PARAÍSO TERRESTRE EM UM MUNDO DE MISERÁVEIStede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1877/2/Anderson...

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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PARAÍSO TERRESTRE EM UM MUNDO DE MISERÁVEIS: ANÁLISE DA PROPOSTA TEOLÓGICA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL NO BRASIL NA CONSTRUÇÃO DE UM PARAÍSO TERRESTRE E NA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, A PARTIR DOS ESCRITOS DE SEU LÍDER-FUNDADOR MOKITI OKADA ANDERSON DOS SANTOS ANTONIO São Bernardo do Campo 2019

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    UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

    ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

    PARAÍSO TERRESTRE

    EM UM MUNDO DE MISERÁVEIS:

    ANÁLISE DA PROPOSTA TEOLÓGICA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL NO BRASIL NA CONSTRUÇÃO DE UM PARAÍSO

    TERRESTRE E NA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, A PARTIR DOS ESCRITOS DE SEU LÍDER-FUNDADOR MOKITI OKADA

    ANDERSON DOS SANTOS ANTONIO

    São Bernardo do Campo

    2019

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    UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

    ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

    PARAÍSO TERRESTRE

    EM UM MUNDO DE MISERÁVEIS:

    ANÁLISE DA PROPOSTA TEOLÓGICA DA IGREJA MESSIÂNICA MUNDIAL NO BRASIL NA CONSTRUÇÃO DE UM PARAÍSO

    TERRESTRE E NA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, A PARTIR DOS ESCRITOS DE SEU LÍDER-FUNDADOR MOKITI OKADA

    ANDERSON DOS SANTOS ANTONIO

    Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Dr. Jung Mo Sung.

    São Bernardo do Campo

    2019

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    A dissertação de mestrado sob o título “Paraíso terrestre em um mundo de

    miseráveis: análise da proposta teológica da Igreja Messiânica Mundial no Brasil na

    construção de um paraíso terrestre e na erradicação da pobreza, a partir dos

    escritos de seu líder-fundador Mokiti Okada”, elaborada por Anderson dos Santos

    Antonio foi apresentada e aprovada em 29 de março de 2019, perante banca

    examinadora composta por Jung mo Sung (Presidente/UMESP), Lauri Emilio Wirth

    (Titular/UMESP) e Paulo Roberto Pedrozo Rocha (Titular/Faculdade Messiânica).

    __________________________________________

    Profº Drº Jung mo Sung

    Orientador e Presidente da Banca Examinadora

    __________________________________________

    Profº Drº Helmut Renders

    Coordenador do Programa de Pós-Graduação

    Programa: Ciências da Religião

    Área de Concentração: Religião, Sociedade e cultura

    Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas socioculturais

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    para Eliza Rosa dos Santos Antônio

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    Agradecimentos

    Certamente, várias pessoas fizeram parte do construto, não só dessa

    dissertação, mas da pessoa que me tornei nesses últimos anos de formação. Citar

    sistematicamente os nomes seria uma tarefa muito difícil, pra não dizer impossível.

    Contudo, quero de antemão deixar registrado, aqui, minha gratidão a todos os que

    acreditaram e me motivaram a prosseguir nas vezes que o caminho se mostrou

    intransponível.

    Iniciarei minha fala de agradecimentos a minha família, que mesmo sem

    compreenderem bem a funcionalidade dessa formação, me motivaram a não

    desistir, em especial meu pai: José Vicente Antonio, com quem tenho dividido a vida

    nos últimos anos e minha rainha/mãe Eliza Rosa dos Santos Antonio (em memória),

    que, com sua calorosa afirmação: “Deus te crie para o bem, meu filho”, tem me

    auxiliado a prosseguir a despeito de sua ausência física.

    Minha gratidão ao professor Claudio de Oliveira Ribeiro, por sua acolhida

    à Universidade Metodista de São Paulo, com quem tive a oportunidade de manter

    um diálogo prévio antes que me tornasse aluno regular do programa e tê-lo como

    orientador até o meu exame de qualificação, tendo sido desligado da instituição,

    abruptamente, um dia depois a mesma. Fato repugnante.

    Gratidão ao professor Jung Mo Jung que, desde então, aceitou caminhar

    comigo, pacientemente, na conclusão desse ciclo de formação, mostrando-me

    humanidade e comprometimento com suas provocações e reflexões. Compete

    ressaltar que o professor Jung na condição de coordenador do IEPG me acolheu na

    casa dos estudantes entre os anos de 2017 e 2018 e subsidiou o último semestre de

    prorrogação do mestrado, junto a Ana Maria Fonseca, administradora do IEPG, por

    tudo isso e muito mais minha gratidão.

    Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

    Superior (CAPES), que ao longo desse ciclo, fomentou os recursos necessários para

    que pudesse avançar na pesquisa. Gratidão a Universidade Metodista de São Paulo

    e a tod@s os professores e amig@s envolvidos, em especial os professores Lauri

    Emilio Wirth e Paulo Roberto Pedrozo Rocha (faculdade Messiânica), que aceitaram

    participar da banca examinadora de minha dissertação, sem a participação de vocês

    nada disso seria possível.

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    Cabe aqui, um adendo excepcional a minha amiga e irmã Ivna Fuchigami,

    com quem tive a oportunidade de prosear, não poucas vezes, e receber instruções

    preciosíssimas para essa dissertação. Um abraço caloroso aos meus amig@s que

    dividiram a casa dos estudantes comigo, tornando possível uma convivência fraterna

    e harmoniosa, que resultou no grupo de WhatsApp: “Muro das lamentações”. Sem

    os ombros de vocês pra chorar a vida teria sido bem mais difícil.

    Gratidão ao meu amigo/irmão Marco Aurélio Moura que cuidadosamente

    se debruçou sobre o texto, com o olhar atento, na revisão ortográfica, provando que

    a conjugação do verbo esperançar é possível em dias nebulosos.

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    A paz inquieta

    Dá-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta Que denuncia a PAZ dos cemitérios

    E a PAZ dos lucros fartos

    Dá-nos a PAZ que luta pela PAZ! A PAZ que nos sacode

    Com a urgência do Reino. A PAZ que nos invade,

    Com o vento do Espírito, A rotina e o medo,

    O sossego das praias E a oração de refúgio.

    A PAZ das armas rotas Na derrota das armas.

    A PAZ do pão da fome de justiça, A PAZ da liberdade conquistada,

    A PAZ que se faz “nossa” Sem cercas nem fronteiras,

    Que é tanto “Shalon” como “salam”, Perdão, retorno, abraço...

    Dá-nos a tua PAZ, Essa PAZ marginal que soletra em Belém

    E agoniza na Cruz E triunfa na Páscoa.

    Dai-nos, Senhor, aquela PAZ inquieta,

    Que não nos deixa em PAZ!

    Pedro Casaldáliga.

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    “A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riquezas, produz ricos”.

    Mia Couto

    “A falta de comida mata o corpo. A falta de olhar mata a alma”. Jung Mo Sung

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    ANTONIO, Anderson dos Santos. Paraíso terrestre em um mundo de miseráveis: análise da proposta teológica da Igreja Messiânica Mundial no Brasil na construção de um paraíso terrestre e na erradicação da pobreza, a partir dos escritos de seu líder-fundador Mokiti Okada. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2019. Resumo – Mokiti Okada (1882–1955), líder e fundador da Igreja Messiânica Mundial, após receber uma série de revelações escatológicas (1926), assumiu uma missão estritamente radical. Esta missão consistia em difundir ensinamentos que possibilitem transformar o mundo em um paraíso terrestre, que seria conformado pela verdade, o bem e o belo. Desde então, Mokiti Okada assume o compromisso de transfazer não só a natureza, mas também homens e mulheres em seres paradisíacos. A prática desta missão resultou na construção de três solos sagrados no Japão. Cada um destes protótipos assumiu uma peculiaridade no plano de salvação oferecido pela teologia da Igreja Messiânica Mundial, tornando-se modelos para a construção em outros lugares do mundo, como é o caso do Solo Sagrado do Guarapiranga, em São Paulo. Tais protótipos sugerem um mundo de beleza, arte e felicidade, como um ideal de sociedade. A presente pesquisa se propõe analisar a proposta de construção desse mundo paradisíaco presente no escopo teológico da Igreja Messiânica Mundial nos dias hodiernos, uma vez que o mundo, sobretudo os países subdesenvolvidos, está inserido em uma proposital estratificação social. Ou seja, nos propomos identificar os elementos que influenciaram Mokiti Okada a propor a prática do johrei, da agricultura natural e do belo, entendidos como pilares de salvação para teologia da Igreja Messiânica Mundial e, como essas práticas contribuem com a transformação do mundo atual, em um paraíso terrestre e como eles podem contribuir com a extinção das doenças, da pobreza e dos conflitos. Palavras chaves: Paraíso Terrestre, Pobreza, Teologia da Igreja Messiânica Mundial, Mokiti Okada.

