O Pico de Hubbert e o Futuro

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RESUMO O artigo visa divulgar o conceito de pico da produção mundial de petróleo (Pico de Hubbert), assim como a metodologia utilizada para estimar sua data de ocorrência. Apresentam-se ainda dois cenários para a produção futura de petróleo: o de um grupo de especialistas seguidores da metodologia de Hubbert e o adotado por órgãos governamentais norte-americanos. O pico da produção de petróleo deverá ocorrer – se a hipótese apresentada no artigo estiver correta – em poucos anos, tornando crucial a questão da sua substituição como fonte de energia. As perspectivas das diversas fontes alternativas com potencial para substituir parcialmente o petróleo são, portanto, examinadas sumariamente. O trabalho faz igualmente comentários a respeito da situação do Brasil em face de uma possível crise energética, concluindo que a posição do país é relativamente favorável. ABSTRACT This article aims to inform about the concept of the world oil production’s peak (Hubbert’s Peak), as well as the methodology used to estimate when it will happen. Two scenarios are also developed regarding the oil production in the future: one conceived by a group of experts who follow Hubbert’s methodology, and another adopted by North American Government institutions. The peak of oil production should occur – if the hypothesis presented in this article are correct – in a few years, making it crucial the substitution of oil as a source of energy. The prospects of various alternative sources as potential oil substitute are, therefore, briefly examined. This paper also makes comments about Brazil’s situation concerning a probable energy crisis, concluding that the country’s position is relatively favorable. * Respectivamente, gerente no Departamento de Bens de Consumo e Serviços e gerente no Departa- mento de Indústrias Químicas do BNDES. Os autores agradecem a colaboração de Luiz Sérgio de Figueiredo Macedo e Pedro Martins Simões, respectivamente assistente técnico e estagiário no Departamento de Bens de Consumo e Serviços do BNDES, assim como os comentários de Sergio Varella. O Pico de Hubbert e o Futuro da Produção Mundial de Petróleo O Pico de Hubbert e o Futuro da Produção Mundial de Petróleo SÉRGIO EDUARDO SILVEIRA DA ROSA GABRIEL LOURENÇO GOMES* REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004

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  • RESUMO O artigo visa divulgar oconceito de pico da produo mundialde petrleo (Pico de Hubbert), assimcomo a metodologia utilizada paraestimar sua data de ocorrncia.Apresentam-se ainda dois cenriospara a produo futura de petrleo: ode um grupo de especialistasseguidores da metodologia de Hubberte o adotado por rgosgovernamentais norte-americanos.

    O pico da produo de petrleo deverocorrer se a hiptese apresentada noartigo estiver correta em poucosanos, tornando crucial a questo dasua substituio como fonte deenergia. As perspectivas das diversasfontes alternativas com potencial parasubstituir parcialmente o petrleo so,portanto, examinadas sumariamente.O trabalho faz igualmentecomentrios a respeito da situao doBrasil em face de uma possvel criseenergtica, concluindo que a posiodo pas relativamente favorvel.

    ABSTRACT This article aims toinform about the concept of the worldoil productions peak (HubbertsPeak), as well as the methodologyused to estimate when it will happen.Two scenarios are also developedregarding the oil production in thefuture: one conceived by a group ofexperts who follow Hubbertsmethodology, and another adopted byNorth American Governmentinstitutions.

    The peak of oil production shouldoccur if the hypothesis presented inthis article are correct in a fewyears, making it crucial thesubstitution of oil as a source ofenergy. The prospects of variousalternative sources as potential oilsubstitute are, therefore, brieflyexamined. This paper also makescomments about Brazils situationconcerning a probable energy crisis,concluding that the countrys positionis relatively favorable.

    * Respectivamente, gerente no Departamento de Bens de Consumo e Servios e gerente no Departa-mento de Indstrias Qumicas do BNDES. Os autores agradecem a colaborao de Luiz Srgio deFigueiredo Macedo e Pedro Martins Simes, respectivamente assistente tcnico e estagirio noDepartamento de Bens de Consumo e Servios do BNDES, assim como os comentrios de SergioVarella.

    O Pico de Hubbert e o Futuroda Produo Mundial dePetrleo

    O Pico de Hubbert e o Futuroda Produo Mundial dePetrleo

    SRGIO EDUARDO SILVEIRA DA ROSAGABRIEL LOURENO GOMES*

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004

  • 1. Introduo

    objetivo principal deste artigo contribuir para a divulgao no Brasildo conceito de pico da produo mundial de petrleo (Pico de

    Hubbert), ou seja, da concepo de que a sua produo segue, ao longo dotempo, uma curva aproximadamente normal. Trata-se de tema de grandeimportncia, uma vez que h indcios de que o pico correspondente aoponto mdio da curva ocorrer dentro de poucos anos.

    Caso essas previses estejam corretas, a crise de oferta iminente, e poucopoder ser feito para amenizar seus efeitos danosos para a economia mun-dial. Provavelmente, o ajuste inicial do mercado de petrleo seria feito pormeio de uma forte retrao da demanda, pressionada pelos preos elevados,o que se traduziria em uma forte e duradoura recesso mundial. Somando-sea isso, a substituio do petrleo por outras fontes de energia teria de ocorrerde forma abrupta e constante para manter estveis os nveis de atividadeeconmica.

    A parte central do artigo consiste na exposio do conceito de pico deproduo, assim como da metodologia utilizada por um grupo de especialis-tas para estimar o momento em que ele ser atingido. Como a metodologiaexige a quantificao das reservas conhecidas de petrleo, sero apresenta-das as estimativas do montante das reservas feitas por esses especialistas,que so muito diferentes dos valores geralmente aceitos. Em virtude danatureza controversa do assunto, essa parte do trabalho aborda, em contra-posio, as projees de longo prazo do governo norte-americano para aproduo mundial de petrleo.

    Alm de breve exame dos aspectos relativos distribuio geogrfica dasjazidas de petrleo e gs natural, ser discutida a questo decisiva dasfontes de energia alternativas ao petrleo. Finalmente, ser analisada asituao do Brasil em face de uma eventual crise energtica, que seria muitodiferente dos choques do petrleo ocorridos na dcada de 1970.

    2. Situao Atual das Reservas de Petrleo e de2. Gs Natural

    Um fator crucial para a anlise do mercado mundial de petrleo aconcentrao das reservas no Oriente Mdio. Aps a crise na dcada de

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  • 1980, foram realizados enormes esforos para extrao de reservas empases fora da Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (Opep), oque diminuiu a sua participao na produo mundial de 52% em 1974 paraum mnimo de 29% em 1985. O investimento macio em novas fronteirasde produo, em tecnologias de extrao (inclusive em guas profundas) eno aproveitamento das reservas, diminuiu a poder de barganha da Opep aolongo das dcadas de 1980 e 1990. No entanto, a maior produo de petrleofora do cartel levou diversos pases a atingirem mais cedo o pico deproduo, a qual voltou, assim, a se concentrar nos pases do cartel.

    Em 2003, a Opep foi responsvel por 30 milhes de barris/dia, ou cerca de40% da produo mundial. Alm disso, as reservas atuais de petrleo soda ordem de 1,1 trilho de barris, com 77% desse total localizados em pasesda Opep. Nesse contexto, as projees indicam uma participao crescenteda produo de pases da Opep no mercado mundial e queda nas demaisregies produtoras, com algumas poucas excees, como o caso do Brasil.Esse fato por si s j pode resultar em um aumento do preo do petrleo eprovocar uma crise de propores moderadas antes mesmo que o pico deproduo mundial seja atingido. A evoluo das reservas mundiais depetrleo pode ser observada na Tabela 1.

