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l UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE DIREITO MAYLA DA LUZ ALBANO O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO DO FILHO NATAL- 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE DIREITO

MAYLA DA LUZ ALBANO

O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO DO

FILHO

NATAL- 2013

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MAYLA DA LUZ ALBANO

O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR EA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO DO FILHO

Trabalho de conclusão de Curso, na modalidade de Artigo, apresentado a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Paulo Roberto Dantas de Souza Leão

NATAL-2013

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PARECER DO ORIENTADOR

De acordo com a RESOLUÇÃO N° 01/2012 - CORDI, de 16 de março 2012

do Colegiado do Curso de Direito, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte que dispõe sobre a apresentação do

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, componente curricular obrigatório para a

conclusão do Curso de Graduação em Direito, avaliamos o trabalho aqui apresentado, sob

a forma de artigo científico, e, considerando que este se encontra em consonância com a

legislação vigente e as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.

Somos pela:

Aprovação ( ) e atribuímos a nota _______ ( ).

Não aprovação ( ) justificativa:______________________________.

Natal, 24 de maio de 2013.

_______________________________________________

Orientador – Prof. Paulo Roberto Dantas de Souza Leão

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O DIREITO FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO DO FILHO

Mayla da Luz Albano1

RESUMO

O presente artigo traz breves reflexões acerca do direito fundamental à convivência familiar e da sua relação com a responsabilidade civil dos pais em relação aos filhos em caso de abandono afetivo, principalmente quando se fala em descumprimento dos deveres e obrigações dos pais decorrentes do poder familiar. Para tanto, utiliza-se do procedimento metodológico da pesquisa bibliográfica, e tem início com a abordagem da importância da família nos dias atuais, bem como do direito à convivência familiar e comunitária. Em seguida, faz explanações sobre algumas consequências concretas da não observação do princípio da paternalidade responsável. Por fim, defende a responsabilização civil pelo abandono afetivo do filho, fazendo alusão a recente decisão do STJ quanto ao assunto em comento. Dessa maneira, o objetivo do presente artigo é pormenorizar o tema, debatendo e esclarecendo os argumentos expostos, buscando negar a falta de reparação civil por abandono afetivo sob a justificativa de não ser possível forçar a convivência entre pais e filhos, posto que amar é faculdade, mas cuidar é dever.

PALAVRAS CHAVE

Família. Responsabilidade Civil. Abandono Afetivo.

1 INTRODUÇÃO

Muito tem se falado sobre a crise da família moderna, e que esta tem causado

uma desestruturação da sociedade, na medida em que os filhos estariam sendo criados

sem imposição de limites, bem como sem qualquer parâmetro considerado acertado para

a vida em sociedade.

1 Concluinte do Curso de Graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Brasil. Email: [email protected].

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Neste sentido, os meios de comunicação também tem veiculado a idéia de que a

família está em crise, disseminando a violência, o uso de drogas e outros males da

sociedade contemporânea.

Nas palavras de Maria Clara Osuna Diaz Falavigna2, “a família perdeu seu

equilíbrio e passa por uma fase difícil em sua evolução.” Portanto, o que acontece é que a

família está mudando, transformando-se, como está a sociedade moderna, “no entanto,

continua como base para a proteção e crescimento de seus membros, não perdendo sua

importância”.

Desta forma, imprescindível antes de qualquer evolução sobre o tema, entender

o conceito de família e sua importância para a sociedade.

De acordo com Carlos Roberto Gonçalves3, família:

“é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.”

A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem sua

estrutura sem, no entanto, defini-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no

direito como na sociologia. Dentro do próprio direito a sua natureza e extensão variam,

conforme o ramo.

Latu sensu, família, conforme Carlos Roberto Gonçalves,4 abrange todas as

pessoas ligadas por vínculo de sangue, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção,

no entanto, para as leis em geral, família é um núcleo mais restrito constituído pelos pais

e sua prole, embora essa não seja essencial à sua configuração.

Não resta dúvida é de que qualquer pessoa está ligada a um grupo, a família, a

qual é responsável pela sobrevivência do indivíduo e pelo oferecimento de condições

materiais para que seu membro sobreviva e crie condições afetivas e mentais saudáveis.

2 FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz. COSTA, Edna Maria Farah Hervey. Teoria e prática do

direito de família: de acordo com a Lei 10.406 de janeiro de 2002. São Paulo: Editora Letras Jurídicas, 2003, p. 23.

3 GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6. – 8º ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011, p. 17.

4 Idem.

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Tal premissa representa as condições para que este indivíduo se torne um cidadão e possa

viver em sociedade, uma vez que o ser humano é um ser social, o qual necessita

desenvolver laços afetivos e viver em grupo, não resistindo ao isolamento, pois a pessoa

não começa nem termina em si mesma5.

A família é importante para o equilíbrio do indivíduo, constituindo um sistema

complexo que envolve, antes de tudo, uma relação amorosa de cooperação, na qual

experimentamos as sensações mais fortes e importantes de nossa vida, o que torna a

família o suporte social de cada um.

Conforme Maurice J. Elias6:

“a vida familiar é nossa primeira escola de aprendizado emocional; nesse caldeirão íntimo, aprendemos sobre os nossos sentimentos e como as pessoas reagem a eles; como refletir sobre nossos sentimentos e as escolhas que nossa relação permite; como ler e expressar esperanças e temores. Essa escola emocional não só opera através das coisas que os pais dizem e fazem diretamente com as crianças, mas também nos modelos que eles oferecem ao lidar com seus próprios sentimentos e com os que perpassam a relação marido-mulher”

A base familiar é tão importante para a identificação pessoal que a escola

clássica de psicanálise individual tem sido contrastada com a Terapia de Família

Sistêmica, entendendo-se que tratando apenas o ser doente está se atacando o sintoma e

não a doença. Portanto se um indivíduo apresenta um sintoma, a doença está na

organização familiar, que deve ser tratada como um todo.

No dizer de Caio Mário7, os pais tem o dever de amparar os filhos menores e os

filhos o dever de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, sendo este fato

uma representação do crescimento sentimental em oposição ao econômico, como um

regime de relações sociais institucionalizadas, que são sancionadas pelo direito, dando a

família categoria jurídica peculiar. Daí se deve entender que a família pode ser

considerada como um organismo jurídico, como também uma instituição.