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    ANTONIO, Anderson dos Santos. Paradise terrestrial in a miserable world of: analysis of the theological proposal of the World Messianic Church in Brazil in the construction of paradise terrestrial and the eradication of poverty, from the writings of its founder-leader Mokiti Okada. São Bernardo do Campo, Methodist University of São Paulo, 2019. Abstract – Mokiti Okada (1882 – 1995), leader and founder of Mundial Messianic Church, after receive a serie of scatologic revelations (1926), assumed a mission strictly radical. This mission consists in disseminate teaching that can change the world in a earthly Paradise, that was conformed with the truth, the good and beautiful. Since when, Mokiti Okada assumes the commitement to transform the nature and men and women in paradisiacal individuals. The practice of this mission resulted in na construction of three sacred soil in Japan. Each one of these prototypes assumed a pecualiarity in the salvation plan offered by the theology of Mundial Messianic Church, changing itselves in models to the construction in other places of the world, as in the case of Solo Sagrado do Guarapiranga, in São Paulo. This prototypes suggests a world of attractiveness, art and happiness, as a ideal Society. This search proposes to analyse the proposal of construction of this earthly Paradise that is in the theological scope of the Mundial Messianic Church nowadays, once that the world, above all the undeveloped countries is in the social strafication. In other words, we purpose to identify the elements that influenced Mokiti Okada to purpose the practice of the johrei, of the natural agriculture and beautiful, understanding as the pillars that contribute to the transformation of the world, actual, in a earthly Paradise as they could contribute with the extinction of the diseases, the poverty and conflits. Key words: Earthly Paradise, Poverty, Mundial Messianic Church Theology, Mokiti Okada

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    Sumário Introdução ................................................................................................ 14

    1. Sociedade, cultura e religião uma experiência simbiótica ............... 18

    1.1 Contextualizando a história – Xogunato Tokugawa (Era Edo) ..... 18

    1.1.1 Restauração Meiji (1868 – 1912) ........................................... 19

    a. Aspectos Políticos e Militares ..................................................... 20

    b. Aspectos Econômicos ................................................................. 21

    c. Aspectos Educacionais ............................................................... 23

    d. Aspectos Religiosos .................................................................... 24

    1.1.2 Era Taisho (1912 – 1926) ............................................................ 24

    1.1.3 Era Shôwa (1926 – 1989) ............................................................ 25

    1.2 O cenário religioso no Japão na Era Meiji ....................................... 28

    1.2.1 Xintoísmo ................................................................................... 29

    1.2.2 Budismo ..................................................................................... 31

    1.2.3 Cristianismo ............................................................................... 33

    1.2.4 Novas Religiões Japonesas ...................................................... 33

    a. Tenrikyô ...................................................................................... 34

    b. Oomoto ....................................................................................... 37

    1.3 Mokiti Okada: do nascimento a sua conversão ............................... 39

    1.3.1 Nascimento de Mokiti Okada ..................................................... 39

    1.3.2 Educação de Mokiti Okada ........................................................ 42

    1.3.3 Juventude de Mokiti Okada ....................................................... 44

    1.3.4 Vida adulta de Mokiti Okada – Trabalho e Casamento .............. 48

    1.3.5 Saúde de Mokiti Okada ............................................................. 50

    1.3.6 A conversão religiosa de Mokiti Okada ...................................... 52

    2. Mokiti Okada e a Sekai Kyusei Kyo (Igreja Messiânica Mundial) .... 55

    2.1 Japão: crises nacionais e internacionais ...................................... 55

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    2.2 A Oomoto e sua influência a teologia da IMM .............................. 59

    2.3 Inicio das atividades religiosas de Mokiti Okada .......................... 64

    2.3.1 Dai Nipon Kannon Kai (Associação Kannon do Grande Japão)

    66

    2.3.2 Mokiti Okada: Religioso ou Terapeuta? ................................. 69

    2.3.3 A instituição da Sekai Kyusei Kyo (Igreja Messiânica Mundial)

    71

    2.4 Por uma compreensão da proposta messiânica de Paraíso

    Terrestre 73

    2.5 Protótipos do paraíso terrestre ..................................................... 78

    2.5.1 Protótipo de Hakone – Shinsen-Kyo (Terra Divina) ............... 79

    2.5.2 Protótipo de Atami – Zuiun-Kyo (Terra Celestial) ................... 79

    2.5.3 Protótipo de Kyoto – Heian-Kyo (Terra da Tranquilidade) ..... 80

    3. Igreja Messiânica Mundial no Brasil (IMMB) e suas peculiaridades

    na proposta do paraíso terrestre ............................................................................... 81

    3.1 Inicio das imigrações nipônicas em solo brasileiro ....................... 81

    3.2 Introdução das religiões japonesas no Brasil ............................... 84

    3.2.1 Primeiro Período (1908 – 1920) ............................................. 84

    3.2.2 Segundo Período (1920 – 1930) ............................................ 84

    3.2.3 Terceiro Período (1930 – 1950) ............................................. 85

    3.2.4 Quarto Período (1950 até os dias atuais) .............................. 86

    3.3 Lançando luz a discussão: uma proposta peculiar ....................... 87

    3.4 Igreja Messiânica Mundial no Brasil (IMMB) e sua proposta de

    paraíso terrestre .................................................................................................... 89

    3.4.1 Proposta de paraíso terrestre da IMMB ................................. 95

    3.4.2 O problema da pobreza na teologia da IMM .......................... 99

    3.5 Teologia da Libertação – Um modelo de ação preferencial pelos

    pobres 103

  • 13

    3.5.1 Por uma definição de pobreza: lançando luz à temática. ..... 104

    3.5.2 Contextualização e apontamentos da Teologia da Libertação

    107

    3.5.3 Quais são as possíveis convergências políticas da Teologia da

    Libertação? 112

    Considerações finais .............................................................................. 115

    Referencial Bibliográfico ......................................................................... 117

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    Introdução

    A Igreja Messiânica Mundial no Brasil (IMMB) e/ou simplesmente Igreja

    Messiânica Mundial (IMM) faz parte das novas religiões japonesas (NRJ). A mesma

    foi fundada por Mokiti Okada (1882 – 1955) em “1º de janeiro de 1935, com a

    denominação Dai Nippon Kannon Kai – tradução literal: Associação Kannon do

    Grande Japão”1. A época foi marcada pela oposição e perseguição do governo a

    qualquer expressão de fé distante do xintoísmo. Logo, houve a necessidade de um

    nome genérico que não caracterizasse as atividades institucionais como religiosas.

    Posteriormente, teve seu nome alterado para Igreja Messiânica Mundial, oficializado

    em 4 de fevereiro de 1950.

    Na maioria dos textos institucionais e nas principais obras literárias da

    IMM, 1º de janeiro de 1935 figura, geralmente, como a data oficial de fundação da

    Igreja Messiânica Mundial. Entretanto, a Igreja Messiânica Mundial (Sekai Meshiya

    Kyo) só foi instituída, de fato, em 4 de fevereiro de 1950, sendo que, em 1957,

    finalmente, tivera seu nome modificado para Sekai Kyusei Kyo, permanecendo

    inalterado até hoje. A data 1º de janeiro de 1935 se refere, na verdade, ao ano de

    instituição da Dai Nippon Kannon Kai (literalmente, Associação Kannon do Grande

    Japão), a primeira instituição de cunho religioso fundada por Mokiti Okada. Tal

    abordagem, por parte da IMM, sobre estas datas, parece ser intencional e didática.

    No entanto, do ponto de vista histórico-crítico, tal recurso pode causar nos leitores

    menos atentos a falsa impressão de que a IMM já nasceu “pronta”. Todavia, essa

    noção de “acabado” é uma das ideias menos apropriadas para caracterizar a obra

    de Mokiti Okada em qualquer tempo, pois ela é marcada pelo dinamismo e pela

    evolução2.

    O principal objetivo da Igreja Messiânica Mundial é o de transfazer o

    mundo num lugar paradisíaco. Entendendo-se por paradisíaco um mundo

    extremamente civilizado, onde as pessoas são elevadas na sua vida material, ou

    seja, livres de pobreza. Profissionalmente, livres das desigualdades escandalosas.

    E em sua saúde, livres de enfermidades.

    1 TOMITA, Andréa Gomes Santiago. Religiões Japonesas e a Igreja Messiânica no Brasil: integração

    religiosa e cultural. São Paulo: Fonte Editorial, 2014. pg. 25. 2 RAFFO, Geórgia Branquinho de Oliveira. A “localização” institucional da Igreja Messiânica Mundial:

    uma abordagem a partir da teoria da mundialização [recurso eletrônico]. São Paulo: FFLCH, 2014. pg. 30.

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    Para compreender melhor a missão da IMM, considera-se importante o

    contexto socioeconômico, político e cultural de seu líder fundador a fim de descobrir

    os elementos que o influenciaram na construção de seu arcabouço teológico. Para

    isso, utilizar-se-á a coleção Luz do Oriente3, que se propõe a discorrer sobre a

    história de Mokiti Okada, não só na vida religiosa, mas nela como um todo. Como

    ele mesmo havia previsto, em breve será iniciada a pesquisa sobre Mokiti Okada,

    segundo testemunho de sua filha, Itsuki Okada, no prefacio do primeiro volume da

    Luz do Oriente.

    Nesse sentido se propôs a percorrer rapidamente os períodos que Mokiti

    Okada viveu, a saber: Era Meiji (1868 – 1912), Era Taisho (1912 – 1926) e Era

    Shôwa (1926 – 1989).

    Posteriormente, entende-se necessária a discrição do cenário religioso da

    época – onde o Japão começou a experimentar aquilo que estamos chamando de

    modernização, ficando conhecida como Restauração Meiji – composto por uma série

    de variantes que irá, desde as religiões tradicionais, ou mais antigas em termos de

    difusão nacional, a saber: o xintoísmo e o budismo, tendo acrescido, posteriormente,

    o cristianismo, até chegarmos as NRJ da qual a IMM também faz parte.

    Finalizar-se-á o primeiro capítulo, retomando a história de Mokiti Okada,

    fundador da IMM, desde seu nascimento, até sua conversão religiosa, fato que ele

    chamou de segundo nascimento. Isso no esforço de resgatar os principais

    elementos que o influenciaram a propor em seu arcabouço teológico a construção

    de um paraíso terrestre.

    No segundo capítulo, nos propôs-se a compreender a formação da IMM,

    desde seu contexto socioeconômico, político, militar e cultural. Uma vez que Mokiti

    Okada encontrou muita resistência por parte das autoridades da época, se tornando

    alvo de intensas perseguições, chegando a ficar recluso de sua liberdade. Interessa

    saber como um homem que até a meia idade se declarava ateu, assumiu a liderança

    de uma instituição religiosa com uma proposta tão arrojada? Sem dúvidas houve

    outras religiões que o influenciaram, sendo a principal, a Oomoto, fundada por Nao

    Deguchi,

    3 A coletânea de livros Luz do Oriente tratasse de um conjunto de textos didáticos de memórias dos

    discípulos de Mokiti Okada sobre sua vida, obra e missão. A IMM é de suma importância, mas não tem o rigor metodológico da academia.

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    Como se observou acima, a IMM não nasceu pronta, passou por um

    longo período de experimento e maturação até poder ser reconhecida como Sekai

    Kyusei Kyo (Igreja Messiânica Mundial). Frente aos dissabores com as autoridades da

    época, o fundador da IMM, encontrou a alternativa de desenvolver suas atividades

    como terapeuta, uma vez que sua principal atuação estava relacionada ao Johrei.

