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227 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 227-246, out. 2010 Hugo Loss Recebido em 5 de julho de 2010. Aprovado em 31 de julho de 2010. ENSAIO BIBLIOGRÁFICO O CAMPO DE ESTUDOS SOBRE ASSOCIAÇÕES DE CLASSE DE SÃO PAULO DE 1910 A 1945 Neste ensaio bibliográfico fazemos uma radiografia do conjunto de estudos brasileiros que mobilizam as associações de classe de São Paulo que atuaram no período de 1910 a 1945. O período é crucial para a compreensão de mudanças estatais e econômicas, tais como a burocratização do Estado e a industrializa- ção da economia. Dividimos o trabalho em duas partes. Na primeira abordamos os estudos que utilizam as associações de classe como uma fonte de análise, ou seja, recursos objetivos que reforçam as teses que os autores defendem. Nesse ponto objetivamos identificar como e em que circunstâncias as associações são mobilizadas. Na segunda parte sistematizamos os estudos que tratam as associações de classe como um objeto de análise, quando elas deixam de ser uma ferramenta para examinar um objeto além delas e passam a ser elas próprias o objeto indagado. A partir daí pretendemos visualizar a definição teórica comumente trabalhada pela bibliografia. Finalizamos o ensaio com alguns apontamentos sobre os limites da conceituação atual que a bibliografia vem desenvolvendo sobre o corporativismo e apontaremos algumas direções de pesquisa. PALAVRAS-CHAVE: associações de classe; corporativismo; interesses econômicos. I. INTRODUÇÃO O propósito deste artigo é mapear o campo de estudos sobre associações de classe de São Paulo das décadas de 1910 a 1945, tentando identificar a definição de “associações de classe” (mas tam- bém o corporativismo e a ação coletiva do empresariado) comumente trabalhada pela biblio- grafia, explorar os limites da atual concepção e apontar para uma agenda de pesquisa. A nossa escolha geográfica e temporal justifi- ca-se pela importância da região e do período para o início da industrialização brasileira e para a mo- dernização da estrutura de Estado. Embora no Brasil já houvesse uma unidade territorial desde o fim das rebeliões regenciais comandado pelo se- gundo Imperador, não existia, antes de 1930, uma unidade administrativa e uma identidade nacional generalizada pelo território. Antes de 1930 o Bra- sil era preponderantemente uma economia agro- exportadora, sua elite econômica era formada pe- los grandes produtores de café. Durante a Repú- blica, até então, o Estado brasileiro não tinha uma centralidade administrativa e era comandado por uma política oligárquica em que faziam frente os próprios produtores de café. Depois de 1930 ini- ciou-se um processo de crescimento industrial (acompanhado da derrubada da hegemonia eco- nômica das oligarquias cafeeiras), um forte au- mento da população urbana, crescentes centrali- zação e burocratização do Estado. Assim, esse período é estratégico para identificar mudanças estatais e econômicas, algumas das quais sobre- vivem até os tempos atuais. Dividimos o artigo em três partes. Na primeira parte pretendemos identificar onde estão situados os estudos sobre as associações de classe na bi- bliografia de Ciências Sociais. Para isso mostra- remos que tipo de literatura mobiliza as associa- ções de classe enquanto uma ferramenta ou uma fonte de análise. Abordaremos os principais argu- mentos mobilizados pela literatura, contudo não nos deteremos demasiadamente no conteúdo his- tórico e sociológico que elas utilizam, mas sim em sua lógica argumentativa. Tal lógica permitir- nos-á identificar as principais explicações sem que seja necessário reconstituir todo o aparato argumentativo dos autores (os dados – históricos e sociais – que sustentam a argumentação). Acre- ditamos que seja essa uma boa saída para poder- mos atingir o nosso objetivo nessa parte (mapear o lugar das associações de classe na bibliografia) sem nos perdermos nas imensas ramificações da discussão acerca da industrialização e da moder- nização estatal.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 227-246 OUT. 2010

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 227-246, out. 2010

Hugo Loss

Recebido em 5 de julho de 2010.Aprovado em 31 de julho de 2010.

ENSAIO BIBLIOGRÁFICO

O CAMPO DE ESTUDOS SOBRE ASSOCIAÇÕES DECLASSE DE SÃO PAULO DE 1910 A 1945

Neste ensaio bibliográfico fazemos uma radiografia do conjunto de estudos brasileiros que mobilizam asassociações de classe de São Paulo que atuaram no período de 1910 a 1945. O período é crucial para acompreensão de mudanças estatais e econômicas, tais como a burocratização do Estado e a industrializa-ção da economia. Dividimos o trabalho em duas partes. Na primeira abordamos os estudos que utilizam asassociações de classe como uma fonte de análise, ou seja, recursos objetivos que reforçam as teses que osautores defendem. Nesse ponto objetivamos identificar como e em que circunstâncias as associações sãomobilizadas. Na segunda parte sistematizamos os estudos que tratam as associações de classe como umobjeto de análise, quando elas deixam de ser uma ferramenta para examinar um objeto além delas e passama ser elas próprias o objeto indagado. A partir daí pretendemos visualizar a definição teórica comumentetrabalhada pela bibliografia. Finalizamos o ensaio com alguns apontamentos sobre os limites daconceituação atual que a bibliografia vem desenvolvendo sobre o corporativismo e apontaremos algumasdireções de pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE: associações de classe; corporativismo; interesses econômicos.

I. INTRODUÇÃO

O propósito deste artigo é mapear o campo deestudos sobre associações de classe de São Paulodas décadas de 1910 a 1945, tentando identificara definição de “associações de classe” (mas tam-bém o corporativismo e a ação coletiva doempresariado) comumente trabalhada pela biblio-grafia, explorar os limites da atual concepção eapontar para uma agenda de pesquisa.

A nossa escolha geográfica e temporal justifi-ca-se pela importância da região e do período parao início da industrialização brasileira e para a mo-dernização da estrutura de Estado. Embora noBrasil já houvesse uma unidade territorial desde ofim das rebeliões regenciais comandado pelo se-gundo Imperador, não existia, antes de 1930, umaunidade administrativa e uma identidade nacionalgeneralizada pelo território. Antes de 1930 o Bra-sil era preponderantemente uma economia agro-exportadora, sua elite econômica era formada pe-los grandes produtores de café. Durante a Repú-blica, até então, o Estado brasileiro não tinha umacentralidade administrativa e era comandado poruma política oligárquica em que faziam frente ospróprios produtores de café. Depois de 1930 ini-ciou-se um processo de crescimento industrial(acompanhado da derrubada da hegemonia eco-

nômica das oligarquias cafeeiras), um forte au-mento da população urbana, crescentes centrali-zação e burocratização do Estado. Assim, esseperíodo é estratégico para identificar mudançasestatais e econômicas, algumas das quais sobre-vivem até os tempos atuais.

Dividimos o artigo em três partes. Na primeiraparte pretendemos identificar onde estão situadosos estudos sobre as associações de classe na bi-bliografia de Ciências Sociais. Para isso mostra-remos que tipo de literatura mobiliza as associa-ções de classe enquanto uma ferramenta ou umafonte de análise. Abordaremos os principais argu-mentos mobilizados pela literatura, contudo nãonos deteremos demasiadamente no conteúdo his-tórico e sociológico que elas utilizam, mas simem sua lógica argumentativa. Tal lógica permitir-nos-á identificar as principais explicações sem queseja necessário reconstituir todo o aparatoargumentativo dos autores (os dados – históricose sociais – que sustentam a argumentação). Acre-ditamos que seja essa uma boa saída para poder-mos atingir o nosso objetivo nessa parte (mapearo lugar das associações de classe na bibliografia)sem nos perdermos nas imensas ramificações dadiscussão acerca da industrialização e da moder-nização estatal.

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Podemos antecipar que identificamos que a li-teratura sobre associações de classe de São Paulono período escolhido está presente em dois gru-pos de estudos: os que visam a explicar osurgimento das indústrias paulistas (a industriali-zação) e os que tiveram como propósito explicaras transformações sofridas pelo aparelho de Esta-do. Assim, acreditamos que as associações sãoutilizadas pelos cientistas sociais como uma fer-ramenta de análise estratégica quando se pretendeidentificar a relação entre Estado e estrutura eco-nômica.

Na segunda parte deixamos de lado os estu-dos que mobilizam as associações de classe epartimos para a bibliografia que encara as asso-ciações não mais como uma ferramenta, mascomo um objeto de estudo. Entramos, portanto,em trabalhos mais específicos sobre ocorporativismo brasileiro. Nosso intuito nessaparte é mapear esses trabalhos, verificando comoeles abordam as associações, a definição que uti-lizam, quais são as questões mais presentes equais as soluções desenvolvidas. Ao final, identi-ficamos que existem duas questões mais traba-lhadas pelos autores: como se dá a formação dasassociações entre as disputas dos grupos econô-micos e como ocorreu a institucionalização domodelo corporativo no primeiro governo Vargas.A concepção das associações que foi mais traba-lhada pela bibliografia é a de que elas refletemdiretamente os interesses dos grupos econômi-cos. Nos trabalhos que tivemos contato, é gene-ralizada a ideia de que as associações de classesão efeitos dos interesses de lucro econômicodos grupos das elites empresariais. Elas só exis-tem para atender a esses interesses materiais. Osestudos eximem as associações da responsabili-dade da construção dos interesses das posiçõeseconômicas.

Na parte final desenvolveremos a crítica aessa concepção atual das associações de classee apresentaremos nossa tese alternativa. Para nósa associação de classe está envolvida em umaluta em torno do monopólio de constituir a iden-tidade dos grupos econômicos e do monopólioda voz (representação) desses grupos. A forma-ção de uma associação de classe pode ser vistacomo ocorrendo paralelamente à formação daidentidade e das expressões públicas de uma eli-te econômica.

II. AS ASSOCIAÇÕES DE CLASSE COMO FON-TE

II.1. Industrialização paulista (1910 e 1930)

Um dos conjuntos bibliográficos quecomumente mobiliza as associações de classe comofonte de análise são os estudos sobre a industria-lização paulista. Para entender o processo de in-dustrialização paulista a bibliografia geralmente temcomo objetivo compreender como ocorreu a for-mação de uma classe industrial autônoma em re-lação às demais elites econômicas.

Primeiramente é preciso entender que a divi-são das elites econômicas que antecedeu osurgimento da indústria era composta por doisgrupos principais que chamaremos aqui de bur-guesia cafeeira e burguesia compradora. As defi-nições e os nomes desses grupos variam, masbasicamente podemos entendê-los como sendo oprimeiro formado pelos proprietários e exporta-dores de café e os segundos como os importado-res e comerciantes de manufaturas. Esses doisgrupos, em interação, constituíam a estrutura su-perior da dinâmica econômica paulista do iníciodo século XX.

Dividimos os estudos sobre industrialização emquatro conjuntos de argumentos, dos quais doisinterpretam a industrialização como um efeito re-lacionado ao capital cafeeiro e dois entendem quegênese industrial está relacionado ao capital com-prador, sendo que a relação entre os grupos podeser de incentivo ou de combate1.

