O Feudalismo

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O Feudalismo O Feudalismo “Sabemos agora que a Idade das Trevas não foi de trevas. Ignorância, letargia, desordem, existiram como hoje e longe estiveram de predominar numa época ansiosa de conhecimento, vigorosa em seu poder de viver e de se expressar, e idealista nas suas cosntruções. Talvez não seja demais dizer que a sociedade medieval tinha formas funcionais com que a idade antiga nem sonhara, formas essas que levaram a fins jamais imaginados em épocas anteriores (...) O fato de que as condições, acontecimentos e povos se tivessem reunido de tal forma no princípio da Idade Média foi extremamente feliz para os atuais herdeiros da tradição ocidental.” Bark, Willian. As origens da Idade Média. Editora Zahar. D o século VIII ao XII, a Europa Oci dental viveu o apogeu da Ordem Feu dal. A sociedade que se estruturou nessa época apresentou características peculiares e marcou a Idade Média como a época da fé cristã e dos corajosos cavaleiros. Do outro lado, nos bastidores da história, foi também o período da servidão enquanto forma de trabalho e a exploração da população cam- ponesa que vivia na dependência dos senhores feudais. A Ordem Feudal se estruturou a partir da desa- gregação do Império Romano, quando então aconte- ceram diversas mudanças que alteraram o perfil do Mundo Antigo. A consolidação da Ordem Feudal se deu na Alta Idade Média, cronologicamente situada entre os séculos V e X. Olhando para trás na história, se observa que a partir da queda do Império Romano, a população foi gradativamente abandonando as cida- des e migrando para as zonas rurais, fugindo das inva- sões germânicas. Paradoxalmente, nos campos cresci- am propriedades denominadas villas, com característi- ca de auto-suficiência que se beneficiaram bastante do grande afluxo de mão-de-obra deslocado para os cam- pos. De outro lado, os po- vos germanos invasores que deram o cheque-mate no de- cadente Império Romano, trouxeram para o mundo oci- dental características culturais que ajudaram na formação da Ordem Feudal. Com efeito, eram povos migrantes que desprezavam o uso de moe- das e valorizavam a posse de jóias. Dentro do possível eram excelentes agricultores, culti- vando os campos quando se fixavam em algum local. Eram também excepcionais guerrei- ros e produziam armas fantás- ticas, desconhecidas no mun- do ocidental. O costume do comitatus - relação de fideli- dade guerreira entre o rei e seus guerreiros - contribuiu para estruturar os laços de suserania e vassalagem na Ordem Feudal. O Tempo da História Séculos III - V Contribuições Romanas - Colonato - Villas - Latim - Cristianismo Contribuições germânicas - Comitatus - Beneficium - Direito Consuetudinário - Economia Agro-Pastoril Séculos V - IX Século IX Apogeu da Ordem Feudal Uma lavra de arado em setembro aparece no breviário flamengo. Para os camponeses o arado era o emblema de todos os trabalhos

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O FeudalismoO Feudalismo

“Sabemos agora que a Idade das Trevas não foi de trevas. Ignorância, letargia,desordem, existiram como hoje e longe estiveram de predominar numa época ansiosa de

conhecimento, vigorosa em seu poder de viver e de se expressar, e idealista nas suascosntruções. Talvez não seja demais dizer que a sociedade medieval tinha formas

funcionais com que a idade antiga nem sonhara, formas essas que levaram a fins jamaisimaginados em épocas anteriores (...) O fato de que as condições, acontecimentos e

povos se tivessem reunido de tal forma no princípio da Idade Média foi extremamentefeliz para os atuais herdeiros da tradição ocidental.”

Bark, Willian. As origens da Idade Média. Editora Zahar.

Do século VIII ao XII, a Europa Ocidental viveu o apogeu da Ordem Feudal. A sociedade que se estruturou

nessa época apresentou características peculiares emarcou a Idade Média como a época da fé cristã e doscorajosos cavaleiros. Do outro lado, nos bastidores dahistória, foi também o período da servidão enquantoforma de trabalho e a exploração da população cam-ponesa que vivia na dependência dos senhores feudais.