    As reservas de gs natural, por sua vez, so mais abundantes que as depetrleo (ao nvel de produo atual) e menos concentradas no OrienteMdio. As maiores localizam-se na Rssia, no Ir e no Qatar, que detm emconjunto 57% das reservas mundiais. Essa relativa abundncia vem am-pliando a participao do gs natural na matriz energtica mundial, apesardas enormes dificuldades logsticas que envolvem seu transporte e dis-tribuio. O transporte pode ser feito por gasodutos ou, no caso de grandesdistncias, por navios-tanque criognicos, que necessitam de terminaisadaptados para carga e descarga, com elevados riscos ambientais e de aci-dentes. Alm disso, so necessrios investimentos na malha de distribuioe na adaptao dos equipamentos para atender aos diversos consumidoresresidenciais, comerciais e industriais.

    Grandes investimentos em infra-estrutura de transporte e distribuio estosendo realizados em todo o mundo, visando ampliar a utilizao do gsnatural. Esse movimento poder aumentar o comrcio mundial com diversosfornecedores alternativos de gs natural liquefeito (GNL), supridores dossistemas de distribuio nacionais ou regionais. A implantao dessesprojetos fundamental para absorver o impacto do pico de produo depetrleo sobre a economia, atravs da ampliao do consumo de gs naturalem substituio aos derivados de petrleo. A evoluo das reservas mundiaisde gs natural pode ser observada na Tabela 2.

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  • Tabela 1

    Petrleo: Reservas Provadas 1983/2003(Em Bilhes de Barris)

    1983 1993 2002 2003 % DOTOTAL

    RELAORESERVAS/PRODUO

    ANUAL

    Estados Unidos 35,6 30,2 30,7 30,7 2,7 11,3

    Canad 9,6 10,0 17,6 16,9 1,5 15,5

    Mxico 49,9 50,8 17,2 16,0 1,4 11,6

    Total Amrica do Norte 95,2 91,0 65,5 63,6 5,5 12,2

    Brasil 2,1 5,0 9,8 10,6 0,9 18,7

    Venezuela 25,9 64,4 77,2 78,0 6,8 71,5

    Total Amrica Central e do Sul 33,7 79,1 100,5 102,2 8,9 41,5

    Cazaquisto n.d. n.d. 9,0 9,0 0,8 22,3

    Noruega 3,8 9,5 10,4 10,1 0,9 8,5

    Federao Russa n.d. n.d. 67,0 69,1 6,0 22,2

    Total Europa e Eursia 100,1 80,4 104,3 88,2 9,2 17,1

    Ir 55,3 92,9 130,7 130,7 11,4 92,9

    Iraque 65,0 100,0 115,0 115,0 10,0 a

    Kuwait 67,0 96,5 96,5 96,5 8,4 a

    Qatar 3,3 3,1 15,2 15,2 1,3 45,5

    Arbia Saudita 168,8 261,4 262,8 262,7 22,9 73,3

    Emirados rabes Unidos 32,3 98,1 97,8 97,8 8,5 a

    Total Oriente Mdio 396,9 660,1 726,8 726,6 63,3 88,1

    Arglia 9,2 9,2 11,3 11,3 1,0 16,7

    Angola 1,7 1,9 8,9 8,9 0,8 27,5

    Lbia 21,8 22,8 36,0 36,0 3,1 66,3

    Nigria 16,6 21,0 34,3 34,3 3,0 43,1

    Total frica 58,2 60,9 101,7 101,8 8,9 33,2

    China 18,2 29,5 23,7 23,7 2,1 19,1

    Total sia-Pacfico 39,0 52,0 47,5 47,7 4,2 16,6

    Total Mundo 723,0 1.023,6 1.146,3 1.147,7 100,0 41,0

    OCDE 110,3 111,0 87,3 85,8 7,5 11,1

    Opep 475,3 774,5 881,6 882,0 76,9 79,5

    No-Opep 162,9 186,5 179,9 178,8 15,6 13,6

    Antiga Unio Sovitica 84,8 62,6 84,8 86,9 7,6 22,7

    Fonte: British Petroleum (2004).Nota: Pases selecionados, com reservas acima de 0,8% das reservas mundiais.aMais de 100 anos.

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO24

  • Tabela 2

    Gs Natural: Reservas Provadas 1983/2003(Em Trilhes de m3)

    1983 1993 2002 2003 % DOTOTAL

    RELAORESERVAS/PRODUO

    ANUAL

    Estados Unidos 5,61 4,55 5,23 5,23 3,0 9,5 Canad 2,61 2,23 1,66 1,66 0,9 9,2 Total Amrica do Norte 10,40 8,75 7,32 7,31 4,2 9,5 Argentina 0,68 0,52 0,66 0,66 0,4 16,2 Bolvia 0,13 0,12 0,81 0,81 0,5 a Brasilb 0,10 0,19 0,24 0,25 0,1 24,3 Venezuela 1,56 3,69 4,18 4,15 2,4 a Total Amrica Central e do Sul 3,18 5,54 7,22 7,19 4,1 60,6 Azerbaijo n.d. n.d. 1,37 1,37 0,8 a Cazaquisto n.d. n.d. 1,90 1,90 1,1 a Holanda 1,94 1,88 1,57 1,67 0,9 28,6 Noruega 0,47 1,76 2,12 2,46 1,4 33,5 Federao Russa n.d. n.d. 47,00 47,00 26,7 81,2 Turcomenisto n.d. n.d. 2,90 2,90 1,6 52,6 Uzbequisto n.d. n.d. 1,85 1,85 1,1 34,5 Total Europa e Eursia 40,48 63,62 61,86 62,30 35,4 60,8 Ir 14,05 20,70 26,69 26,69 15,2 a Iraque 0,82 3,10 3,11 3,11 1,8 a Kuwait 1,04 1,49 1,56 1,56 0,9 a Qatar 3,40 7,07 25,77 25,77 14,7 a Arbia saudita 3,54 5,25 6,65 6,68 3,8 a Emirados rabes Unidos 3,05 5,80 6,06 6,06 3,4 a Total Oriente Mdio 26,38 44,43 71,69 71,72 40,8 a Arglia 3,53 3,70 4,52 4,52 2,6 54,6 Egito 0,20 0,60 1,66 1,76 1,0 70,4 Nigria 1,37 3,68 5,00 5,00 2,8 a Total frica 6,29 10,01 13,68 13,78 7,8 97,5 Austrlia 0,50 0,56 2,55 2,55 1,4 76,9 China 0,75 1,03 1,75 1,82 1,0 53,4 Indonsia 1,19 1,82 2,56 2,56 1,5 35,2 Malsia 1,40 1,83 2,48 2,41 1,4 45,0 Total sia-Pacfico 5,95 8,73 13,38 13,47 7,7 43,4 Total Mundo 92,68 141,08 175,15 175,78 100,0 67,1 Unio Europia (15) 3,44 3,24 2,79 2,88 1,6 14,1 OCDE 15,23 14,70 15,05 15,48 8,8 14,2 Antiga Unio Sovitica 36,00 57,80 56,40 56,40 32,1 78,0 Fonte: British Petroleum (2004).Nota: Pases selecionados, com reservas acima de 0,8% das reservas mundiais, ou localizados prximosao Brasil.aMais de 100 anos.bNo considera a nova descoberta de 70 bilhes de m3 na Bacia de Santos, anunciada recentemente pelaPetrobras.