A primeira explicação interpreta o capital in-dustrial como um efeito direto do desenvolvimentodo café, ou seja, um desdobramento lógico daexpansão cafeeira. Dois representantes dessa cor-rente são Carlos Manuel Peláez e Wilson Suzigan,que basicamente afirmam que a lógica de expan-são do café formou uma infra-estrutura de trans-porte, energia, mão-de-obra e mercado compra-dor sem a qual seria inviável a industrialização.Peláez dedica grande parte de seu livro a criticaras teorias dos choques adversos (quase exclusi-vamente da autoria de Celso Furtado) (PELAEZ,1972); todavia, o autor não apresenta nenhumatese alternativa.

1 O modelo de divisão dos argumentos que utilizamospara realizar esta seção é baseado no livro clássico de WarrenDean (1971), A industrialização de São Paulo.

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Por outro lado, Wilson Suzigan (embora dan-do continuidade ao trabalho de Peláez) e WarrenDean apresentam hipóteses mais trabalhadas so-bre a relação de complementaridade entre a ex-pansão do capital exportador e a expansão indus-trial. Como afirma Dean, “O comércio de cafénão gerou apenas a procura da produção industri-al: custeou também grande parte das despesasgerais, econômicas e sociais necessárias a tornarproveitosa a manufatura nacional” (DEAN, 1971,p. 14). Suzigan nota que para o desenvolvimentoindustrial foi indispensável uma expansão préviado capital exportador: “O investimento na indús-tria de transformação estava diretamente relacio-nado ao desempenho do setor exportador até 1913,e em menor grau até 1929. Essa relação foi inter-rompida a partir da década de 1930, quando ocrescimento da renda interna em atividades eco-nômicas ligadas ao mercado interno substituiu ademanda externa como principal determinante daacumulação de capital industrial” (SUZIGAN, 2000,p. 363; grifos no original). Segundo a lógica des-se argumento, o próprio desenvolvimento da ex-pansão cafeeira produziu efeitos diversos que fa-cilitaram, direta ou indiretamente, a industrializa-ção.

A segunda forma argumentativa que identifi-camos constitui-se como contrária à primeira. Esseargumento defende que indústria e agricultura deexportação são dois grupos de interesses incom-patíveis, em que os interesses ligados ao capitalcafeeiro excluem automaticamente a possibilida-de de surgimento da indústria, pois o próprio co-mércio de exportação limita a canalização de mai-ores investimentos no desenvolvimento do mer-cado interno. Os modelos que utilizam esse pontode vista tendem a privilegiar duas variáveis inde-pendentes: as influências externas (principalmen-te nas guerras e crises) e os incentivos do Estado,sendo que alguns estudos enfatizam mais uma ououtra.

De acordo com essa concepção, seria inviávelo crescimento industrial dentro de uma economiaexportadora, pois somente quando as exportaçõesfossem limitadas poder-se-ia investir no cresci-mento industrial. Não obstante, tal limitação dasexportações ocorreu com as duas guerras mundi-ais e com a depressão de 1929, em que o poderde compra e venda dos países dominantes dimi-nuiu, desencadeando condições propícias para aindustrialização e o desenvolvimento do mercadointerno. Nícia Vilela Luz é uma das representantes

dessa corrente, ao afirmar que “outro efeito da[I] guerra e de grande influência na posição polí-tica da indústria brasileira foi o papel cada vezmaior que essa indústria começava a desempe-nhar na receita pública” (LUZ, 1961, p. 145).Pode-se interpretar também que a autora dá al-gum lugar ao papel do Estado como uma forçaem prol da indústria.

A teoria dos choques adversos é a que melhorexemplifica esse tipo de argumento. Celso Furta-do, embora afirme que uma das causas do cresci-mento industrial seja a queda dos lucros ligados àimportação, entende essa queda não como umavariável que teve influência direta no processo deindustrialização, mas como um efeito de algo maisamplo: a redução das exportações depois da crisede 1929. Nesse sentido, Furtado afirma que “ocrescimento da procura de bens de capital, refle-xo da expansão da produção para o mercado in-terno, e a forte elevação dos preços de importa-ção desses bens, acarretada pela depreciação cam-bial, criaram condições propícias à instalação nopaís de uma indústria de bens de capital” (FUR-TADO, 1980, p. 199). Dessa forma, o setor ex-portador (capital cafeeiro), que antes da crise de1929 permitia a manutenção de um mercado im-portador (capital comprador), após a crise foisubstituído pelos investimentos no mercado in-terno (capital industrial) de tal forma que “As ati-vidades ligadas ao mercado interno [a indústria]não somente cresciam impulsionadas por seusmaiores lucros, mas ainda recebiam novo impul-so ao atrair capitais que se formavam oudesinvestiam no setor de exportação” (idem, p.198)2. Essas seriam explicações para a oposiçãoentre indústria e agricultura de exportação que te-riam como foco as crises e influências externas,

2 Embora no livro em questão Furtado indique a incompa-tibilidade entre os capitais exportador e industrial, em ou-tro trabalho ele compreende a presença de dois momentosem que a relação entre as duas posições aparentemente seinverte: “é com respeito à natureza do processo de indus-trialização que a crise de 1929 constitui um marco de gran-de significação. Até então, o desenvolvimento do setor in-dustrial fora um reflexo da expansão das exportações; apartir desse momento, a industrialização seria principal-mente induzida pelas tensões estruturais provocadas pelodeclínio, ou crescimento insuficiente, do setor exportador”(FURTADO, 1970, p. 131; sem grifos no original). Comisso “a substituição de importações somente se concreti-zou nos países que já haviam passado pela primeira fase deindustrialização”; essa fase corresponde ao momento queantecedeu a crise de 1929 (idem, p. 141).

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as quais desencadeariam a industrialização comose essa fosse uma conseqüência necessária dascrises.

Juntamente às teorias que privilegiam os cho-ques externos para explicar a queda das exporta-ções e o aumento conseqüente da produção inter-na, pode-se verificar que a oposição entre indús-tria e agricultura de exportação revela-se de modomais direto em outro âmbito: quando olhamos paraas lutas no interior do Estado, mediadas pelas as-sociações de classe agrícola. Nesse ambiente emque se ligam as associações de classe com o Es-tado verifica-se um pensamento altamente anti-industrializante, o qual “tinha na verdade duas fa-ces. A primeira era ser contra investimentos in-dustriais que precisassem, para sobreviver, deproteção tarifária, proteção esta que acabava porse traduzir em ônus para aquelas outras classesque tinham nos importados uma parcela signifi-cativa de seu consumo [...]. A segunda face [...]reside numa questão mais abstrata, qual seja, a deum ‘projeto Nação. Não se negava eventuais in-vestimentos em atividades industriais; o que secriticava era um ‘projeto industrialista’” que vies-se a substituir a economia agrário-exportadora(PERISSINOTTO, 1999, p. 226).

Com efeito, observa-se que essa linhaargumentativa defende que o conjunto das açõespolíticas dos produtores de café no aparelho deEstado visava explicitamente a atacar a indústria;embora tenha ocorrido a crise, o Estado não re-verteria os investimentos para o capital industrialcaso não houvesse uma luta política dentro doEstado entre as diferentes posições econômicasque determinasse para onde os investimentos se-riam canalizados.

O outro conjunto de explicações direciona ofoco para a relação entre o capital comprador (im-portadores e comerciantes de manufaturas) e osindustriais. Podemos perceber por meio do estu-do de Dean que, embora os produtos importadospudessem perder objetivamente seu lugar para osprodutos nacionais, “os negócios de importaçãonão constituíam obstáculo ao desenvolvimento daindústria. Pelo contrário, foram claramente a ori-gem de um setor industrial” (DEAN, 1971, p. 26).É notável que a própria empresa importadora cons-truiu uma infra-estrutura que favoreceu osurgimento da indústria. Esse “financiamento”infra-estrutural é bem semelhante ao que ocorreucom o capital cafeeiro: fornecendo mão-de-obra,

conhecimento técnico, percepção do mercado,relações com o capital internacional, foi possívela formação de um aparato material básico para osurgimento da indústria (cf. também MARTINS,1967).

A indústria de São Paulo no início do séculoXX era constituída basicamente pela montagemde matérias vindas do exterior. Dessa forma, ocapital comprador e industrial estavam pratica-mente fundidos no mesmo grupo, de maneira que“apenas uns poucos dentre os primeiros empre-sários industriais não iniciaram suas carreirascomo negociantes importadores” (DEAN, 1971,p. 36)3. Tal fato desenvolve conseqüências ambí-guas, como constata Marisa Leme: “os efeitos dadepressão cambial [na década de 1920] para a in-dústria são como uma faca de dois gumes: porum lado, redundam em proteção, na medida emque dificultam as importações de produtos estran-geiros que tenham similar nacional; por outro,encarecem as matérias-primas e os maquinismosimportados e indispensáveis” (LEME, 1978, p. 44).

Por outro lado, a competição direta entre im-portadores e a indústria nacional revela que pormais que tenha havido uma confluência entre aindústria e o capital importador, este fazia frenteàs indústrias emergentes, principalmente no quediz respeito às disputas em torno das políticastarifária e cambial. São abundantes os estudos queutilizam esse enfoque; entre eles, o de MariaAntonieta Leopoldi é um dos mais proeminentesna ênfase na contradição entre industriais e im-portadores. A autora afirma que “as pressões in-dustriais e as contrapressões dos importadoresgeraram um ressurgimento do debate entre prote-cionistas e livre-cambistas a partir de 1895”(LEOPOLDI, 2000, p. 104). De maneira análoga,Nícia Vilela Luz chega à mesma constatação aoanalisar a política tarifária brasileira durante a cri-se de 1913: “o comércio importador [...] iria com-bater, tenazmente, o prestígio crescente da indús-tria nacional” (LUZ, 1961, p. 146).

Outra interpretação observa dois momentosque dividem a relação entre industriais e importa-dores: olhando para a relação entre as associações

3 A questão agora parece estar mais deslocada para umaabordagem “micro”, no sentido de explorar a socialização eo dia-a-dia dos agentes que protagonizaram a industrializa-ção, ao contrário do que ocorre nas abordagens macro-es-truturais.

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de classe comercial e industrial, Eli Diniz afirmaque, “Efetivamente, questões como: redução dosencargos fiscais, eliminação dos impostos inte-restaduais, expansão e melhoria do sistema detransporte, longe de constituírem fator de con-trovérsia, significavam elementos de unidade en-tre ambos. Não obstante, ao longo das duas pri-meiras décadas deste século [XX], multiplicaram-se, como vimos, os confrontos em relação a cer-tos aspectos da política econômico-financeira,como o câmbio e a pauta aduaneira. Através des-sa sucessão de conflitos, os industriais foram ad-quirindo consciência de sua própria força até oponto de procurarem utilizar a aliança com o se-tor mercantil em favor de suas finalidades exclu-sivas” (DINIZ, 1978, p. 237-238). Assim, comoocorreu na relação entre o capital cafeeiro e osindustriais, no âmbito das ações políticas, os im-portadores entravam em choque direto com osindustriais e utilizavam como veículos para suasreivindicações preponderantemente as associaçõesde classe.

Podemos perceber pela análise da bibliografiaque a fonte utilizada para mapear os conflitos intra-estatais (as ações políticas) entre os grupos daelite econômica de São Paulo são as associaçõesde classe. Por meio delas os pesquisadores identi-ficam como se relacionam as elites econômicasentre si e como elas reagem diante das questõesestatais (mais ou menos protecionismo, livre-cambismo etc.). Portanto, as associações de classesão vistas como um lócus estratégico para identi-ficar as ações das elites econômicas, o caráter e acondução dos seus interesses. Entretanto, as as-sociações não são muito mobilizadas quando en-tra em jogo somente a análise estrutural da eco-nomia, a impessoalidade das forças sociais e odesenvolvimento econômico bruto. Não obstante,os conflitos são a matéria-prima das análises so-bre a ação política empresarial.

