Mundos Tangíveis

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Alfonso Ballestero | Michel Groisman Florianópolis | Nov-Dez de 2009 exposição tátil

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catálogo de exposição tátil

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Alfonso Ballestero | Michel Groisman

Florianópolis | Nov-Dez de 2009

exposição tátil

Alfonso Ballestero | Michel Groisman

Florianópolis | Primavera de 2009

exposiçãotátil

© 2010 Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva e Rosângela Miranda Cherem (org.)

Universidade do Estado de Santa CatarinaCampus Universitário – Trindade

Av. Madre Benvenuta, 2007 – Santa Mônica88035-001 – Florianópolis – SC

Fones: (48) 3321 8098, (48) 3321 8099Fax: (48) 3321 8056

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Catálogo de Registros: Exposição Mundos Tangíveis1ª edição

B191m

Ballestero, Alfonso

Mundos tangíveis : exposição tátil / Alfonso Ballestero, Michel Groisman; [organização Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva e Rosângela Miranda Cherem – Florianópolis : UDESC, 2010

58 p. : il. 18x27 cm

ISBN: Inclui Bibliografi a e glossário

1. Arte – 2. Educação – 3. Exposição tátil – 4. Curadoria – I. Ballestro, Alfonso – 2. Groisman, Michel – I. Título

CDD: 707

ApresentaçãoMaria Cristina da Rosa Fonseca da Silva

Mundos TangíveisRosângela Miranda Cherem

Obras ÍntimasFernanda do Canto

Levando o pensamento para passear com a imaginaçãoGabriela Caetano

Movimento em BrancoAlfonso Ballestero

Caminho da mãoMichel Groisman

Encontros Perceptivos: a mediação em exposições de arte com pessoas com defi ciência visualMaria Helena Rosa BarbosaMárcia Lisbôa CarlssonEliane Prudêncio da CostaSérgio da Silva Prosdócimo

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sumário

apresentação | maria cristi na da rosa fonseca da silva1

isadora azevedo2

Arte, proposta inclusiva3

política de acessibilidade nas exposições

resumo

Apresentamos os desdobramentos do Programa de Extensão deno-minado “Arte e Inclusão: Mediações Signifi cativas”, desenvolvido no Labo-ratório de Educação Inclusiva – LEDI –, do Centro de Educação à Distância – CEAD – da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, que culminou na realização da exposição “Mundos Tangíveis”. O programa e seus projetos proporcionam atividades ampliadoras da formação social a partir dos conteúdos de arte, possibilitando aos indivíduos uma relação mais estreita com a produção artística de museus e espaços culturais, com-preendendo o caráter inclusivo do trabalho com grupos de pessoas com defi -ciências, além de estudantes, que atrelam, de uma maneira contemporânea, novas práticas ao Ensino da Arte.

Palavras-chave: Inclusão. Estética da arte. Objeto pedagógico. Museu de arte.

1 Coordenação do projeto: Formação Estética do Público Cego: Museu e Inclusão Social.

2 Bolsista de extensão do projeto Formação Estética do Público Cego: Museu e Inclusão Social.

3 Programa Arte e Inclusão: Mediações Signifi cativas.

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1. a arte presente no espaço que vivemos

O programa de extensão “Arte e Inclusão: Mediações Signifi cativas”, iniciado em 20064, apresenta três projetos que se desenvolvem simultane-amente. Dois deles são disponibilizados como cursos: “Ofi cina de Objetos Pedagógicos de Arte para Professores” e “A mediação educativa para públi-cos cegos”. O terceiro, é constituído por um intercâmbio entre três escolas em cidades diferentes, via internet: “A plataforma Moodle: uma proposta inclusiva a partir da arte”. E diversas ações extensionistas envolvem a ques-tão arte e inclusão. No presente texto, pretendemos discorrer sobre o des-dobramento do projeto “A mediação Educativa para Públicos Cegos” que, a partir da soma de um aporte signifi cativo de recursos advindos do Programa de Extensão denominado “PROEXT – CULTURA de 2008”, patrocinado pelo Ministério da Educação e Cultura, realizou um programa de forma-ção para público cego, intitulado: “Projeto Formação Estética para Público Cego: Museu e Inclusão Social”.

Nas atividades desenvolvidas ao longo do projeto, destacamos encon-tros do público cego com as instituições culturais, com os artistas, afora a realização de exposições que foram pensadas especifi camente para este pú-blico específi co (sem ou com baixa-visão). Nossa ação na coordenação do projeto visava a ampliar a formação do público cego, ao mesmo tempo em que pretenda sensibilizar as instituições e o circuito das artes para a proble-mática da acessibilidade.

Intencionados a qualifi car socialmente o trabalho com artes na escola e espaços culturais, o projeto pretende democratizar o acesso informacional e a inclusão dos grupos diferenciados no ambiente educacional e cultural, integrando também as instâncias tecnológicas e culturais5. Nessa aborda-gem, buscamos entender as múltiplas diferenças como tema que perpassa

4 Atuaram no projeto, desde sua criação em 2006, as bolsistas de extensão: Adriane Kirst, Dejovana Raulino, Cinthia Vieira da Silva, Julia Rocha Pinto, Isadora Azevedo e Bruna Frandolige.

5 De modo geral é na escola que as classes populares têm acesso ao mundo letrado, diferentemente das classes economicamente abastadas que na própria família o acesso ao mundo letrado é parte do cotidiano. (FONSECA DA SILVA, M. C. 2004 e 2008.)

7arte, proposta inclusiva | maria cristi na da rosa fonseca da silva | isadora azevedo

toda a prática pedagógica da escola. Acredita-se, igualmente, que as ações desenvolvidas colaboraram para uma concepção inclusiva na formação de estudantes, profi ssionais e gestores das organizações culturais com uma in-teligência voltada a inclusão.

Acreditamos que a arte, na atualidade, perpassa os espaços vivencia-dos socialmente de um modo próprio da nossa época. Ainda que o conheci-mento sobre arte não seja isento das ideologias produzidas na sociedade, a arte é um produto histórico produzido e signifi cado de maneiras diferentes em cada tempo. De modo geral, a arte contemporânea marca um campo a partir da vida dos sujeitos que a produzem e são produzidos na construção de seu dia-a-dia. Arte e diferença, arte e tecnologia são aspectos compreen-didos no cotidiano das sociedades, que são abordados pelos professores nas atividades desenvolvidas, de forma geral, com os educandos nas classes in-clusivas. Enfatizamos, nesse caso, o uso de objetos pedagógicos que possam ampliar o acesso das pessoas com defi ciência dos meios culturais6.

Ressaltando que a escola é o lugar onde se dá o primeiro desenvolvi-mento dos cidadãos na direção dos conhecimentos sistematizados, busca-se na parceria com as instituições culturais um contato sistematizado do estu-dante com o universo artístico e suas linguagens. Acredita-se que as proble-máticas que envolvem a carência de recursos das famílias, para sobrevivên-cia e para um conseqüente investimento na formação cultural, ampliam as tarefas educativas da escola. Como Reily (2008) aborda em seu texto, são perceptíveis as difi culdades que as famílias e a escola têm ao trabalhar a pro-dução artística com crianças com defi ciência, tanto quanto o distanciamen-to dos códigos que permitem apreciar as diferentes abordagens estéticas, ou a complexa conceitualização que acompanha o sistema das artes.

Estabelecendo pontes com conceitos básicos constitutivos da obra de arte e sua contextualização frente ao momento atual, começam a amplia-ção do caráter artístico na coletividade e a observação de conceitos básicos relativos ao objeto artístico, como: concepção da obra; contexto em que foi criada; comunicação que ela estabelece com o público; signifi cado que apre-senta e forma do artista em lidar com a linguagem visual; meios, técnicas e

6 FONSECA DA SILVA, M. C. e BORNELLI, 2007

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sua própria poética. Aplicando estes conceitos à obra de Alfonso Ballestero e Michel Groisman, acreditamos que a proposta dos artistas ampliou as pos-sibilidades de compreensão do objeto artístico atendendo a outros sentidos para além do visual.

1.1 mundos tangíveis: desafi os da criação de uma exposição para cegos

A inclusão a partir da arte não é nova, apesar de as instituições cultu-rais desenvolverem poucos projetos nessa área. A proposta da exposição que mais tarde veio a se chamar “Mundos Tangíveis”, que teve a participação da curadora Rosangela Miranda Cherem e sua equipe, nasceu da visita a uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Já desenvolvíamos o projeto de acessibilidade em parceria com o Museu de Arte de Santa Ca-tarina – MASC - e seu Núcleo de Arte Educação – NAE. Todos os recursos fi nanceiros de que dispúnhamos eram gastos na realização de maquetes tá-teis, de alto custo e bastante limitados em termos de reprodução das exposi-ções e das obras de acervo. A cada nova exposição, o material fi cava defasado em relação aos novos conteúdos expositivos. Até o momento, o MASC não tem uma política determinada de trabalho com o seu acervo, fato que difi -culta a produção das maquetes táteis.

Voltando à exposição do MAC de Niterói, entramos em contato com a obra de Michel Groisman, que trazia grande afi nidade com os objetos pe-dagógicos para ensinar arte que desenvolvíamos no LEDI – UDESC. Esses jogos não buscam apenas incluir a criança com defi ciência no contexto do brinquedo pedagógico ou utilizá-lo como uma forma mais fácil de aprendi-zado, mas coloca a brincadeira como elemento de aprendizagem entre ela e os outros alunos, fazendo a interação entre todos, e não somente arrumar um brinquedo que possa entreter o aluno cego enquanto o professor ensi-na algum conteúdo para as outras crianças. Buscamos aproximar a Arte da Educação, criando para o professor de arte novas formas para trabalhar com os estudantes. “O fundamental é perceber o aluno em toda a sua singulari-dade, captá-lo em toda a sua especifi cidade, em um programa direcionado a atender suas necessidades especiais, é a percepção desta singularidade que vai comandar o processo e não um modelo universal de desenvolvimento.”7

7 MRECH, 2008, p 112.

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Na mesma direção, a obra de Groisman, além de cumprir estes re-quisitos, trazia em si o caráter de troca, de jogo, uma proposição de objeto artístico, “encharcada” de ludicidade. A partir do encontro com sua obra, realizamos o convite para que desenvolvesse uma experiência única para a exposição em Florianópolis. O artista construiu seus objetos nomeados de “máquinas de desenhar” e “anda dedos”. Na visitação da exposição, estu-dantes, professores, artistas e público em geral tiveram acesso aos objetos, também às conversas com o artista e ao diálogo entre as duas propostas de Groisman e Ballestero.

