MORAES, Luciene M. S. Conteúdos Importantes em História no Currículo da Educação Básica: Um...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Luciene Maciel Stumbo Moraes
CONTEDOS IMPORTANTES EM HISTRIA NO CURRCULO
DA EDUCAO BSICA: UM ESTUDO A PARTIR DA
DISCIPLINA ESTUDOS SOCIAIS NO COLGIO PEDRO II.
RIO DE JANEIRO
Maro de 2012
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
CONTEDOS IMPORTANTES EM HISTRIA NO CURRCULO DA
EDUCAO BSICA: UM ESTUDO A PARTIR DA DISCIPLINA ESTUDOS
SOCIAIS NO COLGIO PEDRO II.
Luciene Maciel Stumbo Moraes
ORIENTADORA: Prof. Dra. Carmen Teresa Gabriel
DISSERTAO EXIGIDA COMO REQUISITO
PARCIAL OBTENO DO TTULO DE MESTRE
EM EDUCAO PELO PROGRAMA DE MESTRADO
EM EDUCAO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO DE JANEIRO.
RIO DE JANEIRO
Maro de 2012
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Moraes, Luciene Maciel Stumbo. Contedos importantes em Histria no currculo da educao bsica: um estudo a
partir da Disciplina Estudos Sociais no Colgio Pedro II. Luciene Maciel Stumbo 2012.
156f.: il.
Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Ps Graduao em Educao,
Rio de Janeiro, 2012.
Orientador: Prof Dr Carmen Teresa Gabriel 1. Currculo. 2. Estudos Sociais. 3. Colgio Pedro II. 4. Conhecimento Escolar. 5.
Contedo. 6. Ensino de Histria. Dissertao.
I. Gabriel, Carmen Teresa. (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Ps-Graduao em Educao. III. Ttulo.
CDD: __________
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FOLHA DE APROVAO
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Agradeo...
Primeiramente a Deus pelos dons recebidos, as graas alcanadas e a
possibilidade de realizar este trabalho de pesquisa cercada por pessoas, que
representam luz, fora e direcionamento em meu caminhar.
Ao Wallace, meu marido e, antes de qualquer coisa, amigo. Pessoa
sempre presente em minha vida e capaz de me fazer enxergar infinitas
possibilidades em momentos em que tudo parece perdido.
minha famlia, pelos sacrifcios realizados para que meus sonhos
fossem alcanados, e ainda, pela compreenso e carinho nestes dois anos em
que mesmo presente, estive distante.
Aos amigos do NEC pelas palavras de incentivo, pelas conversas
animadas, pelo compartilhar de experincias e pela mo sempre estendida nos
momentos em que precisei de auxlio pessoal e acadmico.
minha orientadora, Professora Dra Carmen, acima e antes de tudo
amiga. Algum que me ensina grandes lies, no apenas academicamente e,
, pra mim, exemplo de coragem, atitude, deciso e sinceridade.
Aos amigos da Coordenao de Ps, em especial Sol, pelo carinho,
ateno, pacincia, disponibilidade e bom humor.
Aos amigos do Pedro II, companheiros que no dia a dia batalham por um
Ensino Pblico digno mesmo diante de tantas adversidades, pessoas que so
para mim exemplos de profissionais e nos quais me inspiro para continuar a
estudar e pesquisar. Em especial, gostaria de agradecer a Mrcia, Eliana, Jane
e Ana Cristina pelo auxlio na composio de meu material emprico.
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Aos amigos que estudaram e/ou trabalharam comigo no Colgio Santa
Maria, trago comigo infindveis lembranas dos momentos que passamos e
das lies aprendidas. Foi, nesta escola, que aprendi a amar o conhecimento e
a reconhecer o valor de sua partilha.
A todos professores presentes ao longo de minha trajetria escolar e
acadmica, queles que me permitiram ser quem sou hoje como pessoa e
como profissional, queles que acreditam no poder transformador do
conhecimento e, por isso, dedicam suas vidas a ele.
Debis, Eg, Mi, Wagner, Du, Nane, Dani, Rafa e Vanessa por mostrar
que a vida no se resume apenas s responsabilidades, mas tambm feita
de farras, conversas, brincadeiras, e pelo fato de, mesmo diante de momentos
tristes ou preocupantes, terem trazido luz e alegria.
vov Nina, a vov Helena e ao D, que apesar de no estarem mais
entre ns, continuam vivos em mim. Pessoas que me ensinaram lies que
jamais irei esquecer e que espero reencontrar algum dia...
Aos que por acaso eu no tenha aqui mencionado, mas que tenho a
certeza de estar em meu corao.
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Resumo
MORAES, Luciene Maciel Stumbo. Contedos importantes em Histria no currculo da educao bsica: um estudo a partir da disciplina Estudos Sociais no Colgio Pedro II. Rio de Janeiro, 2012. Dissertao (Mestrado em
Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Inserida em um contexto no qual a preocupao com o conhecimento escolar, via contedos de ensino, aparenta ser pouco trazida para discusso nas pesquisas em Educao, esta dissertao busca refletir sobre este conhecimento nos processos formativos na/da Educao Bsica. Tal discusso parece-me atual quando pensamos na existncia de polticas governamentais avaliativas que associam o rendimento dos alunos a uma suposta qualidade da educao. Nesse sentido, esta discusso ganha relevncia social ao se inserir nos domnios do jogo poltico, relacionando-se intrinsecamente aos currculos que so trabalhados nas escolas, pois se admitimos um possvel apagamento da preocupao com os contedos nas pesquisas educacionais atualmente, nas avaliaes escolares, os contedos se mantm em pauta associados a uma idia de qualidade. Assim, assumo uma perspectiva que percebe a escola como um lcus de produo de conhecimento, mas lugar este que o produz envolvendo questes sociais e polticas mais amplas, sendo titular de epistemologias prprias. Em linhas gerais, como objetivo central neste trabalho de pesquisa, procurei compreender e analisar o que tem sido fixado enquanto contedo importante em Histria por meio das Provas Institucionais de Estudos Sociais do 5 ano de escolaridade no Colgio Pedro II, evidenciando o papel desempenhado pela relao do contedo com o conhecimento escolar, nas esferas da transposio didtica e na construo discursiva sobre a prpria disciplina. Concentrando o foco de anlise em entrevistas com as atuais coordenadoras de Estudos Sociais nas diferentes Unidades I da instituio, em Documentos Curriculares e em Portarias Avaliativas que regulam a disciplina citada, busquei construir um mapa para compreenso discursiva dos sentidos de importncia atribudos aos contedos em Histria e fixados atravs dos enunciados nas questes das Provas Institucionais de Estudos Sociais no quinto ano de escolaridade do Colgio. A anlise mostrou, por meio dos sentidos atrelados ao acervo emprico, traos que indicam disputas hegemnicas em torno das narrativas histrico escolares.
Palavras chave: Currculo, Ensino de Histria, Estudos Sociais, Colgio Pedro II, Conhecimento Escolar, Contedo.
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Abstract
MORAES, Luciene Maciel Stumbo. Contedos importantes em Histria no currculo da educao bsica: um estudo a partir da disciplina Estudos Sociais no Colgio Pedro II. Rio de Janeiro, 2012. Dissertao (Mestrado em
Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
In a context which the concern of school knowledge by teaching content appears to have small relevance in the discussion on research in education, this paper aims to reflect on this knowledge in the formative processes of Basic Education. This discussion seems current to me when we think about the existence of government policies of evaluation which mingle student achievement on a supposed quality of education. In this way, this discussion becomes socially relevant when the political game is important, basing itself intrinsically to content that is taught in schools, since we admit a possible exclusion of the worry with the content in educational research currently in school assessments, the content remains on the agenda associated with an idea of quality. Thus, I take a perspective that sees the school as a locus of knowledge production; however, this place, that produces in the context of social and political issues more complex, maintains their own epistemologies. In general, the main objective of this research work is to show how I tried to understand and analyze what has been set as "quite important" in History through the tests for Social Studies of fifth grade students at the Colegio Pedro II, showing the role played by the relationship of the content with school knowledge in the fields of didactic transposition and discursive construction of the discipline itself. Focusing the analysis on interviews with current social studies coordinators of the units of the institution, further Curriculum Documents and Evaluative Ordinances which rule the subject, I sought to build a map for understanding the discursive sense of importance assigned to the content in history and set through the issues set out in Evidence of Institutional Social Studies in fifth grade of the College. Through the senses tied to the acquis empirical, the analysis showed traces that indicate hegemonic disputes around the school history narratives. Key Words: curriculum, history teaching, social studies, Colegio Pedro II, school knowledges, content.
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Sumrio
Introduo
Captulo 1 Mapas de uma viagem: possibilidades e escolhas.
1.1 Levantar ncoras! Percorrendo caminhos...
1.2 Falando em contedos antes mesmo de serem considerados importantes.
1.3 A disciplina Estudos Sociais como contexto discursivo.
1.4 Sobre o acervo emprico: entre provas institucionais, documentos oficiais e
entrevistas.
Captulo 2 Oceanos navegados, entre-lugares na pesquisa...
2.1 Discursividade: uma aposta terica.
2.2 O campo do Currculo e o Conhecimento Escolar.
2.3 Contedos/narrativas histricas: entre o conhecimento acadmico e o
conhecimento escolar.
Captulo 3 Nos dirios de bordo... escolhendo os contedos importantes.
3.1 A disciplina Estudos Sociais nos Documentos Curriculares do Colgio
Pedro II.
3.2 As Provas Institucionais e os discursos sobre avaliaes no Pedro II...
3.3 A disciplina Estudos Sociais na perspectiva das coordenadoras
pedaggicas.
Captulo 4 Chegando ao porto de destino...
4.1 Analisando as Provas Institucionais em suas superfcies textuais: fixaes
de contedos histricos importantes.
4.2 Narrativas do Rio de Janeiro como objeto de avaliao.
4.3 Leituras de mundo em disputa nos contedos histricos.
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Consideraes finais: Um balano provisrio da expedio.
