PEDRO BERGÊ CUTRIM FILHO - ampid.org.br · A ampliação e transformação dos direitos...
Transcript of PEDRO BERGÊ CUTRIM FILHO - ampid.org.br · A ampliação e transformação dos direitos...
-
0
PEDRO BERG CUTRIM FILHO
ACESSIBILIDADE AO MEIO FSICO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
So Lus
2007
-
8
1 NOTAS INTRODUTRIAS
o objetivo deste trabalho mostrar que o direito acessibilidade ao meio
fsico das pessoas com deficincia direito fundamental.
Desenvolvendo estgio extracurricular na Promotoria de Justia
Especializada dos Direitos dos Cidados Portadores de Deficincia e Idosos, na
comarca de So Lus (MA), pde-se travar contato bem prximo com as pessoas
com deficincia.
De fato, o trabalho dirio com o segmento das pessoas com deficincia
possibilitou o contato com seu cotidiano, tornando mais evidentes as dificuldades
com as quais se deparam todos os dias, em especial a de acesso ao meio fsico.
O estudo do segmento social em apreo, em resumo, deixou patente uma
constatao: embora j se tenha consagrado uma variedade significativa de direitos
eles ainda no conseguiram gerar efeitos suficientes no mundo dos fatos. Um dos
maiores bices eficcia jurdica das normas tutelares das pessoas com deficincia
radica no no cumprimento dos preceitos constitucionais, ou melhor, no desrespeito
da Constituio.
O tema eleito como objeto deste trabalho reveste-se de grande
importncia, posto que se volta a cogitar sobre os problemas que marcam o
processo de garantia de eficcia dos direitos fundamentais de uma parcela
importante da sociedade. Ao tentar traar possibilidades de incremento na sua
eficcia, o estudo caminha no sentido da plena realizao do Estado Democrtico de
Direito, atravs da tutela, com intensidade crescente, da dignidade da pessoa
humana.
-
9
Para tanto foram utilizados textos, livros, leis, o Inqurito Civil 03/98,
instaurado pela Promotoria de Justia Especializada dos Direitos dos Cidados
Portadores de Deficincia e Idosos, a Ao Civil Pblica n. 012529/98 ajuizada pelo
Ministrio Pbico do Estado do Maranho e, principalmente, a Constituio Federal
de 1988.
Primeiramente, o trabalho trata da situao dos direitos das pessoas com
deficincia no mbito da teoria dos direitos fundamentais, esboando, previamente,
uma noo do que vem a ser estes direitos. Em seguida, aborda-se o princpio da
dignidade da pessoa humana. Mais a frente discute-se acerca das dimenses dos
direitos fundamentais, com um preliminar estudo sobre o direito das pessoas com
deficincia no Sistema Jurdico Brasileiro, para concluir afirmando que os direitos
das pessoas com deficincia ocupam cadeira cativa no plano dos direitos
fundamentais.
Feito este percurso, segue o texto abordando a questo da eficcia dos
direitos fundamentais do segmento em exame, classificando-os no quadro das
diversas dimenses de direitos. Cuidou-se, principalmente, do problema da eficcia
dos direitos fundamentais sociais, com especial ateno para a clusula da reserva
do possvel.
No quarto captulo, o trabalho reserva espao para o estudo do direito
acessibilidade ao meio fsico e as pessoas com deficincia em Convenes
Internacionais, na Constituio, nas normas infraconstitucionais e nas normas
tcnicas, com o fim precpuo de afirmar que no h desculpas para que no haja a
implementao do direito acessibilidade no seio social.
O quinto captulo destina-se ao estudo da relao do Ministrio Pblico
com os demais Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judicirio), no que se
-
10
refere s exigncias de implementao do direito acessibilidade ao meio fsico das
pessoas com deficincia, especificando os instrumentos de garantia desses direitos.
O sexto captulo dedicado ao estudo de caso concreto de adaptao
das paradas de nibus da comarca de So Lus (MA), objeto da Ao Civil Pblica
N 012529/98 promovida pelo Ministrio Pblico do Estado do Maranho, como
prova de que o Poder Pblico ainda no fez o suficiente para a implementao dos
direitos das pessoas com deficincia, notadamente o direito de acessibilidade ao
meio fsico.
Por derradeiro, o stimo captulo foi dedicado ao enlace entre as idias
assentadas nos captulos anteriores, construindo, assim, a ilao fundamental do
trabalho.
-
11
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS
DAS PESSOAS COM DEFICINCIA
2.1 Delimitao conceitual de Direito Fundamental
A ampliao e transformao dos direitos fundamentais do homem no
decorrer da histria dificultam definir-lhes um conceito rpido, prtico e preciso1.
Como conseqncia dos embates ocorridos nos seios das revolues
liberais e nos movimentos sociais que viabilizaram seu nascimento, a noo de
direitos fundamentais teve, em primeiro momento, a caracterstica de balizadora da
ao do Estado.
Porm, perceptvel que muito mais do que circunscrever os limites da
atuao do Estado Absoluto, o contedo dos direitos fundamentais tem uma mltipla
funo, dentre estas, a de aproximar-se do cidado e assegura-lhe dignidade. Da o
porqu de Paulo Bonavides2, com escopo no pensamento de Konrad Hesse,
assinalar que os direitos fundamentais almejam criar e manter os pressupostos
elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana.
Ingo W. Sarlet3 e Jos Afonso da Silva4 afirmam que os direitos
fundamentais so expresses de valores e necessidades consensualmente
reconhecidos por uma comunidade situada temporal e espacialmente, direitos esses
1 SILVA, 2001b, p. 179. 2 BONAVIDES, 2002, p. 514. 3 SARLET, 2004, p. 69. 4 SILVA, 2001b, p. 179-183.
-
12
que, por sua vez, no pensamento de J.J. Canotilho5, assumem a qualidade de
instncia legitimadora da constituio, quando afirma in litteris que os Direitos
Fundamentais so elementos constitutivos da legitimidade constitucional.
Ingo Wolfgang6 adere ao reconhecimento desta qualidade (a de instncia
legitimadora da constituio) quando faz meno ao j citado J.J. Canotilho e a
Habermas, afirmando que o fundamento de validade da constituio (=legitimidade)
a dignidade do seu reconhecimento como ordem justa (Habermas) e a convico,
por parte da coletividade, da sua bondade intrnseca.
Tendo em vista estes preceitos, evidencia-se aqui a imprescindibilidade
que os direitos fundamentais assumem nas estruturas jurdicas modernas. Isso
porque representam o ncleo ao derredor do qual todas as cartas polticas
(Constituies) foram e so sintetizadas, uma vez que lhe servem de fundamento de
legitimidade, ao passo que devem ser o espelho mais fiel das aspiraes da
sociedade. Em outras palavras, no extremado consider-los a pedra de toque das
democracias modernas.
Em adendo, no se pode esquecer a necessria imbricao e vinculao
existentes entre direitos fundamentais, Constituio e Estado Democrtico de
Direito.
J se sabe que constituio e direitos fundamentais tm origens comuns,
pois ambos surgem com o movimento constitucionalista7. Sendo assim, surge o
documento que de uma s vez sujeita os governantes e governados - a
Constituio - o qual se estrutura sobre duas pilastras: a separao de poderes e
5 CANOTILHO, 2002, p. 376 6 SARLET, 2004, pp. 69-70. 7 A ttulo de informao, designa-se constitucionalismo a incorporao de direitos subjetivos do homem em normas formalmente bsicas, subtraindo-se o seu reconhecimento e garantia disponibilidade do legislador ordinrio (CANOTILHO, 2002, p. 376).
-
13
garantias dos direitos fundamentais, portando mecanismos de restrio ao Estado,
indicando-lhe caminhos, por onde pode caminhar e como caminhar.
Para alm disso, deve-se ater para um terceiro ponto que completa a
trade a pouco apresentada - o Estado Democrtico de Direito - posto que se
relaciona diretamente com os conceitos de direitos fundamentais e Constituio,
pois espao para que haja, verdadeiramente, a garantia da dignidade humana e,
consequentemente, dos direitos fundamentais.
Dito de outra forma, Constitucionalismo, Estado Democrtico de Direito e
direitos fundamentais, constituem a frmula para que haja, de fato, a garantia da
dignidade humana, prova que a Dclaration des Droits de lHomme et du Citoyen,
de 26 de agosto de 1789, funciona como regra-matriz para as referidas noes, a
saber: toda sociedade na qual a garantia dos direitos no assegurada, nem a
separao dos poderes determinada, no possui Constituio.
Outro ponto que deve ser esclarecido aqui quanto opo
terminolgica ora feira, pois, como sabido, o estudo do conceito de direito
fundamental leva percepo de uma infinidade de expresses usadas para
design-lo, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem,
direitos individuais, direitos pblicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades
pblicas e direitos fundamentais do homem8.
Quanto a isso, a prpria Constituio Federal de 1988 mostra-se confusa
neste ponto, referindo-se a eles ora como direitos e garantias fundamentais (Ttulo
II), ora como direitos humanos (art. 4, II), direitos e liberdades constitucionais (art.
5, LXXI) e direitos e garantias individuais (art. 60, 4, IV).
Como se no bastasse, historicamente as Constituies brasileiras no
8 SILVA, 2001b, p.179.
-
14
so unnimes no que toca a opo terminolgica adotada para design-los. A
constituio de 1824, por exemplo, referia-se a Garantias dos Direitos Civis e
Polticos dos Cidados Brasileiros. J a Constituio de 1891, cuidava de uma
Declarao de Direitos. E as constituies de 1934, 1937, 1946 e 1967 optaram pela
expresso Direitos e garantias Individuais.
No se delongando sobre a questo, preferir-se-, neste estudo, optar
pela terminologia Direitos Fundamentais, por ser esta de carter genrico,
conseguindo expressar, por si s, todo o arcabouo de direitos essenciais ao
homem consagrados pela ordem jurdica nacional e tambm pelo fato de a
Constituio Brasileira de 1988 adotar em seu Ttulo II a Expresso Direitos
Fundamentais, expresso que inaugura o rol desses direitos essenciais.