II.2. State-building

Podemos acrescentar ainda outro conjunto deestudos que alista as associações de classe emseus argumentos: os que buscam identificar emque medida a estrutura do Estado modificou-seao longo de um período. Existem duas formas deexplicar as modificações do Estado: pode-seentendê-lo como uma instituição passiva, ou seja,que variou em função de forças alheias (sociais),ou como uma instituição ativa, que agiu de modoautônomo, modificando-se por meio de sua pró-

pria dinâmica. Analisando esses trabalhos, perce-be-se que a dicotomia Estado-sociedade tem comoquestão principal a designação de qual seria o nú-cleo responsável pela mudança do sistema e quaisseriam os componentes acessórios desse núcleo,além de que forças seriam responsáveis pela alte-ração da estrutura estatal (o próprio Estado ou ocampo econômico)4.

A perspectiva que interpreta o Estado comouma realidade heterônoma diante das forças eco-nômicas é a mais recorrente na literatura. Tal ex-plicação possui um forte viés marxista, que buscaentender o Estado como uma instituição determi-nada pelas forças oriundas do espaço econômico.Os trabalhos que utilizam essa perspectiva proce-dem de maneira a mapear como se dá a luta entreos grupos econômicos “dentro” do aparelho deEstado; tais lutas giram em torno da imposição detomadas de posição políticas que favoreçam umou outro grupo econômico. Assim, os embatesentre industriais, comerciantes e exportadores re-fletir-se-iam nas lutas políticas e o grupo que con-seguisse predominar na estrutura econômica teriamaior probabilidade de impor políticas que o fa-vorecesse, modificando, assim, a estrutura esta-tal conforme os seus interesses.

Adotando esse princípio argumentativo, SôniaDraibe entende o Estado como uma realidade or-questrada pelas lutas de classe, pois “no plano dasrelações entre o Estado e a industrialização, é fun-damental, para os nossos propósitos, explicar ain-

4 No caso específico do tema da industrialização, os auto-res que negam a presença do Estado (sob qualquer forma)no processo utilizam como argumento principal aintermitência e a pequena abrangência da ação do Estado noincentivo da industrialização, isto é, a dimensão do desen-volvimento industrial seria muito maior em relação à di-mensão dos investimentos estatais na industrialização (em-bora não tenha havido uma oposição do Estado face à in-dustrialização). Como afirma Wilson Suzigan, “seria umexagero atribuir a diversificação da produção industrial ocor-rida na década de 1920 aos incentivos e [aos] subsídiosgovernamentais” (SUZIGAN, 1986, p. 43). Seguindo omesmo argumento, Boris Fausto afirma que “Essas medi-das esparsas [do Estado na década de 1930] não podem serconfundidas, entretanto, com um plano desenvolvimentistade modificações estruturais da economia” (FAUSTO, 1983,p. 50). Assim, o Estado não possuía uma ação efetiva nodesencadeamento da industrialização, embora também nãoo tivesse obstruído declaradamente. Essa seria, a nossover, a principal justificativa presente na bibliografia paraexcluir o Estado do modelo explicativo.

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da alguns problemas e questões envolvidos na afir-mação do papel dirigente do Estado, que se des-dobrou no período [e que] constitui uma formapeculiar de incorporação dos interesses de classena estrutura material do Estado” (DRAIBE, 1985,p. 45). A relação Estado-sociedade dá-se como“Uma forma de incorporação e integração objeti-va dos interesses econômicos na máquina econô-mica do Estado, que passam, assim, por um pro-cesso de abstração e generalização. Os interessesdeste ou daquele industrial, deste ou daquele agri-cultor – das empresas capitalistas – ganham ex-pressão no aparelho econômico e se generalizamatravés de órgãos de intervenção tais comoautarquias ou institutos de regulação, empresasou comissões executivas” (idem, p. 47; grifos nooriginal).

As abordagens de inspiração marxista tendema utilizar mais as associações de classe para veri-ficar como as forças econômicas materializam-senas estruturas de Estado, à medida que lutam paraimpor os seus interesses. Nesse sentido, as asso-ciações são uma ferramenta para verificar comose relacionava a elite econômica entre si e diantedo Estado. Como fica claro, esse uso das associ-ações de classe corresponde exatamente à formacomo elas são mobilizadas nos estudos sobre in-dustrialização que visam a mapear as ações políti-cas dos empresários.

Os autores que enfatizam a ação do Estadocomo o promotor da industrialização seguem ou-tro princípio argumentativo. Esses estudos en-tendem o Estado como uma realidade autônoma,que possui um funcionamento que, além de serindependente de lógicas externas, é dotado deum princípio criador: ele constrói a realidadesocial. Assim, os embates desenvolvidos no in-terior da máquina estatal seriam os responsáveispelas transformações nos campos econômico eestatal.

Raymundo Faoro é um dos mais conhecidosautores que utilizam essa perspectiva analítica.Segundo Faoro o Estado financiou diretamente odesenvolvimento industrial por meio da emissãode crédito; como afirma o autor, ao analisar a cri-se do “encilhamento”, “as ações depreciaram-se,furando a bolha de sabão do surto comercial eindustrial, levantada sobre o crédito, manipuladoeste pelo Estado, por via de suas agências emis-soras” (FAORO, 1975, p. 431), ou seja, o Estadofoi responsável tanto pelos incentivos quanto pe-

las crises econômicas quando ele próprio incenti-vam modificações da sua estrutura.

Simon Schwartzman segue a mesma linha deFaoro ao interpretar o Estado como um organis-mo de cooptação. A cooptação é, “essencialmen-te, uma política de controle e manipulação dasformas emergentes de participação”5

(SCHWARTZMAN, 1982, p. 122). Por meio des-se sistema de cooptação, “no Brasil, pelo menosdesde 1937, o Estado tem sempre desempenhadoum papel ativo e agressivo na implementação dealgum tipo de política de desenvolvimento econô-mico e social, embora fustigado pela crítica libe-ral antiintervencionista” (idem, p. 145).

As associações de classe são mobilizadas poressa bibliografia somente em questões muito pon-tuais. Na maioria dos casos elas aparecem quan-do se procura verificar as ações de cooptação doEstado no campo econômico. O processo deinstitucionalização do corporativismo configura-se uma questão-chave para esse tipo de estudoque tende a interpretar o evento como uma estra-tégia estatal para a anexação das elites empresari-ais. O Estado regularia o modelo corporativo quedeveria ser implantado e, com isso, ao mesmotempo controlaria a ação do capital e manteria oseu poder autônomo.

II.3. Ações políticas e dinâmicas estruturais: olugar das associações de classe

Separamos dois grupos de estudos que nospermitem localizar as associações de classe nabibliografia de Ciências Sociais: teses sobre in-dustrialização e teses sobre formação e transfor-mação do Estado. O primeiro grupo divide-se emquatro explicações, das quais duas enfatizam asdinâmicas que dizem respeito estritamente à es-trutura econômica e duas observam as ações ex-plícitas (de ataque) de cada grupo econômico emrelação ao grupo dos industriais. O segundo con-junto de argumentos tem como objetivo a análisedas mudanças na estrutura de Estado e divide-seem duas perspectivas: uma que interpreta o Esta-

5 Dessa forma, o autor contrapõe-se à tese marxista aoopor a representação à cooptação. No caso da representa-ção a relação Estado-sociedade ocorreria de modo que asposições do campo econômico far-se-iam representar den-tro do Estado, manipulando-o; por outro lado, no caso dacooptação, o Estado absorveria essas forças sociais, sub-metendo-as ao seu arbítrio.

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do como uma realidade heterônoma e outra queprefere tratar o Estado como uma estrutura autô-noma.

Tanto nos estudos sobre industrialização quantonos estudos sobre alteração da estrutura de Esta-do a relação Estado-sociedade está presente, sen-do que no primeiro grupo tal relação apresenta-seapenas quando os autores enfatizam as ações po-líticas dos grupos econômicos. Nesse tipo de aná-lise o Estado aparece como um pano de fundo,um cenário em que se desenvolvem as batalhasem torno da industrialização. Por outro lado, quan-do a explicação enfoca somente dinâmicas estru-turais, ela consegue explicar a economia em simesma, por meio de uma sucessão de eventospuramente econômicos, desprezando assim tantoa ação combativa dos agentes quanto a relevânciado Estado como variável pertinente.

No conjunto de estudos que buscam explicaras alterações na estrutura de Estado, a variáveleconômica pode apresentar-se como variável in-dependente ou dependente. O primeiro tipo de ar-gumentação costumam utilizar as associações paramapear a ação empresarial na estrutura de Esta-

do, no sentido de verificar como age a elite eco-nômica, o que ela deseja, quais são as suas neces-sidades e, principalmente, como ela consegue ins-crever seus interesses na agenda do Estado.

Por outro lado, quando as transformações eco-nômicas são vistas como efeitos das políticas es-tatais, o estudo da mobilização das associações declasse concentra-se em questões mais pontuais –como a institucionalização do modelo corporativo–, com o intuito de identificar como o Estadomanipula seus recursos para anexar as elites eco-nômicas e impedir que elas ajam livremente. En-tretanto, os estudos dessa matriz costumam des-prezar as associações quando se voltam para asações do Estado na sociedade: estudos que defen-dem a tese de que foi o Estado que promoveu aindustrialização, como o de Raymundo Faoro, nãose detém na ação empresarial.

Com efeito, a utilização analítica das associa-ções é mais ampla nos trabalhos que postulam umaação mais efetiva das elites econômicas, justamentedevido à necessidade de esse tipo de pesquisa iden-tificar os interesses e manifestações dos empre-sários.

QUADRO 1 – LOCAL DOS ESTUDOS SOBRE ASSOCIAÇÕES DE CLASSE DE SÃO PAULO

FONTE: O autor.

Quando se pretende explicar as alterações po-líticas e econômicas do Brasil, como a industriali-zação ou a centralização política da década de 1930,os pesquisadores costumam fazer grande uso das

associações de classe. Por meio das associaçõesbusca-se identificar os interesses e as ideologiasdas posições econômicas (realizando análises dosdiscursos, de manifestos e das ações dos dirigen-

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tes das associações), mapear as relações desen-volvidas entre os grupos econômicos (indagandosobre o grau de influência de um grupo em rela-ção a outro e quais os grupos mais influentes),identificar quem governa e quem se beneficia daspolíticas estatais (qual elite econômica ocupariacargos mais importantes na estrutura de Estado equal elite econômica é mais favorecida pelas polí-ticas). Enfim, as associações de classe configu-ram-se um recurso de pesquisa estratégico quan-do se trata de verificar como se dão as relaçõesentre o campo econômico e o Estado em perío-dos de mudanças estruturais, no intuito de ace-der, principalmente, os interesses e necessidadesdas diferentes elites do capital6.

Deixamos agora os estudos que mobilizam asassociações de classe como uma ferramenta paraentrarmos na segunda etapa de nosso trabalho.Nesta parte aprofundaremos o foco nos trabalhosespecíficos sobre as associações. Veremos comoas corporações são interpretadas como um objetode estudo. Com efeito, desenvolveremos mais ascaracterísticas próprias das associações de clas-se que as características que as cercam.

