REBELIÕES DA SENZALA 2

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    prietrio e dos saus empregados,que reagiram armados debacamarte eespadas. Ante a inesperada e dura resistncia, os escravos resolveramprudentemente recuar, apenas retirando da lojauma"paraba."Marcha-ram em direo a outra casa comercial e, depoisderpido ataque, con-seguiram apoderar-se de mais cinco.No trajeto, o mmero de escravos sublevadosvai aumentando. Os"cabeas de motim" como sochamados pelo promotor osl defs qu einiciaram omovimento empunhando espadas e vestindo camisas azuise vermelhas, investem frente dosamotinados rumo Rua doJulio,atacando os armazns de negros novos de Venceslau Miguel de Almeida,de onde saem maisde cem que os acompanham.Depois de "sublevarem os cativos daquela armao" (deVenceslauMiguel deAlme ida) , deixandogravemente feridooc idadoNicolauAnt-nio da Maia e contando j com "mais de cem cativos que puderam se-duzir", marchampara atacar aguarda daPolciada Soledade,compostadesetesoldados e umsargento. Conseguem, pelo peso numrico, vencera guarda, almde ferir e desarmar osoldado Francisco Lopes Carvalho.O certo que, sem um plano preestabelecido, e um tanto desorientados,esses negros lego depois seriam atacados ederrotados.As foras da Polcia e mais alguns civis investem sobre eles, obri-gando-os, depois de sangrento choque em que morreram mais de cin-quenta e ficaram prisioneiros quarenta e um, a se retirarem para asmatasde S. Gonalo, ondetentam reagrupar as suasforas.Aescolta mi-litar, porm,no lhes d descanso e, ali, socercados e definitivamentebatidos. O promotor pedir que sejam punidos os que escaparam, para"conservao do sossego pbl ico edesagravo da Sociedade ofendida."A represso como detodas as vezes no se fez esperar. Veiodrstica eviolenta. Os pretoseramespancados nas ruas, linchados, ape-drejados. Os soldados prendiam todos os escravos que apareciam sob assuas vistas. Depois disso as sentenas se sucederam: os escravos Ni-colau e Francisco so condenados a quatrocentos aoites cada um,"dados interpoladamente cinquenta por dia cada vez", alm das custas.O advogado de defesa deu mdos rus acusaabertamentea Polcia de pra-ticar atentados violentos pessoa dos escravos, dizendo que durante afase da represso matava "indistintamente a quantos encontram dis-persos, sejam ou no cmplices" e que inmeros escravos foram mortos

    pelos "soldados e povos;>.Era a justia dos senhores de escravos celebrando o seu jubileu desangue.A Grande Insurreio Altima grande revolta deescravos da,Capitalbaiana e a que obteve maior ressonncia histrica foi, sem sombra dedvida, a de 1835. Dirigida por escravos nags, englobar, contudo,entre seusdirigentes, negrosde diversas outras "naes" africanas, prin-cipalmente Tapa. Demonstrar que os escravos j haviam sedimentado152

    um certo nvel organizativo e assimilado um a tradio de luta contraseus senhores, atravs do longo rosrio de lutas que foi levantado du-rante otranscurso da primeira metade do sculo XIX.verdadequealada no possuam nem era logicamentepossvelna s condies em que se encontravam um programa poltico. A nicaconsigna capaz de uni- los era, segundo pensamos, a conquista da liber-dade, o fim do cativeiro. Procuravam, deste modo,tirar das lutas passa-das que se sucederam na Provncia, o mximo de ensinamento "a fimde matarem todos os brancos, pardos e crioulos." (1 )A revolta dos escravos baianos de 1835, emconsequncia,no serumaecloso violentaeespetacular, apenas surgidade um incidente qual-quer e sem plano preestabelecido, mas uma revolta planejada nos seusdetalhes, precedida de todo um perodo organizativo fase obscura dealiciamento e preparao sem a qual no se poder compreender aspropores que alcanou cm uma das principais Provncias do Imprio.O perodo organizativo da revolta que precedeu sua ecloso aindano foi estudado com o interesse que o assunto merece. Nossos histo-riadores se interessam mais pela fase herica do movimento,a luta derua na suaparte dramtica, desprezando oproblema decomoarevoluofoi preparada.Derrotada a ltima tentativa dos escravos, chefiada pelos nags(1830), procuraram seus lderes se reorganizar e iniciar uma sriedepreparativos objetivando a reiniciar a luta, reagrupar seus membros edar incio a nova revolta. Alm das organizaes existentes, constitu-das de grupos de escravos que se reuniam regular e secretamente emvrios pontos da Cidadedo Salvador, comoveremos mais adiante, cria-ram os escravos um Clube, tambm secreto, que funcionava na Barra(Vitria). Esse Clube ficava localizado nos fundos da casa do inglsde nome Abro e exerceu umpapel dos mais importantes na estrutura-o e deflagrao do movimento. Era uma casa de palha construdapelos prprios escravos para suas reunies. < 2 > Seus cabeas mais ati-vos eram os escravos nags: Diogo, Ramil, James, Corn io, Toms eoutros. Reuniam-se regularmente para discutirem juntos os planos dainsurreio, muitas vezes juntamente comelementos de outros gruposdo centro da c idade, de negros dossaveiros de Santo Amaro e Itapa-rica,com quem tinham contato e contavam para oxito do levante.Esse Clube funcionava ativa e regularmente desde muito antes dainsurreio. No ms de novembro do ano anterior deflagrao da re-volta armada, j havia contra eledennc ia feita pelo Inspetor de Quar-teiro Antnio Marques ao Juiz de Paz doDistrito. Dir o Inspetor,(1) MS existente no Arquivo Pblico da Bahia Mao referente a revolu-es de escravos.(2) Acasade palhaparareunio foi construda pelos escravos Jaime e Diogo.Dir oesoravoJoo, em, depoimento,que acasade palha foi feita pelos seus parcei.ros Jaime e Diogo a fim de se reunirem (CMS) do Arq. Pub. da Bahia).

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    Alm desses lugares principais ou pelo menos mais vulnerveis represso policial depois da insurreio, e de inmeros outros quecerta-mente existiram mas que dificlimoou quase impossvel localizar, ha-via, provavelmente, em cada senzala ou reunio de escravos, um desejolatente) de rebelio. Havia, ainda, umacasano Beco do Grelo onde elesse reuniam para deliberar secretamente. L sero presos alguns escra-vos logo depois desufocada a revolta.Outras organizaes e pontos de reunies existiam ainda em diver-sos bairros da Capital baiana ou no Recncavo. Do Recncavo, alis,esperavam os escravos uma participao ativa dos seus companheirosque moravam naquela zona. Alm disso, presumivelmente mantinhamligaes com escravos pernambucanos. No depoimento doescrava Joo,h referncias a um outro chamado Antnio, "vindo ultimamente de Per-nambuco" e que participou da revolta. Como no citado depoimento encon-tramos os nomes dos senhores de todos os outros, menos o de Antnio,podemos levantar a hiptese de que ele se encontrava comoelemento deligao entre os escravos de Pernambuco e Bahia.Podemos traar, de um modo geral, o panorama, a rede organiza-tiva dosescravos: dois grupos principais orientavam e dirigiam o mo-vimento: o primeiro era o que se reunia na cidade, com ramificaesem diversos lugares Ladeira da Praa,Guadelupe, Convento das Mer-

    cs, Largo da Vitria, Cruzeiro de So Francisco, Beco do Grelo, Becodos Tanoeiros etc. dirigido por Dandar, Licut, Sanim, Belchior,Calafate e outros e o segundo formado por escravos pertencentesaoClube da Barra, sob a direo de Jamil, Diogo, Jamesetc., certamentecomligaes com outros grupos que no conseguimos identificar em nos-sas pesquisas. Esses dois ncleos principais, orientadores do movimento,mantmham-se emconstante contato. O escravo Joo, no depoimento aque j nos reportamos, afirma que o denome Sule (amsio de Guilher-mina, delatora da revolta e quepertencia ao grupo de Belchior) reunia-se tambm no Clube daBarra. Diz o depoimento que houve certa vez um"jantar onde se reunio todos osescravos nags dosinglezes e muitosde saveiros... da cidade outros de Brazileiros, os quaes he impossveldeclarar seus nomes poremque serecordade umescravodenome "Diogo"e "outro de nome Sule que em sua terra he Capitod'elles."

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    Na noite de 24 de janeiro estourou omovimento armado.Os primeiros tiros piartiram da casa de Manuel Calafate, na lojada segunda casa da Ladeira da Praa, "Sob a denncia deque na lojada segunda casada Ladeira daPraa estava reunido grande nmerodeafricanos comenta Nina Rodrigues foi esta cercada e,apesar das

    evasivas coniventesdo pardo Domingos Martinho de S, principal in-quilino doprdio,as autoridades penetraram nele e dispunham-se j s11horasda noite a dar minuciosabusca, quando desbitose entreabriua porta dalojaedela partiu umtirodebacamarte, seguidoda irrupode uns 60negros armadosdeespadas, lanas, pistolas, espingardas etc.,e aosgritos de mata soldado.""3'De atacados, dentroda casa deManuel Calafate, passaro francaofensiva. Aps isso, dirigem-se para a Ajuda , onde tentam arrombar acadeia a fim de libertar seus presos, principalmente Pacfico Licut.Noconseguindoseuintento,ogrupo deescravosmarchou para o Largocio Teatro, onde travou combatecom aPolcia, derrotando-a mais umavez. Tinham,comessa vitria, aberto ocaminho para suas foras at oFortede SoPedro. Vendo ser impossveltomaroForte (deartilharia),os escravos vindosdoLargo do Teatro tentaro estabeleecr junocomoutra coluna que vinha da Vitria, sob o comandodos dirigentes doClubedaBarra,que por sua vez j haviam conseguido unir-se aogrupodo Convento das Mercs. Osescravosda Vitria atravessaroo fogo doForte e operaro a juno planejada. Em seguida a essa manobra abri-ro caminho para a Mouraria, empenhando-se novamente em combateco m a Polcia. Perdero no combate dois homens. Continuando, ru-maro para a Ajuda,provavelmentecom oobjetivode libertar PacficoLicut. Da estabelecero uma mudanaderumo na sua marcha: des-cero para a Baixa dos Sapateiros, seguindo pelos Coqueiros.Sairo naguadosMeninos,na CidadeBaixa, ondetravaroo combate definitivocom a Polcia, degrandes propores.De parte das foras legais coube o comandoao prprio Chefe dePolcia,que j havia recolhido as famlias IgrejadoBonfim. Nosa-bemos os nomes doschefesda parte dos insurretos.O s escravos marcharo em grande nmeropara o ataque na ma-drugadado dia 25.InvestirosobreoForte (decavalaria) com umheros-

    mo reconhecido pelos prprios adversrios. No lograram xito, con-tudo. Logo na primeira investida foram asperamente atacados pelastropas do Governo. O Chefe de Polcia ordena cavalaria quecarreguesobre osescravos, que caem varados tambm pelas balas de uma forade infantaria, postada nasameias doForte. Verdadeira carnificina. Asposiesmais vantajosas dos legais, alm da superioridadedearmamen-tos, fizeram com que os insurretos fossem definitivamentebatidos. Per-deram a vida cerca de quarenta escravos. Inmeros foram feridos eoutros pereceram afogados ao tentarem a fuga lanando-se ao mar pr-

    ximo.< u) Estava praticamente sufocada a grande revolta de escravosda Capital baiana.Os lderes, como a maioria dos participantes, portar-se-o digna-mente. Pacfico Licut j se encontrava preso quandoa ordem de in-surreio foi dada: estava recolhidona cadeia da Ajuda deonde, como