Alfonso Ballestero possui, diferentemente de Groisman, uma trajetó-ria pensando a formação de público cego e os educadores de artes que atuam em classes inclusivas e/ou em projetos sociais. Destacamos o seu texto que aponta a refl exão de educador artista ou mesmo artista educador.8

Sua primeira participação na formação de educadores em Santa Ca-tarina aconteceu no ano de 2005, a partir de uma indicação da professora doutora Amanda Tojal, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que apre-senta uma trajetória extensa no processo de implementação de projetos de acessibilidade dos cegos ao museu de arte, inclusive a partir de sua tese de doutorado9.

Realizamos, em 2005, uma ofi cina de arte e inclusão para públicos com defi ciência visual, aberta a educadores e estudantes de artes. Nessa ex-periência, ampliamos as abordagens educativas, não só com os cegos, mas de fato com a possibilidade de trabalhar outros sentidos para além do visual. Da mesma forma os conhecimentos também propiciaram contato com a obra do artista plástico Alfonso Ballestero e, a partir de suas fi guras tridimen-sionais - um conjunto de esculturas abstratas, polimórfi cas –, uma aprecia-ção tanto na perspectiva visual como tátil, recursos com os quais buscamos ampliar a formação estética do público cego. As exposições cujo objetivo maior é a possibilidade de tornar-se acessíveis a um público que não tem acesso a elas, têm mostrado que, para além das informações da visualidade, o envolvimento de outros sentidos é uma carência também das pessoas que são visuais.

8 BALLESTERO, 2003.9 TOJAL, 2007.

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Ao longo de 2010, realizamos duas exposições táteis. O público em geral apreciou a possibilidade de tocar o objeto artístico, transgredindo uma regra que, de modo geral, se aplica às exposições de artes, principalmente as mais tradicionais.

1.2 mediação educativa para públicos cegos

O projeto “A mediação educativa para públicos cegos” está proporcio-nando aos participantes da Associação Catarinense de Integração do Cego – ACIC -, um grupo de variadas idades, o acesso ao conteúdo do acervo dos museus e também ao patrimônio histórico da cidade de Florianópolis. Estas ações complementam os conteúdos específi cos das exposições, ampliando o repertório do público cego e com baixa visão de forma crítica e articulada com as poéticas dos artistas. Partindo de uma série de ações e parcerias que se concretizaram ao longo do projeto que se iniciou em 2006, pudemos per-ceber as mudanças ocorridas no grupo que, mesmo com oscilações em sua composição, aponta um acúmulo na formação10.

A produção de materiais auxiliares na mediação de exposições de ar-tes, além de proporcionar uma percepção maior das coleções e exposições temporárias, também auxiliará o cego a desenvolver o gosto pela arte e a conhecer melhor a cidade onde vive, ampliando seus conceitos estéticos. O projeto tem construído um conjunto de maquetes táteis que lhes possibili-tam a participação do cego nos processos de leitura de imagem.

Esta proposta, iniciada no ano de 2006, tinha o objetivo de trazer ce-gos e pessoas com baixa visão aos museus, colocando à sua disposição um conjunto de obras que pudessem ser tateadas ( construindo maquetes táteis de pinturas em terceira dimensão), como também colocar a disposição as etiquetas em braile sobre as obras. Tivemos, porém, uma difi culdade: Como o cego entenderá o que é linha e ponto se ele muitas vezes não participa das aulas de arte? Ou, como ele saberá qual a dimensão de um morro se ele nun-ca pôde tocar o todo? Igualmente: Como ensinar-lhe os conceitos de artes visuais sem que possa dispor do sentido da visão? Desses questionamentos, surgiu a necessidade de criar uma proposta de formação estética para este público, iniciada em 2009, com dez participantes da ACIC, e com recursos do PROEXT CULTURA , como já foi mencionado.

10 Sobre o histórico do projeto, ver Fonseca da Silva e Kirst, 2008.

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Nessa proposta educativa, preocupamo-nos em elaborar uma pro-posta pedagógica que tivesse por base refl etir a partir de uma proposta só-cio-histórica11. Tornou-se importante ampliar os conhecimentos da cidade em que vivemos, no caso Florianópolis, seu patrimônio artístico e, a partir dele, inserir obras de arte pertencentes às instituições culturais da cidade. Ampliamos as atividades com a visitação a espaços museológicos e refl eti-mos com as instituições a problemática da criação de mais maquetes táteis. Em suas ações e a partir de parcerias, o projeto está mediando exposições e adaptando catálogos, livretos, etiquetas das obras e material de apoio para o braile. No sentido de ampliar a autonomia e acessibilidade da pessoa cega, estamos inclusão na proposta a mediação por meio do aparelho áudio, que ampliará as formas de percepção das exposições.

Alguns museus ao redor do mundo já realizam experiências desta na-tureza com o público cego e surdo. Aqui no Brasil, no entanto, e mais es-pecifi camente em Florianópolis, o desenvolvimento de metodologias para inclusão em espaços museológicos ainda é recente, assim como é recente a formação estética deste grupo. Esta ação educativa, por isso, pode, por meio da inclusão, estender o ensino de arte para um público maior12.

Visamos aproximar o público cego dos museus e do patrimônio his-tórico de Florianópolis e, a partir desta experiência, ampliar as ações para 2010. A grande maioria dos museus, juntamente com seus setores educa-tivos, tem procurado ampliar e aproximar o público com necessidades es-peciais da fruição da arte; porém, além de aproximar, torna-se necessária a construção de um conhecimento específi co em artes para que o cego possa efetivamente desfrutar das possibilidades oferecidas pelos museus. Algu-mas estratégias com este objetivo já foram colocadas em prática, embora as instituições culturais ainda estejam distantes do público participante de suas ações. Ainda assim, acreditamos que as instituições culturais possam investir na formação de pessoas com defi ciência para que atuem nos espaços culturais, implementando essa aproximação.

11 Sobre a proposição pedagógica sócio-histórica sugerimos leituras da obra de Demerval Saviani e Vygotsky.

12 Sobre este tema, ver Fonseca da Silva e Kirst, 2009.

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2 considerações finais

A inclusão, normalmente utilizada como termo polissêmico, neste projeto busca designar a construção de uma série de processos de democra-tização do acesso da pessoa cega que se faz presente em todo o projeto. Em várias frentes de ação, utilizamos a inclusão social como fator de refl exão crí-tica no ensino da arte. Não trabalhamos apenas com a inclusão de estudan-tes com defi ciência, mas colocamos à disposição do professor ferramentas que o possam auxiliar no convívio das diferenças com todos os estudantes na escola e na relação com a produção artística dos espaços institucionaliza-dos e fora dele.

Utilizamos a arte como ferramenta de conhecimento, por suas fi loso-fi as e a elas agregamos as experiências vividas. Nossas políticas tem enfren-tado grande resistência e difi culdade em colocar em prática as leis inclusivas, principalmente pelos custos que uma escola deve ter para receber esse alu-no. Por seu lado, as instituições culturais também precisam de investimen-tos para se tornarem acessíveis. Entretanto, vemos, dentro de nossos cursos e propostas de ensino, o interesse dos próprios participantes de estar à frente dessas políticas, participando do processo decisório, do desenvolvimento e manutenção das práticas de acessibilidade no contexto da cultura.

Entendemos a inclusão como a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade que se deve orientar por relações de acolhimento da diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desen-volvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida.

Ressaltamos que o movimento por uma educação inclusiva se solidi-fi ca na perspectiva de uma sociedade que não sonegue o direito à diferença. Assim, pensar na inclusão no ambiente escolar não signifi ca apenas criar vagas para as pessoas com necessidades especiais na escola regular ou, no caso desse projeto, levar a criança com defi ciência ao museu. É necessário autonomia de trânsito e condições de participação individual e das famílias também.

As políticas públicas estimulam a pessoa com defi ciência a se adaptar ao espaço cultural, não o contrário. Esta prática – de o sujeito se adaptar

13arte, proposta inclusiva | maria cristi na da rosa fonseca da silva | isadora azevedo

sozinho à realidade escolar13, foi denominada durante muito tempo como movimento de integração, tornando as escolas depósitos e aumentando a frustração e a discriminação das pessoas com necessidades especiais, pois, de fato, essas não foram recebidas, apoiadas, incentivadas na escola e/ou nos espaços culturais. Nas visitas que promovemos com o público cego aos espa-ços culturais, criamos alguns constrangimentos, pois algumas instituições não tinham nem material, nem pessoal preparado para mediar as exposições com públicos cegos.

Na perspectiva inclusiva, cabe não só o acesso ao espaço cultural, mas também a permanência com qualidade, signifi cando o direito a seu proces-so expressivo, sua aprendizagem artística e a socialização com os demais participantes e os produtos artísticos de diferentes tempos. Defendemos também, com o suporte diferenciado necessário a cada uma das crianças do contexto regular de ensino, que a aula de arte mantenha um diálogo com a produção dos espaços culturais, ampliando o contato com a arte, o artista e o próprio espaço cultural.