A Ordem Feudal se estruturou a partir da desa-gregação do Império Romano, quando então aconte-ceram diversas mudanças que alteraram o perfil doMundo Antigo. A consolidação da Ordem Feudal sedeu na Alta Idade Média, cronologicamente situadaentre os séculos V e X. Olhando para trás na história,se observa que a partir da queda do Império Romano,a população foi gradativamente abandonando as cida-des e migrando para as zonas rurais, fugindo das inva-sões germânicas. Paradoxalmente, nos campos cresci-am propriedades denominadas villas, com característi-ca de auto-suficiência que se beneficiaram bastante dogrande afluxo de mão-de-obra deslocado para os cam-pos.

De outro lado, os po-vos germanos invasores quederam o cheque-mate no de-cadente Império Romano,trouxeram para o mundo oci-dental características culturaisque ajudaram na formação daOrdem Feudal. Com efeito,eram povos migrantes quedesprezavam o uso de moe-das e valorizavam a posse dejóias. Dentro do possível eramexcelentes agricultores, culti-vando os campos quando sefixavam em algum local. Eramtambém excepcionais guerrei-ros e produziam armas fantás-ticas, desconhecidas no mun-do ocidental. O costume docomitatus - relação de fideli-dade guerreira entre o rei eseus guerreiros - contribuiu para estruturar os laços desuserania e vassalagem na Ordem Feudal.

O Tempo da História

Séculos III - V

Contribuições Romanas

- Colonato- Villas - Latim- Cristianismo

Contribuições germânicas

- Comitatus- Beneficium- Direito Consuetudinário- Economia Agro-Pastoril

Séculos V - IX Século IX

Apogeu da Ordem Feudal

Uma lavra dearado emsetembroaparece nobreviárioflamengo. Paraos camponeses oarado era oemblema detodos ostrabalhos

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Por tudo isso, a época feudal teve como carac-terísticas principais a existência de uma economia na-tural baseada na troca de mercadorias, raramente ocor-rendo o uso de moedas. Normalmente as trocas se da-vam dentro dos próprios feudos, pois o comércio entreos feudos não era frequente. No aspecto político ca-racterizou-se como um período descentralizado e frag-mentado, onde cada feudo tinha grande autonomia eos senhores feudais eram suprema autoridade nas suasterras. No aspecto social foi uma época marcada pelagrande dependência, entre servos e senhores feudais evassalos e suseranos.

O FEUDO E OS SERVOS

Geralmente os feudos eram grandes extensõesde terra sem delimitações precisas, o que naturalmenteprovocava constantes conflitos entre os senhores feu-dais. Ao contrário do que se pensa, nem todos os feudostinham suntuosos castelos, sendo mais comum a habi-tação básica, onde viviam o nobre feudal e os familia-res.

Imensas florestas circundavam os feudos, sen-do úteis na proteção do local e no fornecimento de ma-deira e caça de animais selvagens. Calcula-se que noauge do feudalismo, pelo menos metade das terras doocidente, eram gigantescas e imensas florestas.

Parte das terras - as glebas - eram arrendadasaos camponeses que pagavam uma parte da produçãoao senhor feudal. Além do pagamento percentual porregião cultivada os servos desempenhavam o trabalhonão remunerado nas melhores terras do feudo desig-nadas como domínio ou reserva senhorial. Essa obri-gação chamada - corvéia - é considerada por muitoshistoriadores, como a grande fonte de lucro do senhorfeudal, por se tratar do plantio nas áreas de melhorqualidade, conseqüentemente, de melhor produtivida-de.

Normalmente, em três dias da semana o servocultivava a área arrendada no contrato e nos outrostrês, cultivava o domínio, sem nada ganhar por isso.Além dessas obrigações havia uma grande carga deimpostos, tais como:

banalidades - taxas cobradas pelo uso doforno, do moinho, carroças e instrumentosde trabalho. A necessidade de moer o trigopara o pão e prensar a uva para o fabricodo vinho, colocava o servo nas mãos dosenhor feudal, obrigando-o ao pagamentodas banalidades.mão-morta - imposto pago pelos herdei-ros do servo que garantia a permanência naterra.capitação - imposto pago em proporçãodo número de familiares do servo.dízimo - imposto cobrado pela Igreja Ca-tólica, apelidado de "Tostão de Pedro".