    vimos, seus companheiros tentaramarranc-lo por duas vezes. Aosaberdo fracasso do movimento, mostrar-se- abatido, vendoentrarem seuscompanheiros prisioneiros, aps a revolta.Alm delehouve, porm,inmeros escravos que se destacaram nasrefregas derua:Higino, Cornlio, Tomsemuitos outros. Osprincipaisdirigentes do Clube da Barra foram quase todos detidos pelas autori-dades, uns com "calas sujas de sangue", outros "com uma bala atra-vessada na perna", segundo informao da poca. Lusa Mahim, escra-vagege, me deLus Gama, participou do movimento. Sobre sua atua-o, porm, no encontramos referncias nos documentosqueconsul-tamos.Derrotados os escravos no combate decisivo, iniciou o Governobru-tal represso. Uma srie de prises foi efetuada: 281 ao todo, entreescravose libertos. OChefe de Polcia, o mesmo que esmagara militar-mente olevante em ofcio expedido no dia posterior ao movimento,ordenar umadevassa completaemtodasascasasdelojas pertencentesapretos africanos, dando rigorosa busca para a descoberta de homens,e.. . "ficandona intelligencia quenenhum dellesgoza DireitodeCidadonem privilegiode Estrangeiro." (15> A cidade ficou sendo patrulhada diae noite. O Chefe de Polcia Francisco Gonalves Martins baixarPortariano dia seguinte, dizendo que "vossa senhoria chamar a turma(dirigia-seaoJuizde Paz doPrimeiro DistritodaVitria) oscidadosdoseu distrito que julgar necessrios forando-os a obedincia se o patrio-tismo ou o interesse da prpria conservao os no convencer em seprestarem" e que "nas noitesde hoje em diante devero haver inme-ras patrulhas de Cidados e grande vigilncia dasautoridades poli-ciais."(le) Osescravos spodiam sair rua comordem escrita dosseussenhores, dizendopara onde iam. Todas as casas de negros escravos eforrosforam vasculhadas.O Juiz de Paz doDistrito da Vitria entrarem atividade com umaeficincia que poder ser demonstrada facilmente pelo nmero de pri-ses que efetuou. Os principais cabeas do Clube j seencontravampresos no dia posterior ao movimento. V inham notciasem ofcio reme-tido ao Chefe de Polcia em que diziahaver apl icado "maior diligncia"ecapturado osinsurgentes do seu Distrito, principalmente os "cabeasde clubes que se juntavam na casa do Ingls Abro." Eram indicadoscomocabeas osescravos Diogo, Ramil , James, Joo, Carlos, todos pre-

    (13) Op. CU. p. 95.158

    (14) Segundo Joo Dornas FUho, participou da luta contra os escravos aguarnio da "Fragata Baiana", que se encontrava fundeada no porto da Cidadede Salvador. Se verdica a afirmao, muito deve ter contribudo essa unidade denossa Marinha parao extermnio dosescravos sublevados. (VerJooDomas Filho:"AEscravidonoBrasil", Rio, 1939,p. 25).(16 ) Idem, idem.159

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    sos com "calas co m sangue." Prendeu ainda Lus, qu e en t rou em casasomente na m a n h do dia posterior ao do levante "sujo de plvorac omanel no dedo" Toms, "cabea do clube, mes t req ueensinava a escrever",encontrado com ' 'marca de sangue na cala sem ter ferimento algum"e Jos, que se recolheracom uma bala na perna, alm de inmerosou t rosdetidos "para averiguaes", sendo recolhidos uns na For t a leza de SoPedro outros no Forte do Mar" . "7 IDepois de julgados, quase todos foram condenados. Quan to aos l-deres: de Elesbo Danda r nada conseguimos a pu r a r . Segundo NinaRodrigues, deve te r m o r r i d oem combate, ideia qu e Edison Carnei roe n-dossa sem apresentar fatos novos. Manuel Calafate, ao queparece, nadasofreu. O mestre Lus Sanim fo i condenado morte, mas teve a penaatenuada para seiscentos aoites. Pacfico Licut, apesar de preso quan-do estourou a revolta, fo i condenado a seiscentos aoites, t ambm. O slderes do Clube da Barra foram r i gorosametnepun idos : Antnio,escra-vo auss, fo i condenado a qu inhentos aoites ; Higino sofreu pena dequatrocentos; Tomp a de qu inhen tos ; o nag Lus fo i castigado com du-zentos aoites e T o m s "o mestre qu e ensinava a ler" a t rezentos aoi-tes em praa pblica "aplicados i n t erpoladamen te , como m a n d aa lei-" ( I " 'Houve a inda os condenados morte: c inco foram os que pagaramco m a vida, por no quererem viver no cativeiro. No dia 14 de maiode 1835 eram fuzilados. Foram eles : os libertos Jorge da Cunha Bar -bosa e Jos Francisco Gonalves e os escravos, Gonalo, Joaquim ePedro. ( l a ) Condenados forca, n o encontrou o Governo carrascosq ueos executassem. Tiveram de ser fuzilados, com as honras de soldados.Um a coisa surpreendente a posio do s escravos frente ao s seusacusadores. Quase n ingums e acovarda, delata, acusa. Negam conheceros companheiros de insurreio. O nag Joaquim diz desconhecer at oseu companheiro de residncia. O nag Henrique, gravemente ferido ej sent indoo s sintomas do ttano que o mataria horas depois, impossi-bil i tado de sentar-se, j presa de convulses, declarou que no conheciaos negros que oconvidarama tomar parte na insurreio e que mai sn odizia por no ser gente de dizer duas coisas. "O que disse est ditoat morrer."

    O n m er o de escravos mortos durante o levante fo i bastante ele-vado. Talvez tenha chegado casa do s c e m ; uns em combate ou afo-gados, outros na s prises, vtimas do ttano e dos maus t ratos, almdo sque foram condenados morte e executados. ( 2 0 >Da par t e da s foras do Governo as baixas foram mui to menores.Asuperior idade de armas dava-lhes maiores meios de ataque e defesa.Nina Rodrigues assinala a morte de dois militares: um sargento da

    ( 1 7 ) Idem, idem.(18) Idem, idem.( 19) O escravo Pedro, ao te rminar o levante, fo i encontrado com fra turasem ambas as pernas produzidas po r balas. Pertencia ao ingls Bender e era do"Clube" da Barra.( 2 0 ) Inic ialmenteforam dezesseis condenados morte . Depois de indultadosalguns pelo Regente ficou reduzido a cinco o nmero dos que foram executados.160

    Guarda Nacional e um soldado deartilharia que "lutou com raro valor ,matando antes de morrer um negro e ferindo diversos." S encontramosreferncias, nos documentos que compulsamos, morte de u m : o Sar-gento Tito Joaquim da Silva Machado. Quanto aos feridos, no auto deexame de corpo de delito feito pelo cirurgio ManuelJos Bahia nos sol-dados do Corpo de Artilharia, encontramos referncias a trs. Certa-mente que nos autos feitos no s soldados da cavalaria qu e travaram ocombate final deve haver um nmero bem maior. Infelizmente, no en-contramosesses autos. Alm doscombatentes feridos e mortos, houvetambm civis que foram atingidos mortalmente. Alis, o Promotor P-blico dir em libelo contra o escravo Comlio, condenado a seiscentosaoites, estar ele implicado na insurreio "do que resultou a morte eferimentos de muitos cidados".Insurreio Esquecida (1844) - Finalizando o segundo ciclo de insur-reies citadinas da Capital baiana, encontramos documentos que se re-portam a uma que se verificou no ano de 1844, quando pela ltimavez, presumivelmente os escravos daquela Pro vncia se levantaramtentando extinguir o regime servil. Os docum entos que comprovam aexistncia dessa revolta fazem dilatar ainda mais o ciclod e insurreiesbaianas, at agora dado pelos historiadores que o estudaram como en -cerrado em 1835.O s documentos coligidos no so abundantes ma s servem para quepossamos fora de qualquer dvida afirmar sua existncia e gizar,embora d ando apenas uma ideia geral, os conto rnos do levante abor-tado,o

    Segundo esses manuscritos, a liderana do movimentoestava nasmosde escravos ausss, tapase nags. E ser na base doproselitismoreligioso que aglutinaro os escravos e os orientaro no sentido de luta-rem contra a escravido.Reuniam-se de preferncia na casa de um preto forro, chama-do Francisco Lisboa, localizadan o Aljube,e , ali, tramavam as diretivasda revolta. Este preto liberto ostentava a condiode velho lutador, vin-do da lt imagrande insurreio de 1835, da qual af i rmavam as auto-

    ridades fora um dos organizadorese participantes ativos. As reuniesna casa do Aljube, eram muito animadas e concorridas, invariavelmentecomeando s 6horasd a tarde e se prolongando pela noite. Al i ficavam"conversando muito", "gritando s vezes e outras vezes rindo-se" attarde, certamente ajustando os ltimos retoques para o levante.A experincia da insurreio de 1835 mostrara a importncia parao movimento que teria a existncia de um fundo monetrio que aten-(1) MSexistente no Arquivo Pblico da Bahia, mao sobr revoluo deescravos.

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    desse s despesas da revolta, e instituram um com os mesmos objetivosdo existente durante a ltima. Concorriam com a importncia de "doismil ris mensais, cuja aplicao ela ignora", dir em depoimento umaescrava testemunha. Quantia imensamente alta para a poca.Outro lugar de reunies era a casa do preto Marcel ino de Santa

    Escolstica, cujo localnopudemos determinar, masonde a Polcia, apsabafar o levante, apreendeu farto material, "diversos embrulhos, todoseles de cousas que se dizem de feitiarias e malifcios."Tudo leva a crerque opreto conseguiu fugir, pois a Polcia foi obrigada a cercar a casae arromb-la.Parece que tudo j se encontrava preparado quando, havendo umdesentendimento entre o liberto Francisco e sua amsia Maria, apro-veitou-se ela do pretexto para delatar as atividades conspiratrias doamsio e dos demais companheiros. As autoridades, ao saberem da ocor-rncia, tomaram as providncias requeridas pelo caso, sendoa primeirapr cerco s casas deFranciscoe Marcelino, prendendo o primeiro. Pro-vavelmente, o segundo conseguiu escapar em tempo.No interrogatrio, uma das testemunhas declarar: "soube queeleseram inales que tentavam contra os brancos." A Polcia, just ificando apriso de Francisco, dizia que (em sua casa) "entravam diariamentemuitos africanos de um e outro sexo sem haver para isso hora determi-nada,nemsaber omotivo para qu ;disse mais que desconfiavadaquelasreunies em consequnciade ter o Acusado se envolvido na insurreioprximapassada." O acusado contestoua acusaodehaver participadoda revolta de 1835, pretextando inocncia; veio, porm, a informaopositiva do Chefe de Polcia, confirmando a denncia contra ele, dan-do-o como um dos implicados naquelemovimento.Depois dessas informaes tudo mistrio. Nada mais conseguimosapurar: no sabemos que fim tiveram seus dirigentes, nem quais suaspropores. Parece que o esquecimentocaiu sobre essa revolta.

    162Durante oDomnio Holands

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    Conforme pondera"com acerto Luisda Cmara Cascudo, referindo-se ao comportamento do negro escravo durante a ocupao holandesa,"aescolha legtima para oescravoseria odireito deescapar a ambos ef ug i r para os quilombos. Ali encontraria fora organizada, poder, coer-o, mas com as cores entendidas por sua mentalidade". (1) Tal pormn o aconteceu. O comportamento dos escravos no foi uniforme e nopodia s-lo. Umaopo consciente seria negaro prprio regime no qualestava engastado e que condicionavao seu pensamento.Trs fo ram as formas tpicas de comportamento do escravo duran-te o perodo de ocupao holandesa. Aprimeira delas foi a dos cativosque aproveitando-se da situao criada com as lutas entre luso-bra-sileiros e batavos fugiram para as matase se estabeleceram em qui-lombos, dos quais omais importante e famoso foi Palmares. A segundafoi a dos que, ou por imposio dos prprios senhores ou por livre vonta-de, se incorporaram s tropas restauradoras que combatiam o invasor.Finalmente, a terceira foi a dosescravosque ficaram ao lado dos holan-deses, contra osbrasileiros eportugueses. Da primeira forma decom-portamento omais destacado lder foi incontestavelmente Z u m b i ; da se-gunda,Henrique Dias poder ser apontado como o elemento mais repre-sentativo; a ltima teria o seu elemento representativo em Calabar. < 2 >Paraocarterdonosso estudoestas trsformas decomportamentoso encaradas como atitudes divergentes dos cativos contra a escravido.Tipificam reaes s contradies inerentes ao sistema escravista eserdentro desta perspectiva que as iremos encarar. Doponto de vista de

    luta de classes aqueles escravos que fugiam ao cativeiro e fundavamcomunidades independentes nas matas eram os que atuavam tendoem(1) Cascudo, Luis da Cmara: "Geografia do Brasil Holands", R. de J.neiro, 1956,p. 59.(2 ) Calabar,, na primeira empresa que empreendeu a favor dos holandeses,que foi o ataque ViladeIgarau,levava em sua companhia"trinta e tantos pretos".Alis Weerdenburgh trataCalabar como negro: "em todos estes perigos estvamosdependentes da fide"idade ou infidelidade de um nei/ra que nos servia deguia, nodevamos pr muita confiana nessa gente estpida" (Clt. por Francisco AdolfoVarnhagen: Histria das Lutas com os Holandesesn oBrasil, 2' Ed. S. Paulo,1945, p. 105).