5 FALAVIGNA, 2002, p. 25. 6 ELIAS, Maurice J., e outros. Pais e mães emocionalmente inteligentes. Rio de Janiro: Objetiva, 1999, p.11. 7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 14º ed. Rio de Janeiro: Forense,

2004,v.5, p. 171.

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Para Maria Berenice Dias e Ivone M. C. Coelho de Souza8 a família de hoje, ao

lado das aquisições que se instalaram na modernidade, como a educação mais liberal, os

papéis flexíveis, etc., não logrou isentar-se de profunda problemática, expressa, por

exemplo, na ausência dos pais, na debilidade dos limites que se impõe aos filhos e nas

dificuldades de reduzir os índices de conflitos por ele apresentados. É o mesmo para a

confusão estabelecida nos papéis parentais, entre o autoritarismo ou simplesmente a tão

necessária autoridade parental.

Nestas transformações, estamos definindo o papel da família, da paternidade,

mas não estamos discutindo sua importância. Daí porque a família é uma instituição que

merece regulamentação jurídica, além de atenção especial, pois diz respeito à

fundamentação da sociedade, suporte social do próprio indivíduo.

2 A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR E O DIREITO

FUNDAMENTAL À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do

adolescente, foram fixadas as diretrizes gerais das políticas públicas de atendimento às

crianças e aos adolescentes, reconhecendo-os como verdadeiros cidadãos.9

Pelo novo paradigma filosófico-político introduzido pela novel Doutrina, as

crianças e os adolescentes devem ser considerados sujeitos de plenos direitos, bem como

deve ser respeitada a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, competindo à

família, à sociedade e ao Estado garantir, com prioridade absoluta, a efetividade de suas

necessidades.

Nas palavras de Neidemar José Fachinetto10:

8 DIAS, Maria Berenice. Famílias modernas, (inter)secções de afeto e da Lei. Revista Brasileira de

Direito de família n.8, Síntese, p. 55. 9 VERONESE, Joseane Rose Petry; COSTA, Marli Marlene Moraes da. Violência doméstica: quando a

vítima é criança ou adolescente – uma leitura interdisciplinar. Florianópois: OAB/SC Editora, 2006, p. 51.

10 FACHINETTO, Neidemar José. O direito à convivência familiar e comunitária: contextualizando com as políticas públicas (in)existentes. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 52.

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“A atuação legal deixa de incidir exclusivamente sobre a criança e o adolescente como se fossem os únicos responsáveis pela situação de fato em que eram levados, para deslocar-se, notadamente quanto à exigibilidade do cumprimento desses direitos, à família, à sociedade e ao Estado”

Desta forma, é possível afirmar que a doutrina de Proteção Integral parte do

pressuposto, portanto, de que todos os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser

reconhecidos e se constituem em direitos especiais e específicos pela condição que

ostentam de pessoas em desenvolvimento, devendo ser garantido o direito à vida, à saúde,

à educação, à convivência familiar, entre outros.

Como condição peculiar da pessoa em desenvolvimento, expressamente prevista

no artigo 227, §V, da CF/88 e na parte final do artigo 6º do ECA, compreende-se muito

mais do que a simples definição legal dos sujeitos desta proteção, que são crianças e

adolescentes, mas como suporte hermenêutico na interpretação de todos os dispositivos

da legislação de vanguarda.11

Ocorre que, nesta etapa da vida, as crianças e os adolescentes estão em pleno

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, bem como adquirindo

habilidades, capacidades e, sobretudo, aprendendo e desenvolvendo sentimentos em

relação ao mundo em que estão inseridos.

Por se acharem na peculiar condição de pessoas humanas em desenvolvimento,

as crianças e os adolescentes encontra-se em situação especial e de maior

vulnerabilidade, motivo pelo qual necessitam de um regime especial de salvaguardas, que

lhes permitam construir suas potencialidades humanas em sua plenitude.12

Ainda, o critério temporal mostra-se determinante, pois o atendimento de certas

necessidades das crianças e dos adolescentes somente poderá se dar nessas fases de suas

vidas, exigindo daqueles responsáveis pela garantia desses direitos um agir

contemporâneo e imediato às suas idades. De nada adianta, como assevera Paulo Afonso

Garrido de Paula13, buscar a efetivação de um direito depois de ultrapassada a fase da

11 FACHINETTO, 2009, p. 54. 12 MACHADO, Marta Toledo. A proteção constitucional da criança e do adolescente e os direitos

humanos. Rio de Janeiro: Manole, 2003, p. 109. 13 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e tutela jurisdicional

diferenciada. São Paulo: RT, 2002, p. 39.

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vida em que a pessoa mais dele de beneficiaria, a exemplo do direito de brincar, somente

útil à formação equilibrada da criança e do adolescente enquanto tais.

Já quanto ao princípio da prioridade absoluta, inserido na Constituição Federal

(art. 227) e melhor especificado no seu conteúdo no parágrafo único do art. 4º do ECA,

deve ser compreendido de tal forma a permitir e viabilizar a plena eficácia das normas

protetivas previstas nas legislações, inclusive aquelas decorrentes do direito internacional

e incorporadas ao ordenamento brasileiro.

Numa primeira análise, pode se afirmar que o princípio da prioridade absoluta é

aquele que está relacionado à condição peculiar da pessoa em desenvolvimento14, de

maneira que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ser validados com a

presteza necessária para que sirvam no tempo certo, como alicerces do pleno

desenvolvimento pessoal da criança e do adolescente. Por isso, o constituinte cunhou

como dever da família, da sociedade e Estado assegurar os direitos das crianças e dos

adolescentes de modo pleno e prioritário.

Assim, nas palavras de Ana Maria Moreira Marchesan “tal princípio nos indica a

qualificação dada aos direitos assegurados à população infanto-juvenil, a fim de que

sejam inseridos no ordenamento jurídico com primazia sobre quaisquer outros”. 15

Nesse contexto, o resgate e a valorização do direito à convivência familiar e

comunitária, como direito fundamental, pressupõe que a família, não apenas na sua

concepção estritamente jurídica, deve ser vista como local ideal de criação dos filhos.

Desta forma a convivência familiar, antes de ser um direito fundamental, é uma

necessidade, pois é na família, como primeiro agrupamento de inserção do indivíduo, que

o indivíduo estabelece a primeira relação de afeto, sobre a qual se apóia todo o seu

desenvolvimento posterior, dando unidade à sua personalidade.

