PARA A REVISÃO DO AO
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Transcript of PARA A REVISÃO DO AO
OPINIÃO
um contributo 111111
PARA A REVISAO DO NOVO ;
ACORDO ORTOGRAFICO A aplicação do acordo assinado há 22 anos continua envolta em polémica. Ana Salgado, lexicógrafa do Departamento de D icionários da Porto Editora, avança com sugestões de uniformização da ortografia.
O Acordo O rtográfico, assinado em 1990, não estabelece uma ortografia única e inequívoca, deixando várias possibilidades de interpretação
em muitos casos, o que tem provocado alguma instabilidade ortográfica. As declarações do se-
cretário de Estado da Cultura português, Francisco José Viegas,
sobre a necessidade de aperfeiçoamento e de revisão do novo
Acordo Ortográfico levaram-nos a elaborar este contributo,
avançando algumas sugestões de uniformização da ortografia
da língua portuguesa. O Acordo Ortográfico apresenta muitas regras com exceções.
Se, só por si, as mudanças ortográficas desencadeiam natu
ralmente reações de resistência, por vezes arrebatadas, os casos
que fogem às regras gerais desanimam imenso quem escreve
em português, pelo que se propõe uma redução das exceções.
Seguindo uma das novas disposições do Acordo Ortográfico, as locuções de qualquer tipo devem ser escritas sem hífen (Base
XV, 6.0 ), salvo as exceções ditas consagradas pelo uso, como é o
caso de água-de-colónia, arco-da-'Uelha, cor-de-rosa, mais-que-per
feito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa. Como aferir o que
está ou não consagrado pelo uso e como responder a algumas ou
tras questões, nomeadamente: como explicar que pé-de-meia deve
ser escrito com hífenes, em virtude da consagração pelo uso, mas
pé de atleta não? Ou por que razão cor-de-rosa mantém os hife
nes, mas cor de laranja se escreve sem os mesmos? O u então por
que motivo arco-da-'IJI!Iha mantém os hífenes, mas o mesmo não
acontece em arco da aliança, arco da chu·va ou arco de Deus, quan
do todas estas locuções significam o mesmo? ão seria desejável
que as palavras que apresentam o mesmo tipo de constituintes
seguissem a mesma norma? O critério da consagração pelo uso, ainda mais num acordo assinado em 1990, não parece constituir
um principio rigoroso para justificar as exceções às regras gerais.
Acrescente-se ainda que a dificuldade que a disponibilização de uma listagem de «todas» as exceções podia ter oferecido aquan
do da redação do texto oficial, hoje é facilmente superada pelos
novos meios informáticos ao dispor dos lexicógrafos e uma tal
listagem, ainda por publicar, poderia ser a solução para estes
78
Por ANA SALGADO
casos. Sendo este um ponto controverso da reforma ortográfica, os vocabulários oficializados até ao momento apresentam um di
ferente entendimento da matéria: a eqtüpa brasileira conserva os
hífenes nas exceções consagradas pelo uso referidas no Acordo,
enquanto a equipa portuguesa opta pela facultatividade, assu
mindo também como aceitáveis variantes sem hífen. Esta elimi
nação geral do hifen em locuções pode ser encarada como um
fato r vantajoso, no sentido de uma mais rápida assimilação e me
morização da regra, pelo que se poderá propor a eliminação das
e:xceções acima referidas {salvo em deliS-dará, queima-roupa por
serem estruturas obviamente diferentes das restantes). Uma
outra possibilidade poderia ser seguir o critério semãntico, mais
ao gosto dos linguistas, mas não tão prático, dada a dificuldade
muitas vezes sentida em avaliar o grau de transparência de estru
turas: umas, em que o emprego do hífen pode ser justificado quando o sentido do conjunto se altera relativamente ao signifi
cado dos componentes {sentido figurado), como em pé-de-meia,
e outras que dispensam o hífen, uma vez que a leitura é literal
{sentido real), como em fim de semana ou sala de jantar.
