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    Biblioteca Breve

    SRIE LITERATURA

    O MOVIMENTO NEO-REALISTAEM PORTUGAL

    NA SUA PRIMEIRA FASE

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    COMISSO CONSULTIVA

    FERNANDO NAMORA

    Escritor

    JOO DE FREITAS BRANCOHistoriador e crtico musical

    JOS-AUGUSTO FRANAProf. da Universidade Nova de Lisboa

    JOS BLANC DE PORTUGALEscritor e Cientista

    HUMBERTO BAQUERO MORENOProf. da Universidade do Porto

    JUSTINO MENDES DE ALMEIDA

    Doutor em Filologia Clssica pela Univ. de Lisboa

    DIRECTOR DA PUBLICAO

    LVARO SALEMA

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    ALEXANDRE PINHEIRO TORRES

    O movimentoneo-rea l i s taem PortugalNA SUA PRIMEIRA FASE

    MINISTRIO DA EDUCAO

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    Ttulo

    O Movimento Neo-Realista

    em Portugal na sua Primeira Fase_______________________________________

    Biblioteca Breve / Volume 10_______________________________________

    1. Edio19772. Edio1983_______________________________________Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaMinistrio da Educao_______________________________________

    Instituto de Cultura e Lngua PortuguesaDiviso de PublicaesPraa do Prncipe Real, 14 - 1., - 1200 LisboaDireitos de traduo, reproduo e adaptaoreservados para todos os pases_______________________________________

    Tiragem3 500 exemplares_______________________________________

    Coordenao geralBeja Madeira_______________________________________

    Orientao grficaLus Correia_______________________________________

    Distribuio comercialLivraria Bertrand, SARL

    Apartado 37, AmadoraPortugal_______________________________________

    Composio e impressoOficinas Grficas da Minerva do Comrcio

    Tr. Oliveira Estrela, 10_______________________________________

    Junho 1983

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    NDICE

    Pg.

    Nota necessria................................................................................6

    1. Do problema de atribuir fases ao Neo-Realismo ..........................7

    2. Do socialismo utpico da gerao de 70 e da dissidnciapresencista ao estabelecimento de pressupostos ideolgicos doNeo-Realismo ........................................................................... 17

    3. Alguns acontecimentos e livros que influenciaram o surto doNeo-Realismo ............................................................................ 31

    4. Alguns pontos fulcrais da polmica entre neo-realistas epresencistas................................................................................. 41

    5. Propostas tericas bsicas do Neo-Realismo............................... 54

    6. Manifestaes poticas e em prosa de fico do Neo-Realismoat ao fim da primeira fase...................................................... 66

    Bibliografia seleccionada...........................................................109

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    NOTA NECESSRIA

    Foi nossa inteno, neste estudo, tentar umareconstituio seleccionada (logo, abreviada) do que tersido o Neo-Realismo portugus na sua primeira fase(meados da dcada de 1930 a 1950). Dentro daslimitaes de espao impostas pelas caractersticas dacoleco em que este livrinho se integra, seria impossvelcitar tudo. Foi, alm disso, nosso propsito recorrer,sempre que praticvel, aos depoimentos da poca, oulanar mo de opinies que reputamos derepresentativas, primeiro para dar ao leitor a sensao deuma histria literria que se vai fazendo, segundo paraque ele ficasse com uma ideia, ainda que incompleta, dareaco de alguns crticos de envergadura a livros queforam eles que impuseram ou ajudaram a impor. Aanlise das obras literrias neo-realistas s em algunscasos (muito poucos) fica esquematizada. No seriapossvel ir mais longe pelo motivo, j referido, darestrio de espao para tal manobra.

    A.P.T.

    University CollegeCardiff

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    1. DO PROBLEMA DE ATRIBUIR FASESAO NEO-REALISMO

    A proposta do ttulo O Movimento Neo-Realista emPortugal na sua Primeira Fase, no sendo daresponsabilidade do autor mas de quem planeou acoleco, levanta desde logo um problema para quem sedisps a aceit-lo, e a redigir o texto que lhe devacorresponder. Que problema? O definir qual seja essaPrimeira Fase, quais os seus limites cronolgicos

    a

    hav-los e como determin-los (problema delicadssimo)ou o esprito especfico que o ter caracterizado, emcontraposio ao de uma Segunda ou Terceira Fasesque, em princpio, devero ser estudadas pelo ensasta aquem foi incumbida a misso de redigir a Evoluo do

    Neo-Realismo.Tem-se aceitado, com mais ou menos dogmatismo,

    que, a partir de certa altura, por volta do fim da dcadade 40 ou princpios da dcada de 50, ou mesmo em1950 (exactamente), surgiu uma nova fase dentro doNeo-Realismo no nosso pas, fase essa em que novosvalores se revelaram, alheios ao furor polmico ou aopropsito doutrinrio dos ltimos anos da dcada de 30,em que, com boas razes, se pode considerar fixado osurto do Movimento.

    Devemos dizer que o nosso acordo quanto possibilidade de lhe atribuirfases (oua data de 1950paralimite da primeira) menos que absoluto. Podemosaceit-las apenas de um ponto de vista estritamenteescolar, mas, como adiante se ver, nada h na talevoluo do Neo-Realismo que j no estivesse contidona teorizao e prtica neo-realistas da Primeira Fase.Afirmamos, pois, que a natural evoluo do Neo-

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    Realismo, a sua fase adulta (digamos assim), no se fez custa de quaisquer novos pressupostos ideolgicos hiptese impensvel e de rejeitar por no resistir aqualquer anlise sria nem se fez sequer custa deuma atitude esttica totalmente nova, nem at de menorinteno polmica ou doutrinria. E se frisamos esteaspecto porque se tem considerado como fim daPrimeira Fase aquele perodo em que os autores jconsagrados do Neo-Realismo (ou os que lhe iamenriquecer as fileiras) teriam finalmente despertado paraa urgente necessidade de considerarem, antes de maisnada, os seus trabalhos literrios como obras de arte,atentos, por fim, ao primado do esttico, embora noabdicando dos princpios ideolgicos de que o Neo-Realismo e ser sempre inseparvel enquanto existirou pretender subsistir como tal; e, para j, a Ideologiaque o informa encontra-se dinamicamente viva.

    Encontramo-nos, pois, do lado de Mrio Dionsio(desde sempre o terico de maior vulto do Movimento,pela slida formao cultural e artstica que caracteriza oseu mestrado crtico) quando, em 1955, ao acusar osdetractores do Neo-Realismo que deste se compraziamem salientar apenas os dogmas, as receitas, e oprimarismo de viso, declara:

    Com olhos embaciados, ei-los a registar o fracasso dacorrente em que haviam posto to entusiasmadas quosilenciosas esperanas, a denunciar o equvoco fatal,embora com a relativa consolao de poderem aplaudir amos ambas o aparecimento de urna segunda cauda deescritores neo-realistas, mais novos, menos equivocados e

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    teimosos, cujos progressos, como transparente, se tornammais patentes medida que se afastam do Neo-Realismo. 1

    Este afastam realmente perturbador, constituindo ouso do verbo atestado suficiente de estreiteza crtica daparte de quem o ia utilizando, pois implicava que s sepudesse considerar como obra neo-realista toda aquelaque fosse exemplo inequvoco e insofismvel deexibio bem explcita dos tais dogmas ou receitas e

    que sobretudo enfermasse bem claramente deprimarismo de viso. Logo que o escritor, por virtudedo seu talento, ultrapassasse estas limitaes, afastava-sedo Neo-Realismo. contra esta abusiva injustia,claramente demonstradora de absoluta desonestidadeintelectual, que se revolta Mrio Dionsio. 2

    A haver uma Primeira Fase e podemos aceitarapenas provisoriamente que a h ela s pode serdefinida em funo de uma certa nfase dada ao assunto, urgncia e brutalidade de o transmitir na sua nudez eimediatismo, por um certo nmero de figuras eminentesdo Movimento, como o fez polmica e

    doutrinariamente Alves Redol. Na verdade, o livro quese tem considerado a baliza inicial do Neo-Realismo, oromance Gaibus, de 1939, 3exibe a seguinte epgrafe:

    Este romance no pretende ficar na literatura comoobra de arte. Quer ser, antes de tudo, um documentriohumano fixado no Ribatejo. Depois disso, ser o que osoutros entenderem.

    Mais tarde (1965), no prefcio 6. edio do mesmolivro, o prprio Redol quem faz o balano do talprimarismo de viso que to doutrinariamente

    hasteara como bandeira vinte e seis anos antes:

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    H em todo o romance (um)a impetuosidade desregrada

    (...). Os lineamentos de transposio do temacorrespondem ao que havia de linear na prpria realidade.S por um lado, evidente. Porque no outro se reflectia sescncaras a falta de aprofundamento dialctico dessamesma realidade nas suas contradies (...). To aguerridabatalha pelo contedo em literatura parecia urgente a todosos jovens que ansiavam plantar os alicerces para um novo

    tipo de cultura extensiva s grandes massas ausentes daactual, preparando pelo alargamento quantidade a snteseposterior da qualidade. 4

    Esta auto-anlise no fazia mais do que confirmar asdeclaraes que, em 31 de Janeiro de 1958, prestara aum entrevistador do Diriode Lisboa:

    Gaibuse Fangano perodo do Neo-Realismo em que oprimado do social, valorizado por necessidade polmica no se esquea que nos batamos contra os partidrios daarte pela arte esbatia as determinaes individuais, asparticularidades psicolgicas, os tipos, os caracteres, as

    paixes humanas.... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...A literatura comea quando a obra escrita uma obra

    literria. 5

    O Neo-Realismo, porm, que se queria fazer, aqueleque se foi largamente doutrinando durante muitos anos,o Neo-Realismo ideal, no pressupunha como dogmaqualquer obscura separao entre a forma e o contedo, oque j claro, por exemplo, na crtica severa, desde oponto de vista estilstico, que Mrio Dionsio dedica aJorge Amado nos n.s164, 165 e 167de O Diabo, de 14 e

    21 de Novembro e 5 de Dezembro de 1937,

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    respectivamente. Estes textos de 1937 so at muitoimportantes porque no primeiro da srie se chega aconcluir:

    No tambm pelo ponto de vista poltico que a suaobra (a de Jorge Amado) nos interessa. (Devemos aquidizer que no nos interessa nada o ponto de vista polticoem arte)...

    Juzo que Mrio Dionsio qualificar em importanteartigo, tambm em O Diabo (S.O.S. Gerao emPerigo), n. 248 de 24 de Janeiro de 1939:

    ... Nunca algum disse que queria uma arte panfletria.Nunca algum disse que se pretende impor ao artista estese aqueles temas e proibir-lhes outros....

    ... quando se fala da arte humana no se quer dizerhumanitria (...) quando se pretende uma ate til no sepense em utilidade imediata (...) quando se advoga umaarte social no se quer dizer poltica no arte...

    E do segundo artigo so de realar as seguintesafirmaes:

    Nota-se que o autor (Jorge Amado) partiu de uma ideiapoltica para chegar aos homens...

