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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018
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Podcasts: exemplo de democratização na internet1?
Juliana de SOUZA2
Resumo
Este artigo analisa a mídia podcast, no intuito de verificar até que ponto houve emancipação
por parte do público no que se refere à emissão e recepção de conteúdos. Perpassando pelas
etapas de elaboração desse veículo de comunicação, é fato que o podcast exige conhecimento
e investimento de quem produz, e não foge da lógica do mercado capitalista. Embora a
participação da audiência se faça mais visível, principalmente, a partir da facilitação do acesso
à internet, essa atuação não é, necessariamente, um exemplo de democratização das mídias.
Uma comunicação horizontal requer um cidadão qualificado, atento não apenas aos sistemas
de emissão, mas, também, de recepção e questionador das diversas informações disponíveis.
Logo, estudos com posicionamentos extremos e revolucionários devem ser contestados, pois,
não refletem os reais desafios dos processos comunicacionais em curso.
Palavras-chave: Podcast; Cultura Digital; Produção de Conteúdo; Reflexão Teórica;
Democratização;
Introdução
Com o surgimento da cultura digital e, por consequência, dos estudos acadêmicos na
área, muito tem se falado em participação coletiva, ativismo, poder da audiência, e outros tantos
termos utilizados, muitas vezes, de forma generalista. Parece haver um “mito moderno do
progresso permanente” – conceito cunhado por Erick Felinto (2011) – como se toda a sociedade
tivesse acesso e conhecimento para operar a grande variedade de novas tecnologias da
informação e comunicação.
Aqui, compreende-se a comunicação como a “mescla de três dimensões: técnica,
cultural e social” (WOLTON, 2012, p. 118). Logo, reduzir os processos comunicacionais aos
sistemas técnicos não dá conta da complexa estrutura midiática contemporânea (composta por
indivíduos, grupos, empresas, tecnologias, etc.). Assim, o objetivo deste artigo é questionar a
fragilidade de reflexão teórica apresentada por alguns estudos no que se refere ao caráter
emancipador das novas mídias e a suposta “democratização” advinda, principalmente, da
cultura digital.
1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Cultura Digital, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,
evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Doutoranda do Curso de Comunicação e Linguagens da UTP, e-mail: [email protected]
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Para exemplificar a proposta, a mídia escolhida para análise foi o podcast, pois, esse
meio de comunicação apresenta, aparentemente, as três leis fundadoras da cibercultura: “a
liberação do pólo da emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração de formatos
midiáticos e práticas sociais” (LEMOS, 2006, p. 53).
Além disso, a linguagem descontraída no estilo “papo de boteco3” e a produção coletiva,
adotada pela maior parte dos podcasts nacionais, faz transparecer uma falsa simplicidade, como
se os programas fossem autênticos exemplos do “do it yourself 4”. Ainda que algumas pessoas
pensem no podcast como um conjunto de indivíduos quaisquer, palpitando sobre assuntos
aleatórios, como nos demais meios de comunicação, há muito trabalho antes e depois da
divulgação de cada episódio.
Ademais, cumpre ressaltar que a democratização da informação/comunicação é,
também, um conflito político, que envolve diferentes interesses, muito além da simples
popularização das tecnologias. Possibilitar o acesso aos equipamentos sem se atentar às
circunstâncias de sua apropriação, não contribui com os ideais de emancipação e liberdade
prometidos.
Sem dúvida, não é intenção deste estudo proclamar que as inovações tecnológicas não
são benéficas à sociedade, ou que não houve nenhum avanço em relação à crescente
participação da audiência nos mais variados meios de comunicação. No entanto, é preciso
aprender a pensar a comunicação, questionar as promessas utópicas e refletir verdadeiramente
sobre os diversos fatores envolvidos no processo comunicacional, para evitar incorrer em
simplificações analíticas que podem resultar em desigualdades ainda maiores.
Sociedade em Rede e o Utópico Mundo da Cultura Digital
É fato que a expansão das novas tecnologias, sobretudo, da internet, vem alterando as
estruturas sociais. Hoje, já não é possível imaginar uma sociedade desconectada, de modo que
a virtualização é essencial nos mais variados segmentos. A popularização dos equipamentos
eletrônicos, em especial, dos smartphones, permitiu a conexão de milhares de indivíduos que
antes, em virtude da necessidade de um computador e uma linha telefônica, não tinham acesso
à rede.