Trata-se de direito fundamental porque, como assevera Noberto Bobbio está

ligado aos “direitos naturais, e naturais porque cabem ao homem enquanto tal e não

dependem do beneplácito do soberano” 16. Assim, uma vez considerado como direito

14 FACHINETTO, 2009, p. 55 15 MARCHESAN, Ana Maria Moreira. O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente e a discricionaridade administrativa. Revista do Ministério Público, Porto Alegre, n. 44, 2001, p. 225 16 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 5º Reimp. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2004, p. 24.

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fundamental é imprescindível sua proteção, já que nessa seara é que são verificadas as

maiores dificuldades, pois se desloca do campo filosófico de sua justificação para o

campo jurídico e, num sentido mais amplo, político, já que o mais importante é saber qual

é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações,

eles sejam continuamente violados.

Desta forma, tais direitos devem ser encarados com a máxima prioridade, a qual

decorre de uma constatação histórica e dos estudos já realizados de que a criança não

cresce sadiamente sem a constituição de um vínculo afetivo estreito e verdadeiro com um

ou mais adultos, pouco importando se estes sejam seu genitores biológicos ou substitutos,

já que dificilmente obterão tal vinculação em uma instituição, por melhores que sejam os

cuidadores.17

Do ponto de vista neuro-fisio-psicológico, desde os primeiros suspiros, o cérebro

do recém nascido capta os estímulos externos, interpretando-os registrando-os, num

processo de fecunda aprendizagem, sendo que durante a primeira infância – isso até os

cinco anos de idade – ocorre a formação da estrutura nervosa da criança, fase formativa

que servirá de base para toda a vida do indivíduo18.

Para Maria Aparecida Domingues Oliveira, em decorrência da fragilidade e

dependência típica do ser humano:

“(...) sua sobrevivência está diretamente relacionada àqueles que o geraram, ou seja, a família. Nesse contexto, o mais importante elo de ligação da criança com o mundo é a mãe, a qual provê o alimento, e o afeto e o cuidado que o bebê precisa, e o pai como fonte de segurança e afeto”19

O direito de ter uma família é um dos direitos fundamentais de toda pessoa,

especialmente aquelas em pleno desenvolvimento, pois a família é tida como o núcleo

básico de criação e manutenção de laços afetivos. Tal direito não significa apenas o

simples fato de nascer e viver em uma família, mas vai muito além disso, expressando o

17 WEBER, Lidia Natália Dobrianskyj. Laços de Ternura: pesquisas e histórias de adoção. Curitiba:

Juruá News, 2004, p. 75. 18 FACHINETTO, 2009, p. 63. 19 OLIVEIRA, Maria Aparecida Domingues. A neuro-psico-sociologia do abandono – maus tratos

familiares. In: AZAMBUJA, M. R., SILVEIRA, M. V.; BRUNO, D.D. (Orgs.). Infância em família: um compromisso de todos. Porto Alegre: IBFAM, 2004, p. 285-288.

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direito a ter vínculos afetivos através dos quais a criança se introduz em uma cultura e em

uma sociedade, tornando-se de fato, e de direito, cidadã.20

3 O PROBLEMA DA PRESTAÇÃO DO AFETO E ALGUMAS

CONSEQUÊNCIAS DA NÃO OBSERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

PATERNALIDADE RESPONSÁVEL

É entendimento unânime que a boa relação familiar que se estabelece entre a

criança e seus pais contribui para a sua adequada formação e desenvolvimento. Isto

ocorre porque a criança e o adolescente vislumbram em seus pais um modelo a ser

seguido e, frequentemente tendem as condutas destes.

Não é por outra razão que, para detecção dos problemas psíquicos de uma

criança, é recomendada uma sessão conjunta com toda a família, para que se possa

verificar com adequação seu contexto familiar. Isto ocorre porque a criança, na maioria

das vezes, reflete o bom ou o mau funcionamento da entidade familiar. De sorte que os

pais, em vários casos, também necessitam de tratamento, uma vez que seus transtornos

atingem seus filhos.21

Nas palavras de Cristiane Flôres Soares Rollin:

“É importante que a criança e o adolescente identifiquem estas duas figuras (pai e mãe), com elas se relacionando, mesmo que não mais formem um casal. A ausência, o desprezo ou a mera indiferença, seja da figura paterna, seja da figura materna, interferirão, na maioria das vezes, de forma danosa em sua formação.”22

20 FACHINETTO, 2009, p. 63.

21 ROLLIN, Cristiane Flôres Soares. Paternidade responsável em direção ao melhor interesse da criança. In: Tendência Constitucionais no Direito de Família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Orgs. Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustárroz. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p 39.

22 idem.

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Nesse sentido, a agressividade apresentada por crianças e adolescentes pode ser

um comportamento que espelha o de seus pais, ou de quem tem a sua guarda.

Manifestações de infelicidade e insegurança também podem ser vistas como respostas à

frustração aos problemas de relacionamento com os membros da família, especialmente

com aqueles que tem o dever de cuidá-las e protegê-las.

Verifica-se, pois, que uma das razões para a crescente agressividade das crianças

e jovens está relacionada ao inadequado exercício da paternalidade. A agressividade

manifesta-se em várias circunstâncias: em casa, na escola e nas ruas. Desenvolveu-se um

comportamento violento, que muitas vezes leva a criminalidade.23

Nas palavras de Renato Guimarães Júnior, as camadas mais desfavorecidas da

sociedade tendem a reproduzir-se com maior celeridade e, havendo falta de recursos, a

pobreza aumenta, empurrando todas estas pessoas ao crime. Como o planejamento

familiar, nestes casos é praticamente nulo, os filhos que são indesejados tendem a repetir

o ciclo, de maneira que, segundo o autor, havendo ausência de um adequado

planejamento familiar o aumento da criminalidade é fato certo.24

Outro fenômeno também verificável me estruturas familiares comprometidas é a

gravidez na adolescência, que pode ser consequência da má observância da paternidade

responsável, bem como pode ser origem de uma paternidade irresponsável, pois, muitas

vezes, a insatisfação da gravidez é diretamente transmitida para a criança indesejada.25

Sobre a gravidez na adolescência Ronald Pagnocelli pondera:

“(...)a classe economicamente menos favorecida quase sempre tem a família mal estruturada, filhos fora do casamento, prole grande e precoce, difícil acesso aos recursos de saúde e total ausência de princípio de educação, higiene e prevenção. Entre os adolescentes de classe média superior a incidência da gravidez e do aborto em clínicas particulares é a mesma. O adolescente de classe média está sujeito a um certo grau de rigidez moral, religiosa e cultural

23 ROLLIN, Cristiane Flôres Soares. Paternidade responsável em direção ao melhor interesse da

criança. In: Tendência Constitucionais no Direito de Família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Orgs. Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustárroz. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p 40.