2.2 A dignidade da pessoa humana
Aps as experincias histricas da aniquilao do ser humano9, a
dignidade da pessoa humana, como base da Repblica, significa o reconhecimento
do indivduo como limite e fundamento do domnio poltico do Estado10, constituindo-
se como valor fundamental da ordem jurdica para a ordem constitucional que
pretenda se apresentar como Estado democrtico de direito.
Entendendo-se que os direitos fundamentais devem existir para nenhuma
outra funo, seno a de resguardar a dignidade da pessoa humana e; a dignidade
da pessoa humana como sendo a pedra fundamental para que sejam soerguidos os
9 A exemplo, a inquisio, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocdios tnicos. 10 CANOTILHO, 2002, p. 225.
-
15
direitos fundamentais11, entender-se-, ento, que se trata de dois conceitos
imbricados. Da a importncia do estudo do que a dignidade da pessoa humana.
Para Ingo W. Sarlet12 ela a qualidade integrante e irrenuncivel da
condio humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida.
Neste conceito esto relacionados, necessariamente, respeito e proteo da
integridade fsica e psquica (emocional) da do indivduo13. Dessa forma ela se torna
prerrogativa de todo o ser humano em ser respeitado como pessoa, de no ser
prejudicado em sua existncia (a vida, o corpo e a sade) e de fruir de um mbito
existencial prprio14.
MORAES15 define a dignidade da pessoa humana como:
[...] um valor espiritual e moral inerente pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida e que traz consigo a pretenso ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mnimo vulnervel, que todo estatuto jurdico deve assegurar, de modo, que, somente, excepcionalmente, possam ser feitas limitaes ao exerccio dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessria estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Cumpre salientar que a dignidade, enquanto qualidade intrnseca da
pessoa humana, algo que irrenuncivel, na medida que qualifica o ser humano
como tal, dele no podendo ser destacado, no podendo ser cogitada a
possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretenso a que lhe seja
concedida dignidade, afirmando, ainda, SARLET16 que por se tratar de algo inerente
11 Nesse sentido Flvia Piovesan trata a dignidade da pessoa humana como valor unificador de todos os direitos fundamentais [PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o princpio da dignidade da pessoa humana. In: LEITE, George Salomo (Org.). Dos princpios constitucionais: consideraes em torno das normas principiolgicas da Constituio. So Paulo: Malheiros, 2003. p.192]. 12 SARLET, 2001b, p. 41. 13 Da decorrem, por exemplo, a proibio da pena de morte, da tortura e da aplicao de penas corporais, bem como a utilizao da pessoa para experincias cientficas. 14 LARENZ, 1978, p. 46. 15 MORAES, 2002, p. 50. 16 SARLET, 2001a, p. 114.
-
16
ao ser humano, algo que se reconhece, respeita e protege.
Assim, cuidou-se de plasmar o contedo da dignidade da pessoa humana
nas constituies.
Mesmo tendo aparecido timidamente nas constituies Alem de 191917,
Constituio Portuguesa de 1933 (art. 6, n 3) e no prembulo da Constituio
Irlandesa de 1937, foi depois da Segunda Guerra mundial que a dignidade da
pessoa humana ganha espao em grandes propores nas constituies, sobretudo
aps ter sido reconhecida na Declarao Universal da ONU de 194818. A exemplo
tem-se as constituies da Alemanha (art. 1, I), da Espanha (Prembulo e art. 10.1),
Grcia (art. 2, I), Paraguai (prembulo) e a Constituio Brasileira de 1988 (art. 1,
III).
Destarte, ressalta-se que dignidade da pessoa humana atribui-se o
carter de elemento orientador de toda a teoria dos direitos fundamentais, de modo
a admitir que todos esses direitos estejam preordenados a, de alguma forma, tutelar
a dignidade do ser humano19.
Representa ela, ao mesmo tempo, o ncleo constante e o valor mnimo,
presentes em todos os direitos consensualmente criados nos seios das sociedades
ocidentais ao longo do tempo20. Como tambm o ncleo ao derredor do qual deve
o legislador se debruar para desvendar se aquele direito criado ou no
fundamental. Eis a o critrio estruturante da fundamentalidade material, ou melhor,
da receptividade de um direito novo pela constituio. Aqui, imprescindvel
destacar que a Constituio Brasileira de 1988 tem em seu bojo positivado,
17 A Constituio de Weimar j previa em seu texto, no artigo 151, inciso I, que o objetivo maior da ordem econmica o de garantir uma existncia humana digna. 18 Institui que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. 19 SARLET, 2004, pp. 73-86. 20 Todavia, cada sociedade civilizada tem seus prprios padres e convenes a respeito do que constitua atentado dignidade da pessoa humana (SARLET, 2001b, p. 56).
-
17
especificamente em seu art. 5, 2 que: Os direitos e garantias expressos nesta
Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil
seja parte.
Diante das lies apresentadas, no seria estranho a Constituio
Brasileira de 1988 estabelecer em seu art. 1, inciso III a dignidade da pessoa
humana como princpio, tendo como idia central o reconhecimento da importncia
do homem.
2.3 Dimenses dos direitos fundamentais
A histria dos direito fundamentais histria que desemboca no
surgimento do moderno Estado Constitucional, cuja essncia e razo de ser residem
justamente no reconhecimento, positivao e proteo da dignidade e dos direitos
fundamentais do homem21.
Assim, corroborando com CANOTILHO22, que afirma que onde no
existir constituio no h direitos fundamentais, SARLET23 assevera que somente
a partir do reconhecimento e da consagrao dos direitos fundamentais pelas
primeiras Constituies que assume relevo a problemtica das assim chamadas
geraes dos direitos fundamentais.
por isso que, na histria dos direitos fundamentais, se descarta a
possibilidade da existncia de direitos do homem ao tempo da antiguidade clssica,
pois mesmo com as modernas tcnicas da democracia grega, a escravido acabava
21 SARLET, 2004, p.42 22 CANOTILHO, 2002, p. 375. 23 SARLET, 2004, p. 43 (grifos nossos).
-
18
por excluir o escravo e demais pessoas subjugadas do rol de direitos do homem.
Canotilho tambm afasta a vinculao, freqentemente feita, da origem
dos direitos fundamentais s cartas de franquia medievais, notadamente Magna
Charta Libertatum de 1215, sustentando que mesmo que estes diplomas tenham
fornecido aberturas para a transmutao de direitos originariamente corporativos em
direitos do homem, em rigor, no passaram de acordos firmados entre reis e bares
com vistas a estabelecer certos direitos de supremacia ao rei em troca de certos
direitos de liberdade estamentais24.
De outro modo, os direitos fundamentais, eivados da importncia que hoje
se lhes reserva, surgiram com o advento das revolues liberais. quela poca, a
burguesia, inflamada pelo pensamento iluminista, tentava a todo custo cravar sua
vitria sobre o Estado absolutista, com o fim de limitar a ingerncia estatal na vida
dos cidados, assegurando-lhes, assim, um espao de liberdade.
Nesse contexto, surgem os direitos fundamentais de PRIMEIRA
DIMENSO, caracterizados por dirigirem-se proteo do indivduo em face do
Estado. Trata-se de direitos de liberdade negativa, cujo contedo impe abstenes
ao prncipe. Paulo Bonavides25, sobre este ponto, acrescenta que estes so direitos
de resistncia ou de oposio perante o Estado.
A exemplo, destacam-se os direitos liberdade, vida, propriedade e
igualdade perante a lei (a chamada igualdade formal). Assumem tambm
importncia, nessa fase, as liberdades de expresso, imprensa, reunio e os direitos
polticos, notadamente o de votar e ser votado.
Ocorre, entretanto, que os direitos de primeira dimenso no assumiram o
papel de garantidores de condio de vida digna aos cidados do mundo ocidental,
24 CANOTILHO, 2002, p. 380. 25 BONAVIDES, 2002, p. 517.
-
19
pois os resultados da revoluo industrial, acompanhados da intensa produo
intelectual de cunho socialista26 voltadas para soluo destas mazelas, foram a
prova cabal da insuficincia da garantia de liberdades de cunho meramente
negativo. De outra forma, inimaginvel a garantia do direito vida sem o
necessrio aparato para que ela seja, de fato, uma realidade.
Assim, em fins do sc. XIX at meados do sc. XX, surgem os DIREITOS
DE SEGUNDA DIMENSO, direitos potencializadores da justia social atravs da
assegurao de estatutos da sade, assistncia social, educao, trabalho, moradia,
dentre outros. a fase dos direitos sociais, econmicos e culturais.
Neste sentido, acrescenta Bobbio27 que
enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para sua realizao prtica, ou seja, para a passagem da declarao puramente verbal sua proteo efetiva, precisamente o contrrio, isto , a ampliao dos poderes do Estado.
Uma nota importante deve ser feita aqui. que se tratam de direitos que
passaram a exigir do Estado uma prestao para que viessem, de fato, existirem no
mundo dos fatos. O que concerne dizer que se, anteriormente, em relao aos
direitos de primeira dimenso, o Estado, para garantir o Direito de ir e vir deveria
to-somente no impedir as pessoas de seu direito de locomoo, agora, ele, para
garantir a educao, cita-se como exemplo, deve construir escolas, contratar
professores, adquirir material didtico, dentre outros. Assenta-se, aqui, a idia de
que se a primeira dimenso exigia abstenes do Estado, consagrando uma singela
igualdade formal (igualdade perante a lei), a segunda dimenso consagra direitos a
26 CANOTILHO, 2002, pp. 383-384. 27 BOBBIO, 1992, p. 72.
-
20
prestaes, concretizando uma igualdade material (igualdade na lei ou atravs da
lei)28.
So exemplos desses direitos, o direito a sade, assistncia social,
educao, trabalho, etc.
Neste rol de direitos, destacam-se pela inovao as Constituies do
Mxico (1917) e da Alemanha de 1919 (Constituio de Weimar). Porm, nota-se
que foi a partir do sc. XX, em especial nas Constituies do segundo ps-guerra,
que estes novos direitos fundamentais acabaram sendo consagrados em um
nmero significativo de Constituies29. Enfatiza-se aqui que a Constituio
Federal de 1988 tambm foi prdiga no reconhecimento de direitos de cunho social.
Cogita-se, ainda, de uma terceira e de uma quarta dimenso de direitos
fundamentais, havendo, contudo, alguns desacordos doutrinrios acerca de sua
caracterizao.