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  • 3. O Pico de Hubbert

    Na literatura referente produo de petrleo, assim como na coberturajornalstica sobre o assunto, muito freqente a utilizao da relaoreservas/produo quando se discute o futuro do petrleo. As estimativasmais comuns so de que as reservas comprovadas atingem cerca de umtrilho de barris, o que, considerando-se a produo atual de cerca de 25bilhes de barris/ano, garantiria o atendimento da demanda por 40 anos. Aampla divulgao dessa relao e sua utilizao sem ressalvas, alm decontribuir de forma decisiva, sem dvida, para a falta de preocupao daopinio pblica com o suprimento de petrleo a mdio e longo prazo,pressupem que a evoluo da produo segue um dos perfis abaixo:

    x aumento at um certo patamar, que se mantm por vrios anos, seguidode rpido declnio; e

    x aumento constante at um pico, seguido de declnio muito rpido.A curva habitual da produo de um determinado campo de petrleo,entretanto, no obedece a nenhum desses dois padres. Como se trata deaspecto crucial para os objetivos deste trabalho, conveniente fazer umabreve digresso a propsito dos mecanismos da extrao de petrleo.

    O petrleo assim como o gs natural se origina, como amplamenteconhecido, de alteraes qumicas sofridas por sedimentos orgnicos aolongo de milhes de anos.1 O material orgnico inicialmente slido trans-forma-se em uma mistura de hidrocarbonetos lquida ou gasosa quepreenche os interstcios de uma camada rochosa. Ocorre que esses hidrocar-bonetos, em virtude de serem menos densos que o material orgnico original,esto submetidos a considervel presso por parte das rochas que os contm[Campbell (1997)]. Ao se perfurar um poo, a presso nos poros da camadarochosa faz com que o petrleo ou o gs subam at superfcie.

    O papel da presso da jazida explica o perfil de extrao normalmenteencontrado em poos de petrleo (Grfico 1). Aps uma rpida expansoat um pico, a extrao decresce gradativamente, medida que cai a pressoda jazida e o fluxo do petrleo em seu interior dificultado pela tensosuperficial dos poros [Campbell (1997)].

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO26

    1 Existe uma teoria alternativa, com muito poucos seguidores, que atribui origem inorgnica aopetrleo e ao gs natural [Gold (1993)].

  • A queda da presso e o fluxo de petrleo so influenciados por diversosfatores, cuja anlise detalhada est fora do escopo deste trabalho. O impor-tante, para os nossos fins, observar que a curva de exausto de um poode petrleo diverge da sugerida pela relao reservas/produo.

    O que se aplica a um poo individual vlido, em linhas gerais, para umajazida ou uma provncia petrolfera. A nica e crucial diferena que,em face da otimizao da produo de diversos poos, a produo de umaprovncia petrolfera segue, aproximadamente, uma curva normal [Camp-bell e Laherrre (1998)] (Grfico 2). Caso o poder de mercado da empresaproprietria da jazida seja suficientemente grande para controlar a taxa deextrao, possvel que se verifique um patamar, e no um pico, emborasem modificaes nos perodos de crescimento e declnio [Campbell(1997)].

    Baseando-se nos perfis de extrao expostos acima, o renomado gelogoM. King Hubbert previu, em 1956, que a produo de petrleo dos EstadosUnidos chegaria ao pico em torno de 1970, seguindo-se um longo perodode declnio [Deffeyes (2001)]. A previso revelou-se correta (o pico foiatingido em 1969) e pode ser considerada como a origem remota dos estudosa respeito da exausto do petrleo comentados no presente trabalho. O pontoem que a produo atinge o mximo foi denominado Pico de Hubbert, emsua homenagem.

    Tempo

    Produo

    Grfico 1

    Curva Natural de Extrao

    Fonte: Campbell (1997).

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  • A metodologia utilizada por Hubbert relativamente simples, podendo serentendida por no especialistas sem grandes dificuldades, desde que fixadosos conceitos bsicos. A premissa inicial que as jazidas de petrleo sodescobertas, em geral, de acordo com a seqncia descrita a seguir [Goods-tein (2004)]:

    x em primeiro lugar, descobrem-se as jazidas mais acessveis (por exemplo,situadas a pouca profundidade);

    x medida que evoluem as tecnologias de prospeco e o conhecimentogeolgico da provncia em questo, descobrem-se as jazidas de maiordimenso; e

    x as ltimas jazidas a serem descobertas sero as de acesso mais difcil ede dimenses relativamente reduzidas.

    Essa seqncia corresponde, aproximadamente, a uma curva normal, cujoponto mdio seria ocupado pela jazida de maior porte da regio. Tal perfilde descobertas no apenas hipottico, sendo semelhante ao verificado emdiversas regies. J a curva de produo, por outro lado, tambm aproxi-madamente normal, como visto, desde que os produtores no interrompamartificialmente o aumento da extrao (hiptese pouco realista numaconjuntura de crescimento do consumo).

    Tempo

    Produo

    Grfico 2

    Extrao em uma Provncia Petrolfera

    Fonte: Campbell e Laherrre (1998).

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO28

  • A evoluo da produo numa provncia determinada, portanto, pode serestimada com razovel preciso at o esgotamento, desde que sejam co-nhecidas a seqncia temporal da produo e o total das reservas. Esse total,por sua vez, pode ser estimado a partir da seqncia das descobertas. Comoas duas seqncias seguem, em linhas gerais, o mesmo padro (curvanormal), possvel confirmar a curva de produo defasando tipicamentede algumas dcadas a curva das descobertas, conforme pode ser observadono exemplo do Grfico 3.

    A previso de Hubbert foi bastante facilitada, sem dvida, pela abundnciade informaes a respeito da produo e das descobertas de petrleo nosEstados Unidos, assim como pelo fato de que a evoluo da produonorte-americana obedece basicamente a fatores de ordem econmica. Atentativa de estimar o pico da produo mundial que ser objeto da prximaseo muito mais difcil. De fato, as informaes a respeito da produoe das reservas so de qualidade muito desigual e, com freqncia, poucoconfiveis. Alm disso, a produo de petrleo na regio mais importante o Golfo Prsico sofreu forte influncia de fatores polticos por muitotempo, o que distorce consideravelmente as projees.

    050100150200250300350400450

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    Seqncia de descobertas defasada em cerca de 30 anosCurva de produo aproximada

    Descobertas(BilhesdeBarris)

    Produo(BilhesdeBarris/Ano)

    Grfico 3

    Exemplo Ilustrativo da Correlao entre o Pico de Produo e asDescobertas

    Fonte: Campbell (1997).

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  • 4. Estimativas da Data de Ocorrncia do Pico

    O mtodo desenvolvido por Hubbert para prever o futuro da extrao depetrleo nos Estados Unidos pode ser aplicado ao mundo como um todo, oque foi feito, em 1982, pelo prprio Hubbert [Deffeyes (2001)]. Para tanto,basta estimar a totalidade do petrleo existente (em condies de ser extradode forma econmica) e a taxa de crescimento da produo. No momento emque a produo acumulada atingir a metade ou, no mnimo, a vizinhanada metade do total existente, a produo estar no mximo e tender adeclinar a partir desse ponto.

    A grande dificuldade para efetuar esse clculo consiste, como seria deesperar, em conhecer a totalidade do petrleo existente. De fato, as infor-maes sobre reservas so pouco confiveis e, freqentemente, considera-das segredo de Estado. A proporo do petrleo recupervel economica-mente, por outro lado, depende fortemente da evoluo da tecnologia daextrao. Finalmente, o prprio crescimento da demanda s pode ser proje-tado com alguma incerteza, j que envolve, por exemplo, o clculo daelasticidade de substituio por outras fontes de energia.

