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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
MESTRADO EM GEOGRAFIA
MARILENE ALVES DA SILVA
SOBREPOSIÇÃO TERRITORIAL ENTRE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ESTADUAIS E TERRAS INDÍGENAS NO
MÉDIO SOLIMÕES
MANAUS 2009
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MARILENE ALVES DA SILVA
SOBREPOSIÇÃO TERRITORIAL ENTRE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO ESTADUAIS E TERRAS INDÍGENAS NO
MÉDIO SOLIMÕES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, como pré-requisito para obtenção do grau de mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo José Batista Nogueira
MANAUS 2009
MARILENE ALVES DA SILVA
SOBREPOSIÇÃO TERRITORIAL ENTRE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
ESTADUAIS E TERRAS INDÍGENAS NO MÉDIO SOLIMÕES
Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre, na área de concentração em Geografia, à comissão julgadora da Universidade Federal do Amazonas
Manaus, _____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo José Batista Nogueira
Orientador – UFAM
________________________________________________ Prof. Dr. Nelcioney José de Souza Araújo
Membro – UFAM
______________________________________________ Prof. Dra. Amélia Regina Batista Nogueira
Membro – UFAM
Dedico este trabalho a Deus, aos meus pais
Euclides Alves da Silva e Helena da Silva Alves, que
possibilitaram a concretização dos meus estudos.
AGRADECIMENTOS
A Deus por amostrar sempre o caminho da vida.
Aos meus pais pelas orações dedicadas na concretização desta dissertação.
Ao Prof. Dr. Ricardo José Batista Nogueira, pela competência e
paciência em orientar esta dissertação.
Aos professores do Programa de Pós – Graduação em Geografia da UFAM.
A Maria das Graças Luzeiro pela urbanidade.
A Angélica Bizari Cavicchiolli pela solicitude.
As amizades que construir ao longo do mestrado, em especial a
Rosilene Silva da Conceição que compartilhou comigo os momentos difíceis e alegres.
A todas as amizades que me ajudaram direta e indiretamente na
realização desta dissertação minha profunda gratidão.
A Universidade Federal do Amazonas
Ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na pessoa de Ana Rita Alves, Helder Queiroz e Isabel Soares de Souza.
Obrigada !
RESUMO
A presente dissertação intitulada “Sobreposição Territorial entre Unidades de Conservação Estaduais e Terras Indígenas no Médio Solimões”, vem a ser uma contribuição nas discussões sobre as sobreposições territoriais entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas na Amazônia Brasileira. Partimos das diversas abordagens geográficas sobre território, com objetivo de chegar a uma interpretação da realidade em questão. Em paralelo, tentamos percorrer os caminhos da construção da idéia de natureza que acaba emergindo a criação das Unidades de Conservação em prol da conservação da natureza. Procuramos demonstrar que a criação destes territórios é baseada apenas por características biofísicas da área sem atentar para complexidade socioambiental inserida nestes territórios, fragmentada nos discursos ambientalistas que moldam o lugar. Em vista disso, observam-se um aumento dos conflitos sociais nas Unidades de Conservação, em especial nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, importantes de ser analisados. Ilustramos essa questão apresentando a problemática da sobreposição de territórios entre as Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã e Terras Indígenas no Médio Solimões, com o intuito de refletir sobre a estrutura do pensamento fragmentado acerca da relação sociedade - natureza. Assim, procuramos demonstrar por meio da Geografia a importância de entender a complexidade territorial presente em cada lugar.
Palavras - chave: Território, Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Sobreposição de Territórios.
ABSTRACT
The present dissertation entitled “Territory Superposition between State
Conservation of Unit and Indigenous Lands on Medium Solimões”, is a contribution on discussion about territory superposition between Conservation of Units and Native lands in Brazilian Amazonia. We part from geography approaches of territory, with objective of arrive to a interpretation about the reality question. In parallel, we try to percur the constructions ways about a nature idea that emerge the creation of Conservation of Units on advantage of nature conservation. We look for show that the creation of these territories is based only on area biophysics characters, no considering the social environment include in these territories, fragmentized in environmentalist discourse that mould the place. In view of this, be observed an increase of social conflicts in Conservation of Units, especially in Mamirauá and Amanã Sustainable Development Reserves, importants to be analyzed. We illustrate this question presenting the problematic superposition of territories between Mamirauá and Amanã Sustainable Development Reserves and Indigenous Lands of Medium Solimões, with the intention to reflect about the thinks structure of fragmented about the society-nature relation. So, we look for show by Geography the importance of understand the territorial complexity present in each place. Keys words: Territory, Units of Conservation, Indigenous Lands, Superposition of Territories.
LISTAS DE FIGURAS
Figura 01 - Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá....................53
Figura 02 - Alagação Sazonal dos Rios da Reserva Mamirauá.......................57
Figura 03 - Localidade Boca do Mamirauá Durante a Cheia e a Vazante........58
Figura 04 - Organização Política Territorial da Reserva Mamirauá..................59
Figura 05 - Mapeamento Participativo Comunitário – RSDM...........................67 Figura 06 - Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã.........................73 Figura 07 - Organização Política Territorial da Reserva Amanã.......................75 Figura 08 - Área de Manejo do Ecoturismo Localizada no Setor Mamirauá.....95 Figura 09 - Formulário de inscrição de Projeto de Desenvolvimento
Comunitário do Setor Mamirauá – Proponente: Terra Indígena Jaquiri............97 Figura 10 - Localização Geográfica da TI Porto Praia Sobreposta à RDS – Mamirauá.........................................................................................................101 Figura 11 - Localização Geográfica da TI Cuiú-Cuiú no Entorno da RDS-
Amanã..............................................................................................................105 Figura 12 - Sobreposição Territorial entre as Unidades de Conservação Estaduais – Mamirauá e Amanã – e Terras Indígenas no Médio Solimões....112
LISTAS DE TABELAS
Tabela 01 - Terras Indígenas do Médio Solimões.............................................92 Tabela 02 - Terras Indígenas no Entorno e Dentro das Reservas Mamirauá e Amanã................................................................................................................93 Tabela 03 - Solicitações encaminhadas pela UNI-Tefé à Funai.....................107
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................12
CAPÍTULO 1 – O TERRITÓRIO: uma abordagem geográfica......................16
Concepções sobre Território...................................................................16 Território, Controle e Poder.....................................................................19 O Território na Pós-modernidade............................................................24 Territórios e Territorialidades..................................................................34
CAPÍTULO 2 – UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: a reinvenção da natureza............................................................................................................37
A Natureza Sob o Olhar do Tecnicismo-científico-racional.....................37
A Conservação da Natureza por meio das Unidades de Conservação..40 Conceitos e Classificações das Unidades de Conservação...................44
CAPÍTULO 3 – SOBREPOSIÇÃO DE TERRITÓRIOS: Reservas de
Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã e Terras Indígenas no
Médio Solimões................................................................................................52
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.........................52
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã..............................73 A presença de Populações Indígenas em Ambientes de Várzea e Terra-Firme no Médio Solimões........................................................................79
Sobreposição Territorial das Reservas de Desenvolvimentos Sustentável Mamirauá e Amanã e Terras Indígenas no Médio Solimões..................89
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................117 REFERÊNCIAS...............................................................................................121
12
INTRODUÇÃO
As marcas das contradições econômicas e políticas do mundo em
conflito na Amazônia combinaram-se às ações internas e fundaram inúmeras
questões: o confronto entre região e nação, a questão urbana e a agrária, mais
recentemente a questão indígena e a questão ambiental, com a sobreposição
de Unidades de Conservação a Terras Indígenas.
De acordo com Ricardo (2004), as sobreposições territoriais entre
Unidades de Conservação e Terras Indígenas estão diretamente ligadas aos
atos de criação das Unidades de Conservação, a qual estabelece limites
territoriais considerando apenas um conjunto de critérios biofísicos da área,
não dando conta da complexidade do fenômeno sócio-ambiental existente.
Em virtude disso, Araújo (2001, p. 318) relata que:
Segundo relatório divulgado pela Diretoria de
Ecossistemas do IBAMA, em novembro de 2000, na
visualização entre as 203 Unidades de Conservação e as
561 Terras Indígenas, constata-se 27 sobreposições
entre as mesmas, sendo 24 no bioma amazônico, duas
no bioma cerrado, e uma no bioma Mata Atlântica.
Já em setembro de 2004, Rolla e Ricardo (2004) demonstram um
aumento significativo das sobreposições entre Unidades de Conservação e
Terras Indígenas:
Em todo o Brasil, atualmente temos 55 casos de
sobreposição de UCs em Terras Indígenas... São 37 TIs,
nas quais incidem 33 UCs federais e nove UCs
estaduais, num total de 12.941.601ha. Desses 55 casos,
13
31 são ocorrências de UCs de Uso Sustentável, 23 são
ocorrências de UCs de Proteção Integral, e em um caso
ocorre a sobreposição de uma UC de Uso Sustentável
sobre uma UC de Proteção Integral e ambas sobre uma
TI”. (ROLLA; RICARDO, 2004, p. 592).
