Máscara - a vida não é um jogo.

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NO MUNDO DE DOMUS, A MORTE É A MOEDA QUE ALIMENTA O JOGO. E A VERDADE PODE CUSTAR A VIDA. Liam é um garoto que viveu por muito tempo isolado devido aos constantes castigos do sádico tio, um carrasco ex-militar. Porém, inesperadamente, surge uma entidade maléfica, uma figura das trevas trajando uma máscara, e passa a o perseguir, levando-o a participar de um jogo num mundo surreal, chamado Domus. Junto a um grupo, Liam parte para uma experiência alucinante, em que os pecados da humanidade serão colocados em xeque, como numa espécie de julgamento. Um combate onde o principal objetivo do adversário é mostrar o quão odiosa é a raça humana... Mas ainda há muitos mistérios que rodeiam este intrincado jogo. Por qual motivo a criatura possui tamanha obsessão por ele? E vale a pena prosseguir, já que a morte é a única certeza?

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MÁSCARAA VIDA NÃO É UM JOGO

Vol. 1

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luiz Henrique Mazzaron

MÁSCARAA VIDA NÃO É UM JOGO

Vol. 1

São Paulo. 2013

coleção novos talentos da literatura brasileira

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Copyright © 2013 by Luiz Henrique Mazzaron

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Coordenação editorial

diagramação

Capa

preparação

revisão

Nair FerrazDimitry Uziel.........

DaDos internacionais De catalogação na Publicação (ciP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índice para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura Brasileira 869.93

2013impresso no brasilprinted in brazil

direitos cedidos para esta edição à novo século editora ltda.

cea - Centro Empresarial Araguaia IIAlameda Araguaia, 2190 - 11º Andar

Bloco A - Conjunto 1111CEP 06455-000 - Alphaville - SP

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Mazzaron, Luiz Henrique Máscara : a vida não é um jogo / Luiz Henrique Mazzaron. -- 1. ed. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. -- (Coleção novos talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira 2. Ficção de suspense I. Título. II. Série

00-00000 CDD-869.93

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Dedico essa obra, com imenso carinho:

Aos meus pais, meus pilares e principais parceiros. Aos

mestres Euri e Rosa, que me deram a fagulha de esperança

de que eu precisava para seguir com este livro. E a todos

os amigos e familiares que sempre me incentivaram nessa

jornada. Não seria nada sem vocês.

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Agradeço à editora Novo Século pela

oportunidade. Aos meus pais, aos amigos, que sempre me

apoiaram, e a todos os patrocinadores que acreditaram em

meu potencial.

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PrólogoMassacreRecomeçoJogoA cidade onde os sonhos morremTormentaRevelações

Parte UmParte DoisParte Três

Parte QuatroParte Cinco

Parte Seis

SUMÁRIO

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PRÓLOGO

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A noite estava calma. As cigarras cantavam. O céu estava estrelado, e a lua, cheia.

Christina estava sentada na cadeira de balanço que ficava na pequena sala. Seu marido, Kevin, estava sentado na poltrona ao lado, vendo o jornal.

Depois de um cansativo dia de trabalho na loja de roupas, tudo o que ela queria ver era a cama. Esse fora um dos piores dias de sua vida. Ela perdera o ônibus, teve de ir a pé ao trabalho sob uma garoa irritante, quase caiu no meio-fio em frente à loja e uma mulher maluca veio à loja exigindo o dinheiro de volta porque o vestido não entrava.

– A senhora não experimentou antes de comprar?– Os provadores estavam ocupados, e eu tinha um compromisso inadiável

– retrucou a mulher de forma petulante, empinando seu nariz achatado.Por fim, houve uma longa discussão sobre número de manequins até

que o gerente chegou e decidiu dar um vale-compras para a mulher, que o aceitou, mas não perdeu sua pose superior. Nunca passara por tal situação em seus vinte e cinco anos. “Essas peruas”... Mas, agora, seus pensamentos tiravam de foco a mulher desagradável e flutuavam em direção a lençóis limpos e travesseiros fofos.

– Quer um pouco de sorvete? – perguntou Kevin, levantando-se da poltrona.

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Ela hesitou, mas acabou aceitando.Ele foi até a cozinha e voltou com uma taça de sorvete de morango.

Ela se deliciou com aquela sobremesa gelada. Depois de terminar, foi até a cozinha e lavou a taça, em seguida foi para o andar de cima. Entrou no banheiro e escovou os dentes. Olhou-se no espelho e tirou do cabelo castanho alguns grampos. Foi para o quarto e se deitou. Dez minutos depois, Kevin se juntou a ela. Ele lhe deu um beijo.