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    vista a contradio mais importante. A segunda camada atuava sobreuma contradio intermediria: Henrique Dias, por exemplo, antes desunir pela segunda vez s tropas nativas, estava com os seus homenscombatendo escravos aquilombados. que o l der dos "Henriques" atua-va apenas sobre a contradio que existia entre uma nao em processode formao e o sistema colonial representado pelos ocupantes estran-geiros qu e impediam que ela se formasse e desenvolvesse. Da ter sidoum lder queatuou dentrodos limites da estrutura escravista. Seu obje-tivo era to-somente expulsar os holandeses do Brasil. Ganga Zumba eposteriormente Zumbi representam por assim dizeroselementosda pr-pria casta de escravos que se voltam contra oregime, ou, emoutras pa -lavras, otablado radical da contradio. Atuavam por isto sobre a con-tradio mais p ro f unda na poca, que era a existente entre osenhor eo escravo. O certo que a participao do escravo negro durante aocupao holandesa no sentido de expulsar os invasores foi muito im-portante. O que foi a Repblicade Palmares veremos em captuloespe-cial. Cabeagora ve r qual foi ocomportamento global doescravo duran-te as lutas que se travaram entre portuguesese brasile iros de um ladoe holandeses de outro.Convm destacar que por ser o grosso da cscravaria propriedadede portugueses ebrasileiros, muito maior ser onmerode escravos qu e

    participaro nas lutas com os batavos ao lado dos primeiros. Mui t a svezes, como aconteceu alis em outrasoportunidades, eles atuavam porordem dosseus senhores. Eram portanto escravos sem 'nenhuma parcelade conscientizao. Pelo contrrio, pa radoxa lmente serviam de pilastraao regime.No inciodaocupao, alis, os holandeses apregoavam a desneces-sidade da escravido. Esta atitude inicial chegou a envolver muitos es-cravos logo aps a ocupao de Recife e O l i nda . A escravaria, ao saberque estava livre, comeou a semanifestar ruidosa eviolentamente. Mes-m o no meio da s orgias qu e complementaram o saque da s cidades con-quistadas, Weerdenburgh viu imediatamenteoperigo qu ecorria. Southey,apoiado em Callado, afirma que "no meio desta confuso (o saque) sal-vo u Weerdenburgh a cidade de ser queimadapelos escravos, qu e destaforma queriam exprimir a alegria que sentiam, recuperada a naturalliberdade. Ensinados pela experincia que bem lhes resultaria do s ser-vios dessa gente, em parte porque a ferocidade africana a levaria a

    cruis represlias, e em parte porque muitos dentre ela representavampapel nobre para o que lhes n o faltariam em ocasio ne m arte ne mcoragem. Tanto peso se achounestas razes qu e deixadosficar m uipou-co s apenas destes negros fugidos , se expulsaram todos os outros, qu efossem ter com seus antigos senhores, e obrar como inimigos declarados,seassim lhes aprouvesse. ( A)Mui tocedo, no entanto, reconheceram que sem o escravo negro n oseria possvel a explorao da cana-de-accar nos moldes em quevinha( 2 - A ) SouUtey, Roberto Histria do Brasil, 2 vol . Salvador, 1949, p. 122.

    sendo feita. Logo depois entraram no trfico trazendopara a rea con-quistada milhares de escravos. Mais ainda: ocuparam Angola e Guin,pontoschaves para os traficantes. De1636 a 1645 os holandeses impor-taram 23.163 negros que renderam Companhia das ndias Ocidentais6.714.423 florins . Como vemos, inseridos no processo logo se transfor-mam em ativos traficantes, trazendo a mercadoria ano aps ano.Obedeceu aoseguinte ritmo a importao dos batavos:

    1636 1.0311638 1.7111640 1.1881642 2.3121644 5.565

    1637 l.5801639 l.8021641 l.4371643 3.9481645 2.589 < 3

    Esta posio "realista" dos holandeses frente escravido levou-osinclusive a estabelecer condies seletivas para os escravos quedeviamser importados. Dizia Adriam van der Dussen que "os de Angola soos considerados mais trabalhadores; os de Ardra so obstinados, maus,preguiosos, sem iniciativa e di f ceis deadaptar-se ao trabalho, mas osque, entreeles, socapazes, sobrepassam todos os demais emvivacidadee esforo, de tal modoque parece que os bons e os maus pertencem anaes diferentes. Por isto no trfico em Ardra devem ser bemconsi-derados, porque esse ramo mau faz os Ardras pouco procurados. Almdisto revoltam-se contra os que'os dirigem emuitos fogem para as ma-tas e fazem muitasmaldades; soaudaciosos evalorosos, no respeitamningum. Os Calabares ainda so menos estimados do que os Ardras,de vez quedeles no seconsegue ne m interesse, ne m coragem, ne m tra-balho. Osnegros da Guinat SerraLeoa e doCabo Verdeno somuitotrabalhadores, mas so limposevivazes, especia lmente as mulheres, peloqu e osportugueses os compram para faz-los trabalhar em suas casas.O s negros que at agora t m vindo de Sonho t m sido muito bons e aconselhvel incrementar o trfico tanto quanto possvel, com essa re-gio. ">Como vemos, os holandeses engajaram-se no comrcio negreiro e osportugueses figuravam como seus clientes de carne humana. D a essa"concordata" entre os ocupantes estrangeiros e os latifundirios nativosat que os ltimos se viram asfixiados pelos primeiros.Por outro lado, a formao do chamado sentimento restaurador ,que levou os senhores de engenho de Pernambuco a se levantarem em

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    (3) Mello Netto, J. A. Gonsalves de "A Situao doNegro sob o Doml .nioHolands", in Novos Estudos Afro-Braslleiros", R. de Janeiro, 1937, p. 204.(4) van der Dussen. Adrian Relatrio sobre as Capitanias ConquistadasnoBrasil pelos Holandeses (1639) R. de Janeiro, 1947, p. 92.167

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    armas contra os invasores, no caiu do cu. Ele se formou paulatina-mente, medida que os interesses entre os elementos nativos e os bata-vos se diversifica ram. E as lutas srias e verdadeiramente de enverga-dura, a insurreio, s teve incio depois que a contradio entre os se-nhores de engenho de um lado e as autoridades holandesas de outro che-gouao seu ponto de tenso mxima. Antesdisto,porm, aresistncia aoocupante foi feita apenaspor aqueles elementos plebeus mulatos, n-dios, negros forros ou escravos que de uma forma ou de outra, atra-vs da violncia armada, muitas vezes desorganizada, davam continui-dade luta. Os homens de cabedal logo viram o quanto seria difcil aresistncia eentraram num processodecolaboraocom o inimigo,numaadaptao poltica e econmicacompleta. Os holandeses estabeleceram-secomo empresrios comerciais e inicialmente puderam entrar em acordoco m senhores de engenho nativos. Diz muito bem uma equipe de estu-diosos de nossahistria: "classe dominante dos senhores de engenhoe plantadores de cana, os mais prejudicados com osdistrbiosna pro-duo, colocava-sea opo:resistir ao domniobatavo, ou aceit-lo, vol-tandossuas fazendas eengenhos, retomandoas suas tarefas, dividindodessa formaoslucroscom osholandeses. Asegunda hiptese foi a esco-lhida. Pouco a pouco foram retornando os senhores s suas propriedadese entrandoem contacto com a administrao flamenga, visando medidaspara dar continuidade vida econmica nas capitanias. Para eles, tra-tava-se apenas de uma mudana de metrpole. Antes produziam paraPortugal; agora para a Holanda. O que interessava era a manutenode seus prevlgios e de sua posio na sociedade." (3)

    Somente quando os senhores-de-engenho viram-se asfixiados pelosemprstimos contrados com a Companhia das ndias Ocidentais quecomearam a mobilizar-se, de verdade, para darem incio quilo que sedenominou a reconquista. E na mobilizao geral colocaram comoma-terial humano participante os seus escravos. Apelaram, por outro lado,para elementos conhecedoresdas tticas de lutas no interior, a tticade guerrilhas, como Henrique Dias,que j havia atuado com denodo naprimeira fase da resistncia. E o escravo negro entrou em ao maisuma vez.II

    Antes da reconquista, porm, que tem incio depois de Portugallibertar-sedo jugo espanholem 1640,j o escravo negro atuar. Na in-vaso que os holandeses fizeram Bahia em 1624, a sua participaoj ntida emarcante. Tanto ao ladodosbrasileiros como dosholande-ses h atividades militares por parte de cativos africanos. So escara-muas de parte a parte, onde vemos negros atuando tanto de um ladocomo do outro. Do lado dos brasileiros notabilizou-seum negro chama-do Antnio que,do alto de um jenipapeiro, com um saco cheio de pe-dras, abateu vrios holandeses que chegaram ao seu alcance. Aps aexpulso dos batavos o escravo foi alforriado custa da Fazenda P-

    blica e, segundo Artur Ramos "n o lugar onde existia o jenipapeirof oifundada a Fortaleza de S. Antnio em honra ao negro, que foi nomea-do comandante da mesmaFortaleza".

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    prossegue a t ivamcn te . O s ocupantes da cidade continuam arcabuzandonegros qu e caem prisioneiros e ao mesmo tempo incorporando suaCompanhia dePretosArmados, novos elementos, inclusive os componen-tes de um navio que chegou da frica e foi apresado. ( 10 ) Um negro qu ese encontra va entre os portugueses desertou e transmitiu uma srie deinformaes importantes, como a pretenso de um ataque cidade,nodia de Todos os Santos, por parte dos lusos e brasileiros e da mortedeD. Marcos, vtima cie um "fluxo de sangue". m>Ainda em 1624, narra Aldengurgk: "vieram cidade dois embai-xadores dosportugueseso umnegro, a tratarcom onosso coronel; admi-tidos audincia, foram atocontnuo banqueteados, oferecendo-lhesnos-socomandante umataa devinho das Canriaspara obeberem sadedo Prncipe de Orange, ao que anuram de bomgrado; mas, quid fit?sucedeu cair a um delesochapu que, apanhado pela ordenanad o fiscalc por ela apalpado, pareceu conter algo de suspeito,pelo que chamou damesa o seu oficial e lhe contou o caso. Narrou o fiscal o ocorrido aocoronel e, examinado o chapu do embaixador, foram nele encontradasdiversas cartas dirigidas aos nossos negros; vista disso, os dois emis-srios e seu escudeiro foram presos e torturados. Fizeram ento de tudoplena e franca confisso perante o Conselho Secreto, declarando terems ido induzidos a tal procedimento por inf luncia dos padres de sua reli-gio, os quais lhes haviam assegurado terem todos acesso ao cu, naqualidade de mrtires, e, como expiao do crime cometido, foram am -bos, que se diziam mrtires, e mais o escravo, condenados e enforca-dos. < 2 >Como elemento auxiliar, durante a primeira ocupao holandesa,o negro escravo prestou relevantes servios, quer de um lado quer deoutro; aproveitava-se da situao convulsionada para tirar proveito, su-pondo muitas vezesque osholandeses osiriam libertar; outras vezes,aolutarem ao lado dosportugueses, almejavam aliberdade atravs depro-vas de lealdade. Aldengurgk narra ainda outro fato curioso quedeve serreproduzido. Diz ele: "Vriasdenossos negros saram embusca de ra-zes de farinha; mas, foram dispersados pelo inimigo, que aprisionou aum deles, decepou-lhe ambas as mos e o reenviou cidade com umacartadirigida aocapito-tenente Senhor Francisco, o qual, ingls de na-o, servira na companhia do finado Sr. Vare Dort." (1 3 > Parece, por-tanto, que a prtica de decepar as mos dos negros que caam em poderdo inimigo era generalizada. Como elemento plebeu da contenda, par-

    ticipando de uma luta que no era especialmente a sua, sofria do apa-relho repressor, quer do lado dos holandeses, quer dos portugueses, omximo rigor. Mas, quando havia a recproca ainda Aldengurgkquem narra usavam de rigor idntico. Osescravos a servio dos ho-landeses aprisionaram um portugus. "Os negros conduziram o prisio-neiropara fora daportado Sudoente, urrando de jbilo e danandoa(10 ) Op. cit. p. 187.(11) Op. tfit. p. 189.(12) Op. cit. p. 188.(13) Op.dt. p. 191.