No Médio Solimões, Lima (2004, p. 540) evidencia as sobreposições
entre as Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã,
relatando que:
Há pelo menos quatro sobreposições de Terras Indígenas no
perímetro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
Mamirauá. Em sua área focal, no rio Solimões, a Reserva se
sobrepõe a duas áreas indígenas: a TI Jaquiri e a TI Porto
Praia. Na margem direita do rio Japurá, parte de Mamirauá
também é área de uso dos Miranha da TI Cuiú-Cuiú, que se
encontra fora dos limites de Mamirauá e dentro da RDS
Amanã, Unidade de Conservação vizinha. O mesmo ocorre em
relação à TI Marajaí dos Mayoruna, e a TI Tupã Supé, dos
Ticuna, localizadas na margem direita do Solimões. Parte do
território explorado pelos Mayoruna fica fora dos limites formais
de Mamirauá. Há ainda outras sobreposições, com a TI Uati-
Parná e com a TI Acapuri de Cima, em parte da área
demarcada mas não implantada de Mamirauá (conhecida como
“área subsidiária”) [...]
Apesar de existir apenas quatro Terras Indígenas que sobrepõem à
reserva Mamirauá, há um aumento de solicitações com providências
encaminhadas à FUNAI-Manaus para a demarcação de Terras Indígenas no
interior e entorno das reservas Mamirauá e Amanã, o que posteriormente
acarretará sobreposição territorial não só na reserva Mamirauá mas também na
reserva Amanã. Esta situação, não só preocupa os gestores das referidas
reservas, os quais não poderão executar os planos de manejo nessas áreas,
como as comunidades próximas as Terras Indígenas, que poderão ter suas
áreas englobadas na referida demarcação resultando em conflitos pelo uso dos
recursos naturais.
14
Diante deste contexto, observa-se que existe hoje no país uma evolução
crescente de sobreposições entre Unidades de Conservação e Terras
Indígenas, que em muitos casos se traduzem em conflitos acirrados pelo
acesso aos recursos naturais. Pois de acordo Araújo (2004), os índios tem
direito assegurado pela Constituição ao usufruto exclusivo sobre os recursos
naturais de seus territórios, diferente das áreas protegidas, onde há regras de
aceso e uso dos recursos naturais, criando problemas e conflitos.
Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é contribuir nas discussões sobre
as sobreposições territoriais entre Unidades de Conservação e Terras
Indígenas na Amazônia Brasileira e em especial no Médio Solimões, buscando
propor uma reflexão a respeito da relação sociedade-natureza por meio do
território.
A referida pesquisa nasceu em decorrência das viagens às Reservas
Mamirauá e Amanã, proporcionadas pelo estágio na área de
Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto no Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá- IDSM. O objetivo dessas viagens era oferecer apoio
técnico a equipe multidisciplinar do IDSM na realização do mapeamento
participativo do uso tradicional de recursos naturais nas referidas reservas, com
o objetivo de implantação do Plano de Manejo.
No decorrer das viagens às reservas observei os diversos conflitos
sociais, os quais me instigaram a pesquisar e estudar as relações sociedade –
natureza.
Desse modo, o estudo parte de uma pesquisa documental e de campo
onde foram levantados dados secundários e primários por meio da observação
direta para identificar e analisar os conflitos sociais da sobreposição de
territórios entre Unidades de Conservação Estaduais e Terras Indígenas no
Médio Solimões.
15
A análise da dissertação está estruturada para responder às seguintes
questões: Os procedimentos de criação das Unidades de Conservação serem
baseados apenas por características biofísicas da área, sem atentar para os
diversos grupos sociais que nela residem, podem gerar sobreposição de
territórios? A sobreposição de territórios entre Unidades de Conservação e
Terras Indígenas pode gerar conflitos quanto ao acesso e uso dos recursos
naturais?
Para podermos analisar e responder estas questões utilizou-se o método
dialético, com o objetivo de compreender o território a partir de uma
interpretação da dinâmica e totalizante da realidade, onde os fatos não podem
ser entendidos quando considerados isoladamente. Para se entender os fatos
sociais deve-se levar em consideração todas as influências possíveis, tais
como a economia, política, cultura e natureza.
Por meio destas considerações iniciais, iniciaremos nosso processo
investigativo a partir das abordagens geográficas sobre território, tendo como
obras de Raffestin (1993), Souza (2006), Santos (2002), Haesbaert (2004), e
Saquet (2007), com objetivo de chegar a uma interpretação da realidade em
questão.
No segundo capítulo propomos investigar as Unidades de Conservação,
tentando demonstrar a criação destes territórios baseados apenas por
características biofísicas sem atentar para as diversas populações,
principalmente indígenas, residentes nestes territórios.
A sobreposição de territórios entre as Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá e Amanã e Terras Indígenas no Médio Solimões é
enfatizada no terceiro capítulo. Nele refletimos sobre a problemática da
sobreposição desses territórios, propondo, assim, uma nova estrutura de
pensamento, voltada para uma práxis de transformação em busca de uma
sustentabilidade baseada em novos paradigmas, onde reconhece a interligação
complexa entre sociedade – natureza, fragmentada nos discursos
ambientalistas que moldam o lugar.
16
CAPÍTULO 1
O TERRITÓRIO: uma abordagem geográfica
[...] falar em território em vez de espaço é evidenciar que os lugares nos quais estão inscritas as existências humanas foram construídos pelos homens, ao mesmo tempo pela sua ação técnica e pelo discurso que mantinham sobre ela [...]
(CLAVAL, 1999, p. 11)
Concepções sobre Território
Os debates epistemológicos da ciência geográfica e outras ciências
desenvolveram ao longo do tempo uma diversidade de concepções acerca do
território, a qual contribuiu para entender melhor as transformações ocorridas
no mundo. Apesar dessa diversidade de concepções há uma dificuldade de
compreensão da natureza do conceito, o que resulta na multiplicidade de
perspectivas despendidas ao tratamento do conceito de território.
Dependendo da linha de pesquisa e de suas concepções teórico-
metodológicas, cada autor, dá ênfase a alguns aspectos sobre território, seja o
aspecto econômico, político e cultural ou o entrelaçamento destes fatores, para
explicar o conceito e a dinâmica de um espaço que está sempre em
construção.
17
Um dos autores pioneiros da abordagem sobre território na geografia foi
Friedrich Ratzel, o qual vivenciou o período de unificação da Alemanha em
1871. Ratzel entendia que a garantia do grupo social que vive num
determinado território depende do Estado, exprimindo desta forma, o
autoritarismo que permeava a sociedade alemã. O Estado na obra de Ratzel é,
portanto, o agente social privilegiado (MORAES, 1981).
De acordo com Souza (1995, p. 86):
[...] a palavra que Ratzel comumente utiliza não é Território
(Territorium), e sim solo (Boden), como se território fosse
sempre sinônimo de território de um Estado, e como se esse
território fosse algo vazio sem referência aos atributos materiais
inclusive ou sobretudo naturais (dados pelo sítio e pela
posição), que de fato são designados de modo mais direto pela
expressão Boden.
Desse modo,
[...] Nas obras abordadas de Ratzel, o território, ora aparece
como sinônimo de ambiente e solo, ora como Estado – Nação
e dominação; é compreendido como Estado – Nação, a partir
do momento em que há uma organização social para sua
defesa, sendo que esse Estado e o território têm limites e
fronteiras maleáveis. Há expedições de conquista de Estados,
ultrapassando as fronteiras pré – estabelecidas. O território,
portanto, é entendido como substrato / palco para a efetivação
da vida humana, sinônimo de solo / terra e outras condições
naturais, fundamentais a todos os povos, selvagens e
civilizados (sob domínio do Estado) (SAQUET, 2007, p. 31)
Nesse sentido, o discurso ratzeliano sobre o território seria sinônimo de
solo, ou seja, dimensão eminentemente política cuja hegemonia e soberania se
revelariam na figura do Estado - Nação em sua forma plena.
18
Contrapondo as idéias de Ratzel sobre o território, Claude Raffestin
(1993) em sua obra “Por uma Geografia do Poder”, traz uma importante
contribuição ao debate, o qual vai compreender o território muito além do
Estado.
Segundo Raffestin (1993, p. 143),
É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao
território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado
de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que
realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um
espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela
representação), o ator “territorializa” o espaço.
Diante da concepção apresentada pelo autor, o território é tratado, não
somente como um espaço de relações de poder, mas também como palco das
ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu espaço.