    Levando em conta as dificuldades mencionadas, os especialistas que acei-tam as idias de Hubbert dispuseram-se a dimensionar, com o mximo deconsistncia possvel, o montante do petrleo economicamente recupervele, por conseguinte, a data de ocorrncia do pico [Campbell (1997), Laherrre(2000), Deffeyes (2001)]. O resultado desses esforos ser apresentado aseguir.

    Para estimar o total do petrleo recupervel, preciso quantificar:

    x a produo acumulada;x as reservas conhecidas;x as reservas a serem descobertas; ex a evoluo futura da taxa de extrao.A produo acumulada no oferece, naturalmente, grandes problemas. Asituao bem diferente no que se refere s demais questes, a comearpelas reservas conhecidas. Com efeito, a definio de reserva de petrleovaria de modo substancial, conforme os pases ou empresas produtores. Adiscusso dos critrios utilizados encontra-se fora do escopo do presente

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO30

  • artigo,2 que se basear nas informaes divulgadas pela imprensa espe-cializada,3 com importantes ressalvas que sero feitas adiante.

    Alm do valor absoluto das reservas, fundamental levar em consideraoem que data elas foram descobertas. De fato, boa parte do crescimento dasreservas se deve reavaliao das j conhecidas, e no descoberta de novasjazidas. Alguns autores, utilizando informaes de bases de dados privadas,procuraram eliminar esse crescimento aparente atravs do chamado back-dating, tcnica que permite antecipar que, se as reservas em uma jazida soreavaliadas, o valor revisto considerado como estando presente na data emque ela foi descoberta [Illum et alii (2003)]. O Grfico 4 permite comparara evoluo das reservas mundiais de petrleo, de acordo com a tcnica dobackdating e com os mtodos usuais.

    O grfico torna perfeitamente claro supondo, naturalmente, que as es-timativas dos autores citados sejam corretas o carter errneo da percepogeneralizada de que as reservas tm crescido regularmente, apesar doaumento da produo. fcil imaginar as conseqncias de uma mudananessa percepo para as expectativas quanto ao futuro da produo, e dospreos, do petrleo.

    0100200300400500600700800900

    1.0001.1001.2001.300

    1950

    1953

    1956

    1959

    1962

    1965

    1968

    1971

    1974

    1977

    1980

    1983

    1986

    1989

    1992

    1995

    1998

    2001

    2004

    2007

    2010

    Oil & Gas Journal

    Laherrre (2000)

    Grfico 4

    Reservas Mundiais de Petrleo segundo Estimativas do Oil &Gas Journal e de Laherrre (2000) 1950/2010(Em Bilhes de Barris)

    Fonte: Laherrre (2000).

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004 31

    2 Os mltiplos critrios de mensurao das reservas so discutidos em Simmons International (2004).3 Relatrios da British Petroleum (ver Seo 2).

  • Antes de examinar as perspectivas de novas descobertas, necessrioanalisar, sumariamente, os aumentos das reservas declaradas por pases eempresas produtores que, aparentemente, no esto relacionados com novasjazidas. O exemplo mais ntido, sem dvida, o dos pases da Opep, cujaproduo obedece a um sistema de quotas, estabelecido em 1982, no esforode manter os elevados preos ento vigentes [Yergin (1993)]. O sistema dequotas, entretanto, no conseguiu deter a acentuada queda dos preos a partirde 1986, motivada, principalmente, pelo grande aumento na produo depases no pertencentes Opep, o que levou os seus membros a tentaraumentar suas quotas individuais, de modo a compensar a queda nos preospelo aumento da produo. Como as reservas declaradas constituem um dosfatores para determinar as quotas de cada membro, o resultado foi o grandecrescimento das reservas, o que parece suspeito a muitos analistas do setor,por no corresponder a descobertas conhecidas [Campbell (1997)] (a Tabela3 ilustra a situao). Nesse contexto, existem razes para supor que a ArbiaSaudita estaria prxima do pico, j que a maior parte de sua produo extrada de um nico campo que j produz h muitos anos.4

    A prtica de declarar nveis de reservas provadas que no correspondem realidade no est restrita aos pases exportadores de petrleo, pois hindcios de que algumas empresas petrolferas subestimam o volume das

    Tabela 3

    Aumentos Anmalos Reportados das Reservasa 1980/95 ABU

    DHABIDUBAI IR IRAQUE KUWAIT ARBIA

    SAUDITAVENEZUELA

    1980 28,0 1,4 58,0 31,0 65,4 163,3 17,9

    1981 29,0 1,4 57,5 30,0 65,9 165,0 18,0

    1982 30,6 1,3 57,0 29,7 64,5 164,6 20,3

    1983 30,5 1,4 55,3 41,0 64,2 162,4 21,5

    1984 30,4 1,4 51,0 43,0 63,9 166,0 24,9

    1985 30,5 1,4 48,5 44,5 90,0 169,0 25,9

    1986 31,0 1,4 47,9 44,1 89,8 168,8 25,6

    1987 31,0 1,4 48,8 47,1 91,9 166,6 25,0

    1988 92,2 4,0 93,0 100,0 91,9 167,0 56,3

    1989 92,2 4,0 92,9 100,0 91,9 167,0 58,0

    1990 92,2 4,0 92,9 100,0 94,5 257,5 59,0

    1995 92,2 4,3 88,2 100,0 94,0 258,7 64,5Fonte: Campbell (1997).aOs aumentos esto sublinhados em negrito.

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO32

    4 Ver a entrevista de Matt Simmons publicao Petroleum News, de 1 de agosto de 2004.

  • reservas contabilizadas em seus relatrios financeiros peridicos. O objetivoseria, aparentemente, apresentar aos investidores do mercado de capitais umquadro de crescimento regular das reservas (principal ativo dessas empre-sas), de modo a garantir a valorizao contnua de suas aes [Laherrre(2000)]. O recurso subestimao, no entanto, tem limites, j que em algummomento o crescimento declarado das reservas colidiria com a realidade, oque seria uma explicao para a surpreendente reviso para baixo dasreservas da Shell, ocorrida em janeiro de 2004 [Aspo (2004)].

    Levando em conta os ajustes mencionados acima, os seguidores de Hubbert reunidos na Association for the Study of Peak Oil&Gas (Aspo) estimamque as reservas provadas de petrleo convencional (excludos os provenien-tes das regies polares e de guas profundas) so da ordem de apenas 780bilhes de barris, em contraste com a estimativa de 1.150 bilhes da BritishPetroleum (ver Seo 2). J o dimensionamento da quantidade de petrleoa ser descoberta , naturalmente, muito mais controverso que o das reservasexistentes e constitui o ncleo da discrdia entre os seguidores de Hubberte o meio petrolfero (mainstream) em geral. A estimativa da Aspo (2004) de 150 bilhes de barris.

    As concluses dos defensores do modelo de Hubbert sero expostas a seguir,mostrando-se em contraposio o ponto de vista da Energy InformationAdministration (EIA), rgo especializado do governo norte-americano.Sero feitas igualmente algumas breves consideraes sobre a questo particularmente rdua do aumento da taxa de extrao de petrleo.

    O procedimento usado por Hubbert para estimar o total de petrleo existentenos Estados Unidos descrito na seo anterior foi generalizado por seusseguidores para estimar o total mundial [Campbell (1997), Laherrre (2000),Deffeyes (2001)]. O grau de incerteza do resultado bem maior, em virtude,como j foi mencionado, da qualidade inferior das informaes disponveise da evoluo menos regular das descobertas e da produo.

