O Paraíso de Lúcifer

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O PARAÍSO DE LÚCIFER© 2015 Pedro Alberto Marangoni

http://ebookspamarangoni.blogspot.com.br/

-Bem vindo ao Inferno, amigo!

-Como?! O quê? Onde estou?

-Felizmente no Inferno, fique tranquilo, está entre amigos...

-O acidente! Morri! Por que aqui? Me ajuda meu Deus!

-Calma, não adianta pedir ajuda a Deus, esse Zé Mané não aju-

dou nem ao suposto Filho... Aqui nada lhe acontecerá, sou

Lúcifer, seu anfitrião...

-O Diabo?

-Também sou conhecido assim...

-Ai meu Deus...

-Risos entre o grupinho que se acercara do novato.

-Acalme-se, você agora é uma alma, suas partículas estão bem

espalhadas, nem se eu quisesse poderia lhe fazer mal, não acre-

dite nas histórias de Deus e seus capangas na Terra. Aqui é um

lugar onde o Bem impera.

-Mas e os castigos?

-Risada geral.

Lúcifer abre os braços e pede:

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-Ô pessoal, dá um tempo, ele acabou de chegar, está confuso! A

turminha, divertida, faz sinais de silêncio com os dedos defron-

te aos lábios.

-Eu era uma boa pessoa, sempre procurei andar direito, estou

aqui só por não ir às missas?

-Você está vendo algum sinal de fogo, diabinhos com garfos es-

petando pessoas?

-É verdade, não... o pessoal que anda por aí parece até satisfei-

to...

-E estão. Nunca lhe ocorreu que para queimar alguma coisa,

esta coisa teria que ser sólida, ter matéria com ligações com-

pactas? Como se queima uma alma?

-É mesmo, nunca havia pensado nisso... Mas os padres? E o

Paraíso? E os Santos? Para onde vão os bons?

-Você é bom, foi bom, merece se expandir em conhecimento e

no espaço, por isso veio para cá, ao Inferno, conseguiu escapar

das garras de Deus, aquele prepotente, ditador, marqueteiro...

Alguma vez você viu alguma propaganda a favor do Inferno?

-Claro que não!

-E a favor de Deus e do Céu?

-Muitas...

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-E se o produto é bom é necessário propaganda para conven-

cer? E se Deus é bom e perdoa a todos, porque Ele fala mal de

mim e de meu Inferno? E se Ele é onipotente, porque não me

destrói, não é mais fácil eliminar logo a concorrência?

-Puxa, é verdade, ninguém pensa assim lá na Terra...

-E se sou o ruim, o maldoso, porque não tenho lá meus repre-

sentantes, falando mal dele? Sempre fiquei na minha, esperan-

do e torcendo que Ele melhore e deixe de tentar interferir na

vida dos humanos para aliciá-los como escravos...

-Escravos?

-Não deixam de ser, pois Ele os quer para adorá-lo e servi-lo,

para que se sinta poderoso, acabando por tolher o desenvolvi-

mento das almas dos otários que para lá vão. E para isso inven-

ta todas aquelas histórias escabrosas sobre o Inferno, tentando

me caluniar e ridicularizar, criando nomes como Belzebu, Chi-

frudo, Capeta, que além de só assustarem as pobres crianci-

nhas, pouca mossa me fazem, levo na brincadeira...

-Mas Deus também permite ser chamado por outros nomes!

-Nenhum de caráter pejorativo! É tudo uma questão de venda

de imagem... Nos primeiros tempos era somente Deus, sem

muito marketing; depois, quando aquele judeu radical, agitador,

começou a subverter a ordem do Império Romano e a fazer um

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relativo sucesso, o pessoal do Céu viu a chance e espalhou que

era o filho de Deus. Foi linchado... Para não ficar mal para al-

guém que se diz todo poderoso, mudou-se o discurso. Não era

bem o filho e sim Ele próprio, Deus em forma de filho... Logo,

morreu porque quis e se é Ele, em verdade não morreu...

-Meio confuso, né...

-Exatamente, é assim que trabalham, lançando ideias dúbias, se

der errado pode ser interpretado de outra maneira...

-É, estou me lembrando da Bíblia... (Risos)

-Pois é, e depois deste linchamento, pelo sim pelo não resolve-

ram criar o Espírito Santo -a pombinha- de reserva para que em

outras eventualidades comparecesse em nome do Senhor. Mas

desta vez em forma de ave, para escapar de uma constrangedo-

ra crucificação...

-Mas pode levar chumbo!

-Se levar morre mas não morre, porque também é Deus...

-Agora vejo com mais clareza, realmente fica difícil imaginar

como as pessoas aceitam tais histórias! Esse negócio de morrer

para nos salvar... Queria ver é ficar vivo para nos salvar!

-É verdade amigo, notou que nem mesmo o atravessador d’Ele

na Terra, o Papa, Ele garante? Por sua vez o Papa também não

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confia n’Ele e anda com carros à prova de balas! E o povão

acha normal e reza para ser protegido! Merecem ir para o Céu,

aquele lugar ridículo, patético!

-Não é como aqui?

-De jeito nenhum, lá habitam os falsos, os hipócritas, os dissi-

mulados. Lembra-se dos cristãos ditos praticantes quando você

estava vivo?

-Uns chatos!

-Insuportáveis eu diria... Pessoalzinho pálido, risinho humilde,

desfilando nas missas e depois pisando o próximo... que triste...