Em vista disso,
O território não poderia ser nada mais que o produto dos atores
sociais. São eles que produzem o território, partindo da
realidade inicial dada, que é o espaço. Há, portanto um
“processo” do território, quando se manifestam todas as
espécies de relações de poder [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 7-8).
Raffestin (1993) enfatiza, ainda, que espaço e território se diferenciam
pelas relações de poder:
[...] O espaço é de certa forma “dado” como se fosse uma
matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. “Local” de
possibilidades é a realidade material preexistente a qualquer
conhecimento e a qualquer prática, dos quais será o objeto a
partir do momento em que um ator manifeste a intenção de
dele se apoderar. Evidentemente, o território se apóia no
19
espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do
espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que
envolvem, se inscreve num campo de poder. Produzir uma
representação do espaço já é uma apropriação, uma empresa,
um controle, portanto, mesmo se isso permanece nos limites de
um conhecimento. Qualquer projeto no espaço que é expresso
por uma representação revela a imagem desejada de um
território, de um local de relações (RAFFESTIN, 1993, p. 144).
Por esta via, Raffestin (1993) ressalta que as relações de poder são um
componente indispensável na construção e efetivação do território, tornando-se
necessário enfatizar uma categoria essencial para a compreensão do território,
que é o poder exercido por pessoas ou grupos sem o qual não se define o
território. Poder e território, apesar da autonomia de cada um, vão ser
enfocados conjuntamente para a consolidação do conceito de território. Assim,
o poder é relacional, pois está intrínseco em todas as relações sociais.
Dessa forma, o conceito de poder possui uma importância primordial na
compreensão da natureza do conceito em questão.
Território, Controle e Poder
O território é moldado sempre dentro de relações de poder, em sentido
lato, ele envolve sempre, também, o controle de uma área. Este controle,
contudo, dependendo do tipo (mais funcional ou mais simbólico, por exemplo) e
dos sujeitos que o promovem (a grande empresa, o Estado, os grupos locais,
etc.), adquirem níveis de intensidade os mais diversos (HAESBAERT, 2004).
O poder, conforme observa Haesbaert (2004), tem a ver não apenas ao
tradicional “poder político”, mais tanto ao poder no sentido concreto, de
dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação.
20
Nesse sentido,
Reconhecer que o Estado não é a única fonte de onde emana
o poder já constitui um avanço, e isto significa que a Geografia
pode buscar compreender a relação espaço e poder noutras
escalas ou instâncias da vida social, como no recente trabalho
Raffestin [...] (NOGUEIRA, 2007a, p. 12).
Por esta via, Raffestin (1993, p. 159) ressalta que ”[...] o poder é
inevitável e, de modo algum, inocente. Enfim, é impossível manter uma relação
que não seja marcada por ele”. Por este motivo, o território reflete,
inevitavelmente, as relações de poder, sendo estigmatizado de acordo com os
elementos que nos permitem identificar e conhecer essas relações.
Assumimos, destarte, que por poder entende-se um fenômeno
“instaurador de normas”, um verdadeiro “depósito semântico”
[...]. Essas normas, por assim dizer, “normatizam” os territórios,
advenham elas do âmago do poder legal ou dos poderes
paralelos, ou ainda, da dialógica que pode imbricar os dois,
forjando complexas territorialidades [...] (LIMA, 2007, p. 110).
Raffestin (1993) ressalta, também, que o conceito de poder é marcado
pela ambigüidade representada pela existência do poder (com “p” minúsculo) e
do Poder (com “P” maiúsculo). De acordo com o autor,
O poder, nome comum, se esconde atrás do Poder, nome
próprio. Esconde-se tanto melhor quanto maior for sua
presença em todos os lugares. Presente em cada relação, na
curva de cada ação: insidioso, ele se aproveita de todas as
fissuras sociais para infiltrar-se até o coração do homem
(RAFFESTIN, 1993, p. 52).
Podemos exemplificar este fato, por meio de duas matrizes territoriais
enfatizadas por Gomes (2002): o nomoespaço (exercício do Poder com “P”
maiúsculo) e genoespaço (exercício do poder com “p” minúsculo).
21
No nomoespaço
[..] O espaço é hierarquizado, assim como os poderes que
sobre ele são exercidos. Sua estrutura é complexa, assim
como o são as disposições formais (da lei) que o regem e
controlam sua dinâmica. A esse tipo de relação social com o
território demos o nome de nomoespaço, ou seja, uma
extensão física, limitada, instituída e regida pela lei [...]
(GOMES, 2002, p. 37)
Já no, genoespaço
As fronteiras desse tipo de espaço são sempre muito fluidas e
instáveis. Há, por assim dizer, núcleos territoriais marcados por
simbolismo e pela idéia de agregação vivida em diferentes
escalas que podem variar desde a de um bairro até a de um
vale ou de um tipo de paisagem ou região. Em torno desses
núcleos, as fronteiras são menos claras que as do
nomoespaço, e a extensão é sempre relativa aos critérios
chamados a depor no reconhecimento da identidade do grupo,
extensão da língua, da religião, do gênero de vida etc.
[...](GOMES, 2002, p. 63).
Diante desse contexto, podemos observar que o primeiro seria o poder
formalizado, exercido pelo Estado através de instituições e aparelhos que
garantem a sujeição dos cidadãos. Já o segundo faz referência ao poder
inerente a todas as relações, seria menos identificável que o primeiro “[...] é o
alicerce móvel das relações de força, que por sua desigualdade, induzem sem
cessar a estados de poder, porém sempre locais e instáveis” (RAFFESTIN,
1993, p.51-52).
Com o objetivo de compreender a noção de poder, Raffestin (1993)
discorre sobre uma série de proposições abordadas por Foucault, ressaltando
que:
22
[...] Elas não o definem, mas são mais importantes que uma
definição uma vez que visam a natureza do poder.
1. O poder não se adquire; é exercido a partir de inumeráveis
pontos;
2. As relações de poder não estão em posição de exterioridade
no que diz respeito a outros tipos de relações (econômicas,
sociais etc.), mas são imanentes a elas;
3. O poder vem de baixo; não há uma oposição binária e global
entre dominador e dominados;
4. As relações de poder são, concomitantemente, intencionais
e não subjetivas;
5. Onde há poder há resistência e no entanto, ou por isso
mesmo, esta jamais está em posição de exterioridade em
relação ao poder (RAFFESTIN, 1993, p. 53).
Como percebemos nas proposições sistematizadas por Raffestin apud
Foucault a respeito da questão da essência do poder, este pode se originar e
adquirir propriedades incontáveis, pois sua natureza provém de uma “ordem”
também inesgotável em termos de potencialidade.
A idéia de poder é enfatizada, também, por Saquet (2007) em sua
discussão sobre território, segundo o autor:
As relações de poder têm sido efetivadas historicamente, em
consonância com as características de cada sociedade.
Envolvem relações (i)materiais, tanto geopolíticas como
econômica e culturalmente (SAQUET, 2007, p. 27) .
Nesse sentido,
[...] O desvendamento das relações de poder e da ideologia se
faz fundamental porque, nesta, age-se na orientação e
constituição do eu, do indivíduo, integrando-o à dinâmica
23
socioespacial através das mais distintas atividades da vida em
sociedade. A ideologia molda comportamentos e atitudes,
condiciona normas e regras e vice-versa (SAQUET, 2007, p.
32-33).
Entretanto, o poder não se restringe a capacidade de controlar o mundo,
ou seja, de agir sobre ele, mas também abrange a um determinado controle, de
influenciar a ação de outras pessoas, sendo assim, o poder, no sentido das
relações sociais, seria marcado tanto pela capacidade de agir quanto de
produzir comportamentos específicos (CLAVAL, 1979).
Portanto, o poder sempre estará presente nas relações sociais que se
realizam na vida cotidiana, visando o controle e a dominação sobre os homens
e posteriormente sobre o território (NOGUEIRA, 2007a).
Desse modo, podemos considerar que território, controle e poder, é uma
tríade indissolúvel, pois está presente em todas as fissuras do corpo social, em
todo sistema de relações e de representações (objetivas e subjetivas) da
realidade, tornando-se um elemento concomitantemente, um a priori e um a
posteriori de todo sistema territorial. E devido a esta multidimensionalidade
complexa, o território assume diversos significados.
[...] E esta é uma questão fundamental, que marcou a
redescoberta do conceito de território sob novas leituras e
interpretações: mudam os significados do território conforme se
altera a compreensão das relações de poder (SAQUET, 2007,
p. 33).