Referncias
Anexo 1a
Anexo 1b
Anexo 2a
Anexo 2b
Anexo 2c
Anexo 2d
Anexo 3
Anexo 4
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Introduo
O ttulo desta dissertao nos remete a uma temtica presente na agenda
crtica dos anos 80 no Brasil pautada, principalmente, pelo campo da didtica: os
contedos escolares. No entanto, enquanto naquele perodo tais discusses
centravam-se na questo do acesso aos contedos escolares como condio para a
construo de uma escola democrtica, neste trabalho essa temtica
redimensionada na medida em que insere, na reflexo sobre a democratizao da
educao bsica, a preocupao com a prpria configurao, seleo e organizao
dos contedos escolares, em meio s disputas travadas pela fixao de sentidos de
mundo no mbito da escola. Destarte, neste trabalho, em dilogo com as
teorizaes do discurso, o termo contedo ressignificado como estabilidade
provisria de sentidos que garante, dentro da cadeia de equivalncia do
conhecimento escolar, fluxos de legitimao de cientificidade.
A preocupao com o conhecimento escolar tendo como recorte a questo
dos contedos tem sido pouco explorada nas pesquisas atuais em Educao, em
particular no campo do currculo. Essa pesquisa se situa, pois, na contramo dessa
tendncia, porque assume a questo dos contedos a serem ensinados e
aprendidos em uma escola sob suspeita (GABRIEL, 2008), como objeto de
investigao que ainda merece continuar a ser explorado no campo curricular.
Nesse sentido, apesar da pesquisa situar o foco nos contedos histricos
considerados importantes no mbito da disciplina Estudos Sociais, o mesmo se
insere em um debate mais amplo travado no campo do Currculo e que se relaciona
ao papel do conhecimento escolar nos processos formativos na/da Educao
Bsica.
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Tais discusses me parecem atuais, principalmente quando pensamos na
existncia de polticas pblicas de avaliao institucional que tendem a associar o
rendimento dos alunos a uma suposta qualidade da educao, mobilizando para tal,
sentidos de contedos escolares nesse jogo poltico. Afinal, assumo uma
perspectiva que v a escola como um lugar privilegiado de produo e socializao
de conhecimento/contedo escolar, ainda que reconhea igualmente o fato de que
tal instituio assumiu diante de diferentes demandas ao longo de sua trajetria,
outras funes e sentidos que, por opo de abordagem, no sero objetos de
anlise nesta pesquisa.
Portanto, constituiu-se como objetivo central da dissertao compreender o
que tem sido fixado como contedo importante em Histria no 5 ano de
escolaridade do Colgio Pedro II, por meio da anlise de Documentos Curriculares,
das portarias internas reguladoras da aprendizagem, das entrevistas com as
coordenaes de rea e, principalmente, dos enunciados das Provas Institucionais
de Estudos Sociais. Interessa-me, mais particularmente, evidenciar as articulaes
entre os termos conhecimento escolar e contedo no processo de seleo e
transposio didtica responsvel pela configurao discursiva dessa disciplina
escolar especfica.
Formulei algumas questes iniciais que serviram de fio condutor para as
minhas anlises: quais elementos se relacionam na cadeia de equivalncias que
fixa o sentido de "contedos importantes" em Histria no ensino de Estudos Sociais?
Quais sentidos de Histria se encontram em disputa nas escolhas dos contedos
evidenciados nas avaliaes da disciplina escolar Estudos Sociais?
Importa observar que o Colgio Pedro II, considerado de referncia no ensino
bsico do pas e que faz parte da esfera federal de ensino, incorporou como prtica
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pedaggica institucional a lgica de avaliaes nicas antes mesmo da vaga atual
de polticas pblicas oriundas do governo federal com esse desenho.
Alis, as polticas pblicas mais recentes permitem afirmar que ainda que
possamos admitir um enfraquecimento ou deslocamento da temtica dos contedos
nas pesquisas do campo educacional, na cultura escolar e/ou na cultura da escola
quando se trata de refletir sobre a seleo e organizao do conhecimento a ser
ensinado e aprendido, seja em termos de um currculo disciplinar, ou em termos de
um currculo por competncia, ela se mantm na pauta das avaliaes associada
ideia de qualidade de ensino.
Antecipo que problematizar os "contedos importantes" em Histria no ensino
de Estudos Sociais em tal instituio no significou buscar uma definio ou
prescrio que produzisse um sentido fixo e essencializado sobre processos de
ensino-aprendizagem. Meu propsito foi analisar a relao dos contedos escolares
com o conhecimento histrico, assumindo reflexes a respeito dos processos de
transposio didtica como processos discursivos, em meio s disputas pela fixao
por sentidos hegemnicos na disciplina Estudos Sociais em uma instituio
especfica.
Nesse sentido, torna-se interessante explicitar que o objeto de pesquisa foi
sendo construdo e reconstrudo aos poucos, sendo inicialmente o foco de pesquisa
o ensino de Histria nos anos iniciais da Educao Bsica. A escolha pela disciplina
Estudos Sociais, como campo emprico, justifica-se pelo fato de a especificidade
epistemolgica dessa disciplina escolar oferecer a possibilidade de perceb-la como
terreno fecundo para pensar sobre snteses discursivas nas lutas por fixaes de
sentidos do que seria e o que no seria escolar, como desenvolverei ao longo de
minha dissertao.
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Concentrei, pois, minha ateno no Colgio Pedro II inicialmente por dois
motivos: (i) pelo fato desta instituio federal trabalhar em sua grade curricular com a
disciplina Estudos Sociais para os anos iniciais da Educao Bsica e ser
considerada referncia de qualidade de ensino propedutico em um momento em
que a questo da qualidade de ensino discutida amplamente por diferentes setores
sociais; (ii) pelo fato de esta escola pautar sua prtica avaliativa em portarias que
regulamentam as Provas Institucionais comuns de Estudos Sociais s diferentes
unidades.
A escolha pelo 5 ano de escolaridade tambm se justificou pelo fato deste
ano representar o final do 2 ciclo do Ensino Fundamental, sendo o ltimo ano de
frequncia dos alunos nas chamadas unidades I da escola, popularmente
conhecidas como Pedrinhos. Dessa forma, foi se delineando a construo
progressiva do meu objeto de pesquisa, a saber, os sentidos de "contedos
importantes" produzidos discursivamente nas provas institucionais aplicadas a este
nvel de ensino.
Estruturei minha dissertao em quatro captulos. No primeiro procuro trazer
tona minhas memrias e escolhas, apresentando as justificativas que motivaram a
realizao da pesquisa, assim como a formulao do problema e a delimitao do
objeto como um percurso de explorao at chegar a uma configurao que
possibilitasse o desenvolvimento da anlise por meio da definio do acervo
emprico.
No segundo captulo, exploro que a questo do conhecimento escolar em
Histria pode ser abordada e significada, relacionando-a com as discusses do
campo do currculo que dialogam com as teorias do discurso, em particular a
formulada por Ernest Laclau e Chantal Mouffe (2004). Interessa-me, mais
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particularmente nesse captulo, analisar as contribuies de uma epistemologia
social escolar. Segundo Gabriel (2006), tal epistemologia permite refletir sobre o
significante conhecimento escolar, redimensionando nosso olhar para o que
ensinado; desenvolvendo uma percepo ampliada e problematizada dos contedos
escolares.
J no terceiro captulo, analiso Documentos Curriculares, Portarias Avaliativas
e depoimentos das coordenadoras entrevistadas, associando esses textos ao
debate acumulado acerca da disciplina Estudos Sociais e s particularidades da
instituio em foco. Importa construir um panorama dos contedos histricos
fixados como importantes no quinto ano de escolaridade, na disciplina de Estudos
Sociais de uma instituio especfica. Procuro destacar nesse movimento, as
relaes de poder imbricadas em meio a processos de significao que mobilizam
sentidos de termos como conhecimento escolar, contedo, valor, competncia,
prova e controle de aprendizagem. Cabe destacar que, ao colocar o foco de
anlise no adjetivo importante, assumo que a ideia de contedo no percebida
como importante em si, ou inerente de modo fixo e unidimensional ao campo do
Currculo; mas representa escolhas nas lutas travadas nos processos de
significao da arena escolar representando recortes, apropriaes e interlocues
constituintes do conhecimento escolar. Concordando com Gabriel (2011, p.19),
entendo o conhecimento escolar como elemento incontornvel do campo
curricular, fazendo com que a questo do contedo adquira centralidade, em meio
s lutas de significao do campo do currculo.
No quarto captulo, analiso as Provas Institucionais, relacionando-as aos
Documentos Curriculares e entrevistas, percebendo disputas por sentidos de mundo
a partir dos contedos abordados pelos enunciados produzidos e apontando para a
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produo de narrativas histricas escolares consideradas importantes para serem
ensinadas nesse nvel de formao. Aponto as tenses e perspectivas que
perpassam os processos avaliativos, sublinhando o papel das provas institucionais
como lcus de retomada do contedo, significado como conhecimento objetivado.
Nas consideraes finais, retomo alguns aspectos do trajeto de pesquisa e
apresento algumas concluses provisrias com o intuito de alinhavar, de modo
contingencial, as reflexes sobre os contedos histrico escolares e a fixao de
sentidos de importncia no ensino de Estudos Sociais no 5 ano de escolaridade do
Colgio Pedro II.
Captulo 1 Mapas de uma viagem: possibilidades e escolhas.
O que conta, na realidade, a construo do objeto e a eficcia de um mtodo de pensar nunca se manifesta to bem como na sua capacidade de constituir objetos socialmente insignificantes em objetos cientficos ou, o que o mesmo, na sua capacidade de reconstituir cientificamente os grandes objetos socialmente importantes, apreendendo-os de um ngulo imprevisto (...). (BOURDIEU, 1989, p.20)
O trecho acima, escrito por Bourdieu, permitiu-me pensar em como os objetos
de pesquisa so construdos e reconstrudos, servindo-me como ponto de partida na
reflexo a respeito da significao do fazer pesquisa. Deste modo, inicio este
primeiro captulo procurando trazer tona minhas memrias, trajetrias e escolhas,
apresentando as justificativas que motivaram a realizao da investigao, assim
como a formulao do problema e a delimitao do objeto enquanto um percurso de
explorao at chegar a uma configurao que possibilitasse o desenvolvimento da
anlise pretendida.
Procuro tambm, ainda neste captulo, promover a significao do termo
contedo, a partir de minhas opes, inserindo-o em um contexto discursivo e
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associando-o a disciplina Estudos Sociais para apresentar o acervo emprico e o
lcus de anlise que permitiu realizar a configurao de meu objeto de investigao.