Tendo em linha de conta que as trs primeiras dimenses de direitos
fundamentais vinculam-se, respectivamente, aos ideais revolucionrios de liberdade,
igualdade e fraternidade, conclui Paulo Bonavides30 que os direitos de TERCEIRA
DIMENSO, possuem como bandeira a fraternidade (solidariedade). Canotilho31,
acolhendo a expresso direitos de solidariedade, exemplifica-os com os direitos
autodeterminao, ao patrimnio comum da humanidade, ao meio-ambiente
equilibrado, paz e ao desenvolvimento.
A caracterstica marcante desses direitos a de abarcar o grupo social
por inteiro, e no apenas o indivduo por si s.
28 CANOTILHO, 2002, pp. 376-378. 29 SARLET, 2001a, p. 49. 30 BONAVIDES, 2002, p. 522. 31 CANOTILHO, 2002, p. 384.
-
21
Esto vinculados a esta dimenso os direitos paz, autodeterminao
dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida. Em suma,
so direitos que dizem respeito coletividade. Atestando esta verdade, assenta Ingo
W. Sarlet32 que
Os direitos fundamentais da terceira dimenso, tambm denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princpio, da figura do homem-indivduo como seu titular, destinando-se proteo de grupos humanos (famlia, povo, nao) e caracterizando-se, conseqentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa.
Por ltimo, a QUARTA DIMENSO consagra direitos resultantes da
universalizao dos direitos fundamentais, fenmeno que deve acompanhar a
globalizao verificada no plano econmico, constituindo, em verdade, seu perfeito
contraponto. Quanto existncia de uma quarta dimenso de direitos fundamentais
a doutrina no coesa, havendo apenas alguns juristas que defendem o surgimento
desta dimenso, como o caso de Paulo Bonavides33 um de seus maiores
entusiastas, o qual, nada obstante, chega a reconhecer que esta gerao imbrica-se
com o futuro da humanidade. exemplificada pelos direitos democracia,
informao e ao pluralismo.
Como percebido, no se optou pelo conhecido termo geraes e, sim,
pelo dimenses. E isto por duas razes: a primeira se d pelo fato de que os
vocbulos devem expressar sentidos com o maior grau de preciso possvel, por
isso a adoo do termo dimenses, em vez de geraes, j que atende mais
utilmente aos objetivos colimados; a segunda razo, porque a expresso geraes
transmite, de certa maneira, a idia de soluo de continuidade, permitindo a ilao
de que cada gerao de direitos fundamentais sucede a anterior, substituindo-a
32 SARLET, 2001a, p. 52. 33 BONAVIDES, 2002, pp. 524-526.
-
22
completamente. Essa posio apresenta-se um tanto equivocada quando o assunto
em pauta concerne a direitos fundamentais, isso pelo fato de que todas as geraes
encontram-se sujeitas a mtuas interferncias, no havendo falar, por exemplo, em
direitos de liberdade negativa absolutamente apartados do tratamento conferido aos
direitos de liberdade positiva (prestacionais)34.
Embora muitas tentativas tivessem se preocupado no intento de declarar
que direitos fundamentais seriam inatos e naturais do homem, faz-se necessria
mais uma vez abordar que direitos fundamentais so fruto de construo humana,
num dado espao e tempo (cuja produo estimulada pela necessidade,
reivindicaes da sociedade e os problemas havidos no seio social) e que apenas
existem direitos fundamentais a partir do momento em que esses direitos essenciais
so positivados constitucionalmente35. Assim, direitos fundamentais, so resultantes
de uma realidade dialtica, pois
[...] nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem que acompanha inevitavelmente o progresso tcnico, isto , o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza dos outros homens ou cria novas ameaas liberdade do indivduo, ou permite novos remdios para as suas indigncias. (BOBBIO (1992, p. 06).
2.4 Os direitos fundamentais das pessoas com deficincia
No decorrer desta pesquisa usa-se a expresso pessoas com
deficincia em vez da expresso pessoas portadoras de deficincia, que usada
pela Constituio Federal de 1988. A terminologia foi escolhida e votada durante
Conveno Internacional para Proteo e Promoo dos Direitos e Dignidade das
34 SARLET, 2004, p. 58-60. 35 CANOTILHO, 2002, p. 384.
-
23
Pessoas com Deficincia, no ms de maio de 2006, sendo sete os motivos36 que
levaram escolha da expresso, dentre eles, o fato desta: no esconder ou
camuflar a deficincia, de mostrar com dignidade a realidade e valorizar as
diferenas e necessidades decorrentes da deficincia37. Como resultado da opo,
quase a totalidade dos documentos esto optando pela adoo da expresso
pessoas com deficincia em suas manifestaes. SASSAKY38, corroborando com
a expresso, afirma que a tendncia o desuso da expresso portadora.
A condio de ter uma deficincia faz parte da pessoa, o que no quer
dizer que a pessoa porta uma deficincia. De fato, ela tem uma deficincia. Portanto,
tanto o verbo portar como o substantivo ou o adjetivo portadora no se aplicam a
uma condio inata ou adquirida da pessoa.
Dito isso, preciso, agora, estabelecer minimamente o contedo da
expresso pessoa com deficincia. Em outras palavras, mostra-se necessrio erigir
critrios para saber quando algum pode ser considerada pessoa com deficincia.
A Declarao dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincia,
instituda pela ONU em 1975, explicita que pessoa com deficincia qualquer
pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades
de uma vida individual ou social normal, em decorrncia de uma deficincia
congnita ou no em suas capacidades fsicas, sensoriais ou mentais.
A histria do trato com as pessoas com deficincia durante os anos
perpassa a antiguidade, de onde se tem notcias de algumas sociedades que ora
36 Outro princpio utilizado para a escolha foi o de defender a igualdade entre as pessoas com deficincia e as demais em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparao de oportunidades atendendo s diferenas individuais. 37 Comisso de Acessibilidade e Comisso de Valorizao da Pessoa com Deficincia, 2006. 38 Extratos do artigo de Romeu Kazumi Sassaki publicado no Jornal Conversa Pessoal, da Secretaria de Recursos Humanos do Senado Federal, na Coluna Cidadania. Ano VI, n. 70, set. 2006. Disponvel em:. Acesso em 12 nov.2006.
http://www.senado.gov.br/sf/senado/portaldoservidor/jornal/jornal70/utilidadepublica_pessoas_deficiencia.as
-
24
tratavam bem o deficiente (quer seja por pena, por valorizar o ser humano ou medo
dos deuses) ou tratavam mal, atirando-os de abismos, sacrificando-os e at os
assassinado (quer pelo cultivo da perfeio em meio social ou por motivos
religiosos)39.
2.4.1 Os direitos fundamentais das pessoas com deficincia no mbito internacional
Foi aps a Segunda Guerra Mundial que os direitos das pessoas com
deficincia ganharam maior singularidade no rol dos direitos fundamentais,
sobretudo porque os soldados que travaram combates nos campos de batalhas
voltaram para seus pases com alguma deficincia, notadamente fsica, o que os
impossibilitava de realizar atividades nas mesmas condies das pessoas ditas
normais40. Este fato comeou a gerar uma celeuma no seio social, a partir do
momento em que se comeou a discriminar esta minoria. Verifica-se ainda, que
estas limitaes, oriundas dessas deficincias adquiridas nos campos de combate,
distanciavam o homem deficiente (qualitativamente ou quantitativamente) do resto
da sociedade.
Assim, o olhar internacional voltou-se para este segmento. Tanto que
em 1971, mediante Resoluo da ONU, foi publicada a Declarao dos Direitos das
Pessoas com Retardo Mental, e logo depois, em 1975, surgiu a Declarao dos
Direitos das Pessoas Deficientes. Em 1983, a OIT (Organizao Internacional do
Trabalho) instituiu a Conveno 159, disciplinando a Reabilitao Profissional em
39 FEIJ, 2002, pp. 27-31. 40 PLAISANCE, 2005, pp. 406-409.
-
25
Emprego de Pessoas Portadoras de Deficincia. No obstante e no mesmo sentido,
a ONU proclamou, em 1981, o Ano Internacional dos Deficientes (Res. 31/123).
Como direito prestacional, os Estados comearam a desenvolver polticas
pblicas, no af da incluso social das pessoas com deficincia41. Prova disso,
que as Constituies, Portuguesa (art. 16 e art. 71), Espanhola de 1978 (art. 49),
Italiana (art. 38) e a Chinesa de 1982 (art. 45), cuidaram especificadamente do trato
dos direitos das pessoas com deficincia.
2.4.2 Os direitos fundamentais das pessoas com deficincia no mbito nacional
Como o Brasil no sofreu os mesmos impactos da Segunda Guerra
Mundial sofridos pelos pases europeus, o ps-guerra nada trouxe de novidade ao
ordenamento jurdico nacional sobre direitos sociais, em especial sobre os direitos
das pessoas com deficincia42.
Outrossim, as causas da incidncia de pessoas com deficincia no Brasil
no se deve a guerras e, sim, a outros fatores, como ndices assustadores de
acidentes de trnsito, carncia alimentar e falta de saneamento bsico/condies de
higiene43.
Mas, no plano das constituies brasileiras que repousa a anlise a
seguir.
41 SASSAKI, 1997, p. 03. 42 FEIJ, 2002, p.65. 43 ARAUJO, 1996, p. 07.
-
26
As primeiras constituies trouxeram tmidos espaos que versavam
sobre as pessoas com deficincia. A saber, Feij44 traa uma retrospectiva desses
momentos constitucionais.
A Constituio de 1824 trouxe apenas a garantia ao direito de igualdade
(art. 179, XIII), ocorrendo o mesmo com a Constituio de 1891 (art. 72, pargrafo
nico).
J a Constituio de 1934 consagrou em seu art. 113, I, o direito de
igualdade. Porm, nesta Carta Poltica que nasce o embrio do direito das
pessoas com deficincia, sendo a primeira Constituio brasileira que consagrou a
ordem social. Em seu artigo 138, estava disposto que
Incumbe Unio, aos Estados e aos Municpios, nos termos das leis respectivas: a) assegurar amparo aos desvalidos, criando servios especializados e animando os servios sociais, cuja orientao procuraro coordenar; b) estimular a educao eugnica; (...) e) proteger a juventude contra toda explorao, bem como contra o abandono fsico, moral e intelectual; f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeam propagao das doenas transmissveis; g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais.
