MORI, Angel Fonética

10
'-..__../ 146 I INIROOUÇÁO Á liNGÜÍSIIC;t.. J SÍt. lll OLOS 1>0 ll't\ (JN'I I:RNi\TIONt\L I'II ONETICS ASSO\JATION) (or)!:lllll:tdos por L11i1 . Caghari) /\ufc.·•ulJC'S Ccnlr:tl\ Po"-lt" IHHt '\ lnlt;ul." Yl• I> --;---A 6 :> ahca1:1 ' tt • " t\ltt-11.1 ' l•r:o ·'l'J!flll' ttlu': Aecllto 1"111<' i pai. ,l...aft'líJW I ---- --- Acento <ct· ut td.ltltl' ,k:tlt'líjll) 11 I""!!" r: c - 1\lcm lnngn t:x u:t l11n c. l' de 'll:iha · d}l C'5 C' J C ,cJ 1 ( •-< ._ , .__ L- ·; >..'" 1.. , C', C'Lc t'\,t 1.. n cAtLt- '=>·c.._ c C'>. ""' s e / "' - I r 'I r '""'l'"' l>a louago lei I. Taitrll\)!11 lu: ul I' é Gtupnlon:rl Sem patl\:r ;, q·c ndrlllc MclocJt:r tlcsrcndcn lc de contorno o q'ê ti I ---. \..,:,:\.lA-, ,J·v.,\. .... ,l 4 FONOLOGIA t\ngel C01 hem Mor i 1. FONÉTICA E FONOLOGIA' O I ingiii sta suíço Fcrdinand de Saussurc foi o pr i mci10 a estabelecer que a linguagem humana co mpreendia dois aspectos fullllamenlais: a língua c a fal<L Para ele. a língua é um produto social, presente na tolalidade dos 111embros de uma contunid:1dc lingiiística. A fala, por s ua vez, é Ulll falo individual, represen- ta un1a n:ali7.ação concreta úa língua num momento c lugar tlclcnuinados. Nes- se scnl id o. o autor. o cstuuo da linguagem eomp01t:1 duas partes: "unw. es sencial. tem pot o bje to a língua, que é soc ial em sua essGncia c independente do in divíduo; esse estudo é unicamente psíquico; out 1a , secu nd át ia, tem por· objeto a parte da linguagem. vale di zer, a fala. inc lusi ve a fonação c p <; i co rísica" 1 . A líng ua c a laia não ocorrem :unb:rs são interdependentes. a língua é ao n1 cs mo tempo o instrumento c o produto da fa la . De ssa forma. lín- gua c fala consti tuem a humana: a língua teprescnta ocód igocornum de comunicação entre todos ns rncmhtos de wmunidadc. c a fala é a 1 Aw:lclrço a CilâiHI:t V il· 11:1 ('flmlitln. Fn 110111d;t Anu ,t Chrl\lllla 1\c:nl..:-c; c ,\ ltlu de l'au l.t pela lctlurJ, CtllllCi li.ÍIIU" C (()IIC'\ 'ÜC'\ an JUC\CII IC lt. .. <IO (h Cflllli r:tedll\1\' ;lll ll'IIIC 2 <;A IISStfl!r. F •Ir ('rrnrr rr wl S:1o l'otu l<•. ( 'u ll t ;,, p 27 (lthtlol "' (•) 148 INIROOUÇÁO À UNGÜISTICA ma terialização da língua em situaç:io de uso de cada indi víduo dessa comunida- de (S aussure.1 9 1 ú). Na visão saussnreana a ng ua é 11111 sistema de signos formados pela união do sign ifi cado c do significante'. Neste capítulo. iremos nos dcl cr no es tu do do significante. do significado. O significante. na fala, é estudado pela Fonéti- ca': articulat6ria c acusticamente. N:1 língua. o significanlc é estudado pela Pt lltologi:L Quando falamos cmitimos uma série de sons. porém esses sons n:-io são 1ealizados de urna rnesma maneira por todos os membros de comunidade lingüística. l>o mesmo modo. os sons nunca são p10du zi dos no :1parclho fonatório num me s mo pon to a1tic ui:• ri o. eles podem estar condi c i onadm por determina- dos conl cxtos llinicos que os c ir cundam Ern porluguGs. por exemplo. temos o fonema 11:.1' pl ll:-.i v o ''c lar sua do, quc pode ser art iculado nu r na mais pós- \ c lar qu ando ocorre em palavras como "cubo "; posição mais anterior. na palatal, corno c numa posição mais cen- tral cm l'kaz uf "casa". Apesar dessas diferenças fo néticas. o ouvido do falan te nativo do por tug uGs não as pctcchc: para pmlcr idcntilic:í las ele precisai ia de uml tcin.lll1L'n lo específico en 1 Fonética. Outro cxcmplo. ctn csp:mhol os fonemas sono ros /h/, /d/ c /g/ oco11 em corno f ricat i vos em dete rmin;1dos conlcxtm fonéticos. Ass im. na pa la vra "gato" o fonema /g/ é a rti culado como uma conso- :mle plos i'a v elar sonnra ! 'ga to]. mas no corllexlo.intcrvodlicocomo em "una gata"luna'ya ta 1. é ar! icul ado como f ric:ni v:r velar sonora. n1as sem. no eutanto. variar o significado da pala"' a "g;tro". Essas v:u i:açües fonélicas não perce- bidas pelo Ld:r 11lc na ti vo do espanhol. pois elas se dão aulOIItaticamentc. Se. por outra parte. conllastarmos a palavra "gato" com "pato" veremos que h;i vari<rção no significado; isso quer diz.er q ue os scgmc nl os /g/ c /p/ siio fonemas 11 0 cs p :111ho l. Do mesmo modo. h a vc1 v;11 de sig11 i ficado se con- f1o111 : umos "ga t o" c "pato" coan l'matol "mato" do verbo mal:u. Jo fone lVI q ue oco rr e na c111issão ]una'yntn] nii n é fonema no espanhol. uma lc:tl i;.a- çiio fonélic:t do fo nema /g/. O estudo d os fones crn seus aspcclos físicos. O rrl.1liOI1:1 c;c cum n ccmcriln nu iúft:t, 14110 é, a rrll r cc:c n t:tç;1u 111t.'lll:ll de um nu d.trt•JihJntk Cl11 (l lll' UC: t.fc Ul1l:l lílll!U;I '-C Clhl,llll () "-iltnÍfll',lflll' rd.l l'IUII,I \C Ullll f1 C\JI I C\\ , ln rC ut ll'.l tln \ll!lllft\.':lt.ftt .1 1\ p.tt llf de lTIIO.;; rnuflntiiH'II I O\ dl' I nrrl l rc.::1 t•.u, l l.al. runr lulln\ n h't lllf ,lo t.: tpltulu tk h•m:llf.:.r. m·,lt \ui unte..· \\r I tld tll l\,ln dt• fniiC.. ' IIl.IIU 1 (, C l lt t ii1P f 11111 ""H lu t tUHII '"" 1111111•' tk 1..om N,.,,,. \l' ululo, fntt t' qun tl t/t;l .1 .lllt l'll ll rl.r . uutnul (h.· 11111 <:q.:uu.·11tn €Ju.mdo nc.: fntll'\ llltnprunum. l 1111111 .1 llllJ.!tl ;l. c..omo lpl \.' lhl ('111 p .lln 'h .lln''. '-l' l ,ifl tnn.;,.Hifi.HIII\ t' I1111CI ftllll"lll,llô; tlc"\,1 hllfH;J fONOlOGIA 149 articui<J iórios c auditivos COITcspondc i'! Fonética. O estudo dos fonemas como unidades discretas, distintivas e-funciona is é tarefa da Fonologia. A ui fcreuça entre Fonética c Fonologia foi consolidada no Primeiro Coll- gre.uo hrtenwcimwl de realizado em ll aia 7 , em 1928, a pa rt ir do traba lho de três li ngüist as russos: Roman Jakobson. Nicolai Trubctzkoy cScrgc Karccvsky. Esses autores sentiram a necessi dade de cslabclcccr a difctença eu- li e uma cit:ncia que se ocupasse dos sons da fa la . a Fonética, c outra ligada aos sons da língua - a Fonologia. Essa diferença foi consagrada por T1ubctzkoy ( 1 969). que diferenciou "ciências dos sons". uma que se ocuparia do ato uc fala c outra do sistema da língua. Ambas ns ciências usam mélodos diferentes de invcstigaçiio: o csludo dos sons relacionado ao ato de fala - os fenômenos físicos conc1ctos - emprega métodos que corrcspondem às ciências naturais; o estudo dos sons relacionado ao sistema da língua usa os métodos da LingUísti- ca, das humanidades ou das ciências sociais. Nesse sentido, "designamos o es- tudo do som I i gado ao ato de fala com o lermo Fmrética, c o estudo relacionado com o sistema du lfnguu com o lermo Podemos. assim, considerar a Fonética como a ciência do aspecto material dos sons da linguagem humana. El:t estuda os aspectos físicos da fala, ou seja, as bases acústicas com a pe rcepção, c as b; ascs fisiológicas re lacio- nadas com a produção. A foonétic:• estuda os sons da fala independentemente da função que eles possam desempenhar numa língua determinada. Os métodos de estudo da roné lica 1;c aproximam mais das ciências na turais. As unidades b:ísi- cas da foonética são os fones. lranscritos cnlrc colchetes ]p]. ll], lk). A Fonologi:.a csWd:J as drfcrcnças fônicas conch1cionadas com as diferen- ças de significado (ex.: ]p]ato/[m]ato), ou seja. es t uda os fones segundo a fun - ção que eles cumprem numn língua cspccffica, os fo nes relacionados às diferen- ças de significado c a sua inter-relação significali va p;u:r formar sílabas. morfcmas c palavtas. A Í'onolog ia relaciona-se, t:1mbém, com a patlc 1.h1 leoria gera l da linguagem hunwmr concernente com as p1opricdadcs universa is do sistema fônico das I ínguas naturais. ou seja, re fe ren te <r os sons possíveis que podem ocorrer nas línguas. Os primitivos da foono logi :.a são os fo nemas que , por convenção, s:io representados entre batras inclinadas,/p/, /t/,/1..!. I\ Fonética c a Fonologia como disciplinas di r crentes opcnun com seus prúpr ios métodos: porém, elas se condicionam mutuamente em seu valor c de- llrn .1' '·" Ir (·5 ci 1l.,.k < m.•i• IIIIJ'utl;lll lc< tl.o l l11l . md.t o 111dc •c ll ' .t "'" nn I 'Jl!\. n l't hnciru Cnng• cs- '" htllfll,tlllll t;li ok l.rnrllt\1.1\ H. 'IIHJIIE17KOY. N S /'ulfl it•l,·• & l.m Angclc<, llu iwJ<tt)' ur<'> lifniiiiJ l 'fl'" l')lo? , p tt iiUIP I'IW) .... .. •.i, ,

Transcript of MORI, Angel Fonética

Page 1: MORI, Angel Fonética

'-..__../ 146 I

INIROOUÇÁO Á liNGÜÍSIIC;t..

J

SÍt.lllOLOS 1>0 ll't\ (JN' I I:RNi\TIONt\L I'IIONETICS ASSO\JATION) (or)!:lllll:tdos por L11i1. Cadu~ Caghari)

\ ' o~.:ai-=

/\ufc.·•ulJC'S Ccnlr:tl\ Po"-lt"IHHt'\

lnlt;ul."

Y l• I> ~krn·kdwdas

--;---A 6 :> ~kao ahca1:1'

tt • " t\ltt-11.1 '

~' ' l•r:o·'l'J!flll' ttlu':

Aecllto 1"111<' i pai. ,l...aft'líJW I ---- ---Acento <ct·ut td.ltltl' ,k:tlt'líjll) 11

I""!!" r : c -1\lcm lnngn c·

t:x u:t l11n c. l'

St·p:r r:r ~·~o de 'll:iha· ~~li d}l

~:cl C'5 C' J

~ C,cJ 1 ( •-< ._ , .__ L - ·; >..'" 1.. , C', C'Lc

t'\,t 1.. ~'<='L. -4.:~ n cAtLt- '=>·c.._ c C'>.

""' s e *·

/

"' -

I >ih"'~'"' r 'I r '""'l'"'

l>a louago lei I. Taitrll\)!11 lu:ul

I' é

Gtupnlon:rl

Sem patl\:r

~lclurlo:r ;,q·c ndrlllc

MclocJt:r tlcsrcndcn lc

1\.Jclodt~ de contorno

oq'ê

ti I ---. \..,:,:\.lA-, ,J·v.,\. .... ,l ~ ~~~~~

4

FONOLOGIA

t\ngel C01 hem Mor i

1. FONÉTICA E FONOLOGIA'

O I ingiiista suíço Fcrdinand de Saussurc foi o pr i mci10 a estabelecer que a linguagem humana compreendia dois aspectos fullllamenlais: a língua c a fal<L Para ele. a língua é um produto social, presente na tolalidade dos 111embros de uma contunid:1dc lingiiística. A fala, por sua vez, é Ulll falo individual, represen­ta un1a n:ali7.ação concreta úa língua num mome nto c lugar tlclcnuinados. Nes­se scnl ido. ~cgundo o autor. o cstuuo da linguagem eomp01t:1 duas partes: "unw. essencial. tem pot obje to a língua, que é soc ial em sua essGncia c independente do indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico; out1a, secund át ia, tem por· objeto a parte individu;~l da linguagem. vale di zer, a fala. inc lus ive a fonação c ~ p<;icorísica"1.

