse dialogar inicialmente com outras teologias.

Sendo a liturgia embasada na teologia, Vagaggini vai mais além. Para ele a liturgia

deve ser entendida também como ciência teológica. O estudo sistemático da liturgia

atinge a integra no universo científico. Por isso ele quis não apenas identificar a liturgia

como ciência, mas mostrar que na prática ela tem o seu sentido teológico na revelação80.

Com seu modo de pensar e estudar a teologia litúrgica Vagaggini não é defensor da

“teologia dos mistérios” em Casel, e estabelece suas críticas dentro de uma forma

diferente de conceber a relação do mistério do culto cristão com os seus seguidores

(Igreja), ou seja, Vagaggini acredita ser necessária outra forma de conceber essa ação de

culto, o que não nega a presença do mistério de Cristo81.

A pesquisa de Vagaggini sobre esta relação existente entre liturgia e teologia não é

feita de forma simples, ele é conhecido como o teólogo da metodologia teológica, por

essa razão, utiliza métodos para chegar às conclusões desejadas82. Para Vagaggini, a

80“[...], foi uma preocupação sua manter a distinção de competências entre as disciplinas teológicas, confirmar a validade e pesquisar as relações recíprocas entre liturgia e dogmática. No interior das tarefas da teologia, como ciência, a liturgia pode encontrar espaço e consideração, não por si mesma, uma vez que se integra numa estrutura geral mais adequada. Não há mais que teologia, dentro da qual se encontra a liturgia [...]. Vagaggini teve também uma concepção de revelação em termos de história da salvação, referida à liturgia mediante o uso da categoria de sinal eficaz” (cf. BRAGA, C. La genesi Del primo capitolo della Sacrosanctum Concilium. EL 6/199, P. 405-448). 81“Vagaggini [...], manteve também distâncias sobre o enfoque da “teologia dos mistérios”, propondo uma noção de conhecimento por c-naturalidade [...]. É um tipo de conhecimento no qual aquele que conhece percebe o objeto, precisa e formalmente, sob o aspecto de suas relações de conformidade que ele tem com a natureza concreta aqui e agora. Santo Tomás chama-o com uma terminologia muito variada: por co-naturalidade, por contato, por afinidade, por certa união com Deus, sem discurso, afetivo experimental; em outras palavras, é um conhecimento simples e absoluto, que acontece por disposição natural, como no gosto, por compaixão” (cf. Summa Theologiae, II-II, q. 2, a. 9. Ad 3). 82“Segundo Vagaggini, na busca de uma relação entre liturgia e teologia, realiza-se uma pesquisa filológica, crítica e histórica, seguida de um posterior juízo teológico. Nesse sentido, o teólogo examina um elemento qualquer da liturgia (texto, rito, uso atual ou simplesmente histórico da liturgia romana ou de outras liturgias) para perceber o que pode obter sobre o elemento pesquisado. Depois, passa para o significado filológico dessa palavra ou desse texto para chegar ao seu contexto próximo e remoto [...]. Uma fase posterior começa com um juízo superior, à luz da doutrina da fé, dos elementos oferecidos pela pesquisa filológica e histórica, na qual são vistos os diversos momentos da revelação de Deus à sua Igreja”. FLORES, Juan Javier. Introdução à teologia litúrgica, 2006, p. 219-220.

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teologia litúrgica é realmente uma realidade que contém aspectos a serem analisados

cuidadosamente, eis porque a liturgia também não deve ser estudada prescindindo da fé

como elemento indispensável para as afirmações que são feitas acerca da teologia

litúrgica. Desenvolveu seu pensamento sobre a teologia litúrgica em comunhão com o

magistério da Igreja, pois para ele é indispensável uma abertura entre os teólogos e o

Magistério. Por isso busca dialogar também com a hierarquia eclesial, porque sem a

apreciação do Magistério os estudos não farão sentido, as pesquisas não terão

sustentação. Por essa razão, a relação Magistério e teologia necessita de um intercâmbio

que construa uma linguagem comum. Vagaggini fala sobre as quatro regras para um

juízo teológico: “1) a relação entre Padres e a teologia, entre teologia e Magistério; 2) a

autoridade do Magistério na liturgia em relação aos fiéis; 3) a evolução dos dogmas das

doutrinas e das opiniões no contexto da liturgia; 4) o estudo teológico para determinar o

grau de autoridade sobre a liturgia83.

Nos estudos dobre o sentido teológico da liturgia, Vagaggini faz uma leitura

interessante, relacionando a liturgia com a teologia, especificamente a partir dos textos

bíblicos e patrísticos. Segundo ele, estas três estão unidas no mesmo e único contexto

83“Essa proposta se obtém seguindo as regras ensinadas pela metodologia teológica geral para conhecer o que é fé, ou que não é, o que implica a vida do cristão [...], é importante a doutrina segundo a qual a revelação está contida na Escritura, que depois é filtrada pela tradição dogmática oral, proposta e explicada à fé do crente pelo magistério da Igreja, como meio infalível e indispensável da revelação [...]. Em contrapartida, a dificuldade de saber se verdadeiramente o magistério, num elemento determinado da liturgia, propõe alguma coisa sobre a fé ou não, afeta aos demais elementos de natureza e origem diversa [...], segundo Vagaggini, podem ser lembradas as famosas quatro regras principais para se chegar a um “juízo teológico”: 1. Primeira regar: enfrenta-se a relação entre Padres e a teologia, e relação entre teologia e magistério. 2. Segunda regra: o que, na liturgia, o magistério propõe à adesão dos fiéis, e os fiéis aceitam, é proposto com grau muito variado de autoridade dogmática, conforme os casos. 3. Terceira regra: a evolução dos dogmas, das doutrinas e das opiniões, tal como é transmitida pela fé católica e está provada também pela simples história, reflete-se também na liturgia. 4. Quarta regra: praticamente só mediante o estudo teológico abrangente de cada uma das questões pode-se determinar o grau de autoridade de um ponto qualquer da liturgia tanto histórico como atual”. FLORES, Juan Javier. p. 220-221.

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teológico que é o dado revelado84, isto leva a crer que a revelação é a fonte para a

liturgia, Bíblia e Patrística.

Vagaggini faz também uma abordagem sobre os termos, “teologia da liturgia,

liturgia teológica e teologia litúrgica”, e sua pesquisa servirá para um estudo mais

orientado na área litúrgica. Às vezes passa-se a impressão de que liturgia está desligada

da teologia85. Por isso Vagaggini esclarece os termos acima mencionados despertando a

nossa atenção para essência teológica da liturgia.

Outra preocupação pertinente nas pesquisas de Vagaggini é a liturgia fundamental,

tema que anteriormente despertou interesse de Festugière. Porém Vagaggini insiste

numa introdução à teologia litúrgica com mais abrangência. Para Vagaggini a teologia

é fundamento, base, inclusive para a liturgia, num primeiro momento. Para ele,

nenhuma outra dimensão da teologia oferece algo tão concreto como a liturgia. Neste

sentido, o pensamento de Vagaggini expressa dentre tantos, o de que a liturgia na sua

dinâmica oferece o que de mais sublime e central existe à teologia86.

Para Vagggini não se deve confundir a liturgia com a teologia, ou seja, para ele a

base da liturgia que é a teologia, e não significa dizer com isso que a liturgia seja

inferior à teologia porque a liturgia deve ser estudada também como ciência teológica,

sobretudo, como a que possui o que de mais concreto se possa trabalhar

sacramentalmente na Igreja.

84“Na teologia, a influência da liturgia e a influência da Bíblia como livro do crente, também dos Padres, estão totalmente conexas entre si, de modo que frequentemente parecem confundir-se. Liturgia, Bíblia e Padres não somente consideram e propõem substancialmente a mesma revelação, mas desenvolvem-na numa perspectiva substancialmente idêntica”. FLORES, Juan Javier. 2006, p. 230. 85“A teologia da liturgia, isto é, o estudo da liturgia, não se encontra somente sob o aspecto rubricista e histórico, mas também sob a pesquisa de sua natureza e do método científico da teologia dogmática. A teologia litúrgica é a exposição do material teológico contido nos ritos e nos textos sagrados, com suas particularidades, nas perspectivas especiais e nos próprios limites com os quais se encontra. Uma liturgia teológica [...], terá em sua base o aspecto histórico, como consequência do aspecto espiritual e pastoral” (FLORES, Juan Javier. p. 231-232). 86“Por isso a contribuição da liturgia para o pensamento teológico recente pode ser resumida na afirmação da seguinte da seguinte regra metodológica geral: de nenhum dogma tem-se consideração integral se esta não inclui também a perspectiva de sua verificação na liturgia”. VAGAGGINI, C. Aula inaugural de fundação do Instituto de liturgia Ateneu Santo Anselmo, Roma.

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2.8. Salvatore Marsili

Dentre os grandes teólogos da Liturgia, Salvatore Marsili é também reconhecido

porque se dedicou inteiramente às pesquisas particularmente da teologia litúrgica. Nos

seus trabalhos, Marsili é considerado aquele que mais aprofundou a teologia litúrgica e

seguiu principalmente a linha de pensamento de O. Casel e Vagaggini, contudo, fez

suas alterações naquilo que para ele seria necessário.

A teologia para Marsili tem uma contribuição indispensável da liturgia. Por outro

lado, a liturgia poderá ser pensada também como fundamento da teologia. Ele faz essa

observação a partir dos dados teológicos contidos na liturgia87 com relação à teologia.

A teologia bíblica para Marsili se torna também uma parceira fiel da teologia litúrgica,

pelo fato de que o dado revelado na Palavra de Deus é celebrado no culto ritual e dessa

celebração se estuda o sentido teológico do rito, sacramentos e sacramentais.

Em Marsili as dificuldades sobre uma teologia litúrgica encontraram uma resposta

porque segundo ele, as duas são que inseparáveis na vida da Igreja, ou seja, em Cristo

está o centro do mistério do culto cristão. Por ser um estudioso voltado para os estudos

teológicos da liturgia a partir dos dados celebrados, Marsili centra também sua atenção

naquilo que chamamos de sacramentalidade da revelação de Cristo na liturgia88 ao falar

sobre as categorias litúrgicas, e da importância da liturgia na economia da salvação.

87“[...], se Casel redescobriu a categoria mistérica, a Marsili deve-se a primeira tentativa “sistemática” de construção de uma “teologia litúrgica”, no sentido não de uma liturgia interpretada teologicamente, mas de uma teologia compreendida na ótica litúrgica na qual não há fé sem ato cultual e não há ciência teológica sem ciência litúrgica (A. Grillo) [...]. A liturgia é essencial e existencialmente teologia, porque é sempre Palavra de Deus, atualizada, celebrada e constituída na realidade de que o rito simbólico adquire [...]. Nesse sentido, Marsili considera que a teologia propriamente dita tem de ser explicada como conhecimento desses dois momentos assumidos historicamente pela Palavra”. FLORES, Juan Javier. p. 243-244, 249. 88“A revelação é explicada sempre através de uma dimensão sacramental, porque é recebida, estudada e compreendida nos mesmos sacramentos. A palavra eterna de Deus faz-se sacramento, isto é, Palavra visível (revelação) quando se manifesta no símbolo de um acontecimento (sacramento). Esse procedimento chega a seu ponto máximo na encarnação (humanidade de Cristo = sacramento de Deus). Desse modo, transforma-se num procedimento perene na liturgia, que não é a primeira depositária da fé, mas é o veículo através do qual se compreende a própria fé [...]. portanto, na liturgia o ser humano

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A pesquisa de Marsili enfatiza claramente sobre a questão dos sinais, ou seja, os

sacramentos para ele são sinais que se concretizam na celebração litúrgica (simbólico-

ritual). A partir da iluminação dos textos bíblicos, segundo Marsili, é necessária uma

leitura sobre os sinais sagrados na perspectiva do Antigo Testamento como anúncio e do

Novo Testamento como realidade, Novo Testamento tendo como centro de referência o

cristianismo (os sacramentos) e Cristo como o sacramento primordial na Igreja89,

celebrado por meio da sacramentalidade simbólico-ritual90.

3. A Mediator Dei no contexto da teologia litúrgica

Em continuidade com o longo caminho iniciado pelos teóricos da teologia litúrgica

torna-se indispensável a referência à Encíclica de Pio XII a Mediator Dei, que no

decorrer do processo de aperfeiçoamento da teologia litúrgica foi motivadora para

muitas transformações. O papa Pio XII movido pelos apelos que surgiram com o

movimento litúrgico quis que sua encíclica tivesse uma tonalidade teológico-litúrgica e

com o auxílio de teólogos da liturgia, como Marsili iniciou o processo de reforma

litúrgica na Igreja91.

A centralidade da encíclica Mediator Dei é de cunho teológico e se fará presente no

Concílio Vaticano II nos estudos sobre a sagrada liturgia. Por ser a primeira Encíclica

sobre a liturgia, o papa Pio XII deixou clara a necessidade de pontuar as características

entra em contato com o dado da fé, em primeiro lugar, por comunicação, isto é, por conhecimento experimental, por isso, na compreensão do mistério de Cristo, pode retomar a um mais profundo conhecimento de todas as demais realidades divinas, a mística inclusive, das quais Cristo é o sacramento” FLORES, Juan Javier. 2006, p.251-252. 89Cf. MARSILI, Salvatore. Sinais do mistério de Cristo: teologia litúrgica dos sacramentos, espiritualidade e ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 31-89. 90 Cf. FLORES Juan Javier. 2006, p. 253-255. 91“um plano diretamente teológico desde o qual se podia contemplar a liturgia e toda a problemática que se condensava ao seu redor” (cf. MARSILI, S. In: VV. AA. A liturgia: momento histórico da salvação. São Paulo: Paulinas, 1986. Anamnesis 1.

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do que a liturgia da Igreja92, retomando muitas vezes, os estudos realizados. Enfatiza a

presença de Cristo na liturgia como agente principal por meio da Igreja. A MD deixou

um legado para a Constituição Sacrosanctum Concilium naquilo que se refere o

sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis exercidos na mesma ação de

culto. Por fim, é importante a relevância dada aos exercícios de piedade na Igreja, tema

pertinente ao nosso trabalho93.

4. A teologia litúrgica na Sacrosanctum Concilium

Em sintonia com os estudos dos principais expoentes da teologia litúrgica e as

considerações da Encíclica de Pio XII a MD, concluiremos este capítulo descrevendo

alguns elementos da teologia litúrgica na Constituição SC, a qual nos apresenta as

ressonâncias de todo o trabalho dos teólogos da liturgia, cujo trajeto tentará

minimamente descrever. Em outras palavras, a SC inaugurou no período conciliar do

Vaticano II uma nova forma de ver, estudar e celebrar a liturgia, acolhendo e traduzindo

melhor o precioso aprofundamento sobre a teologia litúrgica.