Contudo, permanece na sociedade uma postura excludente, que difi -culta a operacionalização de medidas que exijam investimento na transfor-mação das condições dos que são diferentes. A própria instituição cultural, muitas vezes, ao contrário de se tornar uma possibilidade de acolhimento e respeito ao outro, constitui-se num ambiente socialmente seletivo, excluin-do do sistema das artes as pessoas com defi ciência. Também o faz com os negros, os pobres, os índios, os homossexuais, enfi m, com todos aqueles que produzem um conceito dominante de normalidade e, por que não dizer, de arte institucionalizada. “No Brasil, no campo educacional, as perspectivas para a mudança estão postas na lei, mas ainda não estão devidamente tradu-zidas em ações políticas, e por isso nem chegam às escolas, e menos ainda às salas de aula”.14

Finalmente, é importante destacar a criação de novos projetos de cunho social e de acesso à arte e à cultura e com elas se articulem. Observa-se no contexto do ensino de arte, e tendo como referência também a obra de

13 Cfr. Beyer, 2005.14 MENDES, 2006. p. 401.

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vários autores, entre eles Bourdieu (2007), o distanciamento dos públicos populares dos centros de produção de arte e cultura, em particular dos mu-seus, como representação das instituições que atuam no âmbito da cultura.

Na proposta das exposições de artes, longe de uniformizar os par-ticipantes dos projetos no uníssono discurso ofi cial das elites sobre a arte institucionalizada, pretendemos dialogar criticamente sobre essa produção, sobre a produção de outros e a interlocução com os espaços populares, não reconhecidos pelas instituições como espaços de produção artística.

Um capítulo em separado seria necessário para discutir toda a poten-cialidade do material didático, dos materiais de apoio a exposições, como, por exemplo, o presente catálogo. Nossa pesquisa na produção de materiais didáticos, de jogos e de maquetes táteis alternativas tem propiciado ao tema uma pesquisa bastante qualifi cada. Pensar esses aspectos das exposições in-clusivas, dos materiais pedagógicos e do papel das instituições culturais na tarefa de incluir tem sido, nos últimos anos, um mote na formação de profes-sores de artes e nas pesquisas que auxiliam no avanço da área.

referências bibliográfi cas

BALLESTERO-ALVAREZ, J. A. Multissensorialidade no ensino de desenhos a cegos. 2003. Dissertação (Mestrado). ECA-USP. São Paulo.

BEYER, O. H. Inclusão e avaliação na escola: de alunos com necessidades educacio-nais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2005.

BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. São Paulo: EDUSP, 2007.

FONSECA da SILVA, M. C.; BORNELLI, M. C. Objetos pedagógicos inclusivos no cotidiano escolar. DAPesquisa, v. 2, 2007. p. 1-7.

FONSECA da SILVA, M. C. Políticas de Inclusão no Ensino Superior: Panorama da legislação brasileira. In: VI Congresso Português de Sociologia, 2008, Lisboa. Actas do VI Congresso Português de Sociologia. Lisboa: Associação Portuguesa de Sociologia, 2008.

______. A educação de professoras e professores de arte: construindo uma proposta de ensino multicultural a distância. 2004. 187 p. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.

15arte, proposta inclusiva | maria cristi na da rosa fonseca da silva | isadora azevedo

FONSECA DA SILVA, M. C.; KIRST, A. C. Inclusão pela arte: processos de democratização do acesso de pessoas com cegueira ao museu. In: Revista Digital Art&. Ano VI, n. 10, 2008. 10 p.

MENDES, E. G. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação. v. 11, 2006. SciELO Brasil. Disponível em: htt p://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141324782006000300002&script=sci_artt ext&tlng=en%5D> Acesso em: 12 jun. 2009.

MRECH, L. M. O uso de brinquedos e jogos na intervenção psicopedagógica de crianças com necessidades especiais. In: KISHIMOTO, T. M. (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 11 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

REILY, L. História, arte, educação: refl exões para a prática de arte na educação especial. In: BAPTISTA, C. R., CAIADO, K. R. M., JESUS, D. M. de. Educação especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Mediação, 2008. p. 221-238.

TOJAL, A. P. da F. Políticas públicas culturais de inclusão de públicos especiais em museus. São Paulo: USP, 2007.

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Os trabalhos que comparecem nesta exposição não solicitam apenas um olho atento, mas demandam uma experiência do olhar. Primeiramente, pedem que o espectador se deixe tocar pela obra buscando uma experiência estética que tangencie todo seu corpo. Depois, que encontre familiaridades sutis que espreitam na sensualidade das curvas e nos relevos angulares das formas de resina, ativando sensibilidades e percepções, sentimentos e sen-sações guardadas na bagagem de sua memória. E ainda que as experiências acumuladas ou esquecidas, que insistem e persistem sabendo que o corpo não esquece jamais, encontrem na interação com a textura dos artefatos de madeira algo que foge da razão adulta, lembrando as primeiras surpresas e brincadeiras da infância.

Contudo, se tangências são breves pontos de contato, que novos en-contros aconteçam, tal como a conversa plástica que pretendemos estabe-lecer entre os trabalhos de Alfonso Ballestero e Michel Groisman. Que ao percorrer o ambiente com os objetos nos dedos ou ao fazer uso da máquina de desenhar de Groisman, as formas de Ballestero encontrem sua potência visual ampliada, assim como o contato com as telas e esculturas de um re-verbere na experiência tátil do outro. Bem verdade que a carga lúdica do conjunto de trabalhos que aqui se apresentam também implica no alcance de uma densidade conceitual a partir do qual esta exposição foi montada. Destacamos a seguir três aspectos que fundamentam a seleção das obras e a complexa interlocução que as mesmas permitem construir.

Primeiro aspecto: Tangenciar é experimentar o que escapa.

Para além das especifi cidades da matemática e conforme o sentido mais conhecido, tangenciar quer dizer passar muito perto, tocar. Refl etin-do sobre a tourada como uma ocasião em que o homem tangencia o mun-do, Michel de Leiris1 fala sobre este momento de conjunção entre a reta e

1 LEIRIS, M. Espelho da tauromaquia. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, cap. 1.

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a curva, em que o efeito faiscante do pano e a intensidade dos corpos que se movem é, ao mesmo tempo, convergência e divergência. Para o escritor surrealista, o instante do passe animal sob a capa seria dotado de uma carga emotiva e poética semelhante ao que acontece com o ato amoroso, o fl utuar do pensamento, da escritura ou da dança, onde incide um feixe de ordena-ções e impremeditações, riscos e entregas, precisões e desmedidas.

Será uma feliz contingência se também este instante de suspensão do tempo e do espaço puder ser vivido quando estivermos diante de uma obra e algo nos afetar profundamente, abrindo em nós uma fenda que nos faz esquecer de falar. Nesta ocasião em que o tudo e o nada pulsarem juntos, anulando a medida das coisas e providenciando uma espécie de noite ilumi-nada por um relâmpago, saberemos que estamos tangentes ao mundo e a nós mesmos, tocados por algo que parece nos atingir como um lampejo.

É pertinente observar que a questão da tangência, como também a do toque, foi e continua sendo tratada na história da arte de muitas manei-ras. Particularmente podemos lembrar as diversas pinturas feitas a partir de uma cena conhecida como Noli me tangere, em que Maria Madalena encon-tra vazio o túmulo de Jesus, cujo corpo surge diante dela para dizer que res-suscitou, mas não permite que ela o toque. Mais do que o alcance teológico, trata-se de destacar que aquele interdito pede uma crença mais profunda em algo que a tocou primeiro2. Assim, para que o divino se faça presença para além do mundo ordinário vivido por aquela mulher, é preciso acreditar que o meio extra-ordinário pelo qual ela viu Cristo é o mesmo que se dirigiu anteriormente a ela.

A partir de uma distância, o sagrado a tocou, tal como o artista foi afetado por algo que antecedeu sua obra e que agora deseja proporcionar ao espectador, transmitindo uma experiência acerca de algo mais profundo do que aquilo que está ali, mas que só pode acontecer por meio de sua arte. Em outras palavras, se nesta matéria do visível tudo é arriscado, para alcançar o divino, como para alcançar a dimensão sensível da obra, é preciso deixar-se tocar por algo que preexiste e é anterior ao olho daquele que testemunha a

2 NANCY, J.-L. Noli me tangere. Ensayo sobre el levantamiento del cuerpo. Madri: Trotta, 2006, p.71 e segs.

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aparição. Sendo esta uma oferenda, exige também uma entrega: se o divino como a obra tem a ver comigo, eu os olho porque fui primeiramente visado.

Na fenomenologia de matriz francesa, como também na psicanálise lacaniana, esta noção tem a ver com o olhar háptico, tratando-se de um olhar que apalpa e possui qualidades táteis, que esposa as coisas visíveis enquanto se deixa envolver por elas. Como vidente, o olho joga com a opacidade, uma vez que, sendo sempre portador de uma névoa, fi ca preso ao que vê enquanto constrói espessuras. Interessado nas experiências de tangências e contatos a que chamou de entrelaçamento ou conversibilidade, Merleau-Ponty procurou pensar a dobra familiar e obscura que habita as relações entre ver e tocar, pensar e falar, dizer e ver. Defi nindo que meu corpo é o modelo das coisas e as coisas são o modelo de meu corpo, refl ete sobre as aberturas entre o interior e o exterior e as implicações entre superfície e profundidade3.

Sendo o corpo ao mesmo tempo visível e vidente, como visível é coisa que pode ser vista e se faz ver, mas que como coisa entre coisas, não passa de mancha no espetáculo do mundo, uma vez que não estou jamais no ponto em que o outro me olha. Se o olhar é invólucro, jamais ultrapassa a superfí-cie. Estando sempre pelo lado de fora das coisas quando imaginamos tê-las penetrado ou tocado na sua profundidade, na verdade foram as coisas que primeiramente tocaram o âmago de nossa carne. E assim, até para nós mes-mos nosso corpo não passa de uma treva repleta de órgãos. Eis a incrustação entre o dentro e o fora: quando aquilo que nos parece visível é na verdade a superfície de uma profundidade e assim permanece, impenetrável ao outro e a mim mesmo.