Essa intrincada rede de impostos ligava os ser-vos ao senhor feudal, dificultando ao máximo o desli-gamento e obtenção da autonomia servil. Entretanto aservidão não era a escravidão. O senhor não podia ven-der o servo. Em contrapartida, um servo nascia e nor-malmente morria na terra, sendo raro o deslocamentode servos para outros feudos. Mais tarde, a partir doséculo XII, com o dinamismo do comércio e o cresci-mento das cidades esse quadro tenderia a mudar parauma sociedade mais dinâmica e de melhores oportuni-dades.

O FEUDALISMO FOI UM SISTEMADE GOVERNOIMPROVISADO E TEMPO-RÁRIO, QUE PROPORCIONOU UMACERTA ORDEM, JUSTIÇA E LEI DURAN-TE UMA ÉPOCA DE COLAPSO, LOCA-LISMO E TRANSIÇÃO. In Marwin Perry

Modelo de feudo,unidade deprodução típicada idade Média.Ao lado,esquema derotação deculturas em trêscampos.Hitstória Geral.ClaudioVicentino. pág108.

O FEUDALISMO NÃO CONSTITUÍAUM SISTEMA DEDUZIDO LOGICAMEN-TE DE PRINCÍPIOS ABSTRATOS, MASUMA RESPOSTA IMPROVISADA AO DE-SAFIO RESULTANTE DE UMA AUTORI-DADE CENTRAL INEFICIENTE.

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A atividade agrícola era extensiva combaixíssima produtividade. O arado era de madeira comformato inconveniente que pouco sulcava a terra. Oesterco só era utilizado na área do manso senhorial eaté o século XI a rotação de terras era adotada emraríssimos feudos. Em geral a produção agrícola erainferior à necessidade de consumo. Longos períodosde secas e pragas destruíam as plantações e a baixaprodutividade mesclava-se com a escassez de técnicasque pudessem melhorar a agricultura.

A alta taxa de mortalidade ajustava a oferta demão-de-obra impedindo um excedente incômodo paraos nobres feudais. Em relação a área cultivada, haviaum certo equilíbrio entre mão-de-obra e trabalho ofe-recido. Embora a servidão fosse predominante, em al-guns feudos ainda se usava trabalho escravo no servi-ço mais pesado. A opção pelo escravo era contida peloalto valor de aquisição e a escassez de fornecimento.O final das conquistas romanas cortou a fonte de ob-tenção da mão-de-obra escrava, que foi desaparecen-do gradativamente ao longo da Idade Média.

SUSERANIA E VASSALAGEM

Entre os nobres havia a relação de suserania evassalagem. Consistia no contrato entre dois indivídu-os, em que o nobre suserano concedia ao seu vassaloo direito de uso de um feudo ou terras de menor porte,garantindo em troca a lealdade do vassalo em qual-quer circunstância. A cerimônia de nomeação evassalagem contava com a presença de todos os no-bres e cavaleiros do feudo. Normalmente o juramentoacontecia num feriado santificado, o que garantia aparticipação de figuras ilustres do clero. O ritual devassalagem exigia do vassalo o juramento de lealdade,ajoelhado aos pés do seu senhor suserano.

Quanto maior o número de vassalos maior opoder do suserano. A escolha de um rei para manter aordem numa região, obrigatoriamente recaía sobre ossuseranos mais poderosos. Muitos tinham dezenas devassalos interligados pelo juramento de lealdade e obe-diência. No caso de conflito entre nobres feudais osuserano podia exercer o papel de mediador e juiz. Con-tudo, apesar de todo o prestígio os reis tinham autori-dade política restrita aos limites do feudo, não interfe-rindo nos feudos dos vassalos. A existência dos reis nãodiminuía a característica de descentralização, marca re-gistrada da Europa Ocidental desde o início da IdadeMédia. Daí o slogan político referente ao período me-dieval: Os reis, reinam mas não governam.