Apesar disso, somente a possibilidade de estar conectado não assegura um cidadão mais
consciente nem, tampouco, a igualdade social. Ou, em outras palavras: “O acesso a ‘toda e
3 Linguagem coloquial, no formato “conversa entre amigos”.
4 Cultura do “faça você mesmo”.
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qualquer informação’ não substitui a competência prévia, para saber qual informação procurar
e que uso fazer dessa. O acesso direto não suprime a hierarquia do saber e do conhecimento5”
(WOLTON, 2012, p. 85)
O mundo em rede oferece uma infinidade de informações e facilidades que estão à
distância de um clique. Entretanto, para desfrutar dessas “vantagens” oferecidas pelos serviços
on-line é preciso pensar criticamente e aprender a discernir o que, de fato, é benéfico ao
consumidor. Esse bom senso é resultado do letramento digital, que vai muito além da simples
alfabetização:
(...) nossos meios de expressão são multimídia e não passam somente pelas letras do
alfabeto; trata-se também de ferramentas, aplicações e aparelhos de que podemos nos
servir; a web abre-nos um novo universo, é importante compreender essa lógica. O
esforço deve, portanto, ser realizado na prática e na cultura. Ele concerne à recepção de
informações, à expressão, à utilização das ferramentas e à lógica do sistema em questão
(PISANI; PIOTET, 2010, p. 188).
Além do mais, mesmo aqueles que se consideram aptos a usufruir das benesses do
universo digital, em muitos casos, suas habilidades estão aquém das alternativas disponíveis:
“grande número das pessoas que têm acesso acredita servir-se convenientemente, mas só utiliza
uma fração do que poderia lhe ser útil. Os conhecimentos gerais que permitem falar de uma
‘cultura digital’ faltam a essas pessoas, e é isso que as bloqueia” (PISANI; PIOTET, 2010, p.
188)
Ou seja, na prática, a sociedade ainda é muito menos multimídia do que os mantras
libertários anunciam. Porém, continuam a ser difundidos os falaciosos discursos do aspecto
participativo e emancipador proposto pela cultura digital, como se todas as informações
disponíveis gratuitamente fossem verídicas, livres das questões de poder e manipulação, a
verdadeira solução para a imensidão de excluídos nessa sociedade de comunicação acelerada.
Analisando o contexto de forma objetiva, mal conseguimos acompanhar as inovações
que surgem de forma incessante. O que antes era novidade, em um curto período de tempo se
torna obsoleto e impossibilita a memória coletiva dos novos produtos/serviços. Não há uma
relação de correspondência entre os sujeitos e os equipamentos/sistemas, dada a rapidez com
que esses artefatos são reconfigurados.
O que se observa, então, é uma ruptura, uma vez que esse consumo tecnológico
ininterrupto “impede a passagem de um período significativo de tempo no qual o uso de
determinado produto, ou combinação de produtos, poderia se tornar familiar o suficiente a
5 Grifos do autor.
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ponto de simplesmente integrar o pano de fundo de objetos em nossas vidas” (CRARY, 2014,
p. 53). Isso considerando-se a parcela mais privilegiada da população já que, em meio a essas
evoluções, milhares de pessoas, principalmente as domiciliadas em países subdesenvolvidos,
sequer superaram os problemas mais básicos da sobrevivência humana.
Mas, deixando o ceticismo de lado, tentar-se-á observar a questão pelo viés mais
“positivo” dos apreciadores dos preceitos da cultura digital. Lemos sustenta que:
As diversas manifestações socioculturais contemporâneas mostram que o que está em
jogo com o excesso e a articulação virótica de informação nada mais é do que a
emergência de vozes e discursos, anteriormente reprimidos pela edição da informação
pelos mass media. Aqui a máxima é “tem de tudo na internet”, “pode tudo na internet”
(LEMOS, 2006, p. 54).
Sim, é verdade que, hoje, as pessoas podem divulgar seus pensamentos “livremente” no
ambiente virtual, em especial, nas redes sociais e em tempo real: “Isso gera um sentimento de
liberdade absoluta, até mesmo de poder, de onde se justifica muito bem a expressão ‘surfar na
internet’” (WOLTON, 2012, p. 83). Mas, isso significa, realmente, que os “reprimidos” estão
sendo ouvidos? Que diferença a opinião de um sujeito qualquer faz para o grande capital, para
os conceituados conglomerados de mídia? Que credibilidade têm os links viralizados no
Facebook e Whats App? Seria essa a definição de igualdade e democratização?
Embora a liberdade de expressão tenha sido potencializada com a internet, a
comunicação não se restringe à transmissão. Uma postagem com poucos leitores não tem a
capacidade de horizontalizar as relações e alterar os jogos hierárquicos em curso. Os grandes
veículos de informação têm poder de influência porque detêm as maiores audiências e, por
consequência, os melhores anunciantes/patrocinadores.