A língua c a laia não ocorrem separ:~das. :unb:rs são interdependentes. a língua é ao n1cs mo tempo o instrumento c o prod uto da fa la. Dessa forma. lín­gua c fala consti tue m a lingu:~gcm humana: a língua teprescnta ocód igocornum de comunicação e ntre todos ns rncmhtos de um:~ wmunidadc. c a fala é a

1 Aw:lclrço a CilâiHI:t Vil· 11:1 ('flmlitln. Fn 110111d;t ~1u~sa11m. Anu,t Chrl\lllla 1\c:nl..:-c; c ,\ ltlu S:aulo~ de l'au l.t pela lctlurJ, CtllllCi li.ÍIIU" C (()IIC'\'ÜC'\ fcil;l~ an JUC\CII IC lt. .. <IO (h Cflllli ~;14• r:tedll\1\';lll ll'IIIC lllt..'U~

2 <;A IISStfl!r. F •Ir ('rrnrr rh•lm,~tlf, li< rr .~• w l S:1o l'otu l<•. ( 'u ll t ;,, 1'1 11~. p 27 (lthtlol "' i~lll.ol. l 111 (•)

148 INIROOUÇÁO À UNGÜISTICA

ma teria lização da língua em situaç:io de uso de cada indi víduo dessa comunida­de (Saussure.1 9 1 ú).

Na visão saussnreana a língua é 11111 sistema de signos formados pela união do sign ificado c do significante'. Neste capítulo. iremos nos dc lcr no estudo do significante. n~o do significado. O significante. na fala, é estudado pela Fonéti­ca': articulat6ria c acusticamente . N:1 língua. o significanlc é estudado pela Ptlltologi:L

Quando falamos cmi timos uma série de sons. porém esses sons n:-io são 1ealizados de urna rnesma maneira por todos os membros de u m<~ comunidade lingüística. l>o mesmo modo. os sons nunca são p10du zidos no :1parclho fonatório num mes mo pon to a1tic ui:• tó rio. eles podem estar condi c ionadm por determina­dos conl cxtos llinicos que os c ir cundam Ern porluguGs. por exemplo. temos o fonema 11:.1' pl ll:-.i v o ' 'c lar sua do, quc pode ser art iculado nu r na posiç~o mais pós­\ c lar qu ando ocorre em palavras como l'~ubo j "cubo"; 1111111<.~ pos ição mais ante rior. na tcgi~o palatal, corno cm l '~ilul"qui lo", c numa posição mais cen­tral cm l'kazuf "casa". Apesar dessas diferenças fonéticas. o ouvido do falan te nativo do por tuguGs não as pctcchc: para pmlcr idcntilic:í las ele precisa i ia de umltcin.lll1L'n lo específico en1 Fonética. Outro cxcmplo. ctn csp:mhol os fonemas sono r os /h/, /d / c /g/ oco11 em corno fone~'· f r icat i vos em determin;1dos conlcxtm fonéticos. Ass im. na pala vra "gato" o fonema /g/ é arti culado como uma conso­:mle plosi'a velar sonnra !'gato]. mas no corllexlo.intcrvodlicocomo em "una gata"luna'ya ta 1. é ar! iculado como f r ic:ni v:r velar sonora. n1as sem. no eutanto. variar o s ignificado da pala"' a "g;tro". Essas v:u i:açües fonélicas não s~o perce­bidas pelo Ld:r 11lc na ti vo do espanhol. pois elas se dão aulOIItaticamentc.

Se. por outra parte. conllastarmos a palavra "gato" com "pato" veremos que h;i vari<rção no significado; isso quer diz.er que os scgmcnlos /g/ c /p/ siio fonemas 11 0 csp:111hol. Do mesmo modo. h a vc1 :í v;11 iaç~o de sig11i ficado se con­f1o111 :umos "gato" c "pato" coan l'matol "mato" do verbo mal:u. J:í o fone lVI q ue ocorr e na c111issão ]una'yntn] nii n é fonema no espanhol. e le~ uma lc:tl i;.a­çiio fonélic:t d o fonema /g/. O estudo dos fones crn seus aspcclos físicos.

O ~~~ntfh.:ulo rrl.1liOI1:1 c;c cum n ccmcriln nu iúft:t , 14110 é, a rrll rcc:cnt:tç;1u 111t.'lll:ll de um 11hj~·Hl nu

d.trt•JihJntk ~nt.:l,ll Cl11 (l lll' UC: I,.J ,wh.·~ t.fc Ul1l:l lílll!U;I '-C Clhl,llll () "-iltnÍfl l ',lflll' rd.ll'IUII,I \C Ullll f1 C\JII C\\ ,ln

rCutll'.l tln \ll!lllft\.':lt.ftt

.1 1\ p.tt llf de :t fOI.IfUC"i~i:Uporuun~; lTIIO.;; rnuflntiiH'II IO\ dl' I nrrll rc.::1 t•.u,l l.al. runrlulln\ n h'tlllf ,lo

t.:tpltulu tk h•m:llf.:.r. m·,lt \ui unte..·

~ \\r I tld tll l\,ln dt• fniiC..'IIl.IIU \t'~ . 111 1

(, C l lt t ii1P f 11111 ~ ""H lu t tUHII '"" 1111111•' tk 1..om N,.,,,. \l' ululo, fnttt' qun tl t/t;l .1 ll',tlll.l~ .lllt l'll l l r l.r .

uutnul (h.· 11111 <:q.:uu.·11tn €Ju.mdo nc.: fntll'\ llltnprunum.l fuu~· .ultll\llllll\,1 1111111 .1 llllJ.!tl ;l. c..omo lpl \.' lhl ('111 p .lln ' h .lln''. '-l' l ,ifl tnn.;,.Hifi.HIII\ t ' I1111CI ftllll"lll,llô; tlc"\,1 hllfH;J

fONOlOGIA 149

articui<Jiórios c auditivos COITcspondc i'! Fonética. O estudo dos fonemas como unidades d iscretas, distintivas e-funciona is é tarefa da Fonologia.

A ui fcreuça entre Fonética c Fonologia foi consolidada no Primeiro Coll ­gre.uo hrtenwcimwl de Lingiii.~tns realizado em llaia7

, em 1928, a part ir do traba lho de três li ngüistas russos: Roman Jakobson. Nicolai Trubctzkoy cScrgc Karccvsky. Esses autores sentiram a necessidade de cslabclcccr a difctença eu­li e uma cit:ncia que se ocupasse dos sons da fa la . a Fonética, c outra ligada aos sons da língua - a Fonologia. Essa diferença foi consagrada por T1ubctzkoy ( 1969). que diferenciou du:~s "ciências dos sons". uma que se ocuparia do ato uc fala c outra do sistema da língua. Ambas ns ciênc ias usam mélodos diferentes de invcstigaçiio: o csludo dos sons relacionado ao ato de fala - os fenômenos fís icos conc1ctos - emprega métodos que corrcspondem às ciências naturais; o estudo dos sons re lacionado ao sistema da língua usa os métodos da LingUíst i­ca, das humanidades ou das ciências sociais. Nesse sentido, "designamos o es­tudo do som I i gado ao ato de fala com o lermo Fmrética, c o estudo relacionado com o sistema du lfnguu com o lermo Fmro/o~:ia''.R

Podemos. assim, considerar a Fonética como a ciência do aspecto material dos sons da linguagem humana. El:t estuda os aspectos físicos da fala, ou seja, as bases acústicas relacionada~ com a percepção, c as b;ascs fisiológicas relacio­nadas com a produção. A foonétic:• estuda os sons da fala independentemente da função que eles possam desempenhar numa língua determinada. Os métodos de estudo da ronélica 1;c aproximam mais das ciências naturais. As unidades b:ísi­cas da foonét ica são os fones. lranscritos cnlrc colchetes ]p]. ll], lk).

A Fonologi:.a csWd:J as drfcrcnças fôn icas conch1cionadas com as diferen­ças de significado (ex .: ]p]ato/[m]ato), ou seja. estuda os fones segundo a fun­ção que eles cumprem numn língua cspccffica, os fones relacionados às diferen­ças de significado c a sua inter-relação significal iva p;u:r formar sílabas. morfcmas c palavtas. A Í'ono logia relaciona-se, t:1mbém, com a patlc 1.h1 leoria gera l da linguagem hunwmr concernente com as p1opricdadcs universa is do sistema fônico das I ínguas naturais. ou seja, re feren te <r os sons possíveis que podem ocorrer nas línguas. Os primitivos da foonologi:.a são os fo nemas que, por convenção, s:io rep resentados entre batras inclinadas,/p/, /t/,/1..!.

I\ Fonética c a Fonologia como disc iplinas di r crentes opcnun com seus prúpr ios métodos: porém, elas se condicionam mutuamente em seu valor c de-

llrn.1 ' '·" Ir (·5 ci1l.,.k < m.•i• IIIIJ'utl;lll lc< tl.o l l11l.md.t o111dc •c ll' .t " ' ""· nn I 'Jl!\. n l't hnciru Cnng• cs-

'" htllfll,tlllllt;li ok l.rnrllt\1.1\ H. 'IIHJIIE17KOY. N S /'ulfl it•l,·• o/r•ltotlo/n.~' ll~tl.clq• & l.m Angclc<, lluiwJ<tt)' ur<'> lifniiiiJ

l 'fl'" l')lo? , p ~ ttiiUIP nrt~inol. I'IW)

....

.. •.i, ,

Page 2: MORI, Angel Fonética

150 INUODUÇÃO À UNGUISTI(A

sc nvol\'imcntos. l'or exemplo, pretender descrever a fonologia de uma língua indígena falada 110 Brasil sem consillclar o aspecto fouético seria absulllo. Do mesmo modo. o cstuun da fonética de uma língua, qualquer que seja, resulta pouco proveitoso. de alcance limitudo. se niío se considera a funçiio que os segmentos fônicos desempenhan1 110 sistema dessa língua.

1.1 lmportõncia da Fonologia

o• log ra I ias. ou seja. o emprego de um a I fabcto para 1 cprcscnta r a escri ta de_um:1 _ língua./\ 1claçiio íntima entre a c~11utura fonológica de uma línguu c o sistema de csc1 i ta esuí p1 escn tc no liv10 Ól! Pikc ( 1947), Plwnelllic.v: a tecllllifJIIC for rrduciltg longuogcs 10 ll'titing. O alvo p1iucipal desse texto é capacitar o estu­dante de Liugiiística uas técuicas da :Jilülisc fouolcígica pa•a descobrir os fonemas de llllla lín!!ll:l dl'SCOnhccida l! J110J10r, JlOStCI iOIIIlCntc, llllla escrita

f\f11ilos filll'll iSiol \ l'sli\"\'1.1111, l' .lilld,l l"lll ltillll,llll, l'IIVOJ\ idu~ l'\llll li ('\llldll tk IÍIIJ.!ti.Js dcscuriiHxid:rs. línguas sCIII IJadi\iil> dl! oc.:rita llrn.r parte do lrah,r I hn des~es I i ngli i.st:•s é. jw.t;nncute. p1 nplll 11111 sistema 01 togr ;Í I i co da I íngua que se csl:í pesquisando. ;\ ssim. lllllitas ortorra lias ltllarn criadas para línguas sem tradição esc r i ta. com basl! nos p1 incípios da :ud lisc fonolúgica.

As aplicaçt1es da teoria fonolúgica não se rcst1 ingcm?. clabor:•çiio di.! orto­grafias para línguas que carecem tlcla . Ela ajuda turnbérn no conhecimento tio sistema l"onnlt\gico da língua materna. Assim. rccn11cndo à Fonologia. pode-se cst:Jhclccc• a rclaçflo que lr:í eulr c li' lonema~ da língua c os símbolos gr:íliL:lJS fJUC OS ICJHeSent;\111.

Embora os sistcrnas allahéticos de escrita seja m idcalmt·ntc fonológicos. diversos I atores de •nudança lingiiística c extralingliística produ1c111 tliscrepiin­ciascntrc ;rt.:Strtllllla J"onolôgica das língua~ C SII:JSOitOgra fias. J'orexcmplo, Clll português não h:í uma correspondência hiunívoca entre o roncma fricativo alveolar sonoro /t./ c sua rcp1escntação gra lêrnica. Os grarl!nHts usados na repre­sentação dcssc fonema são: <7.> corno cm1.chr a. Elza; <s> cnmo em piso. asila­do; <X> eomu e m l: :\alne, eXalo

Os ~istc mas de C).CI i ta . pnrl:rntn. não aLomp.mhan• n dcscu,·olvimcnto di n:irnico da línl!ua or .rl, d.rí c\sa dl'f;Js;rgcm cntiL' :r laia e a su:r rcpresc llt:rçan gr:í l1 ca. dando u1n1o IL~strltado os prohlcnl,IS tlllogr;ílrcos no nH1nJento uc se escrever. O pmlcssor de\·e• i .r. nes\e caso. conhecer o sistema ronoltígico da lrngua para pud er exp licar snhrL' o~ problema~ de oltog•alia

FONOlOGIA

O conhecimento da Fonologia auxilia também nu ;Jprcndiz:rgcm de uma língua estrangeira. É comum, ao aprender uma língua estrangeira, usar os foncs 111'-"''~~"·r• .... tia língua materna na pronúncia daquela que se cst;Í apreudcndo. Entrclunlo, quando as duas línguas diferem em seus componcnles fonológicos, podem ocorrer inter fcrêucias problcrmíticas na prática oral da I íngua estrangeira. Por exemplo, em contraposiçiio aos dois fonemas do sistema vodlico po• tuguês -/c/ (co em l'pc] "pé", !'fc] "fé") c /c/ (como em ]i'pel "ipê". ]'le] "lê")-. os ronolc)gico espanhol reconhece apenas um único foncnw. a saber. /c/. Em disso. a maior ia dos falantes espanhóis que tem um conhecimento super ricial português não fn dist inçiio cnt rc /c/ c /c/, su bst i tu indo ;unhas ;1s vogais pelo seu_.. . .,..,~· fonema único /c/.

Observando os sistemas fonológicos das línguas envolvidas, o prof, de língua cstrangcir a pode resolver os problemas de inter fcrência, descnvol do estratégias que auxiliem o estudante :1 superar a tendência de tr:111spor sistema fônico de sua língua matcnra pam u língua estrangeira. Se o profcss desconhece os sistemas ronológicos da língua estrangeira t.: daqucl :1 do estuda 1.-. l'11tii1o n ensi11n des~c pmfcssor scr;í pouco pmvl!itosn.