    se u modo, e, ali chegados, afiaram na s pedras as suas longas facas duabordagem, mandaram que o portugus corresse e saram no seu encal-o, desfechando-lhe contnuas cutiladas, ora na cabea, ora em outraspartes do corpo, at que, de todo combalido, tombou em terra, onde ocrivaram deestocadas, e o acabaram comoo gato ao rato." ( 1 4 )Como estamos vendo, na s primeiras escaramuas entre o batavo eos portugueses ebrasileiros, o escravo negro j participava. Membrodeuma classe sem nenhum direito, agia apenas no sentido ilusrio de con-seguir, atravs da sua atuao, a liberdade que no desfrutava.Mas no perodo da reconquista, quando h no apenas a tentativa dos habi-tamtes de uma cidade deresgat-la, mas toda uma configurao polticae econmica j definida, que o papel doescravo, no setor militar, sermais acentuado, def inindo muitas vezes posies a f a vo r da s tropas qu elutavam para expulsar o ocupante holands.

    IIIQuando Henrique Dias oBoca Negra se apresentou pela pri-meira vez, vindo no se sabe ao certo deo nde , com a sua pequena tropade negroslivres,para combater osbatavos, a situao dos locais no eranada boa.( 5 ) Pelo contrrio. O s holandeses, por uma srie de ci rcuns-tncias, estavam em franca ofensiva. Matias de Albuquerque carecia deforas e recursos para enfrent-los e deve ter recebido alegrementeaquele reforo. "Naquele primeiro semestre de 1633 escreve Jos An-tnio Gonsalves de Melo em qu e Henrique Dias se apresentou comoutros pretos tambm livres, dos quais foi feito capito, a situao co-meara a mudar a favor dosinvasores". ( 13) Umasrie dederrotasdei-xara as foras luso-brasileiras em estado de flagrante inferioridade.Henrique Dias veio, assim, como se fosse uma injeo alentadora. Se

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    (14) Op. cit.p. 195.(15) O Conde dos Arcos, em 3 de agosto de 1756, respondendo informa,co do Conselho Ultramarino, afirma queHenrique Dias era natural da Bahia comtudo viveo em Pernambuco aonde fez os seos maiores progressos . (Apud. Mem-riasHistricas e PoUiticas da Bahia , Igacio Acioli , 2 vo\ Salvador 1925, p. 424 nota). Mas, apesar de dizer que quase nada se sabe, combase documental, acer-ca da pessoa, de Benrique>Dias , Jos Antftnio Gonalves deMello o d comonas-cidoem Pernambuco, apoiado em diversas fontes. Varnhagen levanta cautelosamen-te possibilidade de Henrique Dias ter vindo, com os seus homens, de Palmares.Diz ele: Encontramos escrito em papel no bastante autorizado, queestes saram,por trato pactuado precedentemente com Matias d'Albuquerque,primeiro organiza-dos em corporaes, a principio em nmero de vinte apenas, dos mocambos dosPalmares, ondese achavam; porventura poderiam fazer Inclinara dar aissoalgumcrdito as palavras com que o cronista desta campanha nos d conta deste fato. Bems prova, diz omesmo cronista, oapuroem que nos tinha posto a continuaodo que constatvamos, pela ao que um preto chamado Henrique Dias praticounesta ocasio, e foi parecer-lhe que necessitvamos da sua pessoa; pois veio ofe-rece-laao general, e este aceitou-a para servir com alguns de sua cor. Se no an-dassenesta apresentao algum mistrio conclui Varnhagan no cremos queteria o cronista necessidade de dar tantas satisfaes, por maiores que fossem asprevenes contra osdescendentes de africanos . (Hlst. das Lutascom os Holande.ssnoBrasil, S. Paulo, 1945,p.109-110).(15-A) Gonalves de Mello, Jos Antnio; Henrique Dias Governador dos Pre-tos, crioulos e mulatos da Brasil , Recife, 1954,p. 7.17 1

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    o desertor Calabar estava orientando os batavos, em contrapartida aoslocais se incorporava Henrique Dias com os seus homens. A adeso deHenrique Dias valia no apenas pelos homens que foram incorporadosmas tambm pela grande experincia de guerrilhas no serto qu e eletrazia. E a guerrilha era a nica forma de resistncia que no momentose podia oferecer aos holandeses.Em julho c e 1633 j se tem notcias das atividadesuase dos seusnegros.A 15dejulhoosbatavos atacarooEngenhoSoSebastio,ten-dao mesmo sido defendido por Henrique Dias emaisvinte companheirosseus. Logo em seguida novamente feridocom dois tiros demos-quete. Como se v, Henrique Dias no se poupava e dava exemplos debravura aos que o acompanhavam. Mas, no parou a: em 30 de marode 1634 novamente ferido ao repelir um ataque inimigo contra o Ar-raial de Bom Jesus. Nas proximidades de Apipucos "matou por suamo" cinco holandeses.(I8) Logo depois foi outra ve z ferido ao defenderuma posio dos locais: a vrzea do EngenhoSantoAntnio. (19)Em seguida, sob o comando de AndresMarin, participou docom-bate que se travou pela defesa doArraial Velho, em 1635. A luta foiencarniada, mas "a maior peleja era contra a fome, que ia chegandoa tal ponto que j de tudo se valiamosnossos... Nem o valor nem aconstncia dos defensores do Arraial bastou para que ele no se per-

    desse;porqueafinal faltou tudoo queserviade sustento, consumiram-secavalos, couros, ces,gatos e ratos,com que se alimentavam. E quandoainda houvesse alguma destas imundas coisas, no existia mais plvorane m outra qualquermunio."< 2 0 )Co m a tomada do Arraial pelos holandeses, Henrique Dias caiu pri-sioneiro mas foi resgatado juntamente com os demais moradores dolocal, permanecendo inativo por algum tempo. Somente em 1636 o capi-to dosnegrosvoltar atividade. Conseguindojuntar-senovamente sforas que resistiam ao invasor, partiu, juntamente com Antnio FilipeCamaro, que comandava trezentos ndios, para a campanha. Ele tinhasob suas ordens quarenta negros de Angola. Comandava essa tropa, porseu turno, composta de trezentos e quarenta homens, o negro PauloSoFeliche, que pertencia ao Conde Bagnuolo. ( 2 1 )Depois disto, porm, parece que Henrique Dias tomou outros ru-mos, indo para a Bahia, ondefoi encarregado de combater negros fugi-dos,possivelmente o Quilombo dos Palmares. Em 1640o Vice-rei Mar-qus de Montalvo "cogitou de encarregar a Henrique Dias a reduode um qui lombo de negros na Bahia, mas a sugesto por ele apresen-tada Cmara doSalvador noobteve oapoio dosvereadores. Entre-tanto, se no foi realizada ento, a tentativa de extinodo mocambo( 1 6 ) Gonalvesde Mello, Jos Antnio "Henrique Dias", Recife, 1954,p. 7.( 17) Op. cit. p. 10.(18) Op. cit.(19) Op. c it.( 20) Doe.citado por Jos Antnio)GonalvesdeMello, op. p 12(21) Op. cit. p. 13.( 2 2 ) O p . cit. p. 25.26.

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    depretos, Henrique Dias foi posteriormente encarregado disto.At 16-45permaneceu na Bahia, e no h notcias de atividades de importnciacontra osholandeses afora alguns servios de "espia" para ver comoestavam as tropas batavas. (2 2 >O certo que iremos encontr-lo de novo no palco da s escaramu-as, quer por solicitao de Joo Fernandes Vieira, quer por um p l ano

    organizado pelo Governador-Geral o detalhe deimportncia secun-dria j na fase derestaurao de Pernambucoedemais capitanias,exatamentenaBatalhadasTabocas. Nessa batalha, JooFernandesVieiraalforriou 50escravossob condio de continuarem lutando.Esses forrosforam juntar-sestropasdeHenrique Dias,quepassaramater, em1647,300 membros./23Na conhecida carta que Henrique Dias enviou aos holandeses, l-seque esses negros eram compostos de quatro naes: "minas, ardas, an-golas e crioulos; estes so to malcriadosque no temem nem devem;os minas to bravos que aonde no podem chegar com o brao chegamco m on o m e ; os ardas to fogosos, quetudo querem cortar com umgol-pe; os angolas to robustos, que nenhum trabalho os cansa.1" ( 2 4 ) Emoutro depoimentodolder guerrilheiro, l-se que "havemosdedeixar aterra to rasa comoa palma da mo,e to abrasada que emdois anosno d frut o; e se vossas mercs a tornarem a planta r (o que no sa-

    be m nem podem) ns viremos em seus tempos a queimar-lhesn u m anoite o que houverem plantado em um ano. Isso no so fbulas nempa'avras deitadas ao vento porque assim h de ser." E, de fato,era. O.depoimento de um holands Wat jan conclus ivo: "Se naprimeira metade do ano de 1637, o cultivo da cana-de-acarno pro-grediu, deve-se atribuir isso no s devastao das plantaes siste-maticamente levadasa efeito pelos depredadoresinimigos, mastambm grande escassez de trabalhadores negros" pois a maioria "se achavarefugiada nas matas onde, entregue rapinagem, se congregava embandos, que iam constantementecrescendo e, por vezes, inf l igiam sens-veis perdas s tropas enviadas em sua perseguio."( 2 5 > Ora, se Hen-rique Dias estava na Bahia at 1640, conclui-se que a sua carta t inhaslidos fundamentos, pois be m antes os escravos fugidos ou aquilomba-do sjvinham desgastando continuamente a economia dos lat i fundiriosligados aos holandeses.Eram as guerrilhas que martelavam as tropas regulares holandesas.

    O ConselheiroVau Goch fala nessa dual idade de tticas empregadas en-tre as suas tropas regularese oslocais.Diz que "emprimeiro as tropasdo inimigo, saindo do mato e por detrs dos pntanos e decertos luga-res, com a vantagem da posio, atacam sem ordem e em completa dis-perso e aplicam-se a romper diferentes quadrados. Em segundo lugar( 2 2 ) Op . Cit. p. 25-26.( 23 ) Op. cit.( 24) Apud Edison Carneiro: "Antologia do Negro Brasileiro", P. Alegre,p. 80.( 25 ) Apudadison Carneiro Op. cit. 79.

