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Irão

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    O I r o d e A h m a d i n e j a d

    Maria do Cu Pinto*Professora Auxiliar com Agregao da Universidade do Minho

    Resumo

    O Presidente do Iro, Mahmoud Ahmadinejad,reflecte a segunda gerao herdeira da Revo-luo Islmica de 1979, que , por natureza,conservadora e anti-ocidental. A sua base deapoio um movimento que resulta da fusoentre conservadores-extremistas religiosos,grupos militares e para-militares (em particularos Guardas Revolucionrios e os basij), que sepropem fazer cumprir os ideais da Revoluo.Todos eles abraaram vises socialmente con-servadoras e internacionalmente conflituosas,tendo alguns apoiado actividades violentas noexterior. Na perspectiva externa, o estilo temsido mais agressivo, o que tem agravado astenses com Washington. Importa lembrar queo Iro governado por instituies complexas,com vrios centros de poder em competio,favorecendo a continuidade mudana. Ne-nhum dos aspectos essenciais do comporta-mento passado mudou: o regime est longe docolapso, detm trunfos no que diz respeitoquer ao Iraque, quer proliferao nuclear.Alm disso, apoia a actividade terrorista noestrangeiro. Consequentemente, qualquerpossibilidade de mudana no seu comporta-mento s poder resultar de um esforo srioe coordenado de integrao do Iro.

    AbstractAhmadinejads Iran

    The surprise election of Mahmoud Ahmadinejadhas given its rise to pessimistic predictions aboutIrans domestic and foreign policies and relationswith the U.S. and the European Union. There arereasons for concern. Based on his rhetoric, pastperformance, and affiliations, Ahmadinejad signalsa rightward turn and the Islamic Revolutionsfervour. Ideologically, the best indicator of his viewsare the positions of his allies the IslamicRevolutionary Guard Corps (IRGC), the basij militiaand the Abadgaran movement. All of them haveembraced socially conservative and internationallyconfrontational outlooks, and some of which havesupported violent activity abroad. On the foreignfront, the style has been more confrontational andhas aggravated tensions with Washington. It isimportant to bear in mind that Iran is governed bycomplex institutions and competing power centresthat inherently favour continuity over change. Moreimportantly, none of the fundamentals of pastbehaviour has changed: the regime is not about tocollapse; it holds pivotal cards on Iraq and nuclearproliferation; and it continues to support terroristactivities abroad. Thus, any chance of modifying itsbehaviour will come, if at all, through serious,coordinated efforts to engage it.

    Vero 2007N. 117 - 3. Sriepp. 197-220

    * Autora dos livros: As Naes Unidas e a Manuteno da Paz, Coimbra, Almedina, 2007; O Islo na Europa (coord.), Lisboa,Prefcio, 2006; Infiis na Terra do Islo: os Estados Unidos, o Mdio Oriente e o Islo, Fundao Calouste Gulbenkian, 2003;Islamist and Middle Eastern Terrorism: A Threat to Europe?, Centro Militare di Studi Strategici (CeMISS)/Rubbettino, Roma,2002; Political Islam and the United States: A Study of U.S. Policy Towards the Islamist Movements in the Middle East, IthacaPress, Reading, 1999.

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    O Iro de Ahmadinejad

    O Presidente do Iro, Mahmoud Ahmadinejad, eleito em Junho de 2005, corresponde segunda gerao herdeira da Revoluo Islmica de 1979, por natureza conservadorae anti-ocidental. O seu pensamento poltico radica-se na lgica de conflito e beligernciapermanente com o mundo exterior, lgica esta fortemente enraizada na mensagemrevolucionria do Ayatollah Khomeini. Como tal, Ahmadinejad tem as suas prpriascredenciais revolucionrias: integrou os Guardas Revolucionrios/Pasdaran logo apsa Revoluo e participou activamente na guerra Iro-Iraque.

    Em termos doutrinais, o pensamento poltico de Ahmadinejad filia-se no ideriopoltico-social de um movimento poltico denominado Abadgaran.1 O Abadgaran foicriado em 2003, quando um grupo de ultra-ortodoxos islmicos decidiu formar umaaliana para concorrer s eleies municipais de Teero. O movimento resulta deuma fuso entre conservadores-extremistas religiosos, grupos militares e para-militares(em particular, os Guardas Revolucionrios), que se propem fazer cumprir os ideaisda Revoluo islmica de 1978-79.2 O presidente iraniano faz parte de uma linhaconservadora, fiel aos princpios da Revoluo, que tambm nacionalista, xiita e anti--americana.3

    Enquanto presidente da Cmara de Teero, Ahmadinejad tentou contrariar os novosventos reformistas promovidos pelo ex-presidente, Mohammed Khatami (1997-2005),por intermdio, designadamente, dos seus correligionrios polticos que usavam daintimidao e violncia fsica contra os que tinham um modo de vida consideradoocidental (por exemplo, o uso da maquilhagem e de certo tipo de vesturio).4

    No obstante a rigidez filosfica de Ahmadinejad, a sua base social de apoio ampla.5 A sua rede de influncia manifesta-se sobretudo nas mesquitas (os mullahs), napopulao pobre, nos basij (corpo paramilitar criado por Khomeini para organizar aresistncia popular na guerra Iro-Iraque), e nos Pasdarans ou Guardas Revolucionrios(um poderoso corpo militar paralelo s foras armadas regulares).

    A vitria de Ahmadinejad nas presidenciais iranianas deve-se a inmeros factores.Em primeira instncia, o seu programa social ambicioso, baseado numa retrica populista:

    1 International Crisis Group (ICG), Iran: What Does Ahmadi-Nejads Victory Mean?, Middle East Briefing,n 18, Teero/Bruxelas, 4 de Agosto de 2005.

    2 ICG, op. cit., p. 8.3 Id., p. 9.4 John Simpson, Irans New Leader: A Familiar Face, BBC News (em http://news.bbc.co.uk/go/pr/fr/-/1/hi/world/middle_east/4626081.stm).

    5 Ren Backmann, O Iro j no tem medo da Amrica, Viso, 2 de Fevereiro de 2006, p. 58, 60.

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    distribuio de riqueza; mais justia social; aumento dos subsdios sociais e do peso doEstado; luta contra a corrupo, privatizaes e interesses instalados. Este discurso,aliado ao poder religioso dos mullahs e mobilizao do eleitorado por parte dos basije dos Pasdarans, garantiu a Ahmadinejad a vitria eleitoral.

    Em segundo lugar, Ahmadinejad o representante dos Pasdarans e dos basij, a elitedas elites dentro do sistema poltico iraniano, cujas ramificaes se estendem ao Parla-mento, aos Guardas Revolucionrios, ao Conselho dos Guardios, e ao prprio Lder//Guia Supremo, o Ayatollah Ali Khamenei.

    Os dirigentes do movimento poltico Abadgaran desfrutam de uma enorme cumpli-cidade com os Guardas Revolucionrios que, no sistema poltico iraniano, representamum Estado dentro do Estado, controlando numerosos aspectos da vida econmica, sociale poltica. Por sua vez, este corpo paramilitar goza da conivncia do Lder Supremo, quedeles depende para a manuteno do poder. Da que os Guardas controlem sectoreseconmicos importantssimos (no comrcio, telecomunicaes, energia, obras pblicas),inclusivamente actividades na economia informal (burla alfandegria, lavagem dedinheiro, trfico de droga). Assim sendo, o tipo de interesses que os Pasdaran detm,d-lhes a possibilidade de condicionar o progresso econmico e poltico do Iro.