Sem dúvida, a SC se nutriu de todas as riquezas que ao longo de anos, mas

precisamente dos antecedentes ao Vaticano II como, por exemplo, o movimento

litúrgico. Por essa razão a Igreja foi beneficiada por uma visão atualizada sobre a

teologia litúrgica. Para uma contextualização desta encíclica, precisamos entender que

92“O esquema geral da Mediator Dei desenvolve-se da seguinte maneira: Introdução. Primeira parte: Natureza, origem, desenvolvimento da liturgia (1. A liturgia, culto público; 2. A liturgia, culto externo e interno; A liturgia, controlada pela hierarquia eclesiástica; 4. Progresso e desenvolvimento da liturgia; 5. Esse processo não pode ser deixado ao arbítrio de cada um). Segunda parte: Oculto eucarístico (1. Natureza do sacrifício eucarístico; 2. Participação dos fiéis na oblação do sacrifício eucarístico; 3. A comunhão eucarística; 4. O culto de adoração à eucaristia). Terceira parte: O ofício divino e o ano litúrgico (1. O ofício divino; 2. O ciclo dos mistérios do ano litúrgico; 3. O ciclo dos santos). Quarta parte: Normas práticas pastorais (1. Os exercícios de piedade não devem ser descuidados; 2. Fomento do espírito e do apostolado litúrgicos)”. FLORES, Juan Javier. 2006, P. 273-274. 93 Cf. FLORES Juan Javier. 2006, p. 274-286.

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na sua estrutura estão contidas em linhas gerais as considerações de Trento, dos

expoentes da teologia litúrgica e da MD.

Sobre a teologia litúrgica na SC podemos considerar em síntese aquilo que foi

trabalhado pelos Padres conciliares a partir da natureza da liturgia, ou seja, conforme a

SC a liturgia é de natureza genuinamente teológica, partindo do princípio já mencionado

pelos teóricos da teologia litúrgica, como exemplo Marsili, a liturgia é depositária do

dado revelado. Celebrada sacramentalmente atualiza a história da redenção da

humanidade em Cristo. Por ser de natureza teológica a liturgia, é obra redentora do Pai

(mistério pascal de Cristo) à luz das Sagradas Escrituras94.

No primeiro capítulo da SC está claramente expresso o sentido teológico profundo

da liturgia, e sua centralidade é o mistério pascal de Cristo, ou seja, deste acontecimento

histórico e salvífico brotam os caminhos para uma teologia da qual a Igreja não só

estuda, mas vivencia por meio da celebração do mistério de Cristo. Dentro desta

perspectiva, ressaltam-se na liturgia, a história da salvação da humanidade em Cristo

(sua presença) e a vida da própria Igreja como continuadora da obra da redenção

humana (sacerdócio). Claro que não se trata de desconhecer a perfeição do culto já

realizado em Cristo. A liturgia, portanto, conforme a SC, tem a sua origem no

acontecimento histórico, mas de profundo sentido teológico sob o véu da Paixão

redentora do Senhor. Igualmente à liturgia, a Igreja também nasce desse ato sublime

(mistério pascal de Cristo), eis porque o sacerdócio eclesial está fundamentado no

mesmo mistério de Cristo com toda densidade teológico-litúrgica95.

94“Esta obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, da qual foram prelúdio as maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a Cristo Senhor principalmente pelo mistério pascal de Sua sagrada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão” (cf. SACROSANCTUM CONCILIUM. In: Concílio Vaticano II. Constituições decretos e declarações. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 261-262. 95Cf. MISSAL ROMANO. Prefácio da Páscoa; Sermão de santo Agostinho, Enarr. In: Ps. 138, 2: Corpus Christianorum, XL, Turnholt 1956, p. 1991 e a oração depois da segunda leitura do Sábado Santo, no

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A partir desses enunciados faremos um desdobramento sobre os itens da SC que

tratam da teologia litúrgica, descrevendo o que de mais importante aconteceu na

reforma litúrgica. Inicialmente podemos dizer que a teologia da SC encontra a sua razão

de ser na natureza da liturgia, ou seja, é do mistério pascal de Cristo que nasce a

teologia como estudo da obra da Salvação da humanidade. Ademais, estão imbuídos na

natureza da liturgia, os dados antropológicos e pedagógicos, sendo que a teologia tem a

sua primazia sobre esses dois últimos dados. Neste sentido, podemos dizer conforme

Costa, que a teologia nos oferece o dado soteriológico, isto é, a obra da Salvação é a

fonte da qual emana todo conhecimento teológico e litúrgico que se concretiza por meio

do rito no culto cristão e que neste processo somos verdadeiros templos santos do

Senhor e morada espiritual de Deus (SC)96.

Dentro desse contexto da obra de salvação em Cristo, percebemos que o verdadeiro

fundamento da teologia litúrgica está desde a eternidade no desejo amoroso de Deus que

quer a salvação de todos (cf. 1Tm 2, 4). Eis porque ele enviou seu Filho amado ao

mundo para que nele se realizasse a sua vontade de Pai salvador. Portanto, a obra da

salvação se dá na entrega de Cristo pela salvação da humanidade, nisto se cumpre o que

“outrora Deus falou pelos profetas aos nossos pais e por fim, através de seu próprio

Filho, Jesus Cristo na plenitude dos tempos como mediador entre Deus e os homens”

(cf. Hb 1, 1; SC 5)97.

Missal Romano, antes da reforma da semana santa; Mc 16, 15; At 26, 18; Concílio de Trento, Sessão XIII, 11 de Outubro de 1551. Decreto De ss. Eucharistia, p. 202; Ap 21, 12; Col 3, 1. 4; Hb 8, 2; Fl 3, 20. 96“A forma como a Sacrosanctum Concilium aborda a natureza da liturgia é uma magna aula de teologia, antropologia e pedagogia. Em primeiro lugar parte da Teologia e, mais especificamente, da soteriologia: a liturgia tem um lugar privilegiado na obra da salvação, que se torna então o ponto de partida e o critério para a reforma litúrgica [...] - a obra da salvação é uma pedra angular para se pensar a liturgia [...] “na liturgia a obra de nossa salvação se realiza” (SC 2), pois “dia após dia, a liturgia vai nos transformando interiormente em templos santos do Senhor e morada espiritual de Deus” (SC 2)” (cf. As janelas do Vaticano II. A Igreja em diálogo com o mundo. Almeida; Manzini; Maçaneiro (orgs.). In: COSTA, Valeriano. A reforma litúrgica. Sacrosanctum Concilium I. São Paulo: Santuário, 2013, p. 244. 97 Cf. COSTA, Valeriano. 2013, p. 244.

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Costa faz uma reflexão interessante sobre a iniciativa de Deus ao enviar o seu Filho

ao mundo para realizar a obra da salvação. Considerando as dimensões histórica e

profética que Cristo recebe do Pai como missão neste mundo, Costa chama a atenção

para a ação de “curar os corações feridos” atribuindo a Cristo o poder de curar a pessoa

na sua totalidade, pois ele é o libertador por excelência. Enquanto que ser ungido para

“evangelizar os pobres” é uma ação que tem sua dimensão sociológica, e conclui com a

releitura do Sacramentário Veronense sobre a perfeita reconciliação do homem com

Deus na liturgia, a plenitude do culto divino98. Acrescentaria também à “evangelização

dos pobres” a dimensão antropológica, ou seja, a missão dos enviados em nome de

Cristo, o ungido do Pai para o anúncio da Boa nova em todas as culturas.

O dado central sobre a obra de salvação na liturgia e que é fundamental para a

compreensão da teologia litúrgica é o Mistério Pascal de Cristo. Isto é, por sua morte e

ressurreição Jesus Cristo consolidou por meio da cruz a redenção humana, e a Igreja

nasceu também como filha do Pai em Cristo, para continuar atualizando esse mistério

salutar na liturgia até a parusia99, ou seja, a segunda vinda gloriosa do Senhor.

O dia em que a Igreja nasceu – dia da Ressurreição do Senhor é considerado por Jean

Corbon, “o rio da vida”100, ou seja, o dia em que fomos agraciados pela água santa do

corpo de Cristo do “altar da Cruz”. Nesta fonte de água viva os seus membros foram e

98 Cf. MOHLBERG, Leo Kunibbet. Sacramentário Veronense, 1265. In: COSTA, Valeriano. 2013, p. 245. 99“Na intercessão da dimensão soteriológica, histórico-profética e antropológica da salvação surge o Mistério Pascal, que culmina comm a paixão, morte e ressurreição do Filho de Deus, de cujo lado ferido na Cruz nasce o “admirável sacramento da Igreja” [...] a salvação como pedra fundamental da obra de Cristo continua na Igreja pela liturgia, pois desde os apóstolos, a Igreja continua anunciando que o Filho de Deus, por seu mistério pascal, libertou-nos de satanás e da morte, fazendo-nos entrar no Reino do Pai. É exatamente nesta realidade salvífica que os sacramentos nos introduzem e mantém (SC 6). De Pentecostes à Parusia, a Igreja continua a se reunir para celebrar o mistério pascal, lendo o que dele se fala em todas as Escrituras (LC 24, 27), celebrando a Eucaristia em que se representa seu triunfo e sua vitória sobre a morte, dando graças igualmente a Deus pelo dom inefável (2Cor 9, 15) em Cristo Jesus, para louvor de sua glória (Ef 1, 12), na força do Espírito Santo (cf. SC 6)”. 100“Neste dia de nascimento, o rio da vida difundindo-se desde o túmulo até nós no corpo incorruptível de Cristo, transformou-se em liturgia”. CORBON, Jean. Liturgia fundamental. Madrid: Ediciones Palabra, 2001, p. 47. In: COSTA, Costa, 2013, p. 246.

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continuam sendo confirmados na solene liturgia pascal por meio dos ritos litúrgicos101.

Portanto, dessa vida nova nascida do lado de Cristo, onde jorrou sangue e água (Jo 19,

34) a Igreja se tornou um sinal visível do grande Sacramento – Cristo Jesus na história

da humanidade.

Para que a Igreja fosse no mundo esse sinal de Cristo, a SC desenvolveu um precioso

estudo sobre a presença de Cristo na Igreja. Sem dúvida temos aqui a colaboração dos

estudos de Salvatore Marsili quando escreveu sobre a sacramentalidade da liturgia. Por

outro lado, acrescentamos a este pensamento teológico litúrgico o que Costa dentro de

uma reflexão eclesiológica da liturgia afirma: “toda ação litúrgica é mediadora da

presença de Cristo” 102, ou seja, pela liturgia a Igreja é a emissária da presença de Cristo

por meio dos sacramentos103.

Outra dimensão da teologia litúrgica abordada pela SC é escatologia, quando se

refere à liturgia celeste e a liturgia terrestre104. Ou seja, pelo procedimento natural da

liturgia neste mundo da qual participamos por meio dos sacramentos, vivenciamos já

101“A interna unidade entre o mistério de Cristo e os ritos litúrgicos é o que de mais especial e estrito São Paulo chama de mistério [...]. Então, a passagem dos fatos existenciais da paixão e ressurreição de Cristo para os atos litúrgicos é imediata e, desde então, a morte tornou-se vida e a vida tornou-se liturgia. Portanto as ações do Ressuscitado em nossa história são, em primeiro plano, ações litúrgicas. Isso acontece porque a liturgia como mediadora, faz entrar o tempo terreno no tempo de Jesus Cristo. Por causa disso a economia da salvação também se converteu em liturgia” (cf. ZUBIRI, Xavier. Naturaleza, história, Dios. Madrid: Alianza Editorial, 13. Edição, 2007, p. 461; RATZINGER, Joseph. Teologia della liturgia: La fondazione sacramentale dell’esistenza Cristiana. In: Opera Omnia. Vol XI; Città Del Vaticano: Libreria Vaticana, 2010, p. 62. 69. In: COSTA, Valeriano. 2013, p.246). 102“cf. COSTA, Vaeriano. Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação: a participação litúrgica segundo a Sacrosanctum Concilium. São Paulo: Paulinas, e. ed, 2010; Buyst, Ione. Os segredo dos ritos: ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2011. 103“Assim como Cristo histórico era sacramento do Pai, pois “quando Cristo fala seus ouvintes escutam o homem Jesus, mas é o Pai quem fala em seu Verbo encarnado”, assim também agora, quando celebramos a liturgia, captamos pelos cinco sentidos do corpo os sinais do rito, porém é Cristo que fala e atua por meio da liturgia. Evidentemente, a presença de Cristo nas espécies consagradas será sempre ressaltada, mas não exclusivamente”. SAXER, V. Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. São Paulo: Vozes/Paulus, 2002, p. 28. In: COSTA, Valeriano. 2013, p. 247. 104“[...], a Constituição faz uma referência escatológica entre liturgia na terra e a liturgia no céu, para esclarecer que esta última é a fonte da primeira [...]. Mesmo sendo a liturgia da terra uma cópia da liturgia celeste, não devemos esquecer-nos de que a liturgia não é, porém, a única atividade da Igreja. É preciso considerar que a obra da evangelização precede a acompanha a liturgia. Contudo, a liturgia é o cume e a fonte da vida da Igreja. Evidentemente, isto se dá na centralidade da eucaristia: “a liturgia renova e aprofunda a aliança do Senhor com os homens, na eucaristia, fazendo-os arder no amor de Cristo” (SC 10)” (cf. COSTA, Costa, 2013, p. 247).

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aqui na terra os valores eternos da liturgia celeste (cf. Oração pós-comunhão do 29º

domingo do TC Ano A). Eis porque a liturgia que celebramos não poderá ser celebrada

de qualquer modo ou apenas como uma ação puramente humana, ela é antes, divina.

Em vista do tema do nosso último capítulo que é de cunho pastoral, concluiremos

este segundo capítulo tendo como ponte de ligação ao terceiro e último aquilo que a SC

nos chama a atenção: a participação dos féis no mistério de Cristo por meio da liturgia

na Igreja. Neste sentido Costa faz também uma leitura interessante quando escreve:

“que o coração acompanhe as palavras” 105 a partir de São Bento. Ou seja, na liturgia

devemos participar como um todo, não apenas naquilo que nos interessa, por isso é que

toda ação litúrgica por natureza deve nos envolver completamente na obra da salvação

em Cristo. Por esses motivos a formação106 (tema que aparece no próximo capítulo) se

torna indispensável na vida dos crentes que participam ou desejam participar da sagrada

liturgia.