Se existe uma conversibilidade entre o vidente e o visível, tal como quando uma mão toca a outra, há também o seu limite, pois uma mão jamais poderá ser convertida na outra, como a voz que emito jamais será ouvida por mim do mesmo modo que é pelo outro que me ouve. Este algo impossível e inacessível, que sempre nos escapa, só pode ser alcançado com o olho do espírito, instância onde nasce a matéria da fi losofi a e da arte, onde é possível problematizar a ilusão de ver o que não vemos, onde o sonho se confr onta com a

3 MERLEAU PONTY, M. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2003, p.127 e segs.

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densidade do mundo vivido e a insconsciência do fascinado interroga a consciên-cia daquele que sabe que não pode compreender4.

Segundo aspecto: Conhecer é perceber onde o olho não alcança.

Por causa de um texto chamado Carta sobre os cegos endereçada àque-les que enxergam5 Diderot foi preso. Este pequeno texto foi escrito ao mesmo tempo em que tentava levar adiante seu projeto de uma grande enciclopédia iniciada em 1745, composta por 36 volumes e destinada a catalogar todo o conhecimento humano, abordava a relatividade do conhecimento em rela-ção à ordem natural e ao universo das coisas existentes, destacando os equí-vocos das percepções daqueles que, pensando que vêem, na verdade nada enxergam.

Curioso pensar que a epígrafe deste opúsculo trazia uma referência a Virgílio, poeta latino que antecede ao primeiro século cristão, referindo-se àqueles que podem ver e serem vistos, mas que, no entanto, parece que não po-dem. Em tempos de novas catalogações do mundo, ampliadas pelas viagens de expansão marítima e uma maior aceitação das lentes como dispositivo para aprimorar os alcances do olho, o conteúdo deste raciocínio permitia interrogar a origem do próprio conhecimento humano, colocando sob sus-peita as certezas professadas pela razão iluminista.

Para Diderot, se a simetria e a ordem se constituem numa espécie de convenção para que os que não enxergam possam se locomover sem sobres-saltos, tais critérios em nada se relacionam com a beleza nem se referem ao juízo estético. Sendo o espelho descrito pelos cegos como uma máquina que põe os corpos em relevo, situando-os para fora de si mesmos, os olhos não passariam de um instrumento semelhante ao que é uma vareta ou bengala, ou seja, um modo de se mover no mundo através de uma prótese, só que mais provisória e menos precisa do que o tato.

Assim, duvidando do primado do olho sobre os demais sentidos, o pensador francês afi rma que o tato é um órgão mais sensível para coisas que

4 MERLEAU PONTY, M. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p.17 e segs.5 DIDEROT, D. Carta sobre os cegos endereçada àqueles que enxergam. São Paulo:

Escala, s/d.

Cuerpo Frente / Cuerpo Costas | Alfonso BallesteroPoliesti reno regular rígido sobre tela100 x 100 x 6 cm . Ano 2000

22 mundos tangíveis | exposição táti l

facilmente passam batidas à visão. Lembrando Nicholas Saunderson (1682-1739), estudioso da ótica, da luz e das cores, observa que este cientista inglês cego desenvolveu sua compreensão por se tratar de fenômenos palpáveis, sendo que não lhe passava despercebida nem mesmo a relação geométrica entre as coisas e seu uso. Ou seja, dotada de uma extrema sensibilidade, a própria pele deste seguidor de Newton tornava-se, tal como uma tela, um meio de conhecimento capaz de ser transposto para a matemática e a física, a geometria e a fi losofi a, muito mais efi ciente e aguçado do que através da visão.

Na continuação do raciocínio, Diderot enfatiza que embora os co-nhecimentos sobre o mundo sejam processados pelos sentidos, a capacidade de abstração é rara entre os que enxergam. De sua parte, sem poder colorir nem fi gurar, as sensações que um cego de nascença experimenta são táteis, formulando a partir daí percepções sobre lugares e distâncias, permitindo que a alma possa se situar na ponta dos dedos e tornar-se molde do próprio pensamento. Assim, sua imaginação estaria relacionada às qualidades sen-síveis que foram apreendidas dos diferentes corpos, tal como a beleza seria proveniente das texturas, cheiros e sons experimentados. Mas, enquanto os olhos buscam padrões e sinais, o ouvido os sons articulados, quais seriam os caracteres correspondentes ao tato?

Seguindo através do exemplo de fi lósofos como Mollyneux, Locke e Condillac, Diderot refl ete sobre a capacidade conferida ao olho para familia-rizar as coisas, perguntando em seguida: chamaria um cego de esfera e cubo aquilo que somente poderia ser sentido pelo tato? O que veria um cego ime-diatamente após a cura deste órgão? Se somente a experiência pode ensinar a conhecer e julgar as coisas, é necessário que o olho aprenda a ver, tal como se aprende a usar as palavras ou os selvagens aprendem a olhar as pinturas.

Ao longo da refl exão que se faz passar por uma carta endereçada a uma leitora conhecida, o escritor remete ao fato de que ver é um fenômeno onde se articulam a fi siologia do olho e os sentidos da cultura, pois não se vê nada da primeira vez que nos servimos dos olhos, sendo somente a experiência que nos ensina a signifi car as sensações que as ocasiona e os sentidos que lhe atribuímos. Sendo o olho apenas um modo de conhecer o mundo, o pensa-dor que enquanto sistematiza também interroga as certezas esclarecedoras de seu tempo, acaba por apresentar suas incomodas conclusões mais ou me-

Andadedos | Michel GroismanPeças de madeira torneada

Dimensões variáveis conforme o modelo . Ano 2009

25mundos tangíveis | rosângela miranda cherem

26 mundos tangíveis | exposição táti l

25mundos tangíveis | rosângela miranda cherem

nos deste modo: que sabemos nós sobre a matéria, o pensamento, o espaço, o tempo, a geometria? Nada ou quase nada, pois o desejo de conhecer não passa de pretensão, sendo talvez e apenas um modo de atravessar a existência sem se entediar...6

Terceiro aspecto: Imaginar é um modo de criar mundos e refazer o mundo.

Num texto intitulado Além do princípio do prazer, Freud7 aborda a ín-tima relação entre o prazer e o sofrimento através da cena em que uma crian-ça com cerca de um ano e meio, deixada num ambiente pela mãe, aguarda o seu retorno. Enquanto isto não acontece, na solidão de sua espera, põe-se a brincar com um carretel que joga para baixo do sofá e busca novamente, puxando-o por um fi o. Explorando o conceito de alteração, o psicanalista explica a relação entre a ausência materna e a transformação do objeto em brinquedo como uma espécie de assassinato simbólico e um processo de substituição da falta.

O movimento de fl uxo e refl uxo, abandono e preenchimento, poderia ser então pensado mais como ambigüidade do que oposição ou complemen-to do que contraponto, pois fi gurar a ausência seria um modo de eternizar o desejo. Para Freud, sob certas circunstâncias, a criança, como os neuróticos e os artistas, repete o que lhe causou grande impressão como um modo de se tornar senhora da situação, esforçando-se para obter a tolerância do des-prazer e assim poder restaurar um estado anterior. O brinquedo como a obra seria um modo de elaborar a distância e o vazio.

Lembrando Walter Benjamin sobre o fi m da arte de narrar e o fato de que os homens voltaram mudos da guerra, Giorgio Agamben8 pergunta se haveria uma voz humana como há a das cigarras. Então, considerando os limites da linguagem e a diferença entre voz e linguagem, volta-se para a in-fância não como um modo de pensar a psiquê ou uma etapa da vida humana, mas interessado em pensar um estado pré-babélico, onde resplandece um

6 Idem, p.677 FREUD, S. Além do princípio do prazer. Lisboa: Relógio d’Agua, 2009.8 AGAMBEN, G. Infância e História. Destruição da experiência e origem da história. Belo

Horizonte: UFMG, 2005. caps 1 a 3.

Hoja | Alfonso BallesteroMassa plásti ca sobre concreto celular20 x 80 x 34 cm . 2002

26 mundos tangíveis | exposição táti l

mundo de signifi cados completamente móveis e inefáveis. Assim, a infância seria uma espécie de alegoria da linguagem, povoada por uma descontinui-dade temporal e uma improvisação espacial capaz de acolher a confl uência de todas as possibilidades imaginadas, engendrando-se ali a dimensão hu-mana mais originária e inexprimível, infi nitamente maior do que a compre-endida pela razão adulta, em suas convenções, certezas e juízos.

Se o homem é o único animal capaz de se interessar pela imagem como imagem, para Benjamin pensar a infância seria um modo de inter-romper a cronologia, providenciando a mudança radical do tempo9. Para Agamben seria no reino das brincadeiras e descobertas infantis que os ritos ganham novos sentidos e os objetos mais prosaicos adquirem vigor, enquan-to as coisas sacralizadas pelos adultos tornam-se profanáveis, alterando qua-litativamente os sentidos do mundo. Assim, onde tudo cintila e vibra no seu estado puro e desordenado, podendo mover-se de modo imprevisível e para qualquer direção, a imagem não estaria relacionada à expropriação da expe-riência, mas à potência da fantasia, não conteria o choque da destruição, mas a vitória da imaginação surpreendente. Sendo ao mesmo tempo repetição e aparição única, repousada num abismo silencioso, sua designação pertence a uma ciência sem nome.

Voltemos a falar de tangências, pois foi partindo delas que se concebeu a presente exposição: encontros de Ballestero e Groisman, de obra e espec-tador, de olhar e tato, de cegos e videntes. Neste texto procuramos apontar algumas implicações daí decorrentes, entre elas o próprio conceito de tangí-vel e sua relação com o toque como um modo de olhar denominado háptico. As obras selecionadas para este espaço expositivo assinalam que não é com a visão que se conhece e uma vez que toda obra demanda uma estranha rela-ção de proximidade e distância, é preciso antes deixar-se tocar por ela.