A au;í)isc ronulógica das línguas poue SC I aplicada tamOGIII i1S dcsorde rõnicas p1cscntes na fala de pessoas com distúrbios da liuguagcm. 1\ avaliaç de dl!SOI dens fonolôgic;r s na f a la de uma pessoa pode 1 esullar enganosa c mu tas vezes errada. como inlerprclar os problemas de articulação si mplcs1 em ter r nos de omissões, substituições e distorções. Quando um i nu i víduo tra urna desordem fonológica . deve-se indagar pelo alcance desses problemas csl:r helcccr s1 1a rei açiio com o sistema fonológico da língua. Um espccia lista c patologia da linguagem, que enleudc da natureza sistemütica dos pro arliculatórios. esl:.í em condições de r azcr diagnósticos positivos sob• c c prohlc:mas que um indivíduo apresenta.

2. O FONEMA

Cada língua dispõe de um número determinado de unidades fônicas r unção é determinar a tlircrcnça de significado de uma tnllavra em rclaç::io a um outra . Por exemplo. a palav1a l'kasa] "caçu" diferencia-se dl! i'kaza] "casa pelo uso de uma fr icativa alveolar surda !si em "c;Jça" c de urna sonora izl

de unidade~ como lslt.: ld. que permitem dirercnciar si cados, denominam se foncmus . 1\ssrm. -- -------() fonemu é tratado como uma unitladc menor< llc n~o pode scu!.!li!li~ad em outras unid:rdes IIICnorcs. ou seja. como unidade in rvr sfvcl. (·omo afi1

152 INTRODUÇÃO À liNGUiSTICA

TruhcttJoy. "as unidades fonolúgicJs qul!, desde o ponto de vista da língua em questão, não pouem ser analisadas em unidades fonológicas ainda mais peque­nas c sucessivas serão chamad:~s foncmas". 9 Nesse sentido, o fonema é a menor unidatle fnnolôgica da língua de q11c se trata.

O lingiiistn polnnGs Jan Ba11douin de Courtcnay. que desdi.! 1870 tinha imi stido na divis~o entre rouema c som. definiu o loncrna l!lll tcnnos c~trita­mcnlc psicolúgicos. I';Jra ele. o roncma era o cqttil·alcllll' fiSíquico do sm11 cujo cstnd\1 ficar ia por conta d.J psicofouética. S;rpir ( 19·1·1 ). I inglii~ta norte-:r me rica­no. cnl:rli/ll\1, t;unhém. o valor p!> icolúgit:o do sistema fonolt'1gico de urna lín­gu;l. l';n;r Sapir ... , lnncrn;l\ sl" 1ia111 \tlll\ idt·ais <Jlll' os l:dallll'S illtl" nl ;nn produ ­Jil l' 11\1111\ illh'\ ,.,,-.,,llll'\l"lll:ll.

As prinrci1a~ dclini.:;líes de ftlne•n;J dadas por Trnbct;.rkoy (1~:\l) c~tivc­ram. igualmentl!. impregnadas de psicolog ismo. Em seu <litigo La f'lto11olo8ie octlll'lle ( llJR I). o autor a fi11n:r que a ronét ica p1 ocma dcscohr ir o q~_1c de f:rto se p1 nnuncia ao fal.tr uma língua. c a Fonologia o que se crê pronunciar. considc­r:rriOíHI Ít1nenw co•no ;r iiiJ.ill,;.t;_lll ac\Íslico-motora mai s ~írnples c significativa de umalTi1gua f'osíZiio•mentc. no SL'\1 li\"IO C unubtge der l 'lw11ologie ( llJ39) . Truhct71oy deixou de btlo sua "isão psicologist:1, derinindo o fonema em tcr­IIHJS funciunais. O loncrna passou a ser definido. ent~o. de acordo com a funç~o que desempenha nunJa língua. sendo considcr ado conJo un1 concei to lingüístico c não psicológico.

l .cona• d B loorn fie ld, lin giiista nmte-amcri cano, considcr a o fonema como uma propr iedadc ohsl!r \ ' iÍ vd, do COIJ!r:Í r i o 1 esu ltar ia apcn:rs nun1a elmvcn iênc ia dcscr it iva do ;uw I ist a t\ conlr ibu içiio h:ísica dc Blnom lield em torno da Fonologia c da tem ia do fonema cnco11t ra -~c em seu I i v r o IAIIIKIW,~c ( 193:1 ). Para ele. h;í física c fi siologica mente um mitncro ilimitado de enunciados que pode serre­gi~trado, m:1s tlelc sonJentc um:r palie limit;Jda se relaciona com os sig nilic;ruos, aqucll's en unciados que sii<l distintivos na conHIIJ icaçfin li11 gUística. Assim. há lwrnas que pmkm \CI dividid:1s C I li p.utes c elas podem ser isoladas c conJhiua­das para formarem outras unidades. Partindo desse concei to. Bloomrield defi­niu o lonl' ma COli JO "un idatks lll ín i ma\ de 11 :rços I i'm i c os d ist i nt i vos .. w I' o r c X<' 111 pio, em inrlês. a prop1icdade ponto de :uticulaçiio das ploo;ivas swd:rs /p, t. k/ sed lt:lcvanlc 11.1 identilic;rção desses fonl'mas, j:í a pr opried;Jdc de aspiração

1) l1.1dii~ .IH .. 1p.11111 clulllt•h" \ ltii .I!Hio;l lll · tltlt~(IH' \tllh' lt' '(111 IIUJ"I r-/t\()\' N S /",rmrtdnn/

fono/,'.t:' llul.dvv ~~ I "' 1\nr t ln \lmHI""tl Vt•l ( .ddu111 1.11 1IC\ \, I'IC.'). f• 1<;

10 A {' 'flll"\"'i,IO Cl11 f it1.11 tk Hluumlteld (1 1)11).: "1111111111 .11 tlllll or dl\llllliiH' \(JIIIIcl lc, ,llllll' ''

IJit\CHHfl~ld I J,,,_~ rm_.;(' Nrw y,,,l , lhl ll . Ht'llth.nl & \\' i c. lctll. 1')11, p 7')

FOIIO\OGIA lSJ

scr;í irrelevante. 1\ aspiração não é uma propricdauc distintiva no sistema fonológico do inglês. Assim. o fonema /p/ é articulado na posiçiio bilabial,/t/ na região dos alvéolos c /k/no ponto velar. Esses mesmos roncmas podem ocorrer acompanhados de aspiração quando são pronunciados em início de palavra ou Clll sílaba tônica COIIIO em rp"tt] "pit", ]p"n'p"<er] "prepare", j'l"t:st] "test", ]p:>'t''ejt:1o] "polato".!'k"•kJ "kick".[n'k"wajl]"rcquitc". Nesses exemplos. os ponlos de articulação continuam sendo os mcsmos. mas acompanlwdos de uma característica ;rdicional, a aspiração 1"1.

O fonema pode ser dcrinido também como uma classe de sons. Glcason ( 19H5), pm exc111plo, dclilll! o fonema coiiHI Jnn:• das~c de sons que s~o (a loncticallll:n1e Sellll.!llJanll:S C (h) lllOStlillll de!Cflllilla(h1S CSl)UCill:IS de uistrif>ui­)Tí"ll, drpcmkndo das ca1 adcJisticas dl! em la lfngua 1 HI dialeto. l'or cxetnplo, em alguÕs lJraletns iJ() poilllguês brasileiro OS roncs (l] C ]tJI forma111 Ullla classe de sons que podem ser considerados roncticamentc semelhantes, cujo padrão de OC(lll Gnc ias cst:í condicionado por um detcrmi nado contexto. O fone ltJ'I ocorre condicionado pela vogal alta [i) como em 1\fia] "lia". O fone ]1] ocorre em 0111 ros contextos em que niio esteja presente essa vogal I i]. como em ]ta'tuj "tatu". Em ambos os casos, a n:alizaçiio desses fones 1cpresenta a materialização lon.:tica do fonema plosivo tlental surdo /t/. Note-se que a identiricação de ]I] c IIJI como roncs do fonema /t/ se aplica para algumas varicdadc.s do português b•a~ilciro, é uma marca prúpr ia do português. não sendo relevante para ncnhu­JII;J out1 a I íngua.

{

Em conc lusão, loda língua possui um número restrito di.! sons cuja função ~ diferenciar o signiricado de uma palavra em Jelação ;, outra. Os sons que exercem esse papel chamam-se fonemas c ocorrem em scqliênci<~s linc:.rres. com­binando-se cnue si de acordo com as regras fonolúgicns de cad:r língua.

2. 1. A identificação dos fonemas

Um objetivo da Fonologi:~ é estabelecer os sis tt;_nras. fonológicos das lín­gua,, ou seja. o conjunto dl' elementos ahslmfos relacionados enttl! si que o lalantc ntili1a para discriminar c delimitar as unidadl!s signilic:llivas de sua lín­gua. Como chega o fonôlogo a dcscobr ir c lazer cxplícitos l!sscs si~temas? A idcutilicaçfiO dos fone111as é reita segundo lllll;J bateria de testes. OS mais CO­

nHin<; 1 c I;Jcionando se com os c1 it~r i os de oposição. d istr i bu içiio complementar. ~c nJcllrança fonética c v ar ia\ão livr e. Passaremos a seguir a :Jprcsentar esses CI Ít(l i o\

( I ·

/f

......... ,.., ... .,_.,"'"('.o; • ' - ........ .

Page 3: MORI, Angel Fonética

154 INTRODUÇÃO Á liNGÜISliCA

2. 1. 1. Oposição

Dados dois fones, se a substituição de um pelo out10 resultar numa dife­lença lcx ica l. então esses fones podem ser considerados como fonemas. Para qu<.: esse teste resulte operativo. prcc i ~a mos do par 111Í11inw, ou se ja , de dois ite ns lcxicais idênticos. que se dilcrc nciem apenas nun1 elemento da seqiiência . Dito de out 1·a maneira, quando duas palavras são idêntic:.~s em lodos os seus aspectos. exce to num segmento, siio rclcridJs como p~u es mínimos. Por exem­plo. pala\'1:1'; do português como:

( 1)

I miar " r11a1 ..

I pJ ;n "par ..

I bJar " ha1 .. JmJar "r1lar ..

vcllJa .. vela" velÁ la "velha .. I fJala " f'ala" I \' laia "vala"

quciiJJo "que ixo'' qucil3lo "queijo"

sãP pares mín imos Esses p;ucs nos pnmitc111 inte1p1 etar os fones lpJ . Jbl. lml. JlJ , JÁJ,Ifl. lvJ, IJI c 13 1 como fum:masconsonânticosdo p01tuguês O mesmo procedimento poc.k ser usado p;na postulai os foncnhiS \'OCálicos. O tes te dos f'fii'L'S mÍitinws é uma chave imp01tanlc n:.~ análise fonológica tradicional" . !1. partir dele. os fones se1ilo conside~<rdos fonemas se forem 1csponsávcis pe la mudanç;1 de sign i ricadn das p.lla\'1 as dadas.

2. 1. 2. Oposição em ambientes onólogos

Às \'C7es é impossível encontrar pares mínimos p:ua postular fonemas. En1 ta i~ casos. o lonólogo husc;r pares que se cncon 11 em co11t 1 aslamlo em alllbi ­l'ntcs a11<i logos. !1. ss i m. dois item que oco11 am em <llnbicntcs si 111i l,u es, mas não idênticos. podem caracte1izar a oposição ern ambiente amílogo. deseJe que as diferenças cn ll e (\S sons não sejam :~ tr ihuída s aos sons vizi nhos''. P01 exe mplo, c111 E wc (I íngua d;r la míl ia ( ;haniana ) 11 ns I ones 111 c I\ I são intcrp1 ctados comll

I I I h,.,, ,ll,,\ n lt'l11111 .. ll .ul•( 1on 11'' p.ua uo' u:h:eu .1n nu•tl t-· lu 1h: I unnloJ''·' qut• lnt .1111.1 ''\ pu•t n l• 111~ Uh)\ th,.• dl'\lt lll\.'11.1 11.1 . tii,Íll \ 1' t fO\. l niH IIUI, ti\' 111111 fttlfU,I

ll I"' ( lllllll"\ ( t •)C,I)), .I ·ldti11\'; IU dr +llllhll, lll\.'\ olll.llnrn" l' tltiiHillllloHI.t " ru:.ll IUIUII\1.11 p .llt \'' /\!;,

\111\, t' \\,1\ lnlllli1\ ddt' l llllllll \l~ lllll t.llll l" l' \lf!llll t.HIII. Ul,l\. ; to< t•tll r ,itm do\ \l"ICI.u lt iiH'õ p.llt:\ 11111111110\,

,, ddt:tl'ft~.l dn \11111 \L' tl .t l"rll ''' ·' ' ' dL· 11111 lm•;u (f illllll"\ . I 'Ut'J l lfe)

11 () 1 ~.\\ l'l' \IIH,I d,i ._ IHIJ-'11,11, f.d;aJ.tt; 11.1 fl n tr \ l .1111'('1 t.1f U111Hf.1 d.1 ;\ llf\.~1 II\.H I4..' 11111 () f".\l.'l' . tHI 11P U

lmub.1 u h•hn l' "A~ .. 111 r,, hnru.1 11111 <; d111111tlld.l th:\t..,, lt'~Ltl1 alll\.111;1

FONOlOGIA ISS

fonemas com base nos pares análogos lcvloj "ele é mau" c lcllc 1 "ele partiu". Nesses itens , as voga is nasal lei e oral[o)não podem ser as condicionantes para a ocorrência das fricativas surda [fJ e sonora !v], respectivamente. Essas vogais são sonoras c. se fossem responsáveis pelo condiciouamento, então, estariam afetando de maneira diferente o vozeamcnto de sons vizinhos". Não sendo esse o ca~o. conclui -se que os fones !fi c I vi são fonemas em Ewc.

Cagliari ( 1997a), 1efcrindo-sc ao português, cita como pares ;~nálogos os itens foge I f:>31l c hoje ( 031j. O que está em jogo nesses pares é ver se as vogais [J j c Jol podem ser fonemas. Segundo o autor. nesses pares não h5 nenhum motivo para pensar que o fone consonantal[fl esteja condicion:mdo a aparição da \'Oga l 1 :J 1. pois hü palavrascontendo a vogal I oi depois de l f), como emjiJ;:o.