Concluindo as razões pelas quais a SC escreveu sobre o sentido teológico da liturgia,

podemos dizer que atentamente olhando o caminho percorrido até agora neste capítulo,

o eixo norteador de todas as reflexões sobre a teologia litúrgica é o mesmo, o mistério

redentor de Cristo desde a sua descida de junto do Pai107. Portanto, quer sejam os

teóricos da teologia litúrgica ou as conclusões dos documentos da Igreja (Magistério),

todos a seu modo tentaram descrever sobre a mesma realidade (teologia litúrgica)

105“Esse princípio, já ressaltado na regra de São Bento, dá o primeiro passo para a afirmação da participação litúrgica: “além de observar as exigências da validade e liceidade das celebrações, os fiéis participem da liturgia de maneira ativa e frutuosa, sabendo o que estão fazendo” (SC 11). Participar na liturgia é, fundamentalmente mergulhar no mistério celebrado; é uma atitude muito mais mística do que externa [...]” (cf. COSTA, Valeriano. 2013, p. 248). 106“[...] uma liturgia dessa natureza, sendo de uma eficácia salvífica grande, necessita em todos os níveis de uma formação adequada, em vista da participação de todo povo [...], começando pelos professores de liturgia e estendendo-se aos candidatos ao sacerdócio, aos sacerdotes encarregados na cura de almas, aos fiéis em geral e àqueles que se ocupam da transmissão da liturgia pela mídia” (cf. COSTA, Valeriano. 2013, p. 249). 107“E por nós, homens, e para nossa salvação, desceu dos céus esse encarnou pelo Espírito Santo, no sei da Virgem Maria e se fez homem” (cf. CIC, 456). In: COSTA, Valeriano. 2013, p. 245-246).

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sempre no intuito de aperfeiçoar cada vez mais o que durante anos vem se trabalhando

sobre a liturgia enquanto teologia na Igreja.

A partir de todo o conteúdo desenvolvido neste penúltimo capítulo, esperamos ter

mostrado os motivos que nos levaram a escrever sobre a teologia litúrgica como

fundamento para o entendimento dos elementos histórico-teológicos na relação entre

liturgia e a piedade popular - novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em

Tocantinópolis, como também para as perspectivas pastorais para a liturgia na mesma

diocese a serem apresentadas no próximo capítulo. Em outras palavras, toda ação

litúrgico-ritual é precedida pelo sentido mais autêntico da fé que é o dado revelado – a

teologia, por isso, o nosso trabalho do ponto de vista histórico (primeiro capítulo) e

pastoral (segundo capítulo) sustentar-se-á desse bem, o precioso fundamento dado pela

teologia litúrgica, embora muito ainda tenhamos de teologia litúrgica como produção

teológica.

Vale por fim ressaltar que a teologia litúrgica no seu contexto geral nos permite ver a

história da liturgia, no passado e no presente e nos aponta para a ação pastoral

prevalecendo o devido cuidado108. Esse será o próximo passo considerando a história da

liturgia na Diocese de Tocantinópolis dentro com suas características de Igreja

particular, mas que está em comunhão com a Igreja universal. O nosso desejo será de

possibilitar ainda mais uma maior participação na liturgia conforme as orientações do

Vaticano II na Sacrosanctum Concilium.

108“A fim de manter a sã tradição e assim mesmo abra caminho para um legítimo progresso, sempre preceda cuidadosa investigação teológica, histórica e pastoral acerca de cada uma das partes da Liturgia a serem reformadas. Além disso, considerem-se tanto as leis gerais da estrutura e do espírito da Liturgia, como também a experiência proveniente da recente reforma litúrgica e dos indultos aqui e acolá concedidos. Afinal, não se façam inovações a não ser que a verdadeira e certa utilidade da Igreja o exija e tomando devida cautela de que as novas formas de certo modo brotem como que organicamente daquelas que já existem” (cf. Compendio Vaticano II. In: Sacrosanctum Concilium, n. 23, p. 270).

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CAPITULO III:

Perspectivas para a pastoral litúrgica em Tocantinópolis Com base na exposição dos dois primeiros capítulos, queremos neste último

apresentar as perspectivas para a pastoral litúrgica na diocese de Tocantinópolis. Porém

iniciaremos conceituando a pastoral litúrgica enquanto atividade eclesial de relevância

no contexto da Igreja que emerge no Concílio Vaticano II, que realizou uma importante

reforma litúrgica por meio da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada

Liturgia. Nesta constituição a pastoral litúrgica tem um papel preponderante e incisivo

para a organização também das outras pastorais, já que a liturgia é o cume para onde

convergem todas as pastorais da Igreja (cf. SC 7). Só assim podemos apontar

indicações seguras para a piedade popular na Diocese de Tocantinópolis, tendo como

objeto material a Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

1. Relação entre Liturgia e Pastoral

É difícil assimilar o conceito de pastoral litúrgica e reconhecer que a liturgia tem sua

dimensão pastoral, porque, por ser de cunho ritual, parece que tudo se esgota no nível

mesmo da celebração. Porém esquecemos que a ação litúrgica é precedida de uma série

de cuidados como foi com a preparação da Páscoa, em função da qual Jesus disse a

Pedro e João: “ide preparar-nos a Páscoa para comermos” (Lc 22,8). Portanto o rito

exige uma série de cuidados e preparativos que não podem ser feitos de qualquer jeito.

Mas infelizmente existe uma concepção de que a liturgia não precisa de preparação, ou

ainda, não tem relação com a pastoral. Essa visão, de fato, manifesta o desconhecimento

do mandato de Jesus Cristo sobre a natureza da liturgia desde a origem. Ademais, é

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preciso compreender que pastoral é uma prática do conhecimento adquirido nos estudos,

ou seja, consiste em fazer da teoria ações que devam estar sempre voltadas à prática da

teologia, no universo da evangelização, cujo objetivo é promover o encontro das

pessoas com Cristo, sob os cuidados daqueles que em nome do próprio Cristo exercem a

função de pastores109.

Na verdade a liturgia é a luz para todas as pastorais e, por isso, precisa ela mesma

de muitos cuidados pastorais. Como celebração do mistério pascal de Cristo, a liturgia

é o alimento para os fiéis na missão que Deus lhes confiou pelo batismo, e desta forma,

os anseios pastorais se concretizam pela mesma fé recebida nos sacramentos,

especialmente a eucaristia. Muitos são os frutos que brotam do altar nesta importante

relação dos fiéis com a liturgia em suas vidas110. Por isso a Igreja sente-se impulsionada

a viver pastoralmente o testemunho da doação amorosa do Senhor, que é o Pastor por

excelência.

Conforme Vagaggini, a liturgia se desdobra na vida eclesial produzindo efeitos na

vida pastoral e se torna como a fonte que irriga com a graça pascal de Cristo os

trabalhos pastorais na Igreja como exercício da caridade111. Ou seja, na liturgia, a

Igreja encontra as principais orientações sobre o mistério de Cristo, que se dá na

109“[...], se pode também definir a pastoral como a arte de conduzir e conservar o povo em Cristo e Cristo no povo, no quadro da Igreja, pelos meios indicados pelo próprio Cristo junto com aqueles determinados pela Igreja e com aqueles eventualmente impostos ou sugeridos como melhores pela própria natureza ou pelas condições concretas de fato do povo [...]. O encontro se faz quando o povo percebe a santificação de Deus em Cristo e responde como deve a essa ação de Deus em Cristo [...]. A pastora pressupõe, entre outras coisas, que Deus trata os homens segundo a lei da salvação em comunidade. Que essa comunidade é a Igreja hierarquicamente estruturada na qual Deus age sobre os homens por intermédio de outros homens, seus mandatários, aos quais incumbe, a esse título, a prestação da sua obra instrumental a Cristo e ser assim pastores sob o pastor supremo [...]” (VAGAGGINI, Cipriano. O sentido teológico da liturgia. São Paulo: Loyola, 2009, p. 686. 110“A comunidade cristã tem seu princípio de vida sobre o altar. Todo o trabalho de comunidade leva ao altar, a Cristo, e do altar haure sua força. Mas a comunidade sobre o altar induz de novo à comunidade na vida. A meta e o fim de toda comunidade cristã é dar de um lado, expressão à nova unidade sobrenatural fundada com o batismo e a eucaristia; de outro, conduzir essa vida sobrenatural, à Igreja, à liturgia, à missa, à eucaristia” B. HERNEGGER, Solidarietà católica. Roma, Paoline, 1948, 144. In: VAGGGINI, C. O sentido teológico da liturgia, 2009, p. 695. 111 “A caridade tem primazia sobre tudo; o apostolado é ato de caridade; a liturgia é ato de culto, certo modo externo de exprimir a religião, virtude moral. Não pode, portanto, prevalecer sobre o apostolado” (VAGAGGINI. Cipriano. O sentido teológico da liturgia, 2009, p. 696).

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experiência das comunidades pastoralmente organizadas e que vivem pela força do

amor cristão esta experiência litúrgico-pastoral.

Conceituar a pastoral litúrgica requer no mínimo um conhecimento sobre liturgia - o

que de fato caracteriza a celebração do mistério de Cristo, na sua natureza primeira (o

dado da revelação – a teologia). Por outro lado, é preciso entender que a liturgia tem

como função levar os fiéis à participação do encontro com o Pai, na pessoa do Filho em

união com o Espírito Santo - a ação santificadora da liturgia na Igreja112, e a partir da

experiência pascal enriquecer as atividades pastorais com os valores do mistério

celebrado em cada ação litúrgica, com a participação consciente dos fiéis (cf. SC 33).

Então, a pastoral litúrgica não pode ser considerada à parte de todo o conjunto das

demais pastorais; ela, pois, na sua expressão genuína é parte integrante no processo de

evangelização da Igreja. Como atividade eclesial, a liturgia também tem sua

organização, que necessita da disposição dos pastores e fiéis. Eis porque não procede a

concepção de liturgia apenas como rito, ou seja, ação desvinculada do compromisso

pastoral. Nesta perspectiva é que foram surgindo os encontros sobre pastoral litúrgica,

em comunhão com as demais pastorais na Igreja113. Somente com um trabalho bem

.112“A pastoral litúrgica, vinculada à sua função santificadora e cultual da Igreja, se distingue bem em relação com os outros aspectos da missão eclesial, mas sempre dentro de uma dinâmica unitária mais ampla que não pode prescindir de nenhum deles. Com efeito, a pastoral da palavra é necessária “para que os homens possam chegar-se à liturgia [...], sejam chamados à fé e à conversão” (SC 9). Por outro lado, a liturgia impele os fiéis [...]; conservem em suas vidas o que receberam pela fé; a renovação da aliança do Senhor com os homens na eucaristia solicita e estimula os fiéis para a caridade imperiosa de Cristo (SC 10) (LÓPEZ MARTÍN, Julián. Teologia, história, espiritualidade e pastoral. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 497) [...]. O conceito de pastoral litúrgica depende, em todo caso, do conceito de liturgia e do conceito de celebração. (cf. Sartore, D. “Concetto di pastorale litúrgica. Riflessione epistemológica a partire dal diabattio contemporâneo”. In: RL 79 (1992), 9-24. In: LÓPEZ MARTÍN, Julián, 2006, 498) Por pastoral litúrgica se pode entender, em sentido amplo, a ação “atenta a tudo aquilo que na existência cristã e na atividade da Igreja emerge como expressão ritualizada da dignidade e da função sacerdotal para favorecê-lo e interpretá-lo a partir da fé” [...] (DELLA TORRE, I. art. Cit., 1589. In: LÓPEZ MATÍN, Julián, 2006, p. 498). “Pastoral litúrgica é a ação realizada pelo povo de Deus para edificar o corpo de Cristo mediante as ações eclesiais do culto cristão, tendo presente a situação rela dos homens” (FLORITÁN, C. “Pastoral litúrgica”. In: Teologia prática, cit., 479-501 (Bibl.), p. 487. In: LÓPEZ MATRÍN, Julián, 2006, p. 499). A liturgia exige o exercício de uma pastoral e é ela mesma ação pastoral” LÓPEZ MATÍN, Julián, 2006, p. 499. 113“A pastoral litúrgica apresenta algumas características próprias, tendo presente o lugar que lhe corresponde no conjunto da missão da Igreja: a) não é diretamente missionária, embora deva está impregnada de uma ação evangelizadora; b) a pastoral litúrgica visa à formação integral do ser cristão

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elaborado é que as comunidades podem participar ativamente das ações litúrgicas,

embora a pastoral litúrgica ainda não tenha sido compreendida na sua singularidade.

Uma atividade urgente da pastoral litúrgica está no âmbito da formação, envolvendo

todos os membros da Igreja, de modo geral, sobretudo os que são destinadas a funções

litúrgicas, sem esquecer que nas celebrações litúrgicas todos compõem a assembleia

litúrgica e dela são parte integrante114. Em suma, todos os batizados, que confiam a

Deus suas vidas regeneradas em Cristo, devem ser alvo da formação litúrgica.

A pastoral litúrgica tem sua realização plena na vida da Igreja diocesana e

particularmente em âmbito paroquial. Por isso há que se ter espaço para o projeto

formativo. Daí que há a necessidade de compreender que, antes de qualquer iniciativa, o

responsável primeiro da diocese (bispo) tem a autoridade e dever de cuidar não só para

que não haja abusos na liturgia, mas para que a liturgia cumpra sua missão profética e

salvífica. Por outro lado, o bispo não cuida sozinho dessas atividades, pois tem a

assessoria de quem exerce mais diretamente essas funções115.

Na perspectiva de uma pastoral litúrgica destinada inicialmente aos ministros

ordenados, vale ressaltar que a formação litúrgica é indispensável na vida acadêmica,

nos cursos de teologia. A falta desta inserção obrigatória poderá acarretar maiores [...]; c) o objetivo imediato da pastoral litúrgica é a participação dos fiéis”. LÓPEZ MATÍN, Julián, 2006, p. 499-500. 114“A pastoral litúrgica [...], afeta de alguma maneira todos os membros do povo de Deus, ministros e simples fiéis, cada um segundo a diversidade de ordem e de ofício (cf. SC 28) [...], a pastoral litúrgica é tarefa que compete principalmente àqueles que, em vista da sagrada ordenação, ou por instituição ou por encargo estável ou ocasional, foram chamados a desempenhar os diversos ministérios e ofícios na liturgia. Nesse sentido, pode-se falar de agentes de pastoral litúrgica, como se fala de agentes de outros campos da missão pastoral. Mas tendo presente sempre o caráter de diakonia e de koinonia que vincula todo serviço a toda Igreja, sujeito último de qualquer tarefa eclesial. A pastoral litúrgica compete, em primeiro lugar, a todos aqueles, leigos e religiosos, que trabalham nesse campo concreto. Colaboram também com a pastoral litúrgica os catequistas e todos os que se dedicam à educação na fé, dada a íntima relação entre catequese e liturgia. O mesmo se deve dizer dos artistas e dos músicos que colocam sua arte a serviço da liturgia (cf. SC 121; 127)”. LÓPEZ MATÍN, Julián, 2006, p. 501. 115“A pastoral litúrgica se desenvolve, antes de tudo, no âmbito da Igreja local e particular, embora no nível de regulamentação da liturgia, estudo, programação, coordenação e serviços existam outras instâncias ou organismos. Os Institutos Superiores de Liturgia e outros centros de formação nesse campo [...]. As conferências episcopais (comissões episcopais para a liturgia) [...]. Na diocese o bispo diocesano com a Comissão diocesana de Liturgia e Arte Sacra (cf. SC 45-46) [...]. Na paróquia (cf. SC 42; LG 26; CD 30), o pároco sob a autoridade do bispo diocesano (cf CDC c. 519& 2)” LÓPEZ MARTÍN, Julián, 2006, p. 501-503.