    ... Temos a noo a cada passo de estar a ler umpanfleto documentrio. Trata-se de documentar umaopinio (...). Ora um romance no deve ser um discurso deparlamento, qualquer coisa como uma grande tiradaretrica, salvo as devidas distncias. Carl 6exps justamentea opinio de que quanto mais forado for o intuito do autormenos convincente ser a obra (...). Parafraseando, aliteratura panfletria parece-nos uma doena infantil daliteratura social.

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    A nfase na mensagem poltica, como recado bvio,

    o que o ensasta condena. Alis, em Cacau(1933),JorgeAmado afirmava em epgrafe (que inspirar meia dziade anos depois a que Redol inscreve no prtico deGaibus):

    Tentei contar neste livro, com um mnimo de literaturapara um mximo de honestidade, a vida dos trabalhadores

    das fazendas de cacau do sul da Baa.Ser um romance proletrio?

    Mrio Dionsio no poder concordar com estasposies estticas de Redol ou Amado. Ele, o maisliberal, o mais esteticamente consciente teorizador doNeo-Realismo, afirmar mesmo esta coisa corajosa noambiente cerrado de polmicas de fins dos anos 30 edos primeiros anos da dcada de 40:

    Parece-nos (...) acanhado considerar a arte, mesmo amais subjectiva (o que nos parece bem diferente de

    impermevel ou inatingvel), intil ou perigosa.7

    Tal afirmao vai mesmo contra o esprito dapolmica entre presencistas e neo-realistas que adiantebrevemente referiremos.

    Para j, queremos salientar apenas que, nos seusmomentos de maior lucidez terica, longe daconfrontao com os escritores da Gerao de 1927 (aque se convencionou chamar a do SegundoModernismo Portugus, ou simplesmente gerao daPresena) no h qualquer proposta de dogmas,receitas ou primarismos de viso. Mrio Dionsio,

    ainda muito jovem,8

    colocava-se em posio

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    extremamente aberta, secundada alis por grandenmero de escritores neo- desta Primeira Fase, dosquais se devem destacar, pela recusa frontal do cnonedogmtico, homens como ele prprio, FernandoNamora, Joo Jos Cochofel, lvaro Feij, PolbioGomes dos Santos, Verglio Ferreira, Manuel daFonseca, e, sobretudo, Carlos de Oliveira.

    Em 1943, o mesmo ensasta insistia numa crtica aoprimeiro livro de Sidnio Muralha, Beco (1941):

    Forma e contedo so elementos inseparveis (...)Penso, como Andr Spire que a poesia no , emprincpio, uma maneira de cantar, mas uma maneira especial de

    pensar. Uma composio ser pois poesia, ou no, no poraquilo que exprime, mas pela maneira como o exprime, oque no contraditrio, como primeira vista parece sepensarmos que o como o exprime j consequncia bemdirecta, completamente consequncia, de como se pensa. 9

    Tal atitude perante a arte, tal forma de teorizar,explicam o desabafo de Mrio Dionsio de 1955 na

    revista Vrtice.10

    O ensasta recusar, portanto, aspossveis distines Primeira Fase Segunda Fase,conforme se pode ainda ver pela declarao:

    ... esta fase, que se pretende bem morta e enterrada, danossa literatura contempornea, este pobre realismo, frutode mentalidades primrias ou, na melhor das hipteses,tristemente ludibriadas, continua a constituir a obsessodos seus solcitos coveiros. Vemo-lo hoje, mais do quenunca, zurzido, alfinetado, falsamente estudado, apropsito e a despropsito, em todos os tons e nos maisdiferentes lugares. Que morto este que continua ainsinuar a sua incmoda presena no mais pequeno artigo

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    de tantos teorizadores que lhe decretaram o bito, tantas etantas vezes, desde o seu aparecimento? 11

    Em que argumento basear, pois, a distino defases? No nico possvel: no da aceitao de que aPrimeira Fase seria a de assentamento de posiestericas, inclusivamente o perodo em que foi necessriodecretar que o desprezo daforma no poderia constituir-se em plataforma esttica aceitvel, mesmo a curto prazo,

    para o Neo-Realismo. A verdade esta: se algum toeminente como Alves Redol inaugurava o novoMovimento com um livro como Gaibus onde se estatui,preto no branco, que no pretende ficar na literaturacomo obra de arte, declarao que, j se viu, reiteravauma outra de Jorge Amado expendida em 1933,algumdeveria acordar escritores assim polmicos para arealidade insofismvel de que, para uma obra pertencer Literatura, precisaria de nela haver a procura dumaforma que possuisse significado por si prpria. Tal sero apostolado de Mrio Dionsio, embora este, na suamisso de esclarecimento esttico, estivesse longe de se

    encontrar desacompanhado. 12Aceitemos, porm, provisoriamente, que a Primeira

    Fase do Neo-Realismo seja para utilizar a expressode Alves Redol no prefcio 6. edio de Gaibus ada aguerrida batalha pelo contedo em literatura, aqual, segundo nos afirma, parecia urgente a todos osjovens que ansiavam plantar os alicerces para um novotipo de cultura extensiva s grandes massas ausentes daactual, preparando pelo alargamento quantidade asntese posterior da qualidade, 13 e aceitemos aarbitrariedade da data do seu termo: 1950.Esta nossaaceitao reforce-se feita sob a mxima reserva,

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    pois no corresponde a qualquer realidade palpvel. que a batalha pelo contedo a que se refere Redol nose poder separar, para outras grandes figuras do Neo-Realismo, de uma batalha pela forma. E isto desde oprimeiro momento em que lanaram mo da pena.

    No ignoramos, aqui, que um estudioso do Neo-Realismo como Mrio Sacramento (1920-1969),no seulivro Fernando Namora prope um critrio de divisoentre Primeiro Neo-Realismo e Segundo Neo-Realismo. Parece-nos, todavia, inaceitvel. Diz-nos eleque a passagem se opera (e exemplifica com Namora)quando o autor dos Retalhos da Vida de um Mdico passa aviver em Lisboa:

    Posteriormente, conduzindo a sua carreira de mdicorural pelas regies que lhe pareceram mais propcias apreenso dos problemas bsicos do povo portugus, vir acriar uma galeria de personagens em que no o nmeroou a variedade que contam, mas a exemplaridade ou oenquadramento especfico. Concludo este ciclo, a sua transio

    para a cidade vir coincidir, como veremos, com a passagem do

    primeiro paraosegundo Neo-Realismo.14

    Mrio Sacramento acrescentar no captulo OSegundo Neo-Realismo que a inverso se opera com oromanceMudana (1950)de Verglio Ferreira. Ora tantoa tese de que a passagem do ruralpara o citadino marca aseparao entre as duas fases, como a deMudana poderservir de baliza so ambas apressadas e destitudas dequalquer fundamento srio. O Dia Cinzento de MrioDionsio, publicado em 1944, era j um livro citadino.Ora como diz a bem urdida nota annima da lombadada reedio de 1967:

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    (...)O Dia Cinzento j ento apresentava a novidade deopor a ambincia urbana ao ruralismo e de utilizar, naefabulao dos seus novos temas, a tenso e a ironia, aanlise psicolgica e um determinado intelectualismo at ainexistente, por vezes um hermetismo que coincidia com abusca de um estilo pessoal e desenvolto que procuravaresolver-se em aco. Com este livro, Mrio Dionsiodemonstrou, h vinte e trs anos, como possvel criarobra neo-realista atravs de processos subjectivos, nosendo, por isso, menor a humanidade dos casos nelatratados e das personagens que os vivem.

    Alis, Anncio de Alves Redol, livro de 1946, tambm um romance de ambiente citadino, devendoacrescentar-se que os romances de Carlos de OliveiraCasa na Duna (1943) e Pequenos Burgueses (1948),ouFuga(1945)de Faure da Rosa so, desde o incio, livros emque o momento do subjectivo to ou maisimportante que o de qualquer mero objectivismo, o qualnem sequer foroso que tenha de ser sempre tosuperficial. Nestas obras no , alis, do campesinatoque se fala, mas da alta classe mdia ou da classe mdiapossidentes da provncia, no caso de Carlos de Oliveira,onde o atributo rural se carrega de caractersticassignificativas muito mais amplas do que aquelas a queMrio Sacramento parece fazer referncia no seu livro.No caso de Faure da Rosa mesmo a burguesia dacidade e seus problemas. Mudana (1950) de VerglioFerreira no qualquer abertura para um segundo Neo-Realismo. antes um corte com o Movimento. Asaberturas j se encontram postuladas desde o incio doMovimento, e quanto ao romance, pelo prprioNamora, e, sobretudo, por Dionsio e Carlos deOliveira. O que no quer dizer que em certos romances

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    neo-realistas de Namora no se notem preocupaesexistenciais, possivelmente atravs de Verglio Ferreiraque se torna, esse sim, a partir de 1950 no campeo doexistencialismo em Portugal.

    2. DO SOCIALISMO UTPICODA GERAO DE 70 E DA DISSIDNCIAPRESENCISTA AO ESTABELECIMENTODOS PRESSUPOSTOS IDEOLGICOSDO NEO-REALISMO

    A aceitao possvel de um Primeiro Neo-Realismodepender ento de podermos fundament-lo atravs dorealce que for de justia atribuir aos aspectosdenunciados por Alves Redol na citada entrevista de1958:15o primado do social, valorizado por necessidade polmica.

    Polmica contra qu? Pois, no plano literrio, ela spoderia estabelecer-se contra aquele tipo de literatura ouautores que se haviam consagrado e estes eram os darevista Presena (1927-1940) e no s consagradocomo se haviam tornado no novo establishment. No queo movimento Presena no tivesse exercido, a seu tempo,uma aco bem eficaz contra o velho establishmentacadmico dos Dantas, Joaquins Leites e Anteros deFigueiredo que completamente desmoronou. Aco totil e sanitria que um dos arautos do Neo-Realismo,Joaquim Namorado, passar-lhe-ia no h muitos anos(esquecido o furor polemizante anti-presencista), oseguinte atestado de justia:

    a Presena liquidara de vez o academismo, a literaticeliterria, em que descambara quer certo simbolismo

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    dessorado, quer um naturalismo invertebrado e seminformao. A Presena arvorara a bandeira de umaliteratura viva, combatera pela liberdade da criaoartstica, derrubara tabus, destruira preconceitos, trouxeraao seu pblico o convvio de Proust, de Joyce, de ThomasMann, de Gide, opusera a uma realidade que no aceitava,o isolamento na torre de marfim, o no vou por a, oindividualismo, a introspeco, o subjectivismo, e, comonica verdade na arte, a predominncia dos valoresestticos. 16

    A verdade, porm, que do seio da Presena j haviamsurgido dissidentes contra ela, Miguel Torga,Edmundo de Bettencourt e Branquinho da Fonseca,homens do grupo, os quais se revoltavam contra o tiponico de liberdade 17 que os mestres da revistapareciam querer impor. Branquinho da Fonseca chegamesmo a sair da direco da clebre folha coimbr. 18Aciso era devida ao facto de a revista haver cado emnova espcie de academismo: tal a acusao bsica que osdissidentes lhe dirigiam. Mas as razes seriam maisprofundas. Iriam contra a prpria bandeira arte pelaarte e inutilidade da arte hasteada pelos seus maistenazes corifeus. Numa entrevista de 1944, Edmundode Bettencourt que, com Branquinho da Fonseca,recusara em 1939 o apelo de Jos Rgio de regressar aoredil 19declarava a Joo de Brito Cmara, entre outrascoisas:

