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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PARAÍSO TERRESTRE
EM UM MUNDO DE MISERÁVEIS:
ANÁLISE DA PROPOSTA TEOLÓGICA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL NO BRASIL NA CONSTRUÇÃO DE UM PARAÍSO
TERRESTRE E NA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, A PARTIR DOS ESCRITOS DE SEU LÍDER-FUNDADOR MOKITI OKADA
ANDERSON DOS SANTOS ANTONIO
São Bernardo do Campo
2019
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PARAÍSO TERRESTRE
EM UM MUNDO DE MISERÁVEIS:
ANÁLISE DA PROPOSTA TEOLÓGICA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL NO BRASIL NA CONSTRUÇÃO DE UM PARAÍSO
TERRESTRE E NA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, A PARTIR DOS ESCRITOS DE SEU LÍDER-FUNDADOR MOKITI OKADA
ANDERSON DOS SANTOS ANTONIO
Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Dr. Jung Mo Sung.
São Bernardo do Campo
2019
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A dissertação de mestrado sob o título “Paraíso terrestre em um mundo de
miseráveis: análise da proposta teológica da Igreja Messiânica Mundial no Brasil na
construção de um paraíso terrestre e na erradicação da pobreza, a partir dos
escritos de seu líder-fundador Mokiti Okada”, elaborada por Anderson dos Santos
Antonio foi apresentada e aprovada em 29 de março de 2019, perante banca
examinadora composta por Jung mo Sung (Presidente/UMESP), Lauri Emilio Wirth
(Titular/UMESP) e Paulo Roberto Pedrozo Rocha (Titular/Faculdade Messiânica).
__________________________________________
Profº Drº Jung mo Sung
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________
Profº Drº Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Ciências da Religião
Área de Concentração: Religião, Sociedade e cultura
Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas socioculturais
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para Eliza Rosa dos Santos Antônio
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Agradecimentos
Certamente, várias pessoas fizeram parte do construto, não só dessa
dissertação, mas da pessoa que me tornei nesses últimos anos de formação. Citar
sistematicamente os nomes seria uma tarefa muito difícil, pra não dizer impossível.
Contudo, quero de antemão deixar registrado, aqui, minha gratidão a todos os que
acreditaram e me motivaram a prosseguir nas vezes que o caminho se mostrou
intransponível.
Iniciarei minha fala de agradecimentos a minha família, que mesmo sem
compreenderem bem a funcionalidade dessa formação, me motivaram a não
desistir, em especial meu pai: José Vicente Antonio, com quem tenho dividido a vida
nos últimos anos e minha rainha/mãe Eliza Rosa dos Santos Antonio (em memória),
que, com sua calorosa afirmação: “Deus te crie para o bem, meu filho”, tem me
auxiliado a prosseguir a despeito de sua ausência física.
Minha gratidão ao professor Claudio de Oliveira Ribeiro, por sua acolhida
à Universidade Metodista de São Paulo, com quem tive a oportunidade de manter
um diálogo prévio antes que me tornasse aluno regular do programa e tê-lo como
orientador até o meu exame de qualificação, tendo sido desligado da instituição,
abruptamente, um dia depois a mesma. Fato repugnante.
Gratidão ao professor Jung Mo Jung que, desde então, aceitou caminhar
comigo, pacientemente, na conclusão desse ciclo de formação, mostrando-me
humanidade e comprometimento com suas provocações e reflexões. Compete
ressaltar que o professor Jung na condição de coordenador do IEPG me acolheu na
casa dos estudantes entre os anos de 2017 e 2018 e subsidiou o último semestre de
prorrogação do mestrado, junto a Ana Maria Fonseca, administradora do IEPG, por
tudo isso e muito mais minha gratidão.
Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), que ao longo desse ciclo, fomentou os recursos necessários para
que pudesse avançar na pesquisa. Gratidão a Universidade Metodista de São Paulo
e a tod@s os professores e amig@s envolvidos, em especial os professores Lauri
Emilio Wirth e Paulo Roberto Pedrozo Rocha (faculdade Messiânica), que aceitaram
participar da banca examinadora de minha dissertação, sem a participação de vocês
nada disso seria possível.
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Cabe aqui, um adendo excepcional a minha amiga e irmã Ivna Fuchigami,
com quem tive a oportunidade de prosear, não poucas vezes, e receber instruções
preciosíssimas para essa dissertação. Um abraço caloroso aos meus amig@s que
dividiram a casa dos estudantes comigo, tornando possível uma convivência fraterna
e harmoniosa, que resultou no grupo de WhatsApp: “Muro das lamentações”. Sem
os ombros de vocês pra chorar a vida teria sido bem mais difícil.
Gratidão ao meu amigo/irmão Marco Aurélio Moura que cuidadosamente
se debruçou sobre o texto, com o olhar atento, na revisão ortográfica, provando que
a conjugação do verbo esperançar é possível em dias nebulosos.
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A paz inquieta
Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta Que denuncia a PAZ dos cemitérios
E a PAZ dos lucros fartos
Dá-nos a PAZ que luta pela PAZ! A PAZ que nos sacode
Com a urgência do Reino. A PAZ que nos invade,
Com o vento do Espírito, A rotina e o medo,
O sossego das praias E a oração de refúgio.
A PAZ das armas rotas Na derrota das armas.
A PAZ do pão da fome de justiça, A PAZ da liberdade conquistada,
A PAZ que se faz “nossa” Sem cercas nem fronteiras,
Que é tanto “Shalon” como “salam”, Perdão, retorno, abraço...
Dá-nos a tua PAZ, Essa PAZ marginal que soletra em Belém
E agoniza na Cruz E triunfa na Páscoa.
Dai-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta,
Que não nos deixa em PAZ!
Pedro Casaldáliga.
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“A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riquezas, produz ricos”.
Mia Couto
“A falta de comida mata o corpo. A falta de olhar mata a alma”. Jung Mo Sung
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ANTONIO, Anderson dos Santos. Paraíso terrestre em um mundo de miseráveis: análise da proposta teológica da Igreja Messiânica Mundial no Brasil na construção de um paraíso terrestre e na erradicação da pobreza, a partir dos escritos de seu líder-fundador Mokiti Okada. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2019. Resumo – Mokiti Okada (1882–1955), líder e fundador da Igreja Messiânica Mundial, após receber uma série de revelações escatológicas (1926), assumiu uma missão estritamente radical. Esta missão consistia em difundir ensinamentos que possibilitem transformar o mundo em um paraíso terrestre, que seria conformado pela verdade, o bem e o belo. Desde então, Mokiti Okada assume o compromisso de transfazer não só a natureza, mas também homens e mulheres em seres paradisíacos. A prática desta missão resultou na construção de três solos sagrados no Japão. Cada um destes protótipos assumiu uma peculiaridade no plano de salvação oferecido pela teologia da Igreja Messiânica Mundial, tornando-se modelos para a construção em outros lugares do mundo, como é o caso do Solo Sagrado do Guarapiranga, em São Paulo. Tais protótipos sugerem um mundo de beleza, arte e felicidade, como um ideal de sociedade. A presente pesquisa se propõe analisar a proposta de construção desse mundo paradisíaco presente no escopo teológico da Igreja Messiânica Mundial nos dias hodiernos, uma vez que o mundo, sobretudo os países subdesenvolvidos, está inserido em uma proposital estratificação social. Ou seja, nos propomos identificar os elementos que influenciaram Mokiti Okada a propor a prática do johrei, da agricultura natural e do belo, entendidos como pilares de salvação para teologia da Igreja Messiânica Mundial e, como essas práticas contribuem com a transformação do mundo atual, em um paraíso terrestre e como eles podem contribuir com a extinção das doenças, da pobreza e dos conflitos. Palavras chaves: Paraíso Terrestre, Pobreza, Teologia da Igreja Messiânica Mundial, Mokiti Okada.