24 GUIMARÃES JÚNIOR, Renato. Extrapolando Criminalidade e Consequências. Justitia. São Paulo, 1980, p. 246.

25 ROLLIN, Cristiane Flôres Soares. Paternidade responsável em direção ao melhor interesse da criança. In: Tendência Constitucionais no Direito de Família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Orgs. Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustárroz. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p 40.

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que tende a limitar a incidência de gravidez. Em contrapartida, se ela vier a ocorrer (o que tem acontecido cada vez mais nos últimos tempos), a dificuldade de lidar com essa gravidez é muito maior, pois é muito má a aceitação de um filho sem casamento e as opções de aborto ou adoção representam o caos familiar. A gravidez na adolescência em países pobres resulta em um número enorme de crianças desajustadas, desnutridas, marginalizadas, sendo matéria prima de crescente criminalidade. A mortalidade infantil é praticamente o dobro entre filhos de mães solteiras em qualquer idade. O período de amamentação é menor, o índice de desnutrição é maior. Tais crianças tem maior freqüência de problemas de aprendizagem e menor rendimento em provas de inteligência vários autores assinalam maior risco potencial de descuido e maus-tratos”.26

O mesmo autor aponta que alguns jovens estão mais predispostos ao uso de

drogas. Estes jovens apresentariam os chamados fatores de risco. Mais uma vez, verifica-

se a absorção de condutas de seus pais e outros familiares pelo adolescente, pois um dos

fatores de risco é que seus pais usem ou abusem de drogas. A instabilidade familiar, a

ausência de supervisão dos filhos, as separações, novas uniões conjugais, doença e morte

dos pais também compõem os chamados fatores de risco. Assim, se os pais

proporcionassem um ambiente familiar adequado, seguramente o uso de drogas entre os

adolescentes diminuiria.27

Quando é ressaltada a importância da família da presença e do acompanhamento

dos pais, não se afirmando que estes problemas ocorram apenas em casos de pais

separados. Todavia, o processo de divórcio do casal quando não é bem conduzido,

potencializa a ocorrência desses fenômenos.28

Com efeito, em relação ao divórcio, Alberto Stein assevera que:

“(...) quando existem filhos, as pessoas Levam muito tempo para tomar uma decisão. As negociações financeiras em geral são difíceis, e muitas vezes parte do dinheiro de pensão é extra-oficial, sendo que metade do dos homens não paga em dia, costumeiramente aqueles mais distantes dos filhos. Dez por cento

26 SOUZA, Ronald Pagnoceli de. O Adolescente do Terceiro Milênio. Porto Alegre: Mercado Aberto,

1999, p.103. 27 SOUZA, O Adolescente do... p. 144 e 119. 28 ROLLIN, Cristiane Flôres Soares. Paternidade responsável em direção ao melhor interesse da

criança. In: Tendência Constitucionais no Direito de Família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Orgs. Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustárroz. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p 41.

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dos pais desaparecem da vida dos filhos. Os pais precisam aprender a separar a relação marital que termina, da parental, que continua.”29

O autor prossegue, enfatizando que, apesar da maior aceitabilidade da separação

dos casais, ela traz ainda fortes sentimentos de fracasso, frustração, raiva e desejo de

vingança, que podem refletir-se danosamente nos filhos.

Verifica-se, pois, que a separação do casal, ou seja, a falência da unidade

familiar é sempre sentida pelas crianças, variando o grau de intensidade dos efeitos

maléficos absorvidos pelo menor, de acordo com a forma em que este processo de

desmantelamento da família é conduzido pelos pais.

Por essas e outras razões, os pais quando se separam, não podem negligenciar

seus filhos. A paternidade, ao contrário do matrimônio, não pode ser dissolvida. Todavia,

estudos apontam que, dentro de dois anos após o divórcio, quase metade das crianças

perdem contato com os pais que não detêm a sua guarda.30 Na verdade, é importante para

o desenvolvimento da identidade da criança conhecer sua família, incluindo tios, primos e

avós de ambos os lados. O acesso da criança ao pai que ficou sem a guarda é necessário.

Infelizmente, muitas vezes isto não acontece. Com efeito, as disputas acabam por colocar

o foco da questão nos pais ao invés de colocá-lo na criança, o que é errado, pois o foco

deveria ser em suas necessidades.

O cuidado com os filhos durante o processo de separação do casal e após a

dissolução definitiva do núcleo familiar deve ser permanente, sob pena de as crianças

desenvolverem traumas psicológicos duradouros.31 Perturbações psicológicas que,

consoante já frisado, desenvolvem a agressividade e podem levar, em situações mais

extremas, o adolescente a cometer suicídio.

Como visto, o rompimento do núcleo familiar gera conflitos nas crianças e

adolescentes. Todavia, aqueles podem ser minorados e talvez, até evitados, se os pais

exercerem efetivamente uma paternidade responsável, que não se traduza apenas em 29 STEIN, Alberto. Org. Luiz Carlos Prado. Famílias e terapeutas: construindo caminhos. Divórcios e

casamentos: Enfrentando o desconhecido. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p.175. 30 ROLLIN, Cristiane Flôres Soares. Paternidade responsável em direção ao melhor interesse da

criança. In: Tendência Constitucionais no Direito de Família: estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Orgs. Sérgio Gilberto Porto, Daniel Ustárroz. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p 42.

31 KAPLAN, Harold I. SADOCK, Bejjamin J. GREEB, Jack A. Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997, p. 413.

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prover seus filhos materialmente, mas também, provê-los de amor, carinho, afeto e

segurança.

Ademais, um argumento que se opõe à doutrina da responsabilidade afetiva é o

de que os afetos não dependem da vontade humana. A rigor em matéria de afetividade,

estamos mais para pacientes do que para agentes32 de modo que o Direito simplesmente

não pode impor que determinada pessoa tenha determinado afeto por outra, ainda que se

trate de pais e filhos.