III. AS ASSOCIAÇÕES DE CLASSE COMOOBJETO

A partir do momento em que as associaçõesde classe deixam de ser uma ferramenta para ex-plicar a industrialização e/ou alterações estatais epassam a ser um objeto de estudo, verificamosque na bibliografia brasileira existem duas formasde estudá-las: a primeira tem por objetivo esclare-cer como ocorreria a institucionalização das as-sociações de classe formando o sistemacorporativo brasileiro (institucionalização no sen-tido de “nacionalização” das associações). Nessaquestão ganha relevo a pergunta de como estariainscrita, nas associações, a relação entre o Estadoe o sistema econômico, pois o processo deinstitucionalização passa pela sanção do Estado.Esse tipo de estudo caminha no sentido de expli-car se o processo jurídico de regulamentação dasassociações foi determinado por interesses esta-tais ou por interesses oriundos da estrutura eco-

nômica. Esse é um tipo de pesquisa que tem comonorte a seguinte pergunta: “como ocorreu a for-mação do complexo corporativo brasileiro sanci-onado pelo Estado?”.

A segunda forma de proceder no estudo dasassociações implica verificar como surgiu a re-presentação de interesses por meio das associa-ções de classe; em outras palavras, quais são ascondições que possibilitam a gênese de uma ouvárias associações de classe.

Essas são as duas principais questões quenorteiam as pesquisas sobre associações de clas-se. A diferença entre esses dois problemas de pes-quisa decorre da periodização dos fatos em SãoPaulo: a institucionalização do sistema corporativoocorreu em um momento posterior à gênese dasprincipais associações, pois, primeiramente, elasexistiam de maneira autônoma em relação ao Es-tado e só posteriormente foram regulamentadaspelo sistema jurídico. A formação das principaisassociações de São Paulo data de antes da déca-da de 1930 (Centro das Indústrias do Estado deSão Paulo (Ciesp) em 1928, Associação Comer-cial de São Paulo (ACSP) em 1894 e SociedadeRural Brasileira (SRB) em 1919) e, segundo abibliografia, independentemente do Estado; en-tretanto, a regulamentação da atividadecorporativa no Brasil foi estabelecida com o De-creto n. 19 770 de 19 de março de 1931; “se-gundo esse decreto, as associações de classedenominadas sindicatos (âmbito local), federa-ções (âmbito estadual) e confederações (âmbitonacional) deveriam ter a aprovação do Ministé-rio do Trabalho, Indústria e Comércio para seinstalarem e deveriam submeter-se ao seu con-trole. Por seu lado, a entidade ‘oficial’ de classeganhava um lugar no interior do Estado, como‘órgão consultivo e técnico’ do Estado, em ques-tões que dissessem respeito aos seus interessesde classe” (LEOPOLDI, 2000, p. 76; grifos nooriginal).

Assim, nota-se que existe uma diferença tem-poral entre o nascimento das associações e oestreitamento das suas relações com o aparelhoestatal. Dessa forma, enquanto a questão dainstitucionalização pode ser mais bem trabalhadaa partir de 1931, a questão genética das associa-ções deve ser explorada nos momentos que ante-cederam a regulamentação das associações peloEstado (antes de 1931); a própria separação tem-poral entre os dois eventos justifica a separação

6 Cf., por exemplo, a pesquisa de Paulo Costa, que visa a“pensar [sobre] as características da estrutura corporativavigente no Brasil de [19]46-[19]64, no que tange à açãopolítica das classes dominantes, e suas relações com o regi-me democrático” (COSTA, 1998, p. 50; grifos no original).

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entre as duas questões de pesquisa. A cada umdesses problemas de pesquisa corresponde umsistema explicativo específico. Descreveremoscada um desses problemas (questão dainstitucionalização e questão genética) separada-mente, sendo que em primeiro lugar sistematiza-remos os estudos que exploram a questão dainstitucionalização.

III.1. A questão da institucionalização

Os momentos estratégicos comumente explo-rados pelos pesquisadores são os decretos n. 19770 de 1931 e n. 26 694 de 12 de julho de 19347.Como já foi dito, o Decreto n. 19 770 foi o pri-meiro passo para a regulamentação docorporativismo no sentido de legitimá-lo juridica-mente; o Decreto n. 26 694 permitiu a pluralidadesindical possibilitando a coexistência de associa-ções civis (como o CIESP e ACSP) e estatais(como a Federação das Indústrias do Estado deSão Paulo (FIESP), instaurando o que é chamadode sistema corporativo bipartite (COSTA, 1998,p. 54-62). Outro ponto de análise estratégico pa-rece ser as discussões acerca das questõestarifárias e cambiais a partir de 1931 (com ênfasena polêmica entre Roberto Simonsen e EugênioGudin sobre a política aduaneira (cf. SIMONSEN& GUDIN, 2010)).

Esses eventos estão presentes em todos osestudos sobre associações de classe, configuran-do aspectos centrais a serem discutidos pelos pes-quisadores. O primeiro momento facilita a com-preensão de como ocorreu a entrada das eliteseconômicas no aparelho de Estado pela via dasassociações. Tal entrada teria como sinal a lei de1931. A lei de 1934 explicitaria como foiestabelecida a relação entre a burocracia estatal eas elites empresariais depois da entrada destas naestrutura estatal por meio das associações de clas-

se. As disputas pelo estabelecimento das políticastarifárias e cambiais constituem são momentos quepossibilitam ao pesquisador verificar como e emque intensidade as posições econômicas conse-guiram inscrever seus interesses no aparelho deEstado.

Há uma divisão entre as explicações dos even-tos que indicamos (leis de 1931 e de 1934 e dis-putas tarifárias e cambiais) no que diz respeito aosignificado do papel das associações. Existem duasformas de entender as associações sob a luz daquestão de sua nacionalização: a primeira entendeas associações como um mecanismo criado pelosgrupos das elites econômicas e inserido por elasno aparelho de Estado; esse mecanismo possibili-taria à sociedade civil inscrever seus interesses naestrutura estatal e, dessa forma, permitiria que elasmodificassem a estrutura do Estado enquanto aten-dem os seus interesses. A segunda maneira inter-preta as associações de classe como instrumen-tos manipulados pelo Estado no sentido de ampli-ar a centralização administrativa enquantocooptaria as lideranças locais.

Assim, embora haja um consenso de que asassociações são estruturas híbridas, situadas ameio caminho do Estado e da sociedade, existeum dissenso quanto à medida de sua hibridez: oprocesso de institucionalização do sistemacorporativo foi mais um efeito das forças econô-micas ou refletem mais as estratégias de concen-tração do poder do Estado? Apresentaremos o ar-gumento de quatro dos principais autores que es-tudaram as associações de classe de São Paulo noperíodo em questão (1910-1945), mostrandocomo os argumentos variam de uma perspectivamais societal para uma perspectiva mais “esta-tal”.

No extremo mais societal, Leopoldi, ao explo-rar o desenvolvimento das leis sindicais da déca-da de 1930, afirma que, “ainda que a historiografiafaça referência à reação dos industriais à legisla-ção de 19398, perdura em muitas análises a idéiade que o Estado impôs ao setor o modelocorporativo de organização, e de que os empresá-rios terminaram por aceitar a sindicalização em

7 Parte da bibliografia ainda expande o foco para o Decreton. 1 402, de 5 de julho de 1939, que aumentava a regula-mentação estatal sobre as corporações (retomando o tomdo Decreto de 1931 e diferenciando-se do de 1934, quedava maior autonomia às associações devido às caracterís-ticas do sistema bipartite), para os artigos 138 e 140 daConstituição Federal de 10 de novembro de 1937, para oDecreto n. 2 381 de 9 de julho de 1940 e para o Decreto n.5 452 de 1° de maio de 1943. Contudo, para nossos finspodemos restringir a análise aos decretos de 1931 e de1934, que foram as principais ações estatais no sentido deregulamentar a ação corporativa.

8 A autora faz menção aqui ao Decreto-Lei n. 1 402 de 5 dejulho de 1930, que procurou regular a organização sindical,tendo sido alterado pelo Decreto n. 2 381 de 9 de julho de1940.

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troca de outros benefícios econômicos”; no en-tanto, “nossa intenção [...] é relativizar a tese daimposição/submissão e acentuar a continuidadeque existe no processo de organização do setorindustrial, a despeito das mudanças legais e políti-cas ocorridas depois de 1930. Nesse sentido en-tendemos que a estrutura corporativista que seforma no governo Vargas não é radicalmente di-versa da do regime anterior” (LEOPOLDI, 2000,p. 75-76; grifo no original). Todavia, a autora nãodefende a tese radical de que os industriais impu-seram ao Estado a sua vontade de modo unilate-ral, pois “a questão deve ser vista [...] como umprocesso de negociação tensa, em que há media-ção de forças, e não como um processo de sub-missão” de qualquer das partes. Finalizando, aautora afirma que seu “argumento se baseia naobservação da crescente reação do setor industri-al às sucessivas leis regulando a estrutura sindi-cal” (ibidem). Assim, entendemos que a autorajoga o foco da pesquisa sobre o papel das forçaseconômicas na implantação de um sistemacorporativo, por meio da ação das associações declasse, embora reconheça que tal relação não é desoma zero.

Um argumento um pouco diferente do deLeopoldi é o defendido por Eli Diniz. Esta autoratem como objetivo explicar a relação Estado-so-ciedade sem pender para um ou outro lado dadicotomia. A saída encontrada pela autora é veri-ficar como o Estado criou vias de acesso paracooptar a sociedade civil e como, à medida quecooptava, o Estado perdia sua forma original. Issoocorria porque os grupos que eram absorvidospelo Estado promoviam “ruídos” em suas estru-turas à medida que adentravam no aparelho esta-tal; dessa forma, a “interpenetração [entre Esta-do e sociedade] se acentuaria com a proliferaçãode órgãos técnicos e consultivos e a expansãocrescente da máquina burocrática. Assim é queo outro lado da cooptação que permitiria ao Es-tado estender e aprofundar o controle sobre aparticipação política dos grupos privados seriasua permeabilidade à ótica dos interesses de taisgrupos” (DINIZ, 1978, p. 288). Segundo a au-tora, o Estado foi motivado a nacionalizar as as-sociações de classe para atender a necessidadesda sua dominação. Ao permitir o ingresso dasassociações em sua burocracia, os grupos esta-tais podiam controlar o sistema de representa-ção de interesses; “Isto porque o estilo corporativo

favorece a despolitização do processo de formu-lação e negociação de alternativas, na medida emque valoriza a representação direta dos interes-ses em detrimento de mediação política, ao mes-mo tempo em que só legitima a negociação entreos grupos diretamente interessados numa dadamedida. Apenas teriam direito à participação noprocesso decisório os grupos que, ou por com-petência específica, ou por serem diretamenteafetados pela decisão, fossem definidos comoatores legítimos” (idem, p. 295). Portanto, ape-sar de enfatizar um pouco o papel das forçassociais, percebe-se que, diferentemente deLeopoldi, Diniz defende a tese de que foi o Esta-do o responsável pela constituição do sistemacorporativo, embora as elites econômicas con-seguissem inscrever seus interesses no Estado emodificar sua estrutura depois deinstitucionalizado o sistema que regularizava ascorporações.