Logo, a prerrogativa de “mídia do cidadão” apresentada pela cultura digital, “onde cada
usuário é estimulado a produzir, distribuir e reciclar conteúdos digitais” (LEMOS, 2006, p. 63),
só poderá trazer alguma mudança se essas ações forem percebidas pelo grande público, para
então poder medir forças com estes monopólios. No entanto, até o momento, a preocupação
parece estar muito mais focada na emissão que na recepção: “com a Net, se está do lado da
emissão, da capacidade de transmissão sem reflexão do receptor, que pode ser qualquer
internauta do mundo” (WOLTON, 2012, p. 98).
Ademais, esse enfoque na criação parece pressupor que a audiência, antes da
popularização da banda larga, era demasiadamente passiva, e que o acesso à participação surgiu
a partir da internet. Entretanto, cumpre lembrar que o público, de modo geral, não é passivo,
pois está a todo o momento decodificando, interpretando informações. Portanto, “o que houve,
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de fato, foi sempre um incremento de novos formatos possíveis de interagir” (MARQUIONI,
2016, p. 94).
Buscando-se, mais uma vez, uma visão otimista, agora pelo prisma de Pierre Lévy, o
autor atesta que:
Quanto mais os processos de inteligência coletiva se desenvolvem – o que pressupõe,
obviamente, o questionamento de diversos poderes –, melhor é a apropriação, por
indivíduos e grupos, das alterações técnicas, e menores são os efeitos de exclusão ou de
destruição humana resultantes da aceleração do movimento tecno-social. O ciberespaço,
dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se justamente como um
dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva. (LÉVY, 1999, p. 29)
Acredita-se que a Wikipédia, enciclopédia colaborativa que, teoricamente, todos podem
editar, pode ser utilizada como exemplo de inteligência coletiva, conforme proposto por Lévy.
Contudo, o encantamento desse “usuário produtor” carece de análise. No fundo, esse idealismo
de um mundo aberto e participação horizontal parece mais explorar que emancipar. Mais que
um anseio de liberdade, a inteligência/colaboração coletiva pode representar uma oportunidade
“para os mais malvados ou menos escrupulosos de fazer trabalhar os voluntários sem ter te
pagá-los (ou gratificando-os com uma miséria)” (PISANI; PIOTET, 2010, p. 182).
Nossa sociedade é capitalista e o mercado sempre visa o lucro. Se o cidadão comum
pôde se apropriar dos recursos oferecidos pelos meios digitais para ampliar sua voz e articular
atividades políticas e sociais, certamente as grandes empresas já estão alguns passos à frente,
como pôde-se observar no caso da Wikipédia. Afinal, “o próprio mercado percebeu que poderia
incorporar a colaboração on-line em suas estratégias informacionais, promocionais e de venda”
(PRIMO, 2013, p. 17).
Assim, mesmo com as recentes possibilidades de projeção e interação proporcionadas
pelas novas tecnologias, o mercado parece seguir seu fluxo: com ampla capacidade de
adaptação, o grande capital se reinventa, e as ideologias libertárias precisam ser cuidadosamente
repensadas, inclusive ao que se refere à utilização de nossos dados pessoais para criação de
publicidade personalizada (mas esta é uma questão para outro momento).
Em vista dos exemplos aqui rapidamente elencados, é possível observar que “a
mundialização do acesso à rede não significa de maneira nenhuma uma repartição mundial mais
equitativa das riquezas técnicas ou humanas” (WOLTON, 2012, p. 121). Afinal, as vantagens
do digital favorecem tanto a ação da oposição quanto do mercado. Portanto, não é possível
refletir sobre comunicação utilizando-se de ideias inquestionáveis. Um raciocínio pertinente
sabe reconhecer a força dos novos atores sociais sem, contudo, descartar as diferenças de
interesses e poderes envolvidos.
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Afinal, todos podem produzir um podcast?
Como citado na introdução deste trabalho, analisar-se-á a mídia podcast a fim de
perceber até que ponto houve uma emancipação por parte do público em relação aos processos
comunicacionais e, também, indagar-se-á sobre a democratização na produção e recepção de
informações. Para exemplificar as questões abordadas, utilizar-se-á, principalmente, o livro
“Podcast: guia básico6”, escrito por Leo Lopes7, que fornece o passo-a-passo para “qualquer
cidadão” produzir o seu próprio podcast. Conjuntamente, serão utilizados exemplos de alguns
podcasts nacionais.
A quantidade de podcasts disponíveis tem crescido de forma considerável em escala
global: “em julho de 2013, a Apple anunciou que a iTunes Store bateu a marca de 1 bilhão de
inscritos em mais de 250 mil podcasts únicos, que produziram mais de 8 milhões de episódios
em mais de 100 idiomas diferentes” (LOPES, 2015). Entretanto, não parece que este meio de
comunicação seja uma amostra da cultura do it yourself, considerando-se todo o trabalho
necessário para criação de um único episódio, conforme será abordado a seguir.