    Finalmente, Ahmadinejad conta com o apoio dos lderes religiosos e tribais,6 osquais, devido aos esquemas de corrupo, dominam as associaes e fundaes islmicasde caridade e o comrcio tradicional o chamado bazaar.7

    Em concluso, o Presidente Ahmadinejad est envolvido nas redes conservadoras epoderosas do regime iraniano, cujos arquitectos so o Lder/Guia Supremo, o Conselhodos Guardios e os Guardas Revolucionrios.

    Para compreender a ascenso da figura poltica de Ahmadinejad preciso ter emconta que o sistema poltico iraniano gravita em torno de dois grandes universos: os

    6 No sistema poltico iraniano, os chefes polticos tm sido simultaneamente lderes religiosos ( excepode Ahmadinejad).

    7 Esta classe engloba no s os pequenos comerciantes (situados no espao fsico do bazaar), bem como osector do comrcio de retalho, a manufactura de pequena escala ou artesanal e o sector bancriotradicional. de certa forma, a pequena burguesia, embora, na realidade muitos dos elementos daquelemeio sejam grandes comerciantes e bancrios. Caracterizam-se pela existncia de um certo espritocorporativo que deriva da multiplicidade das suas interaces, da partilha dos mesmos espaos, devivncia de uma cultura tradicional comum (referenciada no Islo) e pela resistncia penetrao deinfluncias externas. Efectivamente, a modernizao das estruturas econmicas (no sector bancrio e decomrcio), reduziu o seu papel. V. Maria do Cu Pinto, Islo, fundamentalismo e Revoluo Iraniana, tese demestrado, ISCSP: Estratgia, vol. IX, 1997.

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    O Iro de Ahmadinejad

    corpos polticos eleitos Presidncia e Parlamento Iraniano e os corpos polticos no--eleitos Lder Supremo e o Conselho dos Guardios.

    A respeito dos corpos polticos eleitos, a Presidncia e Parlamento iranianoscumprem, respectivamente, as funes de governar8 e de legislar.9 Todavia, de acordocom a Constituio Iraniana, o Presidente responsvel perante o Guia Supremo,que tem o poder de o demitir.10 Por outro lado, no controla as Foras Armadas,11 edesse modo -lhe negado o poder de fazer a guerra e a paz.12 Esta competncia exclusiva do Lder Supremo que, atravs do comando supremo das Foras ArmadasRevolucionrias, domina o cenrio diplomtico e militar.

    Por sua vez, embora o Parlamento produza legislao,13 esta tem de passar pelo filtrodo Conselho dos Guardios, a fim de apreciar a sua constitucionalidade.14

    No que respeita aos rgos no-eleitos, o Guia Supremo e o Conselho dos Guardiosso os mais relevantes. O Lder Supremo para alm de ser o Comandante Supremo dasForas Armadas, constitui, igualmente, o mais alto magistrado da Nao15 (responsvelpela investidura e demisso dos altos magistrados) e nomeia seis dos doze membros doConselho dos Guardios. Por intermdio deste rgo, o Guia Supremo controla toda aactividade legislativa parlamentar,16 velando assim pela rigidez doutrinria da ortodoxiaislmica revolucionria.

    O Conselho dos Guardios, para alm de julgar a constitucionalidade das leisaprovadas pela Assembleia, determina quais os candidatos aptos a concorrerem Presidncia e ao Parlamento. Dessa forma, todos os candidatos Presidncia do Iro tmque seguir escrupulosamente os preceitos deste rgo, sob pena de excluso do processoelectivo.

    Desta anlise patente que o poder ltimo o poder religioso, localizado no LderSupremo. Ahmadinejad no dispe, assim, de autoridade suficiente para decidir sobre asgrandes linhas de orientao nacionais, dado que o prprio sistema constitucional

    8 Artigos 113. e 134. da Constituio da Repblica Islmica do Iro CRI (em http://www.salamiran.org/IranInfo/State/Constitution/).

    9 Artigo 71. da CRI.10 Artigo 110. (n 10) da CRI.11 Artigo 110., (n 4) da CRI.12 Id., alnea 5.13 Artigo 71. da CRI.14 Artigo 94. da CRI.15 Artigo 110. da CRI.16 Artigo 111. da CRI.

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    iraniano o remete para segundo plano. A base de poder de Ahmadinejad mesmo maisfrgil do que a de Khatami, o seu antecessor reformista. Alis, caso o PresidenteAhmadinejad insista nas suas reformas polticas e sociais, como a redistribuio dariqueza ou a batalha contra a corrupo, corre o risco de fragilizar o seu poder. Ou seja,qualquer tentativa de controlar ou alterar o sistema econmico e social vigente poderp-lo em confronto com as estruturas de poder iraniano, as quais no esto dispostos aaceitar reformas que ponham em causa a sua base de poder.

    Para alm das estruturas formais de poder, o facto de subsistir no Iro uma economiainformal, em que esto envolvidas as instncias mximas do poder, alimenta a pluralidadede centros decisores na Repblica Islmica. O que est em causa na luta entre as facesno a sobrevivncia ou a extino da Revoluo Islmica, mas a diviso dos despojosdo poder. A economia formal vale 500 mil milhes de dlares, mas existe uma economiainformal, grande parte da qual encorajada pelo sistema poltico e gerida pelas funda-es religiosas (bonyads) e outras redes que ligam o bazaar com diferentes partes daestrutura do poder. Apesar dos efeitos negativos da Revoluo, da guerra com o Iraquee das sanes impostas por Washington, o Iro conheceu um desenvolvimento econmi-co rpido nestes ltimos anos, impulsionado pelo petrleo, construo e especulao. Osprincipais beneficirios foram os ramos em competio da elite poltica e econmicaligada aos mullahs. Estas faces usaram a riqueza e influncia para se envolverem emactividades especulativas no mercado de aces e imobilirio e para reforar o seu poderpoltico, expandindo as suas redes de clientelismo.17

    Ou seja, a prpria elite poltica iraniana depende de um conjunto de instncias quedo vigor ao seu poder. No caso de Ahmadinejad, a sua base de apoio funda-se, quer nosGuardas Revolucionrios, quer no conjunto de agentes sociais e econmicos (como asfundaes religiosas e o bazaar), que, de modo no formal, comandam a ineficiente masorganizada teia de poder. Consequentemente, o Presidente Ahmadinejad encontra-se nocerne de diversos plos de poder, ora colaborantes, ora em competio para a obtenodo poder.

    1. Ahmadinejad e o Contexto Nacional

    O Iro passa actualmente por uma situao de crise econmica resultante, em largamedida, das sequelas da guerra Iro-Iraque, do embargo econmico imposto pelos EUA,

    17 Tom Porteous, Reading Iran, Prospect , n 118, Janeiro de 2006, p. 6.

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    pelas distores do prprio mercado e pela incapacidade do Estado reformar a prpriaeconomia.

    A sua populao, esmagadoramente jovem, educada e desempregada favorvel sreformas polticas e sociais e aspira a usufruir do modelo de vida ocidental e das suasliberdades. Apesar do seu aparente imobilismo, rigidez e da represso dominante, asociedade iraniana uma sociedade marcada por grande debate interno, confronto evivacidade de ideias. Pode-se mesmo dizer que possui um sistema poltico competiti-vo,18 que ultrapassa a cpula governativa formal e as estruturas clandestinas depoder que dominam o Iro. Este pas tem, alm disso, uma das opinies pblicas maisesclarecidas e contestatrias do Mdio Oriente.19

    A crise econmica e social combina-se actualmente com uma situao de estabili-dade poltica de natureza conservadora, baseada nos valores religiosos da RepblicaIslmica e das instncias que a controlam: no presente cenrio, assim de afastar apossibilidade de uma reviravolta revolucionria com que os Americanos h tanto temposonham.20

    Apesar do princpio da representatividade poltica estar garantido no Iro,atravs de eleies livres para a Presidncia e para o Parlamento, os rgos eleitosno tm efectivamente poder real para encetar reformas de fundo do sistema pol-tico.