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    as tropas do inimigo so ligeiras e geis de natureza, para correrempara diante ou se afastarem e por causa de sua crueldade inata sotambm temveis. Compem-se de brasileiros, tapuias, negros, mulatos,mamelucos, naes todas do pas, e tambm de portugueses e italianosqu e tm muita analogia com os naturais do pas, quanto sua consti-tuio, demodo queatravessam e cruzam osmatos e brejos, sobem osmorros, tonumerosos aqui,e descem, tudoissocom umaagilidade e ra-pidez notveis". < 2 6 > Usando os mtodos clssicos de ttica militar viam-se assediados pelos restauradores. Muitos desses negros que, segundoWatjan, andavam em bandos, constituam elementos que atacavam astropas regulares holandesas. Isto ainda mais facilmente compreens-vel se levarmos em conta que proliferaram inmeros quilombose essesguerrilheiros tinham onde se ocultar aps as refregas. "O negro fugiuem bandos enormes durante o governo holands escreve Lus da C-mara Cascudo e os quilombosse tornaram grandes aldeias" ( . . . ) .O s negros, sempre que podiam, procuravam sus irmos quilombolas,aderindo aosreinos recm-formados. Foi possvel ao holandsobter ami-zades duradou ras com a indiada. Um Antnio Paraopeba, um PedroPoti, f icam como derradeiros fiis, escondidos para no sujeitar-se aoportugus ou batendo-se em Guararapes ao lado das bandeiras da Com-panhia. D e negros o holands nada conseguiu-" ( 2 7 )No que notentasse o batavo alici-lopara as suas fileiras; che-

    go u mesmo a ir no Recife de casa em casa para recrut-los. Finalmen-te, conseguiu que um mulato, Joo de Andrade, em troca do ttulo decapito ttulo que lhe foi concedido reunisse um a companhia denegros. Foi infeliz e saiu ferido logo de incio, mas mesmo assim "con-t inuou chefiando os seus negros e mulatos at a rendio". < 2 8 ) Mas ocerto que os holandeses no conseguiram grande colaborao do escra-vo negro. Este transformava-se nos "boschnegers"; era oelemento re-beldeque nas estradas e matasatacava os flancos das tropas regularesholandesas; era a parte maisradical da resistncia, pois, embora desor-denadamente, produzia bolses de desgaste no apenas militar mas eco-nmico tambm, de vez que os engenhos se despovoaram a tal pontoque Nassau teve de organizar umaexpedio militar para ocupar o For-te deMina,a fi m degarantir osuprimento deescravos. queeste tipode atividadedivergente era uma fric o constante que atingia a Com-panhia em face no apenas do decrscimo da produo como do encare-cimento do trabalho escravo.Houve mesmo reaes de extrema violncia que caracter izaram essacontradio, como, por exemplo,a revolta de escravos verificada na ilhade Fernando deNoronha. Arevolta foi sufocada. Oscativos foram pre-ss pelos holandeses. Seus lderes, em nmero de seis, para exemplo do sdemais, foram esquartejados vivos.( 26 ) Apud Nelson Werneck Sodr "Histria Militar do Brasil" R . Ja-neiro, 1965, p. 43.(27 ) Cascudo, Lus da Camar Op. cit. p. 59.(28 ) Mello Neto, J. A. G. de "Tempodo aFlamengos", R. deJaneiro, 19 47,

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    Como vemos, no foram apenas os soldados negros de Henr i queDias que seopuserama o invasor. Opardo Domingos Fagundes fo i outrohomem que prestou servios de muita valia. Foi encarregado de atrairos holandeses para ostabocais "conduzindo aps si o inimigo, conformelh e fora o r de n ad o ( . . . ) para o local cm que estavam preparadas asemboscadas."As matas de Pernambuco c das outras capitanias ocupadas en -chiam-se de negros fugidos numa verdadeir a debandada co l e t iva .( 2 9 )Por seu t u r n o os holandeses aguavam o aparelho repressor chegandoao extremo de esquartej-los ouqueim-los vivos como verdadeiras to -chas hum anas a fim de intimidar os demais. Os chamados "boschnegers"eram uma cons tante preocupao para os batavos. "Atacavam as res i-dncias dos moradores, feriam, punham fogo s casas e levavamos escravos, sendo que de uma s freguesia levaram 1 40 negros" < 30 > So -mente no qu i lom bo s i t ua do na "Mata Brasil" homiziavam-se inmerosnegros qu e "corriam a regio em ban dos , roubando ematando." ( i l ) )Antn i o Fernandes V i e i ra M in a , escravod e Joo Fernandes V i e i ra ,co ma nda va centoe c i nquen t anegros minas qu e lutavama o lado da s tro-pa s locais. Mo r reu co mba t endo na primeira Batalha de Guararapes.Alis , Joo Fernandes Vieira como j vimos apelavapara os seusescravos no s momentos mais dramticos da campanha, prometendo-lhesa l fo r r i a . ( 3 2 ) Esses eram os escravos que se engajavam como j dis-semos num t ipo de luta intermedirio, que no era especificamentea sua. Tanto isto er a verdade que osmestres decampo bra sileiros, quan-do apreendia m cativos dos holandeses , d iv id iam -n os entre si, ao invs

    ( 2 9 ) "Todos osnegros aproveitaram a oportunidade para fugir. Pela leiturados documentos ve.se qu e parou quase completamente o trabalho do sengenhos.Um a relao dos engenhos existentes entre os rios da s Jangadas e oUna, feita peloConselheiro Schott , mostra-n os a verdadeirasituao dessas propriedades,exatamentena zonamais rica da Capitania, a zona Sul. Eram canaviais queimados,casas-gran-des abrasadas, os cobres jogados aos rios, audes arrombados, os bois levados oucomidos, fugidos todos os negros. S. no haviam fugido os negros velhos e molequi-nhos . Assim, no Engenho Maratapagipe s foram encontrados Joo, Manuel,Mulemba, Mar ia Esperana, Catarina. Suzana e Adriana, "trs negros e quatronegras, todos velhos e incapazes." Tambm no Engenho Sibir de Riba oCon-selheiro holands encontrou somente 2 negros velhos e 2 bois velhos. No EngenhoCoca a situao era melhor : encontraram-se 4 caldeiras grandes. 4 fachos novose dois velhos, 8 bois, 2 vacas, 2 novilhas e, na senzala, Pedro Moleque, mulher edois filhos, Joo, mulher e fi lho, Antnio Jacome com um moleque,FranciscoMolequeco m uma negra, a negra Manangona e mais 2 negros, 2 negras e dois moleques.No N . S . da Palma foram encontrados no roado um negro velho e uma negra.Todos os demais haviam fugido" (Antnio Gonsalves de Mello, Neta: "Tempodo s Flamengos",R. de Janeiro, 1947.p . 2 0 6 / 7 ) .(30 ) Jos Antnio Gonalves de Mello Neto: "Tempo dos Flamengos", R.de Janeiro, 1947,p. 207.(31) Idem, idem, p. 218.(32) Foi o que aconteceu na Batalha das Tabocas, quando enviou a suaguarda co m promessa de libert-la. "Era ela composta pela sua maior parte deescravos seus, ao s quais prometeu a liberdade ( . . . ) Precipitaram-seeles pela en -costa abaixo tocando suas cornetas, e soltandoo s berros de que seus selvagens 'con-terrneos usavam na guerra" Robert Southey: "Histria do Brasil" 3 vol.,Salvador, 1949, p. 95).

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    de dar- lhesa liberdade; em outras palavras, ostatus era apenas trans-ferido, o senhor mudava, mas a situao de escravo continuava. Somen-te emcasos excepcionaise emconsequnciade atividades altamenteme-ritrias que conseguiam a alforria. (33) Houve mesmo segundodepoimento de Southey um detalhe que ilustrativo desta contradi-o: a sentinela que avisou a chegada de Henrique Dias e os seushomens, quando o mesmo foi-se juntar s tropas nativas, recebeu, deJoo Fernandes Vieira, dois escravos como prmio por transmitir toalvissareira notcia. (34 ) Como vemos, o processo de lutasera contradi-trio; da o bandeamento para um lado e para outro de fraes deescravos. Enquantomestios comoJoo Andrade se passavam para osholandeses, comandando a suatropade"ndios tupis, mulatos enegros"escravos como AntnioFernandes Vieira Mina lutavam ao ladodos seussenhores locais. As matas, porm, estavam cheias de escravos fugidos queno se engajavam em nenhum das faces em luta. Os cativos (quer aque-les que lutavam ao lado do s restauradores, quer os que combatiam deforma independente pela sua liberdade nos quilombos e nasguerrilhas)friccionavam militarmente os holandeses, causando-lhes srios reveses.Durante as noites, os guerrilheiros de Henrique Dias atacavam posiesflamengas, pois a ordem era paraque se"picasse e inquietasseo inimi-go", impedindo-ode ter descanso noite. Alm disso,essesnegros toca-vam fogo nos canaviais, destruam roas e stios dos ocupantes.

    IVNa ltima fase da reconquista os flamengos tiveram de enfrentarum a situao das mais delicadas. Engenhos despovoados, caminhos peri-gosamente ameaados, canaviais sob a ameaa de incndios permanen-te. Nas matas e nasestradas, os guerrilheiros ou os quilombolas nodavam trguas. Canaviais eram incendiados. Vidal de Negreiros vierado norte como uma verdadeira tocha. "Derramou-se a cham a do incn-dio de Pernambuco Paraba, como um vulco devorando tudo, levandotudo em suas lavas sinistras ( . . . ) . "Vidal, alucinado de patriotismo,ateia fogo nos campos e nos canaviais, na sua passagem pela Vila doEsprito Santo, na Paraba, fogoque se iniciara nos prprios partidosde canado seuvelhoe querido pai." (35)O s holandeses tinham contra si praticamente a populaodas capi-tanias ocupadas. Aps a chegada de Schkoppe, sentindo-se fortes mili-tarmente, mandaram uma proclamao onde os membros do ConselhoSupremo diziam que ofereciam anistia "a todos os que seapresentassemdentro de dez dias, e declarando co marrogncia qu e findo este prazono poupariam sexo ou idade, passando todos pelas armas, soltando osTapuias e Potiguarespara realizarem a faanha". Tudo int i l . Opovo(33) Callado, Manuel: "OValerceoLucideno"2vols., 2.vol. S. Paulo,1945 p. 144.(34 Southey, Roberto: '"Histria do Brasil", Salvador, 1949, 3 vol. p. 85.(35) Pinto, Luta: "Vidal de Negreiros", R. de Janeiro, s/d, p. 91.

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    das capitanias ocup adas j no pe rmitia nenhu ma "concordata" com oinimigo. (3 6 >O s negros levantadosn o interior, alm de Palmares qu econt inuavadando trabalho ao s invasores, eram elementos de desgaste permanente.Praticamente sitiados, assediados constantemente pelos negros de Henri-que Dias, que havia construdo um arraial bem prximo ao Recife paradali hostilizar o inimigo, a situao dos flamengos no era nada boa.Henrique Dias estrategicamente colocado no seu arraial, diariamentetravava combates co m eles. "A scorrerias de suas tropas chegavam, emdireo cidade Maurcia, at o Rio Capibaribe, isto , Boa Vista dehoje, menosaparterecentedosaterrosdas ruasdaImperatriz eAuro-ra. Era, portanto, comobem dizemosdocumentos, a estncia mais che-gada ao inimigo. T o prxima que, s vezes, o duelo no era de balama s simplesmentede palavras de desafio-" ( 3 7 )No combate na casa forte de D. Ana Pais vrios holandeses foram"mortos por mos de negros; e houve uma negra crioula dos Apipucos,forra, e casada com outro crioulo chamado Arajo, que em encontrandoa umFlamengo, comespadana cinta,e umaclavina nasmos, arremeteuco m ele, e com um bordo que levava o matou, e lhe tomou asarmas." (3S)Neste encontro Henrique Dias foi ferido mais uma vez, atingidopelo inimigo na perna. Apesar disto continuou lutando "e alcanada a

    vitria, ento ele mesmo se curou escaldando os buracos da ferida comuma pequena pele de carneiro frita com azeite de peixe, e sarou embrevesdias semhavermistercirurgio."Nas duas batalhas de Gua rarapes hou ve a participao de contin-gentes negros. Somente ocapito-mor dos minas como vimos co-manda va 15 0 negros de sua nao, tendo perecido na batalha. Aps aprimeira batalha foram incumbidos de recuperar a vila de Olinda qu efora ocupada pelo inimigo. Doisdias depois expulsaram-no do local. ( 39)Po r outro lado, oarraial de Henrique Dias e dos seus negros eraum foco do qual saam, quase diariamente, peq uenos grupos a rmadospara travar escaramuas com os holandeses. Estes sentiam os efeitosdessassurtidas e, por istomesmo,em 21 de maio de mesmo anoataca-ram a estncia procurando destru-la. No o conseguiram, porm. Repe-tiram a tentativa logo depois, sem obterem xito. Derrotados nessasduas tentativas, continuaram recebendo o assdio do s negros, que noos deixavamem paz. "Eramtantasecotidianas aspendncias, quetanto( 36) A unio de camadas e setores da sociedade pernambucana nesta faseda luta refletia, por seu turno, a compreenso generalizada da necessidade de selibertar a regio da ocupao inimiga, levando-se em conta primeiramente os ele-mentos econmicos e sociais que j se destacavam como o suporte de uma futuraconscincia nacional. A rebeldia concorria assim para o desentrave das foras eco-nmicas existentes, das limitaes coloniais. O fato de aps a expulso dos ho-landeses este objetivo no ter sido alcanado, outro problema.(37) Gonsalves de Mello, Jos Antnio "Henrique Dias Governadordos Pretos e Mulatos do Estado do Brasil", Recife, 1954, p. 34.( 28) Callado, Manuel: Op. cit. p. 53/4.(39) Gonsalves de Mello, Jos Antnio: O p. cit. p. 36.