    Para definir a data do pico mundial que estar situado no entorno do pontomdio da curva de produo global preciso quantificar a totalidade dopetrleo recupervel existente. Cabe salientar que a maior parte do petrleocontido nas jazidas (oil in place) no recupervel, mesmo com as tecno-logias mais avanadas. O total do petrleo recupervel consiste na soma deproduo acumulada + reservas + reservas a descobrir. Pela definioadotada pela Aspo que bastante restritiva para o petrleo convencional,os valores so os seguintes, em bilhes de barris:

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004 33

  • x produo acumulada at 2003: 920;x reservas conhecidas: 780;x reservas a descobrir: 150; ex total: 1.850.O pico seria, portanto, iminente, devendo ocorrer por volta de 2005. A par-ticipao crescente do petrleo no-convencional que na definio daAspo abrange o petrleo das regies polares, o de guas profundas e oslquidos de gs natural teria pouca influncia, deslocando o pico para 2006(Grfico 5). A incluso do petrleo no-convencional eleva o montante dopetrleo recupervel para cerca de 2,5 trilhes de barris.

    A data estipulada no Grfico 5 pode parecer excessivamente prxima, prin-cipalmente para quem no tem familiaridade com os trabalhos de Hubberte de seus discpulos. Trata-se, no entanto, de questo crucial: basta imaginaras conseqncias da reduo contnua da oferta da fonte de energia usadanos transportes para a economia global. No surpreendente que a prpriaidia do Pico de Hubbert enfrente tanta resistncia. O detalhamento dasestimativas do pico de produo de petrleo convencional segundo regioencontra-se na Tabela 4.

    0,0

    5,0

    10,0

    15,0

    20,0

    25,0

    30,0

    1930

    1936

    1942

    1948

    1954

    1960

    1966

    1972

    1978

    1984

    1990

    1996

    2002

    2008

    2014

    2020

    2026

    2032

    2038

    2044

    2050

    Grfico 5

    Produo de Petrleo Convencional e No-Convencional 1930/2050(Em Bilhes de Barris/Ano)

    Fonte: Aspo (2004).

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO34

  • Antes de apresentar o cenrio adotado pela EIA, interessante observar quedois argumentos distintos parecem corroborar a previso de que o pico daproduo est prximo: em primeiro lugar, de acordo com algumas es-timativas, em cerca de metade dos pases produtores a quantidade extradaanualmente est em queda, ou seja, j passou do pico, encontrando-se nessasituao alguns dos maiores produtores mundiais, como Estados Unidos,Gr-Bretanha, Noruega, Canad5 e Indonsia (este ltimo pas, embora faaparte da Opep, tornou-se recentemente importador de petrleo); alm disso,em segundo lugar, o pico das descobertas ocorreu em meados da dcada de1960, enquanto na atualidade o volume descoberto anualmente correspondea menos de um tero, aproximadamente, da produo [Aspo (2004)]. OGrfico 6 ilustra a evoluo das descobertas desde 1930.

    Para estimar o total do petrleo recupervel existente no mundo, a EIAutiliza-se de metodologia bastante diferente da que foi discutida at agora,adotando os mtodos de outro rgo governamental, o United States Geo-logical Survey (USGS). Em vez de estimar o total a partir da extrapolaoda tendncia histrica das descobertas, o mtodo do USGS divide a super-fcie da Terra em numerosas regies, e em cada uma delas, com base emsuas caractersticas geolgicas, procura ento calcular a quantidade depetrleo recupervel original, considerando uma certa distribuio de proba-bilidade (95%, 50% e 5%). A projeo do USGS, alm disso, supe que a

    Tabela 4

    Previso do Pico de Produo segundo Regio 2005/2050REGIO EXTRAO ANUAL DE PETRLEO

    CONVENCIONAL (Milhes de Barris/Dia)BILHES

    DE BARRIS(Total)

    DATA DOPICOa

    2005 2010 2020 2050

    Estados Unidos(menos Alasca) 3,6 2,8 1,7 0,4 200 1969

    Europa 5,0 3,6 1,8 0,3 75 2000

    Rssia 9,1 10,0 5,5 0,9 210 1987

    Golfo Prsico 19,0 19,0 17,0 10,0 675 1974

    Outras Regies 27,0 23,0 17,0 9,0 690 1997

    Total 64,0 58,0 43,0 20,0 1.850 2005

    Fonte: Aspo (2004).aOs picos regionais ocorreram anteriormente ao pico global projetado em virtude do carter atpico dascurvas de produo dos pases da Opep e da antiga Unio Sovitica, entre as dcadas de 1970 e 1990.

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004 35

    5 Parcela expressiva da produo canadense atual formada por petrleo no-convencional (areiasasflticas). Ver Seo 5.

  • taxa de extrao, ou seja, a proporo do petrleo original que pode serrecupervel economicamente, ir elevar-se dos 30% atuais para 40%, emvirtude do progresso das tecnologias de extrao. O Grfico 7 compara asabordagens do USGS e do grupo cujas idias foram discutidas at omomento.

    Em documento divulgado recentemente pela internet, interessante obser-var que a EIA (2003) declara-se seguidora das idias de Hubbert, uma vezque o modelo utilizado trabalha com o conceito de pico de produo.Verifica-se, no entanto, uma diferena fundamental em relao ao modelooriginal de Hubbert: enquanto a curva de produo se mostra assimtrica, aetapa de declnio muito mais rpida que a de crescimento. Dessa forma, opico, nas projees da EIA, encontra-se muito distante, no futuro, do pontomdio da produo.

    A combinao das probabilidades estimadas pelo USGS para o total depetrleo recupervel com trs projees de crescimento da demanda resul-tou no conjunto de nove cenrios para o pico de produo de petrleo. Ostrs cenrios com crescimento de 2% so apresentados no Grfico 8.

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    10

    20

    30

    40

    50

    60

    Descobertas Passadas Descobertas Futuras Produo

    1931

    1935

    1939

    1943

    1947

    1951

    1955

    1959

    1963

    1967

    1971

    1975

    1979

    1983

    1987

    1991

    1995

    1999

    2003

    2007

    2011

    2015

    2019

    2023

    2027

    2031

    2035

    2039

    2043

    2047

    Grfico 6

    Produo versus Descobertasa 1930/2050(Em Bilhes de Barris/Ano)

    Fonte: Aspo (2004).aEstimativas a partir de 2004.

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO36

  • 01.000

    2.000

    3.000

    4.000

    5.000

    6.000

    USGS Campbell/Laherrre

    IrrecuperveisCrescimento das ReservasNo-DescobertosReservas ComprovadasProduo Cumulativa

    Grfico 7

    Reservas Totais Recuperveis de Petrleo(Em Bilhes de Barris)

    Fonte: EIA (2003).

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    Alta (5%) Baixa (95%) Mdia (50%) Histrico

    2026

    2037

    2047

    1900

    1925

    1950

    1975

    2000

    2025

    2050

    2075

    2100

    2125

    Grfico 8

    Cenrios de Produo Anual com Taxas de Crescimento de 2% eDiferentes Nveis de Reservas Recuperveis 1900/2125(Em Bilhes de Barris/Ano)

    Estimativas de Recuperao de Petrleo da USGSPROBABILIDADE TOTAL RECUPERVEL (Bilhes de Barris)

    Baixa (95%) 2.248

    Mdia (50%) 3.003

    Alta (5%) 3.896Fonte: EIA (2003).

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004 37

  • Embora a anlise detalhada dos vrios cenrios esteja fora do escopo destetrabalho, talvez seja conveniente duas objees formuladas por especialistasaos cenrios da EIA (2003):

    x a rapidez do declnio pouco compatvel com as condies geolgicasda maioria das jazidas de petrleo; e

    x as tecnologias que permitiriam o aumento da taxa de extrao de 30%para 40% defrontam-se com problemas para ser aplicadas em numerosasjazidas [Aspo (2003)].