A fragmentação política do período influenciouo desmembramento das leis que existiam em caráterlocal. Como não existiam nações no aspecto formal,não existiam também leis nacionais. Nos feudos eramadotadas leis particulares transmitidas de pai para filho- Direito Consuetudinário. A justiça era implacável comos mais humildes e todo castelo tinha masmorra e pri-sões subterrâneas. Os castigos eram severos, podendo-se arrancar os olhos do infrator, decepar-lhe as mãosou imersão do corpo em água quente. Os critérios dejustiça dependiam do bom humor do senhor feudal enormalmente castigava os mais pobres de forma radi-cal.

“QUALQUER ECONOMIA BASEA-DA NA AGRICULTURA É SEMPRE PRE-CÁRIA, MESMO EM TEMPOS PROPÍCI-OS; NO INÍCIO DA IDADE MÉDIA ELAERA UMA RISCO PERMANENTE”. In.Anne Fremantle

Feudos comoeste, nosmontesCostwold daInglaterra eramquase auto-suficientes. Dorelativo confortode sua mansãode pedra osenhor mandavaem quase tudo.

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o Se a Idade Média foi a época dos cavaleiros e dos servos foi também a Idade daFé, quando então a Igreja Católica teve

nas mãos um poder de caráter supranacional, acima detodos os homens na terra. Com efeito, após o iníciodas invasões germânicas e a consequente fragmenta-ção de toda a Europa Ocidental, a Igreja exerceu o pa-pel de convergência na fé em Deus, unindo os homensem torno de uma só religião que prometia o paraísoaos cristãos. No longo período de guerras e tormentos

do início da IdadeMédia a Igreja ad-ministrou o caos,prestando assis-tência aos pobres eindigentes, ofere-cendo hospeda-gem aos viajantesalém de preservaras obras escritas daantiga culturagreco-romana.

Roma setornou o centro doimpério da fé epara lá convergiam

centenas de fiéis peregrinos. Com grande poder e pres-tígio os papas foram aclamados autoridade máxima dacristandade, exercendo absoluto controle sobre a cris-tandade no mundo ocidental. Além do papa a comple-xa hierarquia cristã se completava com o "exército" re-ligioso de bispos, sacerdotes, padres e clérigos.

Estruturada e rigidamente hierarquizada, a IgrejaCatólica passou ao largo da confusão que se seguiu à

queda do Império Romano. Aconsolidação do fé cristã entreos germanos foi facilitada pelaconversão dos francos, na épo-ca do rei Clóvis, em 510. Namedida em que os francos con-quistavam regiões na Europa

Ocidental, impunham também a crençano cristianismo. Mais tarde, retribuindo o apoio dos

francos, a Igreja Católica coroou no ano 800, o rei fran-co Carlos Magno como rei dos cristãos.

Os frutos da hegemonia religiosa no mundo oci-dental foram colhidos com maior intensidade a partirdo século VIII, quando a Igreja consolidou-se comoinstituição de caráter supranacional.

Boa parte da riqueza foi obtida com doaçõesde nobres que acreditavam (ou fin-giam acreditar) receber um lugar ga-rantido no céu.

"O cargo de papa, como ocargo de bispo e abade, tornou-seobjeto de disputas políticas. Porquê? Por causa do volume de bens,direitos e propriedades que perten-ciam à instituição e, além disso, pelo

prestígio que tais cargos conferiam a seu detentor.Na Idade Média os bispos eram freqüentemente

senhores temporais de territórios que administravamcom o auxílio de um conjunto de prelados. Os aba-des, líderes dos mosteiros, eram também administra-dores de feudos, desempenhando a um só tempo fun-ção religiosa, administrativa e até mesmo militar.