24
O Território na Pós-modernidade
Na busca de romper e superar as diversas abordagens positivista,
pragmática, quantitativa e meramente descritiva, surge uma necessidade na
redefinição de noções e conceitos, métodos e modelos acerca de diversas
questões suscitadas pela sociedade moderna, dentre elas:
“[...] a relação homem – natureza, a conexão de fenômenos
naturais na superfície do globo, a influencia da natureza sobre
a cultura. Em resumo, a geografia procura desde então uma
lógica na ordem natural e suas possíveis relações com a
dinâmica da organização social [...] (GOMES, 2000, p. 70).
Estas rupturas e reconstruções epistemológicas se inserem no contexto
de profundas mudanças ocorridas no final do século passado e início deste,
decorrentes da ação conjugada de vários elementos, dente os quais podemos
destacar: a necessidade da ampliação do conceito de território, rompendo-se a
exclusividade do poder do Estado sobre este; e seu corolário baseado na
necessidade de vivenciá-lo como um dos elementos constituintes da
identidade, ou seja, território seria antes a conjunção de fatores políticos,
históricos, sociais e identitários de uma população, uma vez que tal conceito
seria concebido antes, por aqueles que nele ou a partir dele vivem.
Nesse sentido, começam a surgir novas abordagens teóricas
fundamentadas em novos paradigmas, voltadas para uma práxis de
transformação em busca de novos conceitos sobre o território.
Chama-nos atenção a crítica que Souza (2006) se refere ao conceito de
território enfatizado por Raffestin (1993), o autor considera que:
[...] Raffestin não chega a romper com a velha identificação do
território com o seu substrato material, [...]. A diferença é que
Raffestin não se restringe ao “solo pátrio”, ao Boden ratzeliano.
25
Essa materialização do território é tanto mais lamentável
quando se tem em mente que Raffestin pretendeu desenvolver
uma abordagem relacional adequada à sua Geografia do
poder, entendida de modo frutiferamente mais abrangente do
que como uma Geografia do Estado. Ao que parece, Raffestin
não explorou suficientemente o veio oferecido por uma
abordagem relacional, pois não discerniu que o território não é
o substrato, o espaço social em si, mas sim um campo de
forças, as relações de poder espacialmente delimitadas e
operando, destarte, sobre um substrato referencial. (Sem
sombra de dúvida pode o exercício do poder depender muito
diretamente da organização espacial, das formas espaciais;
mas aí falamos dos trunfos espaciais da defesa do território, e
não do conceito de território em si) (SOUZA, 2006, p. 97)
Para Souza (2006, p.111), “[...] Todo espaço definido e delimitado por e
a partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma
gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”.
Portanto, na concepção de Souza (2006), o território não apenas
associa-se ao poder do Estado, mas também à cultura por meio dos membros
da coletividade que também não deixam de exercer o poder. Para este autor, o
território é uma complexa rede de relações socioespaciais. Exemplo disso são
as territorialidades que se constituem nas grandes metrópoles por grupos
sociais diversos, como os territórios da prostituição, do tráfico de drogas, dos
homossexuais, das gangues e outros que podem ser temporários ou
permanentes. Assim, o conceito de território deve abarcar mais que o território
do Estado - Nação.
Com o objetivo de retrabalhar o conceito de território, Souza (2006)
propõe o conceito de território autônomo como uma alternativa de
desenvolvimento. No entender do autor, a autonomia constitui a base do
desenvolvimento, este encarado como processo de auto-instituição da
sociedade rumo a uma maior liberdade e menor desigualdade.
26
Nesse sentido, Souza (2006) emprega uma perspectiva alternativa sobre
o território, propondo sua autonomia, entendendo por sociedade autônoma:
[...] aquela que logra defender e gerir livremente seu território
[...]. Uma sociedade autônoma não é uma sociedade sem
poder o que, aliás, seria impossível. No entanto,
indubitavelmente, a plena autonomia é incompatível com a
existência de um “Estado” enquanto instância de poder
centralizadora e separada do restante da sociedade [...]. O
projeto de autonomia pressupõe também a liberdade para
poder colocar-se a questão do desenvolvimento, ou seja, da
transformação e da autocrítica na direção de uma justiça social
cada vez maior, de modo próprio, singular [...] (SOUZA, 2006,
p. 106).
Souza (2006) descreve, ainda, que “[...] Em qualquer circunstância, o
território encerra a materialidade que constitui o fundamento mais imediato de
sustento econômico e de identificação cultural de um grupo [...]” (p. 108). Mas
não um território idealizado com um poder centralizador como Estado – Nação,
e sim um território autônomo, onde as pessoas têm a liberdade de manifestar
suas escolhas e potencialidades, gerando um espaço socialmente eqüitativo.
Nesse sentido, Souza (2006) deixa claro que o território deve ser
apreendido em múltiplas vertentes com diversas funções. Mesmo privilegiando
as transformações provenientes do poder no território, o autor aponta a
existência de múltiplos territórios.
Por meio desta abordagem, Souza (2006) compreende que o
desenvolvimento atrelado à plena autonomia, apresenta simples e complexos
desafios em diferentes escalas, sendo que:
[...] Em todos os casos os atores se verão confrontados com as
necessidades que passam pela defesa de um território,
enquanto expressão da manutenção de um modo de vida, de
recursos vitais para a sobrevivência do grupo, de uma
27
identidade ou de liberdade de ação (SOUZA, 2006, p. 109-
110).
Santos (2002, 2008), também faz importantes contribuições para a
construção do conceito de território em várias de suas obras, de grande
importância para a Geografia. Segundo o autor, é de suma importância
compreender a categoria território, uma vez que é na base territorial que tudo
acontece, mesmo as configurações e reconfigurações mundiais influenciando o
espaço territorial.
O território para Santos (2002) é evidenciado como configuração
territorial ou configuração geográfica, chamando-nos atenção na distinção entre
espaço e território.
[...] A configuração territorial é dada pelo conjunto formado
pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa
dada área e pelos acréscimos que os homens superimpuseram
a esses sistemas naturais. A configuração territorial não é o
espaço, já que sua realidade vem de sua materialidade,
enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima.
A configuração territorial, ou configuração geográfica, tem, pois,
uma existência real, somente lhe é dada pelo fato das relações
sociais. Esta é uma outra forma de apreender o objeto da
geografia. (SANTOS, 2002, p. 62).
Na concepção de Santos e Silveira (2008), o território em si não deve
ser o objeto de análise, e sim o seu “uso”, entendido como sistema de objetos e
ações.
O sistema de objetos percebido por Santos (2002) seria aquilo que o
homem cria por meio de técnicas presentes em um momento histórico, e utiliza
em sua vida cotidiana, ultrapassando o quadro doméstico e, aparecendo como
utensílio, constituindo também como um símbolo, um signo, cuja significação
modificam, formando o território ou a configuração territorial.
28
[...] No princípio, tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a
ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza,
quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de
intenções sociais, passam, também, a ser objetos. Assim a
natureza se transforma em um verdadeiro sistema de objetos e
não mais de coisas e, ironicamente, é o próprio movimento
ecológico que completa o processo de desnaturalização da
natureza, dando a esta última um valor. (SANTOS, p. 65)
De acordo com Santos (2002), o papel do sistema de objetos pode ser
apenas simbólico, embora, geralmente, é também funcional.
A partir do reconhecimento dos objetos na paisagem, e no
espaço, somos alertados para as relações que existem entre os
lugares. Essas relações são respostas ao processo produtivo
no sentido largo, incluindo desde a produção de mercadorias à
produção simbólica [...] (SANTOS, 2002, p. 72)
Quanto ao sistema de ação, Santos (2002) relata que a ação é um
mecanismo próprio do homem, pois só ele tem objetivo e finalidade. Para o
autor, as ações humanas não se restringem somente aos indivíduos, mas
também a empresas e instituições, cabendo aos indivíduos a realização dos
propósitos relativos às ações.
Nesse sentido,
As ações resultam de necessidades, naturais ou criadas. Essas
necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais,
culturais, morais, afetivas, é que conduzem os homens a agir e
levam a funções. Essas funções, de forma ou de outra, vão
desembocar nos objetos. Realizadas através de formas sociais,
elas próprias conduzem à criação e ao uso de objetos, formas
geográficas [...] (SANTOS, 2002, p. 82-83)
Diante desse contexto, Santos (2002) argumenta que os objetos em si
não agem, mas podem nascer predestinados a certo tipo de ações que podem
29
defini-los, dando-lhe um sentido. Entretanto, hoje, os objetos valorizam
diferentemente as ações em virtude de seu conteúdo técnico. Deste modo,
considerar as ações separadamente ou os objetos separadamente não dá
conta da sua realidade histórica, é preciso encará-los de um modo uno, ou
seja, não separados.