    Decorrido os anos, pouco a pouco Mokiti Okada foi construindo aquilo que

    compreendemos por arcabouço da teologia da IMM. Cuja principal finalidade é

    transformar o mundo num paraíso terrestre, não só o mundo mais as pessoas em

    seres paradisíacos. Isso se mostra possível, segundo a teologia da IMM, por meio

    dos três pilares de salvação, a saber, o Johrei, a agricultura natural e o belo.

    Convicto da missão recebida, Mokiti Okada começou a trabalhar na

    construção de protótipos que representassem tudo aquilo que, ideologicamente,

    compreendia como características do paraíso terrestre, sendo os três primeiros

    construídos por ele, no Japão, como descritos a seguir: Protótipo de Hakone (Terra

    Divina); Protótipo de Atami (Terra Celestial) e Protótipo de Kyoto (Terra da

    tranquilidade).

    Por fim, no terceiro capitulo, se propôs a compreender a atuação da IMM

    no Brasil. Desde a chegada dos primeiros membros em solo brasileiro, que

    migraram na condição de camponeses, afim de trabalharem nos cafezais brasileiros.

    Isso em 1955, ano que marca o falecimento do líder fundador da IMM, Mokiti Okada.

    Com isso, nosso esforço é compreender como que essa imigração nipônica se deu,

    e as peculiaridades dos diferentes períodos constituintes, a começar por 1908.

    Nesse ponto, interessa não só o contexto migratório dos japoneses ao

    Brasil, de onde ocasionou a chegada dos primeiros membros da IMM, responsáveis

    por difundir os pensamentos de Mokiti Okada em solo brasileiro, mas também

    compreender as peculiaridades que a IMMB assumiu nessa proposta de construção

    do paraíso terrestre.

    Por fim, apresentar-se-á outro modelo teológico que se propõe, não só a

    pensar, mas estimular seus crentes a construírem uma sociedade diferente, na qual

    as diferenças sejam dirimidas e os oprimidos tenham suas vozes ouvidas, no grito

    incessante por equidade. Essa corrente teológica se propõe a caminhar ao lado dos

    pobres – teologia latina americana da libertação – assumindo o compromisso de

    rezar por um reino de paz, saúde e justiça, a saber, o Reino de Deus.

  • 17

    É interessante o fato de como duas correntes teológicas, relativamente

    novas no contexto latino americano, podem contribuir e/ou influenciar, uma à outra,

    nesse refazer social, uma vez que ambas entendem uma obscuridade num sistema

    que trata as pessoas como coisas e degraus para uma pequenina massa abastada.

    A esperança é que esse trabalho possa contribuir minimamente com a reflexão dos

    que se propõem a pensar outro mundo, que não esse, onde todos tenham o que

    comer e possam viver dignamente.

  • 18

    1. Sociedade, cultura e religião uma experiência simbiótica

    1.1 Contextualizando a história – Xogunato Tokugawa (Era Edo)

    Durante o período Edo, conhecido também como regime Tokugawa (1603

    – 1868), o país conheceu a paz durante mais de dois séculos, devido ao xogunato4

    Tokugawa. Enquanto a revolução industrial se configurava em países como

    Inglaterra, França, Espanha e Portugal em meados do século XVIII, o Japão

    manteve fechados os portos para nações estrangeiras e proibiu a difusão do

    cristianismo – reinvindicação dos sacerdotes xintoísta e monges budistas – seguindo

    um estilo de vida peculiar, sem intervenções externas, principal característica do

    governo Tokugawa.

    A família Tokugawa adotou medidas rígidas e conservadoras para seu

    plano de governo, tendo como uma das principais medidas, a classificação feudal –

    entendendo-se por senhores feudais: “samurais com feudos superiores a 10 mil

    koku – medida para indicar a receita obtida pelos daimiôs (senhores feudais) em

    sacas de arroz”.5 Tal classificação foi estabelecida na seguinte ondem: Shinpan

    (daimiôs que tivessem ligação consanguínea com a família Tokugawa); Fudai

    (daimiôs que se mantiveram fiéis aos serviços à família Tokugawa por gerações) e

    os Tozama (daimiôs que se constituíram oposição – inimigos – da família

    Tokugawa).

    Por outro lado, foi estabelecido aos súditos dos daimiôs, outra

    subdivisão, sendo ela: os hatamoto (samurais que tinham acesso aos xoguns) e os

    gokenin (samurais que não tinham acesso aos xoguns). Dessa forma, o período Edo

    ficou dividido em classes sociais distintas, a saber: samurais, agricultores, artesões e

    comerciantes.

    A queda do xogunato Tokugawa foi provocada por uma série de fatores

    sucedidos, paulatinamente, pelas inúmeras administrações dos xoguns que nem

    sempre foram eficazes. Dificuldades internas – como o aumento do número de

    4 Sistema de governo predominantemente no Japão de 1192 a 1867, baseado na crescente

    autoridade do xógum, supremo líder militar, que terminara por submeter até mesmo a autoridade do imperador. A retomada do poder imperial determinou o enceramento do feudalismo japonês baseado no xogunato, a abertura do país ao exterior e o inicio de sua ocidentalização. 5 KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg.

    156.

  • 19

    rônins (samurais sem senhores); a insatisfação com a ordem social conservadora; a

    instabilidade emocional da população; a alta no preço dos alimentos – e a principal

    dificuldade externa, que consistia na pressão dos países vizinhos forçando o Japão

    a abrir seus portos e fazer alianças comerciais e, consequentemente, política com

    nações estrangeiras. Todos esses fatores foram responsáveis para o

    desencadeamento da onda de revoltas em todo Japão, resultando na renúncia do

    décimo quinto xogum, Yamauchi Tokugawa6.

    1.1.1 Restauração Meiji (1868 – 1912)

    Mokiti Okada nasceu em uma fase de transições nacionais, a saber: a

    restauração Meiji. Por restauração Meiji entende-se à grande reforma política,

    econômica, militar e educacional, que com a pressão das grandes potências

    capitalistas, derrubou o sistema feudal e instaurou o sistema capitalista japonês

    originando uma nação imperial moderna que durou de 1868 a 1912. A expressão

    ‘revolução’ foi evitada, porque a reforma foi realizada por militares, samurais do

    sistema feudal pertencentes a categorias inferiores, e não pelas camadas populares.

    Essa modernização, influenciada pelo Ocidente, provocou alterações sociais,

    econômicas e culturais em todo o Japão.

    A restauração Meiji marca o início da história moderna do Japão,

    fechando o ciclo medieval que durara 655 anos. O Japão expande suas alianças

    com outros países buscando aceleradamente atualizar-se com as conquistas

    culturais do Ocidente, do qual se manteve distante por mais de dois séculos.

    Embora a ocidentalização tenha sido constatada no Japão em Meiji

    devido às pressões de países externos, como vimos a pouco, não podemos

    desconsiderar as estratégias do governo Meiji em preservar princípios da cultura

    japonesa, através da figura do imperador e sua linhagem oligarca. Pois, ao se

    apropriarem da sacralidade imperial, utilizaram um importante elemento para a

    formação do sentimento de pertencimento da coletividade, uma vez que estavam

    próximos das crenças elementares da sociedade mítica japonesa7.

    6 Ibid. pg. 156 – 187.

    7 OMENA, Luciane Munhoz; SILVA, Altino Silveira. O Estado Meiji e a religião shintô: As dimensões

    políticas contidas nas crenças e valores xintoístas para a formação da estrutura do Estado e do patriotismo japonês. Revista Nures nº 9 – Maio/Setembro 2008 – http://www.pucsp.br/revistanures. Núcleo de Estudos Religião e Sociedade – Pontifícia Universidade Católica – SP.

    http://www.pucsp.br/revistanures

  • 20

    a. Aspectos Políticos e Militares

    Uma boa parte “dos historiadores que se ocuparam da Restauração Meiji

    são unânimes em torná-la, ao pé da letra, como ela de fato foi, uma devolução do

    governo à família imperial”8. Logo, uma das principais características do novo

    modelo de governo, na restauração Meiji, foi a centralização política em torno da

    figura do imperador, reorganizando a estrutura do país em províncias com seus

    respectivos governadores. Sendo assim, é possível entendê-la – restauração Meiji –

    em paralelo às realidades que outros países haviam vivido, como a descrição a

    seguir nos sugeri:

    Muitos a comparam e tentaram aproximá-la de acontecimentos análogos da história ocidental, às grandes revoluções que caracterizaram a Idade moderna, pondo fim ao medievalismo e trazendo para o primeiro plano o Estado central unificado, o nacionalismo, a democracia e a urgência de atualização cultural, como imperativo de sobrevivência em um mundo de aproximações, confrontos e conflitos cada vez mais amplos e mais decisivos9.

    A Restauração Meiji pode ser sintetizada – mas não diminuída de sua

    importância e valor a história japonesa – rapidamente em alguns aspectos históricos,

    que se tornaram marcadores desse período. Talvez o principal fator a contribuir com

    a Restauração Meiji tenha sido a ameaça do poder militar estrangeiro ao regime,

    forçando as autoridades japonesas a assinarem o tratado de Kanagawa.

    Com a assinatura do tratado de Kanagawa em 31 de março de 185410, o

    xogunato que tinham como definição literal: “o general que expulsa os bárbaros11”,

    perde completamente a credibilidade diante do povo ao fazer alianças com os EUA e

    posteriormente com a Europa. Em 1853 o almirante Matthew Calbraith Perry ancora

    em águas territoriais do Japão e, a partir de 1854, o país é forçado a se abrir pelos

    8 BARROS, Benedicto Ferri de. Japão a harmonia dos contrários: uma experiência humana singular.

    São Paulo, T. A. Queiroz, editor, 1988. pg. 37 – 39. 9 Ibid, pg. 37.

    10 KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009.

    pg. 175. 11

    ZIERER, Otto. Pequena história das grandes nações: Japão. São Paulo, Circulo do Livro, 1988. pg. 87.

  • 21

    “acordos” impostos pelos ocidentais e, torna-se evidente para os japoneses que o

    xogunato se achava impotente para preservar o Japão das ameaças externas12.