    Dada a ausncia de um espao poltico verdadeiramente aberto, o campo de batalhadas diferentes concepes polticas tem precisamente lugar nos rgos polticos no--eleitos, designadamente no seio do prprio Conselho dos Guardios. Neste crculo,duas posies esto em confronto: os conservadores pragmticos (liderados por HashemiRafsanjani) e os conservadores ortodoxos radicais (liderados por Khamenei). Os conser-vadores pragmticos defendem o modelo islmico puro (no questionam de todo aestrutura teolgica do poder), embora flexvel (no plano econmico, uma maior aberturae, no plano exterior, a necessidade de encontrar um modus vivendi pragmtico com oOcidente, principalmente com os EUA).

    Os conservadores ortodoxos diferem dos anteriores em relao abertura econmicados monoplios estatais aos mercados internacionais e em relao a uma plataforma de

    18 Zbigniew Brzezinski, Robert M. Gates e Suzanne Maloney, Iran: Time for a New Approach, NY, Council onForeign Relations, 2004, 0.p. 13.

    19 De acordo com CFR, cerca de 70% da populao iraniana jovem, altamente educada e favorvel expanso dos direitos econmicos, sociais, polticos e culturais: Brzezinski et al., op. cit., p. 14.

    20 Brzezinski et al., op. cit., p. 13.

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    compromisso poltico com o Ocidente,21 em geral, e com os EUA, em particular. Nestemomento, so os conservadores que dominam o aparelho de Estado e mantm umapertado controlo sobre o mesmo.22

    A ascenso de Ahmadinejad significativa na medida em que consolida a posioultra-ortodoxa no aparelho de poder iraniano. Ela significa, por um lado, a derrota dastentativas reformistas de Khatami, desacreditado ao fim de dois mandatos porque semostrou impotente para impor o seu plano de reformas e desmantelar um sistemaarmadilhado, construdo para servir uma rede clientelar e oligrquica. Por outro lado,a vitria de Ahmadinejad fez recuar as hostes pragmticas lideradas por Rafsanjani ocandidato que era dado como favorito para as presidenciais. Isto , a eleio do populistaortodoxo deu novo vigor e contribuu para a consolidao dos ultras do regime, quedesta forma ocultam o seu fracasso em termos econmicas, polticos e internacionais.Assim, o populismo de Ahmadinejad o ardil perfeito para o adiamento das reformaspolticas e sociais de que o Iro necessita.

    2. Ahmadinejad e a Poltica Externa Iraniana

    Quando abordamos a poltica externa iraniana h que ter tambm aqui em conta adiversidade de plos decisores em matria de relaes externas. A poltica estrangeirairaniana dominada por dinmicas de rivalidade interna, o que conduz frequentementea posies contrapostas no seio dos diversos organismos oficiais. Conforme registamosanteriormente, a existncia de dois grandes grupos conflituosos em matria de polticaexterna (conservadores ortodoxos vs. renovadores) gera necessariamente uma respostaque oscila em grau entre o antagonismo e a acomodao ao status quo.23 A poltica externairaniana no depende unicamente de um centro de poder (como o MNE), mas de umarede complexa de vrios centros de poder e gravita entre os dois extremos.

    Contudo, mesmo a ala dura do regime (khamenistas) optaram por uma linha deacomodao, devido a consideraes econmicas, que se expressam na melhoria derelaes diplomticas com os diferentes vizinhos (Cucaso, monarquias do Golfo, Iraque,

    21 Como refere o Artigo 3 (n 5) da Constituio Iraniana, o governo da Republica Islmica tem o deverde utilizar todos os meios ao seu alcance para eliminar completamente o imperialismo e a influnciaestrangeira (sublinhado nosso).

    22 Brzezinski et al., op. cit., p. 15.23 Id., p. 17.

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    Afeganisto), e com a Unio Europeia. Quer Israel, quer os EUA permanecem os arqui--inimigos do regime iraniano.24

    Com a vitria de Ahmadinejad e o assalto definitivo ao poder pelas hostes revolu-cionrias do regime (Pasdaran e os basij), o pragmatismo de Rafsanjani foi posto de ladoem favor de uma ideologia reaccionria em que o Ocidente e o Islo so vistos comoirreconciliveis.25 Neste contexto, segundo a linha oficial, Israel e os EUA representam aopresso ocidental contra os Muulmanos, e como tal devero ser activamente comba-tidos. Para o Ocidente, em geral, e para a Europa, em particular, a eleio de Ahmadinejadrepresenta o predomnio de uma linha dura, com consequncias para o processo de pazdo Mdio Oriente e para a melhoria das relaes entre o Ocidente e o Iro.

    Ahmadinejad tem pautado a sua aco externa por uma postura hostil e agressiva,como faz prova o programa nuclear e o apoio a organizaes militantes islmicas,nomeadamente o Hezbollah. Ahmadinejad reforou a poltica anti-ocidental do LderSupremo.26 Logo, a normalizao das relaes entre o Iro e o Ocidente que Khatamiesboou cautelosamente, sem forar demasiado no constitui uma prioridade do seugoverno.

    Na actual agenda da poltica externa iraniana, destaca-se a procura de novos par-ceiros e aliados para contrapor s presses do bloco ocidental. Neste captulo, a ndia ea China (e at certo grau a Rssia) ocupam um lugar de destaque no equilbrio de forasentre o Iro e o Ocidente. Eles desempenham um papel dissuasor de supostos intentosagressivos ocidentais/sionistas: efectivamente, no Conselho de Segurana eles consti-tuem um obstculo imposio de sanes ou a qualquer aco armada contra Teero.

    Segundo Farhad Khosrokhavar,27 nenhum pas est em condio de fazer imposiesao Iro. Na actual conjuntura, esta potncia surge como lder regional incontestado noMdio Oriente. A sua importncia no permite atitudes imponderadas por parte dacomunidade internacional, que depende desta para a continuao dos fornecimentos depetrleo a custos acessveis e para a resoluo do imbrglio iraquiano.

    A vizinhana do Iro tambm lhe d razo para estar mais descansado e confiante:o Iraque e o Afeganisto taliban j no representam uma ameaa; a Rssia depende demuitos contratos lucrativos com Teero e da no interveno iraniana na vizinha

    24 Id., p. 18.25 Backmann, op. cit., p. 58.26 ICG, op. cit., p. 11.27 Backmann, op. cit., p. 58.

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    Chechnia; a China no pode perder um dos seus principais fornecedores de petrleo ede gs natural. Os EUA esto demasiado absorvidos na questo iraquiana, cujo progres-so pode ser influenciado por Teero.

    Em suma, Teero sente-se forte do ponto de vista estratgico e desdramatiza qual-quer cenrio de interveno militar, pois o mundo ocidental depende da sua boa vontadepara o desempenho eficiente dos mercados energticos mundiais e do processo de pazno Mdio Oriente.

    3. A Questo Nuclear

    Ahmadinejad tem vindo a escalar a crise nuclear que data de 2003 e que subiu paraum novo patamar em Janeiro de 2006 quando o regime decidiu retomar a actividade nocentro de pesquisa nuclear de Natanz e em duas instalaes de apoio. Ahmadinejaddeixou bem claro que o Iro no vai abdicar do seu programa nuclear. A Agncia obtevedo Iro, durante dois anos, a suspenso voluntria do programa de enriquecimento deurnio e um controlo das actividades nucleares. Tal aconteceu desde que, em Fevereirode 2003, a Agncia comeou a investigar as informaes de um grupo dissidenteiraniano, Mujahedin Khalq, que denunciou as actividades clandestinas de enriquecimen-to de urnio.