A Constituio de 1937 nada acrescentou e a Constituio de 1946 fez
uma breve referncia ao direito previdencirio para o trabalhador invlido.
A Carta de 1967 trouxe uma inovao no trato das pessoas com
deficincia quando disps em seu art. 175 que:
Art. 175 - A famlia constituda pelo casamento e ter direito proteo dos poderes pblicos. 4 - Lei especial sobre a assistncia maternidade, infncia e adolescncia e sobre a educao de excepcionais.
44 FEIJ, 2002, pp. 65-67.
-
27
Desde ento, percebe-se um aumento da tutela jurdica dos direitos da
pessoa com deficincia. A exemplo disso, tem-se a Emenda n. 12 Constituio de
1967:
Artigo nico - assegurado aos deficientes a melhoria de sua condio social e econmica especialmente mediante: I educao especial e gratuita; II assistncia, reabilitao e reinsero na vida econmica e social do Pas; III proibio de discriminao, inclusive quanto admisso ao trabalho ou ao servio e a salrios; IV possibilidade de acesso a edifcios e logradouros pblicos.
certo que, com a Constituio de 1967, o ordenamento jurdico
brasileiro travou forte contato com normas destinadas a oferecer especfica proteo
ao segmento das pessoas com deficincia. Porm, foi somente com a Constituio
Federal de 1988 que a tutela dos direitos das pessoas com deficincia obteve
merecido lugar.
Comea-se esta anlise com o prembulo da Constituio de 1988 que
declara que o Estado Democrtico Brasileiro destina-se a assegurar o exerccio dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos (grifo nosso). Em adendo, em seu art. 3,
inciso IV, a Repblica Federativa do Brasil tem como uns de seus objetivos
fundamentais promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.
Em complemento ao que acima foi citado, ressalta-se o artigo 5, o qual
dispe que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza [...]
(grifo nosso).
-
28
H ainda, disposies constitucionais que se preocupam com os
problemas enfrentados pelas pessoas com deficincia, concernentes a educao,
assistncia social, trabalho e acessibilidade, como se ver.
No que concerne educao especial, merece destaque o art. 208, III,
quando dispe que: O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a
garantia de: III atendimento educacional especializado aos portadores de
deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino.
Tambm em sede de assistncia social verifica-se a preocupao do
legislador constituinte com a insero das pessoas com deficincia na sociedade. A
teor do art. 203, IV e V da Constituio Federal:
Art. 203. A assistncia social ser prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuio seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
IV a habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia e a promoo de sua integrao vida comunitria;
V a garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa portadora de deficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover prpria manuteno ou t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei.
No que toca o direito ao trabalho, a Constituio no foi omissa em
reconhecer s pessoas com deficincia direitos especiais para o ingresso no
mercado de trabalho, satisfazendo, em sede deste direito, o critrio da incluso,
onde a pessoa com deficincia passou a ganhar, atravs do texto constitucional, a
imagem de cidado capaz de produzir. De efeito, o art. 7, XXI estabelece, in verbis:
Art. 7. So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social:
[...]
XXXI proibio de qualquer discriminao no tocante a salrio e critrios de admisso do trabalhador portador de deficincia
[...].
-
29
Para alm disso, foi resguardada, ainda, a garantia de acesso ao servio
pblico por meio de concurso pblico, como se pode observar no art. 37, VIII da
Constituio:
Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte:
VIII a lei reservar percentual dos cargos e empregos pblicos para as pessoas portadoras de deficincia e definir os critrios de sua admisso.
A Constituio de 1988, com vistas a garantir o direito de ir e vir das
pessoas com deficincia, consagrou normas sobre acessibilidade. Nos termos do
art. 244 da Constituio da Repblica, A lei dispor sobre a adaptao dos
logradouros, dos edifcios de uso pblico e dos veculos de transporte coletivo
atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de
deficincia, conforme o disposto no art. 227, 2. Que, por sua vez, dispe que a
lei dispor sobre normas de construo dos logradouros e dos edifcios de uso
pblico e de fabricao de veculos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso
adequado s pessoas portadoras de deficincia.
As normas que consagram os direitos das pessoas com deficincia no
param por a45. Existem inmeras resolues, portarias, decretos e Leis que versam
sobre o assunto, os quais no sero expostos nem estudados aqui pela limitao do
tema deste trabalho e por no ser o cerne da questo que doravante se afunila.
Ressalta-se aqui, que o tratamento deste direito maior, que o da pessoa
com deficincia, intrito para o entendimento do direito acessibilidade ao meio
fsico das pessoas com deficincia, o qual tema desta pesquisa.
45 A respeito da temtica, normas sobre pessoas com deficincia, existe obra, organizada por Paulo Roberto Barbosa Ramos (2003), que contempla, exausto, a legislao nacional pertinente.
-
30
2.5 O enlace das idias
Aps a exposio dos temas supracitados, cabe aqui deixar afirmado que
os direitos das pessoas com deficincia so autnticos direitos fundamentais,
encontrando lugar e amparo no texto constitucional.
Prova disso o direito de igualdade que fomenta esta afirmao
porquanto possuir um duplo objetivo, de um lado propiciar garantia individual [...] e,
de outro tolher favoritismos e perseguies46. Outrossim, afirma-se que o princpio
da igualdade abarca as pessoas com deficincia dando a elas tratamento especial
para que elas possam se igualar (por meio da lei) s pessoas ditas normais, no
para a consecuo de tarefas, mas, para viver com dignidade.
As polticas constitucionais inclusivas a pouco citadas (educao especial,
benefcios de assistncia social, condies de acessibilidade, reserva de mercado
de trabalho) no possuem outro objetivo, seno o de operacionalizar o princpio da
igualdade, tal afirma Regina Quaresma quando afirma que47
a igualdade, na medida em que se funda na solidariedade, pressupe a adoo de polticas inclusivas. Sem incluso impossvel haver igualdade. Uma sociedade igualitria aquela onde os seres humanos tm amplas possibilidades de desenvolver as suas potencialidades.
Um outro ponto importante a ser ressaltado que, como outrora foi
comentado, o direito fundamental tem que haver com a dignidade da pessoa. Em
verdade, a tutela dos indivduos com deficincia tem por finalidade precpua
assegurar sua dignidade, atravs do estmulo ao desenvolvimento de suas
potencialidades e, de conseqncia, merc da facilitao de sua integrao social
humana. No obstante, louvvel foi a preocupao do constituinte de 1988 de
alavanc-lo como fundamento da Repblica Federativa do Brasil.
46 MELLO, 2002, p. 23. 47 QUARESMA, 2002, p. 05.
-
31
Em suma, todo este captulo debruou-se no estudo sinttico dos direitos
fundamentais, seu escoro histrico, seu enlace com o Estado Democrtico de
Direito, Constituio e dignidade da pessoa humana, para, ento afirmar que os
direitos da pessoa com deficincia so de fato direitos fundamentais.
-
32
3 EFICCIA E APLICABILIDADE DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS
PESSOAS COM DEFICINCIA E A
TEORIA DA RESERVA DO POSSVEL
3.1 Eficcia e aplicabilidade dos direitos fundamentais das pessoas com
deficincia.
Cumpre aqui uma sucinta anlise do contedo da eficcia e da
aplicabilidade dos direitos das pessoas com deficincia, pois sabido que, h muito
tempo, este tema objeto das investigaes da doutrina na seara do Direito
Constitucional.
Tendo em vista que os direitos das pessoas com deficincia so direitos
sociais, no sendo direitos contra o Estado, mas sim por meio do Estado, faz-se
mister que o Poder Pblico implemente estes direitos por meio de prestaes
materiais. No dizer de Andras Krell48,
O Estado, por meio de leis, atos administrativos e da criao real de instalaes de servios pblicos, deve definir, executar e implementar, conforme as circunstncias, as chamadas polticas sociais [...] que facultem o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente protegidos.
Continuamente, faz-se necessrio afirmar, mais uma vez, que o fim da
Constituio o reconhecimento dos direitos fundamentais. Assim, todos esto
48 KRELL, 1999, p. 240.
-
33
vinculados obedincia e aplicao desses direitos, j que nenhuma lei deve ser
feita para no ser cumprida49.
Sabe-se, ainda, que h um enorme fosso entre o dever-ser (texto da
norma) e o ser (realidade). Contudo, esta temtica no apresenta bice algum para
a efetivao e aplicabilidade dos direitos fundamentais, uma vez que a Constituio
Brasileira - importante frisar isto - tem carter dirigente, no sendo mero texto de
papel que descreve uma realidade. Sendo assim, o Poder Pblico, o qual tem sua
legitimidade na Constituio, a qual, legitimada pelo povo, deve se esmerar para que
a realidade ftica se ajuste aos moldes constitucionais, porquanto ser este seu dever
precpuo.
Com esse objetivo, a Constituio de 1988 trouxe em seu bojo as normas
declaratrias de direitos e as normas instrumentais. As normas declaratrias so
aquelas que declaram um direito (como, por exemplo, o direito ao acesso ao meio
fsico por parte das pessoas com deficincia); j as normas instrumentais, aquelas
que viabilizam a fruio desses direitos quando no so respeitados (como, por
exemplo, mandado de segurana)50.
Dado o exposto, cabe, aqui, a exposio do ponto fulcral da discusso: o
1 do artigo 5 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. o
contedo do referido pargrafo, in litteris:
Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:
[...]
1 As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata.
[...].
49 RAMOS, 2002, p. 72. 50 RAMOS, 2002, p. 72, 140 e 141.
-
34
Este dispositivo constitucional representa, sem sombra de dvida, um
ponto de ruptura em relao s demais constituies brasileiras no trato da
realizao de direitos fundamentais, muito embora h quem diga que muitos desses
direitos dependam da vontade legislativa para serem efetivados. Tal fato
corresponde a um verdadeiro equvoco, pois, como preceitua o texto constitucional,
so de APLICABILIDADE IMEDIATA, no necessitando de lei que determine a sua
esfera de abrangncia ou os procedimentos para que possam ser usufrudos51.