Ocorre que o pleno desenvolvimento da personalidade, em seus aspectos

intelectual e afetivo, é uma exigência que se impõe na atualidade, seja porque a dignidade

humana é o fundamento da ordem social, seja porque as ciências psicológicas afirmam

que esse desenvolvimento é estruturante da personalidade. Sendo assim, o Direito não

pode deixar de protegê-lo. Trata-se de um impasse teórico.

Nas palavras de Romualdo Baptista dos Santos:

“O enfretamento dessa questão pode ser obtido mediante a análise dos conceitos de afeto e de comportamento. Os afetos são processos internos que independem da nossa vontade, ao passo que os comportamentos são manifestações exteriores da personalidade, que podem corresponder a algum estado afetivo, mas que podem não guardar correspondência. De fato, é bem freqüente que as pessoas mantenham comportamentos que na verdade não correspondem aos seus sentimentos, às suas paixões ou às suas emoções. Essa, por sinal, é uma exigência na vida em sociedade, a qual se tornaria impossível se as pessoas exibissem unicamente comportamentos correspondentes aos seus sentimentos, paixões e emoções.” 33

O direito lida com a prestação de comportamentos adequados à vida em

sociedade, pouco ou nada importando se correspondem ao estado afetivo de cada

obrigado. A bem da verdade, a prestação de condutas impostas pelo Direito raramente

corresponde a uma decisão interna do obrigado, pois, se assim fosse, não seria necessário

recorrer ao Direito para obter aquela conduta.

32 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil na Parentalidade. In: Direito de Família e

das Sucessões - temas atuais. Cord. Giselda Maria Fernandes Hironaka, Flávio Tartuce, José Fernando Simão. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 200.

33 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil na Parentalidade. In: Direito de Família e das Sucessões - temas atuais. Cord. Giselda Maria Fernandes Hironaka, Flávio Tartuce, José Fernando Simão. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 200.

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De outro lado a efetividade se manifesta na convivência, não havendo a

possibilidade de alguém nutrir ódio ou desenvolver amor por outra pessoa com a qual não

mantenha nenhum tipo de relacionamento.34 No que se refere a pais e filhos a regra não

difere: é necessário que mantenham um mínimo de relacionamento para que apareçam os

afetos positivos ou negativos.

Pois bem, o Direito não pode exigir que o pai ou mãe ame seus filhos, mas pode

perfeitamente exigir a prestação de condutas tendentes ao desenvolvimento dos afetos. A

atenção, o carinho, a convivência são comportamentos que possibilitam o nascimento e o

desenvolvimento dos laços afetivos, ainda que não correspondam ao estado afetivo do pai

ou da mãe no momento em que são prestados (comportamentos pró-afetivos)35

Em suma, se ao Direito não é possível determinar a prestação de afetos, cabe-lhe

ao menos impor comportamentos tendentes ao surgimento e ao desenvolvimento do

afetos, isto é, comportamentos pró- afetivos.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO DO FILHO

No contexto de todas as mudanças paradimáticas o Direito também se

transformou. Antes se destinava à proteção do indivíduo e da propriedade, agora visa à

proteção da pessoa humana e de sua dignidade. Há nitidamente uma mudança de eixo

axiológico: o valor fundamental do Direito moderno era a propriedade privada, que se

vinculava aos indivíduos de forma absoluta; no Direito atual o valor fundamental é a

pessoa humana, a quem se conferem direitos como forma de promoção da sua dignidade.

Todavia, a proteção da dignidade humana envolve seus aspectos materiais e

morais. Aqueles se garantem pelos direitos de posse e de propriedade sobre as coisas;

estes se garantem por meio de direitos relacionados com a subjetividade, isto é, os

direitos da personalidade. A personalidade envolve aspectos físicos e psíquicos e estes se 34 MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. trad. José Fernando

Campos Fortes, 4. Reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 73. 35 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil na Parentalidade. In: Direito de Família e

das Sucessões - temas atuais. Cord. Giselda Maria Fernandes Hironaka, Flávio Tartuce, José Fernando Simão. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 201.

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subdividem em intelectuais e afetivos. A proteção dessa estrutura está diretamente

relacionada com a proteção do núcleo central da pessoa, isto é, da dignidade da pessoa

humana. 36

Como visto, a estrutura psíquica se desenvolve em grande parte nas relações

familiares, tendo os pais papel preponderante no desenvolvimento psíquico-afetivo dos

filhos. Em suma, a afetividade é necessária ao pleno desenvolvimento em decorrência dos

deveres inerentes ao poder familiar.

O Direito de família dispõe de mecanismos eficazes para compelir os pais a

prestarem condutas tendentes ao desenvolvimento afetivo dos filhos. Porém em muitos

casos, esses mecanismos se mostram insuficientes, mormente, porque os danos já se

concretizaram e não há possibilidade de correção. É nesse contexto que surge, nos dias

atuais, a teoria da responsabilidade civil por abandono afetivo, resultante de um esforço

interdisciplinar exógeno, entre poder familiar e responsabilidade civil.

A responsabilidade civil está relacionada ao fato de que devemos nos conduzir

na vida sem causar danos aos outros, sob pena de sermos obrigados a reparar os danos.

De outra parte, as pessoas têm direito de não ser invadidas em suas esferas intimas de

interesses, pois se isso acontecer nasce para elas o direito de ser indenizadas.37 Essa regra

é aplicável a todas as relações humanas, inclusive àquelas que envolvem pais e filhos.

Nesse caso, a responsabilidade é ainda mais clara porque os filhos são pessoas em

desenvolvimento e porque os pais têm o dever jurídico de promover esse

desenvolvimento.

A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva, conforme tenha por

fundamento a culpa ou o risco. A responsabilidade paterno-filial tem por fundamento a

conduta culposa, que, em regra caracteriza-se pela falta de cuidado dos pais com a

integridade psíquica dos filhos. Não raro, porém a conduta culposa pode ter forma de

imprudência, isto é, pela ação comissiva que causa dano à estrutura psíquica do filho. Em

muitos casos, há culpa no sentido estrito, pois os pais são omissos ou agem de modo

36 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil na Parentalidade. In: Direito de Família e

das Sucessões - temas atuais. Cord. Giselda Maria Fernandes Hironaka, Flávio Tartuce, José Fernando Simão. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 202.

37 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Teoria Geral da Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2008, p. 27.