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ANTONIO, Anderson dos Santos. Paradise terrestrial in a miserable world of: analysis of the theological proposal of the World Messianic Church in Brazil in the construction of paradise terrestrial and the eradication of poverty, from the writings of its founder-leader Mokiti Okada. São Bernardo do Campo, Methodist University of São Paulo, 2019. Abstract – Mokiti Okada (1882 – 1995), leader and founder of Mundial Messianic Church, after receive a serie of scatologic revelations (1926), assumed a mission strictly radical. This mission consists in disseminate teaching that can change the world in a earthly Paradise, that was conformed with the truth, the good and beautiful. Since when, Mokiti Okada assumes the commitement to transform the nature and men and women in paradisiacal individuals. The practice of this mission resulted in na construction of three sacred soil in Japan. Each one of these prototypes assumed a pecualiarity in the salvation plan offered by the theology of Mundial Messianic Church, changing itselves in models to the construction in other places of the world, as in the case of Solo Sagrado do Guarapiranga, in São Paulo. This prototypes suggests a world of attractiveness, art and happiness, as a ideal Society. This search proposes to analyse the proposal of construction of this earthly Paradise that is in the theological scope of the Mundial Messianic Church nowadays, once that the world, above all the undeveloped countries is in the social strafication. In other words, we purpose to identify the elements that influenced Mokiti Okada to purpose the practice of the johrei, of the natural agriculture and beautiful, understanding as the pillars that contribute to the transformation of the world, actual, in a earthly Paradise as they could contribute with the extinction of the diseases, the poverty and conflits. Key words: Earthly Paradise, Poverty, Mundial Messianic Church Theology, Mokiti Okada
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Sumário Introdução ................................................................................................ 14
1. Sociedade, cultura e religião uma experiência simbiótica ............... 18
1.1 Contextualizando a história – Xogunato Tokugawa (Era Edo) ..... 18
1.1.1 Restauração Meiji (1868 – 1912) ........................................... 19
a. Aspectos Políticos e Militares ..................................................... 20
b. Aspectos Econômicos ................................................................. 21
c. Aspectos Educacionais ............................................................... 23
d. Aspectos Religiosos .................................................................... 24
1.1.2 Era Taisho (1912 – 1926) ............................................................ 24
1.1.3 Era Shôwa (1926 – 1989) ............................................................ 25
1.2 O cenário religioso no Japão na Era Meiji ....................................... 28
1.2.1 Xintoísmo ................................................................................... 29
1.2.2 Budismo ..................................................................................... 31
1.2.3 Cristianismo ............................................................................... 33
1.2.4 Novas Religiões Japonesas ...................................................... 33
a. Tenrikyô ...................................................................................... 34
b. Oomoto ....................................................................................... 37
1.3 Mokiti Okada: do nascimento a sua conversão ............................... 39
1.3.1 Nascimento de Mokiti Okada ..................................................... 39
1.3.2 Educação de Mokiti Okada ........................................................ 42
1.3.3 Juventude de Mokiti Okada ....................................................... 44
1.3.4 Vida adulta de Mokiti Okada – Trabalho e Casamento .............. 48
1.3.5 Saúde de Mokiti Okada ............................................................. 50
1.3.6 A conversão religiosa de Mokiti Okada ...................................... 52
2. Mokiti Okada e a Sekai Kyusei Kyo (Igreja Messiânica Mundial) .... 55
2.1 Japão: crises nacionais e internacionais ...................................... 55
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2.2 A Oomoto e sua influência a teologia da IMM .............................. 59
2.3 Inicio das atividades religiosas de Mokiti Okada .......................... 64
2.3.1 Dai Nipon Kannon Kai (Associação Kannon do Grande Japão)
66
2.3.2 Mokiti Okada: Religioso ou Terapeuta? ................................. 69
2.3.3 A instituição da Sekai Kyusei Kyo (Igreja Messiânica Mundial)
71
2.4 Por uma compreensão da proposta messiânica de Paraíso
Terrestre 73
2.5 Protótipos do paraíso terrestre ..................................................... 78
2.5.1 Protótipo de Hakone – Shinsen-Kyo (Terra Divina) ............... 79
2.5.2 Protótipo de Atami – Zuiun-Kyo (Terra Celestial) ................... 79
2.5.3 Protótipo de Kyoto – Heian-Kyo (Terra da Tranquilidade) ..... 80
3. Igreja Messiânica Mundial no Brasil (IMMB) e suas peculiaridades
na proposta do paraíso terrestre ............................................................................... 81
3.1 Inicio das imigrações nipônicas em solo brasileiro ....................... 81
3.2 Introdução das religiões japonesas no Brasil ............................... 84
3.2.1 Primeiro Período (1908 – 1920) ............................................. 84
3.2.2 Segundo Período (1920 – 1930) ............................................ 84
3.2.3 Terceiro Período (1930 – 1950) ............................................. 85
3.2.4 Quarto Período (1950 até os dias atuais) .............................. 86
3.3 Lançando luz a discussão: uma proposta peculiar ....................... 87
3.4 Igreja Messiânica Mundial no Brasil (IMMB) e sua proposta de
paraíso terrestre .................................................................................................... 89
3.4.1 Proposta de paraíso terrestre da IMMB ................................. 95
3.4.2 O problema da pobreza na teologia da IMM .......................... 99
3.5 Teologia da Libertação – Um modelo de ação preferencial pelos
pobres 103
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3.5.1 Por uma definição de pobreza: lançando luz à temática. ..... 104
3.5.2 Contextualização e apontamentos da Teologia da Libertação
107
3.5.3 Quais são as possíveis convergências políticas da Teologia da
Libertação? 112
Considerações finais .............................................................................. 115
Referencial Bibliográfico ......................................................................... 117
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Introdução
A Igreja Messiânica Mundial no Brasil (IMMB) e/ou simplesmente Igreja
Messiânica Mundial (IMM) faz parte das novas religiões japonesas (NRJ). A mesma
foi fundada por Mokiti Okada (1882 – 1955) em “1º de janeiro de 1935, com a
denominação Dai Nippon Kannon Kai – tradução literal: Associação Kannon do
Grande Japão”1. A época foi marcada pela oposição e perseguição do governo a
qualquer expressão de fé distante do xintoísmo. Logo, houve a necessidade de um
nome genérico que não caracterizasse as atividades institucionais como religiosas.
Posteriormente, teve seu nome alterado para Igreja Messiânica Mundial, oficializado
em 4 de fevereiro de 1950.
Na maioria dos textos institucionais e nas principais obras literárias da
IMM, 1º de janeiro de 1935 figura, geralmente, como a data oficial de fundação da
Igreja Messiânica Mundial. Entretanto, a Igreja Messiânica Mundial (Sekai Meshiya
Kyo) só foi instituída, de fato, em 4 de fevereiro de 1950, sendo que, em 1957,
finalmente, tivera seu nome modificado para Sekai Kyusei Kyo, permanecendo
inalterado até hoje. A data 1º de janeiro de 1935 se refere, na verdade, ao ano de
instituição da Dai Nippon Kannon Kai (literalmente, Associação Kannon do Grande
Japão), a primeira instituição de cunho religioso fundada por Mokiti Okada. Tal
abordagem, por parte da IMM, sobre estas datas, parece ser intencional e didática.
No entanto, do ponto de vista histórico-crítico, tal recurso pode causar nos leitores
menos atentos a falsa impressão de que a IMM já nasceu “pronta”. Todavia, essa
noção de “acabado” é uma das ideias menos apropriadas para caracterizar a obra
de Mokiti Okada em qualquer tempo, pois ela é marcada pelo dinamismo e pela
evolução2.
O principal objetivo da Igreja Messiânica Mundial é o de transfazer o
mundo num lugar paradisíaco. Entendendo-se por paradisíaco um mundo
extremamente civilizado, onde as pessoas são elevadas na sua vida material, ou
seja, livres de pobreza. Profissionalmente, livres das desigualdades escandalosas.
E em sua saúde, livres de enfermidades.
1 TOMITA, Andréa Gomes Santiago. Religiões Japonesas e a Igreja Messiânica no Brasil: integração
religiosa e cultural. São Paulo: Fonte Editorial, 2014. pg. 25. 2 RAFFO, Geórgia Branquinho de Oliveira. A “localização” institucional da Igreja Messiânica Mundial:
uma abordagem a partir da teoria da mundialização [recurso eletrônico]. São Paulo: FFLCH, 2014. pg. 30.
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Para compreender melhor a missão da IMM, considera-se importante o
contexto socioeconômico, político e cultural de seu líder fundador a fim de descobrir
os elementos que o influenciaram na construção de seu arcabouço teológico. Para
isso, utilizar-se-á a coleção Luz do Oriente3, que se propõe a discorrer sobre a
história de Mokiti Okada, não só na vida religiosa, mas nela como um todo. Como
ele mesmo havia previsto, em breve será iniciada a pesquisa sobre Mokiti Okada,
segundo testemunho de sua filha, Itsuki Okada, no prefacio do primeiro volume da
Luz do Oriente.
Nesse sentido se propôs a percorrer rapidamente os períodos que Mokiti
Okada viveu, a saber: Era Meiji (1868 – 1912), Era Taisho (1912 – 1926) e Era
Shôwa (1926 – 1989).
Posteriormente, entende-se necessária a discrição do cenário religioso da
época – onde o Japão começou a experimentar aquilo que estamos chamando de
modernização, ficando conhecida como Restauração Meiji – composto por uma série
de variantes que irá, desde as religiões tradicionais, ou mais antigas em termos de
difusão nacional, a saber: o xintoísmo e o budismo, tendo acrescido, posteriormente,
o cristianismo, até chegarmos as NRJ da qual a IMM também faz parte.
Finalizar-se-á o primeiro capítulo, retomando a história de Mokiti Okada,
fundador da IMM, desde seu nascimento, até sua conversão religiosa, fato que ele
chamou de segundo nascimento. Isso no esforço de resgatar os principais
elementos que o influenciaram a propor em seu arcabouço teológico a construção
de um paraíso terrestre.
No segundo capítulo, nos propôs-se a compreender a formação da IMM,
desde seu contexto socioeconômico, político, militar e cultural. Uma vez que Mokiti
Okada encontrou muita resistência por parte das autoridades da época, se tornando
alvo de intensas perseguições, chegando a ficar recluso de sua liberdade. Interessa
saber como um homem que até a meia idade se declarava ateu, assumiu a liderança
de uma instituição religiosa com uma proposta tão arrojada? Sem dúvidas houve
outras religiões que o influenciaram, sendo a principal, a Oomoto, fundada por Nao
Deguchi,
3 A coletânea de livros Luz do Oriente tratasse de um conjunto de textos didáticos de memórias dos
discípulos de Mokiti Okada sobre sua vida, obra e missão. A IMM é de suma importância, mas não tem o rigor metodológico da academia.
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Como se observou acima, a IMM não nasceu pronta, passou por um
longo período de experimento e maturação até poder ser reconhecida como Sekai
Kyusei Kyo (Igreja Messiânica Mundial). Frente aos dissabores com as autoridades da
época, o fundador da IMM, encontrou a alternativa de desenvolver suas atividades
como terapeuta, uma vez que sua principal atuação estava relacionada ao Johrei.
Decorrido os anos, pouco a pouco Mokiti Okada foi construindo aquilo que
compreendemos por arcabouço da teologia da IMM. Cuja principal finalidade é
transformar o mundo num paraíso terrestre, não só o mundo mais as pessoas em
seres paradisíacos. Isso se mostra possível, segundo a teologia da IMM, por meio
dos três pilares de salvação, a saber, o Johrei, a agricultura natural e o belo.