Ainda no quadro das exceções, podemos referir os compostos
nos quais o primeiro elemento é uma forma verbal e cm que a
tradição gráfica dita o uso do hífen, como em conta-gotas ou guar
da-chttva {Base XV, 1.0 ) . Nalguns compostos deste género, os res
petivos constituintes foram-se aglutinando ao longo do tempo:
é o caso de, por exemplo, girassol, madressilva e pontapé. Segundo
as novas normas, mandachuva, paraquedas e paraquedista também
passaram a comportar-se desta forma, devendo ser escritos aglu
tinadamente. Contudo, o texto oficial não dita a eliminação do
hífen noutros compostos com os antepositivos manda- e para
( a grafia nova não acentua pára), como manda-tudo, para-brisas,
para-choques, para-mios, o que é incoerente com as grafias novas
mandachuva, paraquedas, paraquedista, paraquedismo. Como ex
plicar que guarda-chuva tem hifen e mandachuva não, quando
ambas as formas são unidades compostas por um verbo e um
nome? Surge a dúvida sobre se as palavras cujos constituintes
são idênticos deverão também ser aglutinadas. Propõe-se repor
o lúfen em todos estes vocábulos (manda-chuva, para-quedas,
junho 2012
para-quedista, para-quedismo), o que garantiria um tratamento
uniformizado a todos os compostos com manda- c para-.
Relativamente a topónimos compostos, as novas regras de
terminam o uso do hífen quando iniciados pelos adjetivos gnl,
grão ou por forma verbal ou quando os seus elementos estão li
gados por artigo, como em Grã-Bretanha,Abre-Campo, 'l/rir-os
-Montes. os outros casos, os topónimos compostos escrevem-
-se com os elementos separados, sem hífen,Amérira do Sul, Cabo
Verde, Castelo Branco, sendo Guiné-Bissau uma exccção consa
grada pelo uso (Base XV, 2.0 ) . Por que razão se mantém o lúfcn
em Guiné-Bissau e Guiné Equatorial ou Timor Leste, por exem
plo, são grafados sem hífen? Seria desejável a publicação de uma
Lista extensiva de topónimos em que se justifica a manutenção
do hífen pela sua frequência ou consagração de uso.
Um dos pontos do Acordo Ortográfico referidos como mais problemático é o facto de um mesmo vocábulo apresentar
mais de wna grafia correta (grafias duplas) e a proliferação da no
ção de facultatividade na ortografia. A facultatividade não é uma
novidade na língua, mas este principio vai contra o próprio con
ceito de unificação da ortografia. As grafias duplas são a repi'e
sentação gráfica de pronúncias diferentes, quer entre diferentes
países, quer dentro do próprio território nacional. ão há dúvi
das de que um português diz amnistia e tónico e um brasileiro
anistia e tónico e que qualquer um dos dois irá grafar estas pa
lavras de acordo com a sua pronúncia. Qyando na ora Expli
cativa se lê: <<Os dicionários da língua portuguesa, que passarão
a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia,
esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e
social desta oscilação de pronúncia>> deixa-se a resolução do pro
blema para outros decisores, nomeadamente os lexicógrafos de
Portugal e do Brasil. Ora, no <<Plano de Ação de Brasília para
a Promoção, a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa>> lê-se
o seguinte: «Nos pontos em que o Acordo admite grafias faculta
tivas, é recomendável que a opção por uma delas, a ser feita
pelos órgãos nacionais competentes, siga a tradição ortográfica vigente em cada Estado Membro, a qual deve ser reconhecida e
considerada válida em todos os contextos de utilização da língua,
em particular nos sistemas educativoS.>> Esta declaração do Con
selho de Ministros da CPLP vem confirmar a e:<.istência de vá
rias grafias nos diferentes países e atribtür essa responsabilidade às entidades oficiais.
A facultatividade também está presente nos casos de dupla
acentuação em palavras esdrúxulas (Base XI, 3.0 ) e algumas gra
ves, geralmente terminadas em n, r, sou x com e e o tónicos, se
guidos das consoantes nasais m ou n, com as quais não formam
sílaba (Base IX, 2.0, Obs.), servindo de exemplo os vocábulos gé
meo ou gêmeo, tónico ou tónico, ténis ou ténis, pónei ou pônei. Em
Portugal e nos países africanos, escrevem-se com acento agudo
porque o seu timbre é aberto, mas no Brasil escrevem-se com acento circunflexo porque o timbre é fechado. Como o timbre
da vogal também é fecl1ado em alguns casos na norma europeia,
sente-se a necessidade de explicitar palavras como estômago,
fêmea ou sê mola. H á ainda muitos outros vocábulos que apre
sentavam grafias diferentes nas duas normas oficiais assumidas
até agora, como cupão ou cupom, edredão ou edredom, ião ou íon,
mação ou maçom, protão ou protón, entre outros, e que seria útil estudar e tratar de maneira uniforme.