Isso explica uma série de práticas correntesentre os componentes da Igreja, como a venda de car-gos eclesiásticos ou a indicação de parentes paraocupá-los. Assim, em 926, Hébet, conde deVermandois, fez eleger seu filho Hugo como arcebis-po de Reims. Nessa ocasião, o "arcebispo" tinha cin-co anos de idade!

Muito tempo depois, em meados do século XIV,um jovem de dezessete anos chamado Pedro Rogériofoi feito cardeal pelo tio, o papa Clemente VI. Em1370, o jovem Pedro Rogério se tornaria papa, com onome de Gregório XI.

Que diferença em relação aos cristãos dos pri-meiros tempos! Quanto mais a Igreja adquiriu orga-nização interna, mais os "pastores" distanciaram-sedas "ovelhas".

Um grande historiador da Idade Média, PierreRiché, resumiu essa situação numa bela frase: "AIgreja, para salvar o corpo, arriscou-se a perder aalma". Ou seja, no esforço para criar e manter umaestrutura religiosa, a instituição perdeu muito do es-pírito original do Cristianismo". (In. Rivair JoséMacedo. Religiosidade e Messianismo. EditoraModerna. pág 19/20)

A Igreja Católica

Durante a IdadeMédia exerceugrande influênciana transmissãodoconhecimento.Na gravuraacima, observa-se o trabalho deum monge“copista”.

A lei é impostapelo medo, cujonome verdadeiroé Deus

“VOSSA VIDA AQUI É APE-NAS UMA PEREGRINAÇÃO” DE-CLARAVA NO SÉCULO XIV O PO-ETA GUILAUME DIGULLEVILLE

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A TEOLOGIA MEDIEVAL

A inexistência de umpoder político centralizado dei-xou a Igreja sem concorrentes.Como instituição mais podero-sa do mundo ocidental sua auto-ridade eclesiástica se estendia aoplano político, ideológico e mo-

ral. A cristandade seguia a orientação da Igreja, queteve como base ideológica a obra de Santo Agostinho,escrita no fim da Idade Antiga, quando Roma haviasido invadida e praticamente destruída pelos bárbaros.

Em 410, com o saque a Roma, houve um pâni-co generalizado. Nesse contexto Sto Agostinho escre-veu "A Cidade de Deus", perfeita resposta espiritual àcrise que ameaçava a religião católica.

Afirma o autor em sua obra, que todo cristãotinha como objetivo a busca do Paraíso. Minimizando

A Perigosa Viagem da Alma

A grande maioria da população medieval era analfabeta e, assim,nada deixou escrito sobre suas crenças. Mas pode-se perceber cla-

ramente a piedade popular daquela era pelas várias influências que lhederam forma e que ainda hoje sobrevivem: os ensinamentos cristãos, as

esculturas alegóricas, os versos, o “teatro de moralidades” ou“mistérios”; e as experiências místicas, tais como a visão simbólica e

complicada descrita pela monja Hildegarda de Bingen num manuscrito doséculo XIII. Tais elementos de convicção persuadiam o homem medievalde que o mundo espiritual era tão completamente real quanto o mundofísico; e a importância principal da sua vida, neste mundo, consistia empreparar o destino de sua alma, no outro. Diariamente se travava umaverdadeira luta. (In. Anne Fremantle. A Idade da Fé. História Universal.

Time-Life. Pág 61).

Punição Eterna para Legiões de Pecadores

O Dia de Juízo estava sempre iminente para a gente medieval e o seuprograma era-lhe assustadoramente familiar. À meia-noite desse dia terrível,

todas as almas deveriam aparecer em forma corporal perante o Criador. Etodos seriam pesados segundo escreveu Dante - “para, segundo seusméritos ou suas faltas, receber o prêmio ou a punição de justiça”. Os

pecadores seriam mandados ao inferno, representado às vezes pela boca deum monstro. Na visão do inferno, recebida pela freira Hildegarda de Bingen,“algumas almas eram queimadas, outras recebiam uma cinta de serpentes...