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dificuldades na diocese e, particularmente nas comunidades; é nesse sentido que a Igreja

tem manifestado preocupação no campo da formação litúrgica116.

A pastoral litúrgica na verdade é um precioso trabalho em meio a desafios pela

carência de formação. Grande número de fiéis também não tem consciência da

importância dessa pastoral, dificultando a participação mais ativa nas celebrações e na

pastoral orgânica, conforme orienta o Concílio Vaticano II117.

Com as orientações da Igreja sobre a pastoral litúrgica, muito ainda se tem a

percorrer nesse longo caminho, mas é preciso insistir que a pastoral litúrgica tenha sua

razão de existir, e que por ser uma das principais pastorais na história da Igreja, tem seu

campo de ação na evangelização. É, portanto, uma ação de suma importância com

vários campos de atuação, não se resumindo em breves reuniões de preparação das

celebrações, o que também é importante, mas, a pastoral litúrgica envolve as outras

pastorais118 numa dinâmica de comunhão eclesial.

No que se refere à formação enquanto pastoral litúrgica, devemos considerar como

imprescindíveis: a) A formação do clero diocesano; b) O conhecimento da realidade dos

fiéis leigos; c) e a formação motivadora para a participação dos leigos numa pastoral

litúrgica dinâmica na diocese. De fato, são esses os pressupostos fundamentais para um

trabalho frutuoso na liturgia de uma diocese (no caso específico, Tocantinópolis) ou

numa paróquia, comunidade local119.

116“Nos seminários e casas religiosas de estudos, a disciplina da Sagrada Liturgia esteja entre as matérias necessárias e mais importantes, nas faculdades teológicas, porém, entre as principais” (cf. SC 16). 117“Com empenho e paciência procurem dar os pastores de almas a instrução litúrgica e também promovam a ativa participação interna e externa dos fiéis [...], mas também pelo exemplo” (cf. SC 19). 118“dos “sacramentos e sacramentais, saber: 1)iniciação cristã; 2)assembleia eucarística; 3)penitência; 4)pastoral do matrimônio e da família; 5)os sacramentos dos enfermos; 6)celebração das exéquias”” LÓPEZ MARTÍN, Julián, 2006, p. 504-505. 119“A primeira claríssima constatação é que pastoral supõe um pastor, e pastoral litúrgica supõe que tenha entendido o que é liturgia e qual é a sua virtude pastoral. Porque a práxis pastoral da liturgia é uma arte, e uma arte deve comunicar uma atitude vital, a pastoral litúrgica supõe que esteja vitalmente permeado por experiência própria dessa realidade que é a liturgia, da sua virtude pastoral, do significado e da necessidade daquela participação ativa a que deve conduzir o povo. Que o movimento litúrgico na sua primeira etapa, numa região qualquer, deva ter em vista primeiramente o clero, e em primeiro lugar o clero paroquial [...]. “Porque não se pode esperar que isto aconteça se os próprios pastores de almas não

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Outra dimensão da pastoral litúrgica é a conjugação com os exercícios espirituais,

e particularmente a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na Diocese de

Tocantinópolis matéria central este trabalho. Os exercícios de piedade estão

intimamente ligados ao mistério do culto cristão, como também às pastorais, contudo,

necessitam do cuidado dos pastores com a devida formação e paciência (cf. SC 19).

Sem este dado, poderão ocasionar inúmeras dificuldades tanto da parte do clero como

dos leigos e consequentemente a pastoral ficará também comprometida.

Em vista de preservar a integridade e a missão da liturgia, a Igreja demonstra por

meio do Magistério que se deve de fato favorecer uma compreensão dos exercícios de

piedade conforme as orientações da Sé Apostólica (cf. SC 23-25). Por outro lado, não se

deve entender essa preocupação como uma espécie de controle sobre os vários modos

de expressão popular da fé cristã, porque se trata da autoridade da Igreja de ensinar o

que tem recebido da Tradição milenar, desde os Apóstolos (cf. SC 13; 60; 111).

Ainda sobre os exercícios de piedade, percebemos que na diocese de Tocantinópolis

não tem sido realizada uma leitura mais aprofundada das expressões da piedade popular.

Portanto, conforme o Vaticano II, é preciso que se tenha cuidado e atenção sobre o que

poderá confundir o mistério central da fé cristã com as devoções aos santos na Igreja120.

estiverem profundamente imbuídos do espírito e da força da Liturgia e dela se tornarem mestres, é absolutamente necessário que antes de tudo se cuide da formação litúrgica do clero (cf. SC 14)” [...]. Tendo sido formado o pastor que deverá conduzir povo à metalitúrgica, a primeira regra para ele será ter uma ideia exata, melhor ainda, uma percepção o mais aguda possível do estado rela do povo com o qual terá de se haver em concreto, no tocante ao fato e às possibilidades atuais de uma sua participação externa e interna, ativa, comunitária, paroquial na liturgia [...]. Uma regra ulterior para a pastoral litúrgica, como para toda pastoral, será recordar-se sempre que reconduzir o povo à liturgia é uma questão de educação e de plasmação de psicologia religiosa, comunitária e, portanto que é necessário preparar-se para criar ou estruturar essa psicologia, levando em conta o princípio pedagógico da progressividade e o tempo disponível para atingir a meta [...]. Partindo desses pressupostos muito gerais, todo o trabalho pastoral centrado na liturgia, em substância se desenvolve em duas direções: levar o povo à liturgia como é hoje; levar a liturgia ao povo. Seja escolhendo com sabedoria, entre as diversas formas de celebração litúrgica permitida pela legislação atual, aquelas mais aptas à participação ativa do ovo nas circunstâncias determinadas, seja também estudando e solicitando através dos caminhos devidos, com o devido respeito e a devida obediência, pela autoridade competente, as reformas da própria liturgia julgadas úteis para o mesmo fim”. VAGAGGNI C. O sentido teológico da liturgia, 2009, p. 720-724 . 120“As festas dos Santos proclamam as maravilhas de Cristo [...] não prevaleçam sobre as que recordam os mistérios da salvação”. SC 11.

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Por outro lado, não se nega a prática de tão importantes exercícios pios, que exigem a

valorização e o acompanhamento pastoral, e isso nos ajudará, inclusive, a não confundir

as celebrações litúrgicas e devocionais, como se fossem a mesma coisa e tivessem

simplesmente pesos iguais.

Dentro dessa temática é também importante considerar o Direito Litúrgico, em cuja

sintonia deve estar o Direito Canônico. Ou seja, o CDC tem o dever legal para com a

liturgia e não o de definir a liturgia como um todo; o DL é aquele que determina as

normas litúrgicas na Igreja em comunhão com o DC121. Isso ajuda a compreender

também a pastoral litúrgica no que se refere aos critérios litúrgicos para a organização

pastoral. Isso não significa que sejam normatizações (rigorismo litúrgico) na liturgia. A

liturgia seria vazia do sentido que lhe é próprio, se fosse uma camisa de força sobre a

forma de os fiéis celebrarem sua fé. Contudo, as normas de regulamentação nas

celebrações litúrgicas são imprescindíveis (comuns a qualquer organização), pois estão

a serviço do bom desempenho da liturgia e da pastoral122. Do ponto de vista

antropológico, nenhuma organização humana existe sem o mínimo de ordem, e no

sentido litúrgico-pastoral, a ordem não implica em primeiro lugar em imposição de

normas arbitrárias, mas implica a arte de determinar o princípio para manter a harmonia

121“L’ermeneutica teológica, come dimostrerà anche più esaurientemente l’analisi successiva (infra§ 3), sembra rinunziare pregiudizialmente, quasi come se non la riguardasse, a comprendere Il dirito come realtà oggetiva e come parte del tutto e demanda istituzionalmente il compito di “decodificare” Il dover essere della matéria liturgica, ridotto per lo più AL sol aspecto legale, ai giuristi in quanto “tecnici della norma”. Massimo Del pozzo. La dimensione Giuridica della Liturgia. Saggi su cio Che giusto nella celebrazione Del mistero Pasquale. Milano: Giuffrè editore, 2008.

122“As normas e as orientações dos atuais livros litúrgicos e as rubricas que regulam o desenvolvimento das celebrações têm uma finalidade essencialmente pastoral, a serviço dos fins da liturgia. Por direito litúrgico se entende o conjunto de leis que devem ser observadas nas celebrações litúrgicas, ou também o complexo normativo que regula a função santificadora e cultual da Igreja [...]. O Código de Direito Canônico reconhece a existência do código litúrgico como força de lei, embora não seja inserido na organização canônica: “O Código, ordinariamente, não determina os ritos que devem ser observados na celebração das ações litúrgica; portanto, as leis litúrgicas vigentes até agora conservam sua força, salvo quando alguma delas seja contrária aos ícones do Código” (CDC can. 2). O código litúrgico expressa muitas vezes as exigências do direito divino, especialmente quando se refere à eucaristia e aos sacramentos. A fidelidade às disposições litúrgicas é exigida pela natureza mesma de seu objeto, que são as celebrações da Igreja, ações que nunca são privadas, mas pertencem a todo o corpo eclesial” (cf. SC 26). LÓPEZ MARTÍN, Julián, 2006, p. 506-507.

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no culto cristão. A coordenação nesses trabalhos deverá acontecer como parte de uma

dinâmica que envolva as pessoas no espírito da liturgia; sem essa compreensão básica e

importante, as celebrações litúrgicas em alguns lugares poderão cumprir normas, mas

deixar de lado a essência do mistério de Cristo, acontecimento atualizado em cada

celebração.

O direito litúrgico também rege sobre aquilo que é base dos livros litúrgicos, para

mostrar que não são apenas textos que compilam rubricas, mas que apresentam uma

teologia que os fundamenta123 e uma visão de Igreja de acordo com essa teologia,

motivo pelo qual se deve estar atento a todas as rubricas. Mas não se pode esquecer que

o poço de onde se dever beber a genuína espiritualidade cristã está nos textos de cada

rito litúrgico, desde as antífonas que precedem as orações até as grandes doxologias que

encerram momentos que são o coração da oração da Igreja, como as orações

eucarísticas. Nestas orações como nas leituras, há um sentido teológico exuberante que

constitui a matriz da teologia da Igreja, que nos dá o impulso para a pastoral e para o

bom desempenho da própria liturgia.

O princípio do direito litúrgico considera importante a participação dos fiéis nas

celebrações litúrgicas. Desse modo não é um código moral sobre os livros litúrgicos e

suas rubricas, mas ajuda a liturgia a cumprir sua missão e a evitar os desvios. Por

exemplo, quando se fala em adaptação do rito, em algumas regiões, parece despertar a

liberdade que se pode até suprimir o que há de essencial na liturgia. Por esta razão

falaremos um pouco sobre inculturação e adaptação na pastoral litúrgica.

123“[...], as orientações gerais – praenotanda – e as rubricas dos livros litúrgicos atuais contêm algumas boas doses de teologia, de espiritualidade, de pastoral e, finalmente, de mistagogia. Tudo isso sem diminuição do caráter vinculante e obrigatório, especialmente quando se trata de normas essenciais que afetam os ritos e a estrutura dos sacramentos. Junto com essa característica das normas litúrgicas, pode-se apreciar também a vontade de favorecer ao máximo uma criatividade sadia e a adaptação aos diversos grupos, regiões e povos (cf. SC 38), e também às condições dos fiéis, segundo a diversidade de ordens, funções e participação (cf. SC 26; 34)”. LÓPEZ MARTÍN, Julián. 2006, p. 509.

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2. A relação entre a Pastoral Litúrgica e piedade popular

Para falar sobre a relação existente entre estas duas realidades, pastoral litúrgica e

piedade popular um dado interessante é o da inculturação na pastoral litúrgica, que é

algo a ser cuidadosamente aprofundado, em especial nas regiões onde os exageros se

desenvolveram mais pela emoção ou pelo fato de apontar para novidades simplesmente.

Não podemos entender a inculturação somente a partir dos dados: antropológico ou

sociológico, porque a questão religiosa também está na alma das pessoas e

consequentemente na cultura. Ou seja, vivemos numa sociedade pluricultural e

plurirreligiosa, fator que exige bastante cuidado numa análise sobre a inculturação na

liturgia e piedade popular124. Partimos do pressuposto de que a natureza da liturgia

exige que ela seja uma realidade inculturada, isto é, pois o mistério pascal, que constitui

o eixo da liturgia, se dá justamente pela encanação do Verbo dentro do contexto

histórico, cultural e religioso de uma época.

Atenta às dificuldades que surgem em relação a essa questão, a Igreja percebeu que

um elemento a ser contemplado é a linguagem, com a qual as várias culturas expressam

seu jeito de ser, de crer e celebrar. Ademais, a liturgia não pode ser desligada do dado

antropológico, porque o próprio Cristo quis ser homem num contexto cultural, religioso,

político e social. Por isso, inculturação e liturgia devem ser dois braços que apontam

para o mesmo centro de culto cristão, assunto da V Conferência do CELAM em

Aparecida125.

124“A piedade popular é naturalmente distinguida pelo sentir histórico e cultural. Mostra disso é a variedade de expressões que a constituem, florescidas e firmadas nas várias Igrejas particulares durante o decorrer doo tempo, sinal do enraizamento da fé no coração de todos os povos e de sua introdução no mundo do cotidiano [...]. Entretanto, o fato de que as práticas de piedade e atos devocionais expressem o sentimento do povo não autoriza a prática, nesse assunto, subjetivista ou personalista [...]” (cf. DPPL, n. 91-92). Cf. também sobre a liturgia inculturada DAp, n. 93-94, p. 49. 125 A renovação litúrgica acentuou a dimensão celebrativa e festiva da fé cristã centrada no mistério pascal de Cristo salvador, em particular na Eucaristia. Crescem as manifestações da religiosidade popular,

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Por outro lado, a mesma Igreja exorta sobre os cuidados com uma piedade

intimista ou subjetivista que pode desviar a piedade popular do seu fim último, que é o

culto cristão. Por isso nenhuma linguagem a título de inculturação pode contrariar a fé

cristã católica126.

Para a Igreja católica, outro cuidado é com o sincretismo religioso, para que não haja

confusão em relação às práticas de piedade popular, muitas vezes influenciadas pelo

folclórico, na diversidade cultural. O evento salvífico da encarnação do Verbo de Deus

não se caracteriza com esse tipo de demonstração religiosa, por isso é possível adaptar

os costumes, os modos de vida e a ordem social aos procedimentos indicados pela

revelação divina127.

Porém no decorrer dos séculos, por vezes a piedade popular tem sido influenciada

por elementos cuja índole não favorece a expressão da fé no mistério pascal de Cristo e,

por isso perde sua identidade cristológica. Geralmente trata-se de elementos ligados ao

sincretismo ou folclore.