Agora imagine um lugar lotado deles, vestidos de branco, des-

lizando, deslizando...

-No Inferno todos ficam à vontade, me parece….

-Claro! Somos feitos das mesmas ínfimas partículas que consti-

tuem o Universo, sejamos almas, corpos, laranja, uma bigorna

ou cocô de cachorro! Podemos ser o que bem entendermos, da

maneira que nos der mais satisfação. É só uma questão de ar-

ranjo, concentração ou expansão dessas partículas... Querer or-

denar tudo bonitinho e igual como Deus quer vai contra a natu-

reza,é coisa de egocêntrico, ditador! Quem está gostando é o

Stalin!

-Stalin está no céu?

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-Óbvio, aqui não iríamos querer alguém tão cruel!

-Em outras palavras, o Céu é para os maus e o Inferno para os

bons?

-Não exatamente como vocês conhecem o Bem e o Mal na vida

terrestre, que são apenas convenções criadas pelo próprio ho-

mem enquanto carne e ossos, não por nós, já eternos. Céu e In-

ferno são apenas os dois grupinhos mais antigos que atraem as

almas que se soltam dos corpos. Mas há outros grupos menores

por aí, mas nenhum tão enganador como o de Deus e sua gan-

gue que alicia as almas para alimentar o próprio ego... Você é

livre para mover-se por todo o Universo à procura de seres com

quem melhor se identifica, mas a maioria prefere os dois gru-

pos maiores, aqui à procura de conhecimentos e lá na biboca do

Senhor agrupam-se os mais obtusos, que não querem progredir,

estão satisfeitos em se sentirem obedientes e também, é claro,

os espertalhões e os maus, que gostam de se aproveitar da inge-

nuidade humana mesmo depois da morte. Estes dificilmente

progredirão.

-Mas foi ou não foi Deus que nos criou? Que criou o Univer-

so?!

-Ninguém criou nada nem é dono de nada. A história é um pou-

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co longa, mas posso já adiantar que a princípio era o Nada. So-

mos todos iguais, filhos do Nada!

-Mas o senhor...

-Senhor é o outro, lá do Céu, pode me chamar de você!

-Digo, você não tem ocupações, não estou tomando seu tempo?

-Eh! Desencana! Você ainda está raciocinando como humano,

aqui não há tempo e estou em muitos lugares no espaço, fazen-

do outras coisas interessantes, você logo estará se expandindo

também, não precisamos usar todas nossas energias com um só

acontecimento, podemos nos dividir, somar com outros, o Uni-

verso é um só. Você também é Deus e Lúcifer, você também é

parte de cada um de nós, até dos bobalhões que estão bajulando

Deus, só que sua força o fez concentrar-se aqui entre as energi-

as compatíveis; os bons buscam os bons, os maus se atraem...

Isso num primeiro momento mas se quiser pode partir pelo

Universo sem se importar comigo ou com o “Senhor”. Ou mes-

mo ir para o Paraíso dar uma olhadinha para se certificar do

ambiente. Mas aviso: é meio difícil sair depois, lá o assédio e o

aliciamento são bravos, estilo Vaticano….

-Acho que vou ficar por aqui mesmo, já estou ficando à vonta-

de, embora o que me ocorre agora é de, se pudesse, voltar à

Terra e alertar o povão que está perdendo tempo obedecendo

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dogmas enquanto poderia progredir mentalmente, filosofar so-

bre o Universo e se preparar para uma expansão maior após a

morte. Quanta encenação em cerimônias religiosas e repetindo

ao longo da vida milhares de vezes as mesmas orações vazias!

Fico até envergonhado de lembrar... Não posso retornar? Estou

certo que prestaria um grande serviço alertando a todos….

-Muitos querem tentar e voltam à vida terrestre quando há essa

chance, às vezes até dou um empurrãozinho se posso ajudar,

mas devo alertá-lo que a memória física ficará enevoada; mes-

mo que se recorde de alguma coisa será creditada à alucinações

e se insistir acabará num manicômio!

-Mas não estou pensando em me tornar um profeta maluco e

sim escrever sobre o que aprendi aqui, escrever algo com jeito

de ficção mas que faça a cabeça de quem ler funcionar, enxer-

gar as contradições, o vazio mental, a estagnação filosófica pe-

rante nossa presença no Universo, o consumo irracional de

ideias pré fabricadas!

-É, pode ser que alguma coisa fique em você e acredito que

conseguirá passá-la para o papel... Não queria influenciar em

suas decisões pois sei que aqui estamos melhor que na vida ter-

restre, tão primária, mas já que manifestou essa vontade, é meu

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dever informá-lo que no seu caso há chance de voltar, seu cor-

po palpável ainda está sendo mantido por meios artificiais.

-Sério? Para mim bastaria alguns meses a mais, só para escre-

ver algo a respeito que lance essa semente, depois terei o maior

prazer de voltar aqui para o convívio com a turminha do Infer-

no! Já tenho até o título: O Paraíso de Lúcifer! (risos)

-Tudo bem, posso ajudá-lo nessa loucura, porém cuidado, as

chamas se tornaram invisíveis mas a fogueira da Inquisição

continua acesa em seu planeta! Depois você me conta! Boa via-

gem!

……….

-Doutor, doutor! O paciente acidentado saiu do coma!

Fim

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