Convicto da missão recebida, Mokiti Okada começou a trabalhar na
construção de protótipos que representassem tudo aquilo que, ideologicamente,
compreendia como características do paraíso terrestre, sendo os três primeiros
construídos por ele, no Japão, como descritos a seguir: Protótipo de Hakone (Terra
Divina); Protótipo de Atami (Terra Celestial) e Protótipo de Kyoto (Terra da
tranquilidade).
Por fim, no terceiro capitulo, se propôs a compreender a atuação da IMM
no Brasil. Desde a chegada dos primeiros membros em solo brasileiro, que
migraram na condição de camponeses, afim de trabalharem nos cafezais brasileiros.
Isso em 1955, ano que marca o falecimento do líder fundador da IMM, Mokiti Okada.
Com isso, nosso esforço é compreender como que essa imigração nipônica se deu,
e as peculiaridades dos diferentes períodos constituintes, a começar por 1908.
Nesse ponto, interessa não só o contexto migratório dos japoneses ao
Brasil, de onde ocasionou a chegada dos primeiros membros da IMM, responsáveis
por difundir os pensamentos de Mokiti Okada em solo brasileiro, mas também
compreender as peculiaridades que a IMMB assumiu nessa proposta de construção
do paraíso terrestre.
Por fim, apresentar-se-á outro modelo teológico que se propõe, não só a
pensar, mas estimular seus crentes a construírem uma sociedade diferente, na qual
as diferenças sejam dirimidas e os oprimidos tenham suas vozes ouvidas, no grito
incessante por equidade. Essa corrente teológica se propõe a caminhar ao lado dos
pobres – teologia latina americana da libertação – assumindo o compromisso de
rezar por um reino de paz, saúde e justiça, a saber, o Reino de Deus.
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É interessante o fato de como duas correntes teológicas, relativamente
novas no contexto latino americano, podem contribuir e/ou influenciar, uma à outra,
nesse refazer social, uma vez que ambas entendem uma obscuridade num sistema
que trata as pessoas como coisas e degraus para uma pequenina massa abastada.
A esperança é que esse trabalho possa contribuir minimamente com a reflexão dos
que se propõem a pensar outro mundo, que não esse, onde todos tenham o que
comer e possam viver dignamente.
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1. Sociedade, cultura e religião uma experiência simbiótica
1.1 Contextualizando a história – Xogunato Tokugawa (Era Edo)
Durante o período Edo, conhecido também como regime Tokugawa (1603
– 1868), o país conheceu a paz durante mais de dois séculos, devido ao xogunato4
Tokugawa. Enquanto a revolução industrial se configurava em países como
Inglaterra, França, Espanha e Portugal em meados do século XVIII, o Japão
manteve fechados os portos para nações estrangeiras e proibiu a difusão do
cristianismo – reinvindicação dos sacerdotes xintoísta e monges budistas – seguindo
um estilo de vida peculiar, sem intervenções externas, principal característica do
governo Tokugawa.
A família Tokugawa adotou medidas rígidas e conservadoras para seu
plano de governo, tendo como uma das principais medidas, a classificação feudal –
entendendo-se por senhores feudais: “samurais com feudos superiores a 10 mil
koku – medida para indicar a receita obtida pelos daimiôs (senhores feudais) em
sacas de arroz”.5 Tal classificação foi estabelecida na seguinte ondem: Shinpan
(daimiôs que tivessem ligação consanguínea com a família Tokugawa); Fudai
(daimiôs que se mantiveram fiéis aos serviços à família Tokugawa por gerações) e
os Tozama (daimiôs que se constituíram oposição – inimigos – da família
Tokugawa).
Por outro lado, foi estabelecido aos súditos dos daimiôs, outra
subdivisão, sendo ela: os hatamoto (samurais que tinham acesso aos xoguns) e os
gokenin (samurais que não tinham acesso aos xoguns). Dessa forma, o período Edo
ficou dividido em classes sociais distintas, a saber: samurais, agricultores, artesões e
comerciantes.
A queda do xogunato Tokugawa foi provocada por uma série de fatores
sucedidos, paulatinamente, pelas inúmeras administrações dos xoguns que nem
sempre foram eficazes. Dificuldades internas – como o aumento do número de
4 Sistema de governo predominantemente no Japão de 1192 a 1867, baseado na crescente
autoridade do xógum, supremo líder militar, que terminara por submeter até mesmo a autoridade do imperador. A retomada do poder imperial determinou o enceramento do feudalismo japonês baseado no xogunato, a abertura do país ao exterior e o inicio de sua ocidentalização. 5 KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg.
156.
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rônins (samurais sem senhores); a insatisfação com a ordem social conservadora; a
instabilidade emocional da população; a alta no preço dos alimentos – e a principal
dificuldade externa, que consistia na pressão dos países vizinhos forçando o Japão
a abrir seus portos e fazer alianças comerciais e, consequentemente, política com
nações estrangeiras. Todos esses fatores foram responsáveis para o
desencadeamento da onda de revoltas em todo Japão, resultando na renúncia do
décimo quinto xogum, Yamauchi Tokugawa6.
1.1.1 Restauração Meiji (1868 – 1912)
Mokiti Okada nasceu em uma fase de transições nacionais, a saber: a
restauração Meiji. Por restauração Meiji entende-se à grande reforma política,
econômica, militar e educacional, que com a pressão das grandes potências
capitalistas, derrubou o sistema feudal e instaurou o sistema capitalista japonês
originando uma nação imperial moderna que durou de 1868 a 1912. A expressão
‘revolução’ foi evitada, porque a reforma foi realizada por militares, samurais do
sistema feudal pertencentes a categorias inferiores, e não pelas camadas populares.
Essa modernização, influenciada pelo Ocidente, provocou alterações sociais,
econômicas e culturais em todo o Japão.
A restauração Meiji marca o início da história moderna do Japão,
fechando o ciclo medieval que durara 655 anos. O Japão expande suas alianças
com outros países buscando aceleradamente atualizar-se com as conquistas
culturais do Ocidente, do qual se manteve distante por mais de dois séculos.
Embora a ocidentalização tenha sido constatada no Japão em Meiji
devido às pressões de países externos, como vimos a pouco, não podemos
desconsiderar as estratégias do governo Meiji em preservar princípios da cultura
japonesa, através da figura do imperador e sua linhagem oligarca. Pois, ao se
apropriarem da sacralidade imperial, utilizaram um importante elemento para a
formação do sentimento de pertencimento da coletividade, uma vez que estavam
próximos das crenças elementares da sociedade mítica japonesa7.
6 Ibid. pg. 156 – 187.
7 OMENA, Luciane Munhoz; SILVA, Altino Silveira. O Estado Meiji e a religião shintô: As dimensões
políticas contidas nas crenças e valores xintoístas para a formação da estrutura do Estado e do patriotismo japonês. Revista Nures nº 9 – Maio/Setembro 2008 – http://www.pucsp.br/revistanures. Núcleo de Estudos Religião e Sociedade – Pontifícia Universidade Católica – SP.
http://www.pucsp.br/revistanures
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a. Aspectos Políticos e Militares
Uma boa parte “dos historiadores que se ocuparam da Restauração Meiji
são unânimes em torná-la, ao pé da letra, como ela de fato foi, uma devolução do
governo à família imperial”8. Logo, uma das principais características do novo
modelo de governo, na restauração Meiji, foi a centralização política em torno da
figura do imperador, reorganizando a estrutura do país em províncias com seus
respectivos governadores. Sendo assim, é possível entendê-la – restauração Meiji –
em paralelo às realidades que outros países haviam vivido, como a descrição a
seguir nos sugeri:
Muitos a comparam e tentaram aproximá-la de acontecimentos análogos da história ocidental, às grandes revoluções que caracterizaram a Idade moderna, pondo fim ao medievalismo e trazendo para o primeiro plano o Estado central unificado, o nacionalismo, a democracia e a urgência de atualização cultural, como imperativo de sobrevivência em um mundo de aproximações, confrontos e conflitos cada vez mais amplos e mais decisivos9.
A Restauração Meiji pode ser sintetizada – mas não diminuída de sua
importância e valor a história japonesa – rapidamente em alguns aspectos históricos,
que se tornaram marcadores desse período. Talvez o principal fator a contribuir com
a Restauração Meiji tenha sido a ameaça do poder militar estrangeiro ao regime,
forçando as autoridades japonesas a assinarem o tratado de Kanagawa.
Com a assinatura do tratado de Kanagawa em 31 de março de 185410, o
xogunato que tinham como definição literal: “o general que expulsa os bárbaros11”,
perde completamente a credibilidade diante do povo ao fazer alianças com os EUA e
posteriormente com a Europa. Em 1853 o almirante Matthew Calbraith Perry ancora
em águas territoriais do Japão e, a partir de 1854, o país é forçado a se abrir pelos
8 BARROS, Benedicto Ferri de. Japão a harmonia dos contrários: uma experiência humana singular.
São Paulo, T. A. Queiroz, editor, 1988. pg. 37 – 39. 9 Ibid, pg. 37.
10 KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009.
pg. 175. 11
ZIERER, Otto. Pequena história das grandes nações: Japão. São Paulo, Circulo do Livro, 1988. pg. 87.
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“acordos” impostos pelos ocidentais e, torna-se evidente para os japoneses que o
xogunato se achava impotente para preservar o Japão das ameaças externas12.
Simbolicamente o imperador se transfere de Kyoto, que fora a sede da
corte desde o século VIII, para Tokyo, que era a sede do governo do Xogunato.
