Mestre Eckhart -Sermão 95
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Sermão 95(Versão B)
Mestre Eckhart – Sermões Alemães 2
B
“Os suum aperuit sapientiae.”
Um mestre diz: “Uma boa mulher
abriu sua boca de sabedoria” e
“saboreou e viu como é boa a
aquisição e a conquista da alegria
eterna.” Por isso, “sua luz não se
apagou na noite”, isto é, na noite
da contrariedade (Pr 31, 26;
31,18).
Eu falei de duas sabedorias:
Uma que é Deus, a outra que não
é Deus, mas é, no entanto, de
Deus como o brilho provém do sol.
Ela é um dom de Deus e um
perfume da natureza divina. Com
essa sabedoria consegue-se, nele,
ser feliz neste corpo.
Um mestre diz que a alma é um
lugar ou um canto, onde se
encontram tempo e eternidade;
ela, no entanto, não foi feita nem
de tempo nem de eternidade, mas
é uma natureza, feita do nada,
entre ambos. Se fosse feita do
tempo, então seria perecível. Se a
alma fosse feita da eternidade,
seria imutável.
Por isso, ela não foi feita nem de
tempo nem de eternidade, pois é
mutável e imperecível.
Santo Agostinho diz que a alma
teria sido feita do nada mais nobre
e mais oculto de todos, que nos
proporciona muito mais alegria
investigarmos isso por todos os
dias de nossa vida do que poder
encontrá-la sempre.
Por isso, a alma é tão nobre que
nela encontram-se o tempo e a
eternidade. Se ela se inclinar para
coisas temporais, então torna-se
obscurecida.
E se ela se mantiver nas coisas
eternas, torna-se forte e firme.
Com a força e com a firmeza,
assim supera todas as coisas
passageiras.
Deus, Nosso Senhor, deu à alma o
auxílio de duas forças, para que
com as forças inferiores ela sirva a
Deus no tempo, e com as forças
superiores sirva a Deus na
eternidade.
Um mestre fora interrogado sobre
como se deve chegar à verdade.
Entre outros, ele descreve seis
pontos, que o homem deve
possuir.
O primeiro é um humilde coração
suave; o outro, uma aplicação
constante de empenho; o terceiro,
um coração sereno, o quarto é um
investigar silencioso.
Pois nenhuma obra é tão perfeita,
se impedir a interioridade. Pode-se
ouvir a missa com mais
interioridade do que dizê-la. Se
quiséssemos ter tão grande
interioridade na missa, faríamos
algo de danoso.
Pois toda arte que possui o homem
é testada nas obras. Se o homem
canta bem, isso ouve-se no canto.
Assim, um homem sábio se
reconhece em seu silenciar.
O quinto é uma pobreza
voluntária. Uma pobreza útil é
aquela que pode se fazer pobre de
todas as coisas que não são Deus.
O sexto é um país estrangeiro. Ser
em sua casa um hóspede
estrangeiro, isso seria uma
verdadeira pobreza.
Com essas seis coisas alcança-se a
sabedoria, para com elas ser feliz
nesse corpo.
A outra sabedoria é um influxo da
claridade divina, é uma fonte da
nobreza divina e é o próprio Deus.
Nessas coisas temporais ninguém
pode conceber essa sabedoria. O
homem que quisesse tornar Deus
temporal e tivesse a Deus como se
fosse uma pura bagatela, que
quisesse apreender a Deus com as
forças inferiores, seria
tremendamente tolo. Deus
permanece inconcebível a todas
as criaturas.
Por isso diz o homem sábio: “Uma
boa mulher abriu sua boca de
sabedoria” (Pr 31,26)
Isso significa simplesmente que
deves abrir teu desejo para o mais
elevado e habitar na força mais
elevada da alma. O parentesco de
Deus é consistente nisso que ele
não pode negar-se à força e a
força deve receber de Deus tanta
doçura e sabedoria e, portanto,
tanto consolo e verdade que ela
deve derramá-la adiante em toda
a alma.