Todavia, o conhecimento do mundo pelo tato não seria, na verdade, um modo de interrogar o que é a experiência do conhecimento? A partir desta pergunta bastante desconfortável para o seu meio e tempo, Diderot

9 BENJAMIN, W. Refl exões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas cidades-Ed.34, 2002. caps 6, 8 e 11.

27mundos tangíveis | rosângela miranda cherem

buscou a resposta não na sua imensa enciclopédia, mas através da arte, onde disfarçada de carta, sua literatura refl etiu sobre o que signifi ca olhar e o que no fundo signifi ca o próprio ato de pensar. Agora, travestida de esculturas, pinturas e objetos interativos a pergunta volta, fazendo-nos desconfi ar outra vez de que os olhos não passam de uma frágil bengala.

Face aos padecimentos do tédio e às afl ições da solidão, os humanos criam. Processando as perdas e os abandonos, as crianças, como os loucos e os artistas materializam mundos, sendo que, cada um a sua maneira al-tera a ordem das coisas que lhes foi dada e as reconstitui, ressignifi cando afecções e percepções, inventando ordenações e densidades. Porém, só os artistas têm a chance de materializar suas cintilações até que elas possam se transformar em formas com vida própria, capazes de viver muito tempo depois deles e de nós. Exatamente porque foram dotadas da capacidade de tornar-nos tangentes a nós mesmos e ao mundo, as obras que aqui comparecem convidam nosso pensamento a imaginar e a sentir, oferecendo-se como de-licado e surpreendente guia que leva para passear a parte de nossa alma que ainda deseja alterar qualitativamente o mundo...

Rosângela Miranda Cherem / primavera de 2009

Rosângela Miranda Cherem é Profa Adjunta de História e Teoria da Arte no Curso Artes Plásticas e Mestrado em Ar-tes Visuais no CEART- UDESC. Doutora em História pela USP (1998) e em Literatura pela UFSC (2006). Coordenadora do Grupo de Estudos de Percepções e Sensibilidades (cadastrado no CNPQ). Possui pesquisas e publicações sobre História das Sensibilidades e Percepções Modernas e Contemporâneas, in-cluindo orientações, curadoria e catálogos. Atualmente desen-volve a pesquisa intitulada Corpus e opus: premeditações para uma história e teoria da pintura na América Lati na.

30 mundos tangíveis | exposição táti l

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Fotografi a: Fernanda do Canto

obras ínti mas | fernanda do canto

Desde a primeira vez que me chegaram fotos das obras de Alfonso Ballestero, fui acometida por uma difícil sensação. É como se andasse por caminhos conhecidos, como se já soubesse por onde entrar nas concavida-des de suas esculturas ou acariciar nos relevos de seus quadros. Inicialmen-te, acreditei que isto se devesse a certa familiaridade que encontrei entre suas esculturas abstratas de bases antropomórfi cas e à poética de Constan-tin Brancusi, cujas obras ainda impregnam minhas retinas e enchem meu coração, sempre aberto para as sutilezas contidas nas obras de arte. Conside-rei que tal similitude poderia ser creditada mais a um aparente alinhamento de propostas, o da simplifi cação da formas em busca de uma essência mais primordial.

Depois percebi que algumas peças concretas de Ballestero produzem uma espécie de suspensão, que num momento se esparramam e logo se pe-trifi cam em formas atraentes e desenhos sinuosos. É o caso de Hoja e Me-drairrupção, obras que parecem ter passado por um processo de maturidade formal até se tornarem cuneiformes e horizontais. Ocorre que entre ambas há também diferenças, pois divergem crucialmente quanto à angulosidade. Enquanto Medrairrupção demonstra masculinidade em suas crispas, as cur-vas de Hoja são suaves e delicadas como um corpo feminino.

Então, aos poucos comecei a pensar que, para além da aparente afi -nidade que parecia haver entre os Ballestero e Brancusi, havia outra coisa. Lembrei-me de um ensaio de Sigmund Freud no qual expõe suas refl exões acerca de um tipo de estranhamento sobre aquilo que é familiar ou conhe-cido (unheimliche). Nesse escrito de 1919, o autor retoma a antiga concepção animista do universo, na qual se acreditava que os organismos vivos eram animados por uma alma, sendo este o princípio da vida orgânica e psíquica do mundo. Essa concepção impregnou as crenças e mitos dos chamados po-vos primitivos, desenvolvendo-se até constituir religiões e cultos altamente elaborados dentro de diferentes culturas. Para o psicanalista alguns resíduos e traços desse estado animista primitivo podem estar ainda presentes em

32 mundos tangíveis | exposição táti l

Sensualidade III | Alfonso BallesteroMassa acrílica sobre concreto celular

30 x 30 x 68 cm . Ano 2001

cada indivíduo e são despertados por certos objetos, pessoas ou situações, provocando um sentimento de estranheza particularmente potente.

Se me atenho a uma das obras de Ballestero, Sensualidade, reconheço a inevitável identifi cação antropomórfi ca que persiste em saliências e reen-trâncias, atravessada pela luz num suave jogo de descoberta de volumes e texturas. Lembrando a feminilidade e sua relação com a natureza, sou aco-metida por sensações que me remetem ao útero, à maternidade, aproximan-do-me um pouco mais do conceito de obra universal, entendida como aquela que toca a alma e estabelece essa ligação elementar, tranqüilizadora e segura com algo que é comum à experiência humana. Mas eis também que aquela forma contém um acabamento que avança, tornando-se saliência pontuda numa extremidade e protuberância na outra, desafi ando-me a defi nir a for-ma primordial com precisão.

Desse modo, é só inicial e aparentemente que Sensualidade remete ao equilíbrio e Olas à leveza, pois há algo de suspensão em ambas as formas que não cobrem nem descobrem, mas dão voltas e encobrem suas próprias nuances. Admito que, procurando reconhecer a singularidade de Olas, en-contro uma obra com maior liberação do movimento. São ondas que perfa-zem linhas fl uentes, alcançadas pelos movimentos circulares e epicêntricos, assinalando a força cíclica e a potência geradora da natureza, mas solidifi -cadas pelo próprio material escultórico. Atravessada pelo movimento onde incidem o líquido e o sólido, a forma e o informe, o instante e o tempo geoló-gico; comparece um tempo petrifi cado que se pressente desmanchar no mo-mento seguinte. Como bem nos escreveu o artista, Olas é a obra que contém em si mesma todas as demais obras da série.

Por sua vez, tudo que se poderia escrever sobre as obras apresenta-das por Ballestero, todas as sensações básicas que se têm no contato com elas, são sensações advindas do tato, das quais a visão se apoderou apenas sugestivamente. Uma vez que a percepção de volumes e texturas se dá no campo visual graças à incidência da luz, sua ausência tornaria nossos olhos apagados e então, nenhuma serventia teriam. O que o artista solicita através de suas esculturas, e aí está sua grande sensibilidade, é que arrisquemos um outro modo de interação, que estejamos conosco mesmo na ausência da luz, que façamos uso do toque, compreendendo por outro caminho os aspectos

35obras ínti mas | fernanda do canto

36 mundos tangíveis | exposição táti l

35obras ínti mas | fernanda do canto

que compõem e defi nem uma obra, que os recursos formais nos levem a ou-tros conteúdos e conjunções.

Talvez seja esta a sensação de estranhamento familiar que eu procu-rava defi nir em Freud: o convite ao contato com o mais primitivo do indi-víduo, o maternal, o natural e o intrínseco, mas também uma semelhança deslocada e estranha que identifi ca parte de nós. Ter nas mãos uma obra de arte, poder explorá-la, sentir como se os dedos fossem na verdade olhos que vêem até os micro-poros e entram por todas as fendas e deslizam em todas as superfícies; essa é uma experiência sensível que possibilita a compreensão em detalhes não apenas da obra, mas também do próprio indivíduo como sujeito de experiência. Que o contato físico permita possuir as formas em toda sua inquietante consistência e compleição.

Para fi nalizar, cabe destacar que, sendo a exposição Mundos Tangíveis, voltada à experiência tátil mais do que visual, não posso deixar de pensar que talvez e particularmente neste caso, não ver se torne uma vantagem. Conhecer uma forma de maneira completamente imprevisível, podendo circundá-la com a suavidade dos dedos, talvez me faça perceber um mun-do diferente, possível de se tornar algo distinto daquilo que é. Assim, estas obras testemunham não só que é possível tocá-las como algo que pertence a este mundo, mas também que através delas, munidos de imaginação e sensi-bilidade, seja possível tangenciar outros mundos...

Fernanda do Canto / Outubro de 2009

Fernanda do Canto tem 23 anos. É designer gráfi co for-mada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Durante o ano de 2008, realizou um intercâmbio para o curso de Diseño

de Imagen y Sonido, na Universidad de Buenos Aires e aprendeu que design combina com arte, cinema e até literatura. Trabalha atu-almente em identidades visuais, tratamento de imagem e pro-jetos culturais em Florianópolis.

Olas | Alfonso BallesteroMassa acrílica sobre concreto celular58 x 20 x 70 cm . Ano 2000

levando o pensamento para passear com a imaginação | gabriela caetano

Ao priorizar a interação da obra e a inclusão do espectador, a exposi-ção Mundos Tangíveis conta com dois artistas unidos pela questão do con-tato. Tanto Alfonso Ballestero como Michel Groisman apresentam seus trabalhos para um público que normalmente não veríamos nesse espaço, os cegos, a quem os obstáculos cotidianos quase sempre impedem que as obras de arte possam fazer parte da sua vida. A partir daí, a exposição foi concebi-da para acolher também este universo, permitindo uma aproximação direta com trabalhos plásticos escolhidos justamente por propiciarem a experiên-cia do toque e as múltiplas sensações e percepções decorrentes disso.