Aqui cabe uma pequena reflexo.
Dado o carter aberto que a Constituio Brasileira de 1988 possui,
entende-se que, caso haja a omisso legislativa, esses direitos podem ser
efetivados a partir de interpretaes e decises de Juzes no trato desses direitos,
uma vez que o juiz no poder se abster de prolatar uma sentena para o caso
concreto52.
Quanto a este ponto, tem-se visto que a mentalidade do juiz brasileiro ,
na sua maioria, adepta da derrocada concepo formalista da interpretao jurdica.
No dizer de Andras Krell53,
Talvez o maior impedimento para uma proteo mais efetiva dos direitos fundamentais seja a atitude ultrapassada de grande parte da magistratura brasileira para com a interpretao constitucional, cuja base at hoje consiste no formalismo jurdico que tem dominado geraes de operadores de Direito, especialmente durante o tempo autoritrio.
E ainda, nessa esteira, cita o Jurista italiano Norberto Bbbio que
[...] a concepo formalista da interpretao jurdica, fruto do jus-positivismo, d absoluta prevalncia s formas com base numa operao meramente lgica, isto , aos conceitos jurdicos abstratos da norma legislativa com prejuzo da finalidade perseguida por esta, da realidade social que se encontra por trs das formas e dos conflitos de interesse que se deve dirimir54.
51 RAMOS, 2002, p. 73. 52 Lei de Introduo ao Cdigo Civil, art. 4. 53 KRELL, 1999, p. 249. 54 KRELL, 1999, p. 249.
-
35
Dessa maneira, e pelo fato de que a Constituio de 1988 preconiza o
Estado Social, que se exige um novo entendimento das normas jurdicas,
notadamente s referentes a direitos fundamentais, no af de que Juizes e demais
juristas interpretem a Constituio sem desviar seus olhares do esprito e valores
subjacentes dos quais os direitos fundamentais esto revestidos.
A natureza poltico social dessas normas no d oportunidade para que
antigos mtodos de interpretao tenham lugar, impondo, dessa maneira, mtodos
interpretativos especficos. Assim, a interpretao liberal-individualista-normativista55
da Constituio deve dar lugar a uma interpretao constitucional material
valorativa56, visando dar vazo aos direitos fundamentais, dessa forma, assumindo o
judicirio, tambm, o papel de arquiteto social.
Quando se afirma que a Constituio de 1988 consagradora de todos
os direitos construdos durante a histria, e que ela dirigente, indicando os
caminhos para onde o Estado Brasileiro deve caminhar, deve-se ter cuidado no
momento de sua interpretao. por isso que Paulo Roberto Barbosa Ramos57
aponta para uma reavaliao das tradicionais classificaes das normas
constitucionais diga-se de passagem, que no propsito deste trabalho
desenvolv-las - notadamente as que no tm efeito de aplicabilidade imediata, haja
vista seu descompasso com o 1 do art. 5 do mandamento constitucional.
Dito isto, e compreendido que juristas e poderes pblicos devem estar
imbudos da vontade de constituio para que a sua fora normativa58 se concretize,
55 Que segundo Andreas Krell seria aquela que nega a aplicao das normas programticas e dos princpios da nova Constituio, alm de ser a predominante entre os juristas brasileiros, haja vista seu carter lgico e textual concernente ao que est disposto no texto (KRELL, 1999, p. 249-250). 56 Interpretao que est voltada realizar as exigncias de um direito material ancorado s normas ticas e polticas, expresso de idias para alm das decorrentes de valor econmico (KRELL, 1999, p. 250). 57 RAMOS, 1992, p. 74. 58 Termos utilizados pelo Jurista Konrad Hesse, quando fala da eficcia jurdica e social da Constituio. A vontade de Constituio seria a adeso de todos, inclusive Poder Pblico na efetivao do que estava contido no
-
36
sobretudo no momento de interpretao do texto constitucional, entende-se que
necessria uma nova interpretao para as normas programticas, visto que os
direitos fundamentais dependerem destas para que possam sobrevir e serem
frudos.
Normas programticas, no dizer de Jos Afonso da Silva59, so
aquelas normas constitucionais atravs das quais o constituinte, em vez, de regalar, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traar-lhes os princpios para serem cumpridos pelos seus rgos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando a realizao dos fins sociais do Estado.
Por serem o tipo de norma que prescreve a) o fim a atingir; b)os meios
mais aptos para atingir o fim determinado nela mesma; c) limitando, pois, o mbito
da discricionariedade legislativa, e; d) vinculando-se disciplina das relaes
econmico-sociais e tico sociais; elas tm uma eficcia interpretativa que
ultrapassa as outras normas no sistema constitucional ou legal, porque apontam os
fins sociais e as exigncias do bem comum, que constituem vetores de aplicao da
Lei60.
Em outras palavras, elas tm eficcia jurdica imediata, direta e vinculante
quando informam a concepo do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenao
jurdica, mediante a atribuio de fins sociais, proteo aos valores da justia social
e revelao dos componentes do bem comum61.
texto constitucional. E a fora normativa se materializava no momento em que todos davam adeso ao texto constitucional. 59 SILVA, 2001, p. 129. 60 SILVA, 2001, pp. 147-152. 61 SILVA, 2001, p. 146.
-
37
Enfim, as normas programticas no dizer de Paulo Roberto Barbosa
Ramos
[...] necessitam de aes concretas construtivas, servios pblicos sua efetivao, da demandarem tempo para a sua total e integral aplicao. No podem, por isso, instantaneamente satisfazer aquilo a que constituio almeja construir desde o principio. Todavia, apontam para a necessidade de a partir do primeiro dia da vigncia da constituio, os poderes pblicos iniciarem as medidas para que o programa nela contido comece a ser implementado. As normas programticas no concedem liberdade s autoridades para comearem agir quando bem quiserem, quando acharem que possuem recursos para colocar em andamento os programas que elas prevem. A implementao imediata dos programas previstos nas normas constitucionais faz parte da sociedade que a constituio deseja construir e se iniciativas voltadas a execuo desses programas no forem tomadas desde o primeiro dia de vigncia da constituio, esta estar sendo flagrantemente desrespeitada e as autoridades agindo fora dos parmetros constitucionais, perdendo assim, a legitimidade para o exerccio do poder. O programa de cada governo deve ser o programa constitucional. Cada governo apenas o executor do programa traado pela prpria constituio62.
De tudo comentado, resta dizer que o Estado brasileiro tem a obrigao
constitucional de implementar programas e polticas pblicas para a efetivao dos
direitos fundamentais, notadamente, tambm dos direitos das pessoas com
deficincia.
3.2 O argumento da reserva do possvel
Todas essas medidas, a pouco citadas, envolvem um custo, demandando
alocao de recursos oramentrios para a sua viabilizao prtica. Aqui reside o
principal obstculo implementao dos direitos prestacionais (de maneira especial
os direitos das pessoas com deficincia): as limitaes no que diz respeito
62 RAMOS, 2002, pp. 74-75.
-
38
disponibilidade de recursos financeiros. Da, a razo de Ingo Wolfgang Sarlet63
prelecionar que
[...] pelo fato de os direitos sociais prestacionais terem por objeto prestaes do Estado diretamente vinculadas destinao, distribuio (e redistribuio), bem como criao de bens materiais, aponta-se, com propriedade, para sua dimenso economicamente relevante.
Canotilho64, assevera que h uma dependncia dos direitos sociais em
relao aos recursos econmicos, o que configura a reserva do possvel.
A reserva do possvel doutrina que nasce da jurisprudncia alem, que
entende que a construo de direitos subjetivos prestao material de servios
pblicos pelo Estado est sujeita condio da disponibilidade dos respectivos
recursos.
de assim dizer, que no Estado Alemo a efetivao de direitos
fundamentais prestacionais est vinculada reserva monetria para sua realizao,
onde a deciso sobre a sua disponibilidade estaria localizada no campo
discricionrio das decises governamentais e dos parlamentos. Ressalta-se que
essa tecnologia jurdica se desenvolveu dentro de um modelo de Estado Social que
tem como pontos bsicos a industrializao, a tecnologia, a comunicao e a
racionalidade na gesto dos servios pblicos, caractersticas estas no condizentes
com o Estado Social Brasileiro. Da, ser um tanto perigoso utilizar-se de um instituto
criado em outra realidade poltico-econmico-social. por assim dizer que Andreas
Krell65 afirma que no se pode transportar um instituto jurdico de uma sociedade
para outra, sem levar-se em conta os condicionamentos scio-culturais e
econmico-polticos a que esto sujeitos todos os modelos jurdicos.
63 SARLET, 2001a, p. 280. 64 CANOTILHO, 2002, p. 474. 65 KRELL, 1999, p. 244.
-
39
Em completude, vale ressaltar que a doutrina publicstica mais tradicional,
acompanhada de ampla parcela da jurisprudncia ptria66, tem negado a
possibilidade de o Poder Judicirio impor aos demais Poderes da Repblica a
realizao de polticas pblicas tendentes a dar concretude aos direitos
prestacionais. Com fundamento numa leitura ortodoxa do princpio da Separao
dos Poderes, costuma-se argumentar que, por serem dotados de uma dimenso
econmica, os direitos sociais tm sua eficcia subordinada reserva do possvel,
ou melhor, subordinada a separao de recursos para sua efetivao.
Tal pensamento encontrou cimento quando o Supremo Tribunal Federal
firmou jurisprudncia no sentido de falecer-lhe poderes para impor ao Legislativo a
obrigao de editar normas que venham a concretizar os direitos consagrados na
Constituio Federal. Apenas como exemplo, veja-se trecho da deciso da ADIn n.