– Sei que foi um dia tenso para você. Deu outro beijo, mais caloroso. – Será que não podemos...– Estamos tentando. Quero ter um filho, mas ainda não estou pronta.Sentiu essas palavras ecoarem em seu ventre vazio e infértil. – Vamos esperar os resultados dos exames chegarem primeiro.Kevin fez uma careta e virou para o outro lado, fitando a parede.– Se você diz...Ele era um amor, mas era um pouco apressado demais. Ela também

queria um bebê, mas, nos dias de hoje, tudo é mais difícil. Além disso, já vinham tentando ter um filho fazia meses, o que a fez buscar uma opinião médica ao perceber que ela poderia ser estéril ou que o problema fosse com Kevin. Fizeram os exames e agora era questão de tempo até que os resultados esclarecessem as coisas. Ignorou a birra de seu marido e tentou dormir.

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Era 1h50 quando a campainha tocou. Ambos saltaram da cama.– Vou ver quem é.– Cuidado! – disse Christina, ainda meio grogue. O bairro onde

moravam não era dos mais seguros.Ele se levantou e saiu arrastando os pés, dando um longo bocejo.

Ouviu-o descer as escadas e, por um momento, tudo ficou silencioso. Ela pensou em descer para checar se algo tinha acontecido, mas congelou quando ouviu alguém correr escada acima, em direção ao quarto. Kevin se atirou na cama, feliz como uma criança.

– Não sabe o que está na porta!– Papai Noel?Ele revirou os olhos e pegou sua mão. Ela foi simplesmente arrancada

da cama e arrastada pelo corredor.

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– O que está acontecendo, Kevin?Ele estava eufórico demais para responder. Desceram as escadas

apressados, e ele a guiou para a sala. Antes de entrar, ele cobriu seus olhos com as mãos.

– É uma surpresa... – sussurrou ele.Ele a guiou pelo cômodo, até que pararam.– Preparada?– Eu acho que sim...As mãos saíram de cima de seus olhos. Ela soltou uma exclamação ao

ver um bebê sobre o sofá. Ele estava enrolado num cobertor azul aveludado e não tinha roupas.

– Um... bebê!Estava em choque. Kevin sorriu para ela.– Isso é um sinal. Tenho certeza disso!– Quem será que o deixou aqui? – indagou, ignorando a suposição

do marido.– Sei lá, mas não podemos deixá-lo assim.Ele a olhou com olhos de cachorro chantagista. Ela balançou

energeticamente a cabeça, negando o que Kevin obviamente quis dizer com aquela frase, mas, ao olhar o lindo bebê que dormia tranquilamente no sofá, algo dentro dela falou mais alto.

– Acho que não podemos deixá-lo assim...Kevin a puxou pela cintura e a beijou.Ocultas pela sombra de uma árvore, duas figuras observavam a cena

por uma janela. Quando o casal se aproximou do bebê para examiná-lo melhor, ambas desapareceram na noite silenciosa.

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PARTE UM|||||||| MASSACRE ||||||||

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1 .Era verão. O quarto fedia a mofo e suor – à decomposição, talvez?

Era tudo muito escuro. Estava trancado lá por um dia inteiro, só por ter queimado o arroz que seria o jantar de seu tio.

Liam só tinha sete anos e nunca tinha ido a uma escola, portanto, era difícil entender as instruções no livro de receitas. Seu tio, Sergey, era um homem muito rígido. Ele fora general, mas havia sido demitido por sadismo e humilhações, que fariam até o soldado mais corajoso ser diminuído a uma formiga. Liam não queria estar naquela casa velha e suja com o tio, mas Sergey era sua única família. Queria que aquilo fosse uma mentira, e talvez fosse. Não sabia se tinha mãe, pai ou qualquer outro parente; na verdade, quase nunca saía de casa, já que um mínimo erro infantil despertava a fúria de seu tio, que o surrava e o jogava naquele quartinho embaixo da escada.

Aquele quartinho havia se tornado seu melhor amigo. Quase não havia espaço para se esticar na hora de dormir e o teto era baixo; mas, para Liam, era melhor ficar ali do que com seu tio.

Sua barriga roncava alto como um animal. Decidiu então comer um pequeno pedaço de pão que havia pegado sem seu tio notar. Estava com tanta fome que podia sentir o sabor de cada ingrediente. Mas isso não duraria para sempre.