    Na origem da actual crise, est a posio de Teero de defender que no existemrestries pesquisa nuclear no mbito do Tratado de No-Proliferao Nuclear (TNP):O Iro no se comprometeu a no realizar experincias. nosso direito inalienvelpossuir a tecnologia nuclear. O Iro escuda-se no artigo IV do TNP que, diz, d aossignatrios o direito inalienvel de desenvolver a investigao, produo e uso deenergia nuclear para fins pacficos e adquirir tecnologia para este efeito a outrossignatrios. O Iro est a fazer progressos rpidos no desenvolvimento do ciclo decombustvel nuclear. O Iro tornou-se assim o dcimo pas no mundo a faz-lo, alm doscinco membros do clube nuclear e de Israel, ndia, Paquisto, Coreia do Norte e Brasil.

    Os Iranianos dizem querer proceder ao enriquecimento de urnio em pequenasquantidades para fins de investigao. A Unio Europeia (UE) e os EUA tm umentendimento diametralmente oposto e no vem qualquer diferena no enriquecimentode urnio em pequena ou larga escala, pois a questo relevante o domnio datecnologia do processamento a partir da, pode ser empregue para fins civis oumilitares. Os pases ocidentais argumentam ainda que no possvel confiar no regime

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    de Teero devido ao facto de este ter ocultado parte do seu programa nuclear desde queo desencadeou em meados dos anos 80, numa altura em que estava envolvido na guerracom o Iraque.

    O programa nuclear foi retomado em 1997 pelo reformista Mohammed Khatami, tidocomo um liberal. O domnio da tecnologia nuclear uma causa popular, defendida pormais de dois teros da opinio pblica iraniana e pelas elites, independentemente da suaposio no espectro poltico, porque refora o orgulho nacional.28

    O Iro pretende dotar-se da arma no para a usar: no provvel que o Irodesencadeie uma guerra nuclear no Mdio Oriente atacando o seu arqui-inimigo, que tambm a nica potncia nuclear da zona Israel. A arma nuclear confere ao Estado quea possui poder, influncia, status, poder de negociao e de chantagear. O problema que a bomba vai exacerbar a instabilidade no Mdio Oriente e intensificar a corridaarmamentista em curso. Os lderes iranianos querem a bomba para evitar que os EstadosUnidos ou a Gr-Bretanha faam no Iro o que fizeram no Iraque em 2003: a bomba teriaefeitos dissuasores em relao a possveis ataques. As armas nucleares so entendidascomo substituto das armas convencionais ou como meio de neutralizar as vantagens dosEstados hostis. Anthony Cordesman, um especialista diz que a ... proliferao de armasde destruio macia oferece aos Estados que dominam uma das corridas armamentistasuma forma de continuar a procurar a superioridade, ao mesmo tempo que oferece aosEstados mais pobres ou desafiadores uma forma mais econmica de tentar igualar abalana militar. Em muitos aspectos, a aquisio de armas de destruio macia simplesmente uma extenso lgica da corrida ao armamento convencional, por outrosmeios.29

    O regime iraniano tem outros objectivos estratgicos. Ele acredita que uma bombaaltera a balana de poder no Mdio Oriente. Israel deixar de ser o nico Estado daregio a possuir a arma dissuasora por excelncia. E os estrategas iranianos esperam usara ameaa da bomba para aumentar a sua influncia na regio e para reforar o seupatrocnio frente anti-israelita e anti-ocidental nos Estados do Golfo Prsico. Os gruposterroristas e insurreccionistas apoiados por Teero tm em curso, desde a implantaodo regime fundamentalista, uma jihad que vai de Buenos Aires a Beirut. Em todos estesanos, e apesar da presidncia do moderado Khatami, o Iro no desistiu dos seus

    28 Mail de Hossein Derakhshan para a rede Gulf2000, 12 de Abril de 2006.29 Anthony H. Cordesman, Weapons of Mass Destruction in the Middle East, Brasseys para RUSI, London,

    1991, pp. 16-7.

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    propsitos de exportar a revoluo e de reforar a influncia do Xiismo. Possuir umescudo nuclear vai-lhe permitir proteger e encorajar as actividades desestabilizantesdaqueles grupos. Os grupos anti-israelitas, como o Hezbollah, Hamas e a Jihad Islmica,usam o territrio libans e palestiniano para lanar as suas actividades terroristas contraIsrael. Aparte isso, Teero ambiciona incitar a rebelio entre os Xiitas que residem naArbia Saudita e noutros Estados do Golfo. So comunidades marginalizadas e descon-tentes que vivem no epicentro do mundo sunita e que o Iro ambiciona agitar para osseus interesses prprios.

    A comunidade internacional tenta mostrar uma frente comum em relao ameaairaniana, apesar das divises e desentendimentos quanto resposta a dar ao Iro. Ospases da troika empenhados nas negociaes (Alemanha, Frana e Reino Unido) tmvindo a endurecer a sua postura medida que o Iro vai subindo a parada. Esteendurecimento tem o seu lado negativo para estes pases da UE para quem o relaciona-mento comercial com o Iro um grande aliciante. Em troca da cooperao iraniana, aUE tinha oferecido ao Iro apoiar o seu pedido de adeso Organizao Mundial deComrcio, vender seis Airbuses civis e concluir um tratado de comrcio e cooperaobilateral. Mas algumas destas promessas dependiam da boa-vontade americana e,portanto, podiam revelar-se inviveis.

    O ponto de viragem nas negociaes aconteceu no Vero de 2005, quando asnegociaes da troika chegaram a um beco sem sada. Nos ltimos meses, houvemudanas no Iro que os Europeus no souberam reconhecer. A eleio de Ahmadinejadcontribuu para o impasse negocial. A sua retrica populista e fundamentalista e o factode ele ter mudado a equipa negocial vieram dificultar o dilogo.

    Na conduo das negociaes, os Iranianos tm bem presente o caso similar daCoreia do Norte que desenvolveu armas nucleares ao arrepio do TNP, posteriormentedecidiu retirar-se do tratado e conseguiu sair impune tendo, alm disso, obtido chorudascompensaes por parte de Washington e de Tquio. Alis, os Iranianos fazem acomparao com a Coreia do Norte e pensam porque que no podem obter as mesmasrecompensas pela sua cooperao.30

    O presidente iraniano critica a posio do Ocidente que acusa de ter dois pesos eduas medidas: pretende privar o Iro de tecnologia nuclear, mas permite que Israelmantenha um arsenal nuclear que, alis, nunca declarou oficialmente.

    30 Maria Joo Guimares, O risco na crise com o Iro que o bluff leve opo militar, Pblica, n 504,22 de Janeiro de 2006, p. 9.

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    Os pases que condenam de forma mais veemente as actividades nucleares de Teeroso os EUA e Israel. Nos EUA, muitos sectores tm vindo a defender o recurso aoinstrumento militar para bloquear o Iro. Segundo Washington, a ameaa resulta dapoltica iraniana de apoio aos activistas e a grupos anti-Israel, aos rebeldes do Iraque e eventual aquisio de um arsenal nuclear: Podemos no enfrentar um desafio maior vindode um s pas do que o do Iro, cujas polticas so destinadas a criar um Mdio Orienteque ser 180 graus diferente daquele Mdio Oriente que ns gostaramos de ver criado.31

    Os Israelitas exortaram a comunidade internacional a impor sanes ao Iro echamaram a ateno para a natureza do regime iraniano: uma combinao entre umaideologia fantica e a posse de armamento nuclear. Segundo responsveis israelitas,Israel no permitir que o Iro se dote da arma nuclear. A opinio de Tel Aviv teminfludo no endurecimento da posio americana face a Teero.