1484-6, cujo relator foi o Ministro Celso de Mello:
EFEITOS QUE, EM SEDE DE AO DIRETA, RESULTAM DA DECLARAO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO ESTADO DE MORA CONSTITUCIONAL. - O reconhecimento formal, em sede de ao direta, mediante deciso da Suprema Corte, de que o Poder Pblico incorreu em inadimplemento de obrigao fixada no texto da prpria Constituio, somente autoriza o STF a dirigir-lhe mera comunicao, ainda que em carter admonitrio, para cientific-lo de que se acha em mora constitucional, ressalvado o carter mandamental dessa mesma deciso, quando se tratar, excepcionalmente, de rgo administrativo, hiptese em que este ter que cumprir a determinao da Corte, em trinta dias (CF, art. 103, 2). - O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato, ao declarar a situao de inconstitucionalidade por omisso, no poder, em hiptese alguma, substituindo-se ao rgo estatal inadimplente, expedir provimentos normativos que atuem como sucedneo da norma reclamada
66 A exemplo, tem-se o julgamento do REsp 252.083, cuja relatora foi a Ministra Nancy Andrighi do STJ: CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO AO CIVIL PBLICA PODER DISCRICIONRIO DA ADMINISTRAO EXERCCIO PELO JUIZ IMPOSSIBILIDADE PRINCPIO DA HARMONIA ENTRE OS PODERES. O juiz no pode substituir a Administrao Pblica no exerccio do poder discricionrio. Assim, fica a cargo do Executivo a verificao da convenincia e da oportunidade de serem realizados atos de administrao, tais como, a compra de ambulncias e de obras de reforma de hospital pblico. O princpio da harmonia e independncia entre os poderes h de ser observado, ainda que, em tese, em ao civil pblica, possa o Municpio ser condenado obrigao de fazer. Agravo a que se nega provimento. (STJ-2 Turma, REsp 252.083, Rel. Min. Nancy Andrighi, unnime, j. 31/5/2000, DJ 26/3/2001). Outros acrdos tambm defendem a tese da intromisso indbita do Poder Judicirio em matria de polticas pblicas: STJ-1 Turma, REsp 169.876, Rel. Min. Jos Delgado, unnime, j. 16/6/1998, DJ 21/9/1998; STJ-6 Turma, REsp 63.128, Rel. Min. Adhemar Maciel, unnime, j. 11/3/1996, DJ 20/5/1996.
-
40
pela Constituio, mas no editada - ou editada de maneira incompleta -
pelo Poder Pblico
(grifo nosso).
Assim, tal qual este aparente conflito (entre judicirio e legislativo), pode-
se identificar um outro choque: entre os princpios da legalidade da despesa pblica
versus o princpio da sujeio da Administrao Pblica s decises da Poder
Judicirio.
Cumpre ao poder judicirio, como outrora ressaltado, o papel de arquiteto
do Estado Social apregoado pela Constituio de 1988. Irmanado ao judicirio, e
vice e versa, a administrao pblica deve corroborar para a efetivao dos direitos
prestacionais. de assim dizer que no h lugar para o libe da falta de recursos
como desculpa da no efetivao de direitos fundamentais.
A respeito desta coliso de princpios (o da legalidade da despesa pblica
versus o princpio da sujeio da Administrao s decises da Poder Judicirio),
Eros Roberto Grau67 preconiza que o argumento de falta de verbas para a efetivao
deste direitos no aceitvel, asseverando que a soluo encontra-se na elevao
nominal do crdito oramentrio, mediante obteno de autorizao legislativa para
a abertura de crditos adicionais, suplementares68, o que no fere o dispositivo
constitucional do 5 do art. 19569, no se consubstanciando, dessa forma, crime de
responsabilidade (art. 85, VI, CF). A nica escapatria existente para Administrao
Pblica no efetivar direitos fundamentais, assevera ainda Eros Roberto Grau, a
exausto oramentria. Nesse caso a Administrao Pblica dever demonstr-la
de maneira comprovada frente ao tribunal competente. S assim, e somente assim,
67 GRAU, 1992, pp. 130-148. 68 Estes crditos so formados a partir do aproveitamento de recursos provindos do supervit financeiro do exerccio anterior, do excesso de arrecadao, da anulao total ou parcial de dotaes oramentrias ou de crditos adicionais autorizados em lei, do produto de operaes de crdito. 69 Que probe apenas o aumento real, no proibindo o aumento nominal. Quando se eleva o valor nominal do crdito oramentrio mediante obteno de autorizao legislativa (art. 166 e 167, VI, CF), com indicao dos recursos correspondentes (art. 167, V, Constituio Federal/88).
-
41
que se pode aceitar, em ltima hiptese, o no cumprimento de uma deciso
judicial que condene a Administrao Pblica prestao de direitos fundamentais.
Corroborando com esse pensamento, Eliana Calmon, Ministra do STJ, no
julgamento do REsp 493.81170, afirma que quando no houver dotao oramentria
para a implementao de direitos fundamentais, deve o legislativo cogitar crditos no
oramento do exerccio subseqente para a efetivao destes direitos.
Dentro da mesma temtica, fica realada a necessidade de um novo
entendimento sobre a teoria da tripartio de poderes, entendimento este que daria
vazo para a compreenso de que um mandado apelativo do judicirio para a
elaborao de uma lei ou para a efetivao de direitos fundamentais no funciona
como um desrespeito a essa tripartio, mas, acima de tudo, pressupe um clima de
respeito mtuo e autoridade do judicirio em relao ao executivo e o legislativo71.
Do exposto, assevera o Ministro Celso de Mello, na ADPF 45 MC/DF72,
que
a negao de qualquer tipo de obrigao a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqncia a renncia de reconhec-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, est crescendo o grupo daqueles que consideram os princpios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigaes e admitem a interveno do Judicirio em caso de omisses inconstitucionais.
Dito isto, fica clara que a reserva do possvel, no dizer de Flvio Dino de
Castro Costa Neto73, um limite realmente existente, mas que no deve ser visto no
70 ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL AO CIVIL PBLICA ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONRIO: NOVA VISO. 1. Na atualidade, o imprio da lei e o seu controle, a cargo do Judicirio, autoriza que se examinem, inclusive, as razes de convenincia e oportunidade do administrador. 2. Legitimidade do Ministrio Pblico para exigir do Municpio a execuo de poltica especfica, a qual se tornou obrigatria por meio da resoluo do Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente. 3. Tutela especfica para que seja includa verba no prximo oramento, a fim de atender a propostas polticas certas e determinadas. 4. Recurso especial provido (STJ-2 Turma, REsp 493.811, Rel. Min. Eliana Calmon, maioria, j. 11/11/2003, DJ 15/3/2004, p. 236). 71 KRELL, 1999, p. 252. 72 ADPF n 45 MC/DF, deciso monocrtica, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 4.5.2004, Informativo n 345-STF. 73 DINO, 2005, p.02.
-
42
Brasil do mesmo modo que nos pases centrais, os quais possuem distribuio de
renda menos assimtrica, polticas pblicas mais universalizadas e controles sociais
(no-jurisdicionais) mais efetivos.
Representa ela uma falcia, no se aplicando de maneira alguma ao
contexto constitucional brasileiro, por ora se confrontar com o dispositivo do 1 do
art. 5 da Constituio Federal de 1988, e com a realidade poltico-econmico-social
nacional.
Destarte, pode-se assentar o entendimento que a reserva do possvel,
no deve ser aplicada no Estado Brasileiro, pois soa como um verdadeiro libe ao
administrador pblico para o descumprimento de seus deveres prestacionais para
com os direitos fundamentais, notadamente para com os direitos fundamentais das
pessoas com deficincia.
3.3 O enlace das idias
Aps ter-se afirmado no captulo anterior que o direito da pessoa com
deficincia, direito fundamental, verificou-se neste captulo que esses direitos tm
sua eficcia e aplicabilidade na Constituio.
Outrossim, vale ressaltar que como a Constituio dirigente, o Poder
Pblico no pode decidir de forma arbitrria quando efetivar essas polticas pblicas,
visto que a Constituio indica os meios para que os direitos constitucionalmente
reconhecidos sejam usufrudos quando necessitarem ser usufrudos e no quando
as autoridades entendam ser usufrudos74.
74 RAMOS, 2002, p. 74.
-
43
O artigo 5, sobretudo em seu 1, assevera que os direitos fundamentais
tm aplicabilidade imediata, no restando dvida sobre classificao de normas e
outros bices para a sua efetivao, posto que os poderes pblicos devem trabalhar
com o fim, precpuo da consecuo desses direitos, interpretando as normas
programticas luz dos princpios que as regem, tendo conscincia de que
necessria uma interpretao voltada realizar as exigncias de um direito material
ancorado s normas ticas e polticas, expresso de idias para alm das
decorrentes de valor econmico75.
75 KRELL, 1999, p. 250.
-
44
4 DIREITO ACESSIBILIDADE AO MEIO
FSICO E PESSOAS COM DEFICINCIA
4.1 Noes preliminares sobre acessibilidade
Os dados levantados no VI Seminrio sobre acessibilidade ao meio fsico
apontam que 80% da populao mundial foge do modelo do homem padro. Essa
porcentagem composta por pessoas com capacidade fsica reduzida, idosas,
obesas ou excessivamente altas e baixas76, o que proporciona a necessidade da
construo de um desenho universal acessvel para todos. Por isso, que
acessibilidade no significa apenas permitir que pessoas com deficincias
participem de atividades que incluem o uso de produtos, servios e informao, mas,
sobretudo, a incluso e extenso do uso destes por todas as parcelas presentes em
uma determinada populao, com restries mnimas possveis.
Acessibilidade , portanto, a possibilidade e condio de alcance para
utilizao, com segurana e autonomia, dos espaos, mobilirios e equipamentos
urbanos, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicao, por pessoa
portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida77.
Se a dignidade da pessoa humana e cidadania so temas atinentes ao
Estado Social Brasileiro, e se a Constituio aponta os caminhos para o avano da
nao, no seria extremado considerar que a incluso social por meio da
acessibilidade concerne em desenvolvimento.
76 Seminrio sobre Acessibilidade ao Meio fsico, 1995, p. 13. 77 art. 51, I, do Decreto n. 3298/99, grifos nossos.
-
45
Assim, constata-se que a acessibilidade tenta resolver de uma s vez
problemas como, dificuldades locomotoras, dificuldades corporais, dificuldades
sensoriais, dificuldades mentais e culturais78.