Inicia-se então a Restauração Meiji, que tem o objetivo, por meios de tratados
políticos, de enriquecer o país e fortalecer o exército; levar a ilustração nacional,
enfatizando entre os intelectuais o estudo e a difusão das tradições nacionais,
especialmente o xintoísmo; e motiva um maciço esforço nipônico de absorção de
conhecimentos técnicos, intelectuais e filosóficos ocidentais. Tudo isso sinaliza o
esforço da política nacional, simbolizada pela figura do imperador e pelos valores
nipônicos, apontando para o esforço japonês de colocar o país a altura do mundo
moderno, sem perder sua identidade. O grande esforço do governo Meiji em atingir
esses objetivos fica nítido nos ofícios dirigidos às forças armadas japonesas e aos
envolvidos nos processos de formações técnicas e educacionais13.
Toshimichi Ôkubo – imperador – em 14 de março de 1868, inspirado no
modelo americano, decidiu instituir no país os três poderes civis, a saber, o
judiciário, o executivo e o legislativo, estabelecendo assim diretrizes introdutórias a
seu governo, como: a) a promoção de assembleias frente às questões de interesses
públicos; b) a busca por acordos que atendessem comumente as decisões
governamentais; c) incorporação de responsabilidade individual de todos os
cidadãos frente suas obrigações, afim de não sobrecarregar ninguém; d)
encorajamento ao abandono dos costumes restritivos, a fim de estimular novos
hábitos; e) a procura de referências (internas e externas) para o crescimento e
enriquecimento do país14.
b. Aspectos Econômicos
Segundo José Yamashiro, a principal fonte de giro econômica japonesa
sempre foi o plantio. Tanto no governo dos Tokugawas (período Edo), como no novo
modelo que se inicia a partir de 1868, a saber, a Restauração Meiji, a lavoura
12
KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 174 – 176. 13
BARROS, Benedicto Ferri de. Japão a harmonia dos contrários: uma experiência humana singular. São Paulo, T. A. Queiroz, editor, 1988. pg. 37 – 39. 14
KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 209 – 211.
-
22
mostrou-se eficaz no estimulo econômico do país. Contudo, o surgimento das
primeiras indústrias – das quais os principais seguimentos iniciais foram fiação e
tecelagem – e as mineradoras de carvão, ferro, ouro e prata, com suas respectivas
fundições também contribuíram significativamente com o desenvolvimento da
economia do país em Meiji.
Com essas novas realidades que se formam no cenário nacional e são
introduzidas no Japão, as indústrias ganham impulso novo com a introdução de
maquinas e técnicas ocidentais”15.
O imperador e seus governantes visando a segurança e o
reconhecimento nacional dos países vizinhos apostam significativamente no
processo de industrialização para a modernização do país, bem como o crescimento
da economia. A mão de obra industrial torna-se com isso indispensável frente a
esses objetivos, sendo alimentadas pelo deslocamento das áreas rurais para as
cidades que recebiam essas novas indústrias. O capital se movimenta em sua
grande parte de poupanças existentes nos meios agrícolas (dos lavradores
abastados), comerciais e financeiros, e também se obtém através de empréstimos
estrangeiros e financiamentos oficiais.
Com isso, o reordenamento das classes sociais – que dado aos
infortúnios econômicos, baniu inclusive os samurais de classes inferiores, mas
manteve a aristocracia da corte, que recebiam tributos em mantimentos e dinheiro
do povo; inicialmente mensais, e depois, dado às dificuldades financeiras, anuais –
se mostrou indispensável. A crise econômica fez com que o imperador, como
medida emergencial, autorizasse aos camponeses a compra e venda de terras,
recolhendo 3% do valor como imposto. Muitos, por não conseguirem pagar,
perdiam-nas16.
No exercício de modernização, o imperador contou com a experiência
administrativa dos samurais (senhores feudais do período Edo). Deles surgem as
pessoas mais abastadas da população nipônica em Meiji, os políticos, funcionários
administrativos dos órgãos públicos, bem como os fundadores e diretores das
grandes empresas privadas. Acreditava-se que não havia uma classe mais
competente para tais atribuições do que os samurais, por causa do seu elevado grau
15
YAMASHIRO, José. História dos Samurais. São Paulo, Massao Ohno, 1982. pg. 217. 16
KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 196 – 198.
-
23
educacional e a habilidade com o sistema financeiro, considerado, em épocas
anteriores à Restauração Meiji, como adiantadas para época, tendo papéis como
títulos de créditos e letras de câmbios ou equivalentes.
Coube ao imperador recorrer a auxílios externos – com a abertura dos
portos, ouro e prata escoam em boa quantidade para mercados externos. Ao mesmo
tempo, os japoneses adquirem e desenvolvem um irresistível gosto por artigos
importados – fazendo-se necessário a imigração de vários profissionais para
transferirem a tecnologia e o conhecimento humanístico ocidental, resultando na
construção de fábricas com administração estatal, ampliando suas atividades para
os ramos da indústria de fiação, ferrovia e comunicação. A soma de todos esses
fatores corroborou para o aumento do crescimento da proletarização da população.
Essas medidas foram importantes tanto para o propósito de fomento do
capitalismo internacional, quanto também para preservarem as tradicionais
indústrias artesanais da destruição, diante da invasão dos produtos fabricados pelos
poderosos polos fabris do ocidente17.
Uma vez que a modernização se mostrou em trânsito no governo Meiji,
principalmente com a expansão da indústria nacional, fizeram-se necessárias novas
técnicas, não só na industrialização do país, mas em outros seguimentos como a
agricultura, a pesca e a cultura. Para tal era necessário a adesão das tecnologias
alheias. O custo de tal investimento só poderia ser pago pelos cofres estatais, que
traziam especialistas de vários seguimentos, como também enviava nativos para
outros países a fim de adquirirem suas expertises.
c. Aspectos Educacionais
A influência ocidental europeia – Alemanha, França e Inglaterra – não se
deu simplesmente nas corporações empresariais, mas abrangeu a reestruturação da
segurança pública e educacional da nação, sendo instituindo o serviço militar
obrigatório aos homens e educacional a todas as crianças a partir dos seis anos.
Essa medida educacional foi um divisor de águas às mulheres japonesas,
que também experimentavam das desigualdades de gênero da época, uma vez que
“as leis civis da Era Meiji eram de patriarcado absoluto”. Isso fez com que diversas
17
YAMASHIRO, José. História dos Samurais. São Paulo, Massao Ohno, 1982. pg. 217 – 219.
-
24
mulheres fossem estimuladas a lutar pela libertação do jugo masculino. Através da
literatura, diversas mulheres – como: Hideko Fukuda (1865 – 1927), Raichô
Hiratsuka (1886 – 1971) entre outras – começaram a denunciar os abusos ao
mesmo tempo em que se empoderavam, lutando pela igualdade social das
mulheres.
d. Aspectos Religiosos
Talvez uma das medidas mais radicais do governo Meiji na preservação
da tradição japonesa tenha sido oficializar o xintoísmo como religião oficial do
Estado18, silenciando outras expressões de fé, inclusive o budismo, ocasionando
perseguições sistemáticas e a queima de inúmeros templos e imagens búdicas.
A política de se congregar o xintoísmo e o budismo, existente desde a Era Edo, resultou no xintoísmo estatal (kokka shintô). Por isso, os adeptos do budismo foram perseguidos, inúmeros templos incendiados ou destruídos e imagens búdicas históricas danificadas ou vendidas. Por outro lado, estes acontecimentos proporcionaram uma chance de o budismo renascer como uma religião moderna. A partir de 1873, com o fim da proibição do cristianismo, e de 1889, com a liberdade religiosa reconhecida legalmente, muitas religiões se empenharam em sua modernização19.
Analisar-se-á com mais cuidado a efervescência religiosa que se mostrou
uma crescente na Restauração Meiji, na segunda parte deste capitulo, quando nos
debruçaremos sobre as novas religiões japonesas.
1.1.2 Era Taisho (1912 – 1926)
Com a morte do imperador Meiji, o príncipe Yoshihito torna-se o novo
imperador do Japão, dando início à era Taisho, que significa: “O Céu aceitará as
palavras do povo e a política será conduzida com correção”20, sinalização de uma
pretensa democracia.
18
ZIERER, Otto. Pequena história das grandes nações: Japão. São Paulo, Circulo do Livro, 1988. pg. 96. 19
KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 199. 20
Ibid, p. 224
-
25
Por se aliar a Inglaterra, em 1914, o Japão se envolve na guerra, que se
consagraria como a primeira guerra mundial. Tendo como motor o grande aumento
das exportações para a Europa – na construção naval, têxtil, férrea e de aços em
geral – a situação econômica do Japão tornou-se extremamente estável, sendo
incluso às cinco maiores economias mundiais, transformando-se numa potência
imperialista. A indústria de construção naval desenvolveu-se pela escassez mundial
de navios para o transporte de materiais de guerra, alcançando o Japão a terceira
posição nesse setor, atrás da Inglaterra e dos EUA. Em 1920, o Japão começou a
fazer parte da Liga das Nações.
Desde a Era Meiji, o governo assumiu medidas coercitivas com relação
aos movimentos pelos direitos civis, proibindo reuniões e censurando jornais e
semanários. Com o surgimento dos movimentos socialistas na segunda metade da
Era Meiji, a repressão mudou seu alvo. Em 1922, o Partido Comunista Japonês
formou-se clandestinamente. Temendo a infiltração do comunismo, o governo, em
1925, instituiu a Lei de Segurança Pública que penalizava os que criticavam o
sistema de propriedade privada.