    A China considera que um recurso ao CS pode complicar as coisas e endurecer asposies de algumas das partes. Como exemplo, referiu a deliberao de Teero deinterromper as inspeces da AEIA s suas instalaes nucleares. A ndia e a Chinadesempenham um papel decisivo na evoluo da crise. Tm fortes laos com o Iro, masquerem a estabilidade na regio e do sistema internacional. Moscovo no quer um Iroatmico sua porta, nem uma corrida bomba no Mdio Oriente. A China e a ndiaprecisam do petrleo iraniano, mas tambm tm tudo a perder com uma catstrofe naregio, que ameaaria o seu abastecimento energtico. Com o passar do tempo e asevidentes manobras dilatrias do Iro, a China tem demonstrado menos pacincia comTeero.

    Seguramente que Ahmadinejad age racionalmente. A sua subida ao poder significaa marginalizao (pelo menos temporria) dos reformistas. Com a marginalizao dosreformistas, no regime est em curso uma luta entre conservadores pragmticos eradicais milenaristas. A escalada do conflito regional pode contribuir para fortalecer asua posio domstica, sobretudo porque Ahmadinejad teve uma vitria eleitoral ines-perada. Alm disso, o presidente iraniano calcula que os ocidentais recuaro perantesanes econmicas que fariam subir a nveis insuportveis o preo do petrleo (que em2006, devido procura crescente da China, ndia e dos prprios Estados Unidos,sofreu um aumento de mais de 50%).32 Washington est tambm numa posio difcil:

    31 Francisca Gorjo Fernandes, Rice diz que Iro o maior desafio dos Estados Unidos, Pblico, 10 deMaro de 2006, p. 20.

    32 Artigo de James Fallows, The Nuclear Power Beside Iraq, Atlantic Monthly, Maio de 2006, divulgado narede Gulf2000, 12 de Abril de 2006.

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    est envolvido no conflito iraquiano, do qual se quer retirar, e sabe que o Iro podedesempenhar um papel importante na estabilizao do pas. A interveno militar noest, contudo, afastada.

    4. O Iro e o Envolvimento em Actividades Terroristas

    Uma ambio duradoura de Teero, constante nestes 26 anos desde a fundao daRepblica Islmica do Iro, a destruio do Estado de Israel e a sabotagem do processode paz do Mdio Oriente. No obstante o perodo de abertura ao exterior inaugurado porKhatami, a questo da Palestina sempre foi uma pedra no sapato do regime de Teero.Da o sentimento geral de dio e repulsa profunda em relao ao regime sionista deTel Aviv, smbolo da opresso do mundo ocidental sobre os Muulmanos. Por conse-guinte, toda a aco legtima para libertar os irmos Muulmanos do jugo ocidental.

    Conforme expressa a Constituio Iraniana, o governo enquadrar a poltica externado pas com base nos preceitos do Islo, assegura o apoio fraternal a todos os Muulmanose apoio ilimitado a todos os oprimidos do mundo,33 salvaguardar os crentes da domi-nao dos no crentes34 e o combate contra os opressores em defesa dos oprimidos.35

    Ora, partindo do pressuposto ideolgico da luta permanente contra os infiis, oIro encontra nos grupos terroristas um instrumento de luta contra a hegemoniaocidental-sionista. Desse modo, o Iro um dos Estados que mais activamente promoveactividades terroristas/subversivas escala internacional.

    O envolvimento do Iro em actividades terroristas tem sido uma constante desde oestabelecimento do regime teocrtico em Teero. Desde 1987, que foram assassinados naEuropa mais de uma dezena de dissidentes, incluindo o assassinato em Frana, emAgosto de 1991, do ex-primeiro ministro Shapour Bakhtiar. Esta campanha de elimina-o de membros da oposio registou um aumento de intensidade a partir de meadosdos anos 90. O caso mais conhecido que viria a expor o envolvimento das figuras de topodo regime iraniano, foi o assassinato em Berlim, em Setembro de 1992, de quatro lderesda oposio curda. O episdio, conhecido como caso Mykonos (do nome do restauran-te onde o atentado teve lugar), viria a ser investigado pela justia alem que concluiu,

    33 Artigo 3. (n 16) da CRI.34 CRI, artigo 153.35 CRI, artigo 154.

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    em 1997, com um veredicto que acusava o aparelho de Estado iraniano de seguiruma poltica deliberada de liquidao dos seus opositores. O grupo encarregado peloplaneamento e execuo destes actos foram os Guardas Revolucionrios. O principalmentor foi o Sheikh Ali Fallahian, ministro responsvel pelos servios secretos e desegurana. Este comit secreto inclua ainda a autoridade suprema do pas, Ali Khamenei.

    O Iro tem tambm dirigido as suas actividades terroristas contra regimes rabespr-ocidentais da zona de forma a minar a influncia ocidental/secular e de exportar arevoluo iraniana. A Turquia, a Jordnia, o Bahrein tm sido os pases mais visados peloIro que apoia grupos locais envolvidos em actividades subversivas. Washington temfortes suspeitas de que o Iro apoiou os operacionais sauditas que, em Junho de 1996,fizeram explodir um camio armadilhado em Dhahran, na Arbia Saudita. O atentadoatingiu um complexo residencial de tropas americanas provocando 19 vtimas. Ossuspeitos tero recebido instrues de Teero e utilizado passaportes iranianos emitidospela embaixada iraniana na Sria.

    Uma das prticas institucionalizadas da Repblica Islmica o apoio reiterado agrupos extremistas que lutam contra o Estado de Israel. O Hezbollah constitui oprincipal dos grupos auxiliados por Teero. Nas palavras do exPresidente Khatami, oHezbollah tem o dever sagrado de defender os Palestinianos contra Israel.36

    O governo de Teero generoso com os grupos oposicionistas na Palestina, fornecen-do-lhes treino, informao, armamento e financiamento. Os grupos militantes palestinianosso entendidos enquanto instrumento da solidariedade muulmana contra a presena dosinfiis em territrio sagrado do Islo. Ao longo dos ltimos 15 anos, as relaes de Teerocom os grupos militantes islmicos tm-se intensificado devido inteno partilhada deimpedir uma soluo negociada com Israel. Grande parte do financiamento de gruposcomo a Frente Popular de Libertao da Palestina, o Hamas, a Jihad Islmica da Palestinae as Brigadas dos Mrtires de al-Aqsa provm dos cofres iranianos.

    O Rei Abdullah II da Jordnia, num encontro de alto nvel, em 2002, com o Presidentedos EUA denunciou o Iro como principal apoiante do Hezbollah, o qual conduziu umasrie de ataques de rockets contra alvos israelitas a partir da Jordnia. Ao actuar destaforma, o Iro pretendia abrir uma nova frente de guerra contra Israel.37

    36 Brzezinski et al., op. cit., p. 30.37 Matthew A. Levitt, Iranian State Sponsorship of Terror: Threatening U. S. Security, Global Stability and

    Regional Peace, Joint hearing of the Committee on International Relations, Subcommittee on the MiddleEast and Central Asia and the Subcommittee on International Terrorism and Nonproliferation, U.S.House of Representatives, 16 de Fevereiro de 2005, p. 12.