4.1.1 Categorias de acessibilidade
Tendo em vista que a acessibilidade abarca todos os seres humanos e
que ela se preocupa com a incluso das pessoas com deficincia e com mobilidade
reduzida - com a supresso dos problemas e barreiras enfrentadas por elas - que
Feij (2003, pp. 88 e 89) divide a acessibilidade em cinco categorias: a saber:
a. O acesso como capacidade de se chegar a outras pessoas
Tendo em vista a necessidade das pessoas se comunicarem e
trocarem experincias, a acessibilidade tem um papel essencial,
posto que possibilita o contato entre seres humanos;
b. Acesso s atividades chave Todo ser humano deve ter as
mesmas oportunidades dentro de uma sociedade, notadamente, no
trabalho, lazer, turismo, educao e cultura;
c. Acesso informao Sabe-se que a comunicao fator de
sobrevivncia. Aqui, quando a temtica acessibilidade, a
comunicao sensorial (atravs da reproduo do mundo por
formas, cores, texturas, sons, smbolos e signos expressos em
78 BRASIL, 2005b, p. 05.
-
46
cada espao e mobilirio urbano) faz-se imprescindvel para que se
crie um sistema de sinalizao acessvel a qualquer pessoa;
d. Autonomia, liberdade e individualidade Proporcionar
acessibilidade s pessoas dar a elas um mundo novo onde elas
podem ter autonomia, liberdade e individualidade para viver
melhor, mesmo que tratadas especialmente para ser igualadas aos
demais;
e. Acesso ao meio fsico Acessibilidade ao meio fsico corresponde
adaptao de logradouros pblicos, e de toda a estrutura fsica
da cidade para que pessoas deficientes e com mobilidade reduzida
possam ser includos no seio social.
4.2 A acessibilidade ao meio fsico como direito fundamental e as pessoas
com deficincia
No dizer do Ex-secretrio de direitos humanos do Ministrio da Justia,
Nilmrio Miranda, direitos humanos, democracia e acessibilidade so indissolveis,
pois representam o respeito e a valorizao da diversidade humana, como
instrumento de bem-estar e de desenvolvimento inclusivo 79.
Comprovadamente, como o foi dito inmeras vezes neste trabalho, os
direitos das pessoas com deficincia so legtimos direitos fundamentais, estando
79 BRASIL, 2005a, p. 09.
-
47
neste condo, notadamente, o direito das pessoas com deficincia acessibilidade
ao meio fsico.
Apesar de o tema acessibilidade voltar-se para idosos e para outras
minorias da sociedade, vale ressaltar que doravante a temtica afunila-se e enfoca
somente as pessoas com deficincia.
Assim, retoma-se, aqui, a ltima categoria de acessibilidade apresentada
anteriormente, a qual, acesso ao meio fsico.
Acesso ao meio fsico e deficincia envolvem dois conceitos bsicos, que,
obrigatoriamente, devem ser explanados. So eles, o desenho universal e o
desenho livre de barreiras.
Desenho livre de barreiras:
se constitui em uma corrente ideolgica para o desenho de equipamentos, edifcios e reas urbanas. Por este pensamento, os fatores comportamentais so associados s barreiras existentes, onde a excluso e a segregao das pessoas portadoras de deficincia estariam vinculadas existncia desses obstculos. Assim, o conceito de um desenho livre de barreiras acabou evoluindo para a concepo de desenho universal [...] 80.
J o desenho universal uma filosofia que visa incluir uma gama de
pessoas, levando em considerao as diferenas existentes entre elas. Num dizer
mais claro, filosofia que visa tornar acessveis edifcios e produtos para que todos
tenham acesso a eles, notadamente as pessoas com deficincia81. Via de regra,
cita-se o exemplo do painel de elevador com legenda em braile, que o torna
acessvel para uma pessoa com deficincia visual82.
80 FEIJ, 2002, p. 89. 81 Nota-se como exemplo os sinais sonoros em semforo para cegos, rampas de acesso, urnas eletrnicas com teclado em braile, caixa de correios e orelhes com altura baixa, dentre outros (ARAUJO, 1996, p. 52). 82 Seminrio sobre Acessibilidade ao Meio fsico, 1995, p. 87.
-
48
Fonte: OTIS, 2005.
Figura 1 Painel de elevador acessvel
Ainda, o conceito de desenho universal comporta quatro princpios, os
quais: acomodar uma grande gama antropomtrica (acomodar pessoas de
diferentes padres, tamanhos, sejam em p ou sentados), reduzir a quantidade de
energia para utilizar os produtos e o meio ambiente, tornar o ambiente e os produtos
mais compreensveis e pensar os produtos e ambientes como que visem a
integrao das pessoas que tm necessidades especiais, como as pessoas com
deficincia83.
Assim, o desenho universal tem o ideal da supresso das barreiras
fsicas84, as quais Feij85 subdivide em: arquitetnicas (as que caracterizam por
serem obstculos ao acesso existentes em edificaes de uso pblico ou privado,
bem como sua utilizao interna); urbansticas (caladas desniveladas, falta de
vagas no estacionamento, falta de sinais sonoros para a travessia de um portador de
deficincia visual); e de transporte (nibus sem elevador para cadeirantes).
83 FEIJ, 2002, p. 91. 84 Como nota, barreiras fsicas so elementos constitutivos de e/ou situaes resultantes de implantaes arquitetnicas ou urbansticas onde no ocorre a acessibilidade (BAHIA apud FEIJ, 2002, p. 91). Para a Lei n. 10.098/00, barreiras so qualquer entrave ou obstculo que limite ou impea o acesso, a liberdade de movimentao e a circulao com segurana das pessoas. 85 FEIJ, 2002, p. 92.
-
49
Enumerados os conceitos essenciais para que se compreenda a temtica
proposta, e haja vista ter ficado assentado o entendimento de que a acessibilidade
ao meio fsico por parte das pessoas com deficincia direito fundamental, cuida-se,
a partir de ento, de uma anlise desse direito no mbito internacional - em sede de
documentos em mbito internacional - na legislao nacional e; nas normas
tcnicas.
4.2.1 Acessibilidade ao meio fsico e as pessoas com deficincia em convenes
internacionais Uma breve anlise
Os Organismos Internacionais, reconhecendo os direitos imanentes ao
homem, deram cabo sntese de acordos internacionais que visassem defesa dos
direitos humanos reconhecidos historicamente. Assim, tratados e convenes
internacionais foram aprovados com o finco de irmanar as naes na defesa desse
direitos.
O primeiro desses atos foi a Declarao Universal dos Direitos Humanos,
aprovada em 1948, consolidando o entendimento de que os homens nascem livres e
iguais em dignidade e direitos. No artigo VII deste mesmo documento est previsto
que todos so iguais perante a lei, sem qualquer distino.
Em 1975, a Assemblia Geral da ONU, aprova a Declarao de Direitos
das pessoas Deficiente. No texto desta Declarao h o soerguimento da dignidade
da pessoa deficiente, enfatizando que ela tambm tem os mesmos direitos dos
demais seres humanos. Um aspecto interessante no texto dessa declarao o fato
de atestar que as pessoas com deficincia tm o direito de ter suas necessidades
-
50
levadas em considerao em todos os estgios de planejamento econmico e
social.
Em 1999, o Conselho Permanente especfico da ONU, aprovou a
Conveno para Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as
Pessoas Portadoras de Deficincia. Neste documento ficaram firmadas medidas de
carter legislativo, social, educacional e trabalhista, para promoo da
acessibilidade. Vejam-se algumas delas:
medidas para que os edifcios, os veculos e as instalaes que venham a ser
construdos ou fabricados em seus respectivos territrios facilitem o
transporte, a comunicao e o acesso das pessoas portadoras de deficincia;
medidas para eliminar, na medida do possvel, os obstculos arquitetnicos,
de transporte e comunicaes que existam, com a finalidade de facilitar o
acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficincia; e
medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar esta
Conveno e a legislao interna sobre esta matria estejam capacitadas a
faz-lo.
Em dezembro de 2006 a Assemblia Geral da ONU aprovou por
unanimidade a Conveno sobre os Direitos das Pessoas com Deficincia. O Brasil
se tornou signatrio em maro de 2007. Esta assinatura refora o compromisso do
Estado brasileiro em adotar medidas legislativas e administrativas para assegurar os
direitos reconhecidos na Conveno, que tem como princpios o respeito pela
independncia da pessoa, no-discriminao, efetiva participao e incluso social,
respeito s diferenas e a igualdade de direitos.
-
51
Interessante notar que, diferentemente dos demais documentos
internacionais aqui apresentados, esta Conveno guardou lugar especial para o
tema Acessibilidade: o artigo 9 lugar de repouso destes direitos. seu texto
integral:
1 A fim de possibilitar s pessoas com deficincia viver com autonomia e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes devero tomar as medidas apropriadas para assegurar-lhes o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio fsico, ao transporte, informao e comunicao, inclusive aos sistemas e tecnologias da informao e comunicao, bem como a outros servios e instalaes abertos ou propiciados ao pblico, tanto na zona urbana como na rural. Estas medidas, que devero incluir a identificao e a eliminao de obstculos e barreiras acessibilidade, devero ser aplicadas, entre outros, a:
a) Edifcios, rodovias, meios de transporte e outras instalaes internas e externas, inclusive escolas, moradia, instalaes mdicas e local de trabalho; e b) Informaes, comunicaes e outros servios, inclusive servios eletrnicos e servios de emergncia;
2 Os Estados Partes devero tambm tomar medidas apropriadas para:
a) Desenvolver, promulgar e monitorar a implementao de padres e diretrizes mnimos para a acessibilidade dos servios e instalaes abertos ou propiciados ao pblico; b) Assegurar que as entidades privadas que oferecem instalaes e servios abertos ou propiciados ao pblico levem em considerao todos os aspectos relativos acessibilidade para pessoas com deficincia; c) Propiciar, a todas as pessoas envolvidas, uma capacitao sobre as questes de acessibilidade enfrentadas por pessoas com deficincia; d) Dotar, os edifcios e outras instalaes abertas ao pblico, de sinalizao em braile e em formatos de fcil leitura e compreenso; e) Oferecer formas de atendimento pessoal ou assistido por animal e formas intermedirias, incluindo guias, leitores e intrpretes profissionais da lngua de sinais, para facilitar o acesso aos edifcios e outras instalaes abertas ao pblico; f) Promover outras formas apropriadas de atendimento e apoio a pessoas com deficincia, a fim de assegurar-lhes seu acesso a informaes. g) Promover o acesso de pessoas com deficincia a novos sistemas e tecnologias da informao e comunicao, inclusive internet; e h) Promover o desenho, o desenvolvimento, a produo e a disseminao de sistemas e tecnologias de informao e comunicao em fase inicial, a fim de que estes sistemas e tecnologias se tornem acessveis a um custo mnimo.