    Enquanto que o momento para a gerao da Presenacria o interesse selo homem concebido isoladamente noque possa representar do homem num plano especulativo,a hora da actual gerao (a do Neo-Realismo) cria nesta ointeresse pelo homem no seu conjunto, bem

    concretamente, com as inquietaes e aspiraes que so de

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    E sobretudo isto:

    Nas suas obras (nas dos neo-realistas) vibra a fora doprotesto contra os desacertos dum mundo e se revela acoragem de humanamente conceber e aceitar um mundomenos errado, pelo que se torna claro caberem s entre elas

    as que reflectem esse protesto

    caminho que se abre

    ouas que se projectam nesse caminho concebido, onde j nodaro lugar aos problemas da Arte pela Arte ou Arte pela

    Vida, pois que l sero apenas Arte do Mundo a quepertencem (...). (...) Estas obras (as dos neo-realistas),embora sejam acentuadamente sociais, no deixam de conseguirtambm objectivo esttico, porquanto o que nos autores foiquerido pela inteligncia existiu antes na sensibilidade epoderia traduzir-se em emoo. 21

    A revista Manifesto (Coimbra, 1936), dirigida pelodissidente Miguel Torga e Albano Nogueira,constituiria nova contestao, embora em tom menor,

    dapresena 21,contra a arte pela arte, como o segundodestes escritores reconheceria na sua confernciaPanorama daLiteratura Portuguesa Moderna, pronunciada a13 de Maio de 1939:

    ...o fundo da questo entre a arte pela artee a arte social,est, antes, na diferena de atitude perante a vida, est namaneira de ser, na conformao espiritual, no modo deentender a vida e no apenas no que cada artista pensados valores a exprimir pelos temas. Por isso ao grupoPresena se ops, duma maneira embora conciliante, aefmera revista Manifesto e se ope, com mais fogo de

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    que verdade, a novssima gerao literria, ansiosa por fazervaler os direitos da chamadaArte Social.

    E Albano Nogueira, fazendo o processo da Presena econsiderando todavia intil a polmica pela razo,como observa, de toda a arte ser social escreve estaspalavras definitivas sobre a qualidade espiritual doshomens que fizeram o Segundo Modernismo:

    Num perodo turbulento e instvel corno o nosso,natural que as grandes lutas que emocionam os homens

    venham a ter o seu reflexo nas obras de arte; mas nummundo turbulento como o nosso, se certo haverhomens cheios de angstia desses grandes problemas, certo tambm haver outros formados numa poca descuidadade paz podre, que os no sentiram e os no sentemprementes nem os tm como essenciais.

    poca descuidada de paz podre?, legtimo queperguntemos. 1926 a data da implantao da Ditadurafascista em Portugal. No ano seguinte, 1927, surge aPresena. Mas os dissidentes, seus seguidores oupanegiristas s trs anos depois que acordam para arealidade de que a revista no reflectia, nem de pertonem de longe, os problemas da realidade portuguesa.

    Dissidentes embora, no se encontravam pormpreparados para qualquer guerra ideolgica com oschamados Mestres do Segundo Modernismo. que aGerao de 1927, na esteira da do PrimeiroModernismo (1915), no fazia mais do que continuar,no melhor das hipteses, o humanismo ideologicamentepurificado da Gerao de 70, quando esta j seencontrava no seu perodo de decadncia. As geraesde ambos os Modernismos eram alrgicas a toda e

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    qualquer ideologia. A prpria palavra deixava-os empnico, absolutamente crentes de que Arte e Ideologiaeram dois mundos impossveis de conciliar. Em toda aHistria da Literatura Portuguesa no h outro exemplode um afastamento to conscientemente programadodas realidades ptrias e ambientais. uma repulsa quasedo domnio da patologia. Os detractores da Presenacaricaturizaram tal atitude afirmando que os seussequazes haviam optado pela Torre de Marfim, acusaode que Jos Rgio se havia de defender, tenazmente, apartir de 1939, aps a ecloso da Segunda GuerraMundial, quando decidiu reiniciar a Presena. 22Sento que o grande poeta dos Poemas de Deus e do Diabo selembra de referir o terrvel momento histrico que omundo atravessava, na descoberta repentina de que oworld at large afinal at contava. Era, porm, tarde. Haviamuito que a Presena se encontrava ultrapassada, comobem o haviam visto os dissidentes de 1930.

    A confrontao ideolgica, contudo, iria ser assumidano por estes, como j o dissemos, mas por todosaqueles que iro forjar o Neo-Realismo. E estes vm delonge. Vm das fileiras do Marxismo-Leninismo, ou doSocialismo Marxista, que pouco ou nada tinha que vercom o Socialismo burgus do sc. xix, o da Gerao de1870, como j demonstrmos no nosso livro ONeo-Realismo Literrio Portugus para o qual revertemos o leitorinteressado. 23

    No deixa de ser significativo que o primeiro artigo aaparecer na imprensa literria portuguesa a defender apalavra ideologia foi o de lvaro Cunhal em O Diabo, n.179, de 27 de Fevereiro de 1938. Nesse texto apontasumariamente as razes pelas quais ela se carregara deconotaes pejorativas (Napoleo apelidara j os seus

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    adversrios de idelogos), significando esse vocbulo, eem grosso, o conjunto de ideias inventadas por homemou grupo, com o fito de, por baixo e socapa delas,ocultar os seus interesses. Mais tarde, soava a hora doRomantismo, o termo fora limpo da balda pejorativa.lvaro Cunhal mostra, porm, que as ideologias soreflexos, efeitos, gerando-se conforme os estratossociais onde se produzem, de acordo comdeterminantes de carcter primrio, vitais, econmicas.Insiste ainda sobre a tese segundo a qual, se os homensse fraccionam e lutam, no , pois, pelas ideologiasalgos reflexo ou efeito mas sim pelos fenmenosque lhe so causa. As realidades objectivas,acrescentar, que so as verdadeiras e profundasrazes das actuais batalhas. Para ilustrar o seu ponto devista cita o caso de um pas embora no o nomeandoem que essas razes estariam contidas nesta simplesestatstica relativa forma como nele se encontravadividida a terra:

    15% do nmero dos proprietrios possua, pouco oumenos, 87% do total da superfcie.85% do nmero de camponeses possua, pouco mais

    ou menos, 13% do total da superfcie. 1% dos proprietrios possua mais; hectares do que

    todo o resto da populao rural junta

    A gerao de 1870 era ainda sensvel s grandesinjustias sociais preconizando uma forma de Socialismoque se bebia em Proudhon (o qual acabaria por setornar num dos inspiradores do Fascismo) e nada queriacom Marx. Repudiava, como lembrei no meu livro atrsmencionado, toda e qualquer aco revolucionria. Os

    seus componentes eram anti-comunistas convictos e

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    apaixonados. O seu Socialismo burgus dissolvia-se edissolveu-se num vago humanitarismo cristo, numagenerosidade fidalga, de acordo com a feliz expressode Fernando Piteira Santos. 24 Nunca foi inteno doSocialismo burgus destruir o Capitalismo. Sempre quisviver com ele, em alegre conbio, limadas as arestasmais irritantes, as injustias sociais de todo em todoinsuportveis. Teve sempre como programa promover otrabalhador rural ou industrial a pequeno burgus, lev-lo, pois, a aceitar a ideologia tpica da pequena-burguesia, e, atravs desta promoo, acabar com operigoso dualismo burgus-proletrio, por eliminaodaquilo a que chamava a metade podre da ma.Usando as palavras de Alfredo Margarido:

    Como Proudhon, a grande maioria, ou at a totalidadedos socialista portugueses, pretendia quase exclusivamenteeliminar o lado mau do capitalismo, mas no destru-lo, esemelhante ptica adaptava-se perfeitamente situaoportuguesa, visto faltar ao proletariado portugus umaslida base organizacional. (...) Enquanto Proudhon e os

    seus discpulos e seguidores menosprezavam a conquistado poder poltico, os comunistas consideravam ser essauma tarefa prioritria. 25

    A Gerao de 1870acreditava, alis, que a Revoluoseria conseguida sem se mexer uma palha. O mundo dasinjustias sociais desmoronaria por si. Antero deQuental faz esta declarao no seu texto O que aInternacional:

    O programa poltico das classes trabalhadoras, segundoo Socialismo, cifra-se em uma s palavra: absteno.Deixemos que esse mundo velho de desorganize, apodrea,

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    se esfacele por si, pelo efeito do vrus interior que o mina.No dia da decomposio final, ns c estamos ento, com anossa energia e virtude, conservadas puras e vivas longedos focos de infeco desta sociedade condenada. 26

    esta concepo frouxa de um Socialismocomprometido com o Capitalismo, que leva falnciada Gerao de 70no plano dapraxispoltica, conformeobserva Mrio Soares ao analizar a aco governativa de

    Oliveira Martins:

    Mas tambm o caminho de um homem que no tinha osps assentes na realidade social portuguesa, que no soubenem pde enlaar os seus planos de reforma s aspiraesdefinidas de uma classe em ascenso, e que, por issomesmo, caindo de transigncia em transigncia, acabou porficar isolado de todos, e finalmente incrvel paradoxo! irremediavelmente comprometido com aquelas mesmasinstituies que ele prprio, com a sua crtica lcida edissolvente, ajudou talvez mais do que ningum, adesprestigiar e destruir. 27

    Ora se Antero de Quental aconselhava a absteno,quem havia de aceitar o conselho totalmente letra foi aintelligentsia portuguesa do Primeiro e SegundoModernismos: pela completa demisso das ideologias, pelamarginalizao poltica, pelo total desinteresse quantoaos acontecimentos histricos nacionais ou mundiais. AIdeologia era algo que logo se identificava como umabarreira para a Arte.

    Alis, os tericos comunistas, mesmo Marx, sopraticamente ignorados no nosso pas no sc. XIX, comoparece haver demonstrado Alfredo Margarido. 28O maisque se faz deformar as teses de Marx e Engels. 29E

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    nos trs primeiros decnios deste sculo a situao no mais brilhante. Criado o Partido Comunista Portugusem 1921, no mesmo ano em que foi fundada a Seara

    Nova (mera coincidncia), s em 1930 aparece a primeirabiografia de Marx, publicada pelo anarco-sindicalistaEmlio Costa, ataque alis bastante violento aopensamento do filsofo alemo, biografia quecompreende uma curta antologia que inclui um curtoexcerpto do Manifesto Comunista. 30 No cabendoneste pequeno volume um levantamento ou anliseexaustiva dos jornais ou revistas literrias progressistasdos anos 30, lembremos to-somemte que em Abril de1930, se fundou no Porto a revista Pensamento,subintitulada rgo do Instituto de Cultura Socialista.Nela possvel falar de Marx com certo vontade (atcerca de 1934), o que prova que a Censura fascista scomea a fazer sentir o verdadeiro peso do seu lpisazul, a partir desta altura. Mais precisamente: em Marode 1934 quando o n. 48 da publicao j no podeexibir como responsvel pela direco a Comisso deCultura e Propaganda de Cultura Socialista, mas simum vago e incuo grupo editor. Com efeito, no n. 2Csar Nogueira divulga o conceito bsico da maisvalia, no n. 3 a luta de classes (artigo annimo), eno n. 5, Agosto de 1930, Jorge Ramos em Ointelectual e a sua poca prope uma misso para oescritor totalmente alheia concepo do Primeiro eSegundo Modernismos. Como que se defende a tese: Ointelectual e serve. No se estabelece aqui apossibilidade de separar o qu do como. O intelectualdever ter a sensibilidade dum artista e a anlise dumfilsofo.