_f111 pt. Poder-se- ia pensar, então, que todas ;~s pa lav1 as que começam com vogal posterior c l;~bial deveriam ser [o] . Contudo, como o p1 óprio Cagliari conclui essa hipótese é rcjeitad:1. pois há palavr;~s como ódio, lwm. um. que começam com a voga l[:~J (op. cit.:23). Ou seja, n5o há segmentos ou qualqucr outro ele­mento que estejam condicionando as ocorrências dessas voga is. Conclui-se, então. que os fones voc:í licos IJ] c lo] são fonemas. Dados adicionais do portu­guês contendo pares mínimos, como avói:JI - avô I oi. f\ o]go- n" Jco. permi­tem conri1111a1 a hipótese de que /o/ c /'J/ são fonemas dikrentes.

2. 1.3. Distribuição complementar

2.1.3.1. Alofones

Os fonemas de uma língua permitem diferencial o significado das pala­vras. d<t í que 1Cal i7ações fonéticas diferentes de til li mesmo fonema não podem oco1 rer em contraste. As diferentes realizações fonéticas de um fonema são conhec idas como alofoncs ou variantes fonéti cas. Esses alofones oconcm con­dicionados por detc1 minados contextos fonológicos, posição na palavra, quali­dade dos segmentos contíguos. condiciona111entos su p1 a-segmcnl<~ is como acento c tom. Em suma. pela comhinação de válios fat01cs. Da 1ncsma maneira que o inveut:í1 i o de fonemas de uma língua pode variar cm1clação a uma outnr. assim ta111hém os alofoncs que c:uatcrin 1111 o fonema de uma língua variam de uma

língua p:ua llll!la .

11 l .ln ClHIT :IC: pal:l\ t ;JC:, :1\ ""J!·Ii~ C:UHJO ~OIIUI,,~ Ct:I011 1:1111 CC\IH i ici<\llaUCIO th.: m;tUl'Í t,t diku:niC :1 PC.:Or· t( nu.t fnttd H:,, d:t lnr:•lt ' .1 '\llld~t Jfll" a cmrc~pom.h: ntc ~HIHltil I' I Nolu lu. l ;uuhl~ lll , r,,, ;-m .tl !!tuna IM f ti

tlltn tJIIl' .1\ 'u~~.IIC: ll;t C:;'It\ C\I ;HLIII1 UII.tltdnn.mtlo ,, pii..' \Cil\"+1 de JIJ C "c; Ol ,tiC: :1 t'Uit C~ptHttknlr jvJ

156 INTROOUÇÁO Á liNGÜÍS TI( A

O crité1 i o principal para agrupa r os aloroncs como v:u i antes de um fonema c hama -se diJtr ilmiçiio cmltf l l c ttwntnr !1. dist1 ihuição complementar cstahclccc que. se dois fones ocoiiC ill enr ambientes 111utuamente exclusivos, eles podem ser cnnsidcraJos C\'Cntu;d,nelrtc l:OTno :dofoncs de 11111 mesmo fonema. Em es­panhol. po1 exemplo, ex istem os scgmenlos lhl.ldl. JgJ. 1n1. JDI c lyl. Os três p1 imc iros são consoantes plosivas sonoras que ocoiiCIII c111 amhicnles conro início de palav1 a. depoi ~ de uma consoante nasal c p1 cccdcndo ou li a cnnsoante, COIIHI \' 111 l 'ho111haJ "ho111ha'". l'tl:1r l "d:u··. l't:ato l "gal o". J'lrq ~JW< Ij "língua". Os 11 \;s 1íltimos ~cg 111cntos- I [li . I() J c I yJ - sã11 r, ieativt'S ~onoro1. que oco!­' em semp1c entre vngais, comu em I dc'flrr I '\kvcr", l'natb l, "n;1da". I bo'ôcya I "ha1'". Ou seja, o contex to clc oconência dessas seis consoantes é mul uamcnlc exclu~ivo, de modo que esses scgml'nlos estão em di st1 ibuiç~o complcmenwr. Assim, a OCOirência dos segniCIIIOS I[IJ . J(1 J c Jyl é prc\'isívc l. rois são alofoncs dos fonemas plos ivm /h/, /d/ c /g/ lcspcclivalllcnte. que se manifestanr como llicat i\llS quando t•CIHICIII entiC \'Ogais.

t\ nl'Ção de distribuição Colnplelncntar fundamenta-se 110 princípio de que "ns so11 ~ tendem a ser :~fctados po1 ~eus contex tos lingiiíslico\" (Pikc, 19•17) Esses contex to:-. incluem: (a) elei tos dm sons vi;inhos. (h) a posição de ocor­rênci:l CIIT unidades maio1cs (sdaba. palavra. s intagmas). (c) o eleito de clcmcn­tos ~upra-scgmcntai<; (acento. tom). c (d) info1111aç6cs de índole lcxical c g1a­matical (pa l;1v ~;1 s simples. cnmposla<;. catcgo1ias lcxicais C(JilHl nC\mc, vc1hu. adjcti\ n).

Pa1 :1 ag1up;u os f'oncs como alofoncs de um roncma rcCOII c-sc ao critério de .l<' lllclltullro j(JIIéficu. Nesse se ntido. :liofJ..\IlcS de um mesmo fnnc111a deve m aprcscnt,lr semclh:III Ç;r fnnl:lica. Sons não-conco1 1cntes que cstJo e1n di st1 ibui­çiin ('( HIIpknlr nl :ll·. m.rs que n:iu :IJ'I L"scnl :llll scnrc lhança fom:lica, nã1' pode m :-.c1 alofoncs de tllll lliCSniO fo1renr.1. l'or exc111plo, conside1anJo a oco11 ência dos fones I fiJ c !gJ e m espanhol. 'vCi liOS que eles cstiio em dist1 ibuição cnmplc­nrcnt;u I f li OC\1 11 c cnt r c \'og;r is. I g Jnao aparccc nessa posição, pelo cont T<Í 1 i o, o fone f1 ica ti\·o I \' I. alofonc do fo nema /g/ é que ocura es~a posiç5o. O fonc lgl. p01 sua vez. oco11C e m início absoluto de palavra c depois de uma consoante nasal, amh1cntes e m que não neOIIl' o fone J[IJ . Contudo. o fato de 1[11 c Jg l est arem em di~t1 ihuição complementar nilo é suficiente par:~ conclui1 que eles scjam alofones de unr mcs 1110 fonema. Esses fones ca1cccm de semel hança fo­nética . O segmcnlo I fi I é bil abial c lg 1. vcl:u . O modo de ar I icul ação é ta111bém difc rcnle: lf~l é uma consoante f1 icativ:r. lg luma plosiva.

E1111l'laçiio ;I semelha nça fon ética. pode-se di7\~ r que o ponto de ;ut icul ~'

ção exe1ce um papel importante no momento tlc ag1up;u ns fones. Assi111 , é po~sívcl cstahelcccl princípios gc1 ai s. como:

FONOLOGIA IS7

a) PriiiCÍJiio da homogeneidade fouéticn

Quanto mais longe cslcja o ponto de articulação de dois sons haverá me­nos possibilidade de que eles sejam alofones de um mesmo foncn1a.r.\

No entanto, a semelhança fonética pode ser determinada, também, pelo e feito acrí stico das articulações. O japonês, por exemplo, possui três segmentos lricativos: labiali!Jll. glotalJhJ c palatallçl . Apesar de esses três fones serem alt iculat llrialllcntc dife1enlcs. s~o anali s:~dos como alofoncs de 11111 mesmo fonema. pois os mesmos têm efeitos acüsticos scmclhantcs,1r' nu seja. parece ser ncccss<ÍI io conjugar a homogeneidade fonética com a ad1stica. A p10pricdadc act'1stica dos fones pode, em determinados casos como no japonês, contribuir para se estabelecer a semclhanç:~ fonética. Dessa maneira, podemos considerar

um segundo pri ncípio .

b) / '1 indpio da lwmo~eneidade actÍ.IIÍca

Dois sons serão tanto mais homogêneos quanto nwis semelhantes scj;un

seus efeitos acC1sticos. 11

Os lones :1gn1pados como semelhantes. quc potcucialim:ntc podei iam ser alo l"oncs de 11111 mcsnro fonema. são conhecidos como f)(lll'S sH.I'fJ<'ilos, isto é, pares de sons fonctic:Jmentc si milares que. eventualmente, sc ria111 ;tlofoncs de

um mesmo fonema .

2.1.4. Variação livre

Pelo critério da distribuição complementar identificamos as variantes alolônicas de um mesmo fonema. Contudo, havcní casos em que as valiaçücs fonéticas n5o são contrasti vas c nem estão em distribuição complementar. Nes­ses casos. o ralantc pode usar dois o u mais alofones no mesmo contexto sem desttu il a ide ntidade dos itens lcx icais em questão. Quando isso oco11c, fala-se que os fones são variantes li v1cs de um mesmo fonema Assim. em Shancn;~wá (Pano)'~ os fones I fi c !vi ocorrem em variação li vre em início ahsoluto Jc

15 M.)trno (':-~ lucia. J (' {111\0 11111\'t'f.\ilffrin tff lm,t:flf'"' n Nc'llf''."' ·1 li Scm;Ínlll".l. JlfO.(!IH~t ica, """fnll1g1;s y fnnnl\>gb 1\laduJ. Slnltscs. I ?'l.t

1 (t Oh(,rrvc ~c que 11:1 cmi~~!\u tlc\fóC~ lr~>t :-;r:gmcnlu~. :. s:'1ft.l;1 dn :.1 pclo1 c:wid,ulc oral é cuniÍIH13, m:ts cum i'1~U11\J cou .. l•iç5n nns puni 0411: de :u licnlnç!\u. n S:lhl·r. hil:\bi:\1, glutc c llalilt~l. Nc<~õ;C .. l'II\HIO. :. .. CJr;•c·

ll'li\11<.,1'\ :\Cilt..tll':l~ c;~o ha<I:UIIC dnub•cs 17 f\ tnlfl\tl C:thrnrt, J (', CHI\0 11/lll'l'r\ I IIJIW tlt•lmsur.\Wn snlf' llll I' 11 :)cm :liiiÍl':l, p1:1{!111:\tica,

""" '"'"~'"' y ronolllj!Ía "''~'" td. SIIIIC~C!, I <)1)4.

I R O Shoncll:tW~ é uma 11"~"" mdl~cna fabdo pur 11111> 1"'1'"'·'1··"' (111<' h;~hila ~ rq:i:111 dn•Ín EII\'Íra.

11111111dptt1 <lc I CIJtl. I:<I"<IU dn 1\uc (Cinot<lo. I ?'JR)

i l i l i I ~ ' I

t : 'I 'f f '

Page 4: MORI, Angel Fonética

I 58 INIRODUÇÁO Á llt~GÜiSt iCA

pa lavra. COlHO Cllt I ru'ru '7j == I vu'ru? l "olho", I ra'tJi71 == I va'tJi?J "ovo". Esses itens podem ser emiridos pelos falantes ~hancnaw;ís ora com Ir! ora com lvl sem afelar o signifi cado dessa ~ pala vr:ts. Ou seja , (lS fones lfl c lvJ csliío em \ :11 i:tçiio I i\'ll:.

Para os soc io lingii isws. :ts "va1 iantcs livres" cstiio. rw rcal ithtde, controla ­das por vari;í veis soc iolingiiístic;ts'~. I lá fatores sociais, lingüísticos c estilísticos que dctcrmÍIIóllll sistc m;tticamcnte qua is das vari;tntcs sc1ão u ~atla s com maior f1 eqiiê11cia.

Pt incípins ; t d i t.: i ullai ~ podent se.:r USôitlos na an;íli se.: fonológica de uma lín­gua . Na descr içiio da s línt:u:rs amerínd ias. por cxe ntpln, é tíri l considet:tr os sq.!uintc:s:

2. 1.5. Princípio do simetria

Os siqcmas fonolc'lgicos das línguas IIIOStram lcndências pela simctri:t, p1 od11to da pressão cstrutlllal tlc se us patlrõcs ftm~t icos. Por exe mplo, se no in \·cnt;í1io lon~ lico de um:~ língua octll re m os segmentos plosivos sutdos lp. t. kl c seus c01 rcspontlentes sonoros Ih. d. g l c na análi se fono lógicôl comprova-se que I p I. I h I. I tI c I dI são r O IICIII ôiS. mtão. pelo p1 i ncípio tl c si 111Ctl ia. podct -se-ia supor que os fones 11-. 1 c lg ! também scj ;un fnncnt:t s. Pelo princípio da s i111c1ria ~.;spcr<I-SL: quc pata cada son t tlc uma líng u:t ~cja encontrado un1 outro som cor­respondente. 1\ s~i m. no português cnconlt<tnms as consoantes rriçati vas surtias lfl . ls i. IJ!. c :-.uas cm r csp( •mlcnlc~ sonoras l v l . l t l.l ~ l . con~tituindo. dessa ma ­ne ita. Ulll:t tahcl;t fnn~ t ica si métrica . corno ~c \'l! em (2):

--~ ~-

\'nl

'\ut ll.•

'\puot.t

l'nt11utlt·

.tltll ll l.t.._.tt , -"""

I .thu~th ti ti J\h('l'l.u f•,·,, ,thndu

)

l:mhma as l íngua ~ 111 ns lt Ctll i ndi 11.1~,-,cs pda si11tcl ria c n1 sL:us siste mas fo nol(•g iem. i s~n n;io i111pl ict que o.s in ve nl<Ír im fonol<igic(IS scj:11n necessa r ia­lllcntc s ir11 ~ t1 iclls E o e<tso. pot ~.;xemp fu. dus sistc 111as lonolüg icos de muitas 1111!-!U:ts indÍ)!l'nas. que se caraclt' li l alll J1<11 Sl' ll' llt as:-.i rll t: lrirns

I'J 1',111 ,1 thl tiH\ ,IHth.' \ .11 1,1\\'1\ , \U octptluln \otwlrru:lll\fl4rt . lll'\h· \'nlll tlll

FONOlOGIA 159

2. 1.6. Princípio de economia

Esse princípio relaciona-se com a simplicidade ou gcner:t lidadc que se deve conse.:guir na descrição tia fon ologia de uma língua. Sua aplicação é muito geral; umn versão ort odoxa desse princípio diz que dadas , por exemplo, duas descrições lingüísticas, uma contendo um inventário de 25 fonemas c a outra com 20 fonemas, escolhe-se n segunda por pos tular menos fonemas. Porém, o fonólogo ele ve cslar c iente de que não interessa se o in vcnt;írio fonológico de uma língua possui mais ou menos fonemas. o que interessa é a coerência c a sistcmaticidade apresentadas na descri ção 1 ingliística. Nesse aspecto. n5o adi­anta forçar a análise para sa tisfazer caprichos do anali sta ou para satisfazer determinada teoria lingiiística.