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Com um pedaço de ferro torto que havia encontrado embaixo de um pano no quartinho, ele ficava raspando a lateral do assoalho de madeira velha. Sabia que havia alguma passagem embaixo, pois o chão fazia um som oco quando era jogado lá. Daqui uns dois dias, conseguiria fazer um buraco grande com tamanho suficiente para passar seu corpo esquelético. Se tivesse sorte, poderia encurtar esse tempo se aplicasse mais força.

Havia se passado um bom tempo desde que seu tio o jogara lá. Liam tinha ficado com câimbra de tanto raspar o chão. Esperou e esperou mais um pouco, até que a porta se abriu, mostrando uma silhueta. Mas não era de seu tio, e sim de uma mulher. Mas não uma mulher como havia visto enquanto estava varrendo a oficina de seu tio, quando a porta se fechou e revelou um pôster de uma linda garota sorridente deitada no capô de um carro.

– Não é linda?Ao se virar, viu seu tio parado na porta dos fundos da oficina, com um

sorriso maquiavélico no rosto.– Se você tiver sorte, talvez quando for mais velho, eu te darei esse

pôster, pois vai ser a única mulher que você vai arranjar na vida. Você é tão inútil que não conseguiria comer a mulher mais feia do mundo! E olha que elas são desesperadas por companhia! Comi três na semana passada!

Não entendia o que seu tio queria dizer com “comer”, mas percebeu que era uma ofensa. Depois de se desculpar por olhar o pôster, saiu correndo e chorou até a hora do jantar. Chorou de medo e vergonha.

Mas aquela mulher na porta do quartinho não era uma mulher qualquer. Era um anjo, um anjo que iria tirá-lo dali. Tinha cabelos louros e cacheados, rosto delicado de boneca e olhos azuis como o céu.

A mulher se abaixou e segurou com suavidade sua mão, que, mesmo dormente, sentia o calor da mão dela. Quando saiu, viu seu tio sentado na poltrona da sala, assistindo ao futebol. A mulher o levou até um canto perto da porta e perguntou:

– Qual seu nome? Estava tão atônito que as palavras quase não saíam.– Meu nome é Lisa. E o seu, pequenino? – perguntou com voz macia,

colocando a mão em seu ombro.– Liam.– Muito prazer, Liam. Aquele é seu tio?Liam confirmou com a cabeça.

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– Muito bem, vamos conversar com ele e resolver seu problema.Ela iria salvá-lo. Sabia disso. Adentraram a sala. Lá estava seu tio, esparramado na poltrona velha,

com uma lata de cerveja em mãos e um pote de macarrão instantâneo aos pés da poltrona.

Lisa pigarreou. Sergey levantou seu corpo macilento da poltrona velha, que rangeu ao se ver livre de tanto peso, e disse:

– Meu Deus, você está bem, meu sobrinho? Estava preocupado com você!

– Estava tão preocupado que o deixou naquele quarto passando fome! – disparou Lisa.

– Eu tentei abrir a porta, mas ela não abria. Então achei que ele a estivesse segurando por dentro. Pura pirraça!

As palavras que saíam da boca dele eram totalmente falsas, completamente irreais. Liam rezava para que Lisa não acreditasse nele, mas logo se repreendeu por pensar tal coisa.

Lisa abriu sua maleta e tirou uma folha:– Bem, então por que recebi uma ligação de uma tal de Vivian, que por

acaso é sua vizinha, dizendo que sempre vê o senhor bater no seu sobrinho? – perguntou Lisa, nervosa e tentando imitar o cinismo na voz do outro.

– Aquela velha é uma maluca que usa óculos fundo de garrafa e não sabe o que vê. A senhorita não deveria acreditar nela! – debochou.

Liam nunca vira seu tio tão “escorregadio”.– Seu vizinho da frente, o senhor Bernard, também o viu agredir o menino.

E não venha me dizer que seus vizinhos estão com uma “histeria coletiva”!Sergey ficava cada vez mais vermelho e as veias próximas de sua testa

começavam a ficar salientes. Ele parecia um tomate com raízes azuis pulsando. O homem não estava acostumado a ser desafiado.

– Escuta, você não vai tirar esse menino de mim. Eu tenho direito de ficar com ele. Essas denúncias são absurdas! Ele não tem ninguém no mundo! Ele é meu desde que meu irmão e aquela vaquinha da esposa dele morreram!