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    Logo no ano seguinte, 1935,Adolfo Casais Monteiro,ento com 27 anos de idade a partir do n. 33 daPresena (Julho-Outubro de 1931), passara a pertencer aocorpo directivo da revista coimbr, substituindo odissidente Branquinho da Fonseca escreve o seuartigo to discutido A arte , no serve.31Encontramo-nos perante a primeira confrontao, ainda que sempeso sensvel, pois a revista Pensamento anulava-se pelapssima qualidade dos textos de criao literria pura:prosa ou poesia, a roar o caricato. Mais interessante ,todavia, neste rgo do Instituto de Cultura Socialista,a profunda confuso ideolgica dos seus colaboradores.Se para uns o verdadeiro Socialismo o marxista, paraoutros Antero de Quental, anti-marxista, um dosMestres do Socialismo. Pensamento preocupava-se,porm, com o que realmente se passava em Portugal eno Mundo. Em Dezembro de 1930 (n. 9) j se encontraneste rgo uma denncia dos males da Itlia Fascista, e,em 1933 (n. 38), apelida-se a poltica de Hitler deterrorista. Se as nossas investigaes esto completas,parece ser nesta revista que pela primeira vez se fala emPortugal do escritor russo Fedor Gladkov 32, que tantainfluncia havia de exercer nos escritores neo-realistasportugueses da Primeira Fase, especialmente SoeiroPereira Gomes. Num artigo Como deve a literatura dehoje encarar o problema social, Srgio Augusto Vieiradeclara, entre outras coisas:

    (...) A literatura de hoje tem o perfeito cunho dereformadora. revolucionria: quer uma moral nova, e,como todo o revolucionrio, voltou as costas ao passado.

    (...) A nova literatura, a do ps-guerra, a da ps-Revoluo russa firmada em princpios humanistas, deseja

    transformar o homem-lobo-do-homem, conceito latino do

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    dio, no homem-irmo-do-homem, conceito humano doamor e da liberdade. E tem soberbos motivos para isso.

    Tais so Leonov, Pilniak, Gladkov!(...) O literato dos nonos dias, vivendo num perodo

    agitado por poderosas correntes polticas e sociais, sente aimperiosa necessidade de intervir no mundo de realidadeque o cerca.

    (...) A literatura tem uma misso social a cumprir hoje.Ter intercepo no problema social... 33

    Declarao explcita de engagement, em sintonia com osobjectivos do jornal operrio A Batalha, em torno doqual se agregaram vrios escritores de esquerda comoFerreira de Castro, Assis Esperana, Eduardo Frias,Jaime Brasil, Julio Quintinha, Mrio Domingues,Roberto Nobre, etc. O jornal A Batalha cujo primeironmero foi publicado em 23 de Fevereiro de 1919,atser assaltado pelos fascistas que se apoderaram do poderpelo golpe militar de 28 de Maio de 1926 (a quepomposamente se deu o nome de Revoluo), e, poucodepois, implacavelmente encerrado pela tirania da

    extrema-direita, veio na verdade a exercer grandeinfluncia na consciencializao ideolgica de um sectorda intelectualidade portuguesa que, num certo sentido,abriu o caminho do Neo-Realismo.

    O Socialismo destes escritores era ainda, porm,herdeiro do da Gerao de 70. O prprio Ferreira deCastro (1898-1974) ao publicar Emigrantes, em 1928,encontra-se bastante longe do verdadeiro ideal socialistao qual, para os neo-realistas, incompatvel comquaisquer formas de compromisso com o Capitalismoou com a ideologia ou os ideais capitalistas. Apersonagem central de Emigrantes, Manuel da Boua,

    um analfabeto sem conscincia social ou poltica: o que

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    no de surpreender, e o seu nico projecto, ao emigrarpara o Brasil, enriquecer, e com os produtos do seuesforo comprar terras, tornar-se proprietrio, capitalistae patro. Era esta, todavia, a realidade que Ferreira deCastro via sua volta no norte de Portugal. E quando arealidade no evolui ou no se encontra evoluda, nopoder evoluir ou evoluir-se fora dentro do quadrodos romances que pretendem retrat-la. Assim sendo,no ficaria, contudo, tapado o caminho a Ferreira deCastro para uma perspectivao socialista de toda asituao do campons do norte de Portugal, alienado mstica da terra, como o mostraria amplamente RaulBrando em O Pobre de Pedir (livro pstumo de 1931).

    possvel, pois, falar de um individualismo (anti-socialismo?) do romance realista-naturalista pr-neo-realista mesmo quando ele se preocupa com osproblemas bsicos (infra-estruturais) da sociedadeportuguesa, propsito que nunca caber dentro dequalquer preocupao ou projecto modernista. Edizemos individualismo porque, quando um escritor petoda a sua nfase numa possibilidade individual depromoo, isso corresponde aevitar-se pr em xeque aorganizao social que entrava, no a promoo de um,masde toda uma classe. Pr em destaque uma ascensoexcepcional, ocasional e quase miraculosa de umfilho do

    povo talvez acabe por mascarar a injustia que est nabase do impedimento da promoo do maior nmero.Se no bem este o caso de Emigrantes, poisManuel daBoua regressa do Brasil no promovido, o mesmo nosucede com A Selva (1930) ou A L e a Neve (1974).Roberto Nobre no seu estudo sobre Ferreira de Castro,O escritor e Manuel da Boua 34comete, pois, um erroque outros cometero muitas vezes, em relao tanto ao

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    mesmo como a outros escritores, inserindo-o dentrodo Movimento neo-realista. Diz-nos ele: Era o Neo-Realismo embora ento ainda assim no estivessecrismado. Pois no era, embora se deva dizer que em

    Eternidade (1934) Ferreira de Castro no andasse delemuito longe.

    Das vrias revistas que surgem por estes anos, e quehaviam de preparar o terreno ideolgico para o surto doNeo-Realismo, rgos que, no por acaso, surgiram logoa seguir ao Congresso do Partido Comunista realizadoem Moscovo em 1934 (Gleba, Lisboa, Outro Ritmo,Porto, gora, Coimbra, etc.) h a destacar, da revistaGldio, cujo primeiro numero se publicou em 31 deJaneiro de 1935,um artigo de lvaro Salema, O Anti-Burguesismo da Cultura Nova, em que se censura todaa revolta que seja uma singela atitude intelectual deesprito inconformado perante uma sociedadeindiferente. Nele se ataca Antero (o autor de Odes

    Modernas, no j como figura emblemtica doSocialismo, como ainda vemos na revista Pensamento,mas antes como um homem que acabou por refugiar-sena angstia metafsica), e a cultura de inspiraoburguesa

    (...) que limita o mundo com a Pretenso de o dilatarinteligentemente, sem olhar para o espectculo spero da

    vida em que se joga o verdadeiro jogo das amargurascomuns e em que se desenrola a trajectria dramtica dohomem de sempre.

    Eis-nos perante uma confrontao sria contra oSocialismo burgus da Gerao de 70, o terreno apreparar-se para a sua rejeio. Ora a recusa deste tipo

    utpico de Socialismo condio sine qua non para o

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    estabelecimento terico do Neo-Realismo, ou seja, noh no Neo-Realismo qualquer compatibilidadeideolgica com o Socialismo de oitocentos.

    Esta posiopolmica de lvaro Salema de 1935serformulada em linguagem mais precisa por Jofre AmaralNogueira (uma das mais rigorosas formaes filosficasdo Neo-Realismo) em ataque dirigido contra AntnioSrgio que, num artigo para a Revista de Portugal 35 sobreAntero, defendia a linha abstencionista da Gerao de 70,e, muito idealisticamente, repetia os pressupostos doProudhon da decadncia (no os do jovem Proudhon)segundo os quais a Revoluo teria de ser sempre moral.O escrito de Jofre Amaral Nogueira Carta ao Sr.Antnio Srgio, de 15 de Novembro de 1937, um dosdocumentos mais importantes de toda a histria doNeo-Realismo. Srgio parecia no s acreditar nas leisimanentes pelas quais exclusivamente se governa ouniverso, 36como atacava o ponto mais vulnervel daideologia do Neo-Realismo (ainda a modelar-se), ouseja, os prprios fundamentos filosficos dele, oMarxismo-Leninismo, ou melhor: o materialismo dialctico.Srgio chega, com efeito, a declarar dogmaticamenteque a noo de dialctica incompatvel com a dematerialismo.

    O ataque de Jofre Amaral Nogueira frontal,extremando finalmente os campos ideolgicos emconfronto. Ficava assente que a Nova Gerao, de que ojovem adversrio de Srgio era um dos arautos,repudiava o idealismo dessangrado no s da Geraode 70, 37 como a de qualquer outro idealista que com elase encontrasse em sintonia de posies ideolgicas. Adefesa do materialismo dialctico contra a inconsistenteargumentao filosfica de Srgio 38 corresponde a

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    ultrapassar-se finalmente em Portugal o impasseideolgico da Gerao de 70 e proposta prtica doSocialismo marxista contra o Socialismo idealista,utpico, anti-revolucionrio e burgus de oitocentos. Anecessidade de firmar posies dessa Nova Geraoleva Jofre Amaral Nogueira redaco doutro artigofundamental no Sol Nascente, O Papel duma NovaGerao, onde, mais claramente, vem estacada sobreo corte com o passado doutrinrio, tido como herana arepelir de uma vez por todas:

    (...) uma das caractersticas da sociedade liberal eraexactamente o culto mistificado do indivduo. Julgando-se aexpresso final, no campo colectivo, das possibilidadeshumanas, julgando-se mais do que a sociedade ideal asociedade natural, ela julgou-se susceptvel apenas depequenos retoques e abandonou ao indivduo isolado(aparentemente para todos, realmente s para alguns) onico progresso que lhe parecia possvel: o individual.Daqui a importncia tomada pela educao pensamento,pela arte, como coisas individuais: a educao pela educao, o

    pensamento pelo pensamento, a arte pela arte. a poca dos clercs39e a poca tambm das geraes que nascem da crticaacerba aos costumes do seu tempo, mas que amadurecem pelatraio lenta ou rpida s suas posies juvenis. o caso, apesar detudo e por mais trgico que seja, dum Antero, dum Oliveira Martins,da ironia dum Ea e do isolamento dum Herculano.40

    3. ALGUNS ACONTECIMENTOS E LIVROSQUE INFLUENCIARAM O SURTODO NEO-REALISMO

    Estaremos agora em posio de regressar a Alves

    Redol que, antecipando as expresses educao pela

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    educao, pensamento pelo pensamento e arte pelaarte, usadas por Jofre Amaral Nogueira, em 1938, masseguindo fielmente Plekhanov, fazia, dois anos antes(1936) uma conferncia na Associao de ConstruoCivil em Vila Franca de Xira sob o ttulo Arte. Essaconferncia, quanto sua estrutura, reduz-se a trsgrandes linhas afirmativas (utilizamos as prpriasexpresses de Redol):

    1. A arte pela arte uma ideia to extravagante emnossos tempos como a de riqueza pela riqueza, ou de cincia

    pela cincia;2. Todos os assuntos devem servir em proveito do

    homem, se no querem ser uma v e ociosa ocupao; ariqueza existe para que toda a humanidade goze; a cinciapara guia do homem; a arte deve servir tambm para algum

    proveito essencial e no deve ser apenas um prazer estril;3. A arte deve contribuir para o desenvolvimento da

    conscincia epara melhorar a ordem social.

    deste esprito que nascer a polmica com aPresena. Joo Gaspar Simes publicava na Revista dePortugal, o seu Discurso sobre a Inutilidade da Arte(1937), obviamente inspirado pelo prefcio deThophile Gautier a Mademoiselle de Maupin (1835), e,exactamente no mesmo nmero, Srgio escrevia o textoque Jofre Amaral Nogueira impugnaria, discurso queconstituiu mais um desafio a uma Nova Gerao que,nesse mesmo ano, vivia ardentemente o drama daGuerra Civil de Espanha, facto histrico perante o qualospresencistas manifestavam a maior das indiferenas.