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inadequado, mas sem intenção de causar danos os filhos. Em outros casos, há dolo, pois o

pai ou mãe age deliberadamente com o intuito de atingir a estrutura psíquica dos filhos. É

o que acontece quando o pai, por causa de desavenças com a mãe, passa desprezar ou

maltratar a criança.38

Em todos esses casos, há o dever de indenizar, mas é necessário atentar para o

elemento volitivo dos pais, mesmo porque cada modalidade de conduta produz sendas

mais ou menos profundas na personalidade da vítima, o que deve repercutir na

quantificação do dano.

A análise da responsabilidade civil nas relações entre pais e filhos advém da

relação paterno-filial, pois os pais tem o dever de criar e educar os filhos, isto é, de

promover o desenvolvimento da sua personalidade, em razão do exercício do poder

familiar. (CF, art. 229 e CC, art. 1.634, I). Desta forma, é evidente a existência de uma

dependência material e afetiva dos filhos em relação aos pais, visto que estes se

encontram na situação de controle, configurando-se como relações assimétricas e

desiguais, porque os filhos são inteiramente dependentes das vontades e dos humores dos

pais.39

Além da conjugação dos institutos da responsabilidade civil e do poder familiar,

pertencentes a áreas distintas da ciência jurídica, há a necessidade de recorrer aos estudos

da Psicologia, sobre os quais se assenta a afirmação de que o desenvolvimento da

estrutura afetiva é constitutivo da personalidade. Merece destaque, nesse aspecto, a

Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget, segundo o qual a personalidade se

desenvolve em períodos ou estágios40: sensório-motor (1 a 2 anos), pré-operatório (2 a 7

anos), período das operações concretas (7 a 12 anos), período das operações formais (12

anos em diante).

A doutrina de Piaget se orienta pelo princípio da equilibração, segundo o qual os

seres vivos interagem com os outros e com o meio ambiente em busca do equilibro. O

desenvolvimento intelectual e afetivo e afetivo, que se inicial na primeira infância, se

38 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil na Parentalidade. In: Direito de Família e

das Sucessões - temas atuais. Cord. Giselda Maria Fernandes Hironaka, Flávio Tartuce, José Fernando Simão. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 203.

39 HELLER, Agnes. FÉHER, Ferenc. A condição política pós-moderna. -2ºed. Rio de Janeiro:Civilização brasileira, 2002, p. 94.

40 LERBET,Georges. Piaget. trad. Nadyr de Sales Penteado, São Paulo: Editora Nacional, 1976, p. 62.

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desenvolve até a adolescência e se estabiliza na fase adulta, nada mais é do que a busca

pela equilibração.

Há assim, um claro prejuízo para a pessoa a quem é negada a possibilidade de se

desenvolver adequadamente e adoece do psiquismo. Há também, voltando a Piaget, um

evidente prejuízo para a vida em sociedade, na medida em que pessoas mal organizadas

psiquicamente são incapazes de estabelecer trocas afetivas equilibradas. Avançando sobre

o campo da política, devemos concluir, com Giselle Groeninga, que há interesse do

Estado em determinar que os pais protejam a estrutura psíquica dos filhos, com vista à

formação de pessoas saudáveis para a convivência em sociedade.41

São pressupostos da responsabilidade civil a ação, o dano e o nexo de

causalidade.42 No caso do abandono afetivo, a ação consiste na conduta, via de regra

omissiva, praticada pelos pais e que tem como destinatários os filhos. Além da cláusula

geral da responsabilidade civil, a que se refere o art. 186 c/c o art. 927, caput, do Código

Civil determinam que os pais tem o dever de criar e educar os filhos. Logo, a não

prestação de condutas tendentes ao desenvolvimento da afetividade constitui ato ilícito

porque fere esses preceitos legais.

Dessa conduta injurídica decorrem efeitos nocivos à personalidade dos filhos,

que podem se resumir a pequenos desajustes comportamentais, mas podem evoluir para

desvios de caráter ou até mesmo para transtornos psíquicos. É indiscutível, à luz da

Psicologia e da Psicanálise, que o abandono afetivo produz danos para a estrutura

psíquica das pessoas, ainda mais quando se trata de crianças em fase de desenvolvimento.

Esses danos estão diretamente ligados aos direitos da personalidade e à proteção do

princípio fundamental da dignidade humana. Os danos afetivos são essencialmente

morais, visto que não se pode atribuir-lhes valor econômico. Sua quantificação é dada por

arbitramento judicial.

As disposições sobre a fixação do quantum indenizatório encontram-se nos arts.

944 a 954 do Código. A regra geral é de que a indenização deve corresponder à extensão

do dano (art. 944, caput), se aplicando também aos danos morais, inclusive aqueles 41 GROENINGA, Giselle Câmara. O direito à integridade psíquica e o livre desenvolvimento da

personalidade. Disponível em: < http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/5/2241/12.pdf>. Acesso em: data.

42 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, 7º vol., responsabilidade civil, 19. Ed ver. e atual., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 41.

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considerados in re ipsa. Todavia, em se tratando de danos morais, sua extensão não se

mede objetivamente como ocorre com os danos materiais, mas por aproximação

estimativa.

Desta forma, de acordo com Romualdo Baptista dos Santos, para proceder ao

arbitramento, o juiz deve considerar uma série de fatores que permeiam o fato, dentre os

quais se destacam a lesividade da agressão, o impacto sofrido pela vítima e a

repercussão social do fato.43

A lesividade da agressão em regra se evidencia pela modalidade da conduta e

pelo ânimo do agressor. Há casos em que os danos são causados por negligência ou por

imprudência, em que não há intenção de lesionar; em outros, há uma ação ou omissão

deliberada com o claro sentido de causar danos à vítima. Aqui se aplica bem a regra do

art. 944, parágrafo único, do Código Civil, que autoria o juiz a reduzir o valor da

indenização, inclusive por danos materiais, em proporção ao grau de culpa do agente.

Em sede de danos morais, esse é um aspecto extremamente importante, porque a

indignação da vítima tem extrema relação com a lesividade da agressão. Saber que o

agressor causou um dano deliberadamente é bem mais doloroso do que saber que o

evento se deu por descuido, mas que essa não era sua real intenção.44

Quanto ao impacto sofrido pela vítima, cabe lembrar que cada pessoa tem uma

estrutura psíquica própria e reage de modo diferente aos estímulos do meio ambiente.