Independente do estilo do programa, existem cinco etapas básicas que estão presentes
na elaboração de qualquer podcast, são elas: produção, gravação, edição, publicação e
distribuição. Cada uma dessas etapas será apresentada de forma concisa, pois, o intuito aqui
não é instrumentalizar o leitor para a produção de um podcast, mas sim, embasar a discussão
proposta.
Antes de iniciar a produção, alguns fundamentos norteadores precisam ser definidos:
público, tema, formato, linguagem, participantes, pauta, periodicidade e hospedagem. Tais
especificações são essenciais para a criação e manutenção dos programas.
Assim, em primeiro lugar, é necessário estabelecer um público, ou seja, um perfil de
ouvinte que se deseja atingir. A definição da audiência, além de influenciar nas demais
etapas de produção, de igual modo, qualifica o podcast enquanto meio de comunicação:
“a existência de uma mídia remete sempre à existência de uma comunidade, a uma visão das
relações entre escala individual e escala coletiva e a uma determinada representação dos
públicos8” (WOLTON, 2012, p. 98).
6 Como o livro já está esgotado nas livrarias, utilizou-se a versão digital, que não traz a paginação. Dessa forma, as referências
foram feitas informando-se autor e ano).
7 Autor, produtor e editor de podcasts.
8 Grifos do autor.
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A respeito dos conteúdos, os criadores podem optar por temas relacionados a um único
assunto ou de variedades. O primeiro modelo pode ser exemplificado pelo Rapaduracast,
fundado por Jurandir Filho em outubro de 2006, o podcast traz ao debate assuntos relacionados
ao mundo cinematográfico: filmes, diretores, adaptações, prêmios, etc. Referente aos
programas que preferem dialogar sobre temáticas diversificadas, acredita-se que o Mupoca9 é
um exímio representante. Alternando entre temas que vão desde mobilidade urbana a
divagações futurológicas de Luciano Hulk, o podcast é conhecido como o espírito livre da
família B910. Além de debater questões relacionadas à tecnologia, atualidades, comportamento
e variedades, produtores e ouvintes tentam descobrir o que é Mupoca.
O próximo item a ser pensado é o formato. Ainda que o Nerdcast11 seja tido como
exemplo, não há um formato padrão para se fazer um podcast. Os programas podem ser
desenvolvidos individualmente ou em grupos, tendo como base a criação do humor ou sua
realização pautada na seriedade. Entretanto, mesmo sem uma configuração estabelecida, a
maioria dos programas nacionais privilegia a produção coletiva, apoiada na comicidade.
Definidos público, tema e formato, é a hora de pensar na natureza da conversa. “O papo
é o resultado da soma de dois fatores: linguagem e dinâmica dos participantes12” (LOPES,
2015). Nos programas mais descontraídos e que contam com a presença de, pelo menos, dois
participantes, normalmente opta-se pelo bate papo informal, sem muitas restrições. Desse
modo, a comunicação flui com naturalidade e favorece a identificação por parte dos ouvintes.
Nos demais formatos recomenda-se adotar um estilo de fala que seja coerente com o tema ou o
perfil do(s) convidados(s) e/ou da audiência.
Outro elemento é a dinâmica entre os participantes. Por se tratar de um programa
exclusivamente em áudio, é bastante desagradável perceber que os integrantes não estão em
sintonia, que não há um ritmo envolvente, ou que os comunicadores perdem o raciocínio com
frequência. Ainda que alguns equívocos ou silêncios possam ser cortados no processo de
edição, “nem o melhor dos editores consegue colocar palavras na boca de um participante
calado e apático, que não participa da conversa” (LOPES, 2015).
Na sequência devem ser escolhidos os integrantes do programa, lembrando-se que eles
estão em estreita relação com a identidade do podcast. Entre os membros dessa mídia estão a
equipe fixa, também conhecida como casting, e os convidados, quando for o caso. Entre os
9 Feito por e Gabriel Prado, Luiz Yassuda e Tales Cione.
10 B9 é o site que hospeda, atualmente (15/06/2018), nove podcasts: Braincast, Cinemático, Código Aberto, Histórias de Ninar
para Garotas Rebeldes, Mamilos, Mupoca, Naru Hodo, Tecnicalidade e Zing.
11 Produzido por Alexandre Ottoni (Jovem Nerd) e Deive Pazos (Azaghal), é o podcast mais famoso do Brasil.
12 Grifos do autor.
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integrantes fixos encontra-se o host, nome dado ao apresentador principal do programa,
normalmente a pessoa que está presente na maioria dos episódios (há podcasts que possuem
mais de um host).