Por esta via, Santos (2002), nos convida a perceber que o território é
[...] esse conjunto indissociável de sistemas de objetos e
sistemas de ações, assim como estamos propondo, permite, a
um só tempo, trabalhar o resultado conjunto dessa interação,
como processo e como resultado, mas a partir de categorias
susceptíveis de um tratamento analítico que, através de suas
características próprias, dê conta da multiplicidade e da
diversidade de situações e processos. (p. 64)
Esses objetos e essas ações são reunidos numa lógica que é,
ao mesmo tempo, a lógica da história passada (sua datação,
sua realidade material, sua causação original) e a lógica da
atualidade (seu funcionamento e sua significação presentes).
Trata de reconhecer o valor social dos objetos, mediante um
enfoque geográfico. A significação geográfica e o valor
geográfico dos objetos vem do papel, pelo fato de estarem em
contigüidade, formando uma extensão continua, e
sistematicamente interligados, eles desempenham no processo
social. (p. 77-78)
É no contexto deste entendimento que podemos afirmar que Santos
(2002, 2008) tenta realizar uma leitura múltipla do território, uma vez que o
mesmo necessita desta leitura.
Entre outros autores que enfatizam a questão do território destacamos
Haesbaert (2004 e 2007), que procura organizar as visões sobre o conceito de
território tomando por parâmetro a diferenciação numa perspectiva materialista,
idealista, integradora e relacional.
30
Na perspectiva materialista está a abordagem do território sob o prisma
naturalista, econômico e jurídico-político.
Entre as posições materialistas, temos, num extremo, as
posições “naturalistas”, que reduzem a territorialidade ao seu
caráter biológico, a ponto de a própria territorialidade humana
ser moldada por um comportamento instintivo ou
geneticamente determinado. Num outro extremo, encontramos,
totalmente imersos numa perspectiva social, aqueles que,
como muitos marxistas, consideram a base material, em
especial as “relações de produção”, como o fundamento para
compreender a organização do território. Num ponto
intermediário, teríamos, por exemplo, a leitura do território
como fonte de recursos [..] (HAESBAERT, 2004, p. 44).
Quanto à perspectiva idealista, é marcada pela defesa do território como
definido, principalmente, pelo “valor territorial”, no sentido simbólico. Nesta
posição:
[...] O território reforça sua dimensão enquanto representação,
valor simbólico. A abordagem utilitarista de território não dá
conta dos principais conflitos do mundo contemporâneo. Por
isso, “o território é primeiro um valor”, pois “a existência, e
mesmo a imperiosa necessidade para toda sociedade humana
de estabelecer uma relação forte, ou mesmo uma relação
espiritual com seu espaço de vida, parece claramente
estabelecida”. (HAESBAERT, 2004, p. 71)
A perspectiva integradora é caracterizada pela superação da dicotomia
material/ideal, considerando que o território envolve, ao mesmo tempo, a
dimensão espacial material das relações sociais e o conjunto das
representações sobre o espaço.
[...] Isso significa que o território carregaria sempre, de forma
indissociável, uma dimensão simbólica, ou cultural em sentido
31
estrito, e uma dimensão material, de natureza predominante
econômico – política [...] (HAESBAERT, 2004, p. 74).
Nesse sentido, “[...] Território só poderia ser concebido através de uma
perspectiva integradora entre as diferentes dimensões sociais (e da sociedade
com a própria natureza) [...]” (HAESBAERT, 2004, p. 74).
Na concepção relacional, Haesbaert (2007) aponta que o território
conforma-se enquanto tal não apenas pela definição de um conjunto de
relações histórico-sociais, mas também por abarcar uma complexa relação
entre processos sociais e espaço material.
Podemos afirmar que o território é relacional não apenas no
sentido de incorporar um conjunto de relações sociais, mais
também no sentido [...] de desenvolver uma relação complexa
entre processos sociais e espaço material, seja ele visto a
primeira ou a segunda natureza [...] Além disso, outra
conseqüência muito importante ao enfatizarmos o sentido
relacional do território é a percepção de que ele não significa
simplesmente enraizamento, estabilidade, limite e/ou fronteira.
Justamente por ser relacional, o território inclui também o
movimento, a fluidez, as conexões [...] (HAESBAERT, 2007, p.
56)
Com bases nessas concepções, o território para Haesbaert (2004, 2007)
é enfocado numa perspectiva geográfica, intrinsecamente integradora, sempre
em processo, em sentido amplo, multidimensional e multiescalar, jamais
restringindo-o a um espaço uniescalar como o do Estado – Nação. Deste
modo, o território pode ser concebido por meio de múltiplas relações sociais, do
mais material ao mais simbólico.
Na ênfase de compreende o território, Saquet (2007), propõem uma
discussão (i)material teórico – metodológica sobre o conceito do território,
destacando a produção do território, sobre um olhar econômico, político,
cultural e a importância da natureza. O autor elabora o conceito de território por
32
meio das análises das contribuições teóricas do próprio autor e de vários outros
autores, entre eles Claude Raffestin, Marcelo Lopes de Souza, Milton Santos,
Rogério Haesbaert, para citar alguns.
A partir dessas discussões o autor tenta
[...] pensar alguns elementos para uma argumentação teórico-
metodológica que articule, concomitantemente, o tempo, o
espaço e o território, e aspectos da economia, da política, e da
cultura ([i] materialidade), na abordagem geográfica do território
e do desenvolvimento econômica [...] (SAQUET, 2007, p. 127).
Nesse sentido, tempo, espaço e território são interpretados por Saquet
(2007) como ligados e indissociáveis. “[...] O território é resultado e
determinante desta unidade, inscrevendo-se num campo de forças, de relações
socioespaciais [...]” (p. 127).
“Desta forma, os territórios podem ser temporários ou mais permanentes
e se efetivarem em diferentes escalas, envolvendo, sempre, a síntese dialética
do natural e do social que reside no homem (SAQUET, 2007, p. 128).
Por este motivo, o território é compreendido pelo autor como um espaço
de organização e luta, de vivência da cidadania e do caráter participativo da
gestão do diferente e do desigual.
Para uma melhor compreensão do território, Saquet (2007) destaca uma
abordagem relacional, processual e (i)material do território sobre uma ênfase
histórica e multiescalar.
A abordagem relacional, processual e (i)material que estou
tentando construir, reconhece a unidade dos tempos históricos
e coexistente, as descontinuidades e aspectos da relação
sociedade – natureza. Recuperando alguns elementos, destaco
a intencionalidade e vontade de apreensão de aspectos da
33
(i)materialidade das formas de nossa vida diária [...] (SAQUET,
2007, p. 131).
Nesta abordagem dialética, o autor evidencia a importância de
apreender o território não somente por aspectos simbólico-culturais, mais os
processo históricos e multiescalares, simultaneamente, na relação economia-
política-cultura-natureza (E-P-C-N). Por esta via,
O território significa natureza e sociedade; economia, política e
cultura; idéia e matéria; identidades e representações;
apropriação, dominação e controle; des-continuidades;
conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e
proteção ambiental; terra, formas espaciais e relações de
poder; diversidade e unidade [...] (SAQUET, 2007, p. 24).
Desta forma, entender o território apenas como produto eminentemente
político, na qual sua hegemonia e soberania se revelariam na figura do Estado
– Nação é uma forma reducionista. Portanto, é preciso superar estas visões
fragmentadas que compreende o território sem sujeitos sociais, e tentar
perceber que o território possui uma complexidade, compreendida de forma
objetiva e subjetiva.
É nesse contexto que faço uma reflexão sobre as diferentes
abordagens do conceito de território, considerando a
territorialidade e evidenciando as dimensões sociais
fundamentais de sua compreensão e constituição no real, ou
seja, a economia (E), a política (P), a cultura (C) e as relações
do homem vivendo em sociedade com sua natureza exterior
(N); sobre os aspectos inerentes à base filosófica de cada
abordagens; sobre o reconhecimento ou não dos tempos
históricos e coexistente (multiescalaridade) ou da relação
espaço-tempo; sobre as mudanças (descontinuidades) e
permanências (continuidades) e, a consideração ou não do
movimento a partir da constituição de redes de circulação e
34
comunicação, de relações de poder e da própria identidade
(caráter simbólico-cultural) [...] (SAQUET, 2007, p. 19).
Por considerarem as relações sociais uma das características mais
importantes do território, os autores aqui abordados, ressaltam que é
imprescindível diferenciarmos território e territorialidade, com o objetivo de
entender melhor as particularidades constituintes inerente a todo grupo social.
Território e Territorialidade
Como podemos observar anteriormente, o território não se resume
apenas ao poder do Estado, mas também a cultura, a economia e
principalmente ao espaço vivido pelas populações humanas, é uma complexa
rede que envolve as relações sociais. Por este motivo, podemos afirmar que o
território está repleto de territorialidades.