Neste texto destacamos uma das obras como um modo de abordar a exposição e também permitir que através dela o espectador se aproxime das demais. A convite da curadoria, Michel Groisman traz dois trabalhos um tanto diferentes daquilo que se esperaria encontrar, já que possui uma carreira marcada por performances e obras que relacionam o corpo, tanto do artista como o do próprio expectador que o assiste, fazendo com que essa relação interdependente entre obra e público ultrapasse limites convencio-nalmente estabelecidos. Desta vez, porém, o que vemos são trabalhos onde o contato do público é essencial para a existência da obra, pois as mesmas foram escolhidas por contemplarem a possibilidade de serem tocadas pelos visitantes, sejam elas pessoas cegas ou videntes.

Groisman é formado em música e no período de 1992 a 1997 se envol-veu com a criação de instrumentos musicais. Mais tarde eles foram deixan-do de ser musicais para se tornarem instrumentos utilizados na investigação do corpo, ou seja, equipamentos para auxiliarem na invenção de formas, movimentos e interações corporais. Se seus trabalhos podem ser conside-rados fáceis de sentir e de se deixar impactar, ao mesmo tempo são quase impossíveis de defi nir do que se trata, pois ultrapassam as linhas de fronteira entre obra e objeto, contemplação e interação, difi cultando as classifi cações certeiras.

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Andadedos | Michel GroismanPeças de madeira torneada

Dimensões variáveis conforme o modelo . Ano 2009

Tanto Máquina de desenhar como Andadedos foram concebidas como trabalhos interativos, onde a participação do expectador é requisitada como parte fundamental, transformando a relação do visitante com as obras. Sendo o alvo da transformação não as peças somente, mas a sensibilidade e percepção de quem as toca, uma vez que, delicado ou intenso, o contato dos dedos vai proporcionando expressões de admiração, surpresa ou mesmo incompreensão.

Lúdicos e interativos, Andadedos se apresentam como uma novidade, pois são objetos para serem manuseados na continuação de outras tarefas, especialmente na observação das demais obras da exposição, proporcionan-do um novo olhar sobre elas. Andar com as mãos ocupadas pode ser um modo diferente de se deslocar, tanto deixando uma parte fi xa e imóvel que não se desloca, como ao alternar os objetos entre as mãos, fazer com que as mãos se revezem como um movimento das pernas. Assim, ao priorizar as sensações táteis e as percepções acerca dos giros alternados das mãos e pe-quenas variações corporais possíveis, surgem modos de se movimentar com os dedos que desafi am o raciocínio e ajudam a descansar a cabeça, produzin-do experiências variadas e adquiridas de acordo com seu uso.

Decorrente da constatação de que vivemos num mundo que se apre-senta de forma extremamente visual, parece natural que a questão do olhar se torne mais relevante, uma vez que os olhos parecem sintetizar em si o acontecimento artístico em sua totalidade. Ao contrário disso, Andadedos prioriza a questão do tato como um modo de apreciar a arte, desierarquizan-do os preceitos da visualidade e propondo novas possibilidades de contato. Quem sabe até seja melhor não olhá-los? Talvez assim as experimentações possam ser mais intensas e, ao mesmo tempo, não comandadas pela raciona-lidade, mas coreografadas pela imaginação.

Em outras palavras, o que normalmente é assimilado através do olho, nesta exposição será deixado por conta das mãos. O tato aqui fará o papel mais importante, sendo responsável por amplifi car a experiência artística. Importante destacar que é justamente com as mãos que trabalha o artista plástico Michel Groisman. Em projetos anteriores ele já vem utilizando des-sa proposição para trabalhos que ampliam a percepção artística do públi-co seja ele cego ou não. Sua exposição acontecida no MAM-RIO em 2008

41levando o pensamento para passear com a imaginação | gabriela caetano

40 mundos tangíveis | exposição táti l

apresentou Porta das Mãos, no qual 120 fotografi as de suas mãos em preto e branco podiam ser vistas formando infi nitas formas feitas a partir da união dos seus dedos, sendo que na sequência, procurava uma variação de novas formas sem soltar a união dos dedos. De acordo com o próprio artista, re-presentado pela simples e mínima conexão entre dois dedos de cada mão, constituía-se num trabalho sobre a perfeita continuidade que une todas as formas, proporcionando o encontro das polaridades do corpo: mão direita e esquerda, feminino e masculino, dentro e fora, e assim por diante....

No ambiente expositivo de Mundos Tangíveis observa-se algumas prateleiras presas na parede da sala. É ali que estão contidas várias peças que compõem Andadedos. Ao se aproximar desse balcão cheio de opções, é possível que o espectador seja impulsionado a experimentar as peças que se oferecem ao desafi o, movido menos pela visão e mais pela curiosidade lúdi-ca, uma espécie de desejo infantil de ver com os dedos, fazendo com que as mãos cheguem antes que os olhos para alcançar os diferentes sentidos que aquelas formas despertam. Se isto acontecer, vá em frente, esqueça a ordem introjetada ao longo de sua educação para não mexer nas coisas dos outros e muito menos nas dos museus e galerias.

Procure sentir a variedade de objetos que estão a sua frente, depois escolha quantos as suas mãos conseguirem experimentar. Permitindo-se descobrir e pensar, sem que os olhos matem todas as charadas de cara, deixe que as descobertas táteis possam acolher as possíveis relações obtidas no percurso que segue conhecendo as demais obras desta exposição. Repita esta operação e procure suas variações quantas vezes sua curiosidade e ima-ginação pedirem...

Enfi m, Andadedos servem para andar com os dedos, andar de dedos. Que caminhos percorrem nossas mãos enquanto nos ocupamos de outros fazeres? São pequenas ligaduras que convidam ao expectador a participar e interagir. Pedem para que o espectador se conecte com ele e descubra a infi -nidade de trajetos a percorrer no reino de uma única exposição de obras de arte. Trata-se de uma obra que se abre para o contato com outras, estimulan-do a exploração de limites, acolhendo desorientações, sugestões inacabadas ou desordenadas, estímulos suspeitos e anteriores que permanecem como

41levando o pensamento para passear com a imaginação | gabriela caetano

um quase nada proveniente de sensações interiores, mas que podem abrir caminhos para outras andanças. Com os dedos, ou não.

Arrisque e desloque-se em você mesmo. Crie seu espaço e o caminho ao andar. Sinta a oportunidade de colocar-se em meio à arte, numa interação espacial, subjetiva e diferente. Assemelhe sensações, procure diferenças, ob-serve o caminho que os demais Andadedos fazem no mesmo período de tem-po que você faz o seu. Aproxime conceitos e idéias sobre coisas naturalmente semelhantes. Lembre de uma brincadeira de criança, de um jogo de montar, de uma história que um dia alguém contou. Tente pensar outros lugares em que esta obra poderia ir. Role seus dedos. Caminhe com os dedos. Permita-se sentir e descobrir novos usos, maneiras, formas estranhas e assim, crie laços com a obra, inventando outras oportunidades. Descubra maneiras de andar. Percorra uma idéia. Inverta as regras. Crie impossibilidades e faça-as serem possíveis. É isto que estes objetos querem nos proporcionar...

Gabriela Caetano / Outubro de 2009

Gabriela Caetano é artista plástica formada pelo Centro de Artes da UDESC. Trabalha principalmente recorrendo à fo-tografi a como matéria e suporte plástico, relacionando em sua pesquisa questões contemporâneas sobre paisagem, conceito de sobreposição de imagens que resultam na perda da origem em meio à série artística e a noção da multiplicidade de meios, possíveis na criação artística contemporânea. Natural de Florianópolis, vive e trabalha em São Paulo.

movimento em branco | alfonso ballestero

No início era a pintura de uma tela: o tradicional óleo sobre tela; bus-cava a sensualidade e a delicadeza das linhas femininas, o corpo da mulher, meu grande inspirador junto às formas da natureza. Sem perceber foi-se de-senvolvendo uma obra que sugere elementos com volumes que parecem sal-tar da tela remetendo à sensação de empolas sobre um plano. Essa percepção não me deixa impassível; ao contrário, me incita a buscar seu signifi cado: o que a obra tenta me dizer? O que ela queria que eu explorasse? Até onde deveria ou devo eu chegar?

Como estava desenvolvendo concomitantemente, um projeto de acessibilidade de obras pictóricas para público de invidentes - visitantes de museus (e isso é a transposição da imagem de um quadro, que está em exi-bição, para o relevo), isso promovia que a leitura desse material fi zesse com que o invidente pudesse perceber a obra de maneira tátil, criando a imagem mental mediante essa leitura, possibilitado assim a compreensão de uma obra bidimensional e plana. Provavelmente essa atividade infl uenciou, em muito, a refl exão sobre o trabalho que acabara de produzir, observando os volumes, as formas, os relevos, a acessibilidade, o entendimento, a confi -guração, a comunicação, o diálogo, enfi m, a obra universal. Isso é possível? Provavelmente!

Como a curiosidade é minha característica, procuro resolver um pro-blema pelo simples prazer de investigar, principalmente quando minha pró-pria obra me leva ao problema. Da mesma forma, na transposição das obras dos grandes mestres, minha maior preocupação é em relação à percepção do invidente através da leitura de obras abstratas, pois essa leitura é plena de subjetividades. Quando feita pelo vidente, infl uenciado, por exemplo, pelas cores e suas características, frio/quente, distante/perto, agressivo/delicado e assim por diante, essa interpretação sempre depende de inúmeros fatores, tais como a cultura, faixa etária, gênero e assim por diante em todos os de-mais aspectos. É essa preocupação que vai permear, na íntegra, meu pensa-mento na elaboração e produção da série Movimento em Branco.

44 mundos tangíveis | exposição táti l

O resultado desse trabalho apresentado aos invidentes é para mim um dos momentos mais importante da produção do artista, o momento em que se permite submeter-se ao público para receber críticas e, nesse sentido, o público invidente é implacável e terminante. Perguntava-me: o que e como eles entenderão o que quero dizer por intermédio de minhas obras? Yara Helena de Andrade (invidente de Limeira, São Paulo) fez este comentário durante um vernissage: "...eu achei legal porque eu pude perceber que a minha percepção bate com o que ele quis dizer e retratar isso é interessante porque a maneira que vocês têm de observar uma obra de arte é vendo e a minha é tocan-do e nós conseguimos chegar ao mesmo lugar..."