O terremoto de Kanto (que abrangia Tóquio e províncias vizinhas) de
1923 assumiu uma singularidade por deixar 140 mil mortos e desaparecidos e 700
mil residências destruídas. Em toda a região, foram 3,4 milhões de vítimas. Muitos
bancos foram à falência por causa da crise econômica. O medo provocado pela
crise econômica marcou o início da ascensão do exército que levaria o país à
Guerra da Manchúria e à passagem para período militarista até 1945, dando
passagem para o envolvimento dos japoneses a segunda guerra mundial.
1.1.3 Era Shôwa (1926 – 1989)
A era Shôwa que se compreende como os anos (1926 – 1989) foi
marcada por dois grandes acontecimentos sociais – externos e internos ao Japão. O
primeiro marco foi econômico, a crise que ficou conhecida mundialmente como: O
Craque de Wall Street e/ou Grande Pânico afetando todos os países capitalistas,
inclusive o Japão. Muitas empresas foram à falência, o número de pessoas
desempregadas aumentou exponencialmente, tanto o meio urbano como o rural
experimentaram dissabores irreparáveis, dado a queda de valores. Como se não
bastasse, em 1931, um fenômeno natural assolou o campo: o frio excessivo causou
-
26
baixa na colheita e a situação agravou-se de tal modo que pais chegaram a
venderem suas filhas em troca de comida. Enquanto isso, as grandes corporações
financeiras, como Mitsui, Mitsubishi e Sumitomo, dado a influência e poder
monetário, desfrutavam de uma ascensão política e econômica.
O segundo marco nasce dos descontentamentos socioeconômicos em
que os japoneses estavam inseridos. Com isso os militares convenceram o povo de
que deveriam expandir seus territórios geográficos, invadindo a China. Esse duelo
sino-japonês seria só o início de um longo período de guerra que, a princípio,
envolvia os dois países, mas posteriormente ganharia fôlego com a expansão de
outras potencias como a Alemanha, Itália e os EUA, chegando finalmente à segunda
guerra mundial21.
Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha de Hitler invade a Polônia. Dois dias depois, a Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha, transformando, novamente, a Europa em campo de batalha. Inicia-se dessa forma a Segunda Guerra Mundial que causou sequelas estarrecedoras à humanidade. Enquanto isso, as tropas japonesas enfrentavam dificuldade na China devido à resistência do povo. Sob suspeita de que a força de resistência chinesa estivesse recebendo apoio dos EUA e da Inglaterra via países do Sudeste Asiático, o governo japonês passa a cogitar em dominar toda essa região, aliando-se à Alemanha e Itália – potencias do Eixo22.
Dado essas alianças – por um lado os chineses aliados com os
americanos, ingleses, franceses e russos; por outro, os japoneses aliados com a
Alemanha e Itália – o Japão passou a ser alvo de constantes ataques aéreos,
resultando na morte de milhares de pessoas diariamente. O ataque americano
culminou com a bomba atômica lançada sobre a cidade de Hiroshima e de Nagasaki
em 6 e 9 de agosto, respectivamente, induzindo a rendição japonesa no dia 15 de
agosto de 1945. Os ataques americanos em Hiroshima e Nagasaki resultaram na
morte de 200 mil e 140 mil pessoas, respectivamente. Já perto do fim da guerra,
muitos morreram vítimas das bombas lançadas pela aviação B-29 do exército
americano sobre as cidades de Tóquio e Kobe.
O número de órfãos, segundo levantamento de 1948 do Ministério da Assistência Social e Saúde, são de 123.511 pessoas (excluindo
21
RAFFO, Geórgia Branquinho de Oliveira. A “localização” institucional da Igreja Messiânica Mundial: uma abordagem a partir da teoria da mundialização [recurso eletrônico]. São Paulo: FFLCH, 2014. pg. 45. 22
KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. p.230 – 231.
-
27
Okinawa). Em 1954, Okinawa registrava 3 mil órfãos. Diz-se que 87% deles tinham idade entre 8 e 20 anos e que foram adotados por parentes ou encaminhados a orfanatos. Mas, como o número dessas instituições era insuficiente, muitos se tornaram errantes, passando a viver nas ruas, chegando a 35 mil em 1947. Não há família que não tenha sido atingida pela guerra. Todas sofreram algum dano material ou psicológico23.
As consequências desses fatos foram realmente estarrecedoras,
atingindo várias famílias, inclusive a de Mokiti Okada. Em sua bibliografia, encontra-
se a informação de que esses ataques foram responsáveis pela morte de seu filho
primogênito do seu segundo casamento. A criança, que tinha apenas um ano e nove
meses, foi uma das vítimas do surto de cólera infantil da época24.
Ao findar a guerra, o território japonês fica restrito às ilhas de Hokkaidô,
Honshû, Shikoku e Kyûshu, sendo que os demais arquipélagos ficaram subjugados
aos EUA, como foi o caso das mais de 30 ilhas de Ogasawara que, posteriormente,
foram devolvidas ao Japão em 1968 e atualmente pertencem ao distrito de Tóquio.
Os países da Ásia, num esforço descomunal, começam campanhas para sua
independência.
Medidas como a desmilitarização e a democratização japonesa
começaram a ser impostas pelo EUA e os países aliados. Autoridades – políticas e
militares – foram julgadas pelo tribunal internacional, resultando na destituição de
alguns e a condenação de outros à prisão e/ou pena de morte.
Um marco significativo se deu na promulgação da nova constituição em
1946 – após o imperador, negar sua divindade, crença que era mantida ao longo do
tempo desde a instituição da corte Yamato no século IV – que foi responsável pela
criação de novas leis que asseguravam a igualdade de direitos a homens e
mulheres frente ao código civil. Com isso, adotou-se medidas significativas em
relação à educação, não só como garantia de direitos, mas como condicionamento
compulsoriamente da educação primária a ginasial, bem como a educação colegial e
superior a todos indistintamente. As mulheres passaram a ter um novo
posicionamento social, tanto pela reformulação da nova constituição, como também
pela reestruturação do sistema familiar conservador. Na primeira eleição em que as
mulheres também puderam votar, em 1946, foram eleitas 39 deputadas.
23
Ibid. pg. 237. 24
FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 250.
-
28
A sociedade japonesa levou um tempo para se recompor das catástrofes
resultantes dos confrontos americanos da Segunda Guerra Mundial. A população
sofreu com a escassez de alimentos e outras provisões, devido à situação de
destruição das instalações de produção pelos bombardeios e ataques aéreos.
A militarização ocasionada pela eclosão da Guerra Coreana em 1950 foi
responsável pela reestruturação econômica japonesa. A fim de se preparem para o
conflito, os japoneses criaram a força policial de reserva que, posteriormente, teve
seu nome substituído para forças de autodefesa, chegando a recrutar em 4 anos 70
mil e 139 mil, respectivamente. A situação econômica melhorou com a demanda
especial em função da guerra e empreendimentos públicos como a hidrelétrica de
Sakuma que favoreceram a recuperação e fizeram a economia japonesa entrar nos
eixos. Em 1951, dado a conferência internacional de paz, realizada em San
Francisco, com a participação de 49 países, o Japão retoma a comunicação
internacional, sendo que as imigrações japonesas ao Brasil foram retomadas no ano
posterior, fato que contribuiu com a chegada da IMM ao Brasil em 1955, como
veremos mais adiante25.
1.2 O cenário religioso no Japão na Era Meiji
A crença de que religião é uma questão apenas de fé não pode ser
plenamente aplicada ao Japão, pois no país os fenômenos religiosos têm muitas
dimensões que nem sempre dizem respeito à fé. “A dimensão social é a mais
importante já que a religião no Japão está intimamente ligada com os ciclos de vida
e tem uma natureza intensamente social. Festivais xintoístas, ritos fúnebres
budistas, casamentos cristãos não são geralmente considerados como fazendo
parte da religião pessoal”26.
A múltipla pertença religiosa nunca foi um problema em culturas orientais.
“No Japão é possível alguém ser ao mesmo tempo budista e xintoísta, o que é
chocante para quem está habituado com religiões cujo dogma essencial exige
25
CLARKE, Peter B. As Novas Religiões Japonesas e suas Estratégias de Adaptação no Brasil. Revista de Estudos da Religião – Rever. pp 22 – 45. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de SP. 2008. pg. 38. 26
CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 380.
-
29
fidelidade a uma única fé”27. Esse sincretismo, que se desenvolveu ao longo da
história japonesa, se mantém no comprometimento de funções e deveres sociais, e
acabam por ser responsável pela produção e reprodução da cultura japonesa.
O esforço de construir um panorama religioso no Japão é algo bastante
complexo, se é que é possível, e esse não constitui o esforço principal deste
trabalho. Contudo, faz-se necessário discriminar, ainda que sucintamente, os
períodos sociais e suas representatividades religiosas que constituíram o Japão ao
longo dos séculos até chegarmos à modernidade – e/ou Restauração Meiji.
Seguindo o modelo de Reid, talvez consigamos compreender o panorama religioso
do país da seguinte forma: “Período Xintoísta (até séc.VI), Xintoísta-Budista (538-
1549), Xintoísta-Budista-Cristão (1549-1802), e Xintoísta-Budista-Cristão-Outras
[Novas Religiões, etc.] (1800- atualidade)”28.
1.2.1 Xintoísmo
Como discriminado no esquema de Reid acima, o xintoísmo merece
nossa atenção ao estudar a estrutura religiosa japonesa, uma vez que assume sua
nacionalidade. Logo, o xintoísmo passa a ser compreendido como uma religião
cósmica e étnica, centrada na unidade social. “O xintoísmo é, antes de mais nada,
produto da tomada de consciência da mentalidade mítica japonesa que se defronta,
pela primeira vez, com uma religião-filosofia poderosa, elaborada e estrangeira,
chamada budismo”29.