Apesm· de o objetivo da reforma ser a unificação das duéL'> ortot,mlfias oficiais da língua portuguesa, as instituições, c concretamente as equipas responsáveis pelos vocabulários oficializados, têm vindo pontualmente, e sem maiores explicações, a tomar decisões que não são convergentes no que respeita às opções gráficas de diversas palavras c cm que poderia ser útil acordarem uma uniformização.
Ocritério norteador das novas normas orwgr:ífka~ na demanda de um padrão ortognílleo único é designado
pelos redatores do Acordo Ortográfico como <<Critério l(>nético
(ou da pronúncia)» na Nota Explicativa, 3.0 . Este principio 1(>nético, muitas vezes criticado como um critério de fraco valor
cientifico, pode simplificar a ortografia e reduzir o número de
divergências eno·e as práticas ortográficas portuguesa c brasilei
ra. o entanto, o mesmo principio é sustentado pela <<pronúncia
culta» que, além de ser dificil de definir, levanta outro tipo de
problemas, uma vez que um mesmo vocábulo pode ser pronun
ciado de modo diferente, dependendo do contexto sociolinguis
tico, e não cabe à ortografia representar pronúncias regionais,
socioletais ou individuais. Surgem imensas dificuldades no que
concerne ao léxico técnico e cientifico por se tratar, na maioria
dos casos, de palavras pouco correntes, cuja informação leJàcal
(transcrição fonética ou ortoépica) é muito escassa, como, por
exemplo,floctaftnina, laparonifrectomia. Não se poderia manter
a forma conservadora (com as consoantes etimológicas) como
a grafia de uso universal, dado tratar-se de vocabulário pouco
corrente e raramente usado pela maior parte das pessoas? E que
dizer dos casos em que este critério fonético gera f01mas gráficas diferentes nas duas normas, quando anteriormente só havia
uma grafia, como em ,·ecepção, agora receção na norma europeia e recepção na brasileira?
Há também mudanças que conduzem ao aumento de situa
ções de homografia, palavras com grafias iguais, pronúncias iguais
ou diferentes, mas significados diferentes, e que interferem com
a velocidade do processamento da infonnação no ato de leitura.
É o caso da eliminação do acento diferencial em paroxítonos que
possuem uma homógrafa sem acentuação próplia: para (anterior
mente pára), flexão de parar, e para, preposição; pela (anteriormen
te péla), nome e flexão de pelar, e pela, combinação de per e la; pelo
(anteriormente pélo), flexão de pelar, e pelo, nome ou combinação
de per e lo; polo (anteriormente pólo), nome, e polo, combinação an
tiga e popular de pore lo (Base IX, 9.0) . A eliminação do acento
agudo na 3.a pessoa do singular do verbo parar (para) cria um par
homógrafo no português (homónimo no português do Brasil),
dificultando o reconhecimento e a leitura. Esta opção acaba por
se revelar inconsistente quando confrontada com a nova regra
{Base VII,3.0) em que se mantém a distinção entrepõr{verbo) e
por (preposição), um par semelhante ao anterior, e também entre
pôde (pretérito perfeito) e pode (presente). Continua na página 91
i9
de pretensiosismo -uma atitude de mili
tante sanidade, mas sempre no limite do
filistinismo ou da misantropia. Ao túvel mais elementar, A Sorte dejim
é um típico primeiro romance, cuja traje
tória é definida por um protagonista que
aprende a denunciar, combater e final
mente transcender as imposturas e hipo
crisias que o limitam, até encontrar a sua
voz e a rapariga certa. Nlas a outro nível
é um romance muito mais invulgar, na
medida em que tenta resolver os di.lemas
de um certo tipo de romance e protago
nista moderno (ou mesmo modernista),
com meios ferozmente idiossincráticos.
Em vez de uma deriva interior ou de
uma epifania ambígua, a narrativa ofere
ce a Dixon um sucessão de prendinhas.
A sua alienação é transcendida quando
ele aprende a aceitar essas prendinhas
sem a bagagem da culpa ou da piedade.