Essa é a constatação de que eu estava no caminho certo e que a pro-dução das obras não tinha sido em vão, pois estava falando de formas de abs-tração e tratando da sensualidade feminina e a sua relação com as vegetais, a natureza enfi m, de volumes com linhas sinuosas e provocantes ao olhar que impele o observador a tocá-las e explorar sua superfície inteira e suas reent-râncias, seduzindo o observador a iniciar uma viagem mental de exploração e fruição da arte.

Nesta oportunidade trago ao público seis das obras da coleção Movi-mento em Branco: são dois relevos de parede e quatro esculturas. Os dois re-levos apresentados foram produzidos em poliestireno expandido sobre tela e massa acrílica como acabamento e foram gerados a partir das telas pintadas a óleo; as quatro esculturas têm como suporte o concreto celular, três delas revestidas com massa acrílica e uma com emborrachamento. A obra Olas, para uma relação imediatista, é a obra que contém em si mesma todas as demais obras da série; a obra Hoja, é o seu oposto e a unidade da série; a obra Sensualidade apresenta mais plenamente o binômio mulher/natureza; e, a obra MedraIrrupção, que extrapola a linguagem da série com sua crítica social, o desenvolvimento que anda para trás.

Proponho, ao observador, um percurso sensorial de esculturas e rele-vos, com o propósito de ultrapassar os limites da simples observação visual, instigando a contemplação poética por meio de outros sentidos. Ultrapas-sando as fronteiras do ver, esta série possibilita a acessibilidade de pessoas com limitações visuais no contexto das artes plásticas e valoriza uma visão holística dos seres humanos.

MedraIrrupção | Alfonso BallesteroMassa acrílica sobre concreto celular

75 x 21 x 30 cm . Ano 2003

47movimento em branco | alfonso ballestero

46 mundos tangíveis | exposição táti l

As esculturas, cuja poética nos remete às formas orgânicas e sensuais, espelhadas pela cor branca - somatória de todas as cores -, proporcionam uma experiência estética diferenciada, que conduz o observador por meio das diferentes percepções a múltiplas sensações reveladas pelo imaginário único e especial em cada ser. Enfi m, o desígnio de minha produção é "A ne-cessidade de fazer uma obra de arte verdadeiramente universal".

Alfonso Ballestero

Alfonso Ballestero nasceu em São Paulo. Possui dupla nacionalidade, brasileira e espanhola. É Doutor em Poéticas Vi-suais e Mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

É artista plástico e educador. Sua produção artística baseia-se principalmente em trabalhos com escultura, pintura, fotografi a, desenho e gravura. Como educador ministra aulas, cursos e ofi cinas de artes para alunos especiais, estudantes, profi ssionais de áreas afi ns e pessoas interessadas. Desenvolve também projetos de acessibilidade em artes, produção de ma-teriais multissensoriais e publicações especializadas adaptadas principalmente para pessoas com limitações visuais.

caminho da mão | michel groisman

Andadedos são instrumentos para utilizarmos em uma prática inusi-tada: o andar com as mãos. É, realmente parece algo inusitado! Mas garanto que é totalmente acessível utilizando os Andadedos. E o melhor, para expe-rimentar nem é necessário nenhum tipo de preparo físico. Pois este andar com as mãos é de um tipo diferente, que não desloca o corpo no espaço. Na verdade, é um andar que não nos move do lugar, e assim não nos leva a lugar nenhum. Neste andar, as duas mãos se alternam uma como chão para o movimento da outra, levando os andadedantes a percorrer um caminho cí-clico, sem começo nem fi m. Quando utilizo estes instrumentos, a sensação tátil, os giros alternados das mãos e braços, a atenção colocada nas pequenas variações corporais possíveis, nos modos de andar com os dedos que desa-fi am o raciocínio, me ajudam a descansar a cabeça desacelerando um pouco aquela nossa velha conhecida pressa mental de querer chegar a algum lugar. Já experimentei o Andadedos em diferentes circunstâncias como, por exem-plo, enquanto conversava com um amigo ou andava pela sala. Experimente um andar para não sair do lugar, enquanto nos aventuramos por caminhos interiores.

Máquina de Desenhar (um projeto em parceria com a artista Gabriela Duvivier) originalmente foi criada para produzir desenhos, pelo menos é isto o que se espera de uma máquina de desenhar, não é ? Construímos as engrenagens, um sistema de mecanismos para serem operados por pessoas e botamos o negócio para funcionar. Logo vimos que manipular a máquina interagindo com outras pessoas era mais estimulante do que sozinho, e que o desenho resultante retratava esta interação. A partir de então, fomos de-senvolvendo jogos e instruções de utilização da máquina que direcionassem a atenção dos participantes para a integração entre si. Diante da riqueza do processo, o desenho (o resultado) produzido pela máquina foi se tornando algo cada vez menos importante e assim chegamos no ponto atual da pes-quisa, no qual a maquina de desenhar é utilizada como uma ferramenta-jogo de experimentação grupal. Um laboratório de integração dos diferentes ca-minhos (traçados) de cada um em um só caminhar juntos.

50 mundos tangíveis | exposição táti l

49caminho da mão | michel groisman

Entre 1992 e 1997 cursei a faculdade de música e me envolvi com a criação de instrumentos musicais. Mas gradualmente estes instrumentos foram deixando de ser musicais. Foram se tornando instrumentos para se-rem utilizados na investigação do corpo. Equipamentos para auxiliarem na invenção de formas, movimentos e interações corporais. Instrumentos, seja para a investigação do próprio corpo, seja para a interação entre as pessoas, na descoberta de um corpo coletivo. Esta auto-pesquisa vem se materializan-do através dos diferentes trabalhos que realizo. Nestes trabalhos a ausência de música é algo importante. O silêncio como meio de entrar em contato com o meu próprio ritmo, com a minha própria música interior. Por esta razão, também passei a experimentar fi car com os olhos fechados em algu-mas investigações, como meio de entrar em contato com aspectos que me escapavam, que eu não conseguia enxergar com os olhos abertos. Para esta exposição escolhi alguns trabalhos recentes, que estão em processo de in-vestigação, e que gosto de experimentar com os olhos fechados.

Michel Groisman

Michel Groisman desenvolve um trabalho que integra artes visuais e jogos com o corpo. Em sua pesquisa, já contou com o apoio de diferentes bolsas: Rioarte (2004), Vitae (2002) e Uniarte da Faperj (2000). Seu trabalho tem sido visto tanto em museus como em festivais de dança e performance. Desde 2004 desenvolve parcerias com outros artistas, como Gabriela Duvivier, treinadora de improvisação teatral e professora da Técnica Alexander, e Sung Pyo Hong, fotógrafo e videomaker. Atualmente toma parte no projeto-pesquisa Desmapas, apoia-do pela Secretaria de Cultura do RJ; e desenvolve o projeto Respirador, trabalho contemplado pelo programa Rumos Dan-ça do Itaú Cultural.

Máquina de desenhar | Michel Groisman e Gabriela DuvivierMódulos de madeira e lápis de ceraMedidas variáveis . Ano 2008Autor da foto | Sung Pyo Hong

encontros percepti vos: a mediação em exposições de arte com pessoas com defi ciência visual

maria helena rosa barbosa | márcia lisbôa carlsson

eliane prudêncio da costa | sérgio da silva prosdócimo

Os museus contemporâneos precisam estar atentos aos seus diferentes públicos potenciais, constituídos por pessoas de distintos grupos sociais, fai-xas etárias e níveis de compreensão, para desenvolver ações educativas que possam atender a seus mais diversos interesses e necessidades. Tratando-se especifi camente dos museus de arte, considera-se que o conceber exposi-ções, assim como o pensar e o desenvolver ações educativas para públicos tão diversos, exige que os atores museais levem em conta as especifi cidades de cada um deles, de modo a oportunizar experiências signifi cativas com a arte no espaço museal.

Assim, entre as mais diversas ações educativas que os museus reali-zam, o trabalho do educador, que se pauta na mediação entre os públicos e as obras de arte, nas exposições, a fi m de propiciar a interação dos visitantes por meio do diálogo, torna-se fundamental com os diferentes públicos, pois permite que eles tenham uma participação mais ativa, verbalizando suas in-terpretações, seus questionamentos sobre arte e sentimentos afl orados du-rante a visita.

Quanto à mediação, importa destacar que essa ação pode ser compre-endida como um encontro sensível, atento ao outro, no qual a mediação, mais do que estar entre uma pessoa e um objeto, talvez seja estar entre possibilidades de encontros, com qualidade e intensidade, para ampliar conexões possíveis e uma interação especial afetando educador e visitantes.1 Estar atento ao outro é, por conseguinte, uma das características primordiais da visita mediada com todos os públicos no espaço museal.

1 MARTINS, M. C. et al. Mediação: estudos iniciais de um conceito. Universidade Estadual Paulista – Instituto de Artes, Pós-Graduação. São Paulo, v. 1, nº 1, outubro 2005.

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Nesse sentido, para a mediação com públicos especiais2, como os constituídos por pessoas com defi ciência visual, a atenção deve ser duplica-da, pois esse é um público também heterogêneo. Nele, estão incluídas pesso-as que podem apresentar baixa visão ou cegueira total – congênita ou tardia, quando a pessoa perde a visão em idade mais avançada. Nesse caso, ela pos-sui memória visual. Além disso, cabe destacar que pessoas com defi ciência visual podem apresentar, também, outro tipo de defi ciência congênita ou adquirida. Essas características exigem, consequentemente, do educador um aprofundamento teórico e também o diálogo com especialistas da área em relação a esse universo pouco conhecido, a fi m de ter mais conhecimen-to sobre as limitações e potencialidades perceptivas desses sujeitos para me-lhor interagir com eles.