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    No obstante a aceitao formal da soluo de dois Estados na Palestina desde2002, o apoio contnuo do Iro aos movimentos radicais palestinianos demonstra avontade de torpedear o processo de paz no Mdio Oriente,38 e dessa forma tornarinsustentvel a presena do Estado de Israel no mapa poltico rabe.39

    Um relatrio da Cmara dos Representantes do Congresso dos EUA, denuncia oapoio iraniano aos movimentos terroristas. O mesmo estudo revela o patrocnioiraniano do Hezbollah, designadamente nas operaes suicidas em Beirute contratropas francesas e americanas (1983 e 1984), na Arbia Saudita (1996), contra a Em-baixada de Israel na Argentina (1992) e contra o Centro Judaico de Buenos Aires(1994).40

    Os servios de informao norte-americanos acreditam que a capacidade demobilizao internacional do Hezbollah, equivalente ou mesmo superior al-Qaeda,deve-se, em grande parte, relao ntima do movimento com os servios de informaoiranianos. De acordo com os servios de informao canadianos, o Iro transfere anual-mente valores compreendidos entre os trs a dezoito milhes de dlares para o Hezbollah.41

    Para alm de receptor directo de ajuda iraniana, o Hezbollah serve de ponto deligao entre o Iro e os grupos radicais palestinianos (principalmente, a Jihad Islmicae o Hamas). Com base num relatrio palestiniano confiscado pelas autoridades israelitas,o Iro transferiu 400 mil dlares directamente s brigadas Izz ad-Din al-Qassamdo Hamas (montante que variava de acordo com o nmero de ataques contra Israel),e 700 mil dlares para as organizaes islmicas que se opem Autoridade Palestiniana,dominada at recentemente pela Fatah.42

    Por outro lado, os dirigentes dos movimentos radicais islmicos mantm contactosa alto nvel com as autoridades iranianas. Segundo o mesmo relatrio, em Maio de 2000,realizou-se uma reunio entre o embaixador iraniano em Damasco com os representan-tes do Hamas, Jihad Islmica e do Hezbollah, e um encontro de alto nvel entre o LderSupremo, o Ayatollah Ali Khamenei e o lder da Jihad Islmica, Ramadan Shallah.43 Tal

    38 Id., p. 9.39 Brzezinski et al., op. cit., p. 31.40 Levitt, op. cit., p. 2.41 Ibid.42 Iran as a State Sponsoring and Operating Terror, Special Information Bulletin, Intelligence and

    Terrorism Information Center at the Center for Special Studies, Israel, Abril de 2003 (emhttp://www.intelligence.org.il/eng/iran.htm).

    43 Id.; Levitt, op. cit., pp. 4-5; Iran and Syria as Stratetegic Support for Palestinian Terrorism, IsraelDefense Forces, Setembro de 2002 (em http://www.intelligence.org.il/eng).

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    sintomtico do empenho do Iro em sabotar o Roteiro para a Paz e reverter ascondies propcias ao entendimento israelo-palestiniano. Durante a sua visita Sria emJaneiro de 2006, Ahmadinejad reuniu-se com os dirigentes de 10 grupos radicaispalestinianos. No dia anterior, tinha ocorrido um atentado-suicida em Telavive queprovocou cerca de 30 feridos. O atentado foi perpetrado por um jovem de 22 anosoriundo do campo de refugiados de Nablus, na Cisjordnia. De acordo com o Ministroisraelita da Defesa, Shaul Mofaz, o atentado foi financiado por Teero, planeado naSria e perpetrado por palestinianos. Ahmadinejad elogiou a resistncia palestinianacomo a nica forma de recuperar os direitos legtimos. Ahmadinejad manifestou umforte apoio justa luta do povo palestiniano e encorajou o prosseguimento da luta eda resistncia palestiniana contra Israel. Na reunio, estiveram presentes os chefes daJihad Islmica, Abdallah Shallah, do Hamas, Khaled Mechaal, e da Frente Popular paraa Libertao da Palestina Comando Geral, Ahmed Jibril.44

    Teero usa os seus prprios canais diplomticos, quer para garantir uma passagemsegura dos seus agentes secretos (do MOIS, Ministrio de Intelligence e da Segurana),quer para coordenar futuras aces terroristas com os grupos militantes islmicos.45

    Para alm do financiamento directo dos movimentos radicais islmicos, o Iro dtreino a terroristas, quer no seu territrio, quer no Vale de Bekaa, no Lbano. A ttulo deexemplo, os terroristas que atentaram contra as Torres Khobar (Arbia Saudita) em 1996foram recrutados na Sria e treinados pelo Hezbollah nos campos de que dispem aolongo da fronteira Iro-Libano. O vale de Bekaa uma mega-estrutura de apoio terroris-ta, por onde passam os candidatos a atentados terroristas do Hezbollah, Hamas, JihadIslmica e da Brigada dos Mrtires de al-Aqsa.46

    O Iro tambm transfere armamento sofisticado para o Hezbollah, desde armas ligeirasa rockets, adquiridos na Sria e transportados depois para os campos de treino no Lbano.A interceptao do navio Karine A em 2002 veio implicar directamente o Iro enquantofinanciador da campanha terrorista contra Israel. A carga contida no Karine A (desde rocketsKatyuska, msseis anti-tanque, morteiros, minas e armas ligeiras) poderia ter alterado arelao de foras entre os grupos militantes palestinianos e as foras armadas israelitas.47

    44 Pedro Caldeira Rodrigues, Lder do Iro rene-se com grupos palestinianos radicais, Pblico, 21 deJaneiro de 2006, p. 11.

    45 Levitt, op. cit., p. 10.46 Id., p. 6.47 Nora Boustany, Yugoslavias Search for Truth, Washington Post, 13 de Fevereiro de 2002 e Levitt, op. cit.,

    p. 7.

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    Alm disso, segundo a intelligence alem, dois operacionais da secreta iraniana e doisoperacionais do Hezbollah foram responsveis pelo assassnio dos quatro lderes doPartido Democrtico do Curdisto Iraquiano em Berlim, em 1992.48 Ou seja, existe umacoordenao de aces terroristas entre os quadros da secreta iraniana e o movimentoradical Hezbollah.

    Alm do patrocnio directo das organizaes terroristas, Teero utiliza toda a suarede assistencial e caritativa para o recrutamento de potenciais terroristas (por exemplo,o Comit Iraniano de Apoio s Vitimas da Intifada).49 O aliciamento realiza-se por meioda prestao de servios gratuitos, como cuidados de sade, educao (cornica) eviagens. Segundo fontes israelitas, elementos da prpria Fatah, o brao armado da OLP,receberam treino no Iro. Teero tambm financia os servios sociais do Hamas naPalestina.50 Efectivamente o Iro envia importantes quantias financeiras para o sistemasocial do Hamas, que por seu turno controla a rede sanitria, educacional e laboral dospalestinianos residentes nos territrios ocupados (Faixa de Gaza e Cisjordnia). Ou seja,o Iro (por intermdio do Hamas) substituiu-se Autoridade Palestiniana no forneci-mento dos bens sociais mais bsicos e vitais para a populao.

    O Iro e o Hezbollah gerem em comum a al-Manar, a poderosa cadeia de TV doHezbollah, com difuso a nvel internacional, e que constitui um poderoso meio depropaganda junto da juventude muulmana. Atravs da glorificao dos actos terroristascontra as foras da coligao no Iraque e contra Israel, o regime procura difundir a imagemdos EUA e da coligao como opressores mundiais51 e amantes da causa sionista.

    Os caminhos da al-Qaeda tambm passam pelo Iro apesar desta considerar os Xiitas(e por acrscimo o regime dos Ayatollahs no Iro) uma seita hertica, e portanto,ilegtima. Apesar disso, os puristas iranianos (adeptos da ortodoxia religiosa) demons-traram no passado alguma flexibilidade doutrinria, o que possibilitou a formao dealianas ad hoc com a al-Qaeda.52 Desde o 11 de Setembro, o Iro serve de ponto de

    48 Iran Ordered Slaying of Kurdish Leaders: German Prosecutor, AFP, 27 de Maio de 1993 e Levitt, op. cit.,p. 10.

    49 Levitt, op. cit., p. 6.50 Interpal, Part I, Special Information Bulletin, Intelligence and Terrorism Information Center at the

    Center for Special Studies, Israel, Dezembro de 2004 (em http://www.intelligence.org.il/eng/sib/12_04/interpal.htm) e Levitt, op. cit., p. 17.