1.1 Levantar ncoras! Percorrendo caminhos...
caminhando que se faz o caminho... (BRITTO, Srgio. 2003)
Antes da apresentao de categorias, conceitos e opes terico-
metodolgicas presentes nesse estudo, gostaria de convidar o leitor a trilhar comigo
alguns caminhos que de certo e tambm de vrios modos levaram esta pesquisa a
apresentar as caractersticas que ela possui e no outras, dentre tantas possveis,
uma vez que a trajetria do trabalho envolveu diferentes escolhas e decises.
Considero que a construo de um objeto de pesquisa um momento chave de um
percurso que se delineia gradativamente e que perpassado por diferentes fluxos
identitrios, tericos e empricos. Logo, acredito que trazer tona a experincia da
construo da pesquisa, possibilita no s o seu entendimento, como o da
subjetividade de sua autora com seus recortes, escolhas, lacunas, nfases,
estranhamentos e interaes.
Por admitir a impossibilidade terica de completude de qualquer trabalho
acadmico e reconhecer que, talvez, justamente na possibilidade de diferentes e
sempre incompletos olhares para os mesmos objetos, encontre-se a riqueza da
produo acadmica, que acredito ser interessante trazer para este espao de
enunciao algumas memrias.
Contudo, tal desejo de enunciao de minhas prprias marcas no se
pretende como uma autobiografia, pelo temor das artimanhas da j denominada por
Bourdieu (1996) iluso biogrfica, pois no tenho como pretenso inventar uma
trajetria coerente e linear de minhas vivncias por meio das selees de algumas
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de minhas memrias. Apoiada nas contribuies de Paul Ricoeur, assumo que
qualquer narrativa representa uma sntese do heterogneo (RICOEUR, 1994,
p.10), e que a priori no existe coerncia interna ou externa em qualquer tipo de
narrao. Desse modo, tal coerncia pode ser percebida aqui como sendo
contingencialmente criada pelos sujeitos que narram atribuindo sentidos, em cada
presente, aos passados, ressignificados como rastros. Optei, pois, pela explicitao
de minhas memrias, por acreditar que assim me coloco no lugar de narradora
(RICOEUR, 1994) e assumo que a problemtica de pesquisa levantada no presente,
faz parte de uma trajetria onde aes, temporalidades e espacialidades se
conjugam produzindo sentidos sobre minhas vivncias e inseres no campo da
pesquisa em Educao.
O intento de assuno da autoria, ponto aparentemente prosaico, busca
trazer superfcie textual as minhas escolhas e seus desdobramentos, entendendo
que a preocupao com tal explicitao possa ser compartilhada com outros que
estejam a realizar esforos em direo a construo de seus objetos de pesquisa.
Professora das sries iniciais e licenciada em Histria, atuo na rea
educacional desde 2003, grande parte desse tempo em diferentes colgios da rede
pblica. Em meados de 2008, durante a construo de meu projeto monogrfico1,
integrei-me ao Ncleo de Estudos de Currculo (NEC) da Faculdade de Educao da
UFRJ que incorpora o Grupo de Estudos Currculos e Cultura de Ensino de Histria
(GECCEH) e que tem como foco de pesquisa o processo de produo, classificao
e distribuio do conhecimento escolar.
1 O trabalho de concluso do curso de Histria do Instituto de Filosofia e Cincias sociais (IFCS) da
UFRJ intitulou-se PCN de histria: lugar de reelaborao didtica de diferentes matrizes historiogrficas e foi redigido sob a orientao da professora doutora Carmen Teresa Gabriel.
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Mais recentemente em dilogo com as perspectivas ps-estruturalistas2, esse
grupo se dedica a investigar os processos de constituio da hegemonia que se do
no mbito da produo desse conhecimento, focalizando, sobretudo, os currculos
de Histria em diferentes contextos e situaes enunciativas. Em consonncia com
as pesquisas desenvolvidas no GECCEH/NEC, considero como pressuposto que a
seleo e organizao de contedos considerados importantes" so perpassadas
por questes polticas ligadas aos processos de lutas hegemnicas, estando
relacionadas s problemticas discutidas atualmente no campo do currculo,
fazendo-se presentes no cotidiano das salas de aula.
Nesta pesquisa, escolhi, como j explicitado anteriormente, analisar este
processo tendo como foco o contexto das sries iniciais. Interessa-me mais
particularmente analisar as tenses imbricadas na seleo e fixao dos contedos
de Histria no mbito da disciplina Estudos Sociais ensinados em sala de aula pelos
professores no 5 ano de escolaridade no Colgio Pedro II.
O interesse por esse recorte, em particular no que diz respeito disciplina
Estudos Sociais, como indica o ttulo de minha dissertao e mais adiante
desenvolvido, tambm tem um qu autobiogrfico. Fui professora de Estudos
Sociais em quatro das cinco escolas em que trabalhei. Hoje, lecionando no Colgio
Pedro II, encontro-me igualmente envolvida com essa disciplina.
No entanto, importa sublinhar que a escolha do Colgio Pedro II como campo
emprico no foi motivada pela minha atuao como professora das sries iniciais
dessa instituio, mas pelo fato da escola, mesmo sendo uma instituio federal, ter
mantido, enquanto proposta para esse nvel de ensino, a disciplina Estudos Sociais3
2Tais perspectivas sero melhor explicitadas no prximo captulo da presente dissertao, onde
procurarei trazer as contribuies e influncias incorporadas neste trabalho de pesquisa. 3 As Unidades I do Colgio Pedro II optam pela implantao da disciplina Estudos Sociais ainda na
dcada de 80.
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contrariando as orientaes curriculares dos Parmetros Curriculares Nacionais
publicados nos finais dos anos 90.
A escolha do Colgio Pedro II se sustenta por dois motivos. O primeiro pelo
fato de esta instituio federal ser considerada referncia de qualidade4de ensino
propedutico em um momento em que a questo da qualidade de ensino discutida
amplamente por diferentes setores sociais. E, em seguida, pelo fato de esta escola
federal apresentar portarias que regulamentam as provas comuns nas diferentes
unidades.
Outra escolha que se imps, diz respeito s formas de apreenso das
tenses que envolvem os processos de seleo e de fixao dos sentidos de
Contedos de Histria, objetos de minha anlise. Apoiada nas discusses do campo
do currculo, optei, como empiria, pela anlise dos "contedos importantes" em
Histria, a partir de diferentes textos curriculares produzidos por essa instituio
como: os enunciados das Provas Institucionais de Estudos Sociais, os Documentos
Curriculares, as Portarias Avaliativas internas e os depoimentos das atuais
coordenadoras de rea envolvidas na elaborao dessas provas.
Trs Documentos Curriculares foram escolhidos por fornecerem orientaes a
respeito do que deveria ser ensinado nas diversas unidades e nos diferentes anos
de escolaridade: o Plano Geral de Ensino - PGE dos Anos 1996/1997, o Projeto
Poltico Pedaggico - PPP publicado em 2002 e o Projeto Poltico Pedaggico para
os anos iniciais do ano de 2008. A escolha do PGE ocorreu devido ao fato deste ter
sido desenvolvido no mesmo perodo temporal dos Parmetros Curriculares
Nacionais - PCN, o que revela a preocupao sobre o que ensinar tanto a nvel
4Essa afirmao, como procurarei sustentar ao longo de minha argumentao, assume uma maior
densidade do ponto de vista terico-metodolgico quando concordamos com Elizabeth Macedo, que, em dilogo com a teoria de discurso de Ernest Laclau e Chantal Mouffe argumenta que a noo de qualidade da educao vem funcionando como ponto nodal que organiza os discursos pedaggicos e justifica a necessidade das reformas curriculares. (MACEDO, 2009, p.92)
-
21
institucional, quanto nacional. Esses documentos citados - e que sero explorados
no terceiro captulo - versam sobre a expectativa daquilo que deveria ser ensinado e
sua organizao, contudo, com algumas diferenas que traduzem formas
diferenciadas de fixao do sentido de conhecimento escolar. O primeiro se
estrutura separando comparativamente listagem de contedos, de objetivos e de
estratgias; o segundo se estrutura em competncias/habilidades, sem uma
definio direta dos contedos que deveriam ser trabalhados para propiciar o
desenvolvimento destas. J o terceiro documento, por sua vez, estrutura-se
apresentando as competncias/habilidades e os contedos relacionados a elas.
J as Portarias Avaliativas foram aqui trazidas por representarem
instrumentos que tendem a regular aquilo que ensinado nas diferentes unidades,
expressando uma tentativa de homogeneizao e sendo, inclusive, citadas nos
Documentos Curriculares expressos no pargrafo anterior. As Provas Institucionais
de Estudos Sociais, assim, como as das outras disciplinas, so reguladas de acordo
com os termos dessas Portarias de responsabilidade da Secretaria de Ensino.
A realizao de entrevistas com as coordenadoras de Estudos Sociais das
Unidades que possuem o 5 ano de escolaridade se justifica porque, de acordo com
as Portarias Avaliativas, elas so as principais responsveis pela produo das
Provas Institucionais. Alm disso, o desenvolvimento de seu trabalho deve estar em
consonncia com os Documentos Curriculares e trs das quatro entrevistadas
participaram dos processos que culminaram na escrita dessas portarias e desses
documentos. Assim, esses depoimentos me permitiram compreender o contexto
institucional no qual as Provas Institucionais se inserem.
No que se refere ao direcionamento do foco de anlise para as avaliaes
produzidas por estes sujeitos coordenadores pedaggicos do nvel de ensino citado
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22
em conjunto com seus docentes, ele se justifica pelo fato de acreditar que as
avaliaes representam um momento chave de reabilitao dos contedos que
junto a valores, procedimentos e linguagens constituem o conhecimento escolar.
Momento este em que a seleo e organizao dos contedos considerados
importantes se evidencia.
Portanto, tenho como interesse entender quais contedos os docentes e
coordenadores significam como importantes em Histria para serem ensinados aos
alunos a ponto de consider-los nas Provas Institucionais de Estudos Sociais.
1.2 Falando em contedos antes mesmo de serem considerados
importantes...