-
52
4.2.2 Acessibilidade ao meio fsico e as pessoas com deficincia na constituio
Fundamentada na dignidade da pessoa humana, no direito igualdade e
na garantia do exerccio cidadania, a Constituio Federal de 1988 reservou lugar
para o direito das pessoas com deficincia, sobretudo para o direito acessibilidade.
Em outras palavras, o constituinte se preocupou com esse segmento social, e deu
vazo acessibilidade ao meio fsico no texto constitucional. E no artigo 227, 1,
II e 2, que este direito encontra seu lugar:
Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.
1 O Estado promover programas de assistncia integral sade da criana e do adolescente, admitida a participao de entidades no-governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:
[...]
II criao de programas de preveno e atendimento especializado para os portadores de deficincia fsica, sensorial ou mental, bem como de integrao social do adolescente portador de deficincia, mediante o treinamento para o trabalho e a convivncia, e a facilitao do acesso aos bens e servios coletivos, com a eliminao de preconceitos e obstculos arquitetnicos.
2 A lei dispor sobre normas de construo dos logradouros e dos edifcios de uso pblico e de fabricao de veculos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia
(grifos nossos).
Como se percebe, a Constituio prev que a eliminao das barreiras
fsicas, outrora estudadas, obrigao do Estado, devendo o Poder Executivo faz-
lo por meio de polticas pblicas voltadas para atender as exigncias da
acessibilidade.
-
53
Da mesma maneira, o texto constitucional remete ordem ao Legislativo
para que este produza leis para a regulamentao deste direito, pois quando
preceitua que a lei dispor, est automaticamente emitindo ordem direta para
quem competente da sntese de leis, o qual, o Poder Legislativo, legitimado pela
mesma constituio para essa competncia.
Em completude, as Disposies Constitucionais Gerais ainda preceituam
em seu artigo 244:
Art. 244. A lei dispor sobre a adaptao dos logradouros, dos edifcios de uso pblico e dos veculos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia, conforme disposto no artigo 227, 2.
Em suma, estas so as provas de que a Constituio de 1988 deu vazo
ao direito de acessibilidade s pessoas com deficincia, expedindo ordem expressa
para os poderes pblicos para a implementao deste direito.
4.2.3 Acessibilidade ao meio fsico e as pessoas com deficincia na legislao
infraconstitucional
Obedecendo ao mandamento constitucional, o Legislativo, atravs da
sntese de leis, regulamenta o Direito Acessibilidade para as pessoas com
deficincia. Assim, a nao conta com um catlogo diversificado de leis que regulam
esse direito, como se ver.
Desataca-se aqui que o rol de normas federais que protegem as pessoas
com deficincia vasto, abarcando desde temas como educao especial inclusiva
at temas como construo de logradouros acessveis. Destacam-se cinco leis
federais e dois decretos que versam exclusivamente sobre a acessibilidade,
-
54
ressaltando que antes da constituio de 1988 existia somente uma lei que versava
sobre o tema, os quais se vero86.
Antes mesmo do advento da Constituio de 1988, havia a Lei n.
7.405/85, a qual tornava obrigatria a indicao dos locais acessveis com o smbolo
universal de acessibilidade, alm de dar outras providncias.
Fonte: NOVO MILNIO, 2005.
Figura 2 Smbolo Internacional de Acesso
Ano aps a promulgao da Constituio de 1988, o legislativo elaborou a
Lei n. 7.853, sancionada em 24 de outubro de 1989, que dispe sobre o apoio s
pessoas com deficincia, sua integrao social, sobre a Coordenadoria Nacional
para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia CORDE, instituindo a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplinando a
atuao do Ministrio Pblico, definindo crimes e outros temas.
Como exemplo, a Lei n. 7.853/89 em seu art. 2, V, prev
a adoo e a efetiva execuo de normas que garantem a funcionalidade das edificaes e vias pblicas, que evitem ou removam os bices s pessoas portadoras de deficincia, permitam o acesso destas a edifcios, a logradouros e a meios de transporte.
86 BRASIL, 2005a, pp. 09 a 117.
-
55
Ressalta-se que esta lei transfere aos Estados e Municpios a
responsabilidade de adoo de normas que eliminem as barreiras de acesso das
pessoas com deficincia a edificaes, espaos urbanos e meios de transportes.
Alm disso, criou a CORDE para que esta desenvolvesse aes para a defesa dos
valores bsicos de igualdade e da justia social, valorizando e assegurando o
exerccio dos direitos conquistados pelas pessoas portadoras de deficincia87.
Em 21 de dezembro de 1999 foi publicado pelo Dirio Oficial da Unio o
Decreto n. 3.298/99, que regulamenta a Lei n. 7.853/89, dispondo sobre a Poltica
Nacional para a Integrao da pessoa com deficincia, consolidando as normas de
proteo para este segmento. Esta poltica compreende o conjunto de orientaes
normativas que objetivam assegurar o pleno exerccio dos direitos individuais e
sociais das pessoas com deficincia (art. 1).
Alm do contedo sobre a poltica nacional para a Integrao da pessoa
com deficincia, traz em seu texto princpios (art. 5), diretrizes (art. 6), objetivos
(art. 7), e instrumentos (art. 8) para que esta poltica nacional possa fazer valer os
direitos da pessoa com deficincia88. Elucida, ainda, conceitos como o de
deficincia, deficincia fsica, incapacidade, dentre outros (art. 3).
Em 2000, surgiu a Lei n. 10.048 que deu prioridade de atendimento s
pessoas com deficincia, estabelecendo, tambm, outras providncias. Esta Lei trs
em seu contedo uma importante contribuio para a acessibilidade ao meio fsico,
a saber:
Art. 3 As empresas pblicas de transporte e as concessionrias de transporte coletivo reservaro assentos, devidamente identificados, aos idosos, gestantes, lactantes, pessoas portadoras de deficincia e pessoas acompanhadas por crianas de colo.
Art. 4 Os logradouros e sanitrios pblicos, bem como os edifcios de uso pblico, tero normas de construo, para efeito de licenciamento da
87 FEIJ, 2002, p. 98. 88 FEIJ, 2002.
-
56
respectiva edificao, baixadas pela autoridade competente, destinadas a facilitar o acesso e uso desses locais pelas pessoas portadoras de deficincia.
Art. 5 Os veculos de transporte coletivo a serem produzidos aps doze meses da publicao desta Lei sero planejados de forma a facilitar o acesso a seu interior das pessoas portadoras de deficincia.
[...]
2 Os proprietrios de veculos de transporte coletivo em utilizao tero o prazo de cento e oitenta dias, a contar da regulamentao desta Lei, para proceder s adaptaes necessrias ao acesso facilitado das pessoas portadoras de deficincia.
Para dar garantia a essas medidas, a lei prev, ainda, penalidades:
Art. 6 A infrao ao disposto nesta Lei sujeitar os responsveis:
I no caso de servidor ou de chefia responsvel pela repartio pblica, s penalidades previstas na legislao especfica;
II no caso de empresas concessionrias de servio pblico, a multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), por veculos sem as condies previstas nos arts. 3 e 5;
III no caso das instituies financeiras, s penalidades previstas no art. 44, incisos I, II e III, da Lei n 4.595, de 31 de dezembro de 1964.
Pargrafo nico. As penalidades de que trata este artigo sero elevadas ao dobro, em caso de reincidncia.
No ms de dezembro do mesmo ano surgiu a Lei n. 10.098 que ampliou
o contedo do Decreto n. 3.298/99, estabelecendo normas gerais e critrios bsicos
para a promoo da acessibilidade das pessoas com deficincia ou com mobilidade
reduzida, mediante a supresso de barreiras e de obstculos nas vias e espaos
pblicos, no mobilirio urbano, na constituio e reforma de edifcios e nos meios de
transporte e de comunicao. Esta lei trata, ainda, de conceitos como o de
acessibilidade, barreiras, pessoas portadoras de deficincia, elemento de
urbanizao, mobilirio urbano e ajuda tcnica:
-
57
Art. 2o Para os fins desta Lei so estabelecidas as seguintes definies:
I acessibilidade: possibilidade e condio de alcance para utilizao, com segurana e autonomia, dos espaos, mobilirios e equipamentos urbanos, das edificaes, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicao, por pessoa portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida;
II barreiras: qualquer entrave ou obstculo que limite ou impea o acesso, a liberdade de movimento e a circulao com segurana das pessoas, classificadas em:
a) barreiras arquitetnicas urbansticas: as existentes nas vias pblicas e nos espaos de uso pblico;
b) barreiras arquitetnicas na edificao: as existentes no interior dos edifcios pblicos e privados; c) barreiras arquitetnicas nos transportes: as existentes nos meios de transportes;
d) barreiras nas comunicaes: qualquer entrave ou obstculo que dificulte ou impossibilite a expresso ou o recebimento de mensagens por intermdio dos meios ou sistemas de comunicao, sejam ou no de massa;
III pessoa portadora de deficincia ou com mobilidade reduzida: a que temporria ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionar-se com o meio e de utiliz-lo;
IV elemento da urbanizao: qualquer componente das obras de urbanizao, tais como os referentes a pavimentao, saneamento, encanamentos para esgotos, distribuio de energia eltrica, iluminao pblica, abastecimento e distribuio de gua, paisagismo e os que materializam as indicaes do planejamento urbanstico;
V mobilirio urbano: o conjunto de objetos existentes nas vias e espaos pblicos, superpostos ou adicionados aos elementos da urbanizao ou da edificao, de forma que sua modificao ou traslado no provoque alteraes substanciais nestes elementos, tais como semforos, postes de sinalizao e similares, cabines telefnicas, fontes pblicas, lixeiras, toldos, marquises, quiosques e quaisquer outros de natureza anloga;
VI ajuda tcnica: qualquer elemento que facilite a autonomia pessoal ou possibilite o acesso e o uso de meio fsico.
Alm do Programa Nacional de Ace