    51 Levitt, op. cit., p. 15.52 U.S. Department of State, International Information Programs, Bush Says Iran Must Contribute to War

    against Terror, Expresses Hope Iran Will Help Stabilize Afghanistan, 10 de Janeiro de 2002 e Brzezinskiet al., op. cit., p. 25.

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    passagem e porto de abrigo para os operacionais da al-Qaeda e outros grupos terroris-tas53 (caso do Hezbollah e Hamas). O territrio do Iro constitui um ponto de encontropara os jihadistas e um centro decisor para a elite da al-Qaeda.54 O relatrio daComisso Parlamentar sobre o 11 de Setembro do Congresso americano, nota a persis-tncia de contactos entre funcionrios de segurana iranianos e importantes figuras daal-Qaeda. O relatrio chamava a ateno para um acordo formal com os Iranianos quepermite al-Qaeda treinar os seus agentes no Iro, em troca do resultado desse treino sedestinar a aces conduzidas essencialmente contra Israel e os Estados Unidos.55

    O Iro deu abrigo a figuras de topo da al-Qaeda, como Abu Musab al-Zarqawi,56

    Saif al-Adel e Saad bin Laden (o filho mais velho de Osama bin Laden).57

    No mesmo sentido, aquela apontou para a existncia de alianas ad hoc entre oHezbollah e a al-Qaeda (em conjugao com outras redes terroristas) em operaes delavagem de dinheiro e outras actividades ilcitas.58 No que refere particularmente aoIro, o mesmo relatrio denuncia a persistncia de contactos entre os quadros dasegurana iraniana (MOIS) e os agentes da al-Qaeda, aos quais foi concedida a possibi-lidade de receberem treino terrorista no Vale de Bekaa.59

    Richard Clarke, Conselheiro para a Segurana Nacional dos EUA, afirmou que aal-Qaeda tambm reforou os contactos com os grupos radicais islmicos que, por seuturno, so financiados pelo Iro.60

    53 Levitt, op. cit., pp. 13-15 e Peter Finn, Al-Qaeda Deputies Harbored by Iran: Pair are Plotting Attacks,Sources Say, Washington Post, 27 de Agosto de 2002.

    54 The 9/11 Commission Report: Final Report of the National Commission on Terrorist Attacks Upon the UnitedStates (em http://www.9-11commission.gov/report/index.htm).

    55 Id.56 Al-Sharq al-Awsat, 1 de Junho de 2003; David E. Kaplan et al., Run and Gun, U.S. News and World

    Report, 30 de Setembro de 2002, p. 36.57 Finn, op. cit. e Levitt, op. cit., pp. 14-15.58 Maurice R. Greenberg, Chair, Terrorist Financing: Report of an Independent Task Force Sponsored by

    the Council on Foreign Relations, The Council on Foreign Relations, Outubro de 2002 (em http://www.cfr.org/publication.php?id=5080) e Levitt, op. cit., p. 14.

    59 Levitt, op. cit., p. 13.60 Richard Clarke, Strategy for Eliminating the Threat from the Jihadist Networks of al Qaida: Status and

    Prospects, National Security Council Memo, Janeiro de 2001 (em http://www2.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB147/index.htm) e Levitt, op. cit., p. 15.

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    5. A Influncia Iraniana no Iraque

    Desde o Governo do X Pahlevi que as relaes com o Estado iraquiano so tensas.O principal litgio entre o Governo do X e o ento regime de Saddam Husseinrelacionava-se com a demarcao da fronteira de Shatt al-Arab (porta fluvial estrategi-camente relevante para ambos). Os dois pases assinaram um acordo que estabelecia afronteira na confluncia do Tigre e do Eufrates. Todavia, com a queda do X e a ascensoda Repblica Islmica, o Iraque reocupou a provncia de Khuzesto e reabriu a questofronteiria.

    Com a ascenso de Khomeini ao poder, o Iraque iniciou uma campanha militarcontra Teero. parte as consideraes polticas (Iro teocrtico vs. regime secular doIraque), Bagdade representava o principal obstculo afirmao do Iro enquantopotncia regional. Isolado por um conjunto de regimes rabes sunitas (liderados peloIraque ate invaso do Kuwait) e atacado pelos regimes ocidentais (Europa e EUA), oIro conheceu a derrota e humilhao.

    Apesar das relaes de rivalidade que imperaram entre o Iro e o Iraque, o sul doIraque considerado o heartland do mundo xiita, pois l que se encontram as cidadessantas de Najaf e de Karbala, centros de devoo e de peregrinao xiita. A istoconvm acrescentar o facto das relaes transfronteirias terem persistido ao longo dostempos (anteriores mesmo ao Imprio Otomano), o que permitiu inclusive o cruzamentotnico entre persas e rabes: o resultado est hoje presente no Iro e no sul do Iraque,onde os laos de parentesco so comuns. Alis, os iranianos consideram o Iraque umaextenso natural da Prsia.61

    Com a queda do Imprio Otomano e a formao de Estados independentes, aslealdades tnico-religiosas construram-se em torno dos respectivos Estados-Nao. Attulo de exemplo, quer os Curdos, quer os Xiitas iraquianos lutaram ao lado do Iraquecontra o Iro, passando por cima das lealdades tnicas e religiosas. Consequentemente,a ascenso de um governo iraquiano dominado pelos Xiitas no implica de modo algumuma rendio face aos interesses iranianos, que ainda so vistos como estrangeiros einimigos.

    Com o derrube do regime de Saddam Hussein pela coligao anglo-americana,Teero enfrenta um novo conjunto de vantagens, mas tambm de desafios e devulnerabilidades. No que se refere s vantagens, a deposio de Saddam Hussein

    61 ICG, op. cit., p. 2.

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    permite ao Iro projectar o seu poder regional, favorecer a constituio de um governoiraquiano liderado pelos Xiitas, e desenvolver a tecnologia nuclear, garante da suasobrevivncia numa regio marcada pela instabilidade poltica.

    A presena americana na fronteira ocidental, bem como o desmembramento doIraque, representa, por outro lado, uma ameaa para Teero, isolado num contexto rabee anti-xiita. O mau-estar entre os pases maioritariamente sunitas, que temem uma novaera de dominao xiita, poder afectar os interesses de Teero, uma vez que podeconduzir a uma nova corrida s armas no Mdio Oriente e a uma reaco em cadeiacontra o Iro. Nas palavras do monarca jordano, Abdullah II, a onda xiita que ameaadifundir-se no Iraque, na Sria, no Lbano e no Golfo, pe em risco os interesses doOcidente e seus aliados na zona (Arbia Saudita, Jordnia e Emiratos).62

    As aces de Teero iro no sentido de tentar tornar impossvel a presena norte--americana no Iraque (segundo o Ayatollah Khamenei, a invaso do Iraque tem comosentido apoiar o Estado sionista, absorver os recursos energticos do Mdio Oriente ederrubar os regimes vigentes no Iro, Sria e na Arbia Saudita).63

    As prioridades assumidas pelo Iro no futuro Iraque so: assegurar a integridadeterritorial do Iraque; garantir um governo central forte liderado por uma maioria xiita efomentar a desordem controlada de forma a desacreditar os EUA no Iraque e no MdioOriente.

    Quanto ao primeiro aspecto, o Iro tem todo o interesse em manter a unidadeterritorial do Iraque, pois a sua secesso poderia acarretar a independncia do Curdisto,o qual estaria em condies de aliciar os Curdos Iranianos, provocando dessa formagraves problemas ao Estado iraniano.64 Neste mbito, Teero tem prosseguido umconjunto de contactos ao nvel dos diversos grupos iraquianos (que competem entre si),inclusivamente Xiitas, Curdos e radicais islmicos, de forma a refrear quaisquer veleida-des separatistas.