E vi demônios, com medonhos açoites, vergastando uns e outros...” E noinferno, em tormentos, os pecadores passariam a eternidade. (In. Anne

Fremantle. A Idade da Fé. História Universal. Time-Life. Pág 66).

a vida material, Sto Agostinho exaltava a vida espiritu-al ao lado de Deus. A felicidade perfeita seria encontra-da após a breve passagem pela Terra e o posterior in-gresso no Paraíso.

O teólogo foi o pai da idéia da predestinação docristão que seria mais tarde retomada por Lutero. San-to Agostinho também foi importante na transição doracionalismo clássico. Desenvolvendo o alicerce daespiritualidade medieval afirmava que a razão não eraúnica fonte de sabedoria. Com isso consolidava o prin-cípio da fé acima de todas as coisas. Na opinião do teó-logo, era impossível admitir a existência de Deus, cria-dor da humanidade, sem a crença na infalibilidade nopoder divino. Com Santo Agostinho os padrões éticosforam condicionados à aprovação de Deus. Ao contrá-rio dos humanistas, que supervalorizavam a razão, aobra de Santo Agostinho legou para a Idade Média, oslogan de Idade da Fé, marcada no seu apogeu por umobsessivo teocentrismo.

Visão mística da natureza dohomem e do seu lugar nocosmos, tal como a recebeu uma monja

As entranhas do inferno engolem os danados com os seus incansáveiscarrascos e são fechados para sempre.

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Não pensemos, todavia, que a Igrejadeixava de ter profunda importância na IdadeMédia. Ela desempenhou importantes papéis

naquele momento, assumindo responsabilidadesbastante significativas. Numa época cheia de

calamidades, dominada pelas guerras, pela fomee pela insegurança, a organização da Igreja serviu

como importante ponto de apoio para os ne-cessitados.Em primeiro lugar,

coube aos religiosos criar meiospara a transmissão da educação.O ensino era praticamente todo

desenvolvido por homensligados à Igreja, no campo e nas

cidades. As universidadessurgidas a partir do séc XII,

contaram sempre com o incen-tivo dos papas, e os professores,de um modo geral, eram homens

com formação religiosa.Por outro lado, numa

época em que as desigualdadessociais eram profundas, os

integrantes da Igreja sempreprestaram assistência aos

necessitados, praticando e estimulando a práticada caridade cristã.

Em volta das igrejas e mosteiros, eracomum bispos e abades mandarem construir

diversos locais de caridade: às vezesuma hospedaria, para alojar os

viajantes, os peregrinos, os men-digos; às vezes hospitais para os

doentes, especialmente os leprosos.Nessa época foram construídas as "casas de

pobres", os primeiros asilos e albergues de quese tem notícia.

Desde os primeiros séculos da IdadeMédia, os bispos auxiliavam os carentes e

desafortunados, alimentando-os e protegendo-os. A Igreja fez da caridade uma condição da

salvação; daí o ditado ainda atual: "Quem dá aospobres, empresta a Deus". De modo geral, osbispos eram chamados de "pais dos pobres",alguns chegando a manter centenas de indi-

gentes. Além disso, os representantes da Igrejaestimulavam os poderosos a ajudar os

necessitados.Nem sempre, entretanto, esse espírito

de caridade era desinteressado. Na maior partedas vezes, a ajuda aos pobres era vista como ummeio de purificação espiritual. Não se ajudava opobre por ele ser pobre, por ter necessidades oupor ter direitos. A ajuda era um modo de o ricogarantir um lugar no reino dos céus. Um livroescrito no século VII, chamado Vida de Santo

Elói, demonstra bem isso. Eis um trecho:"Deus teria podido fazer todos os

homens ricos, mas quis que houvesse pobresneste mundo para que os ricos tenham umaoportunidade de redimir seus pecados". In.

Macedo, José Rivair. Religiosidade eMessianismo na Idade Média. Editora Moderna.

Pág. 21-22.