Os santos dizem que um modo
está envolvendo a vida temporal e
um outro modo está envolvendo a
vida eterna, pois devemos sempre,
em primeiro lugar, começar as
coisas aqui e, depois, devemos
completá-las com sabedoria
eterna na vida eterna.
Um mestre disse ao outro: Sabes
tu o que Deus é? Não, disse ele, eu
não sei o que Deus seja. O tanto
que sei dele é que sei o que ele
não é, pois ninguém pode
conhecer a Deus a não ser na
natureza de Deus.
E também ninguém pode tornar-se
vivo em outra natureza, a menos
que primeiramente esteja morto
em sua própria natureza.
Mas por que então na Escritura
existem tantos e variados nomes?
Ela diz que ele é poderoso, sábio e
bom.
Isso são três coisas.
A primeira coisa é que Deus não
está encerrado em nenhuma
natureza. Agora me encontro
exatamente aqui e não sou um
leão. Por que isso é assim? Porque
eu sou um homem. A natureza que
Deus me ordenou internamente,
dentro dela estou encerrado, de
modo que não posso vir mais
adiante e estender-me para outra
natureza. Assim são todas as
criaturas que Deus criou. Deus
está acima de toda natureza e ele
mesmo não é natureza. A outra
coisa é que não podemos fazer
nenhuma equiparação para com
Deus.
Santo Agostinho dá-lhe diversos
nomes. Diz que ele é sábio. Agora
diz São Dionísio: De modo algum,
ele está acima do sábio. Ele diz
que ele seria uma luz. De modo
algum ele está acima da luz. Ele
diz que ele seria um ser. De modo
algum, ele está acima do ser. Ele
diz que ele seria uma eternidade.
De modo algum, ele está acima de
eternidade.
Tudo o que podemos falar, isso
Deus não é.
Ninguém pode conceber a nobreza
de Deus nem sua dignidade com
alguma palavra.
Quando digo “um homem”, com
isso concebo a natureza humana.
Quando digo “um conde”, com
isso concebo o senhorio do conde.
Quando digo “um anjo”, com isso
concebo a natureza angélica.
Quando digo “Deus”, com isso não
consigo conceber a nobreza nem o
senhorio de Deus. Santo Agostinho
disse em certo lugar a certo
mestre: Muitas são as coisas que
Deus é.
Um bom homem; o que significa o
bom homem? Uma boa pedra; o
que significa a boa pedra? Um
bom anjo; o que significa o bom
anjo? Fora o anjo, fora a pedra,
fora o homem, fora três vezes o
um. Onde está, pois o bom
desnudo, que Deus é?
A terceira coisa é por que a
Escritura lhes dá tantos nomes. É
porque ele não é igual a nenhuma
natureza e não podemos chegar a
seu conhecimento por nenhuma
comparação. A suprema criatura já
criada por Deus, na natureza
angélica, é tão desigual a Deus
como a maior sujeira que jamais
viste com teus olhos em relação à
natureza.
Um santo disse: Senhor, a ti,
parece bom que te louvemos.
Então disse um outro: A ti, parece
bom que de ti nos calemos.
Diversos santos precisavam rezar.
Então um disse: Deus todo-
poderoso e bom, graça!
Então o outro disse: Cala-te, tu
insultas a Deus! Deus está elevado
muito acima de nós, para que
possamos louvá-lo com qualquer
palavra. Se Deus não fosse assim
tão suave e humilde e se os santos
não o tivessem dito e se disso ele
próprio não tivesse se agradado,
eu jamais ousaria louvá-lo com
palavras.
Quanto mais se nega dele, tanto
mais se o louva. Quanto mais se
lhe atribui de desigual, tanto mais
se chega próximo de seu
conhecimento. É o que quero falar
em uma comparação. Se eu
quisesse dizer o que é um barco a
quem jamais o viu, o que ele visse,
veria não ser um barco. Se visse
uma pedra, veria que uma pedra
não é um barco. Quanto mais
coisas ele visse que não fossem
feitas como barco, tanto mais se
aproximaria do conhecimento do
barco. Pois tudo que a Sagrada
Escritura pode oferecer, nega
integralmente o que ele seja. Para
dizer que ele é todo-poderoso,
devemos usar de palavras suaves
e humildes.