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    os holandeses saam a buscar cajus e outras fru tas do mato, os negrosminas logo lhes caam de improviso e com as vidas lhes faziam largar;e eram to brbaros estes minas,que no lhes que r i a m dar quartel,masantes cortavam as cabeas aos que matavam e vinhamcominstrumen-tos blicos a seu modo e ao de sua terra com buzinas e atabaques, fa-zendo muita festa, dizendo queaquelesos foram cativar s suasterras,sendo eles forros, e, feitas as cerimnias traziam as cabeas para asportas do smoradores,donde se no iam semlhes darema l gumacoisa."(4 "'

    Nesta altura dos acontecimentos, como vemos,outros eram osmeca-nismos de comportamento do s escravos do Recife para com os f lamen-gos, querepresentavam j acrostaopressora, isto , ogrupo dominante.J no eram mais aqueles elementos que, contagiados emocionalmente,quiseram at tocar fogo cidade como expresso de alegria quando dachegada dosholandeses, quepresumiam fossem libert-los do cativeiro.Pelocontrrio. Depoisde verif icarem que aescravido continuava paraeles, ou, em outras palavras, continuavamno status anterior, mudaramos seus pontos devista e usaram outra linha de comportamento. Datomarem, quase sempre, posies contra osbatavos. Quandonopodiam,em decorrncia do sistema repressor instalado, usavam outras formasde protesto; envenenavam a gua das cisternas que eram usadas pelosholandeses. Pelo depoimento de dois negros que se evadiram do Recife,ficou-se sabendo "quen oArrecife morriam muitosd e enfermidades con-tagiosas, assim Flamengos, comoJudeus, e que os negros Minas haviamdeitado peonha em uma cisterna donde os Holandeses bebiam e quepor isso morriam tantos, e que os ditos negros estavam avisados entresi que nenhum bebesse daquela gua, e que os Holandeses no sabiamo de que lhes morria tanta gente, porqueos negros haviam deitado pe-onha com mu i to segredo".041 Este sigilo da parte dos Minasdeve-secertamente orientao de alguma organizao tribal, pois de outraforma no se explicaofato de todos serem avisados a fim de nomor-rerem tambm envenenadosenenhum delatar. Recm-vindos da fricano se destribalizaram completamentenoRecife. Ao se voltarem contraaqueles que objetivamente representavam para eles o senhor e o ele-mento coator imediato, usaram os valores tribais, os seus universos decomportamentoainda no violados, a hierarquia que devia haverparaquetodos obedecessem deciso dos que executaram o envenenamento. Daosilncio mantido ante a deciso tomada. De outra forma no se en-tende como esses escravos, pertencentes a diversos senhores, se manti-vessem calados, silenciosos, mudos, se no houvesse a domin-los umaconstelao de valores ainda vlida, capaz de anular as possveis diver-gncias pessoais.

    Negros qu e chegaram da frica importados pelos flamengos vindos de Angola, ao serem colocados em combate contra as tropas deHenriqueDias"viraram-se decostase deixaram aos Holandeses ss nomeio decaminho". ( 42 ) Diante da inutilidade militar desses negros Con-(40 ) Clt. por Jos Antnio Gonalves de Mello, Op. cit. p. 36/7.41) Calado, Manuel: Op,cit. p. 198.( 4 2 ) Op. Cit. p, 199.

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    gos os holandeses resolveram envi-los para a Ilha de Fernando de No-ronha,tendo sido possivelmente aquelesque se revoltaram e foramcruel-mente esquartejados. Os batavos temiam uma sublevao desses escra-vos; mandavam-nos, por isto, para a ilha distante. Mesmo assim suble-varam-se e foram violentamente exterminados.Henrique Dias participou da segunda Batalha de Guararapes, ten-do na ocasio recebidoo seultimo ferimento em campanha. Ficou en-carregado de guarnecer com os seus homensuma das alas, portando-semaisuma vez com a costumeira bravura. Depois da batalha, no maisse empenhar em atividadesmilitares de envergadura, permanecendo noseu arraial. As autoridades lusas gratificaram-no com um aumento dedois escudos mensais e 24 anuais, mais ainda a casa e os terrenos ondedurante o stio aos flamengos teve a sua estncia. Alm disso foi agra-ciado com ottulode mestre de campo.Ao qu eparece, porm, os escra-vos que lutaram ao seu lado n o foram contemplados co m aquilo qu eos levara a participar dos eventos: a liberdade. O prprio chefe dosHenriques, em 1650 queixava-se dotratamento que recebia do Mestre deCampo General Francisco Barreto, que no o tratava mais como foraanteriormente tratado pelos outros Governadores-Gerais. Talvez porestas razes e outras semelhantes, Henrique Dias partia emmarode

    1656 para Portugal a fim de ver se conseguia uma srie de reivindi-caes, sendo uma delas a alforria dos seus homens que depois de pele-jarem durante anos e anos ainda se encontravam na condiodeescra-vos. Alm de solicitar uma srie de favores pelos servios prestados,Henrique Dias pede tambm para os seus homens alis doismem-bros dos Henriques o acompanharam a Portugal mercs pelos mes-mos mritos que ele tivera na luta contra o batavo. "Por umpape l poreJeassinado" cujo original s perdeu "representou Rainhaquetendo ela em considerao os muitos servios doshomens pretos e par-dosde seu Tero lhes fizesse as mercs que estavam merecendo por seustrabalhosna guerra. E que a primeira fosse alforriar os soldados eoficiais escravos que havia na sua tropa" e que "viero para a guerrapor editaes que sepuseram pelos generaes egovernadoresque emnomedeVossaMagestade,lhesprometiam serem forros,e libertos, e com a talpromessa serviro sempre... porque se estes soldados sogeitos, no fo-rem forros, elibertos por merc de Vossa Magestade, pois tantos servi-os lhe ho feito, etornarem sogeio do coptiveiro que deantestinho,no ficar animon'elles,nem emoutrosvontade, para que havendo algumaoccazio (o que Deus nopermitta) tornem apegaremarmas. E decidaprimeiro de tudo, esta merc da liberdade dos soldados." Pedia que "se Rainha fosse servida manter em servio o Tero", lhe concedesse osprivilgios e liberdades de que gozavam os mais teros de brancos, poisseria degrande utilidade para a Fazenda Real"pois fazem menosgastosqu e os brancose no deixo n'aquellas parte de fazerem o mesmoqueelles." < >

    (43) Gonalvesde Mello , , Jos Antnio: Henrique Dias-GovemadordosPretosCrioulos e Mulatos do Estado do Brasil , Recife, 1954, p.47/48.179

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    O Conselho opinou qu e fosse conservado o Tero "emquanto n oouver ps f i rme c Olanda" e "por desta gente preta haver muita noBrazil em que acha f idelidade e so temidos dosflamengos e muito sof-fredores dos trabalhos da campanha". E quando aos soldados aindaescravos, parecia "queo modo de premiar os que serviro bem, he dar-lh e aliberdadecvontadee permisso do s seus donos,o quesendo ricos,noserdifficultoso, e pagando aos que o no forem, hu preo moderado,c qu e huns fico satisfeitos e outros se m queixas." ( 4 4 )

    Como se v,apsaexpulsodosholandeseso sescravos que sehaviamincorporado ao Tero dos Henriques, lutandoao lado dos restaurado-res, continuavam com o seu status inalterado, dependendoda permissodos seus donos ou de uma compra a baixo preo para obterem a liber-dade. Isto, porm, nada tem de extraordinrio. Pelo contrrio. Corro-bora a essncia do regime escravista. Tanto os portugueses comoosholandeses viam nos escravos uma simples mercadoria. Tanto isto verdade que aps a capitulao dos flamengos os ndios e negros quelutaram ao lado dosderrotados foram simplesmente incorporadoss fi-leiras luso-brasileiras. Os escravos que lutavam ao lado dosseus senho-res, quer de um lado, quer do outro, com a iluso de se verem livresdocativeiro, eramapenas objetose a sua participao militar, enquantoescravos, era umaobrigaoinerente ao seustatus,comocarregar canado sengenhos ou realizar qualquer outro servio de ei to. Obedeciamape-nas s ordens da classe senhorial.Por isto encontramos Henrique Dias tentando conseguir a liberdadepara aqueles que seengajaram mediante promessas de alforria. Dentrodo conjunto de interesses contraditrios que se entrechocavamn a lutapela expulso dosbatavos foi esquecido aquele que era para as demaiscamadas omenos importante: o do escravo.

    No entanto os escravos que no acreditavam em promessas, nemse subordinavam tutela militar de lderes negros que atuavam sob ocamando dos senhores deengenho ou dosflamengos, foram enchendo asmatase os caminhos, fugindo e procurando a soluo independente, queera o qui lombo. Esses no tiveram necessidade desolicitar aliberdadepois a impuseram contra a vontade das faces em luta. Aqueles escra-vos que abandonaram os engenhos e se embrenharam nas matas, cons-tituindo-se em focos guerrilheiros autnomos ou se organizando emqui-lombos, no agiam tendo em mira obter a liberdadeatravsda benigni-dade dos seus senhores; impuseram-na de forma radical contra a von-tade dosmesmos. (45) Oscontingentes decativos quecerraram fileirasao lado do s luso-brasileiros, entrando para o Batalhod os"Henriques"

    ( 4 4 ) Op. c.t. p. 49.(45) "Correm ainda alguns bandos pelo interior, que roubam tanto 0 3por-tugueses como os holandeses, mas estes so compostos de salteadores mulatos e ne.groa e no de soldados doRei . Causam contudo grande prejuzo e desassossegoa osmoradores. Escondem-se tambm nas matas e so difceis de apanhar; quando osnossos soldadoso s perseguem fogem para o mato e cada um para o seu lado" (Adr ian van der Dussen: "Relatrio sobre as capitanias conquistadas no Brasil pe-los Holandeses" R. de Janeiro, 1947,p. 132).180

    esperavam que atravs do seu sacrifcio lhes fosse concedida alforria..O que nem sempre acontecia.Tanto a classe senhorial nativa, como a mquina administrativaholandesa olhavam, por isto mesmo, de igual maneira para os escravosque serebelavam oufugiam. Tinham as mos decepadas,quando caamprisioneiros, eram enforcados, queimados vivos, esquartejados vivos,fi-nalmente sofriam de ambas as faces o mesmo tipo de represso. Osmecanismosdedefesa querdossenhoresdeengenho pernambucanos querdos membros da Companhia ou da administrao holandesa agiam damesma forma contra aqueles que com a sua posio radical solapavama economia existente. Os quilombolas eram, por istomesmo, o elementoque, dentro da redoma da economia da poca, negava-a e a enfraquecia.Por isto mesmo eram perseguidos por ambos os lados.Quando Schkoppe capitulou,em 26 dejaneiro de 1654, deixava paraossenhoresdeengenho e o aparelho estatal aqui montado enfrentarem,aquilo que foi chamado "o perigo de portas a dentro": o Quilombodos Palmares...