    O aparente otimismo das projees da EIA pode ser constatado pelo examedo Grfico 9, que rene diversas estimativas das reservas mundiais depetrleo feitas por vrios autores em datas diferentes. Das 24 estimativas,as duas maiores so a mdia e a otimista do USGS, verificando-se igual-mente que a maior parte das estimativas est mais prxima das de Campbellque da projeo mdia do USGS.

    0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0

    Pratt (1942)Weeks (1948)

    MacNaughton (1953)Weeks (1959)Shell (1968)

    Moody (1970)Moody (1972)Linden (1973)

    Adams e Kirby (1975)Folinsbee (1976)

    Nelson (1977)Nehring (1978)

    Meyerhoff (1979)Halbouty (1981)Nehring (1982)Martin (1984)

    Masters (1987)Bookout (1989)Campbell (1992)Masters (1994)

    Campbell (1995)USGS 95% (2000)

    USGS Mdia (2000)USGS 5% (2000)

    Grfico 9

    Estimativas Publicadas das Reservas Mundiais(Em Trilhes de Barris)

    Fonte: EIA (2003).

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO38

  • 5. Alternativas Energia do Petrleo

    O consumo mundial de energia em 2003 foi de cerca de 9,7 bilhes detoneladas equivalentes de petrleo (TEPs) e estima-se que esse valor devercrescer cerca de 2% ao ano, atingindo 11,7 bilhes de TEPs at o final dadcada. Essa projeo poder ser alterada no caso de haver uma crise deoferta, em que preos elevados de combustveis diminuiriam a demanda porenergia.

    O consumo de energia distribudo pelos seguintes combustveis: petrleo(37,3%), carvo (26,5%), gs natural (23,9%), energia nuclear (6,1%) ehidreltrica (6,1%). O combustvel que mais vem aumentando sua partici-pao na matriz energtica mundial o gs natural. A participao docarvo, que vinha diminuindo historicamente, em 2003 cresceu 1%. Opetrleo, por sua vez, dever permanecer como a principal fonte de energiamundial, at que haja restrio de oferta, causada pelo pico de produomundial.

    A partir da queda na produo de petrleo, a disponibilidade de outras fontesde energia ser decisiva para a economia global. Assim, apresentam-se aseguir alguns breves comentrios sobre o assunto.

    0

    1.000

    2.000

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    9.000

    10.000

    Petrleo Gs Natural Carvo Energia Nuclear Hidreltrica

    Grfico 10

    Matriz Energtica Mundial em 2003(Em Milhes de TEPs)

    Fonte: British Petroleum (2004).

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004 39

  • Um fator de importncia ao avaliar as alternativas energticas ao petrleo o fato de que as fontes de energia alternativas citadas na Tabela 5 possuemcustos de produo mais elevados e requerem uma quantidade de energiamaior para serem produzidas do que a simples extrao de petrleo. Dessemodo, a energia gerada por esses combustveis (taxa de converso) tem deser maior do que a consumida na sua produo, ou eles no so de fato umsubstituto para o petrleo como fonte de energia [Goodstein (2004)].

    As reservas conhecidas de areias asflticas (tar sands) e de petrleo pesadochegam a trilhes de barris e constituem a maior parte do chamado petrleono-convencional. As areias do Canad, em particular, j so exploradas emgrande escala e respondem por parcela expressiva da produo petrolferado pas. No entanto, o potencial econmico das areias e do petrleo pesadono deve ser superestimado, uma vez que ambos s podem ser utilizadosaps processamento custoso, em termos energticos e ambientais. O aumen-to da produo de combustveis provenientes dessas fontes dever ser lento,mesmo que ocorra grande elevao nos preos do petrleo.

    As perspectivas do xisto betuminoso so ainda mais problemticas. De fato,embora as reservas estimadas sejam enormes, o xisto tem de ser extradocomo mineral, aquecido e hidrogenado, de modo a proporcionar materiaislquidos. Os efeitos sobre o ambiente so graves, pois preciso utilizarvrios barris de gua para obter um barril de petrleo, e o processamentoconsome muita energia.

    Os hidratos de metano, que so slidos semelhantes ao gelo encontrados emsedimentos ocenicos, constituem-se provavelmente na fonte de energia

    Tabela 5

    Fontes de Energia Alternativas ao PetrleoNO-RENOVVEIS RENOVVEIS

    Areias Asflticas Biomassa

    Petrleo Pesado Hidreltrica

    Gs Natural Solar

    Carvo Elica

    Xisto Betuminoso Energia das Ondas

    Hidratos de Metano Energia das Mars

    Fisso Nuclear Energia Trmica dos Oceanos

    Geotrmica Fuso Nuclear

    Fonte: Youngquist (2000).

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO40

  • fssil mais controversa. No h perspectivas de utilizao comercial a mdioprazo.

    A principal fonte de energia alternativa ao petrleo o gs natural, que podeinclusive substituir a gasolina em motores a combusto, desde que feitaspequenas adaptaes, conforme o exemplo verificado em diversos estadosno Brasil. Suas reservas ainda so elevadas e poderiam adiar a crise de ofertade energia por vrios anos caso as modificaes de infra-estrutura, neces-srias para a substituio dos derivados de petrleo, possam ser feitas deforma rpida. No entanto, esses investimentos so bastante vultosos, prin-cipalmente para viabilizar o transporte de longa distncia, atravs de gaso-dutos ou de navios de GNL. Alm disso, como o gs natural tambm umafonte no-renovvel, inevitavelmente o crescimento da produo levar aoesgotamento mais rpido das reservas mundiais existentes.

    Ainda mais distante das caractersticas do petrleo est o carvo, que foi aprincipal fonte de energia dos pases industriais at meados do sculo 20 e a fonte de energia no-renovvel convencional mais abundante na Terra(reservas provadas de cerca de 1 trilho de toneladas). Em relao aopetrleo, o carvo mais difcil de ser extrado e transportado, possui menordensidade de energia e um combustvel mais poluente, j que a sua extraoest associada a um nvel elevado de elementos nocivos ao meio ambiente,como enxofre e mercrio. Alm disso, a maior parte do petrleo consumidano setor de transportes, no qual o uso do carvo tecnicamente bem maisdifcil.

    A fisso nuclear utiliza como combustvel um istopo (variedade) quecorresponde a apenas 0,7% do urnio existente na natureza. Assim, deve serconsiderada como energia no-renovvel, sendo importante destacar que arelao entre reservas e produo de urnio fssil da mesma ordem degrandeza que a verificada para os combustveis fsseis. A disponibilidadede material fssil poderia multiplicar-se por cerca de 100 vezes se fosseviabilizada a produo de plutnio em reatores breeders, tecnologia que,porm, extremamente complexa e ainda no atingiu de forma plena oestgio comercial, aps dcadas de desenvolvimento. A energia nuclear,alm disso, est restrita pelo menos at hoje gerao de eletricidade, oque limita seriamente seu emprego nos transportes.

    A energia geotrmica consiste na utilizao de vapor ou gua quenteprovenientes de camadas subterrneas. Trata-se, por sua vez, de fonte deinteresse local ou, no mximo, regional, pela escassez de lugares que renamas condies naturais necessrias.

    REVISTA DO BNDES, RIO DE JANEIRO, V. 11, N. 22, P. 21-49, DEZ. 2004 41

  • No que se refere s fontes de energia renovvel, a mais importante tem sidoa biomassa, em suas mltiplas formas: lenha, resduos vegetais, lcool, bio-diesel etc. Seu papel particularmente relevante nos pases que ainda estono incio do processo de industrializao, sendo pouco provvel que venhaa substituir em grande escala os combustveis fsseis. No caso do Brasil,entretanto, a biomassa poder contribuir de forma significativa para a matrizenergtica, em virtude dos custos de produo relativamente pequenos.