A palavra territorialidade, na percepção de Raffestin (1993) é entendida
como “[...] um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional
sociedade – espaço – tempo em vias de atingir a maior autonomia possível,
compatível com os recursos do sistema [...]” (p.160). Por este motivo, a
territorialidade está presente em todas as escalas espaciais e sociais, sendo
inerente a todas as relações, “[...] é a „face vivida‟ da „face agida‟ do poder [...]”
(p. 162)
Nesse sentido, Raffestin (1993) demonstra que a territorialidade reflete a
multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma
coletividade, estando permeada por um conjunto de representações que
delimita os limites do território, resultando na configuração de exclusão/inclusão
nas sociedades em geral.
35
Claval (1996) aborda, também, em várias de suas obras a concepção de
territorialidade, destacando que:
[...] A maior parte das estruturas conhecidas da vida coletiva se
traduz através de formas de territorialidade.
Elas são variadas: vão da apropriação completa ao simples
enraizamento simbólico, e, portanto, da divisão de unidades
discretas e que se negam e se ignoram até a articulação em
torno de focos aos quais se prendem as identidades. Se a
territorialidade é indispensável à afirmação e à realização das
formas de existência e de identidade coletivas, suas formas e
suas modalidades são múltiplas. (CLAVAL, 1999, p. 23)
Por esta via, Claval (1999) compreende que a territorialidade se
expressa mais em termos de polaridade que de extensão, pois os sentimentos
de pertencimento, de identidade, os espaços de representação, o
enraizamento, entre outros elementos, interagidos com as demais dimensões
do território, efetivam formas particulares de apropriação e de produção do
espaço por meio da territorialidade.
Concordando com Raffestin (1993), Haesbaert (2004) argumenta que a
expressão territorialidade seria o “espaço vivido”, por oposição a território,
espaço formal institucionalizado.
[...] territorialidade é um conceito utilizado para enfatizar as
questões de ordem simbólico – cultural. Territorialidade, além
da acepção genérica ou sentido lato, onde é vista como a
simples “qualidade de ser território”, é muitas vezes concebida
em um sentido estrito como a dimensão simbólica do território.
Ao falar-se em territorialidade estar-se-ia dando ênfase ao
caráter simbólico, ainda que ele não seja o elemento
dominante e muito menos esgote as características do território
[...] (HAESBAERT, 2004, p. 74)
36
Nesse sentido, “[...] A territorialidade significa as relações diárias,
momentâneas, que os homens mantêm entre si, com sua natureza interior com
sua natureza inorgânica, para sobreviverem biológica e socialmente”
(SAQUET, 2007, p. 129).
Por este motivo, Saquet (2007) enfatiza que:
A territorialidade é o acontecer de todas as atividades
cotidianas, seja no espaço do trabalho, do lazer, da igreja, da
família, da escola etc., resultado e determinante do processo
de produção de cada território, de cada lugar; é múltipla, e por
isso, os territórios também o são, revelando a complexidade
social e, ao mesmo tempo, as relações de dominação de
indivíduos ou grupos sociais com uma parcela do espaço
geográfico, outros indivíduos, objetos, relações (p. 129).
A territorialidade é expressão deste processo no cotidiano dos atores
sociais. Desta forma, deve-se compreender a territorialidade como o conjunto
complexo de rede de relações socioespaciais. Exemplo disso, segundo Souza
(2006), são as territorialidades que se constituem por grupos sociais
manifestadas no espaço geográfico, como o território do tráfico de drogas, da
prostituição, dos indígenas, dos nordestinos, entre outros.
Nesse sentido, para a compreensão dos conflitos causados sobre os
moradores na criação de um determinado território como, por exemplo, uma
Unidade de Conservação, é imprescindível levar em conta a territorialidade do
ser de um lugar, ou seja, aprender a enxergar o outro, perceber como o outro
vê, sente e qualifica sua relação com o território. Pois, em muitos casos é
comum a criação de Unidades de Conservação ser baseados apenas por
características biofísicas, caracterizando-se como áreas sem populações
humanas.
37
CAPÍTULO 2
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: a reinvenção da natureza
“O Homem é natureza. Natureza que pensa, que luta, que produz; natureza orgânica e inorgânica. A sociedade não está separada da natureza”. (SAQUET, 2007, p. 173)
A Natureza Sob o Olhar do Tecnicismo-científico-racional
A questão ambiental emerge, enquanto problemática, em meio à
complexidade das estruturas físicas e sociais e as relações desiguais de poder
que influenciam o uso e acesso aos recursos naturais e fazem da noção do
território categoria fundamental na discussão da questão ambiental.
De acordo com Cunha e Coelho (2005), o território reflete a diferente
espacialização dos processos de modernização, onde os limites territoriais
passam a ser dados não mais pelas identidades coletivas, mas sim pelas
relações de poder.
Miotto (1996) argumenta que esta relação de poder sobre a
natureza, vem desde René Descartes, onde o homem passou a acreditar que
por meio da ciência poderia se tornar senhor da natureza. E esta deveria ser
compreendida por meio de suas partes, uma vez que o universo passou a ser
considerado um sistema mecânico, formado por objetos separados.
No pensamento filosófico cartesiano o conhecimento está centrado
no princípio da separação, o processo de elaboração do conhecimento é
38
estabelecido na ordem e na razão, isto é enfatizado por Morin (1997) como um
paradigma de disjunção:
A história do mundo e do pensamento ocidental foi
comandada por um paradigma de disjunção, de separação.
Separou-se o espírito da matéria, a filosofia da ciência;
separou-se o conhecimento particular que vem da literatura e
da música do conhecimento que vem da pesquisa científica.
Separam-se as disciplinas, as ciências, as técnicas. Separou-
se o sujeito do conhecimento do objeto do conhecimento.
Assim, vivemos num mundo em que é cada vez mais difícil
estabelecer ligações, [...] (MORIN, 1997, p. 21).
Por esta via:
As conseqüências do cartesianismo também se fizeram sentir
na fragmentação das disciplinas acadêmicas e na exploração
do meio ambiente natural, como se este fosse formado por
peças separadas a serem exploradas por diferentes grupos de
interesse (MIOTTO,1996, p. 74).
Diante desse contexto, a influência do cartesianismo atinge não
somente as disciplinas acadêmicas, mas também o meio ambiente natural,
onde passa a isolar a relação sociedade – natureza. Entretanto, para as
sociedades tidas como primitivas ou tradicionais, o espaço físico e o espaço
social são vistos como um só espaço, onde todos os lugares contêm um
significado social e ao mesmo tempo físico, representando um todo.
De acordo com Smith (1988), o conceito de espaço foi influenciado
por Newton, onde o espaço passa a ser algo em si mesmo, a partir do conceito
de espaço absoluto e espaço relativo.
A separação do espaço relativo e do espaço absoluto ofereceu
os meios pelos quais um espaço social poderia ser separado
do espaço físico, sendo o espaço social definido não em
39
relação a uma natureza primeira independente e exterior, mas
a uma segunda natureza humanamente produzida. Como o
espaço relativo de Newton é um subconjunto do espaço
absoluto, o espaço social surgiu como um subconjunto
diferenciado do espaço físico (SMITH, 1988, p. 115).
Nesse sentido, os fenômenos físicos, biológicos e geográficos
passaram a ser tratado como a base do espaço físico absoluto e as relações
sociais que determinam o espaço social tornaram-se o espaço relativo que
existiria dentro deste espaço absoluto.
De acordo com Santos (1997, p. 96):
O todo somente pode ser conhecido através do conhecimento
das partes, e as partes somente podem ser conhecidas pelo
conhecimento do todo. Essas duas verdades são, porém,
parciais. Para alcançar a verdade total, é necessário conhecer
o movimento do todo e das partes, através do processo de
totalização.
Todavia, o que se observa na prática é somente o conhecimento das
partes do todo, sendo refletido no espaço geográfico. Um exemplo disso é a
criação de Unidades de Conservação baseadas apenas em critérios biofísicos,
sem atentar para os diversos grupos sociais que nela residem.
[...] A fragmentação e simplificação que reduzem a
compreensão da realidade, características essas do
paradigma cientificista que se consolidou a partir da Idade
Moderna, vêm sendo analisadas por vários autores como um
dos pilares da crise ambiental da atualidade, por não dar conta
da sociedade e do meio ambiente, em sua relação, como uma
realidade complexa (GUIMARÃES, 2005, p. 83).
Leff (2003), também traz importantes contribuições sobre a influência da
ciência moderna no espaço geográfico, ressaltando que:
40
O incipiente método científico incluía os seguintes supostos: o
sistema da natureza podia ser dividido em componentes
isolados quase estáveis, e os objetos de estudo podiam ser
separados do sujeito que os estudava. Disso resultaram uma
ciência dividida em disciplinas (a base do sistema universitário)
e o mito de uma ciência neutra, livre de valores, que legitima os
especialistas. Ao mesmo tempo que a Europa conquistava
novos mundos, a ciência moderna conquista a natureza:
ambas as conquistas estão inter-relacionadas. (LEFF, 2003, p.