Seguindo o exemplo de Diniz, Boschi almeja omesmo objetivo que a autora, que consiste em“abandonar a ênfase atribuída a qualquer dos pó-los da dicotomia Estado-sociedade civil para in-vestigar as formas como as interações entre umgrupo social determinado e segmentos da admi-nistração pública e as elites políticas contribuírampara o estabelecimento de determinados formatosinstitucionais” (BOSCHI, 1979, p. 18-19). Assimcomo Diniz, o autor interpreta o período em queas elites econômicas entram no Estado como ummomento de submissão delas às políticas de de-senvolvimento do Estado (lembremos que as eli-tes industriais reivindicavam a presença do Esta-do no processo de industrialização). Como afirmaBoschi, “os empresários industriais gradualmentepassaram para uma posição de favorecer práticasantiliberais e um estilo corporativo de relações como Estado, o que, por sua vez, levaria à subordina-ção de sua estrutura de representação de interes-ses” (idem, p. 73). Portanto, o sistemacorporativo, entre outras coisas, serviu para queo Estado conseguisse anexar as forças sociais,facilitando a centralização do poder.

Por fim, Vanda Maria Ribeiro Costa é a autoraque mais dá centralidade ao Estado no processode institucionalização do corporativismo. ParaCosta, o Estado utilizou o processo de regulariza-ção do corporativismo para conter as elites locaissob seu arbítrio. Isso ocorreu porque apenas pormeio do Estado as associações conseguiriam de-

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ter o monopólio da representação de interesses,pois o Estado só aceitaria reivindicações encami-nhadas por associações de classe que se enqua-drassem no sistema corporativo que seria defini-do pelos grupos estatais; em particular, o Estadosó atendia as demandas encaminhadas pelas as-sociações devidamente regulamentadas, fato quepermitiu a ampliação da regulação estatal sobre aselites econômicas paulistas. Portanto “esta formade solucionar o problema, isto é, através da inter-venção do Estado, iria gerar sua antítese: a com-petição entre as entidades patronais da indústriapela intervenção e proteção do Estado sob a for-ma de reconhecimento jurídico” e, com isso, “ospaulistas começam a montar, sem o saber, a ar-madilha que os aprisionará ao Estado” (COSTA,1999, p. 86).

Por mais que as associações legitimadas peloEstado (Fiesp, por exemplo) tivessem a legalida-de jurídica, elas não teriam legitimidade diante daselites econômicas. Desse fato decorreu o sistemabipartite, em que coexistiram associações civis eestatais, como ocorreu no caso das associaçõesindustriais paulistas em que “FIESP e CIESP seunem numa relação simbiótica enquanto a primei-ra se capacita na produção de bens coletivos atra-vés de sua cooperação com o Estado, a segundagarante a legitimidade da entidade sindical na es-fera do mercado” (idem, p. 187).

Embora a autora defenda a tese de que “a es-trutura corporativa não foi uma estrutura ‘cria-da’ e ‘imposta’, mas resultou daquelas interaçõessociais9 que produziram bons resultados” (idem,p. 90) e que a “adesão ao projeto oficial variouem função do grau de autonomia e força dos di-versos grupos de interesse” (idem, p. 59), per-cebe-se que para a autora o Estado ocupa umaposição mais central (construindo “armadilhas”para capturar as elites econômicas) do que asforças sociais no processo de institucionalizaçãodo corporativismo.

Os estudos sobre a institucionalização das as-sociações de classe variam entre uma perspectivamais societal – enfocando a força do capital e oseu potencial criador – e uma perspectiva centrada

no Estado. Nesta última prevalecem as estratégi-as dos grupos estatais para centralização ou am-pliação do seu poder enquanto realizam a incor-poração das elites econômicas, alterando, por seuspróprios esforços, sua estrutura interna no senti-do de permitir a entrada de elementos sociais queantes lhe eram estranhos.

A lógica argumentativa dos autores obedece aum principio funcionalista. A nacionalização dasassociações de classe pode ser explicada comoum processo que funcionou ou a favor do Estadoe da sua centralização, ou que permitiu às posi-ções do campo econômico inscreverem seus in-teresses no Estado e mudarem sua estrutura in-terna. Ambas as teses são “funcionalistas”, poisbuscam explicar as associações por meio da fun-ção que elas desempenham em um sistema dedominação: ora para ampliar o poder das estrutu-ras econômicas, ora para facilitar a preponderân-cia estatal.

Devemos deter-nos no fato de que nenhumadas explicações acerca da institucionalizaçãocorporativa identifica as associações comodesvinculadas dos interesses econômicos. Issocabe até mesmo às explicações como a de Costa,focada mais na ação do Estado: o Estado teriacomo ponto de ataque as associações justamenteporque elas personificam e manifestam os inte-resses do campo econômico; em caso contrário,todo o investimento estatal para regulamentaçãodo corporativismo seria em vão, pois ele não con-seguiria anular a ação das elites locais. Nesse sen-tido, ocorre uma derivação direta dos interesses edas necessidades das posições do campo econô-mico para os interesses das associações de classe.As associações são produto dos interesses daselites econômicas. Esse é o fio condutor que dáunidade aos estudos sobre associações de classe.A fórmula utilizada para explicar a gênese das as-sociações guarda essa característica essencial quereverbera para os estudos sobre ainstitucionalização do sistema corporativo.

III.2. A questão genética

Como já dissemos, a gênese das associaçõesprecedeu a sua regulamentação pelo Estado; apartir disso, a grande maioria das pesquisas en-tende a formação das associações de classe comoderivada de efeitos puramente econômicos.

O momento estratégico usualmente escolhidopelos pesquisadores para considerar a gênese das

9 Essas interações dizem respeito às relações entre aburocracia do Ministério do Trabalho, Indústria e Comér-cio – nesse caso, a autora analisa os escritos de OliveiraVianna –, a elite empresarial e o governo central.

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associações é o da formação do Ciesp como umaentidade autônoma da ACSP10. A separação dasduas foi motivada pelo surgimento de tomadas deposição divergentes entre os comerciantes e osindustriais no que diz respeito às questões tarifáriase cambiais, motivadas pela ascensão crescente docapital industrial no campo econômico. Assim, oestudo da formação do Ciesp está ligado ao estu-do da formação de uma elite propriamente indus-trial no campo econômico, sendo essa associaçãouma conseqüência da expansão industrial: por essemotivo, os dois processos (industrialização esurgimento do Ciesp) são amplamente relaciona-dos pela literatura.

Notamos que existe um consenso entre as te-ses que exploram a gênese das associações de clas-se; as diferenças teóricas e de enfoque são míni-mas. Todas as teses que identificamos são de abor-dagem materialista, mas em umas pesa mais umamistura de teoria da escolha racional com a teo-ria da ação coletiva, enquanto outras prezam aabordagem estruturalista. O pensamento materi-alista é o eixo comum que unifica todos os traba-lhos que buscam explicar a gênese das associa-ções de classe, embora existam diferentes formasde sua apropriação.

III.2.1 Escolha racional e lógica da ação coletiva

A autora que mais se detém na questão da fun-dação das associações de classe é Vanda MariaRibeiro Costa. Utilizando a teoria da ação coletivae a teoria da escolha racional para pensar osurgimento do Ciesp, Costa defende a tese de que,“basicamente, a iniciativa de criação do Ciesp obe-deceu à lógica de evitar o mal maior. As perdasque lhes seriam impostas pela nova política tarifárianão lhes deixaria alternativas que não a de se jun-tarem contra o poder de fogo dos setores do ca-pital já organizados. Os industriais se viram obri-gados a se agrupar, explicitar seus interesses, ten-tar legitimá-los frente aos outros setores e frenteao próprio Estado” (COSTA, 1999, p. 98-99).

Assim, para a autora a associação de classe é fun-dada quando os agentes tomam consciência de que,caso não se associem, todos podem ser altamenteprejudicados. Como já dissemos, o contexto emque ocorre a formação do Ciesp é de uma cisãodentro da ACSP (que representava também os inte-resses industriais até 1928), devido a desacordossobre os rumos que deveriam tomar as políticastarifárias11: “a decisão de se organizar [foi] umareação às expectativas pessimistas que contraria-vam os seus interesses, e sobre os quais não podi-am ter menor interferência” (idem, p. 97).

No caso de Costa podemos perceber clara-mente em seu argumento as três dimensões teóri-cas de que tratamos anteriormente: teoria materi-alista, lógica da ação coletiva e escolha racional.Essas teorias aparecem de maneira explícita quandoela afirma que “a novidade das teorias da açãocoletiva era mostrar que, ao contrário do que su-punha o pluralismo clássico, um interesse comumnão basta para produzir a ação conjunta. A novi-dade da lógica dual é introduzir o conflito comoimpulso à ação conjunta” (idem, p. 91). Assim aação coletiva ocorre quando os atores racional-mente calculam os ganhos e as perdas de associ-arem-se: quando os ganhos da associação entreos atores são maiores, eles formam um grupocoeso para lutar pelos seus interesses comuns.Assim, tudo explica-se porque “indivíduos racio-nais, movidos por interesses comuns, agregam-se voluntária e espontaneamente para resolver umproblema comum” (idem, p. 184). A escolha ra-cional aparece como um princípio que caracteri-za a ação, ou seja, os agentes são programadospara agir de modo racional, independentementeda situação em que estejam inseridos. Aracionalidade assume a forma de um cálculo emque são medidos os custos e os benefícios de umaação qualquer, nesse caso, uma ação coletivamotivada por um interesse material: preservar oumelhorar a condição de uma elite econômica. Omaterialismo expressa-se na motivação dos agen-tes e no objeto de cálculo: os agentes são anima-dos pelos seus interesses materiais, a partir dosquais eles formulam cálculos que, no caso que

10 O Ciesp foi fundado em 1928 por uma dissidência daelite dirigente da ACSP quando industriais e importadoresdecidiram lançar candidatura própria. A primeira diretoriado Ciesp era composta pelos seguintes industriais: JorgeStreet, Roberto Simonsen, Horácio Lafer, José Ermílio deMoraes, Antônio Devissate, Carlos Von Bullow, AlfredoWeiszflog, Conde Pissoti Gamba, Basilio Jafet e CondeFrancisco Matarazzo (primeiro Presidente).

11 Os comerciantes solicitavam baixas tarifas de importa-ção, para poderem importar com maior facilidade, ao passoque os industriais defendiam tarifas de importação altas,para agredir a concorrência que os produtos importadosimpunham à produção de manufatura nacional.

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estudamos, tiveram como desenlace uma açãocoletiva que se cristalizou na forma de associaçãode classe.

Segundo o raciocínio que abordamos, a for-mação da associação de classe parte de um inte-resse material, que é realizado por meio da delibe-ração e do cálculo. Esses cálculos pretendemequacionar os custos e os benefícios de associar-se, tendo como norte sempre aumentar ou man-ter o volume de capital econômico. Portanto, essaperspectiva entende as associações como sendoo produto de estratégias racionais de “investimen-tos econômicos” como quaisquer outros, sendoque sua especificidade é a de ser um investimentocoletivo e coletivamente direcionado.

III.2.2. Materialismo estruturalista

Embora ambas as abordagens sigam um pen-samento materialista, ao contrário da teoria da es-colha racional a teoria estruturalista não identificanos cálculos racionais dos indivíduos a responsa-bilidade pela formação das associações de classe,mas seria a associação o produto das dinâmicas“naturais” da estrutura econômica. Assim, indepen-dentemente das iniciativas dos agentes, as associa-ções nasceriam como respostas mais ou menosnecessárias às demandas específicas enfrentadaspelos grupos econômicos na estrutura material.