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    D os movimentos dos cativos contra a escravido, Palmares , porcircunstncias especiais, o mais conhecido e estudado. Foi o que maistempo d u r o u ; o que ocupou e ocupou de fato maior rea territo-rial e o que maior trabalho deu s autoridades para ser exterminado.De 1630 a 1695 os escravos palmarmos faro convergir sobre seu re-duto as atividades, os esforos e as dilignciasd osgovernantes da Co-lnia. D a histria do que foi sua existncia 65 anos em constantese sangrentas lutas at o fo lclore nos d not cias . E dos fa tos passou lenda.De fato, aproveitando-se da ocupao batava, os escravos de Per-nambuco e deoutras capitaniasvizinhas comearam a fugir docativeiro,pelos delitos e intratabilidade dos seus senhores , (1 ) em pequenos ban-dos,esparsos quase 40 negrosd a Guin do sengenhos da Vila.do PortoCalvo no incio, informa RochaPita (2 ) depois em bandos e deformaconstante, homiziando-se'nas matas de Palmares. Aproveitando-se daimpenetrabilidade da floresta, da fertilidade das terras, da a bundnci ade madeira, caas, facilidade de gua e meios de defesa da regio, fo-ram-se aglomerando e reunindo gente, juntando braos para a guerra otrabalho e formaram naquele lugar a maior tentativa de autogovernodo snegrasfora do Continente Africano. lA Repblica ficava situada segundo documento co m relao das lguerras feitas aos negros'3' numa superfcie de 60 lguas, onde seespalhavam suas cidades (mocambos) da seguinte forma: a 16 l guasde Porto Calvo f icava o mocambo do Z u m b i ; ao Norte deste, afastado '(1 ) Relao das Guerras Feitas ao s Palmares de Pernambuco no Tempodo Governador D. Pedro de Almeida, de 1675 a 1678 Apud Edison Carneiro:"O Quilombo do sPalmares , So Paulo, 1947, p. 188.(2 ) Rocha. Pita, S. da: "Histria da Amrica Portuguesa , Salvador,1950, p. 294. Apesar de citarmos aqui certos dados fornecidosp or esse historiador.sabemos perfeitamente com que reservas os devemos utilizar. Apesar de tudo, oreiiato de Rocha Pita sobre Palmares ainda um a fonte de consulta obrigatriapara os que desejam uma viso de conjunto do que foram essas lutas.(3) Relao da s Guerras Feitas ao s Palmares de Pernambucon oTempodo Governador D. Pedro de Almeida, de 1675 a 1678 Apud Edison Carneiro:O p. cit., p. 197. ss.

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    5 lguas, o doArotirene; a Leste, localizavam-se dois mocambos conhe-cidos pelo nome de Tabocas. Ao Nordeste deste, distante 14lguas, fi-cava o deDambragang-a e a 6 lguas para oNorte o deSubupira, quar-tel-generaldosnegros;ao Norte deSubupira, afastado 6 lguas, a cercareal do Macaco, capital da Repbl ica, com l .500 casas; 5 lguas parao Oeste da capital ficava localizado o mocambo de Osenga e a 9 lguasde Serinham a cerca de Amaro. A 25 lguas de Alagoas, para oNor-deste, o mocambo de Andalaquituche, alm de inmeros outros menoresqu e se espalhavam pelas vizinhanas dos mais importantes.Estabelecidos nas terras mais frteis da Capitania, comearam adesenvolver-se e aumentar de nmero. Suas roas floresciam, dandoabundante colheita. Al i plantavam mi lho (que era a base da alimen-tao) banana, mandioca, batata-doce, feijo; aproveitavam-se do cecoabundante na regio, criavam animais domsticos, aves etc. Assim ins-talada comeoua desenvolver-seaRepblica palmarina. Em 1643 eramcerca deseis mil em franca atividade no reduto.Necessitando de mantimentos, armas e mulheres, comearam a ata-car lavradores e estradas e exigir dos senhores de escravos, atravs deameaas,o de que necessitavam, tendo sempre os colonos trocado "o cabe-da l pelahonra."Ante o nmero que crescia constantemente, aumentavao perigo para os moradores vizinhos de Palmares, que ameaava inclu-sive Ipojuca, Serinham, Alagoas, Una,PortoCalvo, So Miguel, povoa-

    es que forneciam provimentos para o litoral. Assim o Quilombo dosPalmares ameaava comsuas atividadesno somente de morte e ataqueos moradores das redondezas do litoral, apossando-se de mantimentosque, da regio onde atuavam, seguiam para l e queeram: peixe, fari-nha, gado, legumes, tabaco, madeiras etc.No foi semmotivo quePalmares chegou a ser comparado aos ho-landeses. Eramos dois inimigos dePortugal; um Palmares "o deportas a dentro"; outro, os holandeses, "no sendo menores os danosdestes do que tinham sido as hostilidades daquelas". Era uma ameaaconstante ao trabalho dos colonos.Como decorrncia doaumento incessante de quilombolas e do apa-recimento consequente da agricultura, surgiu o primeiro rudimento degoverno entre eles. Foi escolhido para dirigi-los Ganga-Zumba, pelosmritos demonstrados na guerra. Era Palmares, como j foi acentuadopor Nina RodrigueseEdison Carneiro, uma imitao dosmuitosreinosexistentes na frica, onde ochefe escolhidoentre osmais capazes naguerrae de maiorprestgio entre eles. Esse reigovernou at o ano de1678 quando, havendo negociado a paz com os brancos, perdeu o pres-tgioentreseusparese foiassassinado,tendo sido substitudopor Zumbi,que passou Histria como lder incontestvel e heri de Palmares.Alm do rei, porm, a Repblicaera dirigida por um Conselhocompos-to dosprincipais chefes dosquilombos espalhados pela regio. EsseCon-selho queconstitua, ao que parece, a mais importante instncia delibe-rativa da Repblica, reunia-se periodicamente, qua ndohavia assunto deinteresse justificado e importado a paz ou aguerra etc. e funcio-nava nacapitaldePalmares,sob apresidnciado reiGanga-Zumba.Eram

    membros deste Conselho: o Ganga-Zona (irmo dorei),chefe domacambodeSubupira, segunda cidadeda Repbl i ca ; Pedro Capacaa, Amaro, Aco-ritene, Osenga,Andalaquituche e Zumbi. Nos seus repectivos mocambosessesmembros eram chefes absolutos.O aspecto material da Repblica era mais ou menos idntico ao demuitas aldeias de tribos africanas. As casas espalhadas, sem obedece-rem a nenhuma simetria, cobertas de palha ou outras matrias da re-gio. Praticavam almdeagricultura, cermica:panelasevasosdebarro,cuias -ciecocofaziam cestos, trabalhavam emcabaas, fabricavam esteiras,abanos etc. Eram polgamos:o Rei Ganga-Zumba tinha trs mulheres.Das suas atividades predatrias pela regio traziam muitos escravos,uns voluntariamente, outros fora, e que engrossavam enormemente onmero dehabitantes da Repbl ica.Osqu-evinham forados eram trans-formados em escravos que trabalhavam na agricultura. Assim se foidesenvolvendo o escravismo dentro da prpria "repblica", em conse-quncia do desenvolvimento das atividades agrcolas.Para acudir segurana de um nmeroto considervel de pessoase umterritrio to grande, necessitavam desenvolver sua tcnica militar,estabelecer um sistema defensivo eficaz qu e assegurasse o sossego do smoradores. Seu exrcito aumentou consideravelmente. Iniciaram a cons-truo de fortificaes, conf iadas , segundo parece, a um mouro que seencontrava entre eles. O exrcito era comandado pelo Ganga-Mua ebem armado. Suas armas eram arcos, flechas, lanas e armas de fogotomadas da s expedies punitivas, do s moradores vizinhos, ou compra-das. O governo, em 1670, estava ciente das "muitas e contnuas morteseassassinatosque secometema espingarda nesta Capitaniaeanexasporescravos, mulatos, forros e cativos". Nos baluai-tes construdos, oexr-cito do Ganga-Mua vigiava a segurana dos palmarinos. "Em tempode paz diz Rocha Pita nas trs plataformas que se localizavamsobre as trs portas principaisdo mocambo do Macaco, haviauma cons-tante vigilncia: era "cada h u m a p^iardada por h um dos seus capitesde mayor supposio, emais de 200soldados."(< )O quartel-general desseexrcito era o mocambo de Subupira, o nde era dada instruo militar.Essemocambo parece que era uma espcie de praa forte, toda cercada demade i r a e pedra, com mais de 800 casas. Estava completamente cer-cado de fo jos e estrepes qu e quase tornavam impossvels eu acesso.Alm do exrcito, o sistema defensivo de Palmares constitua ooutroelo de suasegurana. Consistiaem"huma estacada deduas ordensde paos lavrados em quatro faces, dos mais rijos, incorruptveis e gros-sos.'" (5> A defesa principa l da capital era a famosa cerca quetinha2.470 braas, trs portas guarnecidas por plataformas, alm de fo jos enormes buracos contornando-a internamente e estrepes feitos deferro que impediam a marcha dos exrcitosatacantes.J havia Palmares assumido nessa altura grandes propores. Suapopulao fo i calculadaem 20.000 habitantes e seus domnios se esten-diam por um paralelogramo de cerca de 27.000 quilmetros quadrados.

    (4 ) Rocha Pita, S.: Op. cit., p. 299.(5 ) RochaPita, S. : Op. cit., p. 299.186 187

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    Aindasob odomniodosholandesesserorganizada aprimeira "en-trada" contra Palmares. Partir em 1644aexpedio punitivaqueini-ciou asrie decombates aosquilombolasdurante aocupaobatava. Fbcomandada por Rodolfo Baro. Depois de vrios dias deviagem, chega-ram os holandeses regio habitada pelos ex-escravos, travando com-bate. Durante a refrega saram feridos 4 homens da expedio. Umfo i morto pelos palmarmos. Os negros perderam maior nmero de ho-mens, tendo sido aprisionados 31, inclusivealguns mulatos e ndios. Osholandeses regressaram, pensando que com esse primeiro combate ha-viam destrudoo que chamavamos Palmares grandes.

    O certo que em 1645 (26 de fevereiro) os holandeses viram-se nacontingncia de enviar nova expedio punitiva comandada por JooBlaer em face do recrudescimento das atividades dos negros. No sa-bemosao certo o nmero de homens que a compunham, mas tudo leva aacreditar que era bem maior que a anterior. Partiram de Pilar e dir i-giram-se para as matas ondese encontravam os negros. Andaram ato dia 28 defevereiro sem nenhum acontecimento de monta, tendo nessedia apenas encontrado grande nmero demundus, denunciadorda pro-ximidade dos quilombolas. No dia 3 de maro oscomponentesda expe-dio, a essa altura comandada por Rei jmbach (Blaer retrou-seno dia2 demaro dandopartede doente), acamparam junto a um rio denomeSabo. No dia 6 reencontraram os que foram levar o Capito Blaer"a 5 milhas doengenho de Gabriel Soares, no lugar chamadoBarra doPargavo". Continua penosamente a marcha da expedio at o dia 18,quando chega ao "Oiteiro dos Mundus. ou monte de armadilhas, por-quantoem cima dele havia bem 50 ou 60" e a uma milha adiante topouco m uma plantao dos negros com algumas "pacovas verdes", atraves-sando da por diante roas dos qui lombolas: "um denso canavial naextenso de _ duas milhas". Foram ter em seguida ao chamadovelhoPalmares, stio abandonado pelos escravos fugidos. Os holandeses en-contraram um mocambo com "meia milha de compridoe duas portas.A rua era dalargura de umabraa, havendono centro duascisternas;um ptio onde tinha estado a casa do seu rei fora transformado em umgrande largo no qua o rei faziaexerccio com sua gente." Acharamduas ordens depaliadas ligadas por travesses,tudo abandonadoe co-berto de mato. As tropas marcharam cerca de milha e meia por entreroas abandonadas,acampando em uma delas onde ainda havia quanti-dade de bananas suficiente para matar-lhes a fome. Adescansaram ereiniciaram a marcha nooutr dia (19) para outro Palmares, tambmabandonado, "onde estiveram os quatro holandeses, combrasilienses etapuias":certamente aexpediode Baro. Esse qui lombo tambm esta-va abandonado, pelo que osholandeses continuarama marcha, andandomais trs milhas,pernoitando nas margens de um riacho. Seguiram nooutro dia para a frente, encontrando da por diante comfrequncia mo-cambos e quilombolas. Finalmente, no dia 20 depois de 25 dias demarcha, portanto chegaram regio habitadapelos ex-escravos, ama-nhecendo o -dia 21 de maro s portas do grande quilombo. Defronteda porta principal, "dupla e cercada de duas ordens de paliadas, comgrossas travessas entre ambas" postaram-se os expedicionrios, inves-188