    Simbolicamente o imperador se transfere de Kyoto, que fora a sede da

    corte desde o século VIII, para Tokyo, que era a sede do governo do Xogunato.

    Inicia-se então a Restauração Meiji, que tem o objetivo, por meios de tratados

    políticos, de enriquecer o país e fortalecer o exército; levar a ilustração nacional,

    enfatizando entre os intelectuais o estudo e a difusão das tradições nacionais,

    especialmente o xintoísmo; e motiva um maciço esforço nipônico de absorção de

    conhecimentos técnicos, intelectuais e filosóficos ocidentais. Tudo isso sinaliza o

    esforço da política nacional, simbolizada pela figura do imperador e pelos valores

    nipônicos, apontando para o esforço japonês de colocar o país a altura do mundo

    moderno, sem perder sua identidade. O grande esforço do governo Meiji em atingir

    esses objetivos fica nítido nos ofícios dirigidos às forças armadas japonesas e aos

    envolvidos nos processos de formações técnicas e educacionais13.

    Toshimichi Ôkubo – imperador – em 14 de março de 1868, inspirado no

    modelo americano, decidiu instituir no país os três poderes civis, a saber, o

    judiciário, o executivo e o legislativo, estabelecendo assim diretrizes introdutórias a

    seu governo, como: a) a promoção de assembleias frente às questões de interesses

    públicos; b) a busca por acordos que atendessem comumente as decisões

    governamentais; c) incorporação de responsabilidade individual de todos os

    cidadãos frente suas obrigações, afim de não sobrecarregar ninguém; d)

    encorajamento ao abandono dos costumes restritivos, a fim de estimular novos

    hábitos; e) a procura de referências (internas e externas) para o crescimento e

    enriquecimento do país14.

    b. Aspectos Econômicos

    Segundo José Yamashiro, a principal fonte de giro econômica japonesa

    sempre foi o plantio. Tanto no governo dos Tokugawas (período Edo), como no novo

    modelo que se inicia a partir de 1868, a saber, a Restauração Meiji, a lavoura

    12

    KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 174 – 176. 13

    BARROS, Benedicto Ferri de. Japão a harmonia dos contrários: uma experiência humana singular. São Paulo, T. A. Queiroz, editor, 1988. pg. 37 – 39. 14

    KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 209 – 211.

  • 22

    mostrou-se eficaz no estimulo econômico do país. Contudo, o surgimento das

    primeiras indústrias – das quais os principais seguimentos iniciais foram fiação e

    tecelagem – e as mineradoras de carvão, ferro, ouro e prata, com suas respectivas

    fundições também contribuíram significativamente com o desenvolvimento da

    economia do país em Meiji.

    Com essas novas realidades que se formam no cenário nacional e são

    introduzidas no Japão, as indústrias ganham impulso novo com a introdução de

    maquinas e técnicas ocidentais”15.

    O imperador e seus governantes visando a segurança e o

    reconhecimento nacional dos países vizinhos apostam significativamente no

    processo de industrialização para a modernização do país, bem como o crescimento

    da economia. A mão de obra industrial torna-se com isso indispensável frente a

    esses objetivos, sendo alimentadas pelo deslocamento das áreas rurais para as

    cidades que recebiam essas novas indústrias. O capital se movimenta em sua

    grande parte de poupanças existentes nos meios agrícolas (dos lavradores

    abastados), comerciais e financeiros, e também se obtém através de empréstimos

    estrangeiros e financiamentos oficiais.

    Com isso, o reordenamento das classes sociais – que dado aos

    infortúnios econômicos, baniu inclusive os samurais de classes inferiores, mas

    manteve a aristocracia da corte, que recebiam tributos em mantimentos e dinheiro

    do povo; inicialmente mensais, e depois, dado às dificuldades financeiras, anuais –

    se mostrou indispensável. A crise econômica fez com que o imperador, como

    medida emergencial, autorizasse aos camponeses a compra e venda de terras,

    recolhendo 3% do valor como imposto. Muitos, por não conseguirem pagar,

    perdiam-nas16.

    No exercício de modernização, o imperador contou com a experiência

    administrativa dos samurais (senhores feudais do período Edo). Deles surgem as

    pessoas mais abastadas da população nipônica em Meiji, os políticos, funcionários

    administrativos dos órgãos públicos, bem como os fundadores e diretores das

    grandes empresas privadas. Acreditava-se que não havia uma classe mais

    competente para tais atribuições do que os samurais, por causa do seu elevado grau

    15

    YAMASHIRO, José. História dos Samurais. São Paulo, Massao Ohno, 1982. pg. 217. 16

    KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 196 – 198.

  • 23

    educacional e a habilidade com o sistema financeiro, considerado, em épocas

    anteriores à Restauração Meiji, como adiantadas para época, tendo papéis como

    títulos de créditos e letras de câmbios ou equivalentes.

    Coube ao imperador recorrer a auxílios externos – com a abertura dos

    portos, ouro e prata escoam em boa quantidade para mercados externos. Ao mesmo

    tempo, os japoneses adquirem e desenvolvem um irresistível gosto por artigos

    importados – fazendo-se necessário a imigração de vários profissionais para

    transferirem a tecnologia e o conhecimento humanístico ocidental, resultando na

    construção de fábricas com administração estatal, ampliando suas atividades para

    os ramos da indústria de fiação, ferrovia e comunicação. A soma de todos esses

    fatores corroborou para o aumento do crescimento da proletarização da população.

    Essas medidas foram importantes tanto para o propósito de fomento do

    capitalismo internacional, quanto também para preservarem as tradicionais

    indústrias artesanais da destruição, diante da invasão dos produtos fabricados pelos

    poderosos polos fabris do ocidente17.

    Uma vez que a modernização se mostrou em trânsito no governo Meiji,

    principalmente com a expansão da indústria nacional, fizeram-se necessárias novas

    técnicas, não só na industrialização do país, mas em outros seguimentos como a

    agricultura, a pesca e a cultura. Para tal era necessário a adesão das tecnologias

    alheias. O custo de tal investimento só poderia ser pago pelos cofres estatais, que

    traziam especialistas de vários seguimentos, como também enviava nativos para

    outros países a fim de adquirirem suas expertises.

    c. Aspectos Educacionais

    A influência ocidental europeia – Alemanha, França e Inglaterra – não se

    deu simplesmente nas corporações empresariais, mas abrangeu a reestruturação da

    segurança pública e educacional da nação, sendo instituindo o serviço militar

    obrigatório aos homens e educacional a todas as crianças a partir dos seis anos.

    Essa medida educacional foi um divisor de águas às mulheres japonesas,

    que também experimentavam das desigualdades de gênero da época, uma vez que

    “as leis civis da Era Meiji eram de patriarcado absoluto”. Isso fez com que diversas

    17

    YAMASHIRO, José. História dos Samurais. São Paulo, Massao Ohno, 1982. pg. 217 – 219.

  • 24

    mulheres fossem estimuladas a lutar pela libertação do jugo masculino. Através da

    literatura, diversas mulheres – como: Hideko Fukuda (1865 – 1927), Raichô

    Hiratsuka (1886 – 1971) entre outras – começaram a denunciar os abusos ao

    mesmo tempo em que se empoderavam, lutando pela igualdade social das

    mulheres.

    d. Aspectos Religiosos

    Talvez uma das medidas mais radicais do governo Meiji na preservação

    da tradição japonesa tenha sido oficializar o xintoísmo como religião oficial do

    Estado18, silenciando outras expressões de fé, inclusive o budismo, ocasionando

    perseguições sistemáticas e a queima de inúmeros templos e imagens búdicas.

    A política de se congregar o xintoísmo e o budismo, existente desde a Era Edo, resultou no xintoísmo estatal (kokka shintô). Por isso, os adeptos do budismo foram perseguidos, inúmeros templos incendiados ou destruídos e imagens búdicas históricas danificadas ou vendidas. Por outro lado, estes acontecimentos proporcionaram uma chance de o budismo renascer como uma religião moderna. A partir de 1873, com o fim da proibição do cristianismo, e de 1889, com a liberdade religiosa reconhecida legalmente, muitas religiões se empenharam em sua modernização19.

    Analisar-se-á com mais cuidado a efervescência religiosa que se mostrou

    uma crescente na Restauração Meiji, na segunda parte deste capitulo, quando nos

    debruçaremos sobre as novas religiões japonesas.

    1.1.2 Era Taisho (1912 – 1926)

    Com a morte do imperador Meiji, o príncipe Yoshihito torna-se o novo

    imperador do Japão, dando início à era Taisho, que significa: “O Céu aceitará as

    palavras do povo e a política será conduzida com correção”20, sinalização de uma

    pretensa democracia.

    18

    ZIERER, Otto. Pequena história das grandes nações: Japão. São Paulo, Circulo do Livro, 1988. pg. 96. 19

    KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 199. 20

    Ibid, p. 224

  • 25

    Por se aliar a Inglaterra, em 1914, o Japão se envolve na guerra, que se

    consagraria como a primeira guerra mundial. Tendo como motor o grande aumento

    das exportações para a Europa – na construção naval, têxtil, férrea e de aços em

    geral – a situação econômica do Japão tornou-se extremamente estável, sendo

    incluso às cinco maiores economias mundiais, transformando-se numa potência

    imperialista. A indústria de construção naval desenvolveu-se pela escassez mundial

    de navios para o transporte de materiais de guerra, alcançando o Japão a terceira

    posição nesse setor, atrás da Inglaterra e dos EUA. Em 1920, o Japão começou a

    fazer parte da Liga das Nações.

    Desde a Era Meiji, o governo assumiu medidas coercitivas com relação

    aos movimentos pelos direitos civis, proibindo reuniões e censurando jornais e

    semanários. Com o surgimento dos movimentos socialistas na segunda metade da

    Era Meiji, a repressão mudou seu alvo. Em 1922, o Partido Comunista Japonês

    formou-se clandestinamente. Temendo a infiltração do comunismo, o governo, em

    1925, instituiu a Lei de Segurança Pública que penalizava os que criticavam o

    sistema de propriedade privada.