A ampliação e o crescimento da indústria in-duziria naturalmente a formação de uma associa-ção de classe. A própria associação teria respon-sabilidade por defender os interesses do gruponascente. Todas as palavras e conceitos pronun-ciados pela associação de classe (por meio demanifestos, protestos, acordos, votações, panfle-tos, ideologias etc.) são produto dos desafios enecessidades enfrentadas pelas posições econô-micas para preservar ou melhorar sua situaçãodentro do campo econômico. Conforme afirmaLeopoldi, “nos anos 1920, a indústria paulista al-cançara um certo grau de desenvolvimento e co-meçava a procurar uma arena específica de re-presentação de interesses na qual pudesse tratarda questão tarifária e da regulamentação do traba-lho nas fábricas. Começaram a surgir divergênci-as entre industriais e importadores no interior daACSP em torno da questão tarifária” (LEOPOLDI,2000, p. 71). Ou seja: conforme a industrializaçãoavança torna-se necessária a criação de uma ins-tância de defesa conceitual, a qual servirá às ne-cessidades da indústria para que esta possa asse-gurar sua existência no campo econômico.

Nesse sentido, a associação de classe é res-ponsável pela defesa dos interesses econômicosdo grupo, pois todas as suas atitudes respondemàs necessidades de sua preservação. A associaçãoé vista pela bibliografia como um meio de atenderaos interesses materiais de uma posição econômi-ca específica. Com efeito, a força que possibilitaa gênese da associação de classe é justamente esseinteresse material da elite econômica. As dinâmi-cas do mercado e as estratégias de lucro têm comodesenlace a formação de associações de classe eestas devem obedecer, utilizando seus meios es-pecíficos, aos interesses responsáveis por sua gê-nese.

Segundo essa perspectiva, as associações sãoestruturas que nascem a partir dos interesses edas necessidades materiais; toda tomada de posi-ção das associações são derivadas das demandaspresentes nas posições do campo econômico, sen-do a única particularidade das associações a ca-pacidade de traduzir esses interesses em formade palavras. Assim, o conjunto conceitual (delibe-rações, desejos, ações etc.) defendido pelas asso-ciações estaria previamente inscrito na estruturamaterial, cabendo a elas o papel de organizá-los eencaminhá-los às estruturas burocráticas do Es-tado. O interesse econômico precede a constru-ção conceitual desenvolvida pelas associações.Dessa forma, percebemos como a teoria materia-lista manifesta-se no trabalho desses autores: aosubordinar a estrutura simbólica (ou conceitual)às demandas e necessidades das elites que com-põem a estrutura material; das necessidades ma-teriais da posição econômica emergiria a estrutu-ra de conhecimento econômico.

Nesse sentido, pode-se entender o Ciesp, porexemplo, como um órgão fundado com o objeti-vo de defender os conceitos e as idéias imanentesàs necessidades materiais da indústria: protecio-nismo e fim do livre-cambismo. Por essas idéiasencontrarem oposição em relação às idéias da bur-guesia compradora, o desenlace lógico da situa-ção foi o deslocamento do Ciesp em relação àACSP, associações respectivamente industrial ecomerciária que eram indistintas em um momen-to anterior. Dessa forma, a formação da elite in-dustrial teve como conseqüência a construção deuma nova ordem simbólica agregada a ela e opos-ta à estrutura conceitual ligada à burguesia com-pradora; a dissociação infra-estrutural promoveua ruptura no âmbito das associações de classe.

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O CAMPO DE ESTUDOS SOBRE ASSOCIAÇÕES DE CLASSE

QUADRO 2 – RELAÇÃO ENTRE ESTRUTURA MATERIAL, CONCEITUAL E O CAMPO DAS ASSOCIAÇÕESDE CLASSE

FONTE: O autor.

NOTA: X: formato da estrutura conceitual no tempo 1 (T1). X1 e Y1: formatos da estrutura conceitual no tempo 2 (T2); Xrelaciona-se à estrutura material enquanto a indústria e os importadores eram um mesmo grupo, X1 encerra uma mudançana fração da estrutura conceitual ligada aos importadores e Y1 é uma nova fração, montada a partir da separação entreindustriais e importadores, sendo Y1 relacionada aos industriais.

IV. ALCANCE DAS TESES SOBRE ASSOCIA-ÇÕES DE CLASSE: SÃO PAULO 1910-1945

O pensamento que anima as teses sobre asso-ciações de classe de São Paulo entre 1910-1945possui como axioma a relação de determinaçãodireta das tomadas de posição da elite corporativapelas necessidades materiais das posições econô-micas. Por meio desse pensamento define-se oque são as associações de classe. Nesse sentido,a explicação do processo de gênese de uma asso-ciação de classe utiliza uma fórmula que se des-dobra da própria definição desse objeto: as asso-ciações são um produto das demandas geradaspelas relações em que estão envolvidas as eliteseconômicas. Além de estar presente na elabora-ção da “fórmula genética” das associações, o pen-samento em questão desdobra-se para os estudossobre a institucionalização do modelo corporativo:mesmo que a nacionalização das associações te-nha sido direcionada pelo Estado, respondendoassim às necessidades da dominação estatal, per-cebe-se que o pressuposto de que as associaçõesrefletem e são produtos das necessidades do ca-pital permanece intacto.

Nesta seção pretendemos explorar o alcancedessa tese; primeiramente apontaremos alguns deseus problemas e posteriormente lançaremos al-gumas hipóteses de trabalho.

IV.1. Naturalização douta das associações declasse

Afirmar que tomadas de posição (tais comodefesa do ou combate ao protecionismo e/ou ao

nacionalismo) ou organizações sociais (em nossocaso específico: uma associação de classe) sãoprodutos de necessidades (para a existência soci-al ou biológica do grupo) contribui para naturali-zar as próprias organizações que se busca estu-dar. Essa “naturalização douta” é um efeito de-corrente da maneira como são manuseados doisrecursos analíticos: a sincronia e a diacronia; abor-daremos detidamente cada um deles a seguir.

Lévi-Strauss desenvolve seu pensamento pormeio de uma crítica às mais diversas formas mate-rialistas. Boa parte da Etnologia na primeira metadedo século XX interpretava o sistema simbólico pri-mitivo como se ele fosse efeito das necessidadesfisiológicas dos nativos. Afirma o autor que tal era“o mesmo erro cometido por Malinowski quandopretendia que o interesse dos primitivos pelas plan-tas e animais totêmicos era-lhes inspirado unica-mente pelos reclamos de seu estômago” (LEVI-STRAUSS, 1989, p. 17). Segundo Lévi-Strauss,primeiro é necessário conhecer algo para depoisinterpretar esse algo como uma necessidade. Ouseja, a ordem simbólica antecede a necessidade,pois ela fornece o sistema de referências no qual anecessidade é apenas um conceito a mais; “con-cluir-se-ia, de bom grado, que as espécies animaise vegetais não são conhecidas porque são úteis;elas são consideradas úteis ou interessantes por-que são primeiro conhecidas” (ibidem). Portanto,a necessidade só existe a partir do momento emque existe um meio de saciá-la, a “satisfação” e a“necessidade” são construídas concomitantementesem que uma preceda ou gere a outra.

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A grande atribuição de uma associação de clas-se é poder falar em nome da elite econômica, derepresentar e dizer as suas vontades. A associa-ção, tendo o monopólio da palavra, pode conduziros interesses. Uma associação de classe pode nãonascer porque ela é materialmente necessária, masela existe na medida em que lhe é agregada a idéiade necessidade. Essa idéia está submetida e conti-da nos processos sociais que desencadearam agênese das associações e de maneira alguma an-tecede esses processos.

Segundo essa concepção, poder-se-ia interpre-tar que o engano da bibliografia que estuda osurgimento do Ciesp, por exemplo, consistiria emdefender que essa associação surgiu para suprirnecessidades de desenvolvimento da indústria. Aampliação da indústria gerava demandas que de-veriam ser supridas: um interesse na defesa polí-tica do protecionismo, por exemplo. Primeiramen-te, ao afirmar que o Ciesp surgiu como respostaàs necessidades imanentes do campo econômicoa tese trata essa ordem social como algo indis-pensável que estaria em completa sintonia com asdemandas e interesses da indústria (e que essasdemandas precederam e reclamaram pela forma-ção de uma associação de classe). Além disso, talabordagem esquece que esta é exatamente a ex-plicação que o Ciesp atribui a si mesmo (atenderaos interesses e demandas dos industriais). Comisso, a bibliografia estaria ratificando a justificati-va dada pelo Ciesp para a sua própria existência e

reiterando a sua legitimidade diante da elite eco-nômica. Assim, os estudos contribuem para a na-turalização do objeto, pois entendem-no como umaresposta às necessidades e aos interesses materi-ais, que seriam realidades irrefutáveis. A naturali-zação também se dá quando os autores aderem àsnarrativas que a associação conta sobre si mes-ma, as quais disfarçam sua justificativa sob umaobjetivação parcial, em que o próprio processogenético das associações desenvolve, sobre elas,a idéia de que são necessárias para outros.

A maneira como a diacronia é utilizada pelaspesquisas atuais tende a ser defeituosa pois ope-ra-se sob a falácia da teleologia. Ao explicar osurgimento de uma associação, as teses tomam oevento a ser explicado como uma espécie de ob-jetivo para onde caminharia toda a história do pe-ríodo estudado. A conjuntura social “acabada” (emnosso caso: um campo econômico composto deassociações de classe) influenciaria o olhar do pes-quisador enquanto ele remonta a conjuntura his-tórica precedente, no sentido de induzir o pesqui-sador a construir um modelo de explicaçãohistoriográfica dotado de características e even-tos que enfatizem os aspectos centrais da conjun-tura que fora montada posteriormente. Com isso,a pesquisa elimina completamente o universo depossíveis (eventos que estariam latentes ou quepoderiam acontecer) e deixa de lado os usos prá-ticos das referências temporais, dando destaque àpossibilidade realizada, como se esta fosse a úni-ca possível.

Operar sob a falácia da teleologia implica aconstrução de um modelo de sucessão de fatos eeventos, por um lado, e interesses e necessidadesdo grupo, por outro lado, dotado de uma coerên-cia interna que só é inteligível se levadas em conta

QUADRO 3 – FALÁCIA DA TELEOLOGIA

PASSADO PRESENTE E FUTURO

Condição da estrutura Estrutura social sem associações Estrutura social com associaçõeseconômica de classe

Olhar do pesquisador Recria um passado em que o futuro Busca características centraisesteja presente de maneira latente

Processo lógico Anulação de idiossincrasias do passado em função daseleção das características centrais do futuro: teleologia e anacronismo

FONTE: o autor.

NOTA: futuro em relação aos pesquisados e presente em relação aos pesquisadores.

as características do futuro. Cria-se, assim, a im-pressão de que a compreensão da lógica da estru-tura social passada é refém do seu futuro. Recriarum passado maculado pelas naturalizações do fu-turo implica eliminar da análise possibilidades de

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realização de interesses e necessidades interpreta-das como factíveis pelos agentes da época (pos-sibilidades que foram esquecidas ou “proibidas”depois que uma alternativa específica generalizou-se) e, conseqüentemente, reifica o objeto, ao ad-mitir uma única possibilidade (a mais provável,a mais encaixada etc.) escondendo as demais.Portanto, à própria naturalização da associação estáligada a naturalização de um passado que justificaum futuro cristalizado como se este fosse inevitá-vel, essencial ou uma necessidade inviolável.