Não se podendo estabelecer um padrão linear ou uma vala comum na qual todos os

relacionamentos entre mães e filhos sejam considerados idênticos.

Por fim, o juiz deve considerar a repercussão do fato lesivo no meio social.

Alguns fatos atingem apenas a esfera íntima da vítima, ao passo que outros desbordam

para a esfera pública, aumentando consideravelmente as consequências lesivas. Esse

aspecto também deve ser considerado para fins de fixação do valor da reparação.

Ademais, embora não possam ser quantificados, os danos morais devem ser

apreciados em sua extensão qualitativa. Compreender o significado da cada lesão moral e

converter isso em pecúnia é tarefa íngreme que se propõe para o juiz. De todo modo, o

43 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil na Parentalidade. In: Direito de Família e

das Sucessões - temas atuais. Cord. Giselda Maria Fernandes Hironaka, Flávio Tartuce, José Fernando Simão. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 206.

44 Idem.

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valor arbitrado não pode ser insignificante para a vítima, devendo proporcionar um certo

conforto em relação ao abalo moral sofrido. Mas também não pode representar uma

mudança abrupta nas suas condições de vida, como se fosse um prêmio de loteria.

No que toca ao nexo causal, é costumeira a dificuldade de identificação deste

requisito dentro do âmbito da Responsabilidade Civil, ainda mais quando se cuida de

dano afetivo, pois o psiquismo recebe estímulo de toda parte, havendo dificuldade em

estabelecer que um determinado transtorno seja decorrente de um fato específico.

Por outro lado devemos atentar para a teoria da causalidade adequada, adotada

pelo Direito, segundo a qual, dentre todas as causas que contribuem para a produção do

resultado, uma é determinante: a causa adequada.45 Uma vez estabelecido que a vítima

sofreu abalo psíquico significativo, várias causas podem ter contribuído para isso,

inclusive a sua própria predisposição. Todavia, se a ação ou omissão dos pais foi

determinante para a deterioração do psiquismo, essa é a causa adequada, desta forma, a

identificação desta causa é a árdua tarefa a que se propõe o juiz.

5 POSSÍVEIS SOLUÇÕES NO PLANO JURÍDICO E A EVOLUÇÃO DO

POSICIONAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO SOBRE O CASO

A Teoria da Responsabilidade Civil por danos morais é matéria recente na

ciência e na prática jurídica. É resultante da virada paradimática da modernidade Para a

Pós-Modernidade que produziu profundas modificações na vida social e, por conseguinte,

nas regras que regem a vida em sociedade.

Atualmente, como dito, o Direito não é mais voltado para a proteção do

indivíduo e da propriedade, mas sim da pessoa humana e sua circunstancialidade. A

proteção da pessoa envolve seus aspectos físicos e psíquicos, sua manutenção material e

sua sustentação Moral. Significa proteger os direitos da personalidade.

45 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.

368.

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O dano afetivo é modalidade de dano moral porque se refere aos atentados que

se podem praticar contra direitos da personalidade. A estrutura afetiva é estruturante da

personalidade e determina a qualidade de vida em sociedade, ainda mais quando se trata

de pessoas em desenvolvimento, como é o caso das crianças.

Não se pode obrigar o pai ou a mãe a dispensar afeto aos filhos, mas é possível

exigir-lhes condutas tendentes a proporcionar o surgimento de e o desenvolvimento dos

afetos, isto é, comportamentos pró-afetivos.46 Porém, diante da atitude deliberada por

parte dos pais de negarem um mínimo de convivência e de atenção indispensáveis à

preservação da estrutura psíquico-afetiva dos filhos, faz-se necessária a intervenção do

estado juiz com o intuito de obter a prestação de condutas necessárias ao

desenvolvimento sadio da personalidade ou de reparar os danos causados.

Em regra, os casos de abandono afetivo aparecem como consequência da

separação dos pais. O juiz procura preservar a integridade psíquica dos filos, já no

momento da separação dos pais, do divórcio ou da dissolução da união estável, mediante

a fixação de guarda unilateral ou compartilhada e da regulamentação das visitas. Em caso

de descumprimento das cláusulas do acordo ou da sentença judicial, a lei prevê medidas

como a busca e apreensão da criança e a imposição de multa, nos termos do art. 461 do

Código de Processo Civil. Além disso, o pai ou mãe está sujeito à perda ou à suspensão

do poder familiar, conforme os arts. 1.637 e 1.638, I do Código Civil.

Todas essas medidas são tendentes à preservação da integridade física dos filhos,

com o intuito de evitar danos à formação da sua personalidade. Mas há casas em que os

danos já consolidaram e não há possibilidade de reversão ou de restauração pelas

medidas acima enunciadas. Nessa hipótese, há lugar para a ação de Responsabilidade

Civil, cujo pedido não é de prestação de afeto, mas sim de reparação do dano causado.

Muitas ações sobre o assunto têm aportado o Judiciário nos últimos tempos,

serão referenciados alguns casos que merecem destaque por serem emblemáticos.

Primeiramente, cumpre apresentar alguns casos que representam o

posicionamento o qual defende a idéia de que escapa ao Pode Judiciário obrigar alguém a

46 SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil na Parentalidade. In: Direito de Família e

das Sucessões - temas atuais. Cord. Giselda Maria Fernandes Hironaka, Flávio Tartuce, José Fernando Simão. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 209.

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amar, ou a manter um relacionamento afetivo, pois, segundo tal entendimento, nenhuma

finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada:

“RESPONSABILIDADE CIVIL Abandono afetivo e material Ação de indenização por danos materiais e morais proposta por filha contra pai Paternidade reconhecida em ação judicial proposta 38 (trinta e oito) anos após o nascimento da autora Transferência de patrimônio por parte do réu aos outros filhos Sentença de improcedência Impossibilidade de se impor o dever de amor e afeto Danos morais não configurados Indenização inexigível Precedentes jurisprudenciais Abandono material não caracterizado Questão patrimonial a ser dirimida em ação própria Apelação desprovida.” (56888020108260619 SP 0005688-80.2010.8.26.0619, Relator: Carlos Henrique Miguel Trevisan, Data de Julgamento: 29/11/2012, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/12/2012)