96)
Nesse sentido, “O grande êxito da ciência européia moderna foi à
simplificação da complexidade. O conhecimento abstrato, normatizado,
dominou os particulares êxitos e processos naturais. Sabemos agora que por
este êxito foi pago um preço‟‟. (LEFF, 2003, p. 69).
Leff (2003) ressalta posteriormente, que o preço pago pelo êxito da
ciência moderna foi promover ao Estado moderno um modelo legitimador na
toma da de decisões “racionais” frente a diferentes questões.
Nessa perspectiva, podemos citar segundo Haesbaert (2004), as
reservas naturais ou Unidades de Conservação, uma espécie de território
“natural” (nada “natural”) às avessas, obrigado a reinventar a natureza por meio
de concepções como ecologia, biosfera e meio ambiente, separando espaços
“humanos” e “naturais”.
A Conservação da Natureza por meio das Unidades de Conservação
De acordo com Gonçalves (1989), por volta dos anos 70, 80 e,
sobretudo nos anos 90, surge o movimento ambientalista, propondo novos
41
parâmetros para a gestão do território, por meio da criação das áreas naturais
protegidas.
Segundo Diegues (2004) a criação de áreas naturais protegidas visando
proteger a biodiversidade de ecossistemas de especial relevância ecológica
tem sido a principal estratégia para a conservação da natureza, sobretudo nos
países em via de desenvolvimento. Esta estratégia traz na sua essência o
espírito da modernidade onde se pretende a racionalização de todas as feras
da relação sociedade-natureza.
Por esta via, na maioria das áreas protegidas as estratégias de criação
desses territórios são pensadas de fora para dentro, a partir de critérios
exteriores ao lugar e aos indivíduos, muitas vezes de caráter estritamente
científicos.
A criação de áreas naturais protegidas, parte da idéia sobre o mito do
paraíso perdido, lugar almejado pelo homem depois de sua expulsão do Éden,
só vê a possibilidade de proteger a natureza afastando-a do homem, através
de ilhas onde se pudesse admirá-la e reverenciá-la (DIEGUES, 2004).
Nesse sentido a estratégia para a criação de áreas protegidas em vias
do desenvolvimento, entre estes o Brasil e em especial a região amazônica,
está inserida na idéia de modernização do mundo que implica na difusão e
sedimentação de padrões e valores sócio-culturais predominantes na Europa
Ocidental e nos EUA.
No caso da Amazônia, tratava-se da “conquista do paraíso perdido” já
que a região era permeada de representações e invenções racionais e
fantásticas. Estavam aí posto o embate sociedade-natureza, atraso e
progresso, mito e ciência, tentando conformar a região e sua população à
emergência e as necessidades das mudanças mundiais (CORRÊA, 1995).
42
Desse modo, o “neomito da natureza intocada”, segundo Diegues
(2004), transcrito na criação de áreas protegidas, encontrou uma situação
ecológica social e culturalmente distinta, visto que:
[...] mesmo nas florestas tropicais aparentemente vazias, vivem
populações indígenas, ribeirinhas, extrativistas, de pescadores
artesanais, portadores de uma outra cultura [...], de seus mitos
próprios e de relações com o mundo distintas das existentes
nas sociedades urbano-industriais. Ora, a legislação brasileira
que cria os parques e reservas prevê, como nos Estados
Unidos, a transferência dos moradores dessas áreas, causando
uma série de problemas de caráter ético, social, econômico,
político e cultural. (DIEGUES, 2004, p. 14).
De acordo com Banerjee (2006), duas principais idéias estiveram na
essência da conservação da natureza por meio da criação de áreas protegidas.
A primeira, o conservacionismo, precursor das teorias do desenvolvimento
sustentável, visando o uso racional dos recursos naturais; a segunda, o
preservacionismo, princípio constituinte das Unidades de Conservação que
visa proteger a natureza contra o desenvolvimento moderno, industrial e
urbano.
A concepção das áreas protegidas está centrada, conforme afirma
Diegues (2004), na idéia da natureza intocada e intocável e supõe a
incompatibilidade entre as ações de quaisquer grupos humanos sobre a
natureza. Nele o homem deveria ser mantido separado das áreas naturais.
Por esta via, a concepção de conservação passa pela noção de mundo
natural e este conhecimento extrapola o produto da ciência moderna, sendo
também representado por símbolos e mitos.
Como toda a mitologia antiga tem seus guardiões (os mais
velhos, os pajés etc.), os neomitos da conservação também
possuem os seus – entidades preservacionistas, instituições
públicas ambientais, além de seus sacerdotes – os
43
administradores dos parques, e seus auxiliares iluminados pelo
conhecimento empírico-racional, os cientistas naturais que
definem o que é biodiversidade, como a natureza deve ser
preservada etc. (DIEGUES, 2004, p. 69)
Conforme a análise de Brito (2000), os procedimentos para a criação
das áreas protegidas têm seguido as diretrizes estabelecidas pela União
Internacional para a Conservação da Natureza – UICN.
Portanto,
Usualmente, o estabelecimento de Unidades de Conservação
tem procurado se dar sobre grandes áreas naturais, pouco ou
quase não modificadas pela ação antrópica, que mantenham
amostras de genes, espécies, ecossistemas e processos
ecológicos no interior de seus limites, relevantes para a
conservação. (BRITO, 2000, p. 15)
Brito (2000), ressalta também que o pressuposto inicial que
fundamentou a existência de áreas protegidas em muitos países foi o da
socialização do usufruto, por toda a população, a existência das belezas
cênicas e a conservação. Devendo o homem limitar-se a visitação e não a
morar nelas. Sendo estes os critérios que posteriormente farão parte do
conceito e da classificação das Unidades de Conservação nos diversos países
e em especial no Brasil.
Entretanto, a questão a ser refletida é se a conservação da
biodiversidade é garantida apenas por meio do estabelecimento destas áreas
protegidas.
Apesar desta reflexão, Miller (1997) constata que, até 1994, existiam
quase 10.000 áreas de conservação, em 149 países. No ano 2000, segundo a
página da WCPA (2009), as 30.000 áreas protegidas no mundo cobriam mais
de 13.250.000 km² da superfície terrestre (aproximadamente o tamanho da
44
Índia e China combinadas), sendo que uma proporção bem pequena dos
mares (somente 1%) é protegida.
Conceitos e Classificações das Unidades de Conservação
De acordo com Medeiros (2007), a partir da década de 30, o tema
Unidades de Conservação – UCs ganha espaço nos debates acadêmicos
internacionais. Mudanças conceituais e nas perspectivas de criação e gestão
das unidades de conservação foram definidas e difundidas, passando a balizar
a concepção, organização e coordenação de políticas públicas de conservação
da natureza. Novas motivações e justificativas para a criação das áreas
naturais protegidas foram incorporadas, entre elas a preservação da
biodiversidade e dos bancos genéticos, manutenção da qualidade de recursos
hídricos, e a seleção de laboratórios naturais pela pesquisa básica.
Tais parâmetros serviram de base para a definição e classificação das
unidades de conservação em diversos países, como no caso do Brasil.
Entretanto, para alcançar este objetivo ocorreram diversas conferências
mundiais, que influenciaram na formulação dos conceitos e classificações das
unidades de conservação. Uma delas ocorreu em 1940, em Washington,
denominada Convenção Pan-americana, cujo objetivo foi “[...] comprometer os
países sul-americanos a instalar áreas naturais protegidas em seus territórios,
e unificar os conceitos e objetivos dessas áreas, como por exemplo, o conceito
de Parques Nacionais (BRITO, 2000, p. 24)‟‟. Tal conceito serviu de base para
a definição de Parques Nacionais no Brasil, definido no art. 110 da lei n0 9.985,
sancionada em 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação – SNUC.
De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –
SNUC (2000):
45
O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de
ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza
cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o
desenvolvimento de atividades de educação e interpretação
ambiental, de recreação em contato com a natureza e de
turismo ecológico. (Artigo 110).
Deste modo, a perspectiva científica de criação de parques acabou
reforçando a idéia de que a presença humana nessas áreas só deveria ser
permitida em situações muito particulares e restritas.
A criação de parques em áreas que já eram habitadas por populações
humanas, ocasionou sua remoção, gerando de acordo com Diegues (2004),
conflitos e afetando populações de extrativistas, pescadores e principalmente
índios.
[...] os parques nacionais e categorias similares são áreas
geográficas extensas e delimitadas, dotadas de atributos
naturais excepcionais, devendo possuir atração significativa
para o público, oferecendo oportunidade de recreação e
educação ambiental. A atração e uso são sempre para
populações externas à área e não se pensava nas populações
indígenas, de pescadores, ribeirinhas e coletadores que nela
moravam [...] (DIEGUES, 2004, p. 114).