O papel social daIgreja

A piedade infantil do homem medieval revelava-se dramati-camente através de recursos por ele adotados a fim de fortificar a alma

durante a perigosa travessia. Imaginativo, mas de espírito literal, ohomem da Idade Média representava como pessoas as virtudes, ou as

concebia como degraus de uma escada a ligar a terra ao céu. Osnúmeros lhe davam um sentimento de segurança. Por exemplo o 3representava o espírito, 4 o corpo; a soma de ambos, 7, a perfeição

mística. (In. Anne Fremantale. op. cit. pág 65.

Cristo em suamajestade, temaprincipal dosartistas

medievais

A vida luxuosa dos representantes da Igreja, representadapor artistas do século XV

PARA VOCÊSABERMAIS.

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Peregrinações

A peregrinação era uma viagem a um importantelocal religioso. Geralmente era um santuário onde esta-va enterrado algum santo, mas às vezes era a própriaTerra Santa. Todos os anos milhares de pessoas visi-

tavam os conhecidos lugares de peregrinação, como aBasílica de São Pedro, em Roma, ou os santuários de

Santo Tomás à Becket, em Canterbury, ou St.James, emCompostela.

As viagens eram longas e perigosas. Bandidosarmavam tocaias nas estradas percorridas pelos pere-grinos, e os piratas sabiam que os navios comperegrinos eram presas fáceis. Mesmo assim,muitas pessoas faziam peregrinações porque

acreditavam que a visita ao túmulo de um santopodia ajuda-las em muitas coisas. Em casos de

doenças graves, alguns prometiam fazer uma pe-regrinação se ficassem bons, ou iam aos lugaressantos para mostrar que estavam arrependidosdos seus pecados. Com sorte e uma companhiaagradável, a peregrinação podia ser como umas

férias - uma mudança bem-vinda na vida coti-diana. Durante a viagem, os peregrinos contavamhistórias - nem todas sobre assuntos religiosos -para distrair os outros e jogavam. Viajavam a ca-valo ou a pé, passando as noites em estalagens

lotadas.Quando chegavam à cidade onde estava o

santuário, eram recebidos por uma enorme quan-tidade de vendedores que viviam das visitas dosperegrinos. Vendiam imagens de santos e peque-nos enfeites como lembrança. Relíquias falsas -como pedaços de osso de porco (supostamente do crâ-nio de Santo Tomás) ou lascas de madeira (comerciadas

como fragmentos da verdadeira cruz) - vendiam muitobem. O povo acreditava que as relíquias tinham poderesmiraculosos para afastar os demônios ou curar doenças.Vendedores desonestos vendiam falsos perdões e indu-lgências - documentos que, segundo eles, garantiam operdão dos pecadores ou a permissão para desobede-

cer alguma lei da Igreja.Os peregrinos, cansados e confusos depois da

longa jornada, eram presas fáceis para esses farsantes.A atmosfera estranha e altamente emotiva da cidade dosantuário, com suas procissões, multidões de visitantese de mendigos, certamente aumentava sua confusão.

(In. Fiona Macdonald. O Cotidiano Europeu na IdadeMédia. Editora Melhoramentos. Pág 40.

“Quatro caminhos levama Santiago de Compostela, mastodos se juntam em Puente de la

Reina”.

O Cotidiano da História

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O Cotidiano da História

As casas residenciais

Quem viajava pela Europa na Idade Média via casas de diferentes for-mas e tamanhos. Nos países do sul, nas margens do Mediterrâneo e nasmontanhas, a maioria das casas era feita de pedra do local com telhadosem ponta ou de telhas. No norte mais frio, onde as imensas florestas pro-duziam grande quantidade de madeira, as casas eram construídas comestrutura de madeira, paredes de adobe (argila com lama) e telhado de

palha. No século XV, começaram a usar tijolos de argila cozida, especial-mente nas cidades de Flandres (que hoje pertence à Bélgica).

Grande parte das pessoas construía a própria casa com ajuda dos arte-sãos locais. As casas de madeira mais simples precisavam ser comple-

tamente reconstruídas depois de setenta e cinco anos, mas as de tijolos ede pedra duravam muito mais.