A única medida do passado é o próprio futuro;conseqüentemente todo modelo de reconstruçãoretrospectiva estará, de alguma forma, determi-nado pelas contingências cristalizadas caso se partadestas próprias estruturas reificadas para proce-der a análise. Dessa forma, de acordo com a sín-tese de Gilles Deleuze (interpretando HenriBergson), “Quando perguntamos ‘por que algu-ma coisa em vez de nada?’ ou ‘por que ordem emvez de desordem?’, ou ‘por que isto em vez da-quilo (aquilo que era igualmente possível)?’, caí-mos em um mesmo vício: tomamos o mais pelomenos, fazemos como se o não-ser preexistisseao ser, a desordem à ordem, o possível à existên-cia, como se o ser viesse preencher um vazio,como se a ordem viesse organizar uma desordemprévia, como se o real viesse realizar uma possi-bilidade primeira. O ser, a ordem ou o existentesão a própria verdade; porém, no falso problema,há uma ilusão fundamental, um ‘movimento re-trógrado do verdadeiro’, graças ao qual supõe-seque o ser, a ordem e o existente precedam a sipróprios ou precedam ao ato criador que os cons-titui, pois, nesse movimento, eles retroprojetamuma imagem de si mesmos em uma possibilidade,em uma desordem, em um não-ser supostamenteprimordiais” (DELEUZE, 1999, p. 11).

Adaptando as palavras de Deleuze para o nos-so objeto, podemos dizer que, por um lado, a “de-sordem”, o “não-ser” o “possível” e o “menos”corresponderiam à configuração do campo eco-nômico e do Estado no período que antecedeuformação das associações de classe. Por outrolado, a “ordem”, o “ser”, a “existência” e o “mais”corresponderiam à configuração da sociedade comas associações de classe formadas: a falha estariajustamente em olhar para o momento passadobuscando encontrar um espaço para encaixar ofuturo, construindo um passado dotado de inte-resses e necessidades materiais no qual o futuro

encaixe-se perfeitamente como um resultado deuma equação.

Assim, o problema então formulado já conte-ria uma resposta: “como era a conjuntura que pre-cedeu a formação das associações de classe?”.Resposta: “uma conjuntura que já continha a as-sociação de classe de forma latente ou como úni-ca possibilidade realizável”. Portanto, a associa-ção passa a ser a resposta para a pergunta que seformula acerca das próprias associações. As pró-prias características de sua estrutura “acabada”dir-nos-á os elementos que nos permitem checaras condições sociais de sua gênese. Assim, umapesquisa que realiza uma construção retrospecti-va formula, como diria Deleuze, novamente inter-pretando Bergson12, um falso problema, por seresse um problema de pesquisa que já contém res-posta. “Com efeito, cometemos o erro de acredi-tar que o verdadeiro e o falso concernem somen-te às soluções, que eles começam apenas com assoluções. Esse preconceito é social (pois a socie-dade, e a linguagem que dela transmite as pala-vras de ordem, ‘dão’-nos problemas totalmentefeitos, como que saídos de ‘cartões administrati-vos da cidade’, e nos obrigam a ‘resolvê-los’,deixando-nos uma delgada margem de liberdade).

12 Podemos expandir ainda a crítica bergsoniana (ao co-nhecimento historiográfico) em dois pontos: (i) ao remon-tar o passado o analista “transforma” um estado presenteem um estado passado; para os agentes da época indagada,eles viviam no presente e tinham uma concepção específicade passado, o olhar do pesquisador trata os fatos da épocaestudada como fatos passados e não como um presenterelativo, assim o olhar do estudioso não traduziria a realsituação dos pesquisados pois o que é presente para ospesquisados é compreendido como passado para o pesqui-sador, o que altera a natureza da relação entre eles. Torna-se impossível explicar algo por meio da remontagem de umfato passado em uma situação em que aquele fato era com-preendido como presente (aliás, para Bergson, é falaciosa aprópria “espacialização do tempo” – passado, presente,futuro, antes, depois, durante etc. –, pois ele concebe otempo como uno e o tempo e o espaço como não perten-centes à mesma natureza). (ii) A remontagem do passadoconfere dinâmica ao que era compreendido como estáticoou estagnação ao que era entendido como dinâmico; o ana-lista atribui uma progressão própria aos eventos que mui-tas vezes difere dos movimentos realmente vividos pelosagentes estudados. Assim como o físico ao adiantar, atrasarou estipular um espectro temporal para realizar suas expe-riências deixa a dever à compreensão da dinâmica temporalreal, o historiador apressa ou retarda os eventos de modoque, muitas vezes, distancia-se da impressão temporal vi-vida pelos agentes (BERGSON, 2006, p. 82).

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Mais ainda, o preconceito é infantil e escolar, poiso professor é quem ‘dá’ os problemas, cabendoao aluno a tarefa de descobrir-lhes a solução. Des-se modo, somo mantidos numa espécie de escra-vidão. A verdadeira liberdade está em um poderde decisão, de constituição dos próprios proble-mas” (idem, p. 8-9).

A bibliografia atual que explica as associaçõesde classe constrói um modelo teleológico que in-terliga, de maneira lógica e elucidativa, necessida-des e interesses econômicos às associação de clas-se. A reconstrução do passado consiste, basica-mente, em erigir um sistema causal atribuindo in-teresses e postulando necessidades materiais (cadagrupo possui um conjunto de interesses e neces-sidades) que são compreendidas somente a partirdo momento em que se conhece os seus efeitos.Portanto, além de construírem um modeloexplicativo que deve a sua lógica à relação e su-cessão de interesses e necessidades materiais, asteses atuais aplicam uma “fórmula pronta” a qual-quer questão: basta identificar (ou postularteleologicamente) interesses e relacioná-losdiacronicamente. Assim, as teorias atuais mais doque reproduzirem um truísmo elaboram uma fal-sa questão, pois é uma questão que além de já teruma resposta pronta, possui uma fórmula únicapara resolvê-la.

IV.2. Por uma definição das associações de classe

O ponto comum dessas duas falhas presentesnas explicações sobre as associações de classeconsiste no fato de que os pesquisadores atribu-em um sentido único à ação dos pesquisados in-dependentemente dos constrangimentos sob osquais eles estavam submetidos. De uma finalida-de restrita, mirada pelos agentes como uma doxa,desdobrar-se-iam todas as ações e seus efeitos narealidade. A atribuição de um interesse exclusivoaos agentes como se esse fosse o verdadeiro sen-tido de suas ações em qualquer circunstância con-tribui para a criação de um modelo explicativo quese distancia da realidade prática, ao trabalhar comuma variável única e que serve de causa para to-das as conseqüências.

Ao atribuir exclusivamente um interesse ma-terial à prática dos agentes, os pesquisadores aca-bam por encobrir o verdadeiro significado da açãono momento em que ela se realiza, pois o signifi-cado das ações varia conforme a ordem social naqual estão inseridos seus protagonistas. A estru-tura social coage os agentes a redirecionarem seus

investimentos: o mesmo agente pode tomar atitu-des amplamente contraditórias dependendo doambiente social em que está inserido (na família,no trabalho ou entre os amigos, por exemplo).Um modelo explicativo unicausal “faz passar des-percebido a ‘confusão das esferas’, como dizemos lógicos, que resulta da aplicação, altamenteeconômica, mas necessariamente aproximativa,dos mesmos esquemas a universos lógicos dife-rentes” (BOURDIEU, 2009, p. 143).

Podemos reduzir esse problema observandoquais são os constrangimentos sociais nos quaisestão envolvidos os agentes. Para identificar issoé preciso perceber o que está em jogo na ordemsocial em que atuam os indivíduos estudados, oque é produzido neste campo e em torno do quegira a disputa entre os envolvidos, para assim “re-conhecer na prática uma lógica que não é a dalógica para evitar lhe pedir mais lógica do que elapode oferecer e de se condenar assim ou a lheextorquir incoerências, ou lhe impor uma coerên-cia forçada” (idem, p. 142).

De acordo com nossa hipótese, a particulari-dade do campo das associações de classe é queeste é um local cuja dinâmica consiste em gene-ralizar uma “representação” específica. Usamos“representação” em dois sentidos: como visão demundo (formas de classificar-se e classificar osoutros) e como delegação bem-sucedida de tare-fas (“x” representa “y” na medida em que “x” ageem função das vontades de “y”), de modo queesses dois processos são completamenteintercambiáveis.

Uma visão de mundo é uma forma de inter-pretar e orientar-se na realidade, uma forma dereconhecer e conhecer o que está à sua volta; emsuma, uma forma de classificação. Nossa hipóte-se é que as associações de classe são organismoscapazes de desenvolver essas formas de classifi-cação, são produtores de crença. Assim, uma as-sociação de classe revela-se mais como um ambi-ente em que se produz uma ordem conceitual emenos uma que reflete conceitos previamente es-tabelecidos. Nesse sentido, toda associação declasse pode ser definida internamente como umorganismo que constrói, por meio de uma lingua-gem particular, um conjunto conceitual (por meiodo qual se definem e interpretam uma parte domundo) que fornece definições a um grupo espe-cífico, funcionando ao mesmo tempo de modoimperioso e prestativo.

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Essa construção conceitual desenvolve-se emduas direções: uma com relação ao campo econô-mico (e aos grupos que o estruturam) e outra comrelação ao espaço social. As elites das associaçõesde classe podem ser definidas pela capacidadeque têm de generalizar uma representação especí-fica da elite econômica sobre ela mesma e aomesmo tempo de dizer “aos outros” o que pensa edeseja essa posição econômica.

A associação de classe está envolta em umaluta a respeito do monopólio de construir a identi-dade dos grupos econômicos e do monopólio davoz destes grupos no espaço social. “Apropriar-se das ‘palavras da tribo’ significa se apropriar dopoder de atuar sobre o grupo ao se apropriar dopoder que o grupo exerce sobre si mesmo pormeio de linguagem oficial: com efeito, o princípioda eficácia mágica dessa linguagem performativaque faz existir aquilo que ela enuncia, que insti-tui magicamente aquilo que ela diz nasconstatações constituintes, não reside, como al-guns crêem, na própria linguagem, mas no grupoque a autoriza e que se autoriza, que a reconhecee que nela se reconhece” (BOURDIEU, 2009, p.185; sem grifos no original).

A formação de uma associação de classe ocorreparalelamente à formação da identidade e das ex-pressões públicas de uma elite econômica na me-dida em que ela é uma instância capaz de reivindi-car para si o monopólio legítimo de dizer para umaposição econômica e para o todo quem ela é e oque ela quer.