Algumas circunstâncias são melhores do
que outras, algumas raparigas são mais
giras do que outras e <<todas as deduções
que pudessem ser feitas a partir desse f.'lc
to deveriam sê-lo: eram inúmeras as ma
neiras de as coisas agradáveis serem mais
agradáveis do que as desagradáveiS>>.
Creio que não se diminui o prazer de
nenhum leitor vi rgem ao revelar que
as coisas agradáveis, quando chegam,
chegam em força. O clímax do romance
é como uma versão colorida d 'O Processo de Kafka, em que Josef K. consegue
não apenas ser liminarmente ilibado de
quaisquer acusações, como ainda esbofe
tear os polícias, seduzir a filha do juiz e
ganhar a lotaria de Praga. Não é preciso
efetuar grandes piruetas exegéticas para
categorizar A Sorte dejim: trata-se de um
supremo conto de fadas, em que vivem
felizes para sempre, e sem qualquer su
gestão de ressaca.
CRÍTICA DA PÁG. 66
O ÚLTIMO IMPERADOR
Depois do esperado retrocesso medie
val (quando as soluções mais populares
eram sangue de sapo, excremento de ca
bra e água benta), a opção pela remoção
cirúrgica voltou em força no século XIX,
graças aos esforços de William Halsted,
o cocainómano pioneiro da mastectomia
radical, e fervoroso adepto da doutrina se-
90
gundo a qual se a remoção é a CW'a, então
mais remoção é uma cura ainda melhor:
além da C-'l.tração da mama, Halsted deci
diu aplicar a técnica da retroescavadora,
retirando clavículas, músculos peitorais,
nódulos linfáticos, ombros, qualquer coi
sa que estivesse no caminho e represen
tasse uma potencial ameaça. (Embora o
termo <<mastectomia radical» fosse usado
no sentido etimológico clássico de ir à
<<raiz» do problema, ao ler as tenebrosas
descrições desse Granel Guignol clínico,
é mais fácil pensar nos outros sentidos co
loquiais da palavra: extremismo- e fim
damentalismo.)
As sucessivas revoluções científicas
pós-1945 (a descoberta dos antibióticos,
as consideráveis melhorias na higiene
pública, o desenvolvimento de novas téc
nicas cirúrgicas) aumentaram drastica
mente as esperanças de longevidade das
populações em países desenvolvidos, mas
o cancro permaneceu uma incómoda e'<
ceção- recusando-se a <<acertar o passo
com a marcha do progresso>>. O número
de casos crescera exponencialmente des
de os seus raros e misteriosos primórdios,
enquanto as possibilidades de cura per
maneciam no mesmo patamar. Parte do
problema é que o cancro é a doença civi
lizacional por excelência: <<torna-seco
mum depois de termos erradicado todas
as outras doenças>>. O aumento da espe
rança média de vida dos seres humanos
não causou o cancro, mas permitiu que ele
se tornasse mais comum.
E ste facto trouxe consigo problemas
culturais. Ao contrário de outras doenças,
o cancro não teve tempo para se tornar
banal. Mukherjee recupera com inte
ligência o célebre argumento de Susan
Sontag (expostO em 11/ness as j'vfetaphor) sobre os modos específicos como as
doenças paradigmáticas das suas épocas
são personificadas e metaforizadas. Se a
tuberculose- a doença-padrão do século
XIX- alcançou uma aura ele romantis
mo, o cancro era a praga secreta, a doen
ça obscena, impossível de esteticizar. Mais
do que a morte, era definida pela longa c
desvitalizante agonia que a precede, uma
agonia que as pressões sociais empurra
vam para a privacidade. J á na década de
50, quando uma sobrevivente do cancro
da mama tentou publicar no New York Times um anúncio pago a um grupo de
apoio a mulheres com o mesmo proble
ma, o editor explicou-U1e educada mente
que o venerável livro de estilo não permi
tia os vocábulos <<Cancro>> nem <<mama>>.