“INDENIZAÇÃO' POR DANOS MORAIS - Almejado ressarcimento pelos sofrimentos experimentados em razão de abandono afetivo - Ausência de ato ilícito - Ninguém é obrigado a amar ninguém - Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido.” (35357420078260168 SP 0003535-74.2007.8.26.0168, Relator: Percival Nogueira, Data de Julgamento: 17/02/2011, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2011)

“APELAÇÃO CÍVEL. REPARAÇÃO DE DANOS. ABANDONO PATERNO. 1. O ABANDONO AFETIVO PELO PAI NÃO ENSEJA COMPENSAÇÃO DE DANO MORAL AOS FILHOS. 2. AMBOS OS PAIS SÃO RESPONSÁVEIS PELAS DESPESAS NECESSÁRIAS AO SUSTENTO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS, SENDO QUE A EXIGÊNCIA DO ADIMPLEMENTO DESSA OBRIGAÇÃO DEVERIA TER SIDO FEITA OPORTUNAMENTE EM AÇÃO DE ALIMENTOS. 3. INCABÍVEL INDENIZAÇÃO DE DANO MATERIAL SEM PROVA DO PREJUÍZO ALEGADO.”(25042520058070004 DF 0002504-25.2005.807.0004, Relator: FERNANDO HABIBE, Data de Julgamento: 04/08/2010, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 09/08/2010, DJ-e Pág. 77)

Em seguida, demonstra-se o posicionamento mais recente e defendido neste

estudo, mediante o qual reconhece o dever de indenizar, tendo em vista a conduta danosa

do réu. Neste sentido, a paternidade não geraria apenas deveres de assistência material, e

que além de guarda, portanto, independentemente dela, geraria o dever, a cargo do

genitor (a), de ter o filho em sua companhia:

“Responsabilidade civil. Dano moral. Autor abandonado pelo pai desde a gravidez da sua genitora e reconhecido como filho somente apos propositura de ação judicial. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico. Indenização devida. Sentença

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reformada. Recurso provido para este fim. Apelação com revisão 5119034700” (TJSP, Rel. Des. CAETANO LAGRASTA, j.12.8.2008)

“Indenização. Danos morais. Relação paterno-filial. Principio da dignidade da pessoa humana. Principio da afetividade. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito a convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no principio da dignidade da pessoa humana” (TJMG, Proc. 2.0000.00.408550-5/00, Rel. Des. UNIAS SILVA, j. 1.4.2004)

Recentemente o STJ, julgou no dia 24 de Abril de 2012 o recurso especial de nº

1.159.242 - SP (2009⁄0193701-9), que trouxe inovações ao ordenamento jurídico

brasileiro, quando reconheceu o afeto como valor jurídico e concedeu o direito a

indenização a filha proveniente do abandono afetivo pelo pai.

Segue abaixo parte do Voto da Ministra Nancy Andrighi, que exemplifica a

reparação civil por abandono afetivo nas relações entre pais e filhos:

“RECURSO ESPECIAL No 1.159.242 - SP (2009 ⁄0193701-9) CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMILIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSACAO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. ACAO DE INDENIZACAO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. FILHA HAVIDA DE RELACAO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL E MATERIAL. PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. PAGAMENTO DA PENSAO ARBITRADA EM DOIS SALARIOS MINIMOS ATE A MAIORIDADE. ALIMENTANTE ABASTADO E PROSPERO. IMPROCEDENCIA. APELACAO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que e dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito a motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-juridico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, e tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntarias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem– , entre outras formulas possíveis que serão trazidas a apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever [...]”.

Não resta duvida de que a relação entre pais e filhos esta protegida e amparada

pela doutrina e hoje reconhecida pelos Tribunais, como pode se observar dos

posicionamentos apresentados. O abalo psicológico causado nos filhos decorrentes do

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abandono é inquestionável, ferindo, inclusive, o tão consagrado principio da dignidade da

pessoa humana.

O descumprimento do dever de afeto deve ser reparado visto que, do ponto de

vista jurídico, deve ser considerado um ato ilícito, passível de indenização conforme

determina a lei.

6 CONCLUSÃO

Pode-se observar do estudo realizado, que esse assunto ainda precisa ser bastante

discutido, embora aos poucos, os Tribunais já venham se posicionando de forma a tentar

reparar os prejuízos sofridos pelos filhos decorrentes do abandono afetivo.

Em síntese, não é possível obrigar o pai ou a mãe a dispensar afeto aos filhos,

mas é possível exigir-lhes condutas tendentes a proporcionar o surgimento de e o

desenvolvimento dos afetos, isto é, comportamentos pró-afetivos. Porém, diante da

atitude deliberada por parte dos pais de negarem um mínimo de convivência e de atenção

indispensáveis à preservação da estrutura psíquico-afetiva dos filhos, faz-se necessária a

intervenção do estado juiz com o intuito de obter a prestação de condutas necessárias ao

desenvolvimento sadio da personalidade ou de reparar os danos causados.

Desta forma, é inquestionável os deveres dos pais em relação a seus filhos,

provenientes do poder familiar, o qual pertence a ambos os cônjuges em igualdade, assim

aquele que descumpre qualquer um desses deveres deve reparar o dano, seja este

derivado de uma falta de assistência material ou moral.

O sofrimento oriundo da rejeição ou da frieza dentro dessa relação entre pais e

filhos compromete, sem duvida, a formação da personalidade do ser que se encontra

ainda em processo de desenvolvimento, de maneira que a dor sofrida causa prejuízo até a

vida adulta, e talvez nunca seja sanada.

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THE FUNDAMENTAL RIGHT TO FAMILY ASSOCIATION AND LIABILITY

FOR ABANDONMENT OF AFFECTIVE SON

ABSTRACT

This article provides brief reflections on the fundamental right to family life and its

relation to the civil liability of parents towards their children in case of emotional, especially when talking about non-compliance with the duties and obligations of parents under the family power. To do so, we use the procedure methodological literature, and begins with the approach of importance of the family today, as well as the right to family and community. Then make some explanations about the practical implications of not observing the principle of responsible parenthood. Finally, defends civil liability for abandonment affective son, alluding to the recent decision of the Supreme Court in the matter under discussion. Thus, the aim of this article is to detail the topic, discussing and clarifying arguments, seeking to deny the lack of civil damages for emotional distance on the grounds of not being able to force the interaction between parents and children, since love is college but care is duty.

KEYWORDS

Family. Liability. Affective abandonment.

REFEÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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