    t indo em seguida para arromb-las violentamente. No lado interno dacerca havia um fosso cheio de estrepes onde caram dois homens datropa. Quase no havia gente no qui lombo: declararam os prisioneirosestar orestante dosex-escravosno mato caando ou plantando. ORei,avisadoda aproximao das tropas, havia tambm fugido. Os holande-ses aprisionaram um ex-escravo com a mulher e o filho, e mais umanegra. Outra encontrada no qui lombo foi degolada por um dos solda-dos da expedio.Essemocambo possua 220casas. Erguia-se umaigre-ja nomeio,a casadoConselhodoRei, almdequatrofojos. Foram encon-tradasaindaroasdemilho novo, azeitedepalmeiraeobjetosdeut i l idadedos quilombolas. A populaoseria de 1.500 habitantes, sendo 500 homense orestante mulheresecrianas.Imed ia t amente fo i enviado um sargentoc om v in t e ho mens para pren-der o Reique, segundo informaes obtidas, seencontravaem uma casaduas milhas distante do local em que se achava a expedio. A batidafoi, porm, infrutfera, pois o Ganga-Zumba evadiu-se de l tambm aosaber da aproximaodas tropas. Nooutro dia,22, ainda deram umabatida nas matas sem proveito algum, alm de prenderem uma negracoxa, que deixaram por no poderem transport-la. Depois disso, incen-diaram todas as casas domocambo e dos viz inhos , almde se apodera-rem de grande quantidade de vveres. Excluindo-se alguns escravos des-garrados, nada mais encontraram. Oresto, foi alongaviagem davolta.Essa segunda expedio punitiva deve ter produzido umaexacerba-o de nimo nos ex-escravos. Parece que reiniciaram as atividades naregio, atacando fazendas. Contudo, somente depois da restaurao qu e encontramos notcias de novas atitudes repressoras sob a dire-o, portanto, de autoridades portuguesas. Vrias investidas depequenarepercusso e efeitosero feitas contra Palmares. Ao todo segundoEdison Carneiroq ue pesquisou exaustivamente oassunto teriam sido16: duas durante o domnio holands e as restantes j sob o tutela deautoridades portuguesas. < 6 > Se tomarmos como base as pesquisas deEdison Carneiro, passaram-se vinte e dois anos at que outra expedioseguisse para combater os quilombolas, tempo que achamos excessiva-mente longo. O que devemos acreditar que h um perodo sobre o

    (6) Edison Carneiroa fi rma ter sido em nmero de 16a s expedies enviadascontraPalmares, na seguinte ordem: Rodolfo Baro, 1644 e JooBlaer, 1645. Liieo-brasileiras: Zenbio Accioly de Vasconcelos, 1967; Antnio Jcome Bezerra, 1672;Cristvo Lins, 1673; Manuel Lopes, 1675; Ferno Carrilho, 1677;Gonalo Moreira,1679; AndrDias, 1680;Manuel Lopes, 1682; Ferno Carrilho, 1686; Domingos Jor-ge Velho,1692 e novamente em 1694.O documento "Relao das Guerras Feitas aosPalmares de Pernambuco no Tempo do Governador Pedro de Almeida, de 1675 a1678" to citadoneste captulo, d umtotal de 25 ent radas at o ano de1677,nume.ro que Edison Carneiro acha exagerado,reduzindo.o para 16. Nina Rodrigues, ba-seado no mesmo documento e no trabalho dePedro Paulino da Fonseca, que por seuturno usara a mesmafonte, consagra como realo nmero que EdisonCarneiro achaexcessivo por diversas razes. O certo porm que nenhum nmero pode sercon-siderado definitivo po r falta de documentos capazes de d ir imir as dvidas de umavez por todas e estabelecer uma opinio definitiva sobre a questo. No presentecaptuloreferimo-nos s principais expedies.

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    Subupira, jun tamente co m seus lugares-tenentes, a fim de se defenderdo a taque "em forma debatalha."No dia 9 de outubro partiu a expedio para o mocambo Subupiraonde travaria combate com as tropas palmarinas . Chegando defronte dacerca, Ferno Carrilho enviou 80 homens para um exame preliminarda regio e inteirar-se da verdadeira situao da cerca. Voltaram co m

    a notcia de que os quilombolas haviam mais uma vez incendiado suascasas e que "s as cinzas eram demonstrao de sua grandeza." Emvista da fuga dos negros, deliberou Ferno Carrilho formar arra ia l nostio, batizando-o com o nome de Bom Jesus da Cruz .Em seguida enviou emissrios solicitando reforos e destacou umatur ma para d ar batid as nas redondeza s. As deseres, porm, se suce-diam nas fileiras dos atacantes. Vinte e cinco membros fogem. Diasdepois o nmero de deseres cresce para c inquenta . Ferno Carrilhoviu-se reduzido a cento e vinte homens. Noarraial permaneceu a expe-dio, aguardando os socorros que vieram pouco depois: vinte soldadospagos, sob o comando do Sargento-mor Man uel Lopes, j conhecedor daregio em expedies anteriores.As batidas se sucederam; Ferno Carrilho enviou 50 homens paracapturar cativos por perto "os quais seguindo uma trilha que descobri-ram tiveram um famoso encontro com os negros que estavam juntos ."

    Travou-se o combate; foi uma grande derrota para os palmarmos, queperderam considervel nm ero de guerreiros, sendo aprisionados 56.Nesse combate, travado quase que por acaso, caiu prisioneiro o Ganga-Mua "grande corsrio soberbo e insolente", chefe dos exrcitos palma-rmos e mais os "capites deguerra" do rei : Joo Tapuia, Ambrsio eGaspar. O rei conseguiu fugirAnimados co m esse sucesso, prosseguiram os homens de FernoCarrilho dando batidas constantes na s matas. Tend o notcias de que oRei Ganga-Zumba se encontrava com Amaro no seu qui lombo a 9 lguasde Serinham, marcharam, imediatamentepara l, atacando-o, realizandoum "notvelestrago", apr is ionando 47negras forras, alm deunia mula-tinha f i lha natural de um importante de Serinham, raptada pelos ex-escravos. Prendem a inda dessa ve z i nmeros membros importantes doqui lo mbo : dois filhos do rei (Zambi eAca iene) , a lmd e netose sobrinhosque caram em poder da s tropas legais. Nesse combate o rei perdeu umfi lho (Toculo) qu emor reu,e um cabodevalimento entre eles :Pacassa. O

    re i fugiu mais um a vez, deixando no campo um a espada e uma pis toladourada. Feriu-se durante a luta .Ferno Carrilho, porm, no descansou nem deu trguas aos quilom-bolas e enviou ao seu encalo 50 homens e 4 capites que no encon-tram o rei. Ajpenas um a tropa de quilombolas atemorizada com os re-veses, sem destinocerto, foi encontrada, com ela travando combate: unsmorreram, outros caram prisioneiros. A ofensiva de Ferno Carrilhono esmorece: batidas constantes so dadas na s matas, negros aprisio-nados frequentemente. Tamanha foi a matana, incndios e prises, qu eFerno Carrilho deu por esmagado o Quilombo do s Palmares ; extermi-

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    nados osqu ilombolas , retirou-se cheio de glria para Porto Calvo, ondefoi recebido festivamente, assistindo missa solene om ao de graas.Ent re os prisioneiros feitos por Ferno Carri lho, encontrava-sc umnegro de nome Matias Dambi, sogro de um dos filhos do rei e umanegra chamada Madalena. Os portugueses mandaram-nos, ento, devolta a Palmares com ordens de rendio sob pena de perderem os qui-lombolas "suas relquias e rei", serem atacados e esmagados em seguida.Ainda nem bemFerno Carrilho havia terminado de comemorar aex t in-o do reduto, chegavam informaes de que um grupo havia entradoem choque com um destacamento de Francisco Alves. Outra s esca ramu-as se sucediam nas matas entre ex-escravos e senhores.D. Pedro de Almeida mudou de ttica e enviou um al feres ao localem que se encontravam os palmarmos, industr iado para dizerq ue todosos sobreviventes do qui lombo seriam exterminados caso no quisessema paz com os senhores de escravos da regio e ogoverno; se sesubme-tessem, porm, veriam respeitados seus direitos, ser-lhes-iam fornecidasterrase devolvidas as mulheres apresadas pelos portugueses. Feito isso,ficaram aguardando os acontecimentos.

    O Re i Ganga-Zumba parece que no aguentou, com o n i mo qu e ascircunstncias exigiram, os golpes e as derrotas. Via a ma ior i a do s seusprincipais capites morta ou aprisonada; o Ganga-Mua, seus filhosZambi, Acaiene, Toculo, netos e sobrinhos aprisionados ou mortos emcombate; os cabos-de-guerra mais afamados j vencidos pelo adversrio;as principais cidades da Repblica, destrudas pelas tropas invasorasou incendi adas pelos prprios palm arino s; suas rocas devastadas pelasexpedies sucessivas enviadas contra eles; o Q.G. da Repblicaarra-sado em 1677 pelas tropas de Ferno Carrilho e ele prprio fer ido emum dos combates.Nessa situao o Rei Ganga-Zumba, em face do s oferecimentos depaz dos portugueses, achou vantajoso en tender-se com eles, negoc ian-do-a. Resolveu enviar um a emba ixada pa ra acorda r a paz com o go-verno. Era composta de trs de seus filhos e mais doze pa lmar inos .Isso no ano de 1678.Recebidos por D. Pedro de Almeida, manifestaram seus desejos pa -cifis tasassim como do Rei Ganga-Zumba. O Governador Aires de Sousa,a quem foram em seguida remetidos, recebeu-os com manifestaes debenignidade e regozijo, mandando dar-lhes roupas e "fitas vrias." O senviados do Rei Ganga-Zum ba foram igreja , ass is tindo missa soleneem ao de graa. Reuniu-seem seguida o Conselhod o Governador, fi -cando assentado qu e estava aprovada "a petio do rei dos Palmares ,em que pedia paz, liberdade, stio, e entrega das mulheres", e estabele-cido qu e "lhes dessem para vivenda o stio que eles apontassem, e a pazpara a sua habitao, e plantas ; que se assentasse a paz ; e que o re ise recolhesse a habitar o lugar determinado; qu e fossem livres os nas-cidos nos Palmares ; que teriam comrcio, e trato com os moradores." < "(9 ) Idem, idem, p. 2 0 5 .

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    Tudoescrito, foi entregue aos palmarinos que regressaram, f icandoum dos fi lhos dorei, por doente.Imediatamente foi comunicado ao ConselhoUltramarino o pacto se-lado com os ex-escravos, tendo, porm, o acordo recebido daquele rgoa mais formal desaprovao. Isso porque dizia aquele Conselho emdespacho comunicao "a experincia tem mostrado que esta pr-tica sempre um meioengano e ainda pelo que toca a nossareputao"e " vista com eles ficamos com menos opinio pois isto so uns pretosfugidos e cativos. (10)Reao de desaprovao semelhante verificou-se em Palmares. Oschefes mil i tares de maior prestgio colocaram-se contra o acordo e, de-pois de discutirem o assunto, resolveram desrespeit-lo, executar o reie entregar a direo de Palmares ao Zumbi, sobrinho do rei, elementonovo e de "grande valimen