Em qualquer parte da Europa, as casas geralmente possuíam apenasum ou dois aposentos, além de depósito e estrebaria. O povo do campo

passava a maior parte do tempo fora de casa, voltando apenas para comere dormir e para se abrigar do frio rigoroso do inverno. Nas cidades, a idéiade cômodos diferentes para comer e para dormir começava a ser colocadaem prática. Em muitas casas da cidade a janela que dava para a rua pos-suía venezianas que podiam ser abaixadas para formar um balcão de loja,uma vez que os artesãos e comerciantes quase sempre trabalhavam em

casa.O chão normalmente era de terra batida e no centro da casa ficava o

lugar para acender o fogo, onde era feita a comida. No fim da Idade Média,começaram a aparecer as chaminés, que proporcionavam maior conforto

no interior das residências.A única iluminação era dada por pequenas janelas sem

vidro e fechadas com pesadas portas de madeira para evitara entrada da luz. Como as velas eram muito caras para amaioria das pessoas, o tempo que tinham para trabalhar

dependia da estação do ano e da luz natural. Nas noites deinverno, as pessoas se reuniam ao redor do fogo para con-

versar, mas a luz não era suficiente para trabalhar.Os móveis eram simples. Muitas vezes toda a família

dormia na mesma cama, tendo um colchão de palha e co-bertores de lã ou mantas de pele como cobertas. A mesa derefeição era uma tábua sobre dois cavaletes, e sentavam-seem bancos de madeira. Cadeiras eram luxo. Podiam ter umou dois baús de madeira trancados para guardar coisas pre-

ciosas, como o sal. Poucas panelas, algumas tigelas ecanecas de madeira e às vezes um caldeirão de bronze de-pendurado sobre o fogo eram quase sempre todos os uten-

sílios domésticos de uma família.(In. Fiona Macdonald. O Cotidiano Europeu na Idade

Média. Editora Melhoramentos. Pág 22).

A forja dopovoado onde oferreiroconsertava todotipo de utensíliode ferro e oequipamentopara trabalharna terra.

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O lado curiosoda História

Aprendiz de cavaleiro

No século XII, a elite militar da Europa ocidental estava se tor-nando uma aristocracia social e política, mas os cavaleiros continuavam

a ser guerreiros e sua educação enfatizava sobretudo as qualidadesmarciais. Seus ideais, tais como os de seus antepassados guerreiros da

Alta Idade Média, eram força física, habilidade nas armas, coragem elealdade aos líderes.

Durante o século XII, a essas virtudes militares acrescentaram-seas idéias cristãs de serviço, humildade e misericórdia para formar umcódigo cavalheiresco que se disseminou pela Europa. Do treino comoescudeiro até a elevação a cavaleiro, o jovem aprendia

não apenas as artes do combate, mas também a ética deconduta cavalheiresca. Os torneiros davam ao cavaleiro aoportunidade de impressionar tanto por suas artes mar-ciais como por seu comportamento cortês. Muitos cava-

lheiros já eram alfabetizados e, além de exaltarem a glóriada batalha em verso, esses trovadores aristocráticos

deleitavam-se em cantar a dor e os prazeres platônicos doamor cortês. (In. Given-Wilson, Cristopher. A Ordem

feudal na Europa. História em Revista. Time-Life. Pág.24).

Os jovens eramtreinados paralutar e manobrara unidademontada básicade guerramedieval daEuropa ocidental.Esses corposcerrados edisciplinadosforam essenciaisnas cargasdevastadorasempregadasposteriormentenas Cruzadas.

A coleção de contostendo como personagem o ReiArtur e os Cavaleiro da Távola

Rwdonda representou asuprema expressão da cava-laria romântica. Acredita-se

que o verdadeiro Artur era umcampeão galês, do século VI;

suas façanhas, contudo, foramembelezadas pela lenda e a sua

corte transformou-se nosímbolo perfeito da cavalariamedieval. (I. Anne Fremantle.

op. cit. pág. 114)

A gravura da direita mostra Sir Galaad ajoelhado diantedo altar, enquanto à esquerda o rei Artur portando a suacoroa, contempla a cena.