Ainda nesse contexto de relação entre cultura e liturgia, o diálogo é fundamental,

porque as riquezas culturais devem ser acolhidas por uma liturgia que se celebra na

diversidade cultural. Por exemplo, o jeito de ser de cada povo e de acolher a liturgia

com sua identidade cristã e o respeito pela história de ambas às partes (liturgia e piedade

especialmente a devoção eucarística e devoção mariana. Esforços têm sido realizados para inculturar a liturgia nos povos indígenas e afro- americanos (DAp 98, b). 126“O processo de adaptação ou de inculturação de uma prática de piedade não deveria apresentar dificuldades particulares no que diz respeito à linguagem, às expressões musicais e artísticas e em assumir gestos e atitudes corporais. As práticas de piedade, de fato, por um lado, não se referem a aspectos essenciais da vida sacramental e, por outro, são em muitos casos originariamente populares, isto é, surgidas do povo e formuladas com a sua linguagem e impostadas no quadro da fé católica [...]. De fato, é preciso ter muita atenção e um profundo senso de discernimento para impedir que, através das várias formas de linguagem, se insinuem nas práticas de piedade conceitos contrários à fé cristã ou se dê lugar a expressões viciadas pelo sincretismo. Em particular, é preciso que a prática de piedade, objeto de um processo de adaptação e inculturação, conserve a sua identidade profunda e sua fisionomia essencial. Isso requer que se mantenham suficientemente reconhecíveis a sua origem histórica e as linhas doutrinais e culturais que a caracterizam” (Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia. Princípios e orientações. São Paulo: Paulinas, 2003, n. 92, p. 85. 127“[...]. Esse modo de agir afastará toda espécie de sincretismo e falso particularismo, [...]” (Compêndio Vaticano II. In: Decreto Ad Gentes. Sobre a missão da Igreja. Petrópolis: Vozes, 1996, n. 22, p. 380.

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popular) nos levarão ao entendimento de uma única história do divino com o humano, a

história da salvação celebrada especialmente no Dia do Senhor – o Domingo128.

O que talvez seja mais pertinente é a forma com que a liturgia tem sido apresentada

e acolhida em vários lugares do mundo. Falando da liturgia romana, Roma por ser o

referencial dessa liturgia, tornou-se também aquela voz que conduz uma matriz litúrgica

que está em muitos lugares do mundo, mais isso não justifica desprezar as demais

culturas no processo de difusão e celebração do culto cristão católico129.

Outro dado importante sobre a inculturação e liturgia é o fato de que Jesus enquanto

homem assumiu uma cultura (encarnação).130. Isso não diminuiu sua natureza divina,

mas confirmou que ele é “em tudo semelhante a nós menos no pecado” (cf. Hb 4, 15).

No contexto da inculturação litúrgica não se pode imaginar um culto em que o divino

esteja distante da realidade humana, ao contrário das religiões pagãs, o culto cristão tem

sua identidade relacional com o Deus-Homem, o Deus que quis habitar e viver dentro

de uma cultura.

Particularmente na cultura latino-americana, muitos dos desafios sobre a

inculturação e liturgia têm se manifestado pela pouca atenção a esses dados importantes

na experiência cultual da Igreja. O fato de ser uma região onde a miséria e a injustiça

são predominantes não constitui motivo para alterar o que é essencial na liturgia da

Igreja.

128“Às vezes tradições populares e culturais correm o risco de invadir a celebração do domingo, maculando o seu espírito cristão; neste caso é preciso esclarecer, por meio da catequese e de oportunas intervenções pastorais, rejeitando tudo que não concilia com o Evangelho de Cristo [...]. Cabe aos Pastores fazer um discernimento que salve os valores presentes na cultura de um determinado contexto social e, sobretudo, na religiosidade popular” [...]. (cf. DPPL, n. 95, p. 92; cf. também SC n. 37-40). 129 Por isso, “tem se fortalecido a responsabilidade e a vigilância com relação às verdades de fé, ganhando em profundidade e serenidade de comunhão” (cf. DAp 98,b). 130“O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que ele seja o resultado da mescla confusa entre divino e humano. Ele se fez verdadeiramente homem permanecendo verdadeiro Deus. A Igreja teve de defender e clarificar esta verdade de fé no decurso dos primeiros séculos, diante das heresias que a falsificavam [...]. (docetismo gnóstico – negava a humanidade verdadeira de Jesus; Ario – afirmava que o Filho de Deus veio do nada; nestorianos – viam em Jesus duas pessoas unidas, a divina e a humana; os monofisistas defendiam que a natureza humana de Jesus tinha cessado, existindo somente a divina” (cf. CIC, n. 464-467).

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No que diz respeito às celebrações temáticas, com elementos folclóricos e culturais,

é necessário que o um estudo sério preceda a inserção de tais elementos. A liturgia tem

sua organização ritual, para manter a harmonia entre os vários momentos da celebração

que têm como centro o mistério de Cristo.

3. Celebração Eucarística131 e Novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

em Tocantinópolis

Percebemos que grande número de leigos da Igreja de Tocantinópolis, como

também em outras partes do Brasil, ainda não teve formação suficiente para distinguir o

que de fato caracteriza a celebração eucarística (memorial do Senhor, Ceia do Senhor,

Santo Sacrifício, Páscoa semanal). Um exemplo é que na ausência do presbítero, o

ministro (diácono, religioso/a ou leigo), que preside a liturgia da Palavra é confundido

como aquele que também preside a missa. A carência de formação não permite um

conhecimento suficiente entre os membros que participam semanalmente das

celebrações litúrgicas. A Ceia eucarística, portanto, na concepção de muitos leigo/as

pode ser presidida por qualquer ministro que ocupe o lugar central do presbitério.

Numa perspectiva de esperança e otimismo podemos dizer que em nossa região

ainda existe um trabalho tímido sobre a conscientização dos fiéis da importância e

eficácia da missa (cf. SC 5, 10). Imaginemos quando se trata de outros sacramentos

131“Na Última Ceia, na noite em que ia ser entregue, o nosso Salvador instituiu o Sacrifício Eucarístico de seu corpo e sangue [...]. Por isso a Igreja com diligente solicitude zela para que os fiéis não assistam a este mistério da fé como estranhos ou espectadores mudos. Mas cuida para que bem compenetrados pelas cerimônias e pelas orações participem consciente, piedosa e ativamente da ação sagrada, sejam instruídos pela Palavra de Deus, saciados pela mesa do Corpo do Senhor e deem graças a Deus. E aprendam a oferecer-se a si próprios oferecendo a hóstia imaculada, não só pelas mãos do sacerdote, mas também juntamente com ele e assim tendo a Cristo como Mediador, da a dia se aperfeiçoem na união com Deus e entre si, para que finalmente, Deus seja tudo em todos”. Compendio Vaticano II. In: Sacrosanctum Concilium, n. 47-48, p, 279-280.

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como, por exemplo, batismo. Eis porque os próprios ministros que presidem a eucaristia

necessitam de uma sólida formação litúrgica132.

Como consequência dessa ausência de conhecimento sobre a liturgia, surgem

inúmeras críticas, por exemplo, “a missa é só uma repetição, a mesma coisa sempre!”, o

que manifesta desconhecimento da primordial riqueza da Igreja. Outra consequência da

incompreensão da missa é a questão da linguagem litúrgica133: muitas pessoas preferem

a liturgia da Palavra porque parece ser mais simples e compreensiva. Não se deve negar

a importância da liturgia da Palavra, mas não poderá ser esse o motivo para não

participar da missa. Talvez haja outros motivos para esse tipo de apatia, como a falta de

dinâmica sóbria, sem a qual a celebração fica pesada e exaustiva.

Ainda nos permitimos dizer que a falta do conhecimento sobre a missa e a novena

em sua relação no ato de culto poderá acarretar o que costumamos chamar de mistura de

elementos, comprometendo a liturgia eucarística. Para evitar tais situações, a novena

deve ser bem preparada com antecedência e que os textos próprios da missa sejam

132“Nos seminários e casas religiosas de estudos, a disciplina da Sagrada Liturgia esteja entre as matérias necessárias e mais importantes, nas faculdades teológicas, porém, entre as principais. E seja tratada tanto sob o aspecto teológico e histórico, quanto espiritual, pastoral e jurídico. Empenhem-se, além disso, os professores das demais disciplinas, especialmente de Teologia Dogmática, Sagrada Escritura, Teologia espiritual e Pastoral [...] ensinem o Mistério de Cristo e história da salvação, de tal modo que transpareçam claramente a sua conexão com a liturgia e a unidade da formação sacerdotal [...]. Com empenho e paciência procurem dar os pastores de almas a instrução litúrgica e também movam a ativa participação interna e externa dos fiéis, segundo a idade, condição gênero de vida e grau de cultura religiosa, cumprindo assim todos os deveres do fiel dispensador dos mistérios de Deus; e nesse participar conduzam seu rebanho não só pela palavra, mas também pelo exemplo” (cf. SC n. 16-19). 133 As cerimônias resplandeçam de nobre simplicidade, sejam transparentes por sua brevidade e evitem as repetições inúteis, sejam acomodadas à compreensão dos fiéis e, em geral, não careçam muitas explicações. Para que apareça claramente que na Liturgia as cerimônias e as palavras estão intimamente conexas: 1) Nas celebrações litúrgicas restaure-se a leitura da Sagrada Escritura mais abundante, variada e apropriada. 2) Seja também anotado nas rubricas, conforme a cerimônia o permitir, o lugar mais apropriado par o sermão, como parte integrante da ação litúrgica; e o ministério seja cumprido com muita fidelidade e exatidão. Deve a pregação, em primeiro lugar, haurir os seus temas da Sagrada Escritura e da Liturgia, sendo como que a proclamação das maravilhas divinas na história da salvação ou no mistério de Cristo, que está sempre presente em nós e opera, sobretudo nas celebrações litúrgicas. Seja também inculcada, por todos os modos, a catequese mais diretamente litúrgica; e nas próprias cerimônias sejam previstos, se necessário for, breves esclarecimentos, a serem proferidos pelo sacerdote ou pelo ministro competente, em momentos mais oportunos, com termos prefixados por escrito ou semelhante. Incentive-se a celebração sagrada da Palavra de Deus, nas vigílias das festas mais solenes, em algumas férias do Advento e da Quaresma, como também nos domingos e dias santos, sobretudo naqueles lugares onde falta o padre [...] (SC 34-35).

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respeitados quando a novena é celebrada juntamente com a eucaristia. Assim sendo,

cabe à pessoa que fará a homilia fazer a conexão da novena de Nossa Senhora do

Perpétuo Socorro à luz da Palavra de Deus134.

Por fim, o caminho é longo e muito ainda deve ser priorizado no processo

formativo. Contudo, a nossa perspectiva sobre a pastoral litúrgica enfatizando a piedade

popular em Tocantinópolis nos leva a recordar as consequências que na prática litúrgica

precisamos superar, salvaguardando a experiência pascal na vida das pessoas e da

comunidade, porque a liturgia é essencialmente comunitária135.

A novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro em Tocantinópolis, como já foi

mencionado também no capítulo I, tem sua importância cultual como expressão de fé

das pessoas piedosas. No entanto, considerando a primazia da eucaristia, é preciso que

alguns pontos sejam mais bem esclarecidos. Entre eles destacamos:

— A novena é uma celebração própria com característica da espontaneidade religiosa

por parte dos fiéis, embora tenha sido introduzida por missionários que vieram de fora.

Porém isso não lhe tira o caráter de piedade popular, uma vez que foi assimilada pela

índole popular;

— A novena tem seu lugar na Igreja, porém, jamais poderá ser um complemento da

missa. Por isso a junção entre novena e missa precisa ser bem estudada;

134“Pode-se se celebrar a novena com a eucaristia ou com o Ofício Divino respeitando sua estrutura e os textos próprios do dia, com as opções permitidas e inclusive fomentadas, mas não mesclando os atos litúrgicos com os devocional-piedosos. Por isso os atos queridos pelo povo (Rosário, Ângelus, reflexões, leituras de autores espirituais e orações devocionais) devem acontecer antes ou depois da missa, nunca na missa (cf. MC, 48; OCAM, 54). Desse modo podem-se selecionar na homilia aqueles aspectos presentes nas leituras ou em algum texto litúrgico do ordinário ou do próprio para explicar ou estender o mistério de Cristo em conexão objetiva com as demandas e expectativas da assembleia que se sente particularmente “arrebatada” pela denominação ou devoção inculcada na novena. Mas não é o pregador nem a assembleia quem determina a temática da pregação. É a leitura bíblica que assinala a “direção”, a orientação e o prolongamento quanto ao matiz do mistério celebrado. Isso naturalmente exige maior preparação, mais reflexão, mais programação, partindo da fidelidade ao espírito e às normas do dia litúrgico, assinaladas pelo calendário geral da Igreja ou pelo particular de uma Igreja local ou congregação religiosa” (cf. GONZÁLEZ, Ramiro, 2007, p. 201-202). 135“As ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é o “sacramento da unidade” [....]. Por isso estas celebrações pertencem a todo o Corpo da Igreja, e o manifestam e afetam; mas atingem a cada um dos membros de modo diferente, conforme a diversidade de ordens, ofícios e da participação atual” (SC 26).

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— Mesmo sendo uma tradição popular, há necessidade de aprofundamento e de atenção

ao que ensina a Igreja neste campo específico136.

Os ensinamentos da Igreja sobre a sagrada liturgia (missa e piedade popular) não

indicam proibição ou controle sobre os exercícios de piedade popular mariana, mas

ajudam na formação e acompanhamento destas riquezas cultuais. Portanto, inserir uma

novena na missa, que já possui toda sua ordem celebrativa, não é o caminho mais

sensato. Jamais uma novena poderá substituir, por exemplo, a liturgia da Palavra,

porque tanto a missa como a novena tem sua própria liturgia da Palavra. E mais anda

em relação à missa, existe um calendário litúrgico preparado cuidadosamente pela

Igreja, em comunhão em qualquer lugar do mundo a cada dia conforme o ano litúrgico.

A questão que se levanta é muito prática: onde e quando então pode ser rezada a

novena? A questão não é tão simples e deve envolver os pastores e fiéis para que a

celebração da novena aconteça num horário que não seja o mesmo da missa. São duas

celebrações, porém, cada uma com sua natureza, e nenhuma das duas compete entre

si137. Por outro lado, confundir a celebração da missa com a reza da novena é não

entender que a missa é o momento cume da celebração do mistério pascal de Cristo.

Há, portanto da parte da Igreja uma preocupação para que aconteça uma sincera

acolhida das expressões de piedade com sabedoria. Portanto a formação deverá ser uma

constante na vida das comunidades, e com essa atitude pastoral busca-se valorizar a

disposição dos leigo/as que livremente e de bom grado têm colaborado com as

136“O ensinamento da Igreja sobre a questão das relações entre Liturgia e práticas de piedade pode ser resumido nestes termos: a Liturgia, na sua natureza, é muito superior às práticas de piedade e, por isso, na prática pastoral, é preciso dar à Liturgia o lugar proeminente que lhe compete em relação às práticas de piedade; Liturgia e práticas de piedade devem coexistir no respeito à hierarquia dos valores e da natureza específicas de ambas as expressões cultuais” (Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos. Diretório sobre Piedade Popular e Liturgia. Princípios e orientações. São Paulo: Paulinas, 2003, n. 73, p. 71). 137“Deve-se evitar, pois, a confusão e a mistura híbrida entre Liturgia e práticas de piedade. E também evitar contrapor Liturgia e práticas de piedade [...]. Evitar o perigo de simplesmente eliminar as práticas de piedade podendo criar um vazio [...]”. Congregação para o culto divino e disciplina dos sacramentos. Diretório sobre Piedade popular e Liturgia. 2003, n. 74, p. 72.