2. 1.7. Princípio de pressão eslrulurol

Esse princípio toma como base a organizaç;io estrut ural de uma língua na interpretação dos fonemas. Ele é usado na análise de segmen tos que foneti ca­mente são anrhivalcntcs, como os gfidcs2u UI c lwJ ou em casos de seqüências de consoantes do tipo lts}. ld 7.) (como em palavras do Kulird ' : ltlzidzitanil '\:scuridão", I tsrkctani I "liso"), ! tJI, ld3l (corno em pala v r as do português: l'ctJtknl "ética", ['tfipul "tiiJo", l'd3i ej "dia", ld3i'tndul "ditado"). l"'p] . l "'bl (como ocorre em palavras da língua Margi12: l"'pà 1 " luta", ! "'b~ I "laço").

Nas palavrils do Kulina c do português, os segmentos lts l. ldz l.ltJJ c ld3 l podc1 iam ser tmtados in icia lmente corno uma scqiiência de dois fo r temas na fonologi:t. ou seja CC21, ou corno consoantes complexas constituídas fom:tica­mcnt c de u111a plus iva mais urna fric;ltiva, característica dos segmentos africadus. N~· s:-.~ r aso. t'Sses se.:gnt ~.; nt os ser~o intcrpret:Jdos na l'llnolog.ia ape.:nas Cllll1l) C c n ~o como CC. Do mesmo mudo, havcr;í que Jcc idir se os segment os l"'pl. l"'bj do M;ngi representam a scl(ll~ncia de dois roncnws: nasal + plosiva. ou se eles podem ser interpretados comt> consoantes co111plexas acor np:111h:u.l:ts de uma

,O (;{u/,· é um t.'IU J11é~l11110 dt• inglê~ uç;;-~dn crn (nn~ li<:a "p;U;l imJICõlr u111 ~nm de tffiii.\JWH (tl" qu:m­do ttt tiJgtim tltt (rrln ~l." 1110\'i lllCUiam em 'IÍIC\ ;i u a uma rutitulatt1o nu se ;t(a~l:liH dcl:t (mJ·,-:fidf c oJT~ glulr. ll"~ pc< ti vau1l'U1C') ( 'um o nãn ~ãH nl'l11 , on \otmlt'.\ ncrn twgah, uç; .~lldt·.~ c:n~ t umJIIl ~c r dt.'IHllllin:'H.Ins

\l'fllltUII\IMBtt.·~ " ' ' c:cmi\lu~;~iç (têm ut t t:l qufllulmlt· VIK.':i hc~ c w 11:1 1l l\f1iiHJJ(t1tt cun\Oit ;lll l :ll)". Crysta l. D. n,, 1011(;,, dt' ""·~';,-.,,;,o f' {!uuftú a lttn tlc Jancno, J<ugc Z:~h;u, IIHU~. Jl 12(, I' .na dct.llhcs. ver o -.:nJ•flulo

dt.• " hml'lu,.;t", m :\ I C vnlumc 21 ""''"·' •' 111110 líupoa imllf,rn:o <1.1 [antlila Aoaw;l fal.ul.t un< E<t ;ult~< do Acoc c AIII.I!Ott:t< 22 M.Ufl é u•na 1ín p.u.1 f:~bd:. 11:1 r cgi~n mlrlc ti.• NIJ!ÚÍ:t

H c· (""'~'"'" '")

~ ,._,,,coo;;., :,_­•. ~t.~.....-:1

.. ~· I .. t ::a" .. ~ •

160 INI RODUÇÁO À liHGÜiSIICA

real i7.aç~o pré-nasal izada. Uma ou outra iutcrprl.!!aç~n dcpendcr:í do p.-.cJrão cs­tl lllural da língua q ue se cst;í analisanuo.

Para entcutlcr melhor o pri ncípio de press;io estrutural , considerem-se os seguintes dados fonélicos da língua Sliuncnaw;í (Pano):

(l) lpic i'wi71 "uatlar" l~u'ja?J "rato"

)wa'si'? l "capi1n" lj;1 'p:1?] "pi;~ha"

Nc~~a lra n~ctiçiio. o~ !'liu..:s cst ~u si111holizados por lw l c lj l. como se fossem cousoantcs, mas fone ticamente s;io percebidos. também, como se fos­sem vogais. Então. nada impede que esses mesmos itens scj;trn tr:111scritos como:

(..J) lpi t:i'u i? l "nadar" lsu'ia?J "ta to"

lu;r'si'? l "capi m" lia'pa'? l "piaba"

Numa trartsct içiio fonél ica. uma ou outra form;t de simbol ização é possí­ve l. Nu111a an:ílise fonológica tcr-se -:í que se Jccid ir se esses fones funcionam conto loncmas con~onantais /w/./jl. 011 <:omo fone mas vocál icos /u/,/i/. 1\ solu­ç:io de sc1e11 1 tratados como consoantes 011 como vogais dcpcmler:í do padrão estlutllla l tia lí11 g11a Shanenaw:í. ou seja. scguntlo a estrutura sil:íbica dessa lín­g. na (d. sílôiba na scçiin -1 ).

3. PROPRIED/\OES DOS SONS: OS TRAÇOS DISTINTIVOS

Conside rou-se. :tté o mome1tto, os fonemas como as unidade.:s h:ísicas da rorwlogi;t. no se111 ido de se.: tct lt :ts u11 id<tdcs rnínimus c conlt<tstivas que ocor­rem num.t língua. No entanto. h;í uma série de evidências most1 ando que s::io dc tcnninadus p1 npr Íl'd ;~de~ tlns sons<.: 11ão os fom:ma.~ que sc t i ;~m llS primiti \'OS

da Fonologia ~ ·

O fo11cma c~ta 1 i:t co11st i luído por um conjunto de p1 opr icdades que se 1 ea­lit.am simult; lllc:lllll:n t~.;. Esse fe ixe de pmpr ie.:Ja~ll:s ch:11na -sc tmp1s. Assim, pot exemplo. os lonc mas do espanhol : /b/,/d/ c /g/ atuali7a n1 se lonctic:;llncnlc como alofones fr ic;!li\'OS 1r1.1('\l c I vi. rcspcctivamcnle. quando ocorrem entre \'Oga is. Pelos parflmclt os tl;tdicion.lis da an;ílisc ronolc'!gica concluir-se-ia, e;n I iio, qul'

2·1 I ';H:l lllll~ d1\t u\o,;J o lc<Ír~t·a dn.-.c poulo q :r J.1l.nho,;nu, l;;un ,~ ll:1llc ( 1')~2) . J,ll..tth'ion & l i alie C I C)~(l) , ( hom..,J ~ & I Lalh- ( I•J(,~• llnu bn.t •nllc1du\ 111 <;nbrt· .1 IC' nll.l dn~ 1.-;,~·nc; pndt.• sn lul.ll'lll ~lulja{· ~t• (I '111)

fOt<OlOGIA 161

(5) a) /b/ é um roncnw plos ivo bilahinl sonoro C]lle se reali7.a foneticamente

corno 1 P llJuando ocorre entre vogais;

b) /d/ é um fonema plosivo dental sonoro que se rca li1.a fonel icarnentc como I à J quando ocorre entre vogais;

c) /g/ é um fone ma plosi v o velar sonoro que se realiza foneticamente como lyl qua ndo oco11c entre vogais.

Descritos dessn maneira, tem-se a impressão de que o falante do espanhol 111:111i festa três "regras" di rcrcntcs: (a) para a bilabial, (b) para a dental c (c) para a velar. Contudo, a teoria fonológica busca generali1.ações nn explicitação dos processos fonológicos que ocorrem numa língua. No caso do espanhol, vê-se que as três consoantes plosivns sonoras realizam-se como ft icat ivas em posição intcrvocál ica. independentemente de seus pontos de atticulaç::io. se são bilabiais, dentais ou ve lares. Em cada uma das três regras antcriormcnt..: cil:tdas- (a), (b) e (c) - . h<i especificações rcdundanles dos contextos em CJUC se produz cada fonema. lndi\' idua lmcntc, cada regra mcnc ion<1 a mudança Jc uma conso­ante plosiva sonora para uma consoante fricativa. Está implíci to. n p;utir dessa obscrvaçi'io, que ltü um processo regular de mudança das plosi vus stmoras, mas que essas três regras ni'io o ex plicitam. 1\ aná lise fonológica de uma lfngua pro­cura general izações, então esses segmentos deveriam srr ngrupatlos em classes natura is, entendidas como aquelas que agrup:un os sons por dcrctllli nodas pro­priedades que siio partilhadas entre si. Dessa maneira. os segmcnttlS plosivos /b/,

/d/ c /g/ do espanhol formam uma classe natural c os fricativos 1!11. lól c IYI forma m outra classe nalur~l. Mas, para agrupar os sons em termos de classes natura is. deve-se procurar pela cstrutu1 a interna tlcsse.:s sons. ou seja. pelos seus lraços. Os traços servem ni'io apenas para :tgrupar os sons em classes naturais, mas também pura dife renciar um fonema de outro. daí que sno tlt.!nominados traço~ distint ivos. Por exemplo, os fonemas bi labiais /p/ c /b/ opõem -se pelo traço d 1stinti v o I v o;. I. o pr irnciro é 1-voz..::adol c o segundo Ir vo7.cadol.

Então. a mudança dos fonemas plos ivos do espanhol, antcr in• mente cita­dos, pode ser mosltada não por três regtas imlcpendcntes (a). (b) c (c). mas pela fusão dessas três regras em uma. 011 seja:

((j) Consoantes obstruintcs vozcndas /b, d, g/ pronuncia111 se como fricat ivas IP I.Iul c ly l quantlo oco11clll entre vogais.

Defi nir os fonemas em termos de tr:.tços é um dos dcsl'nvolvimcntos mais impottantes t~gica. Um objcti"Võ<í:liCo1ia lonoi<~Íca ~

Page 5: MORI, Angel Fonética

162 INTRODUÇÃO Á liNGUÍSTICA

identificar o conjunto de t1aços necess;írios para dcscrevcr os sons tlc qual ­quer língua para. assim. cornprccndcr rnclhor as ronologias das línguas (';da ­d;r~ rul rnundo .

Urna vers~o sistcrn~tica da tcor ia de traços roi apresentada no livro l'rc!iminories to .l fJel'Ch mutly.lis (Jakohson. Farrt & llallc, 1952) c postcrior­rnentc cru F11ntlmllt'lllals o/ !tm.~llll,~l' (Jakobsnrr & li alie. 1956). Esscs autores postularam uma dtí 7.ia de traços derinidos em termos ac1Ísticos 1 ~ c considerados cor11o universa is. que servir iam para dc lirrir as propr icdadcs dos roncmas de qualquer língua do rnurrdo. 1\ssi m, pela teoria de traços, cada rorrcrna era tlefirri ­do conr base rnrma oposiçrio bin;íria: presença/ausência de dcternrinadu traço. Chornsky & li alie ( 1968) propuseram um novo sistema de traços rHJ livro The .\OIIIIIIflllfll'm of /;'ngli.1h (SI' I~) . Os traços propostos por eles caracter it.arn-sc. tarnhém. por se r em universai s c opostos h i na r ia mente: prcscnça/ausêrrcia de um dctcrmiuado traço. Porém. os traços de Chonrsky & llallc srio dcrinidos ern termos articulatórios c niio acusticamentclf• corno o roi rro caso de seus arrtc­ccssorcs.

3.1. Traços de Chomsky e Halle

No que segue. apresentam-se os traços propostos em Sm111d pnllem of J:ng/ish (Chornsky & I lallc , IIJúH), considerando algumas rnodificaçõcs lcvan­tatlas em I I alie & Clcrncnts ( 1983). Opta-se pelos traços de Chomsky & li alie porque siio de uso muito amplo c n:prescrrtarn o ponto de partida para a discus­s:io de qualquer tco1 ia fonol ógica . Tai s traços se dividem em traços de classes pr irrcipais, de cavidade, de corpo da língua, de forma dos l~bios, de modo de articulaçiio. de fonte c traços prosódicos.

3. 1. 1. Traços de classes principais

Três traços são rcreridos corno de c lasses prin cipais, pois eles dividem o conjunto dos scgrnerrtos fonolúgicos de urna língua em c lasses mai s signi­fi ca tiva s .

2:) (h ;wtolt'<i llll\'llq.! I:H.1111 a~ proplu.·d.ule~ ff\1 t:1\ dp~ ~nnc;

2(, Ou <cp . ('hont<I.V ,.., ll .olk (I%R) r.,, lh J:II,IIfl' lliOIICIIO '"'"" '"""""In r•odnliuo~ pelo ap:tll' lh~• fnn.1dcn

FONOlOGIA 163

1) Silúhim {si// : os sons sil:í hicos s~o os-scgrncntos que funcionam como nlrcko da sílaba. Os n~o-s il(lbicos ocorrem corno margens na sílaba. Este traço serve para dil'erenciar as vogais das consoantes. Assim. as vogais são l+sihíbi­col. as consoantes l-silábico[ . Porém, h:í línguas em que as consoantes rricativas estridentes, nasais. laterais c vibrantes poderiam desempenhar a funçiio tlc nú­cleo. ou seja, serem I+ si l;íbico[. como em palavras do inglês: l'lnct.ll "battlc", i'bAtr_tl "button" c I krv 1 "sangue" do servo-croata. /\s teorias ronológicas não­linca rcs!7niio consideram mais o traço silábico, pois a sílaba possui sua própria estrutura métrica . Ela é um constituinte formado de unta estrutura interna pró­

pria (cf. sílaba. scç~o 4).