    Cabe aqui abrir um largo, mas bem necessrioparntesis, para relembrar acontecimentos da histriapoltica europeia de meados dos anos 30 que foram de

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    importncia extrema para o despertar da militncia dosintelectuais portugueses que se opunham ao clercintelectual presencista que discursava sobre o nulo papelque a Arte poderia desempenhar como plataforma paraa consciencializao das massas. Em 12 de Fevereiro de1934 havia ocorrido em Vincennes um facto tido porextraordinrio: a unio entre Socialistas e Comunistas,da qual derivou a aliana entre a Section Franaise delInternationale Ouvrire (SFIO, o partido socialista) e oPartido Comunista. Esta fuso entre os objectivos doproletariado com os da classe-mdia s se tornoupossvel custa de vrios factores, um dos quais importaaqui salientar: alguns intelectuais eminentes, at entoem vilegiatura nas respectivas Torres de Marfim,abandonaram o seu isolamento, a sua inutilidade,restituindo esquerda o prestgio intelectual e moral queela havia perdido. Encontrava-se formada a famosaFrente Popular que, mais do que coligao de partidos,era uma irmandade de largo nmero de organizaes.Estas, embora de diferente importncia e projecopoltica, encontravam-se em unissono, empenhadas emno deixar que o Fascismo, semelhana da Alemanha,Itlia e Portugal, se estabelecesse em Frana.Originalmente o objectivo desta aliana foi organizardemonstraes de massa atravs de todo o pas, porocasio do 14 de Julho de 1935,em que os participantesjurariam permanecer unidos na defesa da democracia.Marchando lado a lado, gritando as mesmas palavras deordem, acusando os mesmos inimigos, as massasaperceberam-se da sua fora. Tudo isto fez lembrar osdias hericos da Revoluo de 1789.

    Nesta altura no se pensava que os partidos quehaviam constituido a Frente Popular pudessem um dia

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    voltar ao seu velho e crnico isolacionismo. O que sepassava em Frana acabaria por ter o seu reflexo emEspanha, onde a Frente Popular do pas irmo ficouconstituda em 15 de Janeiro de 1936,reunindo no seuseio o Partido Socialista, o Partido Comunista, aEsquerda Republicana, a Unio Republicana, a UnioGeral dos Trabalhadores, o Partido RepublicanoFederal, etc. Nesse mesmo ano, em Frana, tiveramlugar eleies gerais. Verificou-se que no primeiroescrutnio os votos dos comunistas haviam passado de783 000 (1932) para 1 468 000 (1936). Iria a ExtremaDireita reagir no segundo escrutnio? Tal no aconteceu;e, em 3 de Maio de 1936, a Frente Popular francesaganhava um total de 376 lugares na AssembleiaNacional, mais do que a maioria absoluta, o queemulava o clebre 16 de Fevereiro de 1936 espanhol emque, de 453 deputados eleitos, 257pertenciam FrentePopular. 41

    No cabe dentro do mbito deste livro historiar o quefoi o apogeu e decadncia das Frentes Popularesfrancesa e espanhola, os sonhos e as desiluses, oseplogos trgicos delas, o primeiro dos quais foi aGuerra Civil Espanhola que eclodiria no prprio ano de1936, a 17 de Julho. Cabe, sim, salientar que entre ashostes daquela parte da intelligentzia portuguesa que viviaintensamente os problemas polticos, e desejavacomparticipar na luta contra o Fascismo, de que osportugueses j tinham uma experincia de sofrimento napele de mais de dez anos, no podia haver realmentegrandes complacncias para com aqueles escritores (pormuito modernistas que fossem) que se encontrassem ou seconfessassem mais ou menos desligados dos destinosdo mundo.

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    Dizer que o contexto histrico da luta francesa eespanhola contra a ameaa do Fascismo nodesempenhou um papel de primeirssima importncia naconsciencializao poltica dos escritores portuguesesque iriam fazer o Neo-Realismo seria tentar estabelecerum tipo de desvinculao Histria-Poltica-Literaturasem qualquer sentido, e que, alis, nunca ningumpoder tentar por perfeitamente absurda. Nas revistasprincipais onde por esta poca se teorizou e praticoupela primeira vez o Neo-Realismo, Sol Nascente e ODiabo, evidente o esprito de sintonia com a prpriavida poltica das Frentes Populares e com todas aquelasmanifestaes culturais que a reflectiam. Entre os livros,como sempre vindos de Frana, mas onde se praticava oiderio marxista leninista, h que destacar dois que setornaram universalmente populares entre os intelectuaisda esquerda portuguesa, La Crise du Progrs de GeorgesFriedmann e La Conscience Mystifie de Henri Lefebvre eNorbert Gutermann. O primeiro destes livros chegaria aser longamente parafraseado num extenso texto de LusVieira Para uma explicao concreta dos intelectuaispseudo-livres, publicado nos n.os 42 e 43-44 de Sol

    Nascente (Janeiro e Fevereiro-Maro de 1940), mas importante notar que, nessa espcie de resumo, ficapouco claro que o que se pe profundamente emquesto no livro de Friedmann o Capitalismo,sobretudo a forma como este se aproveita do trabalhodas massas, com promessas ilusrias de um futuromelhor para todos, quando o futuro melhor noCapitalismo foi, segundo Friedmann, sempre o de umalite. Fica ainda obscuro no sumrio de Lus Vieira comoo surto do Fascismo se encontra, segundo aindaFriedmann, profundamente ligado a um Capitalismo

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    que tem de se apoiar em militares (mais ou menoscomprados ou mais ou menos vendidos) para podersobreviver da fora que estes lhe podem garantir. De talaliana, onde se torna conspcua a presena da Igreja,nascer o Estado Corporativo. Por razes que no necessrio mais esclarecer, o articulista passa mesmo emclaro a ltima parte do livro de Friedmann, ou seja,Captulo IV, Le Partage des Chemins 42, especialmenteos subcaptulos Le Marxisme et lhritage humaniste eLHomme peut donner davantage, onde se prope afilosofia do materialismo dialctico como a nicaproposta capaz de redimir o proletariado destrudo pelacapitalista das doutrinas de Taylor e Ford. Claro queo papel do materialismo dialctico, sempre segundoFriedmann, seria precisamente alertar as massastrabalhadoras para a verdadeira natureza dos seusproblemas, chamar-lhes a ateno para o carcteroperatrio da engrenagem da explorao montada pelaalta-burguesia monopolista, lev-las a entender ascontradies de uma sociedade cuja classe mdia seencontrava compelida a manter-se fiel a foras quetambm a iam explorando e emprobrecendo, emboralhe garantissem uma iluso de dignidade social que acolocava bem acima do extracto mais baixo: ostrabalhadores industriais ou camponeses totalmentemarginalizados. De uma consciencializao adequada detodas estas questes candentes, por via de umainteligncia correcta do que devesse ser o verdadeiroSocialismo, surgiria uma Sociedade Nova, umHumanismo Novo, que procederia definitiva abolioda propriedade privada, e materializao de todas asreinvindicaes populares que, mais tarde, depois de

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    1945,se haviam de tornar na base operatria econmicae poltica das Repblicas Democrticas Populares.

    Lus Vieira obrigado pela fora das circunstncias adenunciar a intelligentzia que, perante o fracasso doCapitalismo industrial em resolver os problemas bsicosda Humanidade, se refugia no irracionalismo, nosubjectivismo, na fenomenologia, no bergsonismo, etc. teses alis tambm de Friedmann mas que jhaviam amplamente servido como armas aos neo-realistas na grande polmica que os ops aospresencistas.

    La Conscience Mystifie de Gutermann e Lefebvre,tambm de 1936, andava, com menos mincia deanlise, em torno dos mesmos princpios tericos e damesma ideologia. Outros livros foram de importnciacapital neste perodo: todos os de Lefebvre, vrios deGeorges Politzer (entre os quais se deve destacar osPrincipes lementaires de fhilosophie, introduo simples aoestudo do materialismo dialctico e que era umapanhado das lies proferidas por Politzer em, 1935-1936na Universit Ouvrire de Paris, Rvolution et Contre-Rvolution au XX.e Sicle, Le Bergsonisme, une mystification

    philosophique); LOrigine des Mondes (1936) de PaulLaberenne, assim como os dois volumes la lumire du

    Marxisme, especialmente o segundo, onde se faz a crticano s dos socialistas utpicos, como a de AugusteComte, e, como no podia deixar de ser, a de Bergson.

    Circulavam tambm como textos de rotina as obrasde Auguste Cornu, de 1934,La Jeunesse de Karl Marx e

    Moses Hess et la gauche hglienne; tradues de Karl Marx,Friedrich Engels, Lnine (especialmente oMatrialisme etempiriocriticisme), e Plekhanov, cujos textosdesempenharam um papel muito especial no

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    desenvolvimento do Neo-Realismo. Na verdade, maisque Les questions fondamentales du marxisme, tornar-se-ialeitura obrigatria, a partir de 1934, o seu livro, hojeclssico, A Arte e a Vida Social. esta obra, alispublicada pela primeira vez em 1911,que se tornar noponto de partida da esttica literria marxista. Entre ns,era j conhecida em 1934, o que sabemos no s porvrios depoimentos pessoais como pelo facto deaparecer citada, nesse mesmo ano, na revista Gleba. 43

    A grande importncia de A Arte e a Vida Social dePlekhanov permitir uma argumentao alternativacontra os adeptos da arte-pela-arte. Como sabido,baseavam-se estes nas afirmaes pioneiras deThophile Gautier no prefcio a Mademoiselle de Maupin,algumas das quais se tornaram nos slogans bemhumorados dos diletantes das letras, ou dos lteras decaf, como por exemplo, lendroit le plus utile dunemaison, ce sont les latrines, ou quoi sert la beautdes femmes?, tout ce qui est utile est laid e outrosmimos que Oscar Wilde muito gostaria mais tarde dedecadentemente parafrasear para delcia dos ociosospseudo-inteligentes de salo. A verdade que ofragilssimo texto de Gautier, embora brilhante, deu nogto a uma burguesia intelectual ansiosa de novidades e,sobretudo, originalidades, uma lite que se comprazia emofender o establishment burgus ou a p-lo em questo,em escandaliz-lo, a desafiar-lhe os valores, etc. O artistaencantava-se em colocar-se a desafiar a sua prpriaclasse, mas muito longe de desejar que a ordem social,tal como a conhecia, sofresse qualquer modificao. esta a denncia fundamental de Plekhanov em relao aum tipo de artista, aparentemente revolucionrio, masque, bem vistas as coisas, at pretendia que a boa da

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    sociedade que atacava fosse e continuasse a ser comoera, para que, em relao a ela, ele, artista, personalidadede excepo, se pudesse impr como raro. Nessararidade ou nessa excepcionalidade residiria, afinal, anica originalidade. Se a ordem social se subvertesse afavor das classes desfavorecidas, em que se tornaria taloriginalidade? Numa excrescncia do passado.