Pelo que pudemos extrair da bibliografia, tudoindica que a construção das associações de classeteve início com projetos de divulgação de leis fede-rais e estaduais. As lideranças associativas lança-vam panfletos por meio dos quais visavam a infor-mar os seus pares sobre os eventos políticos quelhes diziam respeito, juntamente com as informa-ções divulgadas estava uma interpretação e umaorientação de conduta. Sobre esse assunto, Costadestaca: “Em primeiro lugar, o fato de que as infor-mações são cuidadosamente selecionadas. Em se-gundo lugar, são divulgadas como regras de con-duta a serem adotadas. Em terceiro lugar, as infor-mações traduzem o interesse que o CIESP tem emqual deve ser o interesse ‘real’ dos industriais. Esseinvestimento político-pedagógico exigirá do CIESPum grande esforço exegético em relação a legisla-ção que lhe permitisse firmar interpretações da lei,orientando a conduta dos industriais de acordo com

o seu interesse ‘real’. Qualquer inovação legal queafetasse a atividade industrial, qualquer oportuni-dade de apoio ou incentivo do Estado era pronta-mente divulgada, prontificando-se o Centro ‘gra-tuitamente e sem incomodo para os interessados’ aencaminhar todo o processo necessário para o en-caminhamento dessas oportunidades [...]. O CIESPtentava organizar a atividade industrial, inventandofunções para si próprio, revestindo-as de caráterpúblico e constituindo-se como ator coletivo”(COSTA, 1999, p. 104)

A lógica associativa delega a si a função deresolver demandas por ela mesma formalizadas,que ela própria inscreve na agenda empresarial. Arepresentação, no sentido de delegação de tare-fas, ocorre na medida em que os representantesconseguem, por meio de sua palavra, criar a pró-pria necessidade de sua existência, a própria crençana sua representação. Formaliza-se uma conjun-tura em que as associações tornam-se indispen-sáveis. A lógica associativa não permite que en-xerguemos nela um fim em si, pois ela autonomeia-se como um meio, de maneira análoga ao que sepassa com a lógica de Estado: a sua finalidadereside em perpetuar a idéia de que eles são meiospara a realização de fins alheios e essa construçãoconceitual turva o olhar dos observadores.

Essa crença que emana da lógica associativaé, por excelência, a sua característica distintivano espaço social; ela não foi abordada diretamen-te pela bibliografia brasileira que trata do tema. Amaioria dos estudos identifica nas tomadas deposição das associações de classe um reflexo dasvontades e necessidades dos grupos, passando aser completamente legítimo tomar os interessesdas elites econômicas pelos interesses proclama-dos pelas associações (tais como realizam os es-tudos que tomam as associações como uma fer-ramenta de pesquisa). Como vimos, ao tratar oobjeto sob essa platitude, a Sociologia Políticaacaba mais contribuindo para a reificação do efei-to simbólico produzido pelas associações do queobjetivando as condições sociais de produção des-se efeito. Nesses termos, a Sociologia Políticaestaria contaminada pela definição que o objetoproduz no espaço social (a representação), defini-ção que essa própria ciência deveria desmistificar.O engano da definição de corporativismo que abibliografia produz deriva justamente desse efeitosimbólico que as associações de classe produzemno espaço social: elas justificam-se sob o pretextode defenderem os interesses do todo. Elas reivin-

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dicam para si o monopólio de representar os inte-resses e saciar as necessidades materiais e o su-cesso dessa empreitada pode ser observado in-clusive nas tomadas de posição científicas.

Portanto, uma agenda de pesquisa que poderiaser levada adiante deveria contemplar um estudoda produção da identidade empresarial realizadapelas associações de classe. Esse tipo de estudopoderia facilitar o entendimento de como são ela-borados os interesses das elites empresariais emvez de vinculá-los diretamente à dinâmica econô-mica.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do nosso trabalho foi explorar oconjunto de estudos sobre associações de classeno Brasil. Limitamos nosso trabalho à compilaçãodos estudos que buscaram explicar São Paulo de1910 a 1945. Nossa revisão bibliográfica teve doisobjetivos específicos. O primeiro consistiu emindicar como e em que condições a bibliografiamobiliza as associações. No segundo quisemosidentificar quais são as definições teóricas decorporativismo predominantemente trabalhadaspela bibliografia.

Identificamos que os estudiosos lançam mãodas associações de classe quando lhes é conveni-ente explicar a relação entre o Estado e o campoeconômico brasileiro. As corporações são mobili-zadas por esses estudos pois elas possibilitam aidentificação dos interesses das elites econômi-cas, ao materializarem-nos em suas ações políti-cas no interior do aparelho de Estado.

Seguindo essa definição, percebemos que osestudos que tratam especificamente das associa-ções de classe normalmente as definem dessamesma forma. As associações são manifestaçõesdos interesses materiais dos grupos econômicosque representam. Elas próprias são respostas àsnecessidades econômicas das elites empresariais.

Em seguida percebemos que essa definiçãocontém alguns limites. As próprias associaçõespodem ser responsáveis pela formulação dos in-teresses dos grupos econômicos. Assim, as asso-ciações não seriam mais vistas como efeitos deinteresses que estão aquém de sua formação, maselas próprias são formuladoras dos interesses.Nesse sentido, torna-se necessário acompanhar oprocesso de arquitetação dos interesses dos gru-pos econômicos pelas elites corporativas.

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Hugo Loss ([email protected]) é Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná(UFPR) e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Sociologia Política Brasileira (NUSP) da mesmainstituição.

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accountability. Such a perception is, to a large extent, based on mistaken views of the character ofelectoral ties in Brazil and the sense of accountability, seen as a relationship between voters andtheir candidates rather than between constituencies and their representatives. A focus on the flawsin the electoral system, on the other hand, leads to obfuscation of other aspects that are moreimportant for perfecting representation, related to the democratization of information and thestrengthening of civil society. Problems identified on open lists are better confronted by wideningpublic debate and strengthening civil society, which would enable voters to take a more consistentadvantage of the opportunities for choice that are offered to them, wider than those that exist inother electoral systems.

KEYWORDS: political representation; accountability; electoral systems.

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DELEGATION OF PARTY LEADERS IN THE BRAZILIAN HOUSE OF REPRESENTATIVESAND THE FEDERAL SENATE

Geralda Luiza de Miranda

In this article, we compare the prerogatives of leaders who coordinate legislative processes anddistribute positions in the House and the Senate. The comparison is carried out through analysis ofthe regiments and resolutions that have regulated the dynamic of the two Houses since 1989. TheSenate Daily Reports, reports put together by the House News Agency, and studies that deal withBrazilian legislative dynamics illustrate our analysis and provide an empirical base for a variety ofinferences. Analysis reveals the central role of leadership in coordinating the legal process and inthe distribution of positions, especially within the House of Representatives, that is, the importancethese actors have in allowing members of parliament to go beyond the practical imperatives ofcollective action and maximize their preferences. It also reveals important institutional changes thathave positively influenced the content of what has been delegated to leadership. To the extent thatleadership has been strengthened and, consequently, political parties as well, these changes point tothe strengthening of Legislative power vis-à-vis the Executive.

KEYWORDS: political parties; legislative delegation; internal regiment; House of Representatives;Federal Senate.

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THE FIELD OF STUDIES ON SÃO PAULO CLASS ASSOCIATIONS FROM 1910 TO 1945

Hugo Loss

This bibliographic essay provides an x-ray view of the set of studies carried out in Brazil on the SãoPaulo class associations over the 1910 to 1945 period. This period is crucial for our understanding ofchanges in the State and in the economy, such as state bureaucratization and economicindustrialization. We have divided the paper into two different parts. The first looks at studies thattake class associations as an analytical source, that is, as objective resources that reinforce thetheses that the authors who study them defend. In this regard, we seek to identify how and underwhat circumstances associations are mobilized. In the second section, we systematize studies thattreat class associations as their object of analysis, that is, not as a tool to examine something thatgoes beyond them but as the object to be studied in its own right. From here we move on to look atthe theoretical definition that is commonly used within the literature. We end our essay with a fewnotes on the limits of the current conceptualization of corporatism that the bibliography we look atputs forth and suggest some directions for further research.

KEYWORDS: class associations; corporatism; economic interests.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

soit effective. Telle perception est, en grande mesure, basée sur des visions erronées sur la nature dulien électoral au Brésil et le sens de l’accountability, vue comme une relation entre l’électeur et soncandidat au lieu d’une relation entre les constituants et les représentants. L’accent sur les lacunes dusystème électoral, d’autre part, mène à occulter d’autres aspects plus importants pour l’améliorationde la représentation, liés à la démocratisation de l’information et au renforcement de la société civile.Même les problèmes identifiés dans les listes ouvertes sont mieux affrontés avec l’élargissement dudébat public et le renforcement de la société civile, qui permettrait aux électeurs de profiter de façonplus cohérente les opportunités de choix que leur sont offertes, plus larges que celles d’autres systèmesélectoraux.

MOTS-CLES : représentation politique ; accountability ; systèmes électoraux.

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LA DELEGATION AUX LEADERS DES PARTIS DANS LA CHAMBRE DES DEPUTES ETDANS LE SENAT FEDERAL BRÉSILIENS

Geralda Luiza de Miranda

Dans cet article, sont comparées les prérogatives des leaders pour coordonner le processus législatifet pour distribuer des positions dans la Chambre et dans le Sénat. La comparaison est faite à partirde l'analyse des régiments et résolutions qui régulent la dynamique des deux chambres après 1989.“Les Journaux du Sénat”, les reportages diffusés par “l'Agence Chambre de Nouvelles”, et lesétudes qui s’occupent de la dynamique législative brésilienne, illustrent l’analyse et fournissent labase empirique de plusieurs interférences. L’analyse montre la centralité des leaderships dans lacoordination du processus législatif et dans la distribution des positions, spécialement dans la Chambredes Députés ; c’est-à-dire, l’importance de ces acteurs pour que les parlementaires puissent surmonterles impératifs pratiques de l’action collective et maximiser leurs préférences. Elle montre aussi deschangements institutionnels importants qui influencent positivement le contenu de la délégation auxleaders. Dans la mesure où elles renforcent les leaderships et, donc, les partis politiques, ceschangements pointent au renforcement du pouvoir Législatif vis-à-vis le pouvoir Exécutif.

MOTS-CLES : partis politiques ; délégation législative ; régiment interne ; Chambre des Députés ;Sénat Fédéral.

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LE DOMAINE D'ETUDES SUR DES ASSOCIATIONS DE CLASSE DE SAO PAULO, DE1910 A 1945

Hugo Loss

Dans cette présentation bibliographique, nous faisons une radiographie de l’ensemble d’étudesbrésiliennes qui mobilisent les associations de classe de Sao Paulo qui ont agi dans la période de 1910à 1945. La période est cruciale pour la compréhension des changements d’Etat et économiques, telscomme la bureaucratisation de l’Etat et l’industrialisation de l’économie. Nous divisons le travail endeux parties. Dans la première, nous abordons les études qui utilisent les associations de classecomme une source d’analyse ; c’est-à-dire, des ressources objectives qui renforcent les thèses queles auteurs défendent. A ce point, nous cherchons à identifier comment et dans quelles circonstances,les associations sont mobilisées. Dans la deuxième partie, nous systématisons les études qui s’occupentdes associations de classe comme un objet d’analyse, quand elles ne sont plus un outil pour examinerun objet au-delà d’elles, et deviennent elles mêmes, l’objet exploré. A partir de là, nous avons l’intentionde visualiser la définition théorique couramment travaillée par la bibliographie. Nous finissons laprésentation avec quelques notes sur les limites de la conceptualisation actuelle que la bibliographiedéveloppe sur le corporatisme, et nous signalerons quelques directions de recherche.

MOTS-CLES : associations de classe ; corporatisme ; intérêts économiques.