2) Con.wnírntico f cmrsj: os sons consonânticos são produzidos com uma constrição ao longo da linha central do trato vocal. Essa constriç~o pode ser total. corno na articulação das consoantes plosivas, ou p;u cia l. corno n:t pro­duçiio das consoantes rricativas. Os sons nrio-consonilnticos não apresentam essa constriçiio. Assim, as vogais, os g/ides [w[.ljl c os sons glotálicos [h) c I? F'' são 1-cons 1. !\ s consoantes pios i v as, na sais, líquidas, r. ica t i v as, a r r icadas

siio r~ co ns[.

:I) Sountc· / .101111}: t.:ssc tipo de sons é produzido contunw l:onliguraçflo do trato ,·oca I que permite o vozcamcnto cspontilneo. Nos nflo-soantes. isto é, nas obstruintes 'O. a configuração do trato vocal inibe o vo7.camento espontâneo. Nessa dclinição. o estado normal das soantes é o vozeamcrrto c para as ohstruintcs o dcsvozca nrcrrto. As vogais, as consoarrtcs nasais, líquidas c os glidc•s srio I +sm111], os segmentos plosivos, rricativos c arricados sflo 1-soon l-

Os traços de classes principais definem. segundo Chomsky & I lallc (I 968: ]0]). as categorias de sorrs cor110 na tabela a seguir:

27 /\ p.1rtir d ~• •k'(.·;ula de ICJR() ckc;cnvuhcu .~c um ttu:uhu fcum.ll c coutcpru.ll \k tculi:1 fonohlg•..:n HHCJ!raJa pnr t.hfcrl·ntcc; suht cc,ri:l~ gcnmctri:'l de traçuc;, ll'cHi:l d+~ síl.1ha c teor .a mtttlita tlll acento. que em ~(' 11 (.tm_juniO c;:in conhclitlas ccuno fonolnl_!ia nnn- li11CõH A funolngi:l 11~0 IIIH.":H' va os li aÇO~ tlic:postot; lucr:•ntutc:uucull' ctu \hfctcntcc; c:un:ul:.c; de m:mcita que a) nlt:un'> traços tênt su:t pHltma camada de nutu­SC(!mrut.di7:1ç[Ht. h) nrlo há ncccc;sari:uncnrc uma concspondEncla hijl·tiva entre o mímcr~ t!c auto -.c;rg.mcn 4

tnc; CU IIIÍIIICI"O \fc (tiiiCIII .\~ fli"C~CIIIC~ IIUIU dCI!:tiUin;u_ln CIHIIIci,H.ht, l' t.') uc; :HI IU4 ~c,_· ~fUl'UIUc; liJ;,UI1 · SC :1 $Ui\~ uuHI.•dcc; -.cgmcui:IÍS pnr mceu de hnhas de açc;oci:•ç:\o

)X ('C)II~tl iç!lo te.• fere c;c :'1 Ul11 C~lfCI1:l111C1\((l que OC(lHC lt() :lJl.IICihn fon:u.lor ()~ tJill'fCIIIC'\ liJtclÇ C

i!'·"' ~ dl' cnn .. tllç;w c;crvcm de hac:c qu:ll1tativ., p:1r:1 a cbc;~ific:tção :utic:u latilllil dnc; c;ons

2'1 Em S I'E (Cill>ll"ky & ll.ilk . I 96R) "' sc~mcuh>< I w I c I j I <ào ltO!;l!lll< "'"""·~'"'"' (I). os '<!,tlliCII

li" I h I c J'll<lllllll glulo•1 (li) 10 () lr:~ço npn~ l o a so;~ntc é {Cll,c;lluintcl p:ua carJCicri7:tr o~ c;unc; com u111.1 rouc:tli \·i'\n que Íltlpctlc o

nu\O dn ar. tomo UltlriC naç conc;oantc~ piOSÍ\':IS. (ric:tll\';tc; C J(IIC:HJ:.c;,

·'.~ }

I I

I

Page 6: MORI, Angel Fonética

G); 1! _, /

--

. ; J_ ~ ~-/ (/7 ' ~ .~v

0160

0,ccsw ~-~.JJ-:: ~~-v...o-d,o r~rLeclcc.'ÇClt_' 0.. L.,:,....-Uv.i_.çf<.0C.....

? ~ á

t~ v'---_L V''\ flv ~ -<1. l I LL-.Ü~--f~

\ ~ . . (_)

~~ '1 I ·

é.X-0 u..__.__ \M--l) _.,

5

MORFOLOGIA

M oria Fifome11a Spaff i Sandalo

1. INTRODUÇÃO

A Morfologia é o ponto de maior controvérsia no estudo de li nguagem natural. Especial istas se debatem tomando posições que vão desde aquelas que , consideram a Morfologia como o principal componente do estudo gra rnatic:J I, até aquelas que desconsideram tota lmente o nível morfológico na construção de urna teoria da gramática. Este capítulo, cujo objetivo é fazer urna introdução aos estudos ue Morfologia, tem como foco a' controvérsia que caracteriza esta área, apresentando as forrms como algumas correntes linglifsticas va riaram no de· correr dos anos ao darem um maior ou menor papel parn a Morfologia.

Este texto tem a seguinte organização: em primeiro lugar, apresentaremos noções bás icas relacionadas nos domínios dos estudos morfológicos; em segui· da. apresentaremos discussões sobre o papel da Morfologia dentro de dois qua· dros teóricos: o estru tu ralista c o da teoria gerativa; por fim tentaremos fazer perceber que o momento :ttual vai na direção de um maior acoruo sobre o papel J a Morfologin na Gramática.

2. A MORFOLOGIA E SUAS UNIDADES BÁSICAS

ral IHTROOUÇÁO À LIHGÜÍSIICA

vra? r A existência de palavras é assu rnidn como uma rea lidade pela maioria Je nós, lingiiislas ou não. No entanto, não é simples defini r o que é uma pa lavra . Na Lingüística, como em qualquer ciência, um dos problemas bás i­cos é id en l ifi c:-~r critérios para definirmos as unidades básicns de estudo. Em línguas isolantes. como o chinês, cada palavra carrega aperws um signi fica­do, mJs em línguas polissintéticas. como a língua kadiu·ért, fa l<rda no Mato Grosso do Su l, ou o georgia no. fa lado na Europa orienta l. certas seqüências de sons, assumidas por seus falantes como pa lavras, carregam significados tradu7.iuos por frases em línguas como o português. Assim, corno podemos ter certe7.a de qucjota8ml~elogodomifill'aji do kadiwéu é uma palavra c não uma frase? O significado não nos ujuda. Esta scq!lência de sons sign ifica "cu falo com eles por vocês". Critérios semânticos nfio nos ajuda m a defi nir uma palavra em línguas como o porlllguês tampouco. Como suhcr se r.olls­

fl'lllor c Of/llelc f!IIC C'OII.ffl'tJÍ sao pa lavras do português" Ambos têm o mes­mo significado. Assim, se nosso critério for signi ficado, deve ríamos d izer que ambas as seqüências pertencem ii mesma classe grarnntical. No entanto. nosso conhecimento de falantes do português nos sugere que 11 primcinr é uma palavrn. mas a segunda seqüência é uma f1asc.

Critérios fonoltígicos tamhémn5o nos ajudam. É impossível elaborar um tc:;te baseado em crit~rios fonológ icos que possa se1 c<r legoricamcnlc aplicado para qualquer língua para sabermos se estamos lidando com uma palavra ou frase . Algumas pessoas já tentaram definir palavras pelo acento. Segundo este critério, uma palavr;J deveria conlar com um acento principal (i .c. de maior intcnsidatle) c alguns acentos secundários. No entanto ldetcagénlc] c ldctergéntcl. ambos com um acento p1 incipal c um secundário, corrcspondem a uma frase c uma palavra. respectivamente. Essa ambigliidndc é cxploratla pela seguinte piada:

( I) O que é detergente?

É o alo de p1 cnde1 pessoas.

Muitos li n!!üi stas preferem defi nir palavras usando critérios sinl(ilicos, os quais paH:ccm funcionar em qualquer língua do mundo. Uma scqliência de sons so111en1e poJe ser dcfinl_da como uma palavra se (i) r udc r ser usad:t como res­posta mfn~11:1 a uma ~cr&un ta c se (i I) puder ser usada em vá r ias posisües sint;J­~~~- Enr (2). 11ofmx oco• n.: co111n a menor resposta possível à questfio dada. Em

I 1\ lonllo\l·r~u 1\••hrt• :1 "~'\·h' tk p.I1.1'·L' ,: ;1111i!'·' th.·n ltn t1.1 l. 1 11~~lll\lll'a l';u,, llllll'uh:nd11ncnlu 111a i~

cl.llll .r,·, r;~ ' I'"'' ' ·"' \l'l lllll<tlllfld<l (I 11111. ~li>< k\HI. "'""'" & Solv.o I "'"'alul.o ( 1'1~11). !111dc-"" " ( 1'1'!2) r Alnlloll cPJ•).I) E\\r~ lt'\ l ll\ 'l'lt'lll.lllf'lll.ll .l lll lnl:l\ lCIIItllh.'' clt .II J' It1Utlll.1, .111 \ ' •• 11 \(.'1\-11 de JH•IIa ele

t'IUI.Id.l I'·"·' Ufll 111.11111 ;l pt (llll lld.II1H'1 11P \CII'Il' 11 ·'''""'(1

MORFOLOGIA rn

(3). a pnlavra nabos ocorre co;;,o objeto da sentença e em (4) ocorre como sujei­to. Isto é, esta seqüência de sons pode ocorrer em mais de uma posiçüo sintática. É, portanto, uma palnvra.

.. ,./

;~)'~t .~r:;~ .·r~~ ~

·~~f ~~\~ ~ ~~-r~~1·t

~ · !l ""t•l -~. ' r."'t.'t r

.. · '··-,~~~ , ,;~U .. -~1

(2) O que Marin comprou na feira hoje?

Nabos.

(3) Maria comprou nabos na feira hoje.

"';1.-~'.~.' ~"·t j~-~ ;.· !_!'! ....... ~.: · ~:.d .:.~~:-s: ~

-... ·w:~Y:t:f r

'·''~.p~. ~ .·.Ç·.· t :'!: -· .-...... _,

~" -~;:

Um elemento como lhe pode ocorrerem mais de uma posição na sentença, .,, q*~l como demonstrado em (5) c (6): lhe pode oco• rer antes ou depois do verbo. U1e ' ,l~! é uma palavra: . , •' ;;.:~{:~[

(4) Nabos foi o que Maria comprou nn feira hoje.

(5) Mana quer l he d:u um livro de presente. ·· y·•, j'it,~t~~Ji' l ' {\;,;"':~···.

(6) Maria quer dar-/fie um livro de presente. <lZikZ::;, O:N I •• ···.""i.'V:'.-.·.-1 . ~~li

Palavra é n unidade mínima ue ode ocorrer livremente. Uma vez assu- ;o\Í'<::l~!'..:~i mida essa c rniçiio de palavra, podemos distinguir vários clemeutos que carre- ,', ... _;~.::.':' ! gam ex<Jtamente o mesmo significado, mas que niio têm o mesmo sfaflls gramaf .t~ {~~f ticaL Assim. um pronome clítico, como lhe, embora possa carregar o mesm~ , ,~i:trt significado que um pronome, não pode ser cnractcrizado como uma palavnl~1 ~:~\

- - . é - . ' . . d fi 'd p :em: i'r'.l": r; uma vez:~ na~ altn~e os ~rt nos smlatrcos an terrormcnte e 1111 os. o r ex e · ''" ' plo, o pronome clítico o "terceira pesso;singular masculrno" (Mãila o viu mi feira) não pode ocorrer como resposta a uma pergunta e não pode servir corno sujeito de uma sentença. Não é, portanto. uma pnlavra. Mas o pronome ele, embora carregue o mesmo significado, isto é, "terceira pessoa singular masculi- ' no", qua l i fica-se como uma palavra', pois pode ocorrer isoladamente c em vária~ posições sintáticas. No português brasileiro vern:ículo, e/e ocorre em qualquer ' posição argumentai (Ele me vi11, E11 vi ele, José de11 11111 livro para ele). ., ,

A pergunta "como podemos ter ccrtezn de que jotagmrgelagmlomiriwnji do kcufi"·éu é uma palavra c não uma frase?" pode ser respondida da seguinte rorrna: a seqüência de sons do kndiwétt obedece aos critérios sintáticos aponta· dos. sendo, portanto, uma pu lavra, mesmo que, em português, ela seja traduzida,. como uma sentença.

Uma vez definido o que é urnn palavra. temos dclinida a unidade máxima da Morfologia. O que seria a unidade mínima dcslc componente da Gramática? As unidades mínimas da Morfologia si:io os elementos que compõen1uma pala­vra. Seriam fonemas c traços, como definidos no capítulo Fonolo,~ia, ncsle mes-1110 volume'! Não. I\ Morfologia tem seus p1 óprios elementos mfllimos. O co­nhcc illlcnto desses elementos é o que nos permite entender o sig11ificado de

Page 7: MORI, Angel Fonética

114 INTRODUÇÃO À liNGUfSIICA

palavras que nunca ouvimos antes. Ao nos depararmos com urna palavra corno nacionn/izaçiio , mesmo sem nunca termos ouvido esta palavra, podemos desco­brir o que ela significa se soubermos o significado de naçlio, "pátria", c o signi­ficado dos elementos que derivam novas palavras em português: ai, "elemento que transforma um suhstantivo em adjetivo", iznr, "elemento que transforma um adjetivo em verbo". c pio. "clc1nC11to que transf01111a vcdm c1n substanti­vo"1. Assim. ao adicionarmos noçiio c a/. criamos o adjetivo naci01wl c, ao adicionarmos izor. temos o verbo nacionalizar. r:inalrncnte, ao somarmos çiio com 1/aciona/i;nr, r(lllllaiiHJS O ll(liiiC (ou Sllh~tantivo, scgu11d0 a tC1111i11ologia da Gramática tradicio11al) nacionali;uçâo'. i\ p:llavra nociona/izaçrio significa ato de nacionalizar. Seu signific:u..ln t: de1 ivado <.lo significauo das partes que

compõem esta palavra. Os elementos que carregam significado dentrg_de uma p;llavra siio rotulados de íí(;;/Je111ns c são estes a untdauc nlíiíima JãMorfologia . Apesar de muitas pessoas afirmarem que a palavra é a unidad-;-rnínima que carrega significado, o morfema é que o é.