    O terremoto de Kanto (que abrangia Tóquio e províncias vizinhas) de

    1923 assumiu uma singularidade por deixar 140 mil mortos e desaparecidos e 700

    mil residências destruídas. Em toda a região, foram 3,4 milhões de vítimas. Muitos

    bancos foram à falência por causa da crise econômica. O medo provocado pela

    crise econômica marcou o início da ascensão do exército que levaria o país à

    Guerra da Manchúria e à passagem para período militarista até 1945, dando

    passagem para o envolvimento dos japoneses a segunda guerra mundial.

    1.1.3 Era Shôwa (1926 – 1989)

    A era Shôwa que se compreende como os anos (1926 – 1989) foi

    marcada por dois grandes acontecimentos sociais – externos e internos ao Japão. O

    primeiro marco foi econômico, a crise que ficou conhecida mundialmente como: O

    Craque de Wall Street e/ou Grande Pânico afetando todos os países capitalistas,

    inclusive o Japão. Muitas empresas foram à falência, o número de pessoas

    desempregadas aumentou exponencialmente, tanto o meio urbano como o rural

    experimentaram dissabores irreparáveis, dado a queda de valores. Como se não

    bastasse, em 1931, um fenômeno natural assolou o campo: o frio excessivo causou

  • 26

    baixa na colheita e a situação agravou-se de tal modo que pais chegaram a

    venderem suas filhas em troca de comida. Enquanto isso, as grandes corporações

    financeiras, como Mitsui, Mitsubishi e Sumitomo, dado a influência e poder

    monetário, desfrutavam de uma ascensão política e econômica.

    O segundo marco nasce dos descontentamentos socioeconômicos em

    que os japoneses estavam inseridos. Com isso os militares convenceram o povo de

    que deveriam expandir seus territórios geográficos, invadindo a China. Esse duelo

    sino-japonês seria só o início de um longo período de guerra que, a princípio,

    envolvia os dois países, mas posteriormente ganharia fôlego com a expansão de

    outras potencias como a Alemanha, Itália e os EUA, chegando finalmente à segunda

    guerra mundial21.

    Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha de Hitler invade a Polônia. Dois dias depois, a Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha, transformando, novamente, a Europa em campo de batalha. Inicia-se dessa forma a Segunda Guerra Mundial que causou sequelas estarrecedoras à humanidade. Enquanto isso, as tropas japonesas enfrentavam dificuldade na China devido à resistência do povo. Sob suspeita de que a força de resistência chinesa estivesse recebendo apoio dos EUA e da Inglaterra via países do Sudeste Asiático, o governo japonês passa a cogitar em dominar toda essa região, aliando-se à Alemanha e Itália – potencias do Eixo22.

    Dado essas alianças – por um lado os chineses aliados com os

    americanos, ingleses, franceses e russos; por outro, os japoneses aliados com a

    Alemanha e Itália – o Japão passou a ser alvo de constantes ataques aéreos,

    resultando na morte de milhares de pessoas diariamente. O ataque americano

    culminou com a bomba atômica lançada sobre a cidade de Hiroshima e de Nagasaki

    em 6 e 9 de agosto, respectivamente, induzindo a rendição japonesa no dia 15 de

    agosto de 1945. Os ataques americanos em Hiroshima e Nagasaki resultaram na

    morte de 200 mil e 140 mil pessoas, respectivamente. Já perto do fim da guerra,

    muitos morreram vítimas das bombas lançadas pela aviação B-29 do exército

    americano sobre as cidades de Tóquio e Kobe.

    O número de órfãos, segundo levantamento de 1948 do Ministério da Assistência Social e Saúde, são de 123.511 pessoas (excluindo

    21

    RAFFO, Geórgia Branquinho de Oliveira. A “localização” institucional da Igreja Messiânica Mundial: uma abordagem a partir da teoria da mundialização [recurso eletrônico]. São Paulo: FFLCH, 2014. pg. 45. 22

    KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. p.230 – 231.

  • 27

    Okinawa). Em 1954, Okinawa registrava 3 mil órfãos. Diz-se que 87% deles tinham idade entre 8 e 20 anos e que foram adotados por parentes ou encaminhados a orfanatos. Mas, como o número dessas instituições era insuficiente, muitos se tornaram errantes, passando a viver nas ruas, chegando a 35 mil em 1947. Não há família que não tenha sido atingida pela guerra. Todas sofreram algum dano material ou psicológico23.

    As consequências desses fatos foram realmente estarrecedoras,

    atingindo várias famílias, inclusive a de Mokiti Okada. Em sua bibliografia, encontra-

    se a informação de que esses ataques foram responsáveis pela morte de seu filho

    primogênito do seu segundo casamento. A criança, que tinha apenas um ano e nove

    meses, foi uma das vítimas do surto de cólera infantil da época24.

    Ao findar a guerra, o território japonês fica restrito às ilhas de Hokkaidô,

    Honshû, Shikoku e Kyûshu, sendo que os demais arquipélagos ficaram subjugados

    aos EUA, como foi o caso das mais de 30 ilhas de Ogasawara que, posteriormente,

    foram devolvidas ao Japão em 1968 e atualmente pertencem ao distrito de Tóquio.

    Os países da Ásia, num esforço descomunal, começam campanhas para sua

    independência.

    Medidas como a desmilitarização e a democratização japonesa

    começaram a ser impostas pelo EUA e os países aliados. Autoridades – políticas e

    militares – foram julgadas pelo tribunal internacional, resultando na destituição de

    alguns e a condenação de outros à prisão e/ou pena de morte.

    Um marco significativo se deu na promulgação da nova constituição em

    1946 – após o imperador, negar sua divindade, crença que era mantida ao longo do

    tempo desde a instituição da corte Yamato no século IV – que foi responsável pela

    criação de novas leis que asseguravam a igualdade de direitos a homens e

    mulheres frente ao código civil. Com isso, adotou-se medidas significativas em

    relação à educação, não só como garantia de direitos, mas como condicionamento

    compulsoriamente da educação primária a ginasial, bem como a educação colegial e

    superior a todos indistintamente. As mulheres passaram a ter um novo

    posicionamento social, tanto pela reformulação da nova constituição, como também

    pela reestruturação do sistema familiar conservador. Na primeira eleição em que as

    mulheres também puderam votar, em 1946, foram eleitas 39 deputadas.

    23

    Ibid. pg. 237. 24

    FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 250.

  • 28

    A sociedade japonesa levou um tempo para se recompor das catástrofes

    resultantes dos confrontos americanos da Segunda Guerra Mundial. A população

    sofreu com a escassez de alimentos e outras provisões, devido à situação de

    destruição das instalações de produção pelos bombardeios e ataques aéreos.

    A militarização ocasionada pela eclosão da Guerra Coreana em 1950 foi

    responsável pela reestruturação econômica japonesa. A fim de se preparem para o

    conflito, os japoneses criaram a força policial de reserva que, posteriormente, teve

    seu nome substituído para forças de autodefesa, chegando a recrutar em 4 anos 70

    mil e 139 mil, respectivamente. A situação econômica melhorou com a demanda

    especial em função da guerra e empreendimentos públicos como a hidrelétrica de

    Sakuma que favoreceram a recuperação e fizeram a economia japonesa entrar nos

    eixos. Em 1951, dado a conferência internacional de paz, realizada em San

    Francisco, com a participação de 49 países, o Japão retoma a comunicação

    internacional, sendo que as imigrações japonesas ao Brasil foram retomadas no ano

    posterior, fato que contribuiu com a chegada da IMM ao Brasil em 1955, como

    veremos mais adiante25.

    1.2 O cenário religioso no Japão na Era Meiji

    A crença de que religião é uma questão apenas de fé não pode ser

    plenamente aplicada ao Japão, pois no país os fenômenos religiosos têm muitas

    dimensões que nem sempre dizem respeito à fé. “A dimensão social é a mais

    importante já que a religião no Japão está intimamente ligada com os ciclos de vida

    e tem uma natureza intensamente social. Festivais xintoístas, ritos fúnebres

    budistas, casamentos cristãos não são geralmente considerados como fazendo

    parte da religião pessoal”26.

    A múltipla pertença religiosa nunca foi um problema em culturas orientais.

    “No Japão é possível alguém ser ao mesmo tempo budista e xintoísta, o que é

    chocante para quem está habituado com religiões cujo dogma essencial exige

    25

    CLARKE, Peter B. As Novas Religiões Japonesas e suas Estratégias de Adaptação no Brasil. Revista de Estudos da Religião – Rever. pp 22 – 45. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de SP. 2008. pg. 38. 26

    CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 380.

  • 29

    fidelidade a uma única fé”27. Esse sincretismo, que se desenvolveu ao longo da

    história japonesa, se mantém no comprometimento de funções e deveres sociais, e

    acabam por ser responsável pela produção e reprodução da cultura japonesa.

    O esforço de construir um panorama religioso no Japão é algo bastante

    complexo, se é que é possível, e esse não constitui o esforço principal deste

    trabalho. Contudo, faz-se necessário discriminar, ainda que sucintamente, os

    períodos sociais e suas representatividades religiosas que constituíram o Japão ao

    longo dos séculos até chegarmos à modernidade – e/ou Restauração Meiji.

    Seguindo o modelo de Reid, talvez consigamos compreender o panorama religioso

    do país da seguinte forma: “Período Xintoísta (até séc.VI), Xintoísta-Budista (538-

    1549), Xintoísta-Budista-Cristão (1549-1802), e Xintoísta-Budista-Cristão-Outras

    [Novas Religiões, etc.] (1800- atualidade)”28.

    1.2.1 Xintoísmo

    Como discriminado no esquema de Reid acima, o xintoísmo merece

    nossa atenção ao estudar a estrutura religiosa japonesa, uma vez que assume sua

    nacionalidade. Logo, o xintoísmo passa a ser compreendido como uma religião

    cósmica e étnica, centrada na unidade social. “O xintoísmo é, antes de mais nada,

    produto da tomada de consciência da mentalidade mítica japonesa que se defronta,

    pela primeira vez, com uma religião-filosofia poderosa, elaborada e estrangeira,

    chamada budismo”29.