Quando a alma chega ao
conhecimento de que Deus é
muito desigual a todas as
naturezas, então alcança um
maravilhamento, recolhe-se e se
cala. Com o silêncio, Deus
mergulha na alma, e ela é
banhada com a graça, como disse
Nosso Senhor nos profetas: “ A
árvore plantada à beira da água
corrente produz muitos frutos.” (Sl
1,3)
A alma deve morrer na dor, como
disse Nosso Senhor. É o que se
demonstrou no grão de trigo, que
cai na terra: não pode vir nenhum
fruto, se antes não morrer (Jo
12,24-25).
O morrer da alma deve dar-se no
conhecimento de Deus; ela deve
fugir de si mesma de modo que
todas as coisas que Deus não é
tenham perdido o sabor e tenham
se tornado fétidas para ela. Ela
deve enraizar-se na fé e crescer no
amor.
Foi isso que experimentou Santa
Elizabete: como é valiosa e nobre
uma compra na qual, pela
sabedoria eterna, doam-se todas
as coisas. Por isso, ela renunciou à
alegria de seu principado e foi
uma pessoa pobre.
Sobre ela diz a Escritura, que “sua
luz jamais se apagava à noite” (Pr
31,18), ou seja: foi achada justa
nas conturbações. Por isso, sua luz
deve brilhar na vida eterna.
Por mais perfeito que seja um
homem, se perdesse algo dos
bens passageiros, seu coração
mudar-se-ia e ficaria perturbado.
Isso é uma coisa certa: seja o que
for que o homem perdesse contra
sua vontade, se sofrer isso
pacientemente, merece maior
recompensa nisso do que se ele os
desse voluntariamente por e para
Deus. E quem fizesse isso daria
sua vontade e seu bem na
paciência a Deus Nosso Senhor.
Ao homem que for encontrado
impaciente na desgraça, a
maldade da impaciência não lhe
veio pelas penúrias, antes a
maldade revela-se nos
tormentos, e acontece ao homem
como a moeda de cobre: pois
enquanto ainda não está no fogo,
aparenta ser prata clara; mas se
chegar ao fogo, revela-se que é de
cobre. Não foi o fogo que a fez ser
de cobre.
Por isso Nosso Senhor Deus tentou
os santos, aqui, nas penúrias, para
serem encontrados retos em todas
as virtudes e resplandecerem aqui
na noite, e devem resplandecer
eternamente na vida eterna.
A outra coisa é: Para quem deve
“sentir o gosto” da sabedoria
divina, concorrem quatro coisas.
A primeira é igualdade, que nos
façamos iguais a Deus em toda
limpidez.
A outra é luz divina, que transluz a
alma como o sol através do vidro.
A terceira é unidade; essa vem da
igualdade, e a unidade reta vem
de coisas iguais como luz e luz.
A quarta é medida, (com) que
Deus mediu a alma. Mas Deus,
ele, não pode ser diminuído nem
aumentado, pois ele é imensurável
e imutável; mas a alma deve ser
elevada e ampliada, pois é
pequena e mutável.
Por isso ela deve ser elevada
acima de si mesma, e o tanto que
é ampliada, isso é pequeno diante
da imensurabilidade de Deus.
Um mestre diz: O homem é uma
coisa pequena, a não ser q eu seja
elevado acima de si mesmo.
Só quando se mede em Deus é
que a alma recebe dele prazer
perfeito. Por que é que Deus não
tem o mesmo sabor para todas as
almas? Isso é porque elas não
estão conformadas e dispostas
para isso.
Que Deus nos ajude para que
sejamos conformados a que Deus
verdadeiramente tenha sabor em
nossa alma. Amém.