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celebrações litúrgicas da Igreja. Todo esse trabalho exige também um acompanhamento

por parte dos pastores de acordo com o tempo e ação pastoral paroquial prevista e

planejada a cada ano.

Em Tocantinópolis as experiências com a novena a Nossa Senhora do Perpétuo

Socorro têm sido uma riqueza, embora seja necessário um olhar mais eclesiológico, no

sentido de firmar um trabalho voltado para este tipo de prática de piedade. É preciso

deixar fluir naturalmente como bênção de Deus na Igreja sem descuidar de acompanhar

o rebanho de Cristo. “[...] apascenta as minhas ovelhas [...]” (cf. Jo 21, 17).

Cristo ao confirmar Simão Pedro como pastor oficial deixou claro que as ovelhas são

suas. Pedro e cada um dos que estão à frente dos trabalhos pastorais têm a incumbência

de cuidar daquilo que é do Pastor eterno. Nesse sentido, vale lembrar que somente com

“os mesmos sentimentos de Cristo” (cf. Fl 2, 5) se fará uma pastoral litúrgica que seja

significativa em âmbito diocesano ou paroquial.

Uma pastoral litúrgica bem organizada necessita de bastante flexibilidade diante de

determinadas questões, caso contrário, a dinâmica da liturgia não expressa seu real

significado. O engessamento litúrgico provém exatamente da falta de abertura para

aprofundar melhor o que celebramos e o que tem primazia na nossa vida e missão

evangelizadora. Portanto a liberdade de adaptação litúrgica é necessária, mas precisa de

critérios.

As motivações para que a pastoral litúrgica em Tocantinópolis seja bem

desenvolvida, estão em plena comunhão com aquilo que a Igreja ao longo dos anos vem

instruindo com sabedoria. Contudo, por ser uma realidade que possui suas

características peculiares, requer uma atenção cuidadosa naquilo que a Igreja

anteriormente fala sobre a inculturação. A adaptação de elementos culturais existentes

na diocese, como por exemplo, da cultura indígena, que ocupa vários lugares da região,

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é um dado relevante. Por outro lado, deve-se considerar uma série de influências

culturais de outros Estados como Goiás, Maranhão e Pará. Essas riquezas culturais

foram dando um rosto mais próprio à Igreja de Tocantinópolis.

Os perigos são constantes em matéria de inculturação na prática pastoral, também na

diocese de Tocantinópolis devido à visão do “praxicismo” para alcançar resultados

imediatos por causa das influências de Igrejas neopentecostais, que comumente são

opositoras da devoção mariana, e muitas pessoas deixam-se manipular facilmente pelas

ideias dos “evangélicos neopentecostais”, exatamente pelo desconhecimento sobre a

sagrada liturgia e piedade popular na Igreja.

A partir dos elementos introdutórios às perspectivas para a pastoral litúrgica em

Tocantinópolis (relação entre pastoral e liturgia; inculturação na pastoral litúrgica;

celebração eucarística e a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro), daremos

continuidade com possíveis propostas que esperamos poder ajudar no desenvolvimento

posterior de um projeto de pastoral litúrgica a ser operacionalizado no decorrer do ano

litúrgico.

4. Indicações para a Pastoral Litúrgica na Diocese de Tocantinópolis durante

o Ano Litúrgico138

138“A Santa Mãe Igreja julga seu dever celebrar em certos dias no decurso do ano, com piedosa recordação, a obra salvífica de seu divino Esposo. Em cada semana, no dia que ela chamou Domingo, comemora a Ressurreição do Senhor, celebrando-a uma vez também, na solenidade máxima da Páscoa, juntamente com sua sagrada Paixão. No decorrer do ano, revela todo o Mistério de Cristo, desde a Encarnação e Natividade até a Ascensão, o dia de Pentecostes e a expectação e vinda do Senhor. Relembrando destarte os Mistérios da Redenção, franqueiam aos fiéis as riquezas do poder santificador e dos mistérios de seu Senhor, de tal sorte que, de alguma forma, os torna presentes em todo o tempo, para que os fiéis entrem em contato com eles e sejam repletos da graça da salvação. Nesta celebração anual dos mistérios de Cristo, a Santa Igreja venera com especial amor a Bem-aventurada Mãe de Deus Maria, que por um vínculo indissolúvel está unida à obra salvífica de seu Filho; nela admira e exalta o mais excelente fruto da Redenção e a contempla com alegria como uma puríssima imagem daquilo que ela anseia e espera ser. No decorrer do ano a Igreja inseriu ainda as memórias dos Mártires e dos outros Santos, que conduzidos à perfeição pela multiforme graça de Deus e recompensados com a salvação eterna, cantam nos céus o perfeito louvor de Deus e intercedem em nosso favor [...]. Enfim, nos vários tempos do ano, segundo as instituições tradicionais, a Igreja aperfeiçoa a formação dos fiéis por piedosos exercícios da alma e do corpo, pela instrução, pela oração e pelas obras de penitência e misericórdia.” (cf. SC 102-104).

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O ano litúrgico é um tempo privilegiado na Igreja pelo qual a pastoral litúrgica se

desdobra como ação pastoral organizada, e nesse sentido, elabora as principais

atividades conforme as Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e sobre o Calendário

(NUALC), nos quais estão as principais solenidades, com seus desdobramentos, suas

festas, memórias obrigatórias ou facultativas. Celebramos também com fé e piedade as

festas da Mãe de Deus, dos Mártires e demais Santos e Santas.

Partindo dessas considerações sobre o ano litúrgico, percebemos que toda a

organização de como se celebrar em nosso tempo os mistérios de Cristo e da sua Igreja,

possui também uma tonalidade pastoral. Diferentemente do ano civil139, o ano litúrgico

tem sua elaboração conforme os tempos litúrgicos, ou seja, os acontecimentos principais

do mistério de Cristo (o domingo da Ressurreição) na sua Igreja são celebrados (com a

nossa participação) na disposição do Calendário Litúrgico Anual, tendo como

centralidade e fundamento de todo ano litúrgico o mistério pascal de Cristo. (cf. Missal

Romano. Prefácio da Páscoa I).

Como percebemos não se pode separar a liturgia como obra divina da vida humana,

porque a própria natureza da ação litúrgica no seu cume é unir o céu à terra e santificar

a humanidade que vive em pecado. O desejo de Deus, que manifestou seu Filho amado

é “que não se perca nada do que ele me deu, mas o ressuscite no último dia” (Jo 6, 39),

desse modo, o caminho a ser percorrido pela pastoral litúrgica levará a esta realização

plena da Páscoa de Cristo em todos os tempos litúrgicos da Igreja, a começar pelo dia

do Ressuscitado – o Domingo.

139“Sendo o domingo a Páscoa semanal que evoca o dia em que Cristo ressuscitou dos mortos, ele é também o dia que revela o sentido do tempo. Não tem qualquer afinidade com os ciclos cósmicos que segundo a religião natural e a cultura humana poderiam ritmar o tempo, fazendo crer talvez ao mito do eterno retorno [...]”. João Paulo II. Dies Domini. Sobre a santificação do domingo. São Paulo: Paulinas, 1998, n. 75, p. 82.

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5. Indicações para uma boa relação em Tocantinópolis da piedade mariana e

a celebração do Dia do Senhor140

O Domingo, após a Ressurreição de Cristo foi chamado inicialmente o primeiro dia

da semana após o sábado (cf. Jo 20, 1ss), em conformidade com este ato salvífico os

apóstolos e demais seguidores de Cristo oficializaram o dia do Senhor, com a

celebração do seu memorial, da sua Páscoa. Posteriormente o domingo passou a ser o

dia também da Igreja que se reúne para o encontro com o Ressuscitado presente na

Palavra e nas espécies consagradas do pão e do vinho (cf. At 2, 42-47).

A eucaristia tem, portanto, a primazia sobre os demais sacramentos e sacramentais

na Igreja, e por isso ela é a fonte e o ápice de todas as ações litúrgicas e pastorais (cf. SC

10). Então propomos a esse respeito as seguintes indicações pastorais:

— Seja favorecida na diocese de Tocantinópolis a formação sobre a missa (não apenas

leituras de manuais) envolvendo o maior número possível de fiéis na busca de responder

aos anseios de uma participação digna dos envolvidos no único mistério de Cristo;

— Considerando a santificação do domingo, que seja fortalecido o princípio dominical,

reservando o domingo para a celebração do dia do Senhor. A celebração litúrgica não é

apenas cultual; é também serviço (basta ver as funções e ministérios no mesmo ato de

culto), por isso não podemos justificar trabalhos pastorais no domingo com certas

frases, por exemplo, “as pessoas trabalham e só podem no domingo”. Por outro lado se

pode perguntar: “qual tempo essas pessoas têm para dedicar às suas famílias e aos

trabalhos da casa?”. Uma alternativa será: conhecendo as realidades de cada

140“Segundo o unânime testemunho evangélico, a Ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos aconteceu no “Primeiro dia da semana depois do sábado” (cf. Mc 24, 16; Lc 24, 1; Jo 20, 1). Naquele mesmo dia o Ressuscitado manifestou-se aos dois discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35) e apareceu aos onze Apóstolos que estavam reunidos (cf. Lc 24, 36; Jo 20, 19) [...], desde os primeiros tempos apostólicos, “o Primeiro dia depois do sábado”, primeiro da semana começa a caracterizar o próprio ritmo da vida dos discípulos de Cristo (cf. 1Cor 16, 2). João Paulo II. Dies Domini. Sobre a santificação do domingo. São Paulo: Paulinas, 1998, n. 20-21, p. 24-25.

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comunidade, escolher com sensatez dias que possam viabilizar a participação sem

sacrificar o convívio familiar no domingo que tem sua importância, é também dia do

descanso (cf. SC 106).

— Que outras celebrações não se anteponham à importância litúrgica do dia do Senhor,

salvo as exceções pastorais reservadas à Sé Apostólica, a cada Conferência Episcopal e

diocesana (cf. SC 39-40). Neste sentido não devem prevalecer as iniciativas de piedade

popular como, por exemplo, a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, como

substituição da missa dominical. Na falta do padre, haja a celebração da liturgia da

Palavra do Dia do Senhor141.

6. Indicações para a pastoral litúrgica nos tempos “fortes” do Ano litúrgico

em Tocantinópolis

Depois do domingo, a Igreja estabeleceu no Calendário Geral de liturgia as

principais solenidades: Quaresma-Páscoa e Advento-Natal são celebrações do único

mistério Redentor em tempos diferentes do ano civil. O Natal e a Páscoa também são

chamados de tempos fortes na liturgia, pela intensidade do valor central do mistério de

Cristo. Por isso devemos primar pela espiritualidade própria de cada um deles, porque

celebramos sempre o memorial do Senhor que continua sendo atualizado na história

humana em formas sacramentais. Para isso oferecemos as seguintes indicações

pastorais:

— Nos tempos fortes do ano litúrgico, apenas se orienta que os dias próximos ao Natal

e à Páscoa, possuem sua própria índole, nem por isso abandonamos a piedade mariana

141“O “dia do Senhor”, enquanto “festa primordial” e “fundamento e núcleo” de todo o Ano litúrgico não deve estar subordinado às manifestações de piedade popular. Portanto, não é o caso de insistir sobre práticas de piedade para cujo exercício seja escolhido o domingo como ponto de referência cronológica”. SC, n. 106. In:DPPL, n. 95, p. 91).

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(especialmente no tempo Advento-Natal)142. Pelo contrário, é preciso fortalecer ainda

mais essas expressões de fé. Contudo, sejam considerados esses dias os mais

importantes depois do domingo e prevaleça o que a Igreja prevê para o bem dos fiéis

(cf. SC 39-40).

— No tempo Quaresma-Páscoa, por ser mais intensa a preparação dos fiéis para a

celebração central do mistério de Cristo, a tonalidade é própria em sua densidade

litúrgica. Por essa razão a piedade popular não tem a mesma conotação como no

Advento-Natal, porém ainda assim, alguns elementos da piedade popular estão

associados ao sofrimento (paixão) do Senhor143. No âmbito da pastoral litúrgica

diocesana, devem ser consideradas as principais iniciativas da Igreja existentes nestes

tempos fortes (Advento-Natal, Quaresma-Páscoa), para promover um maior

fortalecimento das expressões de piedade popular mariana sem prejuízo ou perda da

identidade original da liturgia cristã católica. Para isso é indispensável que os

responsáveis pela formação estejam imbuídos do espírito pastoral144 e acolham com

142“A piedade popular é sensível ao tempo do Advento, sobretudo enquanto memória da preparação da vinda do Messias [...]. Os fiéis são particularmente sensíveis às dificuldades que a Virgem Maria teve de enfrentar durante a gravidez e se comovem ao pensar que na hospedaria não havia lugar para José e Maria, quando estava para dar à luz o Menino (cf. Lc 2, 7) [...], surgiram várias expressões de piedade popular que mantém a fé do povo e transmitem, de uma geração a outra, a consciência de alguns valores desse tempo litúrgico. A coroa do Advento; as procissões do Avento; A novena do Natal e o presépio [...]. A piedade popular, por sua compreensão intuitiva do mistério cristão, pode contribuir eficazmente para salvaguarda de alguns valores do Advento,ameaçados por um costume no qual a preparação do Natal se reduz a uma “operação comercial” com mil propostas vazias provenientes de uma sociedade de consumo”. DPPL, n. 97-99. 103-105). 143“No âmbito da piedade popular o sentido mistérico da Quaresma não é facilmente percebido e não são acolhidos alguns de seus grandes valores e temas, tais como a relação entre “o sacramento dos quarenta dias” e os sacramentos da iniciação cristã, como também o mistério do “êxodo” presente ao longo de todo itinerário quaresmal. Segundo uma constante piedade popular, levada a se deter nos mistérios da humanidade de Cristo, na Quaresma os fiéis concentra a sua atenção na Paixão e morte do Senhor” (cf. DPPL, n. 124). 144“Como nem sempre e nem em todos os lugares o Bispo, em sua Igreja, pode estar pessoalmente à frente do rebanho todo, deve necessariamente organizar comunidades de fiéis. Entre eles sobressaem as paróquias, confiadas a um pastor local, que as governe, fazendo as vezes do bispo: pois de algum modo eles representam a Igreja visível estabelecida por toda terra. Por isso a vida litúrgica da paróquia e sua relação com o Bispo deve ser favorecida na mente e na práxis dos fiéis e do clero. Haja esforço para que floresça o espírito de comunidade paroquial, mormente na celebração comunitária da missa dominical”. Compendio Vat II. 1996. In Sacrosanctum Concílio, n. 42, p. 277.