    A energia hidreltrica abundante constitui outra vantagem do Brasil. Cabesalientar, todavia, que boa parte dos rios com potencial expressivo degerao de eletricidade j foi aproveitada e que a participao da hidreletri-cidade na matriz energtica brasileira dever diminuir ao longo do tempo. interessante observar, ainda, que a energia hidreltrica no pode, rigoro-samente, ser classificada como renovvel, j que todos os reservatriossofrero com o assoreamento no longo prazo. A exceo, naturalmente, soas usinas a fio dgua, que no necessitam de reservatrios.

    As energias elica, das ondas e das mars assemelham-se geotrmica, nosentido em que so primordialmente de interesse local e complementar, almde no haver muitos lugares favorveis. Quanto utilizao da energiatrmica dos oceanos, no passa, no momento, de uma possibilidade terica.

    Finalmente, restam as duas fontes de energia que podero, a longo prazo,substituir de modo definitivo os combustveis fsseis. A fuso nuclear ,sem dvida, a mais avanada em termos tcnicos e, se vier a ser comercial-mente vivel, dever suprir as necessidades humanas durante muitos mil-nios. Ocorre, porm, que essa tecnologia ainda se encontra, aps dcadas deesforos contnuos, no estgio de pesquisa bsica, em face das gigantescasdificuldades tcnicas envolvidas. Nas previses de longo prazo freqentea considerao de que a fuso nuclear no ser economicamente vivel antesde 2050. J a energia solar, ao contrrio, muito mais simples, do ponto devista estritamente tcnico, limitando-se os problemas, de modo geral, aaumentar a eficincia dos conversores (por exemplo, clulas fotovoltaicas).O principal obstculo sua utilizao futura em grande escala consiste nanatureza dispersa da radiao solar, que pouco compatvel com a estruturaprodutiva do mundo atual.

    Em suma, possvel afirmar que a substituio do petrleo por outras fontesde energia representar um desafio de grandes dimenses, pois nenhuma dasalternativas com exceo parcial do gs natural rene os mesmosatributos de densidade energtica, facilidade de transporte e armazenamen-to, segurana e versatilidade.

    O PICO DE HUBBERT E O FUTURO DA PRODUO MUNDIAL DE PETRLEO42

  • O pior cenrio possvel da crise de oferta gerada pelo pico de produo seriaaquele em que a velocidade de substituio do petrleo por outros combus-tveis no suficiente para compensar o dficit crescente entre oferta edemanda de petrleo. Por outro lado, na melhor das hipteses, a velocidadede substituio de petrleo por gs natural suficiente para amortecer a crisee possibilitar a construo de novas usinas nucleares e infra-estrutura parautilizao de fontes de energia no-convencionais, que adiariam o pico deproduo de energia por algumas dcadas [Goodstein (2004)].

    6. Posicionamento Estratgico do Brasil: Riscos6. e Oportunidades

    O pico de produo de petrleo no Brasil bastante difcil de ser previstodevido localizao em guas profundas das principais reservas, que elevamo custo do investimento em procura e mapeamento de novas reas deproduo. Ao final de 2003, cerca de 91% das reservas brasileiras provadasde petrleo, de 10,6 bilhes de barris, localizavam-se no mar. As reservasprovadas de gs, por sua vez, eram de 245 bilhes de m3, sem incluir arecente descoberta anunciada pela Petrobras, de 70 bilhes de m3, na Baciade Santos. A distribuio geogrfica das reservas pode ser observada naTabela 6.

    O crescimento da produo de petrleo no Brasil vem sendo bastantesignificativo: entre 1993 e 2003, quando foram produzidos 545 milhes debarris, houve um aumento de 112%. A produo fortemente concentradana Bacia de Campos, sendo o Rio de Janeiro responsvel por 84% dopetrleo produzido em 2003.

    A produo de novos campos com planos de desenvolvimento aprovados,listados pela ANP, indica crescimento at 2009, porm ser necessriodescobrir e desenvolver outros campos de grande porte nos prximos anospara que a tendncia de crescimento se mantenha, porque o campo deMarlim, o principal da Bacia de Campos, estaria prximo de atingir o picode produo. Vale ressaltar, no entanto, que estimado um investimento deUS$ 2,5 bilhes em explorao e de US$ 18 bilhes em desenvolvimento eproduo de novas reas no perodo 2003/07, valores que representam umincremento de US$ 5,7 bilhes em relao previso anterior realizada parao perodo 2002/06 e podero ser revertidos em incremento das reservasnacionais de petrleo [Silveira, Cavalcanti e Franco (2004)].

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  • Aparentemente, nos ltimos anos a Petrobras concentrou esforos na explo-rao dos campos j provados, que demandaram vultosos investimentos emum perodo de preos e rentabilidade relativamente baixos. Nesse cenriode restrio de fontes de recursos, a opo parece ter sido investir menos naprospeco de novas reas de produo e na recomposio de suas reservase mais no desenvolvimento e produo dos campos existentes.

    Tabela 6

    Reservas do Brasil em 31 de Dezembro de 2003 (Verso de 26 deMaro de 2004)

    LOCAL ESTADO RESERVA PROVADA RESERVA TOTAL

    Petrleo(Milhesde m3)

    Petrleo(Milhes

    de Barris)

    Gs(Milhesde m3)

    Petrleo(Milhesde m3)

    Petrleo(Milhes

    de Barris)

    Gs(Milhesde m3)

    Terra Alagoas 1,811 11,390 4.286,073 3,239 20,372 6.175,721

    Amazonas 17,579 110,572 49.074,605 20,796 130,807 77.986,183

    Bahia 33,643 211,614 16.987,387 58,881 370,361 24.035,320

    Cear 0,911 5,730 2,319 14,587

    Esprito Santo 18,272 114,931 2.237,244 30,279 190,455 2.548,089

    Paran 0,002 0,013 702,830

    Rio Grande doNorte 41,377 260,261 3.151,095 53,760 338,150 3.298,402

    Sergipe 34,984 220,049 860,863 47,049 295,938 994,978

    Subtotal 148,577 934,548 76.597,267 216,325 1.360,683 115.741,523

    Mar Alagoas 0,219 1,378 979,738 0,389 2,447 1.105,247

    Bahia 0,344 2,164 8.680,843 0,974 6,126 30.218,609

    Cear 10,675 67,146 1.139,473 11,505 72,366 1.211,487

    Esprito Santo 96,937 609,734 15.257,817 116,573 733,244 21.696,489

    Parana 3,761 23,657 61,320 9,839 61,887 1.508,618

    Rio de Janeirob 1.407,651 8.854,125 119.257,453 1.756,257 11.046,857 148.796,622

    Rio Grande doNorte 11,382 71,593 17.289,282 18,679 117,491 22.457,801

    So Paulo 0,630 3,963 3.507,647 0,630 3,963 3.507,647

    Santa Catarinac 1,983 12,473 43,803 4,588 28,859 43,800

    Sergipe 3,359 21,125 2.525,419 9,542 60,017 5.327,815

    Subtotal 1.536,941 9.667,356 168.742,795 1.928,976 12.133,257 235.874,135

    Total 1.685,517 10.601,904 245.340,062 2.145,301 13.493,940 351.615,658

    Fonte: ANP, Boletim Anual de Reservas.aAs reservas do campo de Roncador esto apropriadas totalmente no Estado do Rio de Janeiro porsimplificao.bAs reservas do campo de Tubaro esto apropriadas totalmente no Estado do Paran por simplificao.cReviso de 26 de maro de 2004.