3. O QUADRO ESTRUTURALISTA

Para o estruturalismo. urna das preocupações da LingUística é tentar expli ­car como reconhecemos palavras que nunca ouvimos antes c como podemos criar p::davras que 1111nca foram proferidas antes. A resposta é que nosso conhe­cimento dos morfernas da língua é o que nos dá esta capacidade. Assim, o pro­blema central da Lin g_üíst ica para o quadro tcór i co estruturalista é identificar os morfemas que coml2Q_ern cada língua ralada no mundo; a Morfolo~ortanto, é de crucial importância_e_ara o estrutural íSino' . Nesta perspectiva, uma parte central do estudo envolve identificar rnorfcmas de lfnguas niio previ:11nente des ­cri tas . A met odologia est1utura I ista mostra que não é necess;ír i o saber falar uma língua para ser capaz de identificar seus rnorfernas. Os seguintes rassos siio usados para a documentação dos rnorfcmas de uma dada língua :

2. /~a r. dado ~qui cnrnn uma tín ica untdatlc p:ua lin< de <llllf1lofocaç 5t). pO<le se r suhtll votl itlo em unitl.otlcs oncno tcs o: "vcrbali7atlur" , a "vogallcndlica da poimcir:t conjugaç5o" c r " infonilo vu" .

) Ohviamcnl c l e mo~ ar apli c~ ço'k< de regra s rmmlcíg icas. Ulll:t VC 7 que llfl( 1111 ' a/ ~ 11111 tmllll c II J ()

•nn(fi tllll c 11(1( lt}ll(l/l :.nr • r rio ~ llnt'irmnli :aril rJ c n:"io .,,nt i rmnl1 7nr("t1n Sohrc regra ~ ronoh;J;IC:'I S. ver o capfrnlo ro~r olo.~irr ncslc vto ltiiiiC c <uho c a o c laç~o cnlt c Fonologia c 1\lmro lugia , ver Mcoh:man ( 1°)86) c Ka~co , Van llcr 11111,1 & Zonncvc lcl ( 1')1)?) . que apo t·scn l:llll ' i<foc< di <r tnl.o< c okrt'CC II1 ntao< ot' fct i' nlia< ~ohr t' o :l ~"i tlllh l

ti l'.ua 11111 m ;u or t onhrt' i111CIIIU Ó.l 111(11 ro lt 'l! "' do por lu guês. \'C I f...LIIfnfiu (";imara (I 970). Sandm:um (l'l'.l 2). S ol va .~ Koch (1 1/H(>) . c l'tmlcs (1°)72) Nolc <c que csla pequena lisJa n3o ccprcscnla uona lisra c ~ ;m ~ ri va c.Jo :. ~c; uur o Os volumt· ~ indic ado~ COII'õlllll cm ~c em rcrc, f nu :lt; impurlantc c; que poJcm propi · ciar o conhcclnlcnlo de oulr:l"' ohr;,c; ~ohrc n 1m.:~mn :lc;"'unlu

MORFOlOGIA 185

a) Identifique formas recorrentes e tente observar qual é o pedaço de sig­nificado recorrente na tradução. Assim, nas palavras a seguir, proveni­entes da língua kadiwéu,j ocorre em todas as palavras. Na tradução é recon·ente o significado "primeira pessoa". Assim,j deve ser o morfema que carrega o significado de primeira pessoa na língua kndiwéu em verbos.

ji wi "cn escuto" j-iwin I pessoa-escutar

jncako "cu soco" j-acakon I pessoa-socar

jacaw:a "cn ajudo" j-acaw:a I pessoa-ajudar

Figur:1 S. I Palavras do kadill't'll c idcnliricação morfológica.

b) Não assuma que morfcmas universahnente aparecem na mesma ordem que os morfernas do português. Assim, o português também conta com um morfema que marca primeira pessoa em verbos: o (ajudo, soco, escuto). Mas as ordens de morfemas do kadill'éll e do rortuguês são distintas . Assim, este 1~orfema é um prefixo no kndi111éll, isto é, ocorre antes da raiz verbal . mas é um sufixo (ocorre depois da raiz verbal) no

português.

c) Não assuma que todos os significados expressos por morfemas em sua língua nativa seriio expressos em outra língua por um morfcma especí­fico . Em chinês, por exemplo, não há marcas de pessoa.

d) Não assuma que sua língua nativa apresenta todos os contrastes morfológicos possfveis universalmente. Uma grande parte das Hn­guas indígenas brasileiras, por exemplo, é caracterizada pela pre­sc11ça de um morfcma. rotulado de relaciona I. que não se encontra em nenhuma língua euroréia . O papel desle morfcma ainda é am­rtamentc desconhecido. Sabe-se apenas que quando este morfcma estiver presente no verbo. o objeto direto não pode ser deslocado. Isto é. ele deve estar contíguo ao verbo. O estudo de línguas não

Page 8: MORI, Angel Fonética

..WB~ lt~fROOUÇÁO Á UNGUISIICA

previamente descritas apresenta urn universo de morfemas a serem descobertos~.

Estamos agora preparados para conhecer a estrutura interna da palavra do !c ~rr ;,. ·é11 que deu início a este capítulo:

jc > 1 ay ~ uyctaya<.lomitiwaji

.f- ornymt-y('n: -r -yn -dnm

I r

f sujciro-

l'<llar - I r :lll~iti,·i7auor

-? -2objcto indireto

-bcnefactivo

"Eu fnlo 01n eles por vocês."

FiJ:!ura 5-2 P<~l:tvta clo~ndill'ruc a iucntificaç~o morfológica.

.;

-plural do objeto indireto

·I · II'G)i

-? -plural do ohjcto ui reto

l~ r-,oss ívc I observar que h:í v;írias <.1 i f crenças entre a morfologia do poltu ­guês c a do Áru/,-~t ·tru, o que i lu s11a a diversidade lingüística que enconlramos ao estuda r l'V1 o r· foi c> g ia . /\s.si 111 , o k(/(lill'/u scpa1 a os 11101 f emas de pessoa daqueles de n ú n1c r ·o. J ú o 1 > <.Jttuguês ag r upa estes lraços semânticos em um único mo1 fem;.t . Por cxcn'lplo, "' (' cf. amam) .ngtupa pesson c número: terceira pessoa do plural. O kad i \.Véu con r .::a co111 um ll'lOI f ema que marca o objeto i ndircto. ;.t lém de um n1orfcma que m.::J .-ca o suje ito. O vetbo só é marcado para o sujeito no pollu­guês. A i ntcrroga ç iio no glos s;ít i o em 7 i n<.li ca que ainda não sabemos/entende­mos este llJOr fcn~ ~· . Corno di (o :tnlcrionncntc, o estudo 11101 fológico é um uni ­verso a se r· c .xp/or - é..Ido. 1\s línguas rolissi n té ti cns, como o kadiwéu, são línguas em q uc q 11 n lq ucr T"'? ~lavra, ex c elo o verbo, pode se r o mil id:t, uma vez que todos

. S (~ flr:t<;rl lc-111 "" 7 -=-~ lltt'dra tJc IKO lín~ua~ (llodr i guc~. I<JR(•) A di\Ct ~lllade lm!!ul~ llc:r nnllra ~i l 11111110 rn:ll<•r CJtrt' cnr Cftl.11 ~ .... ,., oulro pais da /un6ic:r do .Sul (Adclaar, 1')?1) ~luilas dcs~a< llnt:uas ainda n.tn for:lln dcc;crJI.t~ nn fc, ~r .:1111 :1pcn.1ç paI' c.;ral111cnlc r.n.ll r~ ;•da c;

....__:::r~~~~__,.,..,.......~- .. --.... -

MORfOlOGII\ 187

os significados de uma sentença são expressos por meio de morfcmas v~rbais. Sapir ( 1921) propôs a seguinte car::~clcrização para uma língua polissintética6

:

Uma língua polissintética. como seu nome implica, é mais que ordinariamente sintética. A claburaçiio de uma palavra é extrema . Concei tos que nós nunctl so­nharíamos em tratar de uma maneira subordinada são simbolizados por ;.tfixos derivacionais ou mudanças "simb<llic01s" no elemento radic01l, enquanto noções mais abstraias, incluindo relações sintáticas, podcmlarnbém ser transmitidas pela pal;1vra1

.

por meio de prepos ições, como acontece em português, s~o c~ssos morfemas verbais. Esta língua apresenta um morfcma verbal que indica o p;.tpe l 'semântico do objeto indireto (bencfactivo). Línguas conto o português contam com preposições na sintaxe com essa função. O kndill'éu não tem adposiçõcs.

Além de sufixos c prefixos, ::1 tipologia de morfemas conta t;.tmbém com in fixos. In fixos são morfcmas adicionados dentro de outros mor f emas. Por exem­plo, na língua tagalog (fal::~da nas Filipinas). 11m"passado" é adicionado dentro

do ve1bo:

R:1i7.

t:rl..buh "correr"

lal..atl ";muar"

Fi~:ura S.J In fixos tio tagalog.

f'ormas infixadas

tunwl..huh "correu"

lumakad "andou"

lnlixos são muito raros nas lfnguas do mundo c rarcccm ser dc1ivados, não p1 imilivos. Assim, os in fixos do tagalog parecem ser in fixos somente por­que a fono logia da língua não permite que pa lavras sejam iniciadas por uma vogal, e a prefixação de 11111 resultaria em uma palavr;.t iniciada por uma vogal. A língua resolve esse connito adicionando o morfema de pas~ado logo llpÓs a

6 l'ar ~ um maior conheci mcnlo sohrc llngna~ polis~inl~lieas, 'e r S:rprr ( 1921) c llal.cr ( 1995 ). Sol>rc "l..rcl"'"" · espccificam.-nl c, ver Sanda!o (191)5, 191)7 c 11)99) c Sa11dalo & (iordon (1'!99).

7 O '"'o or it;lll.tl é o que 5c segue: "A t>o!ysynlhclic languagc. :r< 11< n:nne implic~. I~ mmc lhan llHinrarily <y11t hctic. I hc clal>or:rlion o f lhe word is cxtr cmc. Concepl~ "lu c h wc shoulu neve r thc:nn or trc:llrng in :r sul>1llui n.11e r~~hion are symholi1ed l>y de ri valiona! arrixe5 nr 'symh<1lic' changcs in lhe radi­c.r! clcmcnl. whilc lhe more at>Siracl nolions. incluuing thc syn ra clic rel:rlion ~. may a!so hc convcyeu hy lhe wnr<.l" (Sapir. I'J2! ! 2R)

Page 9: MORI, Angel Fonética

184 INTRODUÇÃO À liNGUiSTICA

palavras que nunca ouvimos autes. Ao nos depararmos com uma palavra como nacionn/izaçiio, mesmo sem nunca termos ouvido esta palavra, podemos desco­brir o que ela significa se soubermos o significado de naçâo, "pátria .. , c o signi­ficado dos elementos que derivam novas palavras em português: nl. "elemento que transforma um suhstantivo em adjetivo .. , iznr, "elemento que transforma 11111 adjclivo em vcrho··. c çiio. "demcnlo que transforrna ver ho em suh.~tanli­

vo .. 1. A~Silll. ao aJiciollilllllOS llfiÇiio C o/, criamOS O aJjetivo nacional C, ao adiciouarmos izor. ternos o verbo nocionoli~ar. Fiualmcntc. ao somarmos çiio com nacionali::ar. lorrrraruos o no111c (uu suh~tautivu. scguru.lo a terminologia da Gr:unática tradicional) nncimw/i;:t1Çiio1

• A palavra nacionn/izaçrio signirica alo de nacionalizar. Seu signiricado é derivado Jo significado Jas partes que compõem esta palavra . Os elementos que carregam significado dentrq de uma p;r lavra são rotulados de /,í;;;Jcmas c são estes a uurdadc lllllliiiJa dã Morfologia. Âpesar de muitas pessoas afirmarem fJUC a palavra ~ad-;-mínima que carrega significndo. o morfcma é que o é.

3. O QUADRO ESTRUTURALISTA

Para o estruturalismo. urna d:1s preocupações da Lingüística é tentar expli­car corno reconhecemos pnlavras que rrunca ouvimos antes c como podemos criar paluvras que nunca foram proferidas antes. 1\ resposta é que nosso conhc­cimcnlo dos morfern::1s da língua é o que nos d:í csla capacidade. Ass im, o pro­hlcrna central da Ling_iiís tica parn o quadro teórico cstrutmalista é identificar os morfcmas que com~crn cada língu<t f:alada no mundo; a Morfologia, portanto, é de crucial importflncia~arn o estruturalismo'. Nesta perspec tiva, urna parte central do estudo envolve identificar morfemas de línguas não previamente des­critas. A metodologia estruturalista mostra fJUC não é ncccss;í rio saber falar urna língua para ser capaz de identificar seus morfemas. Os seguintes passos são usados para a documentação dos mor lemas de uma dada língua:

2. l~nr. tbdn 31JUÍ como uma !'tnoc3 unuJatrc p;Ha f111~ tle ~1111ploficaç~o. (>O<lc ser suhdovnli<lo wo nnitl.odcs mcnmcs ·~ .. vcol•alitndur ... n .. ,.o~al tcm:ltica d;o pnmcim ctmjugaçno .. c r .. inlinolovo ...