No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. (ANDRADE, 1930)
5
Definido o problema da pesquisa, junto a poucas certezas e milhares de
perguntas, na busca por compreender as tenses imbricadas no processo de
produo do conhecimento escolar em Estudos Sociais nas salas de aula do Colgio
Pedro II, a primeira pedra encontrada foi uma dificuldade de ordem semntica. Mais
preocupada com o adjetivo importante, que qualifica o termo contedo, vi logo de
sada um desafio sobre o qual no tinha pensado inicialmente. O que a palavra
contedo poderia significar nesta investigao e qual sentido de conhecimento
pretendia fixar nesse estudo? Por que optar pelo uso do termo contedo refletindo a
partir do campo do currculo e pensando no conhecimento escolar? Como significar
a interface conhecimento escolar contedo?
A questo da definio de contedos escolares mereceria destaque pelas
discusses que suscita na academia? Pela presena deste termo nos PCNs? Por
5Andrade, Carlos Drummond de. In. Alguma Poesia, Ed. Pindorama, 1930.
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23
estar em consonncia com as perspectivas contemporneas de currculo? Pelas
demandas inseridas nos textos oficiais de polticas educacionais mais recentes? Ou
pelo posicionamento do professor diante da realidade institucional que o cerca?
Quando um professor-coordenador do 5 ano determina que um contedo
importante e deve ser, portanto, fixado, sendo cobrado em uma avaliao de
aprendizagem, com qual sentido de contedo ele estaria operando? Aos poucos,
conforme avanava em minhas leituras, fui me dando conta que esse tipo de
escolha semntica representaria tambm uma questo de ordem poltica diante do
que me interessaria fixar ou investir como sentido de conhecimento escolar.
A discusso envolvendo a questo de contedos a serem ensinados na
educao bsica no nova no campo educacional brasileiro. Esse termo foi objeto,
nos anos 80, de debates acirrados envolvendo perspectivas tericas diferenciadas 6
embora do ponto de vista poltico compartilhassem a mesma matriz crtica. Com
efeito, o que estava em jogo eram os caminhos a serem trilhados para a
democratizao da escola por meio do acesso ao conhecimento
Nos limites dessa pesquisa no cabe retomar esse debate. Interessa-me, no
entanto, destacar brevemente alguns aspectos que ora me aproximam e ora me
distanciam dos argumentos desenvolvidos naquelas discusses.
O primeiro aspecto a ser destacado e ao qual essa pesquisa se filia refere-se
ao potencial emancipatrio do conhecimento escolar presente nos argumentos
desenvolvidos no mbito da teoria crtica-social dos contedos, uma das
perspectivas hegemnicas nos debates da dcada de 80. Segundo Gabriel (2003),
para os chamados conteudistas, a escola tinha como funo especfica transmitir
6Tanto a teoria crtico social dos contedos como a educao popular corrente que se filiava ao
pensamento de Paulo Freire - se tornaram tendncias marcantes no Brasil, procurando promover um resgate da legitimidade da instituio escolar, bastante abalada, e colocaram a escola pblica no centro do debate (GABRIEL, 2002 p.40), diante da perspectiva de possibilidade de mudana social.
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contedos comuns a todos, independentemente das diferenas socioculturais.
Assim, defendia-se a possibilidade de uma fora transformadora da escola, porque
seria por meio do domnio dos contedos trabalhados pela mesma que as crianas
das chamadas classes populares poderiam estar preparadas para combater as
injustias sociais que lhes foram historicamente sendo impostas.
No entanto, a questo da democratizao da educao bsica estava
centrada naqueles debates relacionados ao acesso aos contedos, sem, contudo,
problematizar a natureza dos mesmos. Um elemento diferencial desta pesquisa
consiste na considerao da necessidade de problematizao dos contedos
escolares, em seu comprometimento com as questes polticas e culturais de seu
tempo e espao; e em sua relao diferenciada com os demais saberes que servem
de referncia na construo do conhecimento escolar.
Nesse sentido, acredito ser profcua a ressignificao de uma discusso
iniciada no Brasil, nos anos 80, a respeito do acesso aos contedos escolares,
acrescentando preocupao da democratizao do acesso, s implicaes
polticas e pedaggicas de denuncia feitas no mbito da teoria curricular crtica
acerca dos processos de produo desses contedos considerados universais como
abordarei no segundo captulo.
O foco no adjetivo importante traduz essa reorientao do olhar e ampliao
do foco. Acredito que no basta lutar pelo acesso aos conhecimentos, mas preciso
tambm problematizar que conhecimentos so legitimados como importantes a se
ter acesso. Isso significa, pois, incorporar as contribuies das teorizaes
curriculares na busca da compreenso da significao e apropriao dos contedos
nos processos de constituio do conhecimento escolar no seio de uma escola
pblica democrtica.
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25
Dito de outra forma, neste trabalho no busco apenas assumir a centralidade
dos contedos escolares nas anlises dos processos avaliativos da disciplina
Estudos Sociais, mas sim compreender a prpria lgica de construo de sentidos
de importncia a partir da seleo e organizao destes contedos no processo de
constituio do conhecimento escolar.
Para tal, assumo serem importantes algumas distines semnticas a
comear pela diferenciao entre conhecimento escolar e contedo. Como
procurarei desenvolver no prximo captulo, esses dois termos vm sendo
significados ora como sinnimos, ora em oposio binria acarretando efeitos
epistemolgicos e polticos, que no contribuem muitas vezes para a reflexo sobre
a construo de uma escola democrtica formadora de subjetividades rebeldes.
Quando apreendidos como sinnimos - contedo/conhecimento escolar - tendem a
fixar o sentido de contedos universais tornando-se alvo das crticas desenvolvidas
nas teorizaes curriculares crticas. Como apontam Gabriel e Ferreira (2012), a
essa cadeia de equivalncias se acrescentaria ainda uma percepo de
conhecimento cientfico que o associa ao universalismo eurocntrico.
Do mesmo modo, quando os termos contedo e conhecimento escolar no
aparecem articulados na mesma cadeia de equivalncia eles tendem a se
apresentar em uma situao antagnica onde o primeiro emerge como o exterior
constitutivo do segundo. (GABRIEL 2011). Como vem apontando estudos recentes
de Gabriel (2010, 2011, 2012), a emergncia de diferentes questes relevantes para
o campo do currculo na atualidade, como por exemplo, os debates sobre universal e
particular, sobre as contribuies dos estudos culturais, sobre disputas em torno da
produo de identidade e de diferena na rea educacional; tendem a colocar em
segundo plano reflexes sobre a interface conhecimento escolar/contedo.
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26
Nessa perspectiva e como afirma Gabriel (2012), a reabilitao do termo
contedo no tarefa simples, mas argumento, neste estudo, a favor de sua
pertinncia na atualidade. As questes anteriormente explicitadas apontam que no
apenas o adjetivo importante que polissmico, e, portanto, objeto de disputas
em meio aos processos de significao do escolar, mas tambm o prprio termo
contedo.
Tendo em vista o objetivo e os limites de um texto dessa natureza, optei por
explicitar o significado atribudo, neste trabalho, para o termo contedo. Antes,
porm, apresento um breve mapeamento de como este termo vem sendo significado
em alguns textos oficiais curriculares, como, por exemplo, os PCNs. Estes foram
escolhidos neste contexto devido ao fato de trazerem uma proposta de redefinio
de contedos escolares que de certo modo est sendo retomada e repensada
atualmente pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais7 (2010). Estes ltimos
textos novamente levantam a questo de um currculo comum, garantidor de
qualidade de ensino no pas e remetem a reflexo sobre o conhecimento escolar
como, por exemplo, deixam entrever os artigos 10, 11, 12, 13 e 15 que enunciam
que:
Art. 10 O currculo do Ensino Fundamental tem uma base nacional comum, complementada em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar por uma parte diversificada. Art. 11 A base nacional comum e a parte diversificada do currculo do Ensino Fundamental constituem um todo integrado e no podem ser consideradas como dois blocos distintos (...) 2 Voltados divulgao de valores fundamentais ao interesse social e preservao da ordem democrtica, os conhecimentos que fazem parte da base nacional comum a que todos devem ter acesso, independentemente da regio e do lugar em que vivem, asseguram a caracterstica unitria das orientaes curriculares nacionais, das propostas
7Estas representam um conjunto de definies sobre princpios, fundamentos e procedimentos na
Educao Bsica - apregoadas pela Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao - que buscam orientar as instituies escolares brasileiras em seus respectivos sistemas de ensino, considerando a organizao, a articulao, o desenvolvimento e a avaliao de propostas pedaggicas.
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27
curriculares dos Estados, do Distrito Federal, dos Municpios, e dos projetos poltico-pedaggicos das escolas. 3 Os contedos curriculares que compem a parte diversificada do currculo sero definidos pelos sistemas de ensino e pelas escolas, de modo a complementar e enriquecer o currculo, assegurando a contextualizao dos conhecimentos escolares em face das diferentes realidades. Art. 12 Os contedos que compem a base nacional comum e a parte diversificada tm origem nas disciplinas cientficas, no desenvolvimento das linguagens, no mundo do trabalho, na cultura e na tecnologia, na produo artstica, nas atividades desportivas e corporais, na rea da sade e ainda incorporam saberes como os que advm das formas diversas de exerccio da cidadania, dos movimentos sociais, da cultura escolar, da experincia docente, do cotidiano e dos alunos. Art. 13 Os contedos a que se refere o art. 12 so constitudos por componentes curriculares que, por sua vez, se articulam com as reas de conhecimento, a saber: Linguagens, Matemtica, Cincias da Natureza e Cincias Humanas. As reas de conhecimento favorecem a comunicao entre diferentes conhecimentos sistematizados e entre estes e outros saberes, mas permitem que os referenciais prprios de cada componente curricular sejam preservados. (...) Art. 15 Os componentes curriculares obrigatrios do Ensino Fundamental sero assim organizados em relao s reas de conhecimento: (...) IV - Cincias Humanas: a)Histria; b)Geografia;(...) 3 A Histria e as culturas indgena e afro-brasileira, presentes, obrigatoriamente, nos contedos desenvolvidos no mbito de todo o currculo escolar e, em especial, no ensino de Arte, Literatura e Histria do Brasil, assim como a Histria da frica, devero assegurar o conhecimento e o reconhecimento desses povos para a constituio da nao (conforme art. 26-A da Lei n 9.394/96, alterado pela Lei n 11.645/2008). Sua incluso possibilita ampliar o leque de referncias culturais de toda a populao escolar e contribui para a mudana das suas concepes de mundo, transformando os conhecimentos comuns veiculados pelo currculo e contribuindo para a construo de identidades mais plurais e solidrias. (RESOLUO N
o 7, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2010, grifo meu)
Assim, percebo que a definio de conhecimento escolar legitimado para ser
ensinado, continua no mbito das polticas curriculares, como formas de garantir um
chamado ensino de qualidade. Nesses trechos, observo igualmente algumas
fixaes de sentido que tendem a associar como sinnimos conhecimento escolar e
contedo a ser ensinado, sendo ambas as partes integrante dos currculos, como
possvel perceber na passagem abaixo:
Art. 9 - 3 Os conhecimentos escolares so aqueles que as diferentes instncias que produzem orientaes sobre o currculo, as escolas e os professores selecionam e transformama fim de que possam ser ensinados e aprendidos, ao mesmo tempo em que servem de elementos para a formao tica, esttica e poltica do aluno. (RESOLUO N
o 7, DE 14 DE
DEZEMBRO DE 2010 grifo meu)
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28
A questo da definio do conhecimento se apresenta claramente nos PCNs,
que buscam, ao contrrio do que foi destacado em relao resoluo acima
mencionada, diferenciar conhecimento e contedo.