Adiante, a pauta precisa ser elaborada. Por mais que exista muita improvisação durante
as gravações, ela é indispensável para manter a organização das informações, além de ajudar a
“controlar o tempo de gravação, mantendo o foco no tema e evitando dispersões que
provavelmente seriam cortadas depois” (LOPES, 2015). Não há uma regra para construção da
pauta, vai depender do formato do programa e do grau de dificuldade do conteúdo abordado.
O fator seguinte que carece de atenção é a periodicidade. Estabelecer a frequência de
publicação dos episódios é fundamental para que todos os itens anteriores possam ser
preparados. Vale salientar que a regularidade de divulgação de cada novo programa representa
profissionalismo e respeito pelos ouvintes e, portanto, torna-se um instrumento eficaz na
fidelização da audiência.
Para finalizar a fase de produção, deve-se decidir a forma de hospedagem. Como tudo
o que está disponível na internet, um podcast precisa ser armazenado e estar publicado em
algum local para poder existir. As opções de hospedagem são pagas ou gratuitas. Os sistemas
gratuitos normalmente são utilizados por iniciantes que, a partir do crescimento do público e/ou
da obtenção de patrocínios, migram para serviços pagos, que oferecem diversidade de recursos
e maior autonomia.
A segunda etapa, gravação ou captação, é o momento que carece de maior cuidado,
considerando-se que o áudio é a atração do programa. Por mais que o conteúdo seja relevante,
nem todo mundo permanece até o final do episódio se o áudio estiver ruim. É por esta razão
que, “depois do óbvio caráter de entretenimento dos podcasts, a qualidade do áudio é o aspecto
considerado mais importante, seguido da utilidade do conteúdo e da frequência de
publicação13” (LOPES, 2015).
Três tipos de gravações são possíveis: a presencial, que ocorre quando todos os
participantes se encontram no mesmo ambiente; a remota, quando os participantes estão em
locais distintos um do outro; e a gravação híbrida, quando alguns participantes estão juntos e
outros separados. Independente do formato, o ambiente terá grande influência durante a
captação das vozes. Por isso, aqueles que têm a oportunidade de gravar em um estúdio
profissional, normalmente, atingem os melhores resultados, em virtude do isolamento acústico
adequado.
13 Grifos do autor.
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Ao que concerne aos equipamentos utilizados, três deles são indispensáveis em qualquer
formato de gravação: computador, microfone e fones de ouvido.
Nas gravações presenciais ou híbridas, além do equipamento para captar os
participantes remotos, é necessário também captar aqueles que estão no mesmo
ambiente. A maneira mais fácil de se fazer isso é utilizando um mixer (mesa de som) e
microfones individuais para cada participante (LOPES, 2015).
Também se faz necessária a utilização de um software para captar os sons produzidos
pelos equipamentos. Existem diferentes programas para esta operação, que variam de acordo
com o sistema operacional do computador. Porém, por ser uma parte demasiadamente técnica,
não serão especificados os pormenores.
A terceira etapa é a edição. Essa fase costuma ser a mais lenta e trabalhosa. O tempo de
edição vai depender da durabilidade da gravação, da quantidade de faixas de áudio, do estilo
do programa e do grau de perfeccionismo do editor. É nessa “pós-produção” que silêncios são
cortados, frases são emendadas, risos são prolongados, a sequência pode ser totalmente alterada
e trilhas sonoras são acrescentadas. Ainda que este seja o modelo mais utilizado, alguns
podcasts trabalham com a inserção de elementos sonoros em tempo real, tais como trilhas de
fundo, vinhetas, efeitos sonoros, entre outros. Esta opção requer maior atenção dos
participantes.
No próximo passo está a fase de publicação. Para que um episódio seja publicado em
qualquer postagem do seu blog/site, é preciso instalar um plugin de publicação de podcasts.
Sem ele, “o arquivo de mídia será publicado no post, mas não será interpretado como sendo de
um podcast e incorporado ao feed para distribuição” (LOPES, 2015).
Para ter acesso aos programas, o receptor pode tanto utilizar o player do site/blog para
ouvir o episódio on-line, como fazer o download ou assinar o feed RSS14. Em 2014, 19,92% da
audiência assinavam o feed no iTunes e 47,71% acessavam o site/blog em que o programa está
hospedado diretamente (LOPES, 2015).
A fase final é a distribuição, ou seja, “é hora de espalhar a novidade aos quatro ventos
da internet e começar a conquistar novos ouvintes, primeiro objetivo de todo podcast” (LOPES,
2015). Para isso, é pertinente criar um perfil do programa nas redes sociais, além de
disponibilizá-lo em agregadores como iTunes, Spotify, Deezer, entre outros.