Os primeiros esforços políticos para
instintcionalizar as respostas à doença fo
ram comicamente grotescos: um senador
de W est Virgínia exigiu durante uma
sessão do Congresso que se oferecesse
uma recompensa em dinheiro a qualquer
pessoa possuidora de informação <<que
pudesse conduzir à prisão do cancro»
(esse delinquente do faroeste). Cultural
mente, as coisas só se alteraram com o
encontro fortuito entre Sidney Farber
(o inventor da quimioterapia) e Mary
L asker, uma socialite de Chicago à pro
cura de uma causa ftlantrópica, um en
contro que Mukherjee descreve como
o de dois viajantes, <<cada um com uma
metade do mapa>>. Foram os seus esforços
combinados -legitimidade cientifica e a
arte para a manobra política e angariação
de fundos- que levaram à célebre decla
ração <<Guerra contra o Cancro» feita por
ixon, um vago mas gigantesco projeto
instintcional que basicamente significou
um dilúvio de fundos governamentais
no ataque à doença. Tal como muitas das
guerras abstratas que os Estados U nidos
declararam (às drogas, ao terrorismo), os
resultados práticos foram desiguais, mas
os efeitos culturais, pelo menos desta vez,
foram mais positivos do que negativos.
Embora os últimos capítulos do livro
deixem uma nota de esperança, revelan
do os notáveis resultados conseguidos
por <<drogas milagrosas» como o Gleevec ou o Herceptin, sugerindo uma nova ge
ração de medicamentos «inteligentes»
que ataquem a mutação genética na sua
origem pré-celular, Mukherjee perma
nece cético sobre a possibilidade de uma
cura total, no sentido em que habitual
mente entendemos a expressão. Tranfor
mar vários tipos de cancro em doenças
crónicas, como a diabetes, é a máxima
utopia que Mukhetjee se permite suge
rir. Numa doença desvendada pela lon
gevidade, e cujos processos são réplicas
dos nossos processos vitais- de reprodu
ção, de regeneração - talvez o cancro
represente «O limite intrínseco da nossa
sobrevivência». Se o cancro é, para todos
os efeitos, um derradeiro despotismo
clínico por derrotar, talvez a melhores
perança seja essa: uma espécie de lenta
transição democrática, transformando o
último imperador num soberano vitalí
cio, mas privado do seu poder absoluto.
junho 2012
ARTIGO DA PÁG. 78
ACORDO ORTOGRÁFICO
O texto oficial estabelece ainda como
opcional o acento em formas verbais
como amámos, passámos (pretérito petfei
to do indicativo), em dêmos (l.• pessoa
do plural do presente do conjuntivo) e
em forma (nome)- Base IX, 4.0 c 6.0 , b).
Tendo em conta o exposto, propõe-se,
em primeiro lugar, a reposição do acento
diferencial em pára, pé/a, pêlo c pólo. Em
segundo lugar, propõe-se uma nova re
dação que recomende explicitamente as
formas acentuadas do passado termi
nadas em -ámos na variedade europeia
da língua, para as distinguir das corres
pondentes formas não accnntadas do
presente do indicativo, bem como a for
ma dêmos para se distinguir de demos, correspondente forma do pretérito per
feito do indicativo, e forma, que enquan
to nome será graf.1da sem acento na nor
ma de variedade europeia c com acento
circunflexo na norma brasileira.
No que diz respeito à hifcnização, uma
das novas reg ras estabelece o emprego
do lúfen nas palavras compostas que de
signam espécies botânicas c zoológicas
(Base XV, 3.0 ). Este critério de uso obri
gatório do hífen em compostos perten
centes à botânica e à zoologia, nomeada
mente a espécies, poderia ser alargado
a outras áreas de especialidade, como
a química, citando como exemplos os vo
cábulos azul-da-pníssia, azul-de-cobalto ou azul-de-metileno, que se manteriam
hifenizados, por serem termos técnicos.
Ai nda dentro deste tópico, vale a pena
f.'lzer referência a um aditamento da res
ponsabilidade da Comissão de L exico
logia e L exicografia da Academia Bra
sileira de Letras, seguido pela equipa
pormguesa responsável pelo vocabulário
oficializado, que esclarece o não empre
go do hífen quando palavras que desig
nam espécies botânicas e zoológicas têm
outros sentidos que não são técnicos.
Assim, há compostos que surgem des
dobrados como, por exemplo, pé-de-galinha (planta) e pé de galinha (ruga).
Apesar ele ser um critério coeso, sur
gem algumas dúvidas: será que devemos
hifenizar vocábulos como griio-de-bico? Enquanto espécie, não há dúvidas, mas
Revista UB
enquanto semente leva hílc:n? E f>inhn ro-de-riga? Sendo uma espérit', 1<' 111 l11
fenes. E a madeira designada de f> inho -de-riga terá hífcncs? Propomos qur
o lúfen seja alargado, por isso, a todas a'
áreas de especialidade, c não apenas a
espécies da botânica e da zoologia. I l:í outro problema que se pode levantar re
lativamente a este tipo de compostos.