Documento oficial, os PCNs apresentam os contedos de ensino tendendo a
ser percebidos como objetos do ensino aprendizagem atrelados ao desenvolvimento
de capacidades/competncias, como possvel observar na passagem abaixo:
O que o aluno pode aprender em determinado momento da escolaridade depende das possibilidades delineadas pelas formas de pensamento de que dispe naquela fase de desenvolvimento, dos conhecimentos que j construiu anteriormente e do ensino que recebe. Isto , a interveno pedaggica deve-se ajustar ao que os alunos conseguem realizar em cada momento de sua aprendizagem, para se constituir verdadeira ajuda educativa. O conhecimento resultado de um complexo e intrincado processo de modificao, reorganizao e construo, utilizado pelos alunos para assimilar e interpretar os contedos escolares. (PCN de 1
a a
4a, p.37 - Grifo meu)
Neste trecho, percebe-se uma diferenciao entre conhecimento e contedo.
Essa diferenciao em uma primeira anlise pode ser considerada frtil por
possibilitar o entendimento de que o conhecimento escolar mobiliza no apenas os
contedos, mas tambm procedimentos, valores, linguagens, interpretaes,
vivncias, como desenvolverei mais adiante. No entanto, a leitura de outras
passagens desse mesmo documento como as que seguem abaixo, permitem uma
outra leitura dessa diferenciao, que mobiliza sentidos de contedo dos quais me
distancio nesta pesquisa. Com efeito, a mesma operao discursiva que diferencia
esses dois termos, associa simultaneamente o sentido de contedo s ideias de
meio e funo. Como meio, o contedo seria aquilo que se ensina para garantir
o desenvolvimento de uma determinada competncia.
(...) Assim, os objetivos, (...) definem capacidades, e os contedos, que estaro a servio do desenvolvimento dessas capacidades, formam uma unidade orientadora da proposta curricular. (...) De acordo com os princpios j apontados, os contedos so considerados como um meio para o desenvolvimento amplo do aluno e para a sua formao como cidado. (PCN de 1
a a 4
a, p.37 - Grifo meu)
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J como funo, o contedo se atrela a uma ideia de utilidade que varia em
concordncia com diferentes propostas pedaggicas.
(...) qualquer que seja a linha pedaggica, professores e alunos trabalham, necessariamente, com contedos. O que diferencia radicalmente as propostas a funo que se atribui aos contedos no contexto escolar e, em decorrncia disso, as diferentes concepes quanto maneira como devem ser selecionados e tratados. (PCN de 1
a a 4
a, p.51 - Grifo meu)
Essa vinculao discursiva entre contedo e capacidades/competncias nos
PCNs favorece ainda uma categorizao dos contedos da qual gostaria igualmente
de me afastar nesta investigao. Neste texto, os contedos so divididos em
conceituais, procedimentais e atitudinais, como confirma a passagem abaixo
selecionada.
Neste documento, os contedos so abordados em trs grandes categorias: contedos conceituais, que envolvem fatos e princpios; contedos procedimentais e contedos atitudinais, que envolvem a abordagem de valores, normas e atitudes. (...) (PCN de 1
a a 4
a, p.51 - Grifo
meu)
Entendo que essa categorizao tende a negar a diferenciao acima
apontada, refundindo como sinnimos os termos contedos e conhecimento escolar.
Interessa-me neste estudo manter a diferenciao entre esses termos sob outras
bases argumentativas.
Neste trabalho, invisto na possibilidade de fixao do sentido de contedo em
sua relao com o conhecimento escolar a partir do paradigma ps-estruturalista,
ps-fundacionista, aqui privilegiado e sobre o qual desenvolverei no segundo
captulo dessa dissertao. Nessa perspectiva, qualquer processo de identificao/
significao no se pauta em alguma base essencialista previamente assumida.
Desse modo, conhecimento escolar definido como representando estabilidades
provisrias de sentidos sobre fenmenos sociais e naturais, cuja objetivao se faz
em meio s disputas entre processos de significao perpassados por diferentes
fluxos de sentidos vindos de contextos discursivos, horizontes tericos e campos
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30
disciplinares distintos que se articulam em uma cadeia de equivalncia que fixa o
sentido de escolar. (GABRIEL, 2012). Nesta anlise, o termo contedo condensaria
um determinado fluxo de sentidos que participa dessa cadeia.
Desse modo, os contedos so aqui entendidos, como:
(...) unidade diferencial que quando incorporada na cadeia de equivalncia que fixa o sentido de escolar garante a recontextualizao didtica do conhecimento cientfico produzido e legitimado em funo dos respectivos regimes de verdade das diferentes reas disciplinares. (Gabriel, 2012).
No se trata de reforar hierarquias entre os diferentes conhecimentos, mas
sim considerar o papel desempenhado pelo conhecimento cientfico na produo do
conhecimento escolar. Assim, os contedos podem garantir dentro da cadeia de
equivalncia do conhecimento escolar fluxos de cientificidade que os legitimam
perante as demandas sociais de cada presente voltadas instituio escolar.
Como afirma Gabriel (2012), importa destacar que essa definio no nega a
presena de outras unidades diferenciais competncias, valores, atitudes, outros
saberes (senso comum, do cotidiano, da mdia) - na fixao do sentido de
conhecimento escolar. Do mesmo modo, essa definio tem o mrito de chamar a
ateno para a relao que o conhecimento escolar mantm com o conhecimento
cientfico. Contedo no seria, nessa definio, nem associado ideia de
competncia ou capacidade, nem tampouco sinnimo de conhecimento escolar.
Contedo significado como conhecimento cientfico recontextualizado em meio aos
processos de seleo e organizao disciplinar ou interdisciplinar que configuram os
currculos escolares.
Apoiada em Gabriel (2012), considero importante ainda sublinhar que os
fluxos de cientificidade no so percebidos nessa definio como fluxos de
conhecimentos universais e neutros. Cincia um termo em torno do qual se
disputam sentidos de verdade. Assumir a centralidade do papel dos fluxos de
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cientificidade na definio de conhecimento escolar no significa operar com a ideia
de a verdade em uma perspectiva a-histrica, mas sim assumir o compromisso da
escola com o valor de verdade (FORQUIN, 1993). Dito de outro modo, considerar o
conhecimento escolar como uma construo scio-histrica, no o isenta de sua
condio de estar no verdadeiro (GABRIEL, 2011). Isso significa que os fluxos de
cientificidade recontextualizados nos currculos escolares carregam as marcas das
disputas em torno do sentido de verdade fixado nas matrizes tericas nas quais o
conhecimento cientfico produzido nas diferentes reas disciplinares.
Explicitado o sentido de contedo assumido neste texto e pensando em
termos de contedos de Histria, objeto de investigao dessa pesquisa, a definio
abaixo reafirma o sentido aqui defendido.
A palavra contedo, aquilo que se contm em alguma coisa, em termos do Ensino de Histria, significa dizer aquilo contido no conhecimento histrico e, sendo o conhecimento referido ao processo histrico, s experincias das sociedades vividas no tempo, o contedo no Ensino de Histria remete ao objeto da Histria como campo do conhecimento. (SILVEIRA, 2001, p.60. Grifo da autora)
Logo, os contedos de Histria importantes pensados por mim, neste
trabalho, apresentam-se como as narrativas histricas produzidas no mbito da
pesquisa que ao serem recontextualizadas e assumirem sua verso escolar
mobilizam matrizes tericas nas quais se articulam fatos, noes de tempo e
espao; sujeitos, conceitos e intrigas que compe os ingredientes configuradores do
conhecimento histrico (GABRIEL, 2003). Para Ricoeur, a narrativa histrica o que
permite dar sentido experincia humana no tempo. Uma vez recontextualizada na
esfera escolar, a estrutura narrativa fornece interpretaes, tornando a relao
passado-presente, no espao, inteligvel para os alunos. Sua seleo feita de
acordo com as problemticas sociais de cada poca e lugar e com os valores que se
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deseja formar, nos quais se deseja investir, durante o processo de escolarizao,
envolvendo assim tenses e disputas8.
Sendo assim, a proposta de pesquisa foi se configurando movida pelo meu
interesse em compreender que contedos histricos so mobilizados como
contedos importantes na disciplina Estudos Sociais. A categoria contedo
importante foi se delineando a partir da significao do prprio termo contedo em
sua conjugao com um adjetivo que acentua, de certo modo, a ideia de escolha
pelo que seria imprescindvel ensinar.
Considerando a complexidade temporal e espacial, alm da historicidade
dessa tarefa no mbito da disciplina Estudos Sociais, este texto busca refletir sobre
o adjetivo importante atribudo aos contedos que foram escolhidos para constar
nas avaliaes institucionais. Como j explicitado anteriormente, concentrei-me nos
instrumentos de avaliaes produzidos por um determinado grupo de professores
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental do Colgio Pedro II. Mais especificamente,
interessa-me analisar os enunciados que os sujeitos elaboradores das Provas
Institucionais constroem sobre os contedos considerados importantes, de forma a
perceber a posio que os contedos histricos ocupam neste processo de
construo do conhecimento escolar, no mbito da disciplina Estudos Sociais.