    Diferente das religiões monoteístas, o xintoísmo não tem um fundador. É

    tipicamente uma religião nacional, que ao longo dos séculos adotou tradições de

    várias outras religiosidades. Não conta com nenhum credo ou código ético

    expressamente formulado. Sua essência está embasada em cerimonias e rituais que

    mantém o contato com o divino.

    Acredita-se que o xintoísmo possui milhares de kamis – deuses – que se

    manifestam sob a forma de árvores, montanhas, rios, animais e seres humanos. O

    27

    NAKAGAWA, Hisayasu; tradutora Estela dos Santos Abreu. Introdução a cultura Japonesa: ensaio de antropologia recíproca. São Paulo, Martins, 2008. pg. 31. 28

    Reid, D. (1991). New Wine: The Cultural Shaping of Japanese Christianism. Berkeley: Asian Humanities Press. 29

    OSHIMA, Hitoshi; tradução de Lenis G. de Almeida. O pensamento japonês. São Paulo, Escuta, 1991. pg.47.

  • 30

    culto aos kamis – que também são concebidos como espíritos – naturais e

    ancestrais sempre foi fundamental para o xintoísmo, desde os dias em que o Japão

    ainda era uma sociedade agrária.

    A partir do século VI, o xintoísmo teve que lidar com a introdução do

    budismo, e ambos acabaram por influenciar um ao outro. Como citado

    anteriormente, não é estranho no Japão o uso alternado de várias religiões. Assim

    uma criança pode receber as bênçãos pelos deuses num ritual xintoísta e ser

    sepultada num ritual budista, tendo a celebração de casamento – caso atinja a vida

    adulta – num ritual cristão30.

    Sendo assim é impossível negar a importância que o xintoísmo exerceu

    nos aspectos sociais dentro da cultura japonesa ao longo dos séculos.

    Os templos xintoístas funcionavam como centros da comunidade e, embora esta função se tenha vindo a esbater com as mudanças sociais do pós-guerra, continua a dar continuidade às atividades culturais tradicionais. As várias estações do ano são celebradas de acordo com ritos xintoístas. Os festivais religiosos xintoístas (matsuri) unem as pessoas com o kami e têm tido uma grande importância social no Japão. O kami é representado por um objeto e transportado num altar aos ombros de um grupo de jovens pela aldeia ou localidade, e realizam-se em todo o país mesmo numa cidade cosmopolita como Tóquio. O ambiente geral é de festa com muita bebida. Sendo uma religião animista sem doutrinas ou dogmas, o Xintoísmo não tem preocupações de ordem ética. Os ‘maus’ atos humanos são considerados como desastres naturais e para evitá-los é preciso realizar atos de purificação (purificação física feita pelo próprio lavando a boca e as mãos, e purificação interior feita pelo sacerdote)31.

    É interessante notar o quanto o xintoísmo se mostra intrinsicamente

    posto, não só na cultura japonesa, como também em sua estrutura étnica, uma vez

    que o mito de origem japonês assume a descendência de uma linhagem divina:

    Amaterasu, deusa do sol.

    No princípio, segundo a mitologia japonesa, um casal divino, Izanagui e

    Izanami, desceu do céu e gerou as ilhas japonesas. Depois o resto do mundo e tudo

    o que há nele. Por último uma série de deuses, os Kamis. Destes, o mais importante

    era a deusa do sol, Amaretasu. Os outros kamis se estabeleceram na terra e

    conceberam os primeiros seres humanos. Todavia, a sociedade humana precisava

    de ordem e comando, e por isso o neto da Amaterasu foi enviado à terra. Um de

    30

    Ibid. pg. 47 – 54. 31

    CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 381.

  • 31

    seus descendentes se tornou o primeiro imperador do Japão. Assim, todos os

    japoneses têm origem divina, mas em especial o imperador que é descendente da

    própria deusa do sol. ”A crença na origem divina da linha imperial legitimou a

    autoridade do Imperador ao longo da história do Japão até 1946, quando o

    Imperador Hirohito anunciou aos Japoneses que não era divino”32.

    1.2.2 Budismo

    Embora o Budismo se proponha a tratar da liberação total e,

    consequentemente, da salvação, ele não pode ser tratado simplesmente como um

    sistema religioso. Isso por não se submeter a crença em divindades ou seres

    transcendentes. O caminho da liberação e da salvação que eles acreditam passa

    pelo autoconhecimento, logo, muito mais que religião o budismo pode ser tratado

    como uma filosofia de vida.

    De onde vêm a guerra e a disputa? De onde vêm a melancolia, a tristeza, o orgulho, a calúnia, a avareza etc.? Digo-vos que tudo isso vem daquilo que gostamos. Ora, de onde vem o gostar? O gostar vem pelo ou através do desejo. E de onde vem o desejo? O desejo nasce pelo agradável e pelo o desagradável. O agradável e o desagradável surgem do contato; pelo nome, e pela forma. Ora, como é possível o desaparecimento da forma? Como podemos livrar-nos da dor e do prazer? Aquele que não pensa como os demais, que não pensa torpemente, e que não é um homem que nem pensa nem apaga o seu pensamento, somente ele está livre da forma, pois a forma, a noção da extensão, nasce pelo pensamento (...)33.

    Acredita-se que, entre a origem dos pensamentos budistas e sua chegada

    ao Japão, tenha transcorrido mais de mil anos. Certamente esses períodos foram

    marcados por diversas mudanças sistemáticas e conceituais. “O tipo de budismo

    que entrou no Japão, chamado ‘Budismo Mahayana ou o grande veículo’, cujas

    teorias foram elaboradas por Nagardyuna e Vaspandu, por volta dos séculos II e III,

    busca também a libertação por meio da teoria do conhecimento”34. A tônica desse

    pensamento é o vazio, que significa a não substancialidade inseparável dos

    32

    Ibid. pg. 381. 33

    OSHIMA, Hitoshi. O pensamento japonês. São Paulo, Escuta, 1991. pg. 34. 34

    Ibid. pg. 35.

  • 32

    fenômenos. Dito de outra maneira, a ideia dos fenômenos, sem referência à

    realidade ou substância, é a ideia do vazio.

    Esse pensamento comparado ao pensamento mítico japonês, originário

    da tradição xintoísta, são definitivamente diferentes, uma espécie de água e óleo,

    que ao que parece não podem se fundir, pois enquanto o Budismo Mahayana

    propõe significados aos fenômenos vazios, a mentalidade mítica japonesa vai nos

    sugerir um mundo onde tudo é real e/ou não há fenômeno livre de sentidos e/ou

    significados. O Budismo Mahayana ensina que o mundo é inexistente, enquanto que

    a mentalidade mítica nos diz, como também nos disse Tales de Mileto: “O mundo

    está cheio de deuses”.

    Mesmo tendo essas questões colocadas sobre as dificuldades conceituais

    de o Budismo se estabelecer no Japão, a partir do século VI, o trato é que o

    Budismo no Japão é uma arquitetura construída sobre a base estrutural da

    mentalidade mítica. E ele não teria florescido sem sua incorporação à essa estrutura

    mental, tendo sido recebida como uma religião que se pautava em técnicas magicas,

    uma espécie de budismo esotérico que mais tarde vai substituir a divindade em

    Buda35.

    Tendo considerado as questões introdutórias para a chegada do Budismo

    no Japão, é importante destacar que sua posição nem sempre foi tão confortável. No

    século XVI, com a proibição da pregação cristã, que começara a incomodar as

    autoridades Japonesas por sua difusão, as três religiões oficiais passaram a ser o

    Xintoísmo, o Budismo e o Confucionismo36. Resultando mais tarde na ordenação

    estatal que estabeleceu que “todos os Japoneses ficaram obrigados a registar-se

    como membros de uma comunidade budista. O Budismo passou a ser religião oficial

    com o estabelecimento de um sistema que exigia que cada família japonesa se

    registasse no templo local e o financiasse”37.

    Já no século XIX, no início da Restauração Meiji, o Budismo passa a

    sofrer fortes perseguições estatais, tendo templos queimados e sua membresia

    perseguida. A partir de então o Xintoísmo passa a ser a religião estatal e em 1873 o

    35

    Ibid. pg. 36 – 39. 36

    NAKAGAWA, Hisayasu; tradutora Estela dos Santos Abreu. Introdução a cultura Japonesa: ensaio de antropologia recíproca. São Paulo, Martins, 2008. pg. 35. 37

    CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 382.

  • 33

    Cristianismo volta a ter a liberdade de culto, não só eles – os cristãos – como muitas

    outras religiões se empenham na difusão de sua mensagem38.

    1.2.3 Cristianismo

    O Cristianismo marca a introdução das religiões ocidentais no Japão

    muito antes do período de modernização nacional, a saber: a restauração Meiji. A

    chegada dos missionários da companhia de Jesus – os jesuítas – é marcada no

    século XVI: “o Japão encontrava-se na época dilacerado por guerras internas e

    estas guerras aliadas à oposição dos monges budistas e sacerdotes xintoístas ao

    Cristianismo dificultaram a expansão da doutrina cristã39”. Junto com a Restauração

    Meiji datada no século XIX, temos a chegada dos missionários – protestantes –

    Anglo-saxões.

    Nessa fase, os missionários da companhia de Jesus encontraram alguns

    obstáculos na difusão de sua mensagem. As principais foram em relação as

    diferenças conceituais do catolicismo e da tradição japonesa, sendo as principais: a

    onipotência do Deus cristão; sua posição criadora de toda a criação e a intolerância

    dos missionários católicos, resultando na resistência por parte do governo japonês

    da época40.

    1.2.4 Novas Religiões Japonesas

    As chamadas Novas Religiões Japonesas – NRJ – exerceram sua

    importância no cenário Japonês, marcado pela modernização. A maioria delas surge

    no pós-guerra e mantém uma peculiaridade muito emblemática, pois suas

    preocupações estão relacionadas ao mundo presente ao invés do mundo

    escatológico e/ou futuro.