Diferente das religiões monoteístas, o xintoísmo não tem um fundador. É
tipicamente uma religião nacional, que ao longo dos séculos adotou tradições de
várias outras religiosidades. Não conta com nenhum credo ou código ético
expressamente formulado. Sua essência está embasada em cerimonias e rituais que
mantém o contato com o divino.
Acredita-se que o xintoísmo possui milhares de kamis – deuses – que se
manifestam sob a forma de árvores, montanhas, rios, animais e seres humanos. O
27
NAKAGAWA, Hisayasu; tradutora Estela dos Santos Abreu. Introdução a cultura Japonesa: ensaio de antropologia recíproca. São Paulo, Martins, 2008. pg. 31. 28
Reid, D. (1991). New Wine: The Cultural Shaping of Japanese Christianism. Berkeley: Asian Humanities Press. 29
OSHIMA, Hitoshi; tradução de Lenis G. de Almeida. O pensamento japonês. São Paulo, Escuta, 1991. pg.47.
-
30
culto aos kamis – que também são concebidos como espíritos – naturais e
ancestrais sempre foi fundamental para o xintoísmo, desde os dias em que o Japão
ainda era uma sociedade agrária.
A partir do século VI, o xintoísmo teve que lidar com a introdução do
budismo, e ambos acabaram por influenciar um ao outro. Como citado
anteriormente, não é estranho no Japão o uso alternado de várias religiões. Assim
uma criança pode receber as bênçãos pelos deuses num ritual xintoísta e ser
sepultada num ritual budista, tendo a celebração de casamento – caso atinja a vida
adulta – num ritual cristão30.
Sendo assim é impossível negar a importância que o xintoísmo exerceu
nos aspectos sociais dentro da cultura japonesa ao longo dos séculos.
Os templos xintoístas funcionavam como centros da comunidade e, embora esta função se tenha vindo a esbater com as mudanças sociais do pós-guerra, continua a dar continuidade às atividades culturais tradicionais. As várias estações do ano são celebradas de acordo com ritos xintoístas. Os festivais religiosos xintoístas (matsuri) unem as pessoas com o kami e têm tido uma grande importância social no Japão. O kami é representado por um objeto e transportado num altar aos ombros de um grupo de jovens pela aldeia ou localidade, e realizam-se em todo o país mesmo numa cidade cosmopolita como Tóquio. O ambiente geral é de festa com muita bebida. Sendo uma religião animista sem doutrinas ou dogmas, o Xintoísmo não tem preocupações de ordem ética. Os ‘maus’ atos humanos são considerados como desastres naturais e para evitá-los é preciso realizar atos de purificação (purificação física feita pelo próprio lavando a boca e as mãos, e purificação interior feita pelo sacerdote)31.
É interessante notar o quanto o xintoísmo se mostra intrinsicamente
posto, não só na cultura japonesa, como também em sua estrutura étnica, uma vez
que o mito de origem japonês assume a descendência de uma linhagem divina:
Amaterasu, deusa do sol.
No princípio, segundo a mitologia japonesa, um casal divino, Izanagui e
Izanami, desceu do céu e gerou as ilhas japonesas. Depois o resto do mundo e tudo
o que há nele. Por último uma série de deuses, os Kamis. Destes, o mais importante
era a deusa do sol, Amaretasu. Os outros kamis se estabeleceram na terra e
conceberam os primeiros seres humanos. Todavia, a sociedade humana precisava
de ordem e comando, e por isso o neto da Amaterasu foi enviado à terra. Um de
30
Ibid. pg. 47 – 54. 31
CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 381.
-
31
seus descendentes se tornou o primeiro imperador do Japão. Assim, todos os
japoneses têm origem divina, mas em especial o imperador que é descendente da
própria deusa do sol. ”A crença na origem divina da linha imperial legitimou a
autoridade do Imperador ao longo da história do Japão até 1946, quando o
Imperador Hirohito anunciou aos Japoneses que não era divino”32.
1.2.2 Budismo
Embora o Budismo se proponha a tratar da liberação total e,
consequentemente, da salvação, ele não pode ser tratado simplesmente como um
sistema religioso. Isso por não se submeter a crença em divindades ou seres
transcendentes. O caminho da liberação e da salvação que eles acreditam passa
pelo autoconhecimento, logo, muito mais que religião o budismo pode ser tratado
como uma filosofia de vida.
De onde vêm a guerra e a disputa? De onde vêm a melancolia, a tristeza, o orgulho, a calúnia, a avareza etc.? Digo-vos que tudo isso vem daquilo que gostamos. Ora, de onde vem o gostar? O gostar vem pelo ou através do desejo. E de onde vem o desejo? O desejo nasce pelo agradável e pelo o desagradável. O agradável e o desagradável surgem do contato; pelo nome, e pela forma. Ora, como é possível o desaparecimento da forma? Como podemos livrar-nos da dor e do prazer? Aquele que não pensa como os demais, que não pensa torpemente, e que não é um homem que nem pensa nem apaga o seu pensamento, somente ele está livre da forma, pois a forma, a noção da extensão, nasce pelo pensamento (...)33.
Acredita-se que, entre a origem dos pensamentos budistas e sua chegada
ao Japão, tenha transcorrido mais de mil anos. Certamente esses períodos foram
marcados por diversas mudanças sistemáticas e conceituais. “O tipo de budismo
que entrou no Japão, chamado ‘Budismo Mahayana ou o grande veículo’, cujas
teorias foram elaboradas por Nagardyuna e Vaspandu, por volta dos séculos II e III,
busca também a libertação por meio da teoria do conhecimento”34. A tônica desse
pensamento é o vazio, que significa a não substancialidade inseparável dos
32
Ibid. pg. 381. 33
OSHIMA, Hitoshi. O pensamento japonês. São Paulo, Escuta, 1991. pg. 34. 34
Ibid. pg. 35.
-
32
fenômenos. Dito de outra maneira, a ideia dos fenômenos, sem referência à
realidade ou substância, é a ideia do vazio.
Esse pensamento comparado ao pensamento mítico japonês, originário
da tradição xintoísta, são definitivamente diferentes, uma espécie de água e óleo,
que ao que parece não podem se fundir, pois enquanto o Budismo Mahayana
propõe significados aos fenômenos vazios, a mentalidade mítica japonesa vai nos
sugerir um mundo onde tudo é real e/ou não há fenômeno livre de sentidos e/ou
significados. O Budismo Mahayana ensina que o mundo é inexistente, enquanto que
a mentalidade mítica nos diz, como também nos disse Tales de Mileto: “O mundo
está cheio de deuses”.
Mesmo tendo essas questões colocadas sobre as dificuldades conceituais
de o Budismo se estabelecer no Japão, a partir do século VI, o trato é que o
Budismo no Japão é uma arquitetura construída sobre a base estrutural da
mentalidade mítica. E ele não teria florescido sem sua incorporação à essa estrutura
mental, tendo sido recebida como uma religião que se pautava em técnicas magicas,
uma espécie de budismo esotérico que mais tarde vai substituir a divindade em
Buda35.
Tendo considerado as questões introdutórias para a chegada do Budismo
no Japão, é importante destacar que sua posição nem sempre foi tão confortável. No
século XVI, com a proibição da pregação cristã, que começara a incomodar as
autoridades Japonesas por sua difusão, as três religiões oficiais passaram a ser o
Xintoísmo, o Budismo e o Confucionismo36. Resultando mais tarde na ordenação
estatal que estabeleceu que “todos os Japoneses ficaram obrigados a registar-se
como membros de uma comunidade budista. O Budismo passou a ser religião oficial
com o estabelecimento de um sistema que exigia que cada família japonesa se
registasse no templo local e o financiasse”37.
Já no século XIX, no início da Restauração Meiji, o Budismo passa a
sofrer fortes perseguições estatais, tendo templos queimados e sua membresia
perseguida. A partir de então o Xintoísmo passa a ser a religião estatal e em 1873 o
35
Ibid. pg. 36 – 39. 36
NAKAGAWA, Hisayasu; tradutora Estela dos Santos Abreu. Introdução a cultura Japonesa: ensaio de antropologia recíproca. São Paulo, Martins, 2008. pg. 35. 37
CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 382.
-
33
Cristianismo volta a ter a liberdade de culto, não só eles – os cristãos – como muitas
outras religiões se empenham na difusão de sua mensagem38.
1.2.3 Cristianismo
O Cristianismo marca a introdução das religiões ocidentais no Japão
muito antes do período de modernização nacional, a saber: a restauração Meiji. A
chegada dos missionários da companhia de Jesus – os jesuítas – é marcada no
século XVI: “o Japão encontrava-se na época dilacerado por guerras internas e
estas guerras aliadas à oposição dos monges budistas e sacerdotes xintoístas ao
Cristianismo dificultaram a expansão da doutrina cristã39”. Junto com a Restauração
Meiji datada no século XIX, temos a chegada dos missionários – protestantes –
Anglo-saxões.
Nessa fase, os missionários da companhia de Jesus encontraram alguns
obstáculos na difusão de sua mensagem. As principais foram em relação as
diferenças conceituais do catolicismo e da tradição japonesa, sendo as principais: a
onipotência do Deus cristão; sua posição criadora de toda a criação e a intolerância
dos missionários católicos, resultando na resistência por parte do governo japonês
da época40.
1.2.4 Novas Religiões Japonesas
As chamadas Novas Religiões Japonesas – NRJ – exerceram sua
importância no cenário Japonês, marcado pela modernização. A maioria delas surge
no pós-guerra e mantém uma peculiaridade muito emblemática, pois suas
preocupações estão relacionadas ao mundo presente ao invés do mundo
escatológico e/ou futuro.