Desse modo, o tropeo inicial que me levou a enxergar a primeira pedra no
meio do caminho, conduziu-me tambm a refletir sobre como um problema de
pesquisa pode ser tantas vezes construdo e reconstrudo at que seu objeto esteja
delineado. E, fez-me perceber ainda, que por mais que um longo caminho j tenha
sido trilhado e o objeto tenha sido delineado, a caminhada nunca estar completa,
8Esta questo ser desenvolvida na terceira seo do prximo captulo.
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33
pois a pesquisa sempre apontar para novos e impensados passos, alm de
mltiplas trilhas, cada qual com suas pedras.
1.3 A disciplina Estudos Sociais como contexto discursivo.
No plano do conhecer, a primeira caracterstica do objeto a de aparecer. (...) Toda viso um ponto de vista. O mundo o horizonte de todo objeto que s percebido em parte. H possibilidades infinitas de capt-lo. Muitos pontos de vista nos escapam. (RICOEUR, 2008, p.9)
Como nos adverte Ricoeur, a construo de um objeto pode se dar a partir de
distintos olhares, de diferentes pontos de vista. Destarte, mesmo temas j visitados,
como o conhecimento escolar, podem permitir possibilidades infinitas de abordagem.
Assim, uma vez j admitida impossibilidade terica de completude, afirmo e aposto
na fertilidade de pensar as fixaes trazidas neste trabalho como contingenciais e
acredito que as reflexes sobre os contedos de Histria fixados nas provas
institucionais da disciplina Estudos Sociais podem, por meio do olhar privilegiado
nesse estudo, ganhar mais uma contribuio, na medida em que traduz um ngulo
de anlise at ento pouco explorado.
Como apontou o levantamento bibliogrfico apresentado a seguir, existe um
nmero considervel de pesquisas no campo educacional que tem como foco a
questo dos Estudos Sociais.
Com efeito, a consulta ao banco de teses e dissertaes da CAPES, a partir
do ano de 1997, ano de publicao dos PCNs9, at o ano de 2010, ltimo ano
existente a ser pesquisado na base de dados, e usando a expresso exata Estudos
9O ano de publicao dos PCNs foi escolhido como ano inicial de anlise pelo fato de este documento
representar uma proposta que busca redefinir os contedos escolares brasileiros e pelo fato, de no mesmo perodo temporal, o Colgio Pedro II instituio federal - realizar um movimento de produo de um Plano Geral de Ensino que define um Programa de Ncleo Comum por srie definindo contedos de ensino. Ou seja, este ano pode ser pensado como momento emblemtico das reflexes referentes ao conhecimento escolar via contedos de ensino no Brasil, e em particular na instituio em tela.
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Sociais, permitiu-me constatar um total de 267 (duzentos e sessenta e sete)
trabalhos. No entanto, a leitura dos resumos e palavras-chaves dos mesmos indicou
que entre esses estudos, apenas 47 (quarenta e sete) fazem referncia aos
contedos escolares ou sobre o currculo como sinnimo de listagem dos mesmos.
Uma leitura mais cuidadosa apontou que nesse quantitativo de 47 (quarenta e sete)
trabalhos, encontram-se 22 (vinte e dois) trabalhos referentes s Cincias Sociais,
que no fazem qualquer meno a disciplina Estudos Sociais e 25 (vinte e cinco)
pesquisas que abordam os termos contedo ou currculo relacionados disciplina
escolar citada.
Desconsiderando esses 22 (vinte e dois) trabalhos, resta um total de 25 (vinte
e cinco) que apresentam a palavra contedo ou currculo refletindo a respeito da
disciplina Estudos Sociais. Observemos a tabela abaixo para perceber a quantidade
de pesquisas desenvolvidas sobre a disciplina Estudos Sociais ao longo dos ltimos
anos.
Ano base
Total de trabalhos encontrados a partir da expresso exata Estudos Sociais.
Trabalhos que trazem a palavra
contedo ou currculo
Trabalhos que trazem as palavras contedo ou currculo abordando a disciplina Estudos
Sociais
1997 16 3 2
1998 15 6 6
1999 12 4 3
2000 16 4 2
2001 18 3 1
2002 12 4 3
2003 19 1 1
2004 17 3 1
2005 14 0 0
2006 24 3 2
2007 14 1 0
2008 37 5 1
2009 31 5 3
2010 22 5 0
Total 267 47 25
-
35
A tabela nos ajuda a observar que nos ltimos anos poucas foram as
pesquisas que refletiram sobre os contedos e/ou currculo no mbito da disciplina
em questo.
No pretendo desenvolver a partir desse mapa quantitativo, uma anlise
qualitativa explicitando aproximaes e distanciamentos com essas pesquisas.
Como venho procurando sublinhar, neste meu estudo, a disciplina de Estudos
Sociais no o objeto de investigao privilegiado, mas sim o pano de fundo onde
pretendo analisar o processo de seleo dos contedos histricos legitimados como
importantes nas sries iniciais.10
No entanto, a relao estabelecida nesta pesquisa com a disciplina Estudos
Sociais merece ser melhor explicitada. Afinal, a discusso acerca da produo de
contedos importantes em Histria nas sries iniciais no precisaria ser feita
exclusivamente no mbito desta disciplina. Alm disso, importa sublinhar que, ao
afirmar a importncia de um determinado objeto de ensino em detrimento de outro,
ou certa nomenclatura para uma disciplina e no outra, muitas questes se
levantam. No por acaso que Cordeiro (1998) afirma que quando qualquer coisa
pronunciada...
(...)e talvez antes de procurarmos dizer o que que isso, isso que foi dito, quer dizer, ou como, como que isso foi dito, ou ainda, o que que foi feito ao dizer isso, quando se disse isso, e na medida em que foi isso, isso, e no outra coisa, que se disse, antes de procurarmos descrever o sentido, o modo e a ao do que foi dito, talvez, antes de tudo disso, seja necessrio responder a esta questo: por que que foi dito isso, isso exatamente, isso, e no outra coisa, que teria sido at possvel dizer?(CORDEIRO, 1998, p. 1)
Embora, no tenha me proposto a retraar nos limites deste trabalho uma
Histria da disciplina dos Estudos Sociais, considero importante destacar algumas
tenses que tm marcado o debate em torno desta disciplina e que atravessaram a
10
O histrico da disciplina Estudos Sociais e sua implantao nos anos iniciais de escolaridade no
Colgio Pedro II ser mais desenvolvido no terceiro captulo deste trabalho.
-
36
trajetria de sua construo. Essas tenses hibridizam discursos epistemolgicos,
pedaggicos e polticos que so articulados e mobilizados seja para defender a
pertinncia pedaggica, seja para criticar as intenes polticas conservadoras que
tal disciplina escolar veicularia. Interessa sublinhar que nessas articulaes
discursivas o termo contedo desempenha uma funo de destaque.
J nas primeiras formulaes dessa disciplina no incio do sculo XX, esto
presentes algumas percepes dicotmicas e binrias que se cristalizaram nos
discursos pedaggicos. Entre elas destacam-se tenses como as que opem
contedos ora metodologia, ora a valores/ atitudes. As passagens abaixo extradas
da pesquisa de doutoramento de Beatriz Boclin Marques dos Santos - O currculo da
disciplina escolar Histria no Colgio Pedro II - a dcada de 1970 - entre a tradio
acadmica e a tradio pedaggica: a histria e os estudos sociais- desenvolvida na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (2009) reafirma essa percepo:
A ideia de incluir os Estudos Sociais no currculo escolar surgiu no Brasil no final da dcada de 20 do sculo XX, no bojo do movimento conhecido por Escola Nova. A influncia desse movimento educacional norte-americano promoveu as primeiras discusses no meio dos educadores brasileiros, preocupados em trazer para o Brasil uma nova viso de educao, resultando em alteraes metodolgicas e programticas nas escolas. (...). (...) Os educadores da Escola Nova traziam como tema de pauta para os debates a preocupao com os objetivos da educao e propunham alteraes dos contedos curriculares para atender a esses objetivos. O ensino marcado pela influncia francesa, de carter factual, descritivo e conteudista, que caracterizou a educao brasileira ao longo do sculo XIX, distanciava-se da nova proposta de uma educao integradora e socializadora. (SANTOS, 2011, p.147-148)
Elza Nadai (1988) em sua anlise, afirma igualmente que a disciplina escolar
Estudos Sociais chega ao Brasil nos anos 20, desenvolvendo-se at os anos 50 e 60
dentro de uma atmosfera de renovao dos programas e metodologias de ensino,
representando um movimento de mudanas do sistema educacional.
Percebe-se que a defesa dos Estudos Sociais traz com fora o argumento
pedaggico da importncia de superar uma perspectiva conteudista, associada ao
-
37
academicismo e enciclopedismo, percebidos como distantes da realidade dos
alunos.
Dessa forma, as teorias apropriadas pelos educadores da Escola Nova e fundamentadas na idia do ensino como significado prtico para a vida do aluno, em oposio ao academicismo das propostas educacionais de influncia francesa, criaram as condies para se pensar em uma nova abordagem para os contedos da Histria e da Geografia, resultando na proposta dos Estudos Sociais. (SANTOS, 2011, p. 151)
Os debates em torno desta disciplina so retomados nos anos 70 deixando,
no entanto, o argumento pedaggico secundarizado. As denncias da imbricao
desta disciplina com os interesses do regime poltico repressor vigente na poca,
pouco a pouco, ocupam o centro dos debates. A disciplina escolar Estudos Sociais
se constitui como alvo de disputas pelo poder, no apenas no que diz respeito s
tenses internas referentes s reas disciplinares de referncia, mas que tambm
extrapolam o campo acadmico e possuem imbricaes com questes polticas e
sociais mais amplas.
Com efeito, em 1971, a partir da implantao da lei n. 5692, a disciplina
Estudos Sociais se tornou obrigatria para o ensino de primeiro e segundo graus.