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sabedoria as riquezas da piedade popular em vista de um maior aproveitamento na

pastoral litúrgica, considerando também o Tempo Comum na liturgia da Igreja.

7. Indicações para a Pastoral litúrgica durante o Tempo Comum do ano

litúrgico145 em Tocantinópolis

Durante o ano litúrgico existe o chamado tempo comum, no qual celebramos os

mistérios de Cristo e da Igreja como as festas e memórias da Virgem Maria, dos

Mártires e demais santos e santas. O tempo comum é apropriado para que sejam

proporcionadas as formas de valorização da piedade popular em especial mariana, pois

se costuma dedicar uma atenção às maravilhas de Deus na sua Igreja pela intercessão da

Virgem Maria146. Vale lembrar mais uma vez que todas as celebrações do Tempo

145“Além dos tempos que têm característica própria, restam no ciclo anual trinta e três ou trinta e quatro semanas nas quais não se celebra nenhum aspecto especial do mistério de Cristo; comemora-se nelas o próprio mistério de Cristo em sua plenitude, principalmente aos domingos. Este período é chamado Tempo comum. O Tempo comum começa na segunda-feira que segue o domingo do dia 6 de janeiro e se estende até à terça-feira antes da semana da Quaresma inclusive; recomeça na segunda-feira depois do Domingo de Pentecostes e termina antes das Primeiras Vésperas do 1º domingo do Advento”. As introduções dos livros litúrgicos. São Paulo: Paulus, 2004, n. 43-44, p. 218. 146“Quase todas as práticas de piedade mariana se ligam a uma festa litúrgica presente no Calendário geral do Rito Romano ou nos calendários particulares das dioceses ou das famílias religiosas. Às vezes, a prática de piedade é anterior à instituição da festa (é o caso do santo rosário); outras vezes, a festa é bem anterior à prática de piedade (é o caso Ângelus Domini). Esse fato ressalta a relação que existe entre Liturgia e práticas de piedade e como estas últimas encontram o seu momento culminante na celebração da festa. Enquanto litúrgica, a festa se remete à história da salvação e celebra um aspecto da associação da Virgem Maria ao mistério de Cristo. Portanto deve ser celebrada segundo as normas da Liturgia e no respeito à hierarquia entre “ações litúrgicas” e “práticas de piedade” conexas. Contudo, uma festa da bem-aventurada Virgem, enquanto manifestação popular traz consigo valores antropológicos que não devem ser descuidados [...]. A piedade popular também é sensível à valorização do sábado como dia de santa Maria [...]. Tríduos, setenários, novenas podem ser ocasião não somente para dar vida a práticas de piedade em honra da bem-aventurada Virgem, mas também para oferecer aos fiéis uma visão adequada sobre o lugar que ela ocupa no mistério de Cristo e da Igreja e sobre a função que nela exerce. De fato, as práticas de piedade não podem permanecer estranhas às progressivas aquisições da pesquisa bíblica e teológica sobre a Mãe do Salvador; ao contrário, devem se tornar, sem que seja alterada a sua natureza, meio catequético para o testemunho e a difusão da mesma [...]. No Ocidente, os meses dedicados à Virgem, surgidos numa época em que se fazia pouca referência à Liturgia como forma normativa d culto cristão, se desenvolveram paralelamente ao culto litúrgico. Isso provocou e continua provocando alguns problemas de índole litúrgico-pastoral que merecem uma cuidadosa atenção [...]. Limitando-nos ao costume ocidental de celebrar um “mês mariano”, em maio (Em novembro, em alguns países do hemisfério sul), será oportuno levar em conta exigências da Liturgia, das expectativas dos fiéis, do amadurecimento deles na fé, e estudar o problema suscitado pelos “meses marianos” no âmbito da “pastoral de conjunto” da Igreja local, evitando situações de conflitos pastorais que desorientem os fiéis,

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Comum na Igreja têm o seu fundamento no mistério pascal do Senhor, ou seja, sem a

Páscoa cristã não teriam sentido as demais celebrações litúrgicas. Nesse aspecto a Igreja

sabiamente dividiu o Tempo Comum em dois períodos do ano litúrgico, a saber: 1) a

partir do encerramento do Tempo Pascal até a solenidade de Cristo Rei do Universo

(período mais longo do TC); 2) a partir do encerramento do Tempo do Natal até o início

da Quaresma - Quarta-feira de Cinzas (período mais breve do TC).

No Tempo Comum, podemos com espírito pastoral, promover a formação adequada

sobre a liturgia e piedade popular, destacando a celebração da novena a Nossa Senhora

do Perpétuo Socorro como acontecimento durante a semana e que tem sua índole

enquanto novena ligada ao mistério de Cristo. Para isso oferecemos a seguinte indicação

pastoral:

— Na formação litúrgica, seja na medida do possível enfatizado: 1) o contexto histórico

e devocional em relação ao culto mariano; 2) a teologia que sustenta essa experiência

secular; 3) a profunda e inerente ligação com o mistério de Cristo e sua Igreja (liturgia);

4) os frutos dessa prática na vida das pessoas piedosas e em suas comunidades; 5) e que

durante o ano pastoral, algo em âmbito diocesano ou regional possa ser realizado além

do que já está previsto, por exemplo, um mini congresso sobre liturgia e piedade

popular, com ênfase principal à novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de

preferência em um mês que seja marcado mais fortemente pela devoção mariana, por

exemplo, maio.

Essa formação seja cuidadosamente orientada, para que os participantes se tornem

multiplicadores nas mais variadas comunidades que, por razões de difícil acesso ou até

mesmo financeiras, se sentem privadas de participar. Na diocese de Tocantinópolis

muitas lideranças têm demonstrado o interesse de aprimorar mais os conhecimentos

como aconteceria, por exemplo, se obrigasse a abolir o “mês mariano”. Em muitos casos, a solução mais oportuna será a de harmonizar os conteúdos do “mês mariano” com o concomitante tempo do Ano litúrgico”” (DPL, n. 187-191).

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para melhor colaborar, porém pelos fatores que impedem nem sempre avançam as

forças vivas das comunidades. Nessa indicação pastoral podemos acrescentar o

empenho solidário entre irmãs e irmãos em Cristo, a exemplo das primeiras

comunidades (cf. At 2, 44-45).

No que se refere às festas e memórias litúrgicas durante o TC é também uma rica

oportunidade para que durante as festas e memórias marianas se faça algo no campo

pastoral litúrgico, oferecemos a seguinte indicação pastoral:

Nas regiões ou paróquias de Tocantinópolis por ocasião das festas em honra à Virgem,

independentemente do título, as lideranças com o pároco promovam também momentos

de aprofundamento pastoral da presença de Maria na liturgia. Isso necessita de um

empenho para fazer chegar ao conhecimento dos piedosos fiéis à solidez do culto cristão

com a veneração à Virgem Maria e aprender também com ela na escola de Nazaré147 o

verdadeiro sentido da sua presença na vida eucarística e eclesial, como também o

exemplo deixado pelos santos padroeiros das paróquias e comunidades.

8. Indicações para a Pastoral Litúrgica durante a festa dos santos padroeiros

ou patronos148 em Tocantinópolis

147“Viver o memorial da morte de Cristo na Eucaristia implica também receber comunitariamente esse dom. significa levar conosco – a exemplo de João aquela que sempre de novo nos é dada como mãe. Significa ao mesmo tempo assumir o compromisso de nos conformarmos com Cristo, entrando na escola da mãe e aceitando a sua companhia. Maria está presente, com a Igreja e como Mãe da Igreja, em cada uma das celebrações eucarísticas [...]. Por isso mesmo, desde a antiguidade é unânime nas Igrejas do Oriente e do Ocidente a recordação de Maria na celebração eucarística”. João Paulo II. Ecclesia De Echaristia. Sobre a eucaristia e sua relação com a Igreja. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 77-78. 148“A piedade popular, sobretudo a partir da Idade Média, deu amplo espaço às procissões votivas, que na idade barroca atingiram o seu apogeu: para honrar os Santos patronos de uma cidade ou aldeia ou corporação são levadas processionalmente as relíquias ou uma estátua ou uma imagem pelas ruas da cidade. Nas formas genuínas, as procissões são manifestações de fé do povo, muitas vezes com conotações culturais capaz de despertar o sentimento religioso dos fiéis. Contudo, sob a perspectiva cristã as “procissões votivas dos Santos”, como outras práticas de piedade, são expostas a alguns riscos: a prevalência das devoções sobre os sacramentos, que são relegados a um segundo lugar, e das manifestações externas sobre as disposições internas; considerar a procissão como um momento culminante da festa; a configuração do cristianismo, aos olhos dos fiéis não suficientemente instruídos, somente como uma “religião dos Santos”; a degeneração da própria procissão que, de testemunho de fé, se torna mero espetáculo ou desfile puramente folclórico” (cf. DPPL, n. 246).

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Sobre esse tema vale lembrar que o Calendário Anual de Liturgia ressalta a

importância que existe na festa do principal padroeiro na paróquia na ordem de

precedência149. Ou seja, sem menosprezar os demais padroeiros das comunidades que

formam a paróquia, a precedência litúrgica é daquele em cujo título e proteção e coloca

toda a paróquia. Esse esclarecimento também desperta para a comunhão paroquial dos

fiéis, a fim de todos se sintam membros da mesma família paroquial sem prejudicar a

identidade de cada comunidade. Do ponto de vista pastoral, a festa de um Santo

padroeiro poderá ser ocasião propícia para que se estabeleça uma maior intimidade com

o testemunho de vida deixado pelo Santo Padroeiro no segmento de Cristo.

Na verdade, o centro da história de cada Santo é o mistério de Cristo, que por meios

diferentes atraiu para si os que nele confiaram e aceitaram santificar também a própria

vida neste mundo. Por essa razão é que na liturgia celebramos no mistério de Cristo o

149“A celebração de uma festa em honra de um Santo – tudo o que se refere aos Santos se aplica, servatis, servandis, também aos Bem – aventurados – é sem dúvida expressão eminente do culto que a comunidade eclesial lhe presta: em muitos casos, implica a própria celebração da Eucaristia. A determinação do “dia da festa” é um fato cultual relevante, e às vezes complexo, porque para ela concorrem fatores históricos, litúrgicos e culturais de não fácil harmonização [...]: é preciso instruir os fiéis sobre a ligação que há entre as festas dos Santos e a celebração do mistério de Cristo. Com efeito, as festas dos Santos, reconduzidas à sua íntima razão de ser, trazem á luz as realizações concretas do desígnio salvífico de Deus e “proclamam as maravilhas de Cristo manifestadas por seus servidores” (SC 111), as festas dos membros, os Santos, são definitivamente festas da cabeça, Cristo [...]; é oportuno que os fiéis sejam exortados a preferir festas dos Santos que exerçam uma função de graça em relação à Igreja particular, como, como os patronos ou aqueles que primeiro anunciaram a Boa – Nova à antiga comunidade; enfim, é útil que seja convenientemente mostrado aos fiéis o critério da “universalidade” dos Santos inscritos no Calendário Geral, assim como o significado do grau da sua celebração litúrgica: solenidade, festa e memória (obrigatória ou facultativa). O dia da festa do Santo se reveste de grande importância sob o ponto de vista tanto da Liturgia quanto da piedade popular. Num mesmo breve espaços de tempo, numerosas expressões cultuais, ora litúrgicas, ora populares, concorrem, com o risco de alguns conflitos, para configurar o “dia do Santo”. Os eventuais conflitos devem ser resolvidos à luz das normas do Missal Romano e do Calendário Romano Geral a respeito do grau da celebração do Santo ou do Bem – aventurado, estabelecido segundo a sua relação com a comunidade cristã (Patrono principal do lugar, Nome da Igreja, Fundador de uma comunidade religiosa ou seu patrono principal); [...]. É preciso que a festa do Santo seja cuidadosamente preparada e celebrada sob o ponto de vista litúrgico e pastoral. Isso implica, antes de tudo, uma correta apresentação da finalidade pastoral do culto aos Santos, ou seja, a glorificação a Deus, “admirável em seus Santos” (cf. Liturgia das Horas. Comum dos santos homens. Invitatório), e o compromisso de levar uma vida modelada no ensinamento e no exemplo de Cristo, de cujo corpo místico os Santos são membros eminentes. O “dia do Santo” tem também um grande valor antroplógico: é dia de festa. E a festa – se sabe – corresponde a uma necessidade vital do homem, tem origem na aspiração à transcendência [...]. A celebração eucarística é um momento singular de comunhão com os Santos do céu” (cf. DPPL 227-234).

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testemunho e santidade do santo padroeiro, que de certo modo nos aponta para fazer o

mesmo. A esse respeito oferecemos a seguinte indicação pastoral:

— Na diocese de Tocantinópolis, por ocasião das festas do padroeiro principal de uma

paróquia ou da própria diocese, seja promovida a riqueza que existe entre a experiência

de piedade popular na vida de um Santo e a teologia litúrgica que fundamenta essa

prática de piedade popular para que essa difusão seja mais sedimentada numa visão

eclesiológica e pastoral.

A partir dessas indicações para a pastoral litúrgica em Tocantinópolis,

particularmente sobre a novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, chamamos a

atenção para os sacramentais, ou seja, as bênçãos sobre pessoas, objetos de fé e piedade

do povo cristão católico, que geralmente parecem ter forte ligação com as necessidades

pessoais no dia a dia150. Estes sacramentais precisam esclarecimentos mais precisos da

sua eficácia e do lugar que ocupam no imaginário religioso dos fiéis e da própria

liturgia. Para isso propomos a seguintes indicações pastorais:

— Na diocese de Tocantinópolis, dentro do mesmo contexto a ser trabalhado sobre a

novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, haja uma dedicação do tempo também

para aprofundar melhor a relação entre sacramentos e sacramentais.

— A concretização das indicações para a pastoral litúrgica em Tocantinópolis, deve ser

inicialmente a partir do conhecimento da nossa diocese (paróquias como parte

integrante de uma única igreja local). Sabemos da importância de uma pastoral

orgânica151 no conjunto de atividades diocesanas. Portanto, sejam as indicações nesta

150“[...]; a bênção dos filhos, prevista no Ritual [...], bênção das velas com origem na festa da Apresentação do Senhor (2 de Fevereiro); bênção das famílias, dos enfermos da água, dos terços, medalhas, relíquias de santos imagens de Santos, peregrinos” [...] (cf. RITUAL ROMANO. Ritual de Bênçãos. Bênçãos de Rosários de Nossa Senhora, cit., 1183-1207. In: DPPL nn. 112. 152. 198. 206. 237. 244. 287. 151“A Diocese, presidida pelo bispo, é o primeiro espaço da comunhão e da missão. O bispo deve estimular e conduzir uma ação pastoral orgânica renovada e vigorosa, de maneira que a variedade de carismas, ministérios, serviços e organizações se orientem no mesmo projeto missionário para comunicar vida no próprio território. Esse projeto, que surge de um caminho de variada participação torna a pastoral

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dissertação apresentadas em assembleia ou possíveis reuniões, para uma frutuosa

realização da pastoral litúrgica em sintonia com as demais pastorais diocesanas.