14 FeedRSS é a abreviação para Real Symple Syndication, é uma espécie de assinatura, em que o usuário se inscreve e recebe
os arquivos escolhidos assim que forem atualizados, sem precisar acessar ao site original para ter acesso ao conteúdo (porém,
um agregador é necessário, como o iTunes, por exemplo). Ou seja, para o ouvinte que assina o feed de um podcast, a cada novo
episódio postado, o áudio será baixado automaticamente para sua máquina. O feed é um facilitador.
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Nesse sentido, a podosfera15 também criou seu mercado e hoje existem sites e
aplicativos que disponibilizam os programas. O Podflix e o Youtuner são exemplos de sites que
oferecem este serviço. “O YouTuner tem como proposta original popularizar o podcast, assim
como o YouTube popularizou os vídeos, sendo uma boa opção para indicar a novos ouvintes,
que encontrarão facilmente programas sobre temas de sua preferência” (LOPES, 2015).
Referente aos aplicativos, existem diferentes opções gratuitas e pagas para os sistemas
operacionais Android, IOS e Windows Phone.
Alguns podcasters também fazem a divulgação do seu próprio programa ou do
programa alheio durante as gravações. Ou seja, quando o integrante de um podcast participa
como convidado em outro programa, ele aproveita a oportunidade para fazer o “jabá16” do seu
próprio podcast. De igual modo, ao retornar ao seu programa originário, este membro informa
que participou do podcast “X”, sobre o assunto “Y”, funcionando, desta forma, como
propaganda para ambos os casos.
Em resumo, independente do formato adotado, a mídia podcast exige muito
conhecimento e dedicação por parte de seus produtores, além de recursos financeiros para
remunerar os diferentes profissionais envolvidos e adquirir o mínimo de equipamentos
necessários para o desenvolvimento dos programas. O programa Mamilos17 será empregado
como exemplo para ilustrar, na prática, o processo de elaboração de um podcast.
Em comemoração ao 3º ano de existência do programa, a equipe do Mamilos decidiu
homenagear as anfitriãs (Juliana Wallauer e Cris Bartis). Assim, além dos depoimentos de
ouvintes, convidados e da própria equipe criadora, o episódio 128 (Especial 3 anos Mamilos),
também conta um pouquinho dos bastidores da produção.
Via de regra, a pauta começa a ser decidida no domingo e fica em discussão até segunda-
feira à noite. Porém, em alguns casos, é a pauta que escolhe o programa, dependendo do “calor
do momento”. Jaqueline Costa é quem comanda a equipe de pauta, que é composta por 34
pessoas.
Definidos os assuntos, a equipe de pauta inicia a busca de artigos, vídeos, palestras,
entrevistas, estatísticas, enfim, todo material que servirá de suporte para a gravação. Devido à
preocupação com a veracidade das informações, este processo é um dos mais lentos. Finalizadas
as pesquisas, tem início a triagem da pauta e sua organização numa sequência lógica. Esta parte
15 Termo utilizado para designar o ambiente que reúne os podcasts e podcasters.
16 Termo comumente utilizado na podosfera, significa aproveitar a oportunidade para divulgar o seu próprio produto, no caso,
o seu podcast.
17 Podcast cujo subtítulo é “jornalismo de peito aberto”, tem como criadoras Cris Bartis e Juliana Wallauer. De modo geral, os
programas debatem as principais polêmicas que repercutiram na internet na semana que antecede o episódio.
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do trabalho é realizada pelas hosts e, às vezes, alguns convidados também contribuem no
processo de seleção.
O passo seguinte é a gravação que, usualmente, ocorre nas quintas-feiras, das 21h às
23h30min. Dependendo do tema abordado a discussão pode se prolongar. É comum o podcast
contar com a presença de um ou mais convidados, normalmente especialistas no assunto
discutido.
Após a gravação entra em cena o editor do programa, Caio Corraini. Normalmente, para
a edição do Mamilos são necessárias 4 horas de edição para cada 1 hora de programa. Como
informado anteriormente, este tempo varia de acordo com o perfil de cada podcast e cada editor.
Outra etapa do Mamilos é a transcrição dos programas, no intuito de possibilitar às
pessoas com deficiência auditiva o acesso aos conteúdos. A transcrição, embora não seja uma
parte obrigatória nos podcasts, foi avidamente acolhida por Lu Machado (que é quem coordena
esse registro escrito) e mais 21 membros. Na data de divulgação destes dados18, 50% dos
programas publicados já estavam disponíveis para leitura.