Tal proposta de incluso da disciplina escolar, defendida por alguns educadores, foi
utilizada como possvel estratgia de esvaziamento disciplinar da Histria e da
Geografia na Educao Bsica pelo governo militar brasileiro. Importa observar que
a Histria e a Geografia, neste perodo, por fora de lei, foram metamorfoseadas na
disciplina denominada Estudos Sociais. Para Saviani (1988) a Lei 5.692/71 teria
completado o ciclo de reformas educacionais, perpetradas pelo regime militar,
destinadas a ajustar a educao brasileira continuidade da ordem socioeconmica.
Apesar das diferentes formas de resistncia desde o incio da implementao
dessa proposta, por parte tanto de alguns professores de ambas as disciplinas,
como de alguns setores do meio acadmico, foi somente a partir do final dos anos
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70 que essa resistncia pde fazer-se ouvir e passar a resgatar o lugar da disciplina
Histria e da disciplina Geografia na grade curricular das escolas. O retorno dessas
disciplinas nas grades curriculares faz emergir a possibilidade de retomar a
discusso sobre os contedos ensinados nessas disciplinas. Afinal, como afirma
Bittencourt:
No final dos anos 70 professores do ensino mdio e das universidades iniciaram uma fase de reaproximao entre os dois nveis de ensino e os debates encaminhavam-se na volta de Histria e Geografia como disciplinas autnomas no 1 grau. O retorno, no entanto, no foi pacfico. Foi acompanhado de discusses que passaram a considerar a necessidade de aprofundar as questes relativas ao conhecimento que tradicionalmente vinha sendo ensinado e s novas tendncias e avanos nos campos historiogrfico e pedaggico. (BITTENCOURT, 2004, p.13)
Durante os anos 80, no Brasil, em decorrncia do processo de
redemocratizao, abriu-se um espao de debates, de questionamentos e de
reflexes na rea educacional, criando um terreno fecundo para a emergncia de
propostas curriculares inovadoras em diferentes reas disciplinares. De uma forma
especfica, imbricado s circunstncias do momento histrico vivenciado, esses
debates foram incorporados a disciplina Estudos Sociais em funo da trajetria
interna da prpria disciplina escolar. Esse espao de discusso, no caso dos
Estudos Sociais, esteve ligado ao anseio pela reconquista da identidade das
disciplinas Histria e Geografia na grade curricular do considerado antigo primeiro e
segundo graus.
Com a abertura poltica, as mudanas curriculares se tornaram urgentes aos
olhos dos novos governos estaduais e da prpria sociedade civil. As reformulaes
curriculares do perodo buscavam romper com antigas prticas de imposio de
contedos, herdadas do perodo da ditadura militar. Uma sociedade que se afirmava
democraticamente encontrava na escola a oportunidade de veicular suas ideias. A
disciplina Estudos Sociais se transformou em objeto de reflexo acadmica e foi
condenada na luta pela afirmao democrtica, sofrendo, nesse processo, um
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apagamento das discusses de cunho didtico-pedaggico que ela j tinha outrora
mobilizado.
Essa condenao poltica foi consubstanciada nos Parmetros Curriculares
Nacionais (1997) onde os Estudos Sociais aparecem como primeiramente
associados a um enunciado de homogeneizao de um preparo voltado para o
advento do mundo urbano e industrial (PCN, 1997, p.25) ou relacionados ao
perodo ditatorial brasileiro, sem trazer referncia as discusses de carter
pedaggico que se firmavam desde os anos 20 a respeito desta disciplina
marcadamente escolar.
A consolidao dos Estudos Sociais em substituio a Histria e Geografia ocorreu a partir da Lei n. 5692/71, durante o governo militar. Os Estudos Sociais constituram-se ao lado da Educao Moral e Cvica em fundamento dos estudos histricos, mesclados por temas de Geografia centrados nos crculos concntricos. Com a substituio por Estudos Sociais os contedos de Histria e Geografia foram esvaziados ou diludos, ganhando contornos ideolgicos de um ufanismo nacionalista destinado a justificar o projeto nacional organizado pelo governo militar implantado no pas a partir de 1964. (PCN de Histria e Geografia, 1997, p.26)
O tom de denncia marcou as anlises sobre essa disciplina produzidas
durante o processo de abertura poltica e mesmo at a atualidade, como indicam o
nmero de trabalhos relativamente elevado (9 em um total de 25) que tratam dessa
disciplina com foco na questo dos contedos/currculo abordando criticamente a lei
5692/71.
Meu propsito aqui outro. Pela sua trajetria de construo, esta disciplina
escolar permite trazer para a reflexo de forma mais contundente, as marcas de
disputas, nesse nvel de ensino, entre discursos disciplinares, pedaggicos e
poltico-ideolgicos em torno do adjetivo escolar presentes no jogo poltico nesse
contexto discursivo, como to bem traduz a citao abaixo:
Basicamente, o que se pretende com as atividades de Estudos Sociais, a construo da noo de vida em sociedade. Essa construo feita a partir das vivncias e experincias concretas dos alunos, associando-se o vivido ao conceitual, e a vida cotidiana vida escolar, de modo que eles compreendam a vida social como um todo e no como um conjunto de fatos
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isolados. De uma maneira geral, os Estudos Sociais estudam a sociedade e sua organizao sciopoltico-cultural, no espao e no tempo, encontrando seus fundamentos na Histria, Geografia, Sociologia, Antropologia Cultural e Social, Economia e Poltica. (PAGANELLI et all, 1985, p.178).
Desse modo e pensando a disciplina Estudos Sociais no mbito desse meu
estudo, entendo que a mesma representa um contexto discursivo resultante de
processos de hibridizao, que envolvem fluxos de cientificidade oriundos tanto do
campo da Histria como de outras reas das cincias sociais, recontextualizados
nos limites do sentido de escolar. Considero que a opo pela abordagem da
disciplina de Estudos Sociais como o contexto discursivo privilegiado nesta
pesquisa, embora no tenha sido intencional inicialmente, tornou-se uma escolha
refletida em funo do potencial analtico que este contexto encerra.
A disciplina escolar Estudos Sociais, com suas especificidades, reelabora o
conhecimento produzido no campo das pesquisas por especialistas do campo das
Cincias Humanas, selecionando e organizando partes de resultados de trabalhos
considerados cientficos, hibridizando-os de acordo com os sentidos de mundo que
mobiliza e seus objetivos didticos.
Deste modo, a disciplina Estudos Sociais percebida, nesta pesquisa, como
terreno fecundo das articulaes discursivas entre questes que envolvem
demandas polticas e contedos de diferentes reas disciplinares, entre eles os
fluxos de cientificidade oriundos do campo da Histria, so os que me interessam
olhar mais de perto nesta pesquisa.
1.4. Sobre o acervo emprico: entre provas institucionais, documentos oficiais
e entrevistas.
Como penso j ter deixado claro, interessa-me nesta pesquisa perceber quais
sentidos de contedos importantes em Histria so fixados a partir da escolha de
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alguns contedos em detrimento de outros, para integrar os enunciados das Provas
Institucionais da disciplina Estudos Sociais11 elaboradas para o quinto ano de
escolaridade do Colgio Pedro II. Esse recorte implica ainda assumir as Unidades I
do Colgio Pedro II como espaos de tenso em que diferentes vises de mundo
convivem e se evidenciam nas disputas que envolvem os contedos escolares por
meio de processos avaliativos. Nesse sentido, considero importante retomar a
explicao sobre o porqu da escolha do quinto ano de escolaridade e das Provas
Institucionais como principal material emprico; material este que, de acordo com as
entrevistas realizadas, apresenta intrnsecas relaes com os Documentos
Curriculares e com as Portarias avaliativas.
As avaliaes so aqui entendidas como um momento chave no qual os
contedos so reabilitados e os processos de seleo e organizao destes se
evidenciam. Pensando a disciplina Estudos Sociais, percebemos que a mesma no
representa apenas a Histria ou a Geografia, ou uma mescla de ambas, mas sim
constitui uma disciplina outra que pode apresentar contedos comuns com estas
reas disciplinares, em maior ou menor grau.
Busco assim, por meio da anlise das Provas Institucionais - PIs do Colgio
Pedro II, consideradas aqui como superfcies textuais nas quais se materializam
diferentes configuraes discursivas, compreender o que os professores,
coordenadores e orientadores do 5 ano de escolaridade, os sujeitos envolvidos na
produo das avaliaes dessa instituio, fixam como contedo importante para
ser ensinado e fixado a partir dos fluxos de cientificidade oriundos do campo da
pesquisa em Histria no mbito dos Estudos Sociais.
11
A anlise das Provas Institucionais, enquanto material emprico, ser apresentada, de forma mais
detalhada, no captulo 4.
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Parto do pressuposto de que ao posicionarem-se diante das produes da
Academia, dos currculos em Histria e Geografia com suas mltiplas
possibilidades de entendimento e abordagem nos PCNs e nos livros didticos, os
professores e seus coordenadores enfrentam questes conceituais e axiolgicas. Ao
deparar-se com estas questes que possuem um carter epistemolgico, os
docentes buscam por meio da transposio didtica, ensinar contedos que
consideram importantes, enunciando-os e avaliando-os.
Portanto, no que concerne escolha pelo 5 ano de escolaridade, ela se
justifica pelo fato deste ano representar o final do 2 ciclo do Ensino Fundamental,
sendo o ltimo ano de frequncia dos alunos nas chamadas Unidades I da escola,
popularmente conhecidas como Pedrinhos. Assim, este ano de escolaridade
representa o final de um processo de trabalho que busca se organizar de modo
interdisciplinar e que se inicia no 1 ano de escolaridade apresentando disciplinas e
organizaes curriculares diferenciadas quando comparadas s Unidades II e III12 da
escola, popularmente chamadas de Pedres.
O Colgio Pedro II possui 5 (cinco) unidades que trabalham com os anos
iniciais de escolaridade: Engenho Novo I, Humait I, So Cristvo I, Tijuca I e
Realengo I. As Unidades I da escola atendem aos anos iniciais do Ensino
Fundamental, j as Unidades II e III, abarcam os anos finais do Ensino Fundamental
e o Ensino mdio, respectivamente. O recorte centrou-se nas Unidades I por estar
voltado para as provas institucionais do 5 ano de escolaridade. A Unidade
Realengo, por sua vez, por ter sido a ltima unidade criada, no fez parte do
12
Tais unidades, por exemplo, optam por trabalhar com as disciplinas Histria e Geografia separadamente. De tal modo que existe o departamento de Histria e o de Geografia; alm de outros departamentos distribudos por reas disciplinares. Enquanto os Pedrinhos, por sua vez, so regulados e representados pelo Departamento de 1 Segmento do Ensino Fundamental, no apresentando em sua estrutura organizacional departamentos disciplinares.