    Os estudiosos das NRJ entendem que as grandes diversidades religiosas

    do Japão refletem o interesse e/ou procura da população japonesa por atividades

    religiosas – sendo um reflexo da modernização que marca esse período – sem,

    38

    KURIHARA, Akiko; NISHIZAWA, Hiroko. Breve história do Japão. São Paulo, Press Brasil, 2009. pg. 199. 39

    CARVALHO, Daniela de. Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão. Psicologia, Educação e Cultura, 2002, VI, 2. pg. 383. 40

    OSHIMA, Hitoshi; tradução de Lenis G. de Almeida. O pensamento japonês. São Paulo, Escuta, 1991. pg. 55 – 60.

  • 34

    contudo, anular os compromissos sociais que a população mantinha com as

    religiões tradicionais, como por exemplo, levar crianças recém-nascidas aos ritos

    dos templos xintoístas e sepultar seus mortos com rituais budistas41.

    Passar-se-á a descrever, ainda que sucintamente, duas dessas NRJ com

    a finalidade de entender suas mensagens e/ou contribuições para a sociedade da

    época – Restauração Meiji – e a proposta que introduziram como respostas para os

    infortúnios sociais, uma vez que a maioria delas nasceu exatamente como uma

    resposta e/ou sinalizador de esperança para a sociedade de então.

    Embora haja alguns momentos distintos que serviram de molas

    propulsoras para a proposta de conversão e salvação dessas NRJ. Ater-se-á ao

    primeiro, que marcou início no século XIX, estando o Japão submerso na crise do

    regime feudal, tendo como marco principal o fracasso de suas políticas econômicas.

    Desse momento da história Japonesa nos interessa analisar a formação religiosa da

    Tenrikyô e da Oomoto42. Contudo, nossa principal atenção estará voltada para a

    Oomoto, responsável por influenciar os pensamentos de Mokiti Okada na construção

    de seu arcabouço teológico e de sua proposta de salvação, não só na sociedade de

    seus dias, mas para toda humanidade, após ter experimentado a conversão, aquilo

    que chamou de segundo nascimento43.

    Debruçar-se-á sobre essas duas linhas por se entender a singular

    importância delas nesse cenário em que se configuraram e se instituíram no Japão

    moderno. A relevância delas é importante por vários motivos, talvez o principal deles

    seja o fato de serem instituições fundadas por duas mulheres – Mike Nakayama e

    Nao Deguchi – respectivamente em um Japão marcado pelo forte sistema patriarcal,

    como era o Japão xogunal, em Edo.

    a. Tenrikyô

    Iniciar-se-á resgatando a história da líder fundadora da Tenrikyô, Miki

    Nakayama (1798 – 1887), procurando encontrar os principais elementos que a

    41

    WARAGAI, Eliane Satiko. As interferências culturais nas traduções de textos das religiões de origem japonesa. 2008, 109f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2008. pg. 42 – 45. 42

    Ibid. pg. 43 43

    FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 231.

  • 35

    influenciaram na construção de sua comunidade religiosa que compõe o conjunto

    das NRJ.

    Miki Nakayama nasceu no período feudal do Japão, ou seja, período de

    Tokugawa (1603 – 1868) em uma área rural de Kansai, chamada Nara44. Sua família

    era composta de samurais não remunerados e sem feudo, conhecidos como

    maegawa, o que lhes permitia portar espadas. Recebeu a educação primaria por

    seu pai, que lhe ensinou a ler e escrever, chegando posteriormente a frequentar

    uma escola-templo da vizinhança. Embora tivesse experimentado a frustação de não

    se tornar uma monja budista – devido a um casamento arranjado aos treze anos

    com um de seus primos45 – cumpriu exemplarmente o papel de esposa46 do período

    feudal47. Seu marido se mantinha nominalmente como o chefe, mas era ela quem

    efetivamente cuidava da provisão da família. Como se não bastasse sua falta de

    compromisso no cuidado familiar, mantinha um relacionamento extraconjugal.

    A maternidade trouxe a Mike alguns dissabores também. Após o

    nascimento de sua filha caçula, ela começou a sofrer alguns desmaios e ter perda

    de equilíbrio psíquico, chegando a sentir seu corpo agitar. Mas, a experiência que

    mais a marcou se deu na tentativa de cura de seu filho mais velho, que fora

    acometido de uma dor misteriosa e insuportável em uma de suas pernas. Temos a

    fala de Ronan (1995), que se entende necessária para esse momento:

    O fato que foi mais determinante na vida dela foram as dores súbitas e insuportáveis que seu filho mais velho, Shfiji, começou a sentir na perna esquerda. Mesmo após um ano de tratamento médico e de sessões de exorcismo, a dor desaparecia e retornava da mesma misteriosa forma. Durante um desses rituais exorcizantes para curar o filho, Miki atuou como

    44

    A senhora Miki Nakayama, Oyassama ou Nossa Mãe, a porta-voz de Deus-Parens, cujos ensinamentos deram ensejo à fundação da Igreja Tenrikyo, nasceu em 18 de abril de 1798, na aldeia

    de Sanmaidem, em Yamabe, região de Yamato, atual distrito de Sanmaidem, município de Tenri, província de Nara, Japão. http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama - acessado

    em 26/11/2018 às 16:26 horas. 45

    PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 174. 46

    Aos 13 anos, foi recebida pela família Nakayama da aldeia de Shoyashiki (atual distrito de Mishima), tornando-se esposa de Zembee. Miki, como dona de casa, dedicou-se aos sogros, serviu ao marido e esforçou-se nos afazeres domésticos a ponto de ser admirada por toda a vizinhança. Realmente, foi uma dona de casa exemplar. http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama - acessado em 26/11/2018 às 16:20 horas. 47

    Aqui é interessante fazer notar que no Japão feudal a mulher era tida basicamente como um instrumento de gerar filho e perpetuar a família como grupo corporativo (ie); além do que, havia uma noção de "poluição" (kegare) associada à mulher e a tudo o que diz respeito à natureza feminina (menstruação, parto, etc.).

    http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:26http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:26http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:20http://www.tenrikyo.org.br/home/doutrina/vida-de-oyassama%20-%20acessado%20em%2026/11/2018%20às%2016:20

  • 36

    médium e foi possuída por uma divindade que dizia querer tomar o corpo dela como o seu "sacrário". Depois dessa possessão inicial, Miki ficou em reclusão por volta de três anos, vestindo roupas pretas. Nesse período de auto-isolamento, houve uma mudança radical em sua vida. Após a morte de seu marido, ela contou com a ajuda de seu filho Shfiji e, acima de tudo, do carpinteiro Iburi Izô (1833 -1907) na organização de um culto à divindade Tenri-ô-no-mikoto. Inspirada por essa divindade, ela curou os doentes e criou sua própria doutrina, danças, músicas, etc48.

    Dez anos após essas experiências, ela foi retomando, aos poucos, suas

    atividades corriqueiras começando a dar aula de costura para meninas da

    vizinhança, retomando a responsabilidade pelo sustento familiar e, posteriormente,

    assumindo a posição de líder-fundadora da Tenrikyô, uma das NRJ.

    Uma questão importante a ser pontuada foi a situação de penúria pela

    qual Mike foi submetida após suas revelações e consequentemente após a morte –

    e/ou retorno, como os membros da Tenrikyô costumam tratar a morte – de seu

    marido. Tendo distribuído suas posses e bens, mesmo sem o consentimento de

    familiares e amigos, mas regida pela crença que a cercava, ela foi submetida a

    situações de extrema pobreza. Fato esse que acreditamos influenciar na formação

    de seu arcabouço doutrinário.

    Contudo, essas possessões não eram o bastante para legitimar a

    liderança religiosa de Miki Nakayama. Foram necessárias algumas inovações

    carismáticas nos métodos utilizados por ela, como: a introdução do objeto sagrado

    (gohei) nos rituais sagrados de cura e profecia. Como se não bastasse as danças

    folclóricas japonesas, ela criou uma dança peculiar para suas cerimônias que ficou

    conhecida como kanrodai-zutome e a utilização de um leque. “Ela ainda escreveu

    dezessete volumes de poemas por inspiração divina em um estilo tradicional (tanka).

    Uma das atividades que mais chamou a atenção das pessoas foi o fato de Miki

    preparar as gestantes para o trabalho de parto feliz e sem dor, tocando-lhes de leve

    e respirando três vezes em seus ventres (ohiya-yurushi)”49.

    Talvez a principal contribuição do pensamento de Mike foi às mulheres de

    seu tempo que, como já vimos, eram basicamente reduzidas ao cuidado da casa e a

    reprodução. Tinham que lidar com os preconceitos de uma sociedade que

    48

    PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 171. 49

    PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 176.

  • 37

    considerava impuro seu ciclo menstrual e uma espécie de poluição o trabalho de

    parto. Com o início de suas atividades religiosas, Mike confere as mulheres novos

    significados e sentidos.

    Sendo assim, destacam-se algumas características institucionais que

    fizeram da Tenrikyô uma referência de fé de seu tempo, a começar pela formulação

    doutrinaria que nem sempre dialogou com as religiões japonesas tradicionais

    (xintoísmo e Budismo), mas também não se opuseram a elas, apenas se refizeram.

    Talvez, o principal elemento a ser destacado seja o fato de a organização ser

    fundada por uma mulher em um período no qual as mesmas não costumavam fugir

    da tríade básica – filha, esposa e mãe50. Poder-se-ia também colocar a impressão

    monoteísta que a organização assume, estabelecendo e/ou aderindo ao

    criacionismo universal pelo Deus-Parens – também conhecido como, Tenri-ô-no-

    Mikoto (Deus original e verdadeiro) e que segundo a crença institucional tomou Mike

    (Oyassama, nome religioso), como seu sacrário.

    b. Oomoto51

    Ao tratar da Oomoto52 e/ou Omoto-kyo,53 iniciar-se-á resgatando a história

    de sua líder fundadora, Nao Deguchi (1836 – 1918), procurando encontrar os

    principais elementos que a influenciaram na construção de sua comunidade religiosa

    que compõe o conjunto das NRJ.

    Nao Deguchi nasceu em uma família de carpinteiros que prestava

    serviços à nobreza, o que lhes facultou alguns privilégios. Porém, no ano que

    marcou o nascimento dela, sua família passava por uma situação de privações e

    extrema pobreza. Devido à perda de seu pai aos nove anos, Nao teve que assumir a

    responsabilidade de trabalhar como doméstica para sustento próprio.