Com base nessas concepções e a partir de algumas experiências3 com públicos especiais nas exposições do Museu de Arte de Santa Catarina – MASC, a equipe de arte-educadores tem refl etido a respeito de políticas museológicas que promovam o acesso dos diferentes sujeitos aos bens ar-tístico-culturais. Além disso, tem delineado perspectivas quanto à impor-tância da mediação como instrumento capaz de possibilitar as condições de acessibilidade à produção artística e à apropriação do espaço museal.

A experiência com defi cientes visuais oportunizou, com efeito, aos arte-educadores do MASC um ajustamento e refi namento no processo de mediação. Assim, por tratar-se de um público diferenciado, a equipe preci-sou romper com o medo do novo, com o estranhamento, e criar meios e con-

2 Conforme Martins (2004, p.328) público especial designa o público de cultura que apresenta qualquer tipo de defi ciência, seja ela mental, física (auditiva, visual, motora) ou cultural [estrangeiros com difi culdade para interpretar o código da cultura da qual passam a conviver (p.331)], necessitando, por isso, de um atendimento especial, com técnicas que permitam seu acesso físico e intelectual ao patrimônio cultural.

3 O NAE – Núcleo de Arte-Educação do MASC realiza mediação com públicos especiais, esporadicamente, há cerca de dez anos. No entanto, a partir de 2006 com a exposição Entre, a obra está aberta, da artista plástica Amélia Toledo, os arte-educadores do museu têm intensifi cado a mediação com pessoas cegas no acesso as obras do acervo do museu. Além disso, desde o referido ano o Museu foi convidado a participar de projetos em parceria com o CEAD/UDESC e coordenados pela Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Rosa Fonseca da Silva, com a fi nalidade de aproximar as pessoas cegas ao espaço museal da arte.

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dições para um atendimento de qualidade que superasse as inseguranças e proporcionasse uma relação de autoconfi ança entre os visitantes e o educa-dor/mediador na exposição. Além disso, quando os arte-educadores intera-gem com o público defi ciente visual na mediação, percebem a importância de vivenciar essas experiências, principalmente porque, para esse público, uma exposição de arte não pode ser apreciada com o olhar, mas pode ser to-cada, sentida, internalizada, adquirindo novos signifi cados em suas vidas.

Nesse sentido, Tojal4 esclarece sobre o importante papel que a Ação Educativa desempenha no processo de inclusão do público com defi ciência vi-sual no museu, pois novas possibilidades de exploração, que tanto este público, como também o publico em geral, terão ao apreciar de forma compartilhada os múltiplos signifi cados do objeto museológico, experiência esta que, ao permi-tir uma nova perspectiva de exploração deste universo, transcende a percepção unicamente visual, revelando a essência e a intimidade da matéria. Assim, as inúmeras possibilidades exploradas e desenvolvidas, durante a mediação, proporciona, também, aos arte-educadores rever as atitudes frente às adver-sidades da vida, revelando novos sentidos do aprender e da relatividade da cegueira, pois percebem o rompimento das fronteiras e das diferenças entre o conhecimento do mundo interior e exterior.

Durante a percepção tátil, ao mesmo tempo em que as mãos percor-rem a obra de arte, subitamente vão surgindo questionamentos e ideias para quem se permite percorrer, saborear, cheirar, tocar, invadir e ver um mun-do que depende do auxílio do outro para ser desvelado. O encontro entre a arte e o público defi ciente visual possibilita ao educador desenvolver outro ritmo, ou seja, parar um pouco, dar um tempo, respirar e sentir a forma, o material, a textura, a temperatura, enfi m toda a obra de arte de modo a vê-la além das características que se apresentam na sua visualidade.

Desse modo, a mediação com defi cientes visuais, na qual a percep-ção tátil possibilita não só o tocar as obras, mas também tocar nas mãos das pessoas para auxiliá-las a percorrer tatilmente as formas e sentir as texturas dos objetos artísticos, é um momento ímpar no qual os seres se permitem, igualmente, a uma experiência sensorial com o outro. Com a fi nalidade de

4 TOJAL, A. P. da F. Museu de arte e público especial. Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA – USP, 1999. (p.16)

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ampliar a experiência sensorial do público defi ciente visual, a equipe do NAE está desenvolvendo, nas ações educativas com eles, uma ofi cina de técnicas teatrais – sensibilização tátil e sonora. Essa ofi cina visa explorar o corpo físico, de modo que cada indivíduo possa entrar em contato com o seu próprio corpo e com o corpo do outro, percebendo-se, conhecendo-se e entendendo-se pelo toque no espaço e no contexto em que está inserido, de forma a vivenciar com intensidade o momento presente.

Após os visitantes explorarem tatilmente algumas obras de arte do acervo ou de artistas que permitem tocá-las quando expostas no museu, ampliam-se as dimensões desse toque para a confi guração de poéticas es-cultóricas de seus próprios corpos na ofi cina A Poética do Corpo5. Nessa proposta, busca-se desenvolver, com comprometimento e envolvimento, a plasticidade corporal, o sentimento e a entrega, explorando a maleabilidade do corpo físico e a ampliação de outras percepções sensíveis, bem como a refl exão do signifi cante e do signifi cado na produção estética e poética de cada indivíduo.6

Assim, a criação e o permitir-se são imprescindíveis para que o defi -ciente visual participe inteiramente da ofi cina, de forma a vivenciar os valo-res do ser sensível; desenvolver a autoestima, o autodescobrimento, por meio dos movimentos corporais; e reconhecer seus limites e potencialidades para, posteriormente, ser confi gurador de poéticas do corpo, da mente e da alma e de novas possibilidades de corpos escultóricos. Em vista disso, a ofi cina pro-porciona aos participantes um envolvimento e um mergulho para dentro de si mesmo, de modo a aprenderem a vivenciar o respeito às diferenças, à indi-vidualidade, à fragilidade, à criatividade, aos conhecimentos, à sensibilidade e aos sentimentos de cada um. Além disso, permite desenvolver, simultane-amente, a compreensão e a empatia sem discriminação, mas com respeito a tudo e a todos na elaboração da composição poética corporal.

O compartilhar de experiências entre os participantes (colegas de grupo) durante a ofi cina propicia, com efeito, o exercício de se auxiliarem

5 A ofi cina é ministrada por Sérgio Prosdócimo, que também é ator, músico, performer, fundador e diretor de expansão do grupo Gira-Teatro.

6 PROSDÓCIMO, S. da S. A Poética do Corpo: possibilidades estéticas e desdobramentos na arte. Florianópolis, 2008. (Projeto–Ofi cina. Documento impresso não publicado).

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mutuamente no processo de confi gurações escultóricas do corpo poético, o que desperta a coragem de criar e, consequentemente, a mudança de atitu-de. Assim, a percepção sensível tátil do indivíduo, na qual a criatividade na elaboração poética corpórea possibilita o estado de conquista de si mesmo é presentifi cada e efetivamente consolidada na integralidade do ser como obra de arte. Há, com a ofi cina, um prolongamento do estímulo à sensibili-dade tátil iniciada na mediação entre o público defi ciente visual e as obras de arte nas exposições.

Em ambas as ações educativas, ou seja, tanto na mediação como na ofi -cina A Poética do Corpo, o sentido da audição também é explorado, pois, no espaço expositivo diante das obras, o mediador realiza tanto a descrição delas, como instiga os visitantes a estabelecerem relações com o seu conhecimento de mundo – seus outros saberes – com a vida. Isso permite que eles se sintam à vontade para expor suas descobertas ou sensações. Nesse sentido, destaca-se que entre outras ações, a mediação nas exposições é a que coloca o mediador em contato direto com os públicos; pode-se dizer que é a ação mais humanizadora do museu, pois é o momento do encontro entre o eu, o outro e a arte.7 Salienta-se, ain-da, que uma mediação com pessoas defi cientes visuais em exposições de arte é uma ação educativa singular, pois é um momento de encontros perceptivos tanto para o visitante quanto para o arte-educador do museu que se permite a uma troca de experiências e a um aprendizado constante.

Oportunizar a apreciação estética, a compreensão da linguagem ar-tística a esses sujeitos, por meio da acessibilidade com interatividade ao patrimônio artístico-cultural, amplia, portanto, a percepção dos diferentes atores museais quanto ao papel social das instituições museológicas, assim como permite que os museus de arte sejam espaços mais democráticos e inclusivos. Promover encontros perceptivos com a arte e os diferentes pú-blicos especiais é um desafi o para o qual os museus devem lançar-se com o objetivo de que esses sujeitos possam ter não só o acesso físico, mas também o acesso intelectual aos espaços museais da arte.

7 BARBOSA, M. H. R. Museus de Arte: desafi os contemporâneos para a adoção de políticas educacionais. 2009. 256f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. (p.112)

Museu de Arte de Santa Catarina

Lygia Helena Roussenq Neves

Ronaldo LinharesJosé Carlos Boaventura dos Santos

Ana Lucia Fernandes da RosaHeloisa Helena Caminha BradaczValério Carioni

Eliane Prudêncio da CostaMárcia Lisboa CarlssonMaria Helena Rosa BarbosaSérgio Da Silva Prosdócimo

Anézio Antônio RamosDalmiro LivramentoNilton Cesar PereiraPaulo Roberto de SouzaSérgio Adolfo Guiant

Mariana RodriguesMatheus Pezzoni Arruda

Administradora |

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Estagiários |

De 04 de Novembro a 09 de Dezembro de 2009

exposiçãotátil

Maria Cristina da RosaFonseca da Silva

Bruna Marques FrandoligeJúlia Rocha PintoIsadora Gonçalves de AzevedoIuly Masiero Henrique

Alfonso BallesteroMichel Groisman

Fernanda do CantoGabriela Caetano

Rosângela Miranda Cherem(coordenadora)

Fernanda do Canto

Coordenadora do Projeto |

Bolsistas |

Artistas |

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Projeto Gráfico |