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levantamento emprico desta pesquisa, pois, at o ano de 2011, ainda no possua o
5 ano por se encontrar ainda em fase de implantao.13
As Provas institucionais foram escolhidas tambm por serem avaliaes que
possuem parmetros comuns para todas as turmas de cada uma das unidades
escolares, provas estas que precisam ser realizadas em um mesmo dia e tem suas
questes definidas pelo corpo docente junto sua coordenao com anuncia da
chefia de departamento ao final do ano letivo. Tais provas representam 70 pontos
em 100 do total da pontuao atribuda no ltimo trimestre, representando uma
tentativa de nivelamento entre o que seria imprescindvel que todas as turmas de
cada unidade tivessem fixado. Representando a fina-flor dos contedos
trabalhados ao longo do ano letivo, o que, de certo modo, consubstancializa a idia
de importncia. A portaria n 367 de 1 de maro de 2007 que estabelece a diretriz
de avaliao de ensino n 07/9394/96 para as Unidades Escolares I no Ensino
Fundamental regulamenta o processo de ensino-aprendizagem dos alunos de 4 e
5 anos de escolaridade, visto que a avaliao de 1, 2 e 3 ano de escolaridade
diferenciada14. Em seus artigos 11 e 13, ela determina:
Art. 11 Para a 3 Certificao, no mnimo 70% (setenta por cento) da pontuao dever ser obrigatoriamente resultado de uma prova escrita individual, nica para todas as turmas de uma mesma srie e turno de cada Unidade Escolar - Prova Institucional (PI), abrangendo os principais contedos do ano letivo, a ser elaborada pelos Coordenadores Pedaggicos das reas de conhecimento, em conjunto com os professores regentes da equipe de cada Unidade Escolar, sob a superviso direta da Chefia de Departamento, ficando at 30% (trinta por cento) a critrio do Professor. (...) Art. 13 As Provas Institucionais dos diferentes componentes curriculares para a obteno dos resultados da 3 Certificao sero aplicadas no
13
Observe a tabela de apresentao das unidades escolares e seu ano de criao. Unidade escolar Ano de criao
So Cristvo I 1984
Humait I 1985
Engenho Novo I 1986
Tijuca I 1987
Realengo I 2009
14Os anos iniciais do Ensino Fundamental so avaliados a partir de relatrios feitos pelo professor
baseados nos descritores definidos para cada um desses anos de escolaridade.
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mesmo perodo em todas as Unidades Escolares, em datas coincidentes, a serem estabelecidas necessariamente pela Secretaria de Ensino em conjunto com as Coordenaes Setoriais das Unidades Escolares I.
Considero que as provas citadas renem questes interligadas a matrizes
disciplinares da Geografia e da Histria, por estarem reunidas sob a nomenclatura
Estudos Sociais; apresentando assim vestgios de diferentes tradies disciplinares
acadmicas e, simultaneamente, representando produtos de uma disciplina escolar
por excelncia. Tal interpretao me permite problematizar os contedos das PIs,
enquanto possibilidades de escolhas, imbricadas com a Histria das disciplinas
escolares.
Assim, a reflexo sobre as avaliaes permite pensar os complexos
processos de seleo e organizao dos contedos escolares imbricados s esferas
da produo do conhecimento. Os textos enunciados das provas, imagticos ou
escritos - podem assim ser vistos como prticas discursivas negociadas nas disputas
por quais conhecimentos deveriam ser legtimos para serem ensinados na escola.
Nessa perspectiva, a Histria e a Geografia ensinadas constituem espaos de
poder e legitimao, que se complexificam atravs da disciplina Estudos Sociais e
que podem mostrar que as mais diversas propostas pedaggicas e contedos
geogrficos ou historiogrficos so plurais e frutos de debates e disputas. Por mais
consenso que exista para um grupo que elabora uma proposta curricular, proposta
essa que se consubstancializa nas Provas Institucionais no caso do Colgio Pedro
II, haver sempre conflitos e lutas de interesse na definio de um chamado
currculo. Pois este representa muito mais que um conjunto de contedos,
ratificando as anlises que consideram o currculo como "espao-tempo de fronteira
cultural" (MACEDO, 2006), como veremos no prximo captulo desta dissertao.
Existem, nas propostas, diferenas de vises sobre determinados aspectos
da educao, disputas em torno dos campos das diferentes reas do conhecimento.
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Deste modo, um texto curricular, mesmo quando elaborado por um grupo que
compartilha ideias comuns, dentro de uma instituio como o Pedro II, apresenta
sempre um consenso precrio em torno de algumas questes. Essa precariedade
percebida na medida em que, no processo de negociao para as definies
curriculares, h indivduos que cedem ou recuam, pessoas que so silenciadas,
porque no conseguem adeso a suas propostas e assim por diante.
Dessa forma, dificilmente um texto dessa natureza apresenta coerncia e
consistncia interna fortes, precisando muitas vezes ter seus sentidos reformulados
ou reforados. Nesse sentido, a anlise das PIs se mostrou bastante frtil por
demonstrar tenses entre diferentes perspectivas a respeito do que seria importante
fixar no ensino de Estudos Sociais no Colgio Pedro II. As PIs representaram
configuraes discursivas capazes de sinalizar diferentes discursos pedaggicos,
histricos e geogrficos. Assim, no caso da rea disciplinar foco desse estudo, as
narrativas histricas escolares, como objetos de disputas, puderam ser percebidas
em um processo permanente e inexorvel de construo e reconstruo; tendendo a
apresentar instabilidades constitutivas ou estabilidades provisrias.
Buscando justamente compreender a trajetria de construo destas
narrativas histricas escolares no mbito dos Estudos Sociais, analiso tambm no
terceiro captulo desta pesquisa os Documentos Curriculares e Portarias Avaliativas
produzidas no mbito das Unidades I a partir dos anos 96/9715 at o presente
momento. Para isso, apoio-me nos depoimentos levantados por meio das
entrevistas realizadas com as coordenadoras atuais da disciplina citada, trs delas
15
Estes anos foram escolhidos para iniciar meu recorte por anunciarem propostas de redefinio de
contedos escolares tanto no Colgio Pedro II, como em mbito nacional de forma mais ampla. Cabelembrar que nestes anos foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 e foram construdos os Parmetros Curriculares Nacionais. Assim, o Colgio Pedro II, enquanto Colgio Federal, no ficou alheio diante desse cenrio e no mesmo perodo produziu seu dcimo Plano Geral de Ensino.
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professoras da escola j na dcada de 90, tendo acompanhado as discusses que
envolveram o desenvolvimento da documentao citada. Este acervo emprico foi
construdo na tentativa de compreender o contexto de produo, desenvolvimento e
aplicao das Provas Institucionais da disciplina Estudos Sociais, admitindo toda a
sua complexidade para identificar e analisar os contedos em Histria considerados
importantes pelos sujeitos que produzem as Provas Institucionais no 5 ano de
escolaridade.
Assim, convido o leitor a acompanhar algumas discusses tericas que
acredito serem frteis na compreenso do entre-lugar em que esta pesquisa se
situa, para posteriormente construir um mapa dos discursos que permeiam o
conhecimento escolar, via contedos de ensino neste lcus especialmente
disputado: o terreno da disciplina Estudos Sociais no Colgio Pedro II.
Captulo 2 Oceanos navegados, entre-lugares na pesquisa...
A multiplicao e a fragmentao dos conhecimentos rebate na educao, mas os currculos encontram ainda boa sustentao no discurso cientfico da modernidade, com seus conhecimentos tomados como um saber objetivo e indiscutvel. Em contrapartida, o volume e a constante mudana em conhecimentos e reas de saber trazem para os currculos escolares uma obsolescncia que os expe crtica de vrios setores sociais. (GATTI, 2005, p.602)
As palavras acima me conduziram em direo percepo da necessidade
de pensar os conhecimentos escolares relacionando-os ao chamado discurso
cientfico. Nesse sentido, direcionei meu olhar enquanto pesquisadora para a
reflexo a cerca dos currculos como espaos discursivos nos quais circulam
sentidos de conhecimento percebidos como instabilidades provisrias.
Entretanto tais sentidos, na contemporaneidade, trazem aspectos de um
mundo hbrido. Hibridismo este no qual coexistem discursos cientificistas
objetivistas, que se inserem em uma lgica moderna como uma herana de ideais
positivistas, e enunciados relativistas subjetivos que tendem a pulverizar as
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verdades absolutas e a colocar em xeque pretenses de totalidade. Tal configurao
me conduz a circular entre as esferas do que ouvimos chamar de moderno e ps-
moderno, compreendendo este prefixo, no como negao, mas enquanto
deslocamento na tentativa de manter a discusso a respeito dos contedos na pauta
das cadeias de equivalncia do conhecimento escolar. Assim, busco pensar o
cientfico em seu potencial transformador, no realizando qualquer espcie de ode
ao mesmo, mas buscando afastar-me de sentidos de cincia articulados com os de
contedo escolar que justificam o deslocamento desse ltimo para fora das
fronteiras nas cadeias de equivalncia que definem o que seria escolar.
Acredito que, a obsolescncia de que nos fala Gatti, encontra-se relacionada
a formas de interpretao dos conhecimentos escolares que no reconhecem uma
epistemologia social escolar prpria, no admitindo epistemologias diferenciadas
entre o acadmico e o escolar. Interessa-me apostar no reconhecimento dessas
diferentes epistemologias e, sobretudo, na impossibilidade de dissociao entre
elas. Nesse sentido, Gatti (2005) ressalta a importncia de que os pesquisadores em
Educao assumam que esta ltima est tambm imersa na cultura e no apenas
atrelada s chamadas cincias modernas. Todavia, concordando com as palavras
de Gatti ao pensar que o conhecimento escolar no deve ser objetivo ou indiscutvel;
mas me posicionando em um outro lugar, acredito ser frtil pensar numa possvel
objetivao do conhecimento via contedos de ensino.
Assim, em