Os estudiosos das NRJ entendem que as grandes diversidades religiosas
do Japão refletem o interesse e/ou procura da população japonesa por atividades
religiosas – sendo um reflexo da modernização que marca esse período – sem,
38
KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 199. 39
CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 383. 40
OSHIMA, Hitoshi; tradução de Lenis G. de Almeida. O pensamento japonês. São Paulo, Escuta, 1991. pg. 55 – 60.
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contudo, anular os compromissos sociais que a população mantinha com as
religiões tradicionais, como por exemplo, levar crianças recém-nascidas aos ritos
dos templos xintoístas e sepultar seus mortos com rituais budistas41.
Passar-se-á a descrever, ainda que sucintamente, duas dessas NRJ com
a finalidade de entender suas mensagens e/ou contribuições para a sociedade da
época – Restauração Meiji – e a proposta que introduziram como respostas para os
infortúnios sociais, uma vez que a maioria delas nasceu exatamente como uma
resposta e/ou sinalizador de esperança para a sociedade de então.
Embora haja alguns momentos distintos que serviram de molas
propulsoras para a proposta de conversão e salvação dessas NRJ. Ater-se-á ao
primeiro, que marcou início no século XIX, estando o Japão submerso na crise do
regime feudal, tendo como marco principal o fracasso de suas políticas econômicas.
Desse momento da história Japonesa nos interessa analisar a formação religiosa da
Tenrikyô e da Oomoto42. Contudo, nossa principal atenção estará voltada para a
Oomoto, responsável por influenciar os pensamentos de Mokiti Okada na construção
de seu arcabouço teológico e de sua proposta de salvação, não só na sociedade de
seus dias, mas para toda humanidade, após ter experimentado a conversão, aquilo
que chamou de segundo nascimento43.
Debruçar-se-á sobre essas duas linhas por se entender a singular
importância delas nesse cenário em que se configuraram e se instituíram no Japão
moderno. A relevância delas é importante por vários motivos, talvez o principal deles
seja o fato de serem instituições fundadas por duas mulheres – Mike Nakayama e
Nao Deguchi – respectivamente em um Japão marcado pelo forte sistema patriarcal,
como era o Japão xogunal, em Edo.
a. Tenrikyô
Iniciar-se-á resgatando a história da líder fundadora da Tenrikyô, Miki
Nakayama (1798 – 1887), procurando encontrar os principais elementos que a
41
WARAGAI, Eliane Satiko. As interferências culturais nas traduções de textos das religiões de origem japonesa. 2008, 109f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2008. pg. 42 – 45. 42
Ibid. pg. 43 43
FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 231.
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influenciaram na construção de sua comunidade religiosa que compõe o conjunto
das NRJ.
Miki Nakayama nasceu no período feudal do Japão, ou seja, período de
Tokugawa (1603 – 1868) em uma área rural de Kansai, chamada Nara44. Sua família
era composta de samurais não remunerados e sem feudo, conhecidos como
maegawa, o que lhes permitia portar espadas. Recebeu a educação primaria por
seu pai, que lhe ensinou a ler e escrever, chegando posteriormente a frequentar
uma escola-templo da vizinhança. Embora tivesse experimentado a frustação de não
se tornar uma monja budista – devido a um casamento arranjado aos treze anos
com um de seus primos45 – cumpriu exemplarmente o papel de esposa46 do período
feudal47. Seu marido se mantinha nominalmente como o chefe, mas era ela quem
efetivamente cuidava da provisão da família. Como se não bastasse sua falta de
compromisso no cuidado familiar, mantinha um relacionamento extraconjugal.
A maternidade trouxe a Mike alguns dissabores também. Após o
nascimento de sua filha caçula, ela começou a sofrer alguns desmaios e ter perda
de equilíbrio psíquico, chegando a sentir seu corpo agitar. Mas, a experiência que
mais a marcou se deu na tentativa de cura de seu filho mais velho, que fora
acometido de uma dor misteriosa e insuportável em uma de suas pernas. Temos a
fala de Ronan (1995), que se entende necessária para esse momento:
O fato que foi mais determinante na vida dela foram as dores súbitas e insuportáveis que seu filho mais velho, Shfiji, começou a sentir na perna esquerda. Mesmo após um ano de tratamento médico e de sessões de exorcismo, a dor desaparecia e retornava da mesma misteriosa forma. Durante um desses rituais exorcizantes para curar o filho, Miki atuou como
44
A senhora Miki Nakayama, Oyassama ou Nossa Mãe, a porta-voz de Deus-Parens, cujos ensinamentos deram ensejo à fundação da Igreja Tenrikyo, nasceu em 18 de abril de 1798, na aldeia
de Sanmaidem, em Yamabe, região de Yamato, atual distrito de Sanmaidem, município de Tenri, província de Nara, Japão. http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama - acessado
em 26/11/2018 às 16:26 horas. 45
PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 174. 46
Aos 13 anos, foi recebida pela família Nakayama da aldeia de Shoyashiki (atual distrito de Mishima), tornando-se esposa de Zembee. Miki, como dona de casa, dedicou-se aos sogros, serviu ao marido e esforçou-se nos afazeres domésticos a ponto de ser admirada por toda a vizinhança. Realmente, foi uma dona de casa exemplar. http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama - acessado em 26/11/2018 às 16:20 horas. 47
Aqui é interessante fazer notar que no Japão feudal a mulher era tida basicamente como um instrumento de gerar filho e perpetuar a família como grupo corporativo (ie); além do que, havia uma noção de "poluição" (kegare) associada à mulher e a tudo o que diz respeito à natureza feminina (menstruação, parto, etc.).
http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:26http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:26http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:20http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:20
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médium e foi possuída por uma divindade que dizia querer tomar o corpo dela como o seu "sacrário". Depois dessa possessão inicial, Miki ficou em reclusão por volta de três anos, vestindo roupas pretas. Nesse período de auto-isolamento, houve uma mudança radical em sua vida. Após a morte de seu marido, ela contou com a ajuda de seu filho Shfiji e, acima de tudo, do carpinteiro Iburi Izô (1833 -1907) na organização de um culto à divindade Tenri-ô-no-mikoto. Inspirada por essa divindade, ela curou os doentes e criou sua própria doutrina, danças, músicas, etc48.
Dez anos após essas experiências, ela foi retomando, aos poucos, suas
atividades corriqueiras começando a dar aula de costura para meninas da
vizinhança, retomando a responsabilidade pelo sustento familiar e, posteriormente,
assumindo a posição de líder-fundadora da Tenrikyô, uma das NRJ.
Uma questão importante a ser pontuada foi a situação de penúria pela
qual Mike foi submetida após suas revelações e consequentemente após a morte –
e/ou retorno, como os membros da Tenrikyô costumam tratar a morte – de seu
marido. Tendo distribuído suas posses e bens, mesmo sem o consentimento de
familiares e amigos, mas regida pela crença que a cercava, ela foi submetida a
situações de extrema pobreza. Fato esse que acreditamos influenciar na formação
de seu arcabouço doutrinário.
Contudo, essas possessões não eram o bastante para legitimar a
liderança religiosa de Miki Nakayama. Foram necessárias algumas inovações
carismáticas nos métodos utilizados por ela, como: a introdução do objeto sagrado
(gohei) nos rituais sagrados de cura e profecia. Como se não bastasse as danças
folclóricas japonesas, ela criou uma dança peculiar para suas cerimônias que ficou
conhecida como kanrodai-zutome e a utilização de um leque. “Ela ainda escreveu
dezessete volumes de poemas por inspiração divina em um estilo tradicional (tanka).
Uma das atividades que mais chamou a atenção das pessoas foi o fato de Miki
preparar as gestantes para o trabalho de parto feliz e sem dor, tocando-lhes de leve
e respirando três vezes em seus ventres (ohiya-yurushi)”49.
Talvez a principal contribuição do pensamento de Mike foi às mulheres de
seu tempo que, como já vimos, eram basicamente reduzidas ao cuidado da casa e a
reprodução. Tinham que lidar com os preconceitos de uma sociedade que
48
PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 171. 49
PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 176.
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considerava impuro seu ciclo menstrual e uma espécie de poluição o trabalho de
parto. Com o início de suas atividades religiosas, Mike confere as mulheres novos
significados e sentidos.
Sendo assim, destacam-se algumas características institucionais que
fizeram da Tenrikyô uma referência de fé de seu tempo, a começar pela formulação
doutrinaria que nem sempre dialogou com as religiões japonesas tradicionais
(xintoísmo e Budismo), mas também não se opuseram a elas, apenas se refizeram.
Talvez, o principal elemento a ser destacado seja o fato de a organização ser
fundada por uma mulher em um período no qual as mesmas não costumavam fugir
da tríade básica – filha, esposa e mãe50. Poder-se-ia também colocar a impressão
monoteísta que a organização assume, estabelecendo e/ou aderindo ao
criacionismo universal pelo Deus-Parens – também conhecido como, Tenri-ô-no-
Mikoto (Deus original e verdadeiro) e que segundo a crença institucional tomou Mike
(Oyassama, nome religioso), como seu sacrário.
b. Oomoto51
Ao tratar da Oomoto52 e/ou Omoto-kyo,53 iniciar-se-á resgatando a história
de sua líder fundadora, Nao Deguchi (1836 – 1918), procurando encontrar os
principais elementos que a influenciaram na construção de sua comunidade religiosa
que compõe o conjunto das NRJ.
Nao Deguchi nasceu em uma família de carpinteiros que prestava
serviços à nobreza, o que lhes facultou alguns privilégios. Porém, no ano que
marcou o nascimento dela, sua família passava por uma situação de privações e
extrema pobreza. Devido à perda de seu pai aos nove anos, Nao teve que assumir a
responsabilidade de trabalhar como doméstica para sustento próprio.