Por fim, Juliana e Cris ainda contam com o auxílio de mais três pessoas para cuidar das
redes sociais. Este pequeno grupo é liderado por Gui Yano e também tem muito trabalho a
fazer. Só no Facebook os programas geram em torno de 10 mil interações semanais. Isso sem
mencionar as demais redes sociais em que o programa se faz presente: Tweeter, Pinterest e
Instagram. Além das redes sociais, muitos diálogos ocorrem por e-mail: são respondidos cerca
de 50 e-mails por semana.
Acredita-se que essa síntese do processo de produção do Mamilos deixa claro que os
podcasts exigem muito estudo, conhecimento e responsabilidade de quem colabora com a
construção dos episódios. Por mais bem-humorado e informal que seja o estilo do programa,
certamente os demais podcasts nacionais requerem tanta dedicação quanto o exemplo citado. E
embora muitos fãs/ouvintes contribuam de forma voluntária, alguns processos geram despesas
inevitáveis, que demandam certo capital por parte de quem produz.
Assim, ainda que os podcasts sejam disponibilizados gratuitamente ao público,
existem duas formas frequentemente utilizadas para a arrecadação de rendimentos: a
publicidade – que pode ocorrer tanto no site/blog em que o podcast está hospedado como,
também, na gravação do próprio programa –; e as plataformas de financiamento coletivo.
“Os podcasts não funcionam sem publicidade nenhuma: por essa mesma razão, são poucos os
18 17/11/2017, data de publicação do episódio 128.
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podcasts que se mantêm regulares por mais de um ano, já que seus produtores os fazem em
paralelo às suas atividades profissionais” (LOPES, 2015).
A segunda e mais recente forma de monetização se dá por meio de serviços como o
Patreon e o Padrim, em que o ouvinte faz doações mensais aos programas, como uma forma de
reconhecimento pelo trabalho oferecido. Ao se cadastrar no Patreon, o doador torna-se patrono
ou, como muitos preferem, “patrão” dos podcasters. Já os adeptos do Padrim são chamados de
padrinhos. A principal diferença entre o Patreon e o Padrim é que no primeiro as doações são
feitas em dólar, o que requer a utilização de um cartão de crédito com a possibilidade de uso
internacional. Já no Padrim as doações podem ser feitas em reais, através de cartão de crédito
ou boleto bancário, o que permite um maior número de contribuintes.
Os patronos e padrinhos normalmente obtêm alguma vantagem em relação aos ouvintes
comuns. Não há um modelo específico de como beneficiar os colaboradores, cada podcast
define a melhor maneira, de acordo com o perfil de sua audiência. Alguns exemplos são: a
disponibilização antecipada dos programas aos patronos/padrinhos, a possibilidade de sugerir
pautas, o oferecimento de brindes, entre outros.
De maneira geral, como bem lembrou o autor Leo Lopes, os podcasters possuem um
emprego “formal” e os podcasts funcionam mais como hobbies do que fonte de renda, de modo
que o dinheiro arrecado através de publicidade e das plataformas de financiamento é utilizado
para compra e manutenção dos equipamentos de gravação, locação de estúdio, contratação de
profissional de edição, entre outros produtos/serviços relacionados à produção dos programas.
O Nerdcast e o Rapaduracast são alguns dos poucos exemplos em que seus criadores se
dedicam integralmente aos conteúdos produzidos. É claro que os dois programas não foram
rentáveis desde o início. A busca pelo reconhecimento se deu através de um árduo caminho
que, em 2018, completa 12 anos para ambos. Ademais, eles oferecem uma gama de
conteúdos/serviços além do podcast.
No geral, dado o grande esforço exigido pelos produtores e equipe de apoio, a meta da
maioria dos podcasters é poder trabalhar exclusivamente no desenvolvimento dos programas,
ou seja, tornar-se uma empresa de conteúdos, o que, em certa medida, refuta sua possibilidade
de contestação, de representante da contracultura. No caso do Nerdcast, existem diversos
episódios patrocinados, fato que exige corroboração com os preceitos das empresas
patrocinadoras19.
19 Ainda que, em decorrência da incompatibilidade de princípios, exista a possibilidade de recusar o patrocínio, acredita-se que,
raramente, isso aconteça com os podcasts, mesmo em programas como o Nerdcast.
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Ou seja, ainda que o podcast se pareça um meio de comunicação livre e autossuficiente,
para que ele possa permanecer ativo, entregando um programa de qualidade e respeitando a
periodicidade proposta, o ideal é que seus criadores usufruam de publicidade paga, de
anunciantes, o que o faz retornar à lógica da sociedade capitalista.