A nossa esperança está alicerçada nas orientações do Concílio Vaticano II. O que foi

de fato poderá ajudar o desenvolvimento de uma pastoral litúrgica diocesana. Porém

não podemos imaginar uma articulação pastoral litúrgica sem a composição de uma

comissão diocesana152. Partindo desse princípio, a pastoral litúrgica conta com as forças

vivas em cada paróquia, que estejam de certo modo inseridas em algum trabalho em

prol da liturgia da Igreja. Assim sendo, o trabalho terá o seu desdobramento em espírito

de comunhão em vista de uma autêntica evangelização na Igreja diocesana em todo os

seu âmbito de paróquias e comunidades.

Para isso é preciso que todos os líderes estejam abertos a acolher as iniciativas para a

pastoral litúrgica em Tocantinópolis e sejam os primeiros responsáveis pela formação

de agentes (os pastores locais de cada paróquia) em comunhão com as orientações

pastorais diocesanas, salvaguardando a comunhão presbiteral153 e pastoral. Certamente

com o espírito de acolhida e disposição para a evangelização na Igreja particular de

Tocantinópolis teremos muitos e bons frutos com a colaboração dos fiéis

orgânica, capaz de dar resposta aos novos desafios. Porque um projeto só e suficiente se cada comunidade cristã, cada paróquia, cada comunidade educativa, cada comunidade de vida consagrada, cada associação ou movimento e cada pequena comunidade se inserem ativamente na pastoral orgânica da diocese. Cada uma é chamada a evangelizar de modo harmônico e integrado no projeto pastoral da Diocese” (cf. DAp, n. 169, p. 86). 152“[...] haja em cada diocese uma Comissão de Liturgia Sacra, para promover a ação litúrgica, sob a orientação do Bispo [...]. Além da Comissão de Liturgia Sacra, constituam em cada diocese, enquanto possível, também comissões de Música Sacra e de Arte Sacra” (cf. SC, n. 45-46). 153“[...]. Por causa desta comunhão no mesmo sacerdócio e ministério, os bispos tenham os Presbíteros em conta de irmãos e amigos, e na medida de suas forças tomem a peito o bem deles, tanto o material, quanto sobretudo o espiritual [...] todos os Presbíteros, tanto diocesanos quanto religiosos, se ajudem uns aos outros, para serem cooperadores da verdade [...], cada qual está unido por laços especiais de caridade apostólica e fraternidade: é o que já desde tempos antigos se exprime liturgicamente na hora em que os Presbíteros presentes são convidados a impor as mãos sobre o novo eleito, junto com o Bispo que ordena, e quando em oração unânime concelebram a Sagrada Eucaristia”. Compendio Vat II, 1996. In: Decreto Presbyterorum Ordinis, n. 7-8).

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Quando nos referimos à comissão diocesana da pastoral litúrgica queremos também

chamar a atenção sobre a relevante colaboração de cada paróquia154 (formada

geralmente por comunidades), pois sem um trabalho de base nas paróquias dificilmente

haverá na prática uma autêntica Comissão Diocesana de Pastoral Litúrgica. Para esse

fim damos mais uma indicação pastoral:

— Para que haja uma mobilização diocesana da pastoral litúrgica sejam promovidos a

nível paroquial momentos de formação litúrgica numa visão mais abrangente,

constituindo também uma equipe ou comissão paroquial de pastoral litúrgica (com

ênfase à piedade popular) sem perder o foco da evangelização155.

Por fim, no decorrer de todo processo formativo na Diocese de Tocantinópolis,

apresentamos mais duas indicações:

— A pastoral litúrgica seja contemplada como uma das principais na vida da Igreja e

em comunhão com o projeto pastoral diocesano.

— As atribuições sobre a pastoral litúrgica sejam de igual modo acolhidas pelos

presbíteros e diocesanos. Isso caracteriza na prática, uma Igreja que expressa sua

comunhão na participação das atividades que de certo modo concorrem para o bom

desempenho da evangelização na diocese.

As indicações pastorais apresentadas não fecham a possibilidade do enriquecimento

a partir de outras possíveis sugestões que poderão surgir eventualmente das reais

necessidades pastorais na Diocese de Tocantinópolis. Por esta razão é que este último

capítulo tem a finalidade de somar com as iniciativas de pastoral litúrgica já existente

154 “Todos os membros da comunidade paroquial são responsáveis pela evangelização dos homens e mulheres em cada ambiente [...]. Os melhores esforços das paróquias [...] devem estar na convocação e na formação de leigos missionários. Só através da multiplicação deles poderemos chegar a responder às exigências missionárias do momento atual [...]. Seguindo o exemplo da primeira comunidade cristã (cf. At 2, 46-47), a comunidade paroquial se reúne para partir o pão da Palavra e da Eucaristia e perseverar na catequese, na vida sacramental e na prática da caridade” (cf. DAp, n. 171. 174-175). 155“É suficientemente claro que a liturgia e a piedade popular celebrando e louvando a Deus na paróquia evangelizam [...] a piedade popular não pode se expressar nem ser devidamente entendida senão a partir de sua fonte primeira e seu cume que é a liturgia (SC 10, 4)”. GONZÁLEZ, Ramiro. Piedade Popular e Liturgia. São Paulo: Loyola, 2007, p. 145.

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em Tocantinópolis. Assim, de modo algum podemos imaginar um trabalho de pastoral

litúrgica sem a dinâmica própria da liturgia, nas escuta das moções do Espírito na Igreja.

A partir desse pressuposto queremos colaborar, sobretudo, na superação de alguns

limites que de certo modo prejudicam o bom desempenho de uma pastoral litúrgica, por

exemplo: preconceitos litúrgicos e visões limitadas de Igreja. Isso gera as famosas

expressões: “já estudei liturgia e não preciso mais” ou “já sei como se faz tudo”

(autossuficiência). Outro exemplo, “na minha paróquia faço como quero” ou, “eu quem

mando” (isso manifesta não apenas desconhecimento litúrgico, mas eclesiológico e

pastoral). Por fim, “não precisa preparar a liturgia porque tudo poderá ser feito na hora”

(este último exemplo é considerado um dos mais prejudiciais, porque, expressa o

desprezo de toda seriedade em relação ao mistério pascal de Cristo, o que González

chama de teimosia156, prevalecendo ideias pessoais).

Sem dúvida não podemos generalizar o que foi descrito no parágrafo anterior, pois

existem Presbíteros e leigos que têm tido grande zelo pastoral e empenho no

aprofundamento da liturgia. Isso é comprovado em várias comunidades da nossa

Diocese. Por outro lado, não sejam interpretadas tais constatações como emissão de

juízo moral de valores, o que de modo algum é a pretensão desse trabalho. O que

queremos é que as lacunas na pastoral litúrgica sejam como “a feridas reconhecidas”

para serem curadas. Para isso necessitamos não apenas de reconhecer o que é certo ou

errado, mas primar pela dignidade da Sagrada Liturgia da qual pelo batismo nos

tornamos em Cristo membros do mesmo corpo que é a Igreja157. Partindo desse

princípio em que e Igreja está centrada na orientação do próprio Cristo, serviremos 156cf. R. González. Um novo devocionalismo e a Eucaristia? Phase 28 (1988), p. 344-352. 157“O Filho de Deus, na natureza humana unida a si, vencendo por sua morte e ressurreição, remiu e transformou o homem numa nova criatura (cf. Gl 6, 15; 2Cor 5, 17). Ao comunicar seu Espírito, fez de Seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente os componentes de Seu próprio Corpo. Nesse corpo difunde-se a vida de Cristo nos crentes que, pelos sacramentos, de modo misterioso e real, são unidos a Cristo morto e glorificado. Pelo batismo glorificamo-nos com Cristo: “Com efeito em um só Espírito fomos batizados todos nós para sermos um só corpo” (1Cor 12, 13) [...]”. Compendio Vaticano II, 1996. In: Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 7, p. 44-45.

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como colaboradores do seu Reino por meio dela, e cairão por terra as interpretações

tendenciosas sobre a liturgia e as demais pastorais que integram num conjunto orgânico

a pastoral diocesana.

Finalizando esse capítulo nos permitimos dizer que as pastorais na Igreja

(particularmente em Tocantinópolis) surgiram mediante as necessidades da própria

Igreja. Por outro lado, são questões que envolvem a psique humana, como também o

sociológico (visão de mundo, Igreja), o cultural e o próprio dado religioso que também

são inerentes à pessoa humana a quem Deus quer salvar158 no seu amor incondicional.

Em conformidade com o nosso tema trabalhado muitas outras considerações poderão

ser apresentadas devido a densidade dos temas: liturgia e piedade popular. Contudo,

podemos concluir este capítulo destacando algumas questões que estão ao longo de toda

pesquisa realizada até o momento:

- Todos os registros desta dissertação têm o seu fim último como um processo de

pesquisa iniciado e que se desdobrará numa continuidade a partir de dados que poderão

contribuir para o aperfeiçoamento da relação entre a liturgia e a novena a Nossa Senhora

do Perpétuo socorro na Diocese de Tocantinópolis.

- Com certeza alguma coisa deixou de ser explorada mais profundamente neste

trabalho, mas a nosso ver cumprir a tarefa a que nos propomos. Por este motivo o

caminho iniciado será ao longo dos anos uma porta para os demais interessados

avançarem e contribuírem com uma realidade que é de suma importância na Igreja

como um todo, sobretudo ali onde as devoções populares têm uma força que precisa ser

respeitada e aprimorada, na linha da integração com o culto da Igreja.

158“Deus, “quer salvar e fazer chegar ao conhecimento da verdade todos os homens” (1Tm 2, 4) [...]. Pelo que, Cristo, “ocorreu a perfeita satisfação de nossa reconciliação e nos foi comunicada a plenitude do culto divino””. Compendio Vaticano II, 1996. In: Sacrosanctum Concilium, n. 5, p. 261.

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- Nossa pesquisa foi um trabalho que sem dúvida exigiu bastante desde os dados

históricos até ás perspectivas para a pastoral litúrgica na Diocese de Tocantinópolis.

Para não ser uma pesquisa desconexa, fizemos grande esforço, a fim de que todo o

assunto possa ser uma cadeia de ideias em vista de uma práxis na pastoral litúrgica

particularmente na Diocese de Tocantinópolis.

- Considerando as contribuições das fontes históricas, bíblicas, patrísticas, assim

como as da Tradição e da Teologia litúrgica, podemos afirmar que o nosso trabalho teve

como prioridade o conteúdo histórico e teológico-litúrgico com uma concentração mais

estreita na piedade mariana destacando o culto à Virgem do Perpétuo Socorro na

Diocese de Tocantinópolis. Tudo foi pensado em visa de um desdobramento da possível

pastoral litúrgica em espírito de comunhão com as demais pastorais da Igreja diocesana

de Tocantinópolis.

Depois de considerada a importância da liturgia em sua dimensão teológica,

salientamos nesse trabalho que a novena tem também seu lugar e importância para a

liturgia. Por isso enfatizamos a necessidade de uma constante atenção no seguinte:

— A novena é uma celebração própria com característica da espontaneidade religiosa

por parte dos fiéis, embora tenha sido introduzida por missionários que vieram de fora.

Porém isso não lhe tira o caráter de piedade popular, uma vez que foi assimilada pela

índole popular;

— A novena tem seu lugar na Igreja, porém, jamais poderá ser um complemento da

missa. Por isso a junção entre novena e missa precisa ser bem estudada;

— Mesmo sendo uma tradição popular, há necessidade de aprofundamento e de atenção

ao que ensina a Igreja neste campo específico.

Por fim apontamos vários indicativos que ajudem a harmonizar a Novena a

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro com a liturgia da Igreja:

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— Seja favorecida na diocese de Tocantinópolis a formação sobre a missa (não apenas

leituras de manuais) envolvendo o maior número possível de fiéis na busca de responder

aos anseios de uma participação digna dos envolvidos no único mistério de Cristo;

— Considerando a santificação do domingo, que seja fortalecido o princípio dominical,

reservando o domingo para a celebração do dia do Senhor.

— Que outras celebrações não se anteponham à importância litúrgica do dia do Senhor.

— Nos tempos fortes do ano litúrgico, apenas se orienta que os dias próximos ao Natal

e à Páscoa, possuem sua própria índole, nem por isso abandonamos a piedade mariana

(especialmente no tempo Advento-Natal).

— No tempo Quaresma-Páscoa, por ser mais intensa a preparação dos fiéis para a

celebração central do mistério de Cristo, a tonalidade é própria em sua densidade

litúrgica.

— Na formação seja enfatizado: 1) o contexto histórico e devocional em relação ao

culto mariano; 2) a teologia que sustenta essa experiência secular; 3) a profunda e

inerente ligação com o mistério de Cristo e sua Igreja (liturgia); 4) os frutos dessa

prática na vida das pessoas piedosas e em suas comunidades; 5) e que durante o ano

pastoral, algo em âmbito diocesano ou regional possa ser realizado além do que já está

previsto, por exemplo, um mini congresso sobre liturgia e piedade popular, com ênfase

principal à novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

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CONCLUSÃO

A partir de todo o processo que utilizamos para desenvolver a dissertação sobre um

tema tão pertinente em nossos dias, a Liturgia e a Piedade Popular, temos a sensação de

que apenas iniciamos uma longa caminhada pela abrangência do tema trabalhado.

Contudo, sentimos também, a possibilidade de um enriquecimento litúrgico, e que foi

possível contribuir com tudo isso desde os dados históricos e teológicos particularmente

sobre a Virgem Maria venerada com o título: Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na

Diocese de Tocantinópolis.

Por outro lado, a nossa iniciativa foi também uma motivação para melhor vivenciar

as riquezas destas duas realidades de um mesmo mistério, a Liturgia e a Piedade

Popular - com uma particularidade à novena a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na

Diocese de Tocantinópolis. Sem dúvida a teologia desenvolvida por vários autores

sobre o mistério do culto cristão neste trabalho, nos iluminou para uma maior abertura

no aprofundamento das expressões de piedade religiosa de muitas pessoas devotas à

Virgem Maria.

Finalmente esperamos que todo o nosso esforço apesar dos limites, possa ajudar com

mais clareza na vida litúrgica em nossa Diocese de Tocantinópolis, particularmente no

conhecimento da importância da celebração eucarística e as devoções de piedade

popular mariana. Sabemos, no entanto, que somos os primeiros responsáveis pela

qualidade das celebrações litúrgicas e a eficácia destas experiências na missão de

evangelizar, valorizando a essência da liturgia cristã – o mistério pascal de Jesus Cristo.

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