    No que refere aos Xiitas, a sua grande fora advm da aco das fundaes caritati-vas e religiosas que providenciam o necessrio bem-estar s populaes, assegurando aalimentao, educao, sade e o regresso dos Iraquianos Xiitas, expulsos na conjunturada guerra Iro-Iraque. Com a desagregao do Estado iraquiano, as populaes passa-ram a depender das organizaes polticas fortemente implicadas no esquema de poder

    62 ICG, op. cit., p. 1.63 Id., p. 9.64 ICG, op. cit., p. 10 e Brzezinski et al., op. cit., p. 28.

    O Iro de Ahmadinejad

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    iraniano. Os trs maiores partidos iraquianos fundados no Iro, o Conselho Supremo daRevoluo Islmica Iraquiana (CSRII), o Al-Dawa and Al-Dawa Tanzim al-Iraq (queobtiveram importantes resultados nas eleies legislativas de Dezembro 2005), mantmlaos privilegiados com Teero, e esto seriamente apostados na criao de um Estadoiraquiano slido e unido.

    No que diz respeito aos Curdos, o Iro tem insistido numa poltica de expanso dasrelaes econmicas com os partidos curdos iraquianos, investindo sobretudo na cons-truo de infra-estruturas e nas telecomunicaes.65 Com este conjunto de actividades, oIro pretende, acima de tudo, que um hipottico cenrio de guerra civil iraquiano noponha em risco a sua integridade territorial.

    O Iro pretende um governo central forte e liderado pelos Xiitas que inviabilizequalquer deriva secessionista no Iraque e garanta a existncia de uma governo amigo aTeero. Este governo central forte no dever seguir o modelo teocrtico iraniano, poistal poderia gerar competio ideolgica no seio do mundo xiita, enfraquecendo assim asposies hegemnicas de Teero.66 A fim de solidificar o futuro Estado iraquiano, Teerochamou a si os partidos polticos iraquianos criados no exlio, a fim de garantir a suavitria nas eleies parlamentares. Os partidos iraquianos xiitas recebem apoio finan-ceiro e propagandstico de Teero, que, em troca, deseja ter em Bagdade um regimeamigo, slido no poder e sobretudo influencivel.

    A principal fora poltica no Iraque, o Conselho Supremo da Revoluo Islmica, uma criao do regime dos Ayatollahs. Na guerra entre 1980 e 1988, o brao armado doConselho, os Corpos de Badr (responsveis pela luta armada contra o regime iraquiano),foram treinados e instrudos pelos Guardas Revolucionrias e lutaram ao lado do Irocontra o Iraque.67 Embora seja adepto de um Estado teocrtico, o Conselho Supremomostra-se agora favorvel a um sistema democrtico baseado na representatividadedemocrtica, o que de certa forma vai de encontro s intenes iranianas. Teero nodeseja o aparecimento de um regime capaz de fazer de Najaf o centro do mundo xiita,em detrimento de Qom (no Iro).68 Logo, de esperar que haja um entendimento estreitoentre o CSRII e o poder iraniano.

    Finalmente, no que respeita ao fomento de uma crise controlada no Iraque, Teeroconta com um esquema algo complexo de redes poltico-sociais geridas por partidos,

    65 ICG, op. cit., p. 20.66 Id., p. 11.67 ICG, op. cit., p. 15.68 Id., p. 19.

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    personalidades dos movimentos insurgentes e grupos terroristas. Esta poltica funda-mental para Teero, na medida em que impede os EUA de agir contra os seus interessese de fomentar uma mudana de regime semelhante do Iraque.

    O caso mais paradigmtico de insurgncia militar apoiada pelo Iro, o envio deremessas financeiras e de apoio militar ao exrcito privado de Muqtada al-Sadr (oExrcito do Mahdi), uma fora religiosa radical xiita que luta contra a ocupao dastropas ocidentais e um regime democrtico no Iraque. Enquanto tal, al-Sadr constitui umdos mais graves entraves ao processo de pacificao iraquiano e um dos lderes islmicosmais radicais no Iraque.

    Uma outra organizao islmica radical apoiada pelo Iro o movimento Ansar al-Islam, uma organizao radical salafita formada por Curdos e Afegos rabes queadvoga a guerra santa contra o Ocidente e que domina um conjunto de aglomeradospopulacionais na fronteira IroIraque. Este grupo est na origem de um conjunto deatentados bombistas e assassinatos polticos de dirigentes polticos moderados e mantmcontactos com o Gabinete dos Guardas Revolucionrios no Curdisto (Qarargah-eRamezan).69 Para alm deste contacto institucionalizado supe-se a existncia decampos de treino iranianos postos disposio dos activistas ansaristas, na montanhade Dizli, e o hbito de dar refgio poltico aos mesmos.

    No restam dvidas que o Iro procura influenciar de forma determinante o futurodo Iraque. Todavia, h uma srie de questes em aberto relacionados com esta estratgia:haver no Iro fora suficiente para se impor a uma populao maioritariamente rabee nacionalista? De que forma que Teero pode garantir que os grupos subversivosobedeam aos seus intentos? At que ponto a estratgia de gesto do caos passvelde controlo?

    O Iro no representa a nica porta de entrada de armamento e de guerrilheiros70 noIraque, mas sim a Sria, Arbia Saudita e a Jordnia. Desse modo, a influncia do Iroresumir-se- aos partidos iraquianos favorveis a um bom relacionamento com Teero.

    No que concerne aos movimentos insurgentes, as potencialidades de controlo doregime iraniano so reduzidas e arriscadas. Embora, por exemplo, o radical al-Sadrtenha recebido armas e fundos do Iro, o seu pensamento ultra-nacionalista e anti--persa71 diminui o alcance da influncia e capacidade de controlo pelo Iro e poder

    69 Id., p. 20.70 Noventa e cinco por cento dos insurgentes radicais em Falluja eram de origem iraquiana e s 5% eram

    sunitas rabes.71 Id., p. 18.

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    transform-lo de aliado em adversrio. Por outro lado, a influencia xiita em organizaessunitas como o Ansar al-Islam residual,72 visto que os mesmos consideram os Xiitashereges (em paralelo com as restantes organizaes e clulas terroristas). Alis, dado queestes grupos so por natureza hostis aos Xiitas, o Iro poder ver o seu plano de crisecontrolada fracassar, dando incio a uma guerra civil. Neste mbito, a obsesso iranianade enfrentar os EUA no Iraque poder criar problemas srios ao Iro, que no dispe defora suficiente para regular de forma independente os fluxos migratrios. Ou seja, casovenha a ocorrer uma guerra civil no Iraque, o Iro no estar em condies de contertoda a massa de refugiados e as reivindicaes de um Estado curdo, antecipando dessaforma o desmembramento do prprio Iro.

    Globalmente, a invaso do Iraque, que, numa primeira anlise, seria prejudicialao Iro, acabou por ter vrios efeitos que directa ou indirectamente beneficiaram oIro: reforou a sua influncia regional; aumentou o incentivo para prosseguir armasnucleares de forma a deter ameaas que emergiram da nova situao poltica regional;limitaram a capacidade do Ocidente de pressionar o Iro. A guerra no Iraque tambmpode ter atrasado as possibilidades de reforma poltica no Iro, uma vez que a elitepoltica religiosa instrumentalizou a ocupao militar do Iraque e um ambiente deameaa contra o Iro para travar a reforma do regime.

    72 Id., p. 21.

    Maria do Cu Pinto