50
Ibid. pg. 179. 51
Adotarei a grafia utilizada pela Associação religiosa Oomoto do Brasil, ao invés de usar a grafia utilizada em algumas obras, como o livro: Luz do Oriente, no qual “Oomoto” está grafado com somente um “O”. Oomoto significa “a grande origm”. 52
Cf. SCHLESINGER, Hugo; PORTO, Humberto. Religião Oomoto. In: Dicionário Enciclopédico das religiões Vol. II. Petrópolis. Vozes, 1995. pg. 19 – 24. Omoto, (mov.) Do japonês: “Grande fundação”. Movimento religioso moderno japonês fundado em 1892 pela Sra. Degushi. Proibido em 1947, reiniciou suas atividades em 1946. Empresta elementos de outras religiões e crê num Deus imbuído e na fraternidade dos homens. “Não são muitos os seguidores, cerca de 90.000, mas, sua influência é defundida através da literatura”. 53
FERNANDES, Juliana Alves Gurgel. O teatro como Budô – Aikido em cena. Campinas, SP, Universidade Estadual de Campinas, 2011. pg. 28.
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Em sua vida emocional, também não teve muito êxito, pois mesmo
nutrindo sentimentos por um rapaz do vilarejo vizinho teve de assumir aos dezenove
anos um casamento com um carpinteiro alcoólatra. No início do casamento teve um
pouco de estabilidade, o que não durou muito, dado o vício do marido e um acidente
de trabalho que sofrera, deixando-o invalido por três anos, resultando em sua morte
posterior. Como se não bastasse, os desajustes matrimoniais, Nao enfrentou
grandes dificuldades com seus filhos. “Três de seus onze filhos morreram logo após
o parto; o filho mais velho tentou suicídio; outro morreu em Taiwan, durante a guerra
sino-japonesa; uma de suas filhas foi possuída por um espírito; e outra sofreu um
colapso nervoso54”.
Frente a tais infortúnios, Nao, sem muitas alternativas, se tornou uma
coletora de recicláveis e, nos tempos livres, vendia bolinhos de arroz para ajudar no
orçamento familiar.
A vida de Nao foi fatidicamente marcada pela dor e sofrimento. Contudo,
frente a esse cenário de grandes provações, Nao começou a ser surpreendida com
alguns sonhos, ao que mais tarde entendeu que se tratava de mensagens divinas,
resultando posteriormente em arrebatamentos súbitos para revelações da divindade
Ushitora-no-konjin55.
Tais experiências tiveram reflexos significativos em sua vida; diz-se que
Nao passou duas semanas sem comer e mais de dois meses sem dormir. Após isso
suas possessões continuaram e ela começou a profetizar e curar, sem permitir que
isso interferisse no seu conviveu social. De uma viúva miserável, Nao se tornou uma
líder religiosa carismática. Contudo, aquilo que Ronan irá tratar como “idioma
possessional”, não era o bastante para legitimar o status de liderança de uma NRJ e
foram necessários outros elementos, como a manifestação de poderes
sobrenaturais (curas, profecias) para atestar a verdade de suas palavras.
No início, os movimentos religiosos delas seguiram o modelo organizacional das associações religiosas tradicionais chamadas Kô, as quais tinham por objetivo a veneração de divindades especiais (kami), ou Bodhisattvas. No entanto, elas se distinguiam dos Kô tradicionais, uma vez que não se ligavam a nenhum centro religioso tradicional ou a alguma rede de organizações de Kô, além de não cultuarem divindades tradicionais.
54
PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 174. 55
Ibid. pg. 172.
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Embora suas divindades tivessem origem na tradição religiosa sino-japonesa, elas apresentaram uma nova "versão" dessas divindades e enfatizaram o caráter particular das mesmas. Estas eram concebidas como divindades paternais que desejavam estar próximas da humanidade para reconstruir o mundo e "varrer o mal". Por outro lado, os movimentos dessas duas mulheres não se organizaram de maneira tão complexa estrutural ou teologicamente quanto as religiões estabelecidas (como o budismo e o xintoísmo)56.
Sobre a Oomoto e seus dogmas doutrinários, discorrer-se-á um pouco
mais na próxima parte deste capitulo, frente história e conversão de Mokiti Okada,
líder-fundador da Igreja Messiânica Mundial que após meia idade de ateísmo,
conforme ele mesmo se declarava, teve uma experiência transformadora em um
templo omotano. Tal experiência revelará as interlocuções que foram estabelecidas
entre a Oomoto e a Dai Nipon Kannon, que posteriormente passou a ser chamada
de Sekai Kyusei Kyo (Igreja messiânica Mundial – IMM)57, como iremos tratar a partir
daqui.
1.3 Mokiti Okada: do nascimento a sua conversão
No texto a seguir, além do diálogo com alguns pesquisadores da IMM, se
recuperará trechos da biografia de Mokiti Okada escrita a partir de relatos e
pesquisas feitos pelos seus seguidores58. Entende-se que os textos citados são de
suma importância, dado os apontamentos dos caminhos que Mokiti Okada percorreu
até que desenvolvesse seu arcabouço teológico, aquilo que alguns chamaram de
doutrinas. Isso, enquanto substratos das diretrizes e ações institucionais, bem como
sua lista ritualística.
1.3.1 Nascimento de Mokiti Okada
Mokiti Okada (1882 – 1955) nasceu no 14º ano da Restauração Meiji, na
cidade de Assakussa, em um bairro chamado Hashiba, em Tóquio, a beira do rio
Sumida. Este rio possuía uma relação muito profunda com a vida do povo, desde
56
Ibid. pg. 176. 57
A partir daqui usaremos a siglas IMM para fazer referencia à Igreja Messiânica Mundial. Quando tivermos a necessidade de especificarmos as atividades da igreja em solos brasileiros, usaremos a sigla IMMB – Igreja Messiânica Mundial no Brasil. 58
FMO – MOA (Ed.). Alicerce do paraíso. Vol. I a V. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, 2002 (b). pg. 231.
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tempos longínquos. No entanto, na época do nascimento de Mokiti Okada, Hashiba
estava inserido num misto entre a riqueza e a pobreza, sobre isso há o seguinte
relato de seus seguidores:
Dessa forma, na zona de primeira categoria localizada à beira do rio e nas avenidas, podiam-se avistar mansões de pessoas ricas e magníficas lojas, mas, entrando um passo nas ruas estreitas, viam-se muitas casas pobres; era o bairro do povo que lutava para sobreviver. Em frente às casas erguidas nas duas margens havia roupas estendidas, e, em volta do poço público, mulheres com crianças nas costas lavavam roupa atarefadamente, com as barras dos humildes quimonos levantadas, conversando sobre coisas mundanas, tal como a fuga de determinada família durante a noite, a subida do preço de arroz, tão exagerada que, se a pessoa não colocasse algum de seus pertences na casa de penhores, não conseguiria viver, e coisas do gênero59.
Embora a família de Mokiti Okada desfrutasse de uma escassez
financeira nos anos de seu nascimento, caracterizada pela pobreza60, nem sempre
foi assim: “no início da Era Meiji ela administrava uma casa de penhores chamada
Mussashi-ya, situada no bairro de Sanya, perto de Hashiba, e gozava de excelente
situação financeira, possuindo mais de trinta casas alugadas61”, resultando no
acúmulo de riquezas e bens do bisavô – Kizaemon – de Mokiti Okada.
Sendo Yassu – avó de Mokiti Okada –, a primogênita em uma sociedade
patriarcal, teve um casamento arranjado por seu pai Kizaemon. Ao que parece um
turista que passará por Mussashi-ya caiu na graça de Kizaemon, “seu nome
registrado na certidão de nascimento é Sashiti, mas, não se sabe por que, seu nome
aparece como Minosuke em outro registro62”. Dado ao descomprometimento com a
família, separou-se de sua esposa, resultando na concepção e criação de seu filho –
Kissaburo, pai de Mokiti Okada – sem a presença paternal.
Na família Okada, era costume antigo dar-se aos chefes da família os nomes Kizaemon e Kissaburo, alternadamente. O pai do fundador chamava-se Tokutaro, quando criança, mas após a morte de Kizaemon, ao
59
FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 73 - 74. 60
ANJOS, Emilson Soares dos. Modificações litúrgicas como expressão do processo de transplantação: divergências e convergências no ritual de funeral da Igreja Messiânica Mundial do Japão e do Brasil. [recurso eletrônico]. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica – SP, 2012. 61
FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 78. 62
Ibid. pg. 82.
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mesmo tempo em que herdou a liderança da família, trocou seu nome para Kissaburo. Era outono, e ele contava quinze anos63.
Foi necessário que Kissaburo assumisse a liderança da família dado ao
falecimento de seu avô. Sua mãe Yassu inexperiente com a gestão dos negócios da
família, bem como com a loja Mussashi-ya, legou a administração da mesma ao
gerente, e esse, por sua vez, não soube conduzir os negócios da família como
Kizaemon, resultando no início da falência da família Okada.
No esforço de se restabelecerem, Kissaburo, pai de Mokiti Okada,
pequeno comerciante64 instalou uma loja de roupas usadas e, posteriormente, uma
tamancaria, mas, não obtiveram sucesso. Ao mudarem para o bairro de Hashiba,
residiam numa casa alugada, de dois cômodos, “o local, hoje, faz parte da Sede
Metropolitana de Tóquio da Igreja Messiânica Mundial”65. Nessa época, a família era
composta pelo pai Kissaburo Okada, a mãe Tori, a irmã primogênita Shizu, seu
irmão Takejiro e ele. Dos dois cômodo