    Toda a argumentao de Plekhanov (interpretaocertamente pessoal) parece-nos centrada em torno doque pode ser uma resposta pergunta de Gautier: Y a-t-il qualque chose dabsolument utile sur cette terre etdans cette vie o nous sommes? Sim, a resposta dePlekhanov, tudo o que possa contribuir para que nomundo se estabelea uma maior justia social, para oque necessrio que, antes de mais nada, fiquem bemdenunciados os desmandos do homem. O artista devercentrar a sua obra em torno dessa Ideia bsica, nodever limitar-se ao auto-comprazimento do seu ego, apartir do qual acaba por ver o mundo desfigurado,perdidas todas as ligaes profundamente srias com omundo concreto. Ora, assenta Plekhanov, tudo o quecontribua para que se atinja um estado de maior justiasocial, tudo o que traga um contributo positivo para quea opresso acabe, tudo isso progressosocial,e uma arteligada a esta Ideia estrutural certamente uma artesocialmente progressiva. Progressiva no sentido de seconsiderar como superior a posio em que se coloqueartista no centro dos acontecimentos do mundo, e noacimaouao lado deles.O refocilar nas experincias maisou menos intimistas do ego, que se auto-considerasuperior e se define como excepcional no conduz anada que profundamente interesse a uma sociedade

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    onde predominam a opresso, a desigualdade e ainjustia.

    O que curioso e esta uma das contradiesfundamentais de Gautier que ele acaba por nosdizer que la jouissance me parat le but de la vie, et laseule chose utile au monde. Ora, pois, se h uma coisatil, essa oprazer,ela ser tanto mais til quanto mais ahumanidade puder vastamente usufrui-lo e tal spode acontecer se houver um reorganizao toprofunda dela que esse usufruto no se limite a algunsmas a um nmero cada vez maior. Logo, Gautierestabelece um princpio utilitrio, no pargrafo aseguir quele em que declara solenemente: les principesutilitaires sont bient loin dtre les miens.

    Plekhanov redige, pois, no princpio do sculo, oestatuto da arte til contra a arte intil, encontrando-se aprimeira intimamente ligada ao Marxismo-leninismo, ouseja, quela concepo do Marxismo-leninismo cujoobjectivo final a liberdade para todos os homens, e, demaneira nenhuma, uma nova forma de opresso.

    Exposto isto, muito sumariamente, h que reiterarque a conferncia de 1936 de Redol tem, pois,naturalmente, como fonte directa o livro de Plekhanov,da mesma forma que as declaraes presencistas sobre ainutilidade da Arte (Gaspar Simes, Rgio ou mesmoCasais Monteiro) glosavam, um sculo depois, as tesesde Thophile Gautier, com ar de grande novidade esobranceria aristocrtica. No havia mais originalidadeno primeiro do que nestes ltimos.

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    4. ALGUNS PONTOS FULCRAIS DA POLMICAENTRE NEO-REALISTAS E PRESENCISTAS(1937-1939)

    Nas revistas Pensamento, Gldio, Gleba, gora, OutroRitmo,etc., h j, portanto, uma polmica latente contrao aristocratismo dos movimentos modernistas e umaposio clara de hostilidade contra os chamados Mestresdo Orpheu, como tal proclamados pelos corifeus daPresena, mas no apelidados ou considerados como taispor outros escritores portugueses que, nem por isso,deixavam de se considerar modernos. Estes reivindicam,alis, o seu direito a um tipo de modernidade que no era,j se sabe, a do Modernismo, mas que no deixava,apesar de tudo, de ser modernidade ouactualidade. Um dosgrandes autores do Neo-Realismo, Jos Gomes Ferreira,nascido em 1900, cerca de vinte anos mais velho do queos jovens que, pelos fins dos anos 30, incio dos anos40, produziriam as primeiras obras neo-realistas, d-noseste depoimento importante do que j era atitude de umcerto nmero de jovens escritores portuguesesrelativamente ao mestrado do Orpheu:

    ... os nossos guias em 1921 no eram, nem poderiamser, Fernando Pessoa ou Mrio de S-Carneiro. ComoMestre elegramos Raul Brando (...) em que oscomponentes do grupo encontravam no s o Espanto, aCaricatura, o Absurdo, o Desumano e o Desvario doplaneta circundante, mas tambm a Fraternidade e aRevoluo Inverosmil imanente. Ao lado de Brandocolocvamos o Fialho dos contos rsticos, a verdadecamponesa do incomparvel Aquilino das Terras do Demo,Camilo, Dostoievski, Tolstoi, Gorki, Strindberg... manifesto que, movidos por estes semideuses (posto que eu

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    sempre evidenciasse simpatia por tudo o que cheirasse avanguardismo e modernidade) nunca consentiramos empautar a nossa viso do mundo pela de S-Carneiro,definida em versos deste teor, que s me chegaram s mosem 1937, data da publicao de Indcios de Oiro pela Presena(passaram-me despercebidos na Contempornea):

    Ganhar o po do seu diaCom o suor do seu rosto...Mas no h maior desgostoNem h maior vilania 44

    O que quer dizer claramente que a mensagem daarte-pela-arte ou da arte intil de Gautier nopassara a todos os escritores que, perspectiva de hojeno nos parecem (pelo menos a ns), de formanenhuma, menos modernos que os modernos doPrimeiro e Segundo Modernismo.

    em 1937, ano por todos os motivos crucial, quesurge, ainda, o primeiro ataque em forma poesia deJos Rgio. Num artigo sob o ttulo Jos Rgio Casais Monteiro, poetas, assinado por Mando Martins,escreve este crtico:

    ... Rgio o poeta de si. Quase todos os seus versoscantam as baixezas e herosmos banais do seu eu enorme(.. . ) A poesia de Rgio uma casa fechada sem janelas paraa rua; l dentro, s escuras, um homem torce-se emcombates e dores que no procuram a comunicao para selavarem em amor humano. Esta submisso do mundo doeu do autor e a constante obsecao de si, do s produesbem trabalhadas de Rgio uma arquitectura intil, asensao de um estril esforo em dizer inquietaescomezinhas 45.

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    Jos Rgio, no n. 21 da mesma revista, Carta ao snr.Mando Martins, defendendo-se da acusao de suaobra no ultrapassar um mero onanismo psquico,afirma recusar-se a sujeitar a criaes do esprito, seja aque preconceitos, dogmatismos e fanatismos for.Mando Martins (assinando agora Armando Martins)repele a reduo da sua crtica a uma frmula(onanismo psquico) que, de facto, no empregou.Recusa, sobretudo, a qualificao de fantico que lhe atribuda pelo autor dos Poemas de Deus e do Diabo einsiste no ponto de vista ideolgico que mais interessaao Neo-Realismo:

    A nossa literatura andou sempre mais presa ssubstituies de escolas em Frana do que s mudanasrevolucionrias da vida social e do homem portugus 46.

    do princpio de 1938 o aparecimento do ensaio deJos RgioAntnio Bottoe o Amor. Logo a 6 de Fevereirodesse mesmo ano surge em O Diabo (n. 176) umacritica de Antnio Ramos de Almeida, um dos maiores

    entusiastas do Movimento, o qual nesse mesmo ano seestrearia com um volume de poemas, Sinal de Alarme,que se deve contar entre as primeiras manifestaes doNeo-Realismo. Antnio Ramos de Almeida inicia o seuartigo, intitulado Um livro, um crtico, uma questocom um elogio rasgado de Jos Rgio. No so denenhuma forma postos em questo, quer o seu talentopotico, quer o seu talento crtico. Onde surge oconflito sobre o teor da matria exposta por Rgio noprimeiro captulo de Antnio Botto e o Amor, a que eledeu, muito polemicamente, o ttulo de Arte pura e artesocial. Segundo Ramos de Almeida nele se comete um

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    erro bsico: o de supor-se que a polmica entre as duasgeraes (a da Presena e a que estava a assentar as basesdo Neo-Realismo) nada mais era do que uma luta entresocilogos e artistas. Era esta, com efeito, a posiotradicional da Presena: desde que uma obra manifestassepreocupaes de carcter social, ou ela fosse encaradaou criticada de um ponto de vista sociolgico, j nopertenceria ao domnio da Literatura mas ao daSociologia. Ramos de Almeida pretende repor oproblema noutra base, a qual verdadeiramente a quecorresponde ao esprito do NeoRealismo ou seja, abase segundo a qual a polmica arte pura-arte socialno se trava entre socilogos e artistas mas sim entreartistas e artistas. Insiste ainda numa questofundamental: a polmica arte pela arte-arte social, emtermos absolutos, tericos e gerais, no tem sentido,reduz-se a uma simples questo de palavras. 47

    O artigo , alis, pretexto para Ramos de Almeidacontinuar a ofensiva contra o excessivo subjectivismodos artistas do Primeiro e Segundo Modernismos. Noque demita as obras destes como nulas, menosimportantes, ou irrelevantes. De forma nenhuma.Ramos de Almeida advoga, apenas, a necessidade deuma mudana de nfase, por razes que, embora por eleno expostas neste artigo, se inserem dentro do espritoque se vivia na Europa histrica do perodo, conformeatrs salientamos. Afirma:

    O artista, abandonado a si prprio, sujeitosimplesmente sua plena liberdade de realizao, colocou aoriginalidade acima de tudo. O artista passou a ter comoprimeira e suprema aspirao ser original. Originalidadeno somente de fundo, mas sobretudo a mais completa

    originalidade formal. Do ataque ao formalismo clssico

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    nasceu paradoxalmente um novo formalismo, da ohermetismo e o esoterismo da arte moderna, da arte pura,da arte pela arte...

    (...) Muitos dos artistas modernos partidrios da artepura possuem obras ricas e complexas, mas o contedomoral, filosfico, social, psicolgico, isto , o miolohumano que as enche, hiper-subjectivista, egocentrista,egosta, alheio tragdia humana e social do nossotempo... (...) Se certos artistas se tornaram, pela fora daprpria vida e das suas mltiplas circunstncias,indiferentes questo social, os artistas que hoje comeam,e porque realmente o so no podem ficar indiferentesperante o drama mais flagrante e intenso da nossa poca(...). O artista de hoje j no o homem fim de raa, fimde imprio, fim de civilizao. A gerao do Orpheu foicomposta por artistas que representavam o canto de cisnede uma certa vida (...). A gerao do Orpheu cantou adecadncia da sua hora. Presena foi mais longe, realizouuma obra de construo cultural, e hoje pode ser umaponte entre urna agonia e uma nova aurora, se soubercompreender em toda a profundidade a manh esttica que

    vai nascer.