“Eu tive um pai e uma mãe? E eles morreram?”As perguntas pipocavam na mente de Liam até que um baque quebrou

seu transe. Era a mão de Lisa batendo na mesinha ao seu lado.– Esse menino está desnutrido, com vários hematomas pelo corpo

todo e uma cicatriz considerável nas costas. Ele não é seu escravo!

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Depois de perguntar seu nome, Lisa havia examinado seus braços, barriga e costas. A cicatriz em suas costas foi feita por uma corda, comandada pelas mãos de seu tio, há uns cinco meses, quando ele havia tropeçado e quebrado um prato cheio da comida que seria servida ao seu esfomeado tio.

– Portanto, esse menino irá ficar sob os cuidados do Instituto da Criança até que uma boa família o adote! – disse Lisa subindo o tom de voz.

Aquele foi um golpe que Sergey não esperava. Ele ficou um pouco branco, mas logo recuperou o vermelho da raiva. Ele se aproximou até que seu rosto ficasse quase colado no de Lisa. “Ele vai matá-la”, pensou Liam.

– Ele é meu! – rosnou Sergey. Seus dentes estavam cerrados como o de um animal furioso.

Os braços de seu tio estavam preparados para atacá-la. Liam percebeu que Lisa iria perder a briga. Mas, com um movimento rápido, Lisa acertou sua maleta na lateral da cabeça de Sergey e agarrou Liam pelo braço, arrastando-o pelo corredor que dava para a escada que ia ao segundo andar. Passos pesados ecoavam pelo corredor, vindo em direção a eles. O tio iria alcançá-los. Lisa se abaixou e beijou a bochecha de Liam.

– Fique com isso.Lisa havia lhe entregado um crachá e uma espécie de caderninho rosa

com desenhos.– Procure ajuda e entregue esse caderno para a Jessica. Você é uma

criança especial, Liam. Nunca se esqueça disso.Isso era o adeus. Liam sabia. Sua mente estava confusa, seu corpo

congelado. O que faria?– Vá agora! – sussurrou Lisa.Liam entrou pela única porta que encontrou enquanto estava naquele

estado de transe; era a porta de “seu” quartinho. Antes de fechar a porta, viu a imagem de sua salvadora, sua melhor amiga: Lisa. Viu quando ela se lançou em direção a seu tio com algo em mãos. Aquela imagem nunca mais sairia de sua mente, um anjo enfrentando um demônio.

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Quando a porta fechou, Liam se sentiu só no mundo. Sua única esperança havia se jogado para os braços da morte, e ele estava trancado no quarto sob a escada. O que faria?

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Tudo estava escuro. Foi então que viu a luz, a luz de seus pensamentos. Lembrou-se do buraco no chão. Talvez conseguisse trabalhar rápido e fazer um furo. Começou a tatear o chão em busca do ferro torto e o encontrou próximo a uma das paredes. Raspou o mais rápido que pôde e com toda a força. Sentia aquele canto de assoalho velho ficando cada vez mais fino, até que finalmente o ferro já não tocava mais a madeira do chão. O buraco tinha tamanho suficiente para os dedos. Liam enfiou os dedos indicador e médio no buraco e, segurando com força o pulso com a mão livre, puxou o assoalho. Nada. Puxou mais uma vez. Um pequeno estalo veio do chão. Com toda a força, puxou uma última vez e arrancou o assoalho. Sua mão recuou com violência e acertou seu nariz. Colocou o dedo sob o nariz e sentiu algo escorrer. Sangue. Liam sentiu vontade de chorar, mas não havia tempo. O buraco formado era grande o suficiente para uma criança passar, e isso iria impedir Sergey de segui-lo.

Ao descer, Liam se encontrou num lugar mais escuro que o quartinho acima, só que esse lugar era úmido e escorregadio. Era um pequeno duto de pedra que ligava a casa a algum lugar. A única saída era seguir em frente.

Seguiu tateando as paredes até chegar a um lugar sem saída. Procurou por uma porta, um alçapão, qualquer escapatória. Foi então que viu dois pequenos furos no teto. Feixes de luz emanavam deles. Passou a mão pelo teto e percebeu que era uma tampa. Tentou empurrá-la para cima. “Como é pesada!”, pensou. Mas desistir não era uma opção. Tomou fôlego e empurrou com uma força que não era dele. A tampa subiu e Liam a empurrou para o lado. Quando pôs a cabeça para fora, não acreditou no que viu. Ele estava na oficina. A moça do pôster sorria para ele, zombando de sua total falta de sorte.