    50

    Ibid. pg. 179. 51

    Adotarei a grafia utilizada pela Associação religiosa Oomoto do Brasil, ao invés de usar a grafia utilizada em algumas obras, como o livro: Luz do Oriente, no qual “Oomoto” está grafado com somente um “O”. Oomoto significa “a grande origm”. 52

    Cf. SCHLESINGER, Hugo; PORTO, Humberto. Religião Oomoto. In: Dicionário Enciclopédico das religiões Vol. II. Petrópolis. Vozes, 1995. pg. 19 – 24. Omoto, (mov.) Do japonês: “Grande fundação”. Movimento religioso moderno japonês fundado em 1892 pela Sra. Degushi. Proibido em 1947, reiniciou suas atividades em 1946. Empresta elementos de outras religiões e crê num Deus imbuído e na fraternidade dos homens. “Não são muitos os seguidores, cerca de 90.000, mas, sua influência é defundida através da literatura”. 53

    FERNANDES, Juliana Alves Gurgel. O teatro como Budô – Aikido em cena. Campinas, SP, Universidade Estadual de Campinas, 2011. pg. 28.

  • 38

    Em sua vida emocional, também não teve muito êxito, pois mesmo

    nutrindo sentimentos por um rapaz do vilarejo vizinho teve de assumir aos dezenove

    anos um casamento com um carpinteiro alcoólatra. No início do casamento teve um

    pouco de estabilidade, o que não durou muito, dado o vício do marido e um acidente

    de trabalho que sofrera, deixando-o invalido por três anos, resultando em sua morte

    posterior. Como se não bastasse, os desajustes matrimoniais, Nao enfrentou

    grandes dificuldades com seus filhos. “Três de seus onze filhos morreram logo após

    o parto; o filho mais velho tentou suicídio; outro morreu em Taiwan, durante a guerra

    sino-japonesa; uma de suas filhas foi possuída por um espírito; e outra sofreu um

    colapso nervoso54”.

    Frente a tais infortúnios, Nao, sem muitas alternativas, se tornou uma

    coletora de recicláveis e, nos tempos livres, vendia bolinhos de arroz para ajudar no

    orçamento familiar.

    A vida de Nao foi fatidicamente marcada pela dor e sofrimento. Contudo,

    frente a esse cenário de grandes provações, Nao começou a ser surpreendida com

    alguns sonhos, ao que mais tarde entendeu que se tratava de mensagens divinas,

    resultando posteriormente em arrebatamentos súbitos para revelações da divindade

    Ushitora-no-konjin55.

    Tais experiências tiveram reflexos significativos em sua vida; diz-se que

    Nao passou duas semanas sem comer e mais de dois meses sem dormir. Após isso

    suas possessões continuaram e ela começou a profetizar e curar, sem permitir que

    isso interferisse no seu conviveu social. De uma viúva miserável, Nao se tornou uma

    líder religiosa carismática. Contudo, aquilo que Ronan irá tratar como “idioma

    possessional”, não era o bastante para legitimar o status de liderança de uma NRJ e

    foram necessários outros elementos, como a manifestação de poderes

    sobrenaturais (curas, profecias) para atestar a verdade de suas palavras.

    No início, os movimentos religiosos delas seguiram o modelo organizacional das associações religiosas tradicionais chamadas Kô, as quais tinham por objetivo a veneração de divindades especiais (kami), ou Bodhisattvas. No entanto, elas se distinguiam dos Kô tradicionais, uma vez que não se ligavam a nenhum centro religioso tradicional ou a alguma rede de organizações de Kô, além de não cultuarem divindades tradicionais.

    54

    PEREIRA, Ronan Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: o caso de duas líderes religiosas do Japão. Revista de antropologia, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1995, v. 38 nº1. pg. 174. 55

    Ibid. pg. 172.

  • 39

    Embora suas divindades tivessem origem na tradição religiosa sino-japonesa, elas apresentaram uma nova "versão" dessas divindades e enfatizaram o caráter particular das mesmas. Estas eram concebidas como divindades paternais que desejavam estar próximas da humanidade para reconstruir o mundo e "varrer o mal". Por outro lado, os movimentos dessas duas mulheres não se organizaram de maneira tão complexa estrutural ou teologicamente quanto as religiões estabelecidas (como o budismo e o xintoísmo)56.

    Sobre a Oomoto e seus dogmas doutrinários, discorrer-se-á um pouco

    mais na próxima parte deste capitulo, frente história e conversão de Mokiti Okada,

    líder-fundador da Igreja Messiânica Mundial que após meia idade de ateísmo,

    conforme ele mesmo se declarava, teve uma experiência transformadora em um

    templo omotano. Tal experiência revelará as interlocuções que foram estabelecidas

    entre a Oomoto e a Dai Nipon Kannon, que posteriormente passou a ser chamada

    de Sekai Kyusei Kyo (Igreja messiânica Mundial – IMM)57, como iremos tratar a partir

    daqui.

    1.3 Mokiti Okada: do nascimento a sua conversão

    No texto a seguir, além do diálogo com alguns pesquisadores da IMM, se

    recuperará trechos da biografia de Mokiti Okada escrita a partir de relatos e

    pesquisas feitos pelos seus seguidores58. Entende-se que os textos citados são de

    suma importância, dado os apontamentos dos caminhos que Mokiti Okada percorreu

    até que desenvolvesse seu arcabouço teológico, aquilo que alguns chamaram de

    doutrinas. Isso, enquanto substratos das diretrizes e ações institucionais, bem como

    sua lista ritualística.

    1.3.1 Nascimento de Mokiti Okada

    Mokiti Okada (1882 – 1955) nasceu no 14º ano da Restauração Meiji, na

    cidade de Assakussa, em um bairro chamado Hashiba, em Tóquio, a beira do rio

    Sumida. Este rio possuía uma relação muito profunda com a vida do povo, desde

    56

    Ibid. pg. 176. 57

    A partir daqui usaremos a siglas IMM para fazer referencia à Igreja Messiânica Mundial. Quando tivermos a necessidade de especificarmos as atividades da igreja em solos brasileiros, usaremos a sigla IMMB – Igreja Messiânica Mundial no Brasil. 58

    FMO – MOA (Ed.). Alicerce do paraíso. Vol. I a V. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, 2002 (b). pg. 231.

  • 40

    tempos longínquos. No entanto, na época do nascimento de Mokiti Okada, Hashiba

    estava inserido num misto entre a riqueza e a pobreza, sobre isso há o seguinte

    relato de seus seguidores:

    Dessa forma, na zona de primeira categoria localizada à beira do rio e nas avenidas, podiam-se avistar mansões de pessoas ricas e magníficas lojas, mas, entrando um passo nas ruas estreitas, viam-se muitas casas pobres; era o bairro do povo que lutava para sobreviver. Em frente às casas erguidas nas duas margens havia roupas estendidas, e, em volta do poço público, mulheres com crianças nas costas lavavam roupa atarefadamente, com as barras dos humildes quimonos levantadas, conversando sobre coisas mundanas, tal como a fuga de determinada família durante a noite, a subida do preço de arroz, tão exagerada que, se a pessoa não colocasse algum de seus pertences na casa de penhores, não conseguiria viver, e coisas do gênero59.

    Embora a família de Mokiti Okada desfrutasse de uma escassez

    financeira nos anos de seu nascimento, caracterizada pela pobreza60, nem sempre

    foi assim: “no início da Era Meiji ela administrava uma casa de penhores chamada

    Mussashi-ya, situada no bairro de Sanya, perto de Hashiba, e gozava de excelente

    situação financeira, possuindo mais de trinta casas alugadas61”, resultando no

    acúmulo de riquezas e bens do bisavô – Kizaemon – de Mokiti Okada.

    Sendo Yassu – avó de Mokiti Okada –, a primogênita em uma sociedade

    patriarcal, teve um casamento arranjado por seu pai Kizaemon. Ao que parece um

    turista que passará por Mussashi-ya caiu na graça de Kizaemon, “seu nome

    registrado na certidão de nascimento é Sashiti, mas, não se sabe por que, seu nome

    aparece como Minosuke em outro registro62”. Dado ao descomprometimento com a

    família, separou-se de sua esposa, resultando na concepção e criação de seu filho –

    Kissaburo, pai de Mokiti Okada – sem a presença paternal.

    Na família Okada, era costume antigo dar-se aos chefes da família os nomes Kizaemon e Kissaburo, alternadamente. O pai do fundador chamava-se Tokutaro, quando criança, mas após a morte de Kizaemon, ao

    59

    FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 73 - 74. 60

    ANJOS, Emilson Soares dos. Modificações litúrgicas como expressão do processo de transplantação: divergências e convergências no ritual de funeral da Igreja Messiânica Mundial do Japão e do Brasil. [recurso eletrônico]. São Paulo, Pontifícia Universidade Católica – SP, 2012. 61

    FMO – MOA (Ed.). Luz do Oriente: biografia de Mokiti Okada – Vol.1. São Paulo, Fundação Mokiti Okada, s/d (a). pg. 78. 62

    Ibid. pg. 82.

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    mesmo tempo em que herdou a liderança da família, trocou seu nome para Kissaburo. Era outono, e ele contava quinze anos63.

    Foi necessário que Kissaburo assumisse a liderança da família dado ao

    falecimento de seu avô. Sua mãe Yassu inexperiente com a gestão dos negócios da

    família, bem como com a loja Mussashi-ya, legou a administração da mesma ao

    gerente, e esse, por sua vez, não soube conduzir os negócios da família como

    Kizaemon, resultando no início da falência da família Okada.

    No esforço de se restabelecerem, Kissaburo, pai de Mokiti Okada,

    pequeno comerciante64 instalou uma loja de roupas usadas e, posteriormente, uma

    tamancaria, mas, não obtiveram sucesso. Ao mudarem para o bairro de Hashiba,

    residiam numa casa alugada, de dois cômodos, “o local, hoje, faz parte da Sede

    Metropolitana de Tóquio da Igreja Messiânica Mundial”65. Nessa época, a família era

    composta pelo pai Kissaburo Okada, a mãe Tori, a irmã primogênita Shizu, seu

    irmão Takejiro e ele. Dos dois cômodo