São diversos os programas que encerraram suas atividades tanto por falta de recursos
financeiros como, também, por falta de tempo dos produtores, e/ou vontade de se dedicar a
novos projetos, alguns, inclusive, com grande número de ouvintes, como foi o caso do
Monacast20, podcast do blog Monalisa de Pijamas. Assim, no episódio “127: Tudo Passa... até
a uva passa”, o casting feminino anunciou o encerramento das atividades do blog, incluindo o
podcast. Com suas vidas atribuladas, há mais de 2 anos as participantes pensavam no fim do
programa, que se concretizou em 18 de março de 2013.
Considerando-se os tópicos discutidos anteriormente, ainda que o podcast não possa ser
considerado como um exemplo de democratização das mídias, sem dúvida contribui
grandemente para a participação do público das mais variadas formas. Além da cooperação dos
patronos/padrinhos, na maioria dos programas, qualquer ouvinte tem a possibilidade de
participar, seja na equipe de apoio ou nos próprios episódios.
Uma das formas mais comuns de cooperação da audiência é através do envio de e-mails
e, mais recentemente, usufruindo das possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, de
áudios via Whats App, que podem ser selecionados para leitura/exibição durante as gravações.
Quase todos os podcasts possuem um quadro de leitura de e-mails.
Em suma, são várias as opções de participação do ouvinte, de acordo com o perfil, a
temática e a proposta do podcast. Porém, não se pode esquecer que essa presença do público
não resulta da simples vontade que o espectador possui de se fazer ouvir. Tudo o que é
adicionado à gravação não ocorre sem a análise criteriosa de seus produtores. Assim, estas
possibilidades de interações não parecem muito diferentes dos telefonemas e cartas da audiência
utilizadas em programas de rádio e televisão décadas atrás.
Logo, é preciso duvidar dos argumentos revolucionários, do fascínio dos novos
equipamentos e das maravilhas que parecem sempre estar a caminho, uma vez que o
“problema de muitos discursos expectantes é visar ao futuro sem explorar suficientemente o
presente. E é no presente que se concentram, em germe, as heteronomias que poderão oferecer
um porvir menos tipificado e totalitário” (FELINTO, 2011, p. 10). Desse modo, é preciso deixar
20 A aventura foi encabeçada por Raquel Gompy (Mafalda), criadora e editora do blog; mas também contava com a participação
de Chelly Ramos (Eubalena) e Vi Marassi (Phoebe).
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o deslumbramento de lado para tentar compreender as questões em curso e agir com
discernimento em busca de um futuro mais equitativo.
Considerações Finais
Grandes transformações tecnológicas ocorreram, principalmente, a partir da cultura
digital, interferindo de maneira intensa nos processos comunicacionais. De fato, alguns
equipamentos foram realmente popularizados nos últimos anos e mais pessoas estão conectadas
e dispostas a disseminar seus modos de pensar. Porém, como argumentado em todo o artigo,
uma comunicabilidade horizontal e democrática requer uma equiparação não só nos sistemas
de emissão, como também de recepção (o que inclui o conhecimento dos mais variados
equipamentos e formatos), e percepção das tensões e conflitos de poderes sempre presentes.
Em síntese, para que alguma mudança significativa ocorra, cidadãos atentos e
qualificados são requisitados, pois, “se não se tem a competência para assimilar o aprendizado,
os sistemas de informação e de conhecimentos erguerão outros tantos muros intransponíveis”
(WOLTON, 2012, p. 133). Esta demanda carece de uma mudança social ampla, que perpassa
pelas diretrizes educacionais, políticas, culturais, entre outras. Ou seja, há uma complexidade
que apenas a tecnologia não é capaz de solucionar.
Embora o podcast tenha sido empregado como modelo, acredita-se que todos os meios
de comunicação, em especial os atrelados à internet, que se apresentam de forma mais livre,
poderiam permitir as mesmas conclusões. Observe-se rapidamente o Youtube: via de regra, os
canais com mais seguidores são os que discutem outros programas/artistas já consagrados,
como séries, games, bandas, etc., e que, normalmente, possuem publicidade. Além disso, existe
uma gama de youtubers e blogueiros que, após a fama no meio digital, migraram para os canais
televisivos, alimentando o círculo do mercado capitalista (Rafinha Bastos, PC Siqueira e Kéfera
são alguns exemplos).
De toda forma, independente do meio, é importante perceber que o contexto midiático
atual não permite nenhum posicionamento extremo. É um momento de transição, composto por
visões heterogêneas, cujas negociações se fazem presentes a todo instante. “Por isso, lembrar
que a comunicação nunca é um direito adquirido, que ela é sempre fruto de uma batalha política,
que ela tem um custo”. Assim, é crucial aprender a pensar a comunicação enquanto fenômeno
complexo, afastar-se das máximas de liberdade, no intuito de identificar a lógica de interesses
e, sobretudo, tentar manter-se preparado para os desafios que uma sociedade igualitária
reivindica.
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Referências
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