    Ramos de Almeida pretende aqui estatuir que a novagerao no deixar de ser de artistas e que h anecessidade de compreender os novos horizontesestticos que ela tentar estabelecer, no jcircunscritos por uma orientao hiper-subjectivista,hermtica, esotrica, egocentrista, etc., cujo miolo alheio tragdia humana e social do nosso tempo,mas por um contedo moral, filosfico, social,psicolgico que, pelo contrrio, se faa eco dessamesma tragdia. A insistncia de Ramos de Almeida naindissolubilidade forma-contedo (ainda que no explcita), na verdade, o -horizonte ideal para que a o Neo-

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    Realismo. Mas, como j foi dito (ou ficou implicado),uma coisa era o Neo-Realismo ideal que se predicava,outra o real que se viria a praticar pelos escritores maispolmicos da Primeira Fase. Lembramos novamente aposio de Redol dos primeiros anos, tal como adefiniria em 1965: a da aguerrida batalha pelo contedoem literatura. 48

    Esta situao contraditria entre a teoria e a prticaderivou em grande medida, a nosso ver, da recusa dospresencistas em verem na nova gerao outra coisa queno fosse a vontade de fazerem vingar um novocontedo e nada mais, por muito que, desde o ponto devista da explanao terica, os neo-realistas recusassema aceitao da falsa dicotomia como-o qu. As acusaesde Rgio contra Armando Martins revestem-se deaspectos particularmente graves: a nova geraoempenhada numa arte social, numa arte tilencontrar-se-ia imbuda apenas de preconceitos,dogmatismos e fanatismos.

    A verdade que ela denunciava o fim dum ciclo daLiteratura Portuguesa, o dos Modernismos, e hoje, cercade quarenta anos depois, podemos ver, com muitomenos paixo, que os dissidentes da Presena j haviamdiagnosticado esse mesmo fim, diagnstico que os maisapaixonados defensores do presencismo consideravamcomo totalmente intolervel. Joo Gaspar Simes nuncapoupar os neo-realistas nas suas crticas; mas, sehonestamente ter de reconhecer o talento de alguns,ser para, ao mesmo tempo, ir afirmando que se asobras deles so boas, s o so na medida em que seafastam dos postulados dogmticos do Movimento e eis-nos aqui regressados aos justos desabafos de Mrio

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    Dionsio, de 1955, j referidos no primeiro captulodeste livrinho.

    Afonso Ribeiro, outro dos pioneiros do Movimento,responder ainda em SolNascente (n. 29, 15 de Maio de1938) a um novo ataque de Rgio contra os rapazesque ousavam criticar Antnio Srgio, aps o que surgemas Cartas Intemporais de Rgio publicadas na Seara

    Nova (n. 608 e 609) que so outros tantos textos deoposio ao Neo-Realismo, numa das quais, a publicadaem 29 de Abril de 1939no n. 611 da revista, se defendea tese de que a literatura brasileira no podia prestar-se aexercer influencia na portuguesa, por no ser a maisindicada. Punha-se aqui em questo a publicidadeespecial que em O Diabo e Sol Nascente se estava fazendoa Jorge Amado, Graciliano Ramos, Amando Fontes,Jos Lins do Rego, etc. 49Rgio tinha ido longe de mais,na opinio dos neo-realistas, e o ataque mais virulentono se fez esperar. Ele publicado tambm na Seara

    Nova (n. 615) e transcrito na ntegra no n. 37 de SolNascente de 1 de Junho de 1939. Assina-o lvaroCunhal.

    O artigo chamar-se- Numa Encruzilhada dosHomens, sendo fcil de ver que o prprio ttulo era jpolmico, oferecendo-se ao leitor como clara contra-proposta a Encruzilhadas de Deus, ttulo do terceiro livrode poemas de Jos Rgio, aparecido em 1936.O textode lvaro Cunhal pode sumarizar-se nos seguintestpicos:

    1. A humanidade chegou a uma encruzilhada (. . . ) Cadaqual tem de escolher um caminho (...) O destino domundo est em jogo (...) H (...) homens que se assustamou horrorizam. Alguns desses homens afastam-se

    prudentemente, monologando acerca dos horrores da luta

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    travada (...) O clamor desorienta-os e leva-os a procurar asolido. Julgam, assim, libertar-se da necessidade deescolher um caminho.

    Este primeiro tpico uma crtica bvia ao poemaCntico Negro de Rgio, inserto no livro de estreia doPoeta, Poemas de Deus e do Diabo (1925) que , semdvida, um dos livros mais extraordinrios de toda apoesia portuguesa, o que, alis, nem sequer estava em

    questo. 50Os versos do poema que, todavia, se pemem questo e se haviam de tomar no cavalo de batalhacontra o qual os neo-realistas passaram a lanar todos osdardos, como se na verdade esses versos epitomisassemo autntico esprito presencista, ou tudo o que era aPresena, so os seguintes.

    A minha glria esta:Criar desumanidade!No acompanhar ningum.

    e, do mesmo modo, a estrofe final:

    Ah, que ningum me d piedosas intenes!Ningum me pea definies!Ningum me diga: vem por aqui!

    A minha vida um vendaval que se soltou. uma onda que se alevantou. um tomo a mais que se animou...No sei por onde vou,No sei para onde vou,Sei que no vou por a!

    O segundo dos tpicos de lvaro Cunhal, relacionadocom o primeiro, incide concretamente sobre alguns

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    versos de Encruzilhadas de Deus, os quais se encontramno poema Mitologia. A certa altura diz o Poeta:

    Vergo a cabea sobre o peito,Concentro os olhos sobre o umbigo,E um corao que me ho desfeitoChora de achar-se s comigo...

    O que permite ao crtico estabelecer que

    2. a vida, para esses homens, pouco mais que aapreciao do prprio cansao, do prprio desalento, daprpria solido (...) O seu eu passa a ser motivopredominante da sua vida (...) Fugir do mundo barulhentoe prenhe de dios e amor, para no comparticipar (...)Ficar s, s, s! Adorar o prprio umbigo e cantar!

    Daqui estabelece a linha divisria que separa as duasgeraes:

    3. (...) a sorte de milhares de homens depende docaminho que ser seguido (...) (H) artistas que (...) fazemnaturalmente reflectir nas suas produes artsticas aspreocupaes que os obsecam. A nica diferena entreestes artistas e os artistas solitrios que, enquanto aobsecao destes o prprio umbigo, a daqueles a sorteda humanidade. Mas, quer uns quer outros, pemnaturalmente a arte ao servio de qualquer coisa: nuns, essaqualquer coisa a vida de milhares de seres; noutros essequalquer coisa o prprio umbigo. (O prprio Jos Rgioaconselha cada artista a falar do que mais profundamentesente, pensa, imagina, sonha, vive, sabe, Seara Nova, n.609)

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    observao polmica de Rgio de que no se deveconfundir literatura (falo daquele aspecto principal daliteratura que a arte literria) com a poltica ousociologia, nem a arte literria propaganda seja do quefor o que constitui sempre o argumento ltimo dosadeptos da arte pela arte responde lvaro Cunhalcom a posio que pretende ser a que concilie e supereas posies em conflito, numa declarao de princpiosque, em 1939, seis meses depois do aparecimento deGaibus, era obviamente a de um Neo-Realismo ideal aque Alves Redol no havia obedecido ou que haviaarredado do seu caminho como incomportvel com oimediatismo da mensagem que se impunha comoimperativamente necessrio transmitir:

    4. transparente como gua que literatura no poltica nem sociologia e que arte literria no propaganda. Mas no menos transparente que toda a obraliterria voluntria ou involuntariamente exprime umaposio poltica e social e que toda ela faz propaganda sejado que for (inclusivamente do prprio umbigo).

    Simplesmente, h quem prefira, pelas razes atrs expostas,as obras literrias que exprimem determinada posio polticae social s obras literrias que exprimem outra posiopoltica e social. E uma posio poltica e social no existes quando se afirma claramente a preferncia por um ououtro dos caminhos que saem da encruzilhada, mas existeainda quando h um afastamento da encruzilhada. Creio digo-o quase sem ironia que a adorao do prprioumbigo exprima tambm uma posio (e at uma atitude)poltica e social...

    Foi deste confronto em relao a Rgio, em especial,que nasceu, portanto, a acusao genrica e fcil, de que

    toda a Presena estaria imbuda de umbilicalismo.A palavra

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    fez carreira e foi, naturalmente, extremamente ressentidaentre os presencistas, do mesmo modo que as palavras

    fanatismo e, sobretudo, dogmatismo, constituram, ofensasque os neo-realistas no puderam ento (comocontinuam hoje) a no poder perdoar. O conflito entreas duas geraes encontrava-se, portanto, ferinamentedesencadeado. Os argumentos dos presencistas iriam,alis, ser repetidos pelas dcadas fora, at hoje, pelosinimigos do Neo-Realismo: a tecla batida foi sempre amesma, por muito pretensamente inteligente ouoriginais que os seus detractores se tivessem sucedido naestafeta em que o testemunho a transmitir, afinal, nuncamudou de aspecto, forma, cr, peso ou tamanho. JooPedro de Andrade tentava j, em 1938, lanar gua nafervura. Em artigo nO Diabo, 51 observava que naconturbada atmosfera da nossa poca uma conscinciase est formando e que alguns reflexos dessaconscincia chegam at ns. Advertia, porm e estaadvertncia tinha em vista os intelectuais da Presena ,que homens vindos de outra poca, embora recente,no se encontrassem adestrados para sentir inteiramentea poca actual, para moldar ao ritmo dela o seu conceitode vida. Os presencistas pareciam ser, portanto,segundo as palavras de Joo Pedro de Andrade,insensveis grande convulso poltica e social queabalava a Europa Ocidental, com a emergncia doFascismo, que j trazia a Espanha em p de guerra. Doprprio seio da Presena saa um poeta, Adolfo CasaisMonteiro, que, embora defendendo a poesia docontacto mais ou menos obrigatrio com aspreocupaes profanas (...) pensa mais nos outros doque em si. Referia-se ao livro de poemas Sempre e SemFim (1937), obra que muito impressionou os neo

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    realistas que ento procuravam caminhos, entre os quaisMrio Dionsio. Joo Pedro de Andrade observava, at,a estranha dualidade entre o terico da Presena e opoeta prtico, achando-a bela, pelo que representavade desinteresse e de iseno. Em tal livro, AdolfoCasais Monteiro definiria mesmo uma poderosaorganizao de homem social, afirmao que nenhumneo-realista se atreveu a impugnar. Talvez pela certezainerente a esta observao, o crtico declarava:

    Assim, uma gerao que sucede a outra gerao , maisdo que diferente, antagnica da que a antecedeu. Esseantagonismo resulta, em grande parte, do ardor com quecada uma defende as suas convices. Nenhuma delas possuidora da verdade suprema. (...) Para anular ouatenuar esse antagonismo seria necessrio: que a geraopresente ponderasse o quanto so falveis os juzos assentessobre entusiasmos excessivos: que a gerao passada nosupusesse estar de posse da nica verdade, e que nos seusconselhos juventude abandonasse certo tom de irritanteproteco, e de exagerada confiana em si mesma quedesde logo pe de sobreaviso aqueles a quem se dirige...