Liam se desesperou ao ver que havia feito tão pouco progresso. Tentou sair pela porta de trás, mas ela estava trancada por um cadeado

coberto por ferrugem. Tentou a porta da frente. Trancada.Liam puxava a maçaneta com tanta força que pensou que a mulher do

pôster estivesse rindo de seu esforço inútil. Tinha de sair dali. Será que algo ali poderia lhe ajudar a escapar?

Revirou as gavetas de uma velha escrivaninha no fundo da oficina e achou apenas papéis.

Estava ficando sem tempo. Seu tio logo viria verificar a oficina. No desespero, Liam tropeçou numa poça de óleo que vazava do Fusca, que devia ser mais velho que tudo na casa. Mas, embaixo do carro, Liam viu uma

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caixa. Agarrou a caixa rapidamente. Era sua última esperança. A caixa estava cheia de ferramentas. Pregos, serrotes, fitas métricas, um martelo e uma chave--inglesa. “Será que o martelo quebra o cadeado”? Pegou o martelo e golpeou o cadeado. O cadeado caiu no chão, estilhaçado. A porta estava aberta. Se corresse rápido, ele poderia pular a cerca do outro lado do quintal e chamar a polícia.

Ao sair, viu seu tio na varanda com a espingarda, que sempre ficava na parede da sala. Liam voltou e pegou a chave-inglesa para se proteger.

Saiu agachado, na penumbra do telhado da oficina. Sergey continuava na varanda. E agora?

Liam viu uma pedra no chão lamacento e teve uma ideia.Mirou e atirou a pedra. Ela atingiu a calha do telhado, criando um

som metálico e alto. Sergey se virou para olhar. Era sua chance. Liam correu pelo quintal, cada passo o aproximava de sua liberdade. Faltavam apenas alguns metros quando Sergey o viu e atirou. O tiro o atingira de raspão na perna, fazendo com que ele caísse.

“Essa não!” Liam se levantou e, enquanto tentava correr e chegar à cerca, olhava para trás e via seu tio o perseguindo. De repente, simplesmente caiu, batendo o queixo com força na grama cortada por ele alguns dias atrás. Sergey havia pulado sobre ele. Tentou se libertar, mas o homem em suas costas era muito maior e mais forte. Virou-o e ficaram cara a cara.

– Seu pestinha! Agora você vai ver! – disse Sergey, cuspindo gotículas de saliva em seu rosto. Num movimento bruto, agarrou seu pescoço e o apertou. Liam ficou sem ar no mesmo instante.

Seus olhos estavam de uma cor muito estranha. Estavam vermelhos. Era como se todas as veias de seus olhos estivessem estouradas. Mesmo não querendo acreditar, aquele não era seu tio. Seu tio não saía batendo e pulando em cima das pessoas. Era como se ele estivesse possuído.

Mas não havia tempo para pensar nisso agora! Tinha de tomar uma atitude, pois já sentia uma falta de ar insuportável. Sua visão foi ficando cada fez mais embaçada. Estava quase desistindo quando ouviu uma voz. Uma voz que não era real:

– “Não desista!”“Não desista”... “Você é especial, Liam”, havia dito Lisa.Uma descarga de energia e adrenalina percorreu todo seu corpo. Liam

começou a se debater violentamente, tentando se livrar das garras de seu algoz.

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– O que você vai fazer, bebezão? Vai chorar?Com segurança e coragem, Liam respondeu:– Não.– Ingrato! Fui eu que te criei! – e apertou ainda mais seu pescoço.Foi então que Liam bateu com a chave-inglesa na cabeça de Sergey. Ouviu-

-se o som de algo quebrando. O corpo de seu tio ficou mole e caiu para o lado.Liam se levantou e ficou olhando o corpo esticado no chão, com a

cabeça rachada e uma linha disforme de sangue escorrendo pela testa e caindo na grama.

Empurrou o ombro levemente para verificar se estava morto. O corpo de Sergey estremeceu; então ele abriu os olhos e começou a gargalhar. Uma gargalhada tão alta que poderia ser ouvida do outro quarteirão. Seu corpo se debatia no chão, convulsivamente. Ria, e ria, e ria. Os olhos eram duas bolas vermelhas e salientes em seu rosto pálido.

Liam virou as costas para Sergey, correu para a rua e viu as viaturas chegando. Estava salvo.

Liam não se lembrava do que ocorreu depois, talvez fosse melhor assim. Só se lembrava de um policial gentil o levando até uma das viaturas e do que ele disse para o colega:

– Ele vai ficar bem? – perguntou o colega do policial.– Como acha que ele vai ficar? – respondeu o outro com rispidez.

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