J Ohvbn1CI11C rcmtt< ar apricaçl\c< tfc rq:oa< fnnnlclgica~. 111113 YCI que 1111(1111 ' (1/ c ""' 101/(1/ c 11.111

•,,,ft1ool c tWf wrmh:.nr t (fio é 11n1 iwwlt:fl~ t1o c n;io •,m umnll! flrrrio Suhrc ,-cl!rilii fotlnltl!!•Ci\5. ver o

c~pfw lo Ftmol".~ill 11c~tc volume c <nhoc a oclaç~o CIIIIC Fo11ologi~ e Mm fnl<•gb, \'C r Mol1.111an ( 1'18fí) c 1-:.o ~cr. Va11 lkr llul\ t & Zo1111n~l<l ( 111'19). 'I"C '!''"'~"' '"" ,; ~w·< ""'"'""c nfntTCIIl '"·'" ockornco:" 'i. Ohlt' O :l ~'I; IIIHO

4 l';u:~ 11111111:tinr r nnh('t' tl l1l"t1tn d.t murf<'l"l!'·' dnfH'rluguêc;. \l'f l\1.1thl"U ( ':1 m:na ( 1970). S:uu.lm:mn (1?'12). Solva & Ktxh (1'/H(•). c l'tlllf<· ~ (1'172) Nt•tc .çc que c<la pcqucn>~ ll<ta n3o rcprcscntJ umJ losta c'au~ri"a c.lu :t\<uuln Os vnhrmt.·t; indtc.::uJn'i con~lrt ut·m 'iCem .-crcr (o nl·i:~~ imll4.111:1111C~ ((liC: I'<Kkm propi · d:u O C'tmhCCIIUCUIO de outra~ <,ht:l~ 'olHe O uu.: ~ lllO :1~4\UiliU

MORfOlOGIA 185

a) Identifique formas recorrentes c lente observar qual é o pedaço de sig­nilicado recorrente na tradução. Assim, nas palavras a seguir, proveni­entes da língua kadiwéu, j ocorre em todas as palavras. Na tradução é recorrente o signilicado "primeira pessoa". Assim.} deve ser o morfema que carrega o significado de primeira pessoa na língua kadhvért em verbos.

jiwi "cu escuto" j-iwin I pcssoa-escutur

jacako "cu soco" j-acakon I pessoa-socar

jacaw:a "cu ajudo" j-acaw:a I pessoa-ajudar

Figura 5.1 Palavras do kndiwc'rr c idcntificaçno morfológica

I

b) Não assuma que morfemas universalmente aparecem na mesma ordem que os morfernas elo português. Assim, o português também conta com um morfcma que marca primeira pessoa em verbos: o (ajudo, soco, escuro). Mas as ordens de morfcmas do karliu·éu c do português são distintas. Assim, este ~orfcma é um prefixo no kadiwéu, isto é, ocorre ' antes da mi7. verbal, mas é um sufixo (ocorre depois da raiz verbal) no

português.

c) Niio assuma que todos os significados expressos por morfcrnus em sua língua nativa serão expressos em outra língua por um morfema espccí­lico. Em chinês, por exemplo, não há marcas de pessoa.

d) Não assuma que sua língua nativa apresenta todos os contrastes morfológicos possíveis universalmente. Urna grande parte das lfn­guas indígenas brasileiras, por exemplo, é caracterizada pela pre­sença de um morfcmn, rotulado de relaciona!. que não se encontra em nenhuma língua européia. O papel deste morfemn ainda é am­plamente de~conhecido . Sabe-se apenas que quando este morfema estiver presente no verbo, o objeto direto nlio pode ser deslocado. Isto é, ele deve estar contíguo ao verbo. O estudo de línguas não

188 !NIROOUÇÁO Á LINGÜISTICA

consoante (ou c11contro conso11:1ntal) que inicia a palavru. Assim, a palavra continua iniciada por uma consoante (não violando as restrições fonot:ílicas da I íngua).

Aqueles que seguem o quadro estruturalista de análise lingUística, entre­tanto, não têm como prcocupaçiio fundamental entender o porquê de certos afixos serem infixos, sufixos ou prclixos. 13ssa é urna preocupação da teoria gerativa recente, como ser:í discutitlo 111ais adiante. Mas certos fenômenos gerados pela interação entre a Fonologia c a Morfologia siio de fundarnent<JI importância para o estruturalismo. bcrn corno para o quadro gcrativo. Nn seção seguinte, abordaremos o início da teoria gcrativa, a qual deu muita ênfase rara a interface entre Morfologia c Fonologia.

4. MORFOFONOLOGIA E A TEORIA GERATIVA PADRÃO

Estu seção tem como objetivo introduzir o estudo da relação entre Fonologia c Morfologia tomando como base os critérios usados nos primeiros anos do gcrativisrno(Chormky & llalle, 1968).

O exe mplo do tagolog nos llH>str a que a Morfologia sofre um i111pacto bastante ace11t uado da Fonolog ia . pois os f;rtos do tagnlo,~ nos indicam ctu<::_ a Fonologia pode definir Q I um onde o mor fema deverá ser inserido na palavra. Entretanto, derivar a posição de afixos não era uma preocupação para a teoria gerativa padrão, nem para o cstruturaslisrno. Ao observarmos ns línguas natu­rais, veremos que a Fonologia pode exercer innuência não apenas em relação ao lugar onde o morfcma c inserido. ruas também na rrópria forma fonética dos rnorfcmas . A derivação das diferentes formas fo11éticas de um mesmo rnorfcrna ~de crucial importância para a teoria padrão. Assim, vemos que. em inglês. o r11orlcma dt.: plural cnr llOillCs é rcali;ado como 17. 1 depois de vogais c depois de uma oclusiva sonora (ex.: dugs), cor11u [si tlepois de uma oclusiva surda (ex .: cats), mas como l(h.l em palavras comojudxe.~ . As variantes (i .e., as diferentes formas fonéticas) de urn mesmo morfcma são chamadas de :rlornorfcs. No capí­tulo fonnlo.~in neste \Oiurne, tratamos de variação alofôn ica (i .c., as di fercntes formas fon éticas de um fone ma) c111 termos de regras que derivam alofoncs de formas subjacentes. Corno a v ar i ação alofônica. a variação alomórlica é tratada por meio da postulação de urna representação strbjacentc da qual alomor fes podem ser derivados por meio de regras fonológicas.

Uma estratégia fundamental do lingüista ao se lec ionar uma rcp1cscntação subjacente de um morfcma é escullrer o alornorfe que conta com a distribuição menos marcada (i .c .. mais fr eqUcntc). A r c a I i zação do 11101 f ema de plur <JI num i-

'

MORFOlOGIA

na I do inglês mais freqUente é z, uma vez que ocorre depois de consoantes sono­ras e depois de vogais. Vamos, assim, escolher esta forma para ser a forma subjacente. Os alomorfes podem, agora, ser derivados por meio de .regras fonológicas como aquelas discutidas no capítulo fonologia deste volume. São as seguintes as regras fonológicas responsáveis pela derivação dos alomorfes do morfcma de plural nominal do inglês, segundo O'Grady ct ai. (1991):

J) Dcvozcamento:

I+ consonantal, +sonoro!~[- sonoro]/[+ consonantal,- sonoroJ _

2) Epêntcse de schwa:

0 ~ êJ I [ + consonantal, +estridente, + coronall _ I+ consonantal, ú

+estridente, + coronal J

A regra 1 postula que uma consoante sonora perde seu traço de vozeamcnto toda vc7. que cslivcr adjacente a uma consoante dcsvozcada. A regra 2 postula que um sc hw~1, [{)],é inserido toda vez que duas fricativas estiverem adjacentes. 1\ figura 5.) mostra a derivação dos alomorfes elo morfcma z "plural nominal'' aprcsentados8:

Dcsvozcarncnto

Epcnlc~c de ~cll\va I êJ I

Forma suhjaccnlc

dog+z

Forma dogz Fon~1ic;1

cal r z

cal~

cats

Figura 5.4 Dcrivaçno da~ ronna~ de plur:rlnomin;tl dn ingl~~.

judg+Z

judgih.

judgílt.

ll:í, entretanto. algumas diferenças entre alomorlia c alofonia. Por exem­plo, regrns de alofonia geralmente não têm exceções. Assim, sabemos que o segmento /1/ é rea li?.ado como [wl sempre que ocorrer na coda sil~bica (isto é, no final da sílaba) na fala de pauliscas jovens (cf. /sal/ que se realiza como I saw 1). Em contraste, regras morfofonêmicas. isto é, regras de nlomorfia, nem sempr e são produtivas como a variação alomórfica do morfema de plural nomi­nal do irrglês. As regras morfofonêrnicas freqüentemente fazem referência a

R 0 < c'cmrlos do inglês na Figura 5 J n~o fomm 1ransc111os fonclocamcntc. exceto pelo afixo que c<laonu< manipulaoHin.

I • l

i

I j . I

-~!

l t '

Page 10: MORI, Angel Fonética

190 INIRODUÇÁO À UNGÚ(SJICA

uma cstruiUra morfológica específica, isto é. obrigam uma dada regra fonológica a ser aplicada somente quando uma dada estrutura morfológica for encontrada. Como exemplo. podemos citar a variação entre llnÇtio c nncio11. vista anterior­mente quando discutimos a palavra nacionalização, ou entre leâo c leon (cf. leonino). Mal toso Ciimara ( 1970) pos tula que formas contendo ditongos nasais. como tio. são derivadas. Traduzindo para o quadro geral i v o. podemos dizer que as forma s subjacentes relativas aos exemplos anteriores são nncio11 c leon . Este tipo de análi se conta com a tran sformação de on em tio, a qual nem sempre ocorre. uma vez que bnron não se transforma em IJntâo. Essa transformação apenas acontece quando h;í o acréscimo de um;1 vogaltem<Ítica, isto é, quando uma de t e 1min<.~da estrutura morfológica é encontrada''.

omo jü foi mencionado. uma representação subjacente é~~~~~~ podemos derivar todos os alomorfes ~or meio de regras fonológicas . Dissemos que uma estratégia fundamental do lingüista ao selecionar um:, rcprescnt:~ção subjacente de um morfcma ~escolher o alomorfc gue conta com a di s tribui~iío menos marcada . Entretanto. essa niío é a tmica estratégia permitida pela teoria gc rativa padrão. Nada na teoria ger<.~ ti va da década de sessenta nos obrigava a escolher uma forma ex istente na língua como a forma subjacente. Naquele mo­mento, era permitido pos tular u1na forma jamais realiz.ada na língua como a ICfll eSe lltaçiio 1> UbjaccniC de Um dado 11101 fcma (desde que fosse poSSÍvel deri ­Va i da f01ma subjacente pos tulada todas as f01111as alomó• fi cas por meio de 1egras fonol <lg icas). o que é conhecido como ncutrolizaçilo ubsoluta. Esse tipo de abordagem coloca um sério problema para a aquisição de linguagem. Como pode uma criança adquirir uma fo11na que jamais ouviu? Na tc01 ia ge1ativa Jccc nt c. ncutJali 7açiics absolutas niio siio permitidas.

A seção seguinte :tprcsenla um histÓJ ico do desenvolvimento do estudo da Mo• fologia na teo ria ge rali va, mostrando que a Morfologia tem também uma i ntcrfacc com a Si nt axc. além da intc1 fa ce com a ronologia.

4.1. O desenvolvimento da teoria geraliva

0111 n apresentaçfio da teo• ia gc rati va na década de sessenta , a 11101 fo logia c a desc1 içiín 111 01 fol cígica de líng ua s niio p1eviamcnte analisadas, como descn-

() vr,.t qut.• a ll.tll ~ fnt 111,1\':in dr 011 \.' lll tioll'111 ~l' ltunado produ (t \',ll'JI) algun'\ t. ll ;,kto~ tln porfll l!liC:-; do lh a~ li . (.' 01110 JlO di.llt.•ln lllr .tl de f\l.ll o <.ir o" ~() do Sul . onde ~an rr~:qiknlcs p.1lõtVI:lC: ltl fii U bn lrio c mnrrtio.

l ln1 p1 occ"o <lc llllttlan\·a lin J.!tiÍ,I tca pmk k' :11 11111.1 I C ~ I , I 11101 foftiiHtlttgica pouco ptt tt.l nti va a 'c 11 an, for 111:11 Cltl 11111.1 rq..' r:t tnnnlo l-! IL I hH almt.'lllt.' pt ndllll\'a

~GJtílft.tttrmxma•amtw••** • r • • -···

MORFOlOGIA 191

volvidas pelos estruturalistas, perderam espaço. Segundo Anderson ( 1982), nesta época, "morphologists could safely go to lhe bench"}0 Neste momento, passou­se a buscar os universais da linguagem. Por esse motivo. a Sintaxe (i.e., o estudo da formaçiío de sentenças) passou a ser o ponto central da Gram:ítica, ~vez

ue é na Sintaxe que vemos uma maior similaridade entre as línguas. Como a Morfologm tem uma relação bastante importante com a Fonologia, a Morfologia passou a ser tratada dentro do componente fonológico, nas linhas apresentadas na seçiío anterior. Deixou de ser, assim, um componente da Gramática. É natu­ral, assim. que a Morfologia lenha perdido espaço nesta época. Dentro do qua­dro gerativista das décadas de setenta e oitenta. passou-se a assumir que cada componente da Gramática deveria corresponder a um módulo independente go- ­vernado por seus princípios particulares. Cada módulo seria, assim, completa­mente independente do outro. A Fonologia passou a ser dividida em duas par­tes: a f-onologia Lexical (processada no léxico) c a Fonologia Pós-lexical (pro­cessada depois da sintaxe). A LingUfstica Gcrativn passou. assim, a cont:.lr com os módulos representados por quadrados na Figura 5.5:

Léxico

Sintaxe

Fonologia pós-lcxical

Fi~ura 5.5 t\1ó<.lulos componentes da gram5tica segu ndo a lcoria gcmJiva ths d~cadas <.l c se tenta

C OllC nla.

10 1\nt.lc"on. S. Whcrc i~ ~lorphology? l..úlgui.•tir· /uquiry .n . 13. p. 57 1. 19HZ.