    (...) A gerao anterior (a presencista) afirma, por vezesrudemente, a absoluta independncia da arte: outras vezesreconhece, expondo conceitos de humanidade adredeforjados, que em ltima anlise a arte sempre humana esocial. A gerao actual (a neo-realista) inclina-se para aresposta afirmativa segunda interrogao, e os seuspareceres so por vezes demasiado rgidos e dogmticos.

    Mas o conflito seria apenas (mais um) entre duasgeraes? Em polmica clebre entre Joo Pedro deAndrade e Mrio Dionsio, travada anos mais tarde eque no cabe aqui historiar, este ltimo proferira as

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    seguintes palavras (entre muitas outras) com as quaisinteiramente concordamos:

    No se trata de uma oposio de geraes (...) mas degrupos sociais, de interesses opostos, de mentalidadesopostas, de atitudes opostas, de homens diferentes.

    O que explica muito melhor o depoimento atrscitado de Jos Gomes Ferreira. Por isso, um grande

    poeta como Afonso Duarte (1884-1958), acabaria portambm se tornar companheiro dos jovens quelanavam as primeiras pedras do Neo-Realismo.Confronto, pois, entre duas concepes do mundototalmente diversas. A da Presena repetimo-lonoultrapassava, de um ponto de vista ideolgico, umhumanitarismo ainda mais dessorado que o da Geraode 70. No pensava em quaisquer solues para omundo, porque os seus representantes intelectuaisinteressavam-se exclusivamente numa actividade, a doescritor que escreve, a qual pressupunham com tenacidadecorno ser desligado dos interesses mais gerais (e logo

    inferiores) do comum destino humano. No aceitavamque a obra dele pudesse ser, antes de mais e acima detudo, fruto de uma conscincia social, conscincia naqual participava a prpria singularidade (ou excepcionalidade)psicolgica do artista, como reflexo do mundoextremamente vasto e complexo onde se formouadaptando-se e reagindo em maior ou menor escala,integrada (contra ou a favor e nas vrias e subtisgradaes que estas atitudes podem assumir) num todoeconmico, poltico, social, de tradies culturais ououtras, de ideologias; em suma: no complexocontraditrio, instvel ambiente de uma poca. A partir

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    de tudo isto constri o escritor, a sua ideologia ouconcepo do mundo, mais ou menos alienada, mais oumenos lcida, que se manifestar, depois, na sua obra.53

    O caso dos dissidentes ou, posteriormente, o deAdolfo Casais Monteiro (sempre, alis, temveladversrio terico do Neo-Realismo), no invalida oque de um ponto de vista neo-realista, profundamenteno plano da Ideologia, caracterizou negativamente oshomens da Presena: a sua f na arte-pela-arte, na arteintil; o seu apoliticismo; o seu idealismo; o seuhumanismo humanitarista ( maneira da gerao de 70)quando vagamente o havia; a sua crena na reformamoral do Homem, desde dentro; quando mesmo snesta espcie de reformismo se acreditava; o seuescandaloso descaso pela circunstncia histrica domundo; o seu horror pelas transformaes sociais; o seuconservadorismo, quando no o seu reaccionarismo; oseu profundo anti-marxismo, mesmo quando sereinvidicassem de socialismo que no poderia ser senouma tinta j leve do que haviam palidamente herdado doproudhonismo oitocentista.

    5. PROPOSTAS TERICAS BSICASDO NEO-REALISMO

    As propostas concretas do Neo-Realismo viro a serexplicitadas com uma certa lentido terica. MrioDionsio em artigo j citado, S.O.S. Gerao emPerigo 54dir, por exemplo (isto em 1939),mais de umano depois de Joo Pedro de Andrade ter falado daquerela das duas geraes:

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    (...) Do alto da sua autoridade crtica 55 das regies do

    absoluto, suspensos no espao, esbofeteiam heroicamenteuma gerao... que ainda no existe. Confundem meia dziade indivduos que comeam a aparecer, apenas unidos porum mnimo de pontos de vista comuns, com um grupo emplena actividade, subordinado a rgida doutrina.

    Mrio Dionsio parece, pois, acreditar que a gerao

    neo-realista ainda no tem existncia em meados de1939.At que ponto ser esta afirmao verdadeira?Meia dzia de indivduos no seria uma forma dediminuir-lhes em excesso as fileiras? Mas diminuir paraqu? A verdade que por essa data ainda no tinhaaparecido um livro verdadeiramente neo-realista, a noser a possvel tentativa que constituem os dois ltimoscontos de Iluso da Morte (1938),de Afonso Ribeiro, queadiante referimos. Todavia, j tinham publicado poemas,contos e extractos de romances, todos aqueles que, nomuito tempo depois, se haviam de tornar nas grandesfiguras do Neo-Realismo portugus, os Mestres dele.

    Entre estes, os mais precoces Carlos de Oliveira eFernando Namora, de parceria com Artur Varela (queabandonaria as letras), j haviam publicado, mesmoantes de Afonso Ribeiro, um volume de contosintitulado Cabeas de Barro, com data de 1937, sobre oqual tambm falaremos um pouco mais adiante.

    O que interessante notar que Mrio Dionsio, emmeados de 1939, declarava que a gerao ainda noexistia (ou no existia, pelo menos, a conscincia de ela

    j existir), talvez porque para fazer frente obra jvultuosa dos presencistas, a gente nova no podiaresponder-lhes com produes acabadas que tivessem

    peso suficiente para imp-las como gerao.

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    Mais, pois, do que uma obra que ainda no existe, diz-nos Mrio Dionsio que o que une essa meia dzia deindivduos um mnimo de pontos de vista comuns.Que pontos de vista? Pois bem: os que constituiro abase ideolgica do Neo-Realismo a aprestar-se parafazer o seu aparecimento na Histria da LiteraturaPortuguesa.

    O primeiro deles parece-nos ser a forma como contestado o Humanismo burgus de oitocentos, oSocialismo utpico da Gerao de 70,como j tivemosocasio de frisar quando nos referimos ao artigo OPapel duma Nova Gerao de Jofre Amaral Nogueira.Fernando Piteira Santos, tambm um dos primeirostericos do Movimento, havia, posteriormente, dereiterar tal posio atravs de algumas palavras lapidaresa propsito de Antero:

    (Antero)... considerava o movimento proletrio estreito,incapaz de avalizar converses, assustador para a burguesia.O seu socialismo procedia de uma preocupao moral, deuma generosidade fidalga, de um tradicional cristianismo e

    no de um exame reflectido do desenvolvimento dosfenmenos sociais (...) Em Antero agita-se o drama deuma poca e o drama de um filho dessa poca. O drama deuma classe que experimentava o receio dos foras quecriara 56.

    Esta opinio ser, mais tarde ainda (1963),definitivamente esclarecida por Augusto da Costa Dias,importante idelogo do Neo-Realismo, cuja aco secentra nos anos 60 e 70at sua morte (1976):

    ...A conscincia do proprietrio (ou melhor dopequeno-burgus proprietrio) nunca se apagar em

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    Antero, em Queirs e em Oliveira Martins, para citarapenas os trs vultos proeminentes do grupo. E, por isso, osocialismo que defendem mais um protesto do que ummovimento com razes nas massas; nuns em maior escalado que noutros, no passar de um socialismo conservadorque no se atreve a contestar, na essncia e na prtica, acausa dos males que denuncia e, em ltima instncia,procura inconscientemente deter ou prevenir aproletarizao da classe em que se integravam 57.

    Ambas estas formulaes so tardias, especialmente altima, mas ambas traduzem melhor, em resumo, qual aposio neo-realista que eraponto de f comum quanto herana ideolgica da Gerao de 70. Que pode o NeoRealismo oferecer, como programa contestatrio, a esteSocialismo utpico do sc. XIX? A alternativa doSocialismo marxista-leninista que bem cedo aparece soba designao eufemstica de Novo Humanismo ou Neo-Humanismo. A prpria designao Neo-Realismo surgecomo outro disfarce eufemstico para resignar oRealismo Socialista, ou melhor: todo aquele Realismo

    cujo iderio pressupunha como filosofia bsica omaterialismo dialctico, pelo que se superava, por suavez, o Realismo Burgus, o Naturalismo ou o Realismo-Naturalismo do sculo XIX e princpios do sculo xx,cujo positivismo Comte, tambm se procuravatranscender. Se, pelo decurso dos anos 30, surge nasrevistas j referidas uma teorizao esparsa domarxismo, cujo levantamento detalhado tambm nocabe aqui fazer, em 1938, no Sol Nascente ainda se gastampginas para divulgar o que a dialctica (ou omaterialismo dialctico), 58 a designao RealismoHumanista aparece-nos em O Diabo, n. 235, de 25 de

    Maro de 1939, em artigo terico assinado por Mrio

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    Ramos, onde, numa das notas, se postula, com a veladaclareza que a Censura fascista podia permitir, a mesmaposio posteriormente mais bem formulada por PiteiraSantos e Costa Dias. Lemos, com efeito:

    Os humanistas que possuem o privilgio de se colocaremau del das coisas reais, fora da praxis, sem a consideraodo conflito material, negam automaticamente todo o humanismo.

    A realizao do verdadeiro humanismo coincide com a

    destruio da KIassenkampf 59. S nesta medida pode serconsiderado. Considerado au del das coisas reais, umaalienao da conscincia motivada pela falta de conscinciadas prprias coisas reais.

    A prpria palavra materialismo dialctico passa a serreferida, muitas vezes, pela abreviatura diamtica (asprimeiras slabas da designao inglesa dialecticalmaterialism a fim de, da mesma forma, se poderem iludiros censores.

    Os pontos de vista comuns a que Mrio Dionsio serefere, ou a comunidade da participao deles, encontra-

    se bem exemplificada no n. 234 de O Diabo (18 deMaro de 1939) onde se presta homenagem ao editorialdo nmero desse mesmo ms de Sol Nascente, editorialonde se afirmava ser esta revista um rgo de gentenova apostada em reagir:

    ... contra a metafsica e contra o psicologismo,apoiando-se na obra crtica do pensamento diamtico; (a)combate(r) pelo Neo-Realismo como forma necessria dahumanizao da arte; (a) defende(r) um humanismo integralque seja verdadeiramente um humanismo humano.

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    Sol Nascente proclamava ainda que to grandiosatarefa no podia ser obra de alguns indivduos, masantes um desideratum da formao duma verdadeiraconscincia colectiva, para o qual todos deviamtrabalhar com nimo forte na edificao da nossa obracomum. O Diabo, ao transcrever tais palavras, afirmava:

    Esta obra comum de que fala Sol Nascente o trabalho deuma gerao inquieta que erguer novos valores. Dascolunas de O Diabo estendemos a mo a Sol Nascente, novoc