No caso de esse vocábulo ser uma desig
nação popular de uma espécie botânica
ou zoológica, o hífen será obrigatório,
como em bicho-da-madeim? Não pare
ce com preensível hifenizar as designa
ções populares, pelo que as equipas dos
vários países subscritores poderiam ten
tar chegar a um entendimento sobre
estes casos.
Apesar de o objetivo da reforma ser a
unificação das duas ortografias oficiais
da língua portuguesa, as instituições,
e concretamente as equipas responsáveis
pelos vocabulários oficializados, têm vin
do ponn1almente, c sem maiores expli
cações, a tomar decisões que não são
convergentes no que respeita às opções
g ráficas de diversas palavras c cm que
poderia ser útil acordarem uma unifor
mização.
No caso de locuções de uso geral, ovocabulário oficial em Portugal , além de
aceitar variantes ortográficas para as ex
ceções consagradas pelo uso, indicia que
a nova norma apenas se aplica às sequên
cias constintídas por um nome seguido
por preposição e por outro nome (por
exemplo, dia a dia,fim de semana, sem lú
fen, mas azul-e-branco, leva-e-traz, com
hífen). Refira-se ainda que o facto de este
vocabulário apenas atestar as locuções re
gistadas no Vocabulário da Língua Portuguesa ele Rebelo Gonçalves é algo redu
tor, pois embora ainda seja uma grande
obra de referência em língua portuguesa,
é um vocabulário datado de 1966 e que
não regista, por isso, mLútas outras estru
nlfas usadas anta! e correntemente como,
por exemplo, sobe-e-desce e todo-o-terreno. É também o caso de e-xpressões com va
lor de substantivo: será faz de conta, sem
hífcnes, ou faz-de-conta, com hífencs?
( )u ll :1, dúvidas surgem se nos referirmos
h lo1111as onom:ísticas que entram na
, <>IIIJ'I " i'.u ' <k palavras do vocabulário
<OIIHIIII: III'' ' ''' ca~os,os nomes próprios
g1.tfa111 ' r rom inirialmaiúscula ou mi-
1\la-tul.. ~ s\'1.1 l'akanhur dt• uquilt•s ou calfllnhm t/,·;/r;ui/, ·,, 11/tl ftl de / Ir/ao ou maçii t!t· atino, tiniu tlu l'hina ou tiniu da China? Por l'tltimo, o~ rompo~ lOs com elemen
tos repetidos sao hi l\:nizados, sq~;undo
critério ditado pela Comissao de l .cxico
logia e Lexicografia da Academia lhas i
!eira de L etras, enquanto cm Portu~al se
segue a tradição gráfica c esse tipo de vo
cábulos se escreve como uma só palavra.
Teremos, assim, tique-taque a par ele tiquetaque ou zum-zum a par de zunzmn. Uma ve-.t mais, diferentes leituras do tex
to oficial f.12em proliferar grafias duplas.
Uma ortografia simplificada tem sido a
linha seguida desde a primeira grande re
fo rma ortográfica portuguesa (1911) e
é seguindo essa mesma linha que se pre
tende reduzir ao máximo as divergências
entre as duas normas ortográficas exis
tentes, garantindo assim uma maior
uniformização de critérios, sem esquecer
de descrever linguisticamentc as varie
dades africanas, asiáticas e galega do por
tuguês. É conveniente e vantajoso de
fmir uma política linguística que seja
um instrumento de conservação do vas
to património que representa a língua
portuguesa, reconhecendo a pluralidade
e diversidade do nosso idioma. D eve
mos prosseguir na <<demanda>• de um sis
tema ortográfico que se adeque a todos
os territórios em que se fala e escreve em
português.
O tema não se esgota aqui e muito
mais haveria a acrescentar. Este contri
buto deve ser encarado tão-somente
como ponto de partida para uma refle.'<ão
conjunta de estudiosos e investigado
res, numa perspetiva de lusofonia que
o Acordo exige. Sirva o presente artigo
para animar todos os interessados na ela
boração de uma proposta de revisão que
vise apeifeiçoar o novo A cordo Ortográ
fico e estabelecer novos critérios orienta
dores mais uniformes, quanto antes.
91