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  • H evidncias de que a geologia do Atlntico Sul uma das mais favorveisao descobrimento de novas reservas de petrleo em guas profundas [Aspo(2003)]. Portanto, do ponto de vista da oferta de fontes de energia, o posi-cionamento estratgico do pas bastante favorvel. O Brasil estaria relati-vamente bem preparado para absorver um novo choque do preo do petrleoou at mesmo uma diminuio da produo mundial aps o pico de produ-o. Existem quatro principais fatores que corroboram essa opinio:

    x O primeiro fator a participao acentuada da gerao hidreltricarenovvel e de baixo custo na matriz energtica nacional. No caso deelevao do preo do petrleo, a grande parcela de gerao hidreltricadever aumentar a competitividade da economia nacional, comparadacom economias cuja matriz fundamentada no petrleo.

    x A previso de auto-suficincia na produo de petrleo, que dever seratingida nos prximos anos, uma segunda vantagem, no caso deocorrncia de um cenrio de escassez da oferta. A produo nacional seriasuficiente para atender demanda e poderia evitar que o pas fosseobrigado a disputar petrleos escassos a preos elevados em caso deescassez no mercado internacional. A manuteno dessa situao depen-deria, no entanto, da manuteno da capacidade de produo nacional.

    x Um terceiro fator de vantagem relativa do Brasil a recente descobertade grandes reservas de gs natural na Bacia de Santos e a previso deaumento de sua participao na matriz energtica nacional. O gs natural mais abundante que o petrleo no mundo e vem substituindo seusderivados com vantagens em diversas reas (gerao de energia, trans-porte etc.). No Brasil, o esforo de aumento das redes de distribuio etransporte deve ser ampliado, visando maximizar a possibilidade desubstituio de derivados de petrleo pelo gs natural (vale ressaltar queo BNDES est financiando ou analisando uma srie de projetos deinfra-estrutura que visam ampliao das redes de transporte e dis-tribuio). A disseminao do uso do gs natural no pas deve levar emconta ainda que existem reservas considerveis nos pases vizinhos queno tm utilizao alternativa para o gs a no ser a possibilidade deproduo de GNL para exportao, que, entretanto, possui um custobastante elevado de investimento e rentabilidade relativamente maisbaixa do que a venda in natura para o Brasil. A participao do gs naturalna matriz energtica nacional vem crescendo, apesar do preo elevado dogs importado da Bolvia e dos gargalos de infra-estrutura e regulao domercado. No entanto, esses pontos devem ser equacionados, para que opas possa aproveitar ao mximo a vantagem da localizao prxima doscentros industriais a grandes reservas de gs natural.

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  • x Finalmente, o Brasil possui uma grande vantagem competitiva na produ-o de energia a partir de fontes alternativas e renovveis, como o lcoole o biodiesel. Portanto, deve haver apoio institucional aos investimentosna produo desse tipo de energia e pesquisa e desenvolvimento debiotecnologia associada a tais produtos. O BNDES vem discutindo alter-nativas para desenvolver a produo de biodiesel e aumentar a competi-tividade da produo de lcool e outras fontes renovveis de energia.

    Por outro lado, no caso de um choque do preo de petrleo, seja ele causadopor fatores conjunturais ou por escassez de oferta devido ao atingimento dopico de produo mundial, existem dois fatores principais de fragilidade daeconomia brasileira: o atual nvel de endividamento externo e a concentra-o dos transportes no modal rodovirio.

    No que diz respeito ao endividamento externo, os choques de preos depetrleo, no passado, foram acompanhados por grande elevao das taxasde juros em todo o mundo, visando conter a disseminao do aumento dospreos de petrleo e derivados para o resto da economia, sob a forma deinflao. Esse movimento agravou, principalmente, a situao de pasescomo o Brasil, cujas dvidas se multiplicaram pela necessidade de importarderivados de petrleo caros e pelo pagamento de juros elevados. No caso deocorrer um novo choque de preos, possivelmente a elevao dos juros nose repetir na mesma magnitude dos choques anteriores. Isso se as autori-dades monetrias nacionais decidirem que os efeitos recessivos do aumentodos juros, quando associados a um aumento de preos de petrleo (que porsi s j um fator de restrio da capacidade de gasto), podem ser desas-trosos para as economias nacionais.

    A concentrao no transporte rodovirio de cargas e de passageiros, por suavez, pode aumentar o efeito multiplicador de um choque de preos de pe-trleo na economia brasileira, porque a enorme frota de caminhes e nibusdepende quase que exclusivamente do suprimento de diesel, derivado depetrleo. O desenvolvimento de outros modais (ferrovirio, martimo e flu-vial) fundamental, pois podem utilizar diferentes combustveis ou energiaeltrica gerada de fontes diversas e, alm disso, possuem uma eficinciaenergtica maior. Portanto, economias neles baseadas tero custos de trans-porte mais baixos. Nesse aspecto, o Brasil tem muito o que avanar, sendoessa uma excelente oportunidade de investimento.

    Em sntese, o pas deve se preparar para um cenrio de escassez de ofertade petrleo, que provavelmente est prximo. Sero necessrios diversosinvestimentos em infra-estrutura, principalmente no transporte e distribui-

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  • o de gs natural, na prospeco e explorao de novas reas de extraode petrleo e no transporte ferrovirio, martimo e fluvial. Desse modo,podero ser absorvidos os efeitos de um novo choque de preos de petrleo,sem que haja reflexos danosos maiores economia nacional.

    Somando-se a isso, nesse cenrio o Brasil poder desenvolver vantagenscomparativas importantes, relacionadas s caractersticas especficas da suamatriz energtica e ao desenvolvimento de fontes renovveis de energia acustos competitivos.

    7. Concluso

    A possvel materializao das previses apresentadas neste artigo teriaconseqncias dramticas para a economia mundial. De fato, a conjugaode demanda crescente com queda duradoura da oferta se traduziria emelevao explosiva dos preos do petrleo e, provavelmente, de seu subs-tituto mais prximo o gs natural. Uma recesso generalizada dificilmenteseria evitvel.

    A situao se revelaria muito mais sria do que a verificada nas crises de1974 e 1979, pois a escassez de petrleo seria permanente. Alm disso,nenhuma das fontes de energia possui a gama de vantagens do petrleo, oque dificulta consideravelmente a sua substituio. Assim, a transformaoradical da matriz energtica, que seria necessria, deveria ser planejada, emum esforo de coordenao internacional, o que tem poucos precedenteshistricos.

    O impacto da escassez de petrleo, por outro lado, ocorreria de maneiramuito diferenciada nos vrios setores da economia. Os insumos petroqu-micos, por exemplo, seriam bastante afetados, com conseqncias imprevi-sveis para a demanda dos produtos plsticos. O setor mais prejudicado, noentanto, seria certamente o de transportes, que muito dependente dopetrleo na atualidade. O transporte areo, em particular, se encontraria emsituao crtica, pela grande dificuldade de operar com combustveis alter-nativos.

    A escassez tambm afetaria de forma diferenciada os diversos pases,encontrando-se o Brasil em situao relativamente favorvel no que dizrespeito disponibilidade e variedade de fontes de energia. A economiabrasileira, no entanto, vulnervel a uma nova crise energtica, pelaexcessiva dependncia do transporte rodovirio.

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  • Para concluir, preciso ressaltar que a noo da iminncia do Pico deHubbert muito controversa, no sendo aceita pelos pases e empresasprodutores de petrleo. A gravidade da crise associada concretizao doPico, entretanto, justifica que o tema seja mais conhecido e debatido.

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