A partir de 1962, por ocasião da I Conferência Mundial sobre Parques
Nacionais, em Seatle, nos EUA, discutia-se a necessidade de considerar as
exceções às regras estabelecidas aos parques Nacionais, sobretudo no que
tange aos direitos das populações ali residentes antes de sua criação. Porém,
se considerava apenas o caráter transitório de atividades como agricultura e
pecuária, caça e pesca, habitação, que deveriam ser restringidas ao máximo
até a sua completa extinção no perímetro do Parque (BRITO, 2000).
46
Nas décadas de 1970 e 1980, foram os períodos privilegiados pela
expansão do número de áreas protegidas em todo o mundo e, sobretudo nos
países pobres. Segundo Brito (2000), isso se deveu à tomada de consciência
acerca da rápida perda da biodiversidade em todo o planeta. Nesse período
ocorrem duas conferências mundiais que irão influenciar de modo determinante
a importância das unidades de conservação.
A primeira ocorrida em 1968, em Paris, a Conferência da Biosfera
atribuiu que a proteção „‟[...] do meio ambiente humano e das áreas naturais
protegidas dependiam não só das questões cientificas mas sobretudo das
dimensões política, social e econômica que estavam fora de sua área de ação”
(BRITO, 2000, p. 28).
A segunda conferência ocorrida em 1972, em Estocolmo, foi a
Conferencia das Nações Unidade sobre o Meio Ambiente Humano. Dessa
conferencia foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –
PNUMA, inserindo definitivamente as questões ambientais na agenda mundial.
A partir desta conferencia, se estabeleceu um maior envolvimento das
organizações não governamentais, as chamadas ONGs e problemas como a
fome e a pobreza foram incorporadas ao conceito de ambiente, o que levou à
necessidade de se pensar modelos de desenvolvimento mais sustentáveis.
(BRITO, 2000).
Nesse sentido, a existência de modelos alternativos de Parques
Nacionais mais permissivos com relação às populações já residentes, e
também a forma como cada país entende os objetivos da conservação da
natureza e o modo de atingi-los, levou ao surgimento de novas categorias de
unidades de conservação (BRITO, 2000).
De acordo com Viola e Leis (1995), no Brasil a influencia das mudanças
internacionais sobre a conservação da natureza por meio das áreas protegidas,
moldou o conceito de Unidades de Conservação modificando no Código
Florestal de 1985 em comparação ao Código de 1934, onde de proteção de
ecossistemas de valor estético e/ou cultural, passa a vigorar a proteção de
47
ecossistemas de espécies ameaçadas – em particular as migratórias – ou de
espécies com estoques comerciais em declínio.
Em resumo,
Na década de 70 ter-se-ia considerada a proteção de
ecossistemas representativos da biodiversidade e, nos anos
80, a preocupação voltar-se-ia para a conservação da
biodiversidade com vistas ao uso potencial para a biotecnologia
e para a manutenção das funções ecológicas essenciais ao
equilíbrio do planeta. Enfim, na década de 90, a ênfase teria
recaído na conservação da biodiversidade no contexto de
diferentes sistemas econômicos de produção sustentável
(BARRETTO, 1999, p. 79).
Por esta via,
As mudanças mais categóricas, presentes no Novo Código
Florestal e relativas às Unidades de Conservação, ocorreram
com a introdução de uma divisão conceitual entre as unidades
que não permitiam a exploração dos recursos naturais –
restritivas/ou de uso indireto – (parque nacionais, reservas
biológicas) e as áreas que permitiam a exploração – não
restritivas/ ou de uso direto – (florestas nacionais, florestas
protetoras, florestas remanescentes, reservas florestais,
parques de caça florestais). (BARRETTO, 1999, p. 57)
A essência da divisão proposta nesta nova versão do Código Florestal
vai influenciar posteriormente o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
– SNUC, promulgado através da Lei 9.985, de julho de 2000, que conceitua,
estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das
unidades de conservação.
De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação –
SNUC (2000), o conceito de unidade de conservação é definida como:
48
[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as
águas jurisdicionais, com características naturais relevantes,
legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de
proteção. (Artigo 2, inciso I).
Quanto à classificação das unidades de conservação integrantes do
SNUC, dividem-se em dois principais grupos:
I - Unidades de Proteção Integral;
II - Unidades de Uso Sustentável.
§ 1o O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é
preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos
seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta
Lei.
§ 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é
compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável de parcela dos seus recursos naturais. (SNUC,
2000, p. 6).
O Grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes
categorias de unidade de conservação: Estação Ecológica; Reserva Biológica;
Parque Nacional; Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. Quanto ao
grupo das Unidades de Uso Sustentável é composto pelas seguintes
categorias de unidade de conservação: Área de Proteção Ambiental; Área de
Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista;
Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva
Particular do Patrimônio Natural. (SNUC, 2000)
Segundo o SNUC (2000), as unidades de conservação federais são
administradas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos
49
Renováveis – IBAMA e as estaduais e municipais nas respectivas esferas de
atuação.
Apesar do SNUC (2000) estabelecer várias normas para a efetivação de
uma unidade de conservação, Brito (2000) relata que a escolha de áreas para
o estabelecimento de Unidades de Conservação se deu de modo casuístico,
sem uma base de dados consistente, o que levou a uma insuficiência e
disparidade de representatividade dos biomas do país. Pois o governo propõe
metas, planos e projetos para o estabelecimento de áreas protegidas mas
pouco destina recursos financeiros para a efetiva implantação dessas áreas,
para capacitação de técnicos e pouco, quase nada, envolve as populações
locais nestes planejamentos.
Por esta via,
[...] o que se denota da história da criação das unidades de
conservação no Brasil é o predomínio de atitudes mais
próximas dos enfoques biocêntrico/ecocêntrico, em decorrência
da divisão urbana que se tem da natureza [...]
Nesse contexto, o papel das unidades de conservação,
sobretudo as restritivas, tem sido o de representar a “antítese
do desenvolvimento”. Ao cumprir esse papel, praticamente
todas essas unidades determinam mudanças de variados graus
de intensidade sobre a dinâmica de apropriação e uso dos
recursos naturais, por populações, principalmente as rurais,
que são por elas direta ou indiretamente afetadas. (SIMONIAM,
2000, p. 105)
Com relação a isso, podemos destacar à criação de unidades de
conservação na Amazônia, em especial o Estado do Amazonas, a partir da
região ser considerada como bioma brasileiro de maior representatividade em
termos de proteção de „‟áreas naturais‟‟
50
No Estado do Amazonas, a questão ambiental passa a ter um
direcionamento mais efetivo em termos das políticas estaduais, com a criação
do Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas – IPAAM, em 1996,
que com o apoio da cooperação internacional, tem tentado estabelecer
estratégias para a gestão da política ambiental do Estado.
A influência de modelos de unidades de conservação a nível internacional
e nacional serviu de base para a implementação de diversas políticas
ambientais no Estado do Amazonas e contribuiu para instituir o Sistema
Estadual de Unidades de Conservação - SEUC, promulgado em 04 de junho de
2007.
Apesar de se basear nos moldes do SNUC, o SEUC tenta inovar em
termos conceituais várias definições sobre unidades de conservação, a
começar pelo próprio conceito, a qual tenta não atribuir apenas um caráter
biofísico para estas áreas, incluindo em seus conceitos as populações
humanas, ditas como „‟tradicionais‟‟.
I - UNIDADE DE CONSERVAÇÃO - o espaço territorial com
características naturais relevantes e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais, legalmente instituído pelo
Poder Público com objetivos de conservação in situ e de
desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais,
com limites definidos, sob regime especial de administração, ao
qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (SEUC,
2007, p. 1)
Quanto à classificação das unidades de conservação integrantes do
SEUC, dividem-se também em dois principais grupos idênticos ao do SNUC,
não havendo nenhuma modificação conceitual.
Entretanto, as categorias dos dois grupos das unidades de conservação
do SEUC ganham novas unidades, sendo incluída na Proteção Integral a
categoria Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, e na de Unidades
51
de Uso Sustentável a Reserva Particular de Desenvolvimento Sustentável –
RPDS; Estrada Parque e Rio Cênico (SEUC, 2007).
O estabelecimento de normas de gestão e coordenação do processo de
criação, implantação e reclassificação das Unidades de Conservação do
Estado e prestação de assistência técnica, ficam por conta do órgão central
delegado a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável – SDS. Quanto ao estabelecimento de políticas e programas de
gestão das Unidades de Conservação do Estado do Amazonas, ficam
destinados ao Centro Estadual de Unidades de Conservação – CEUC. Já a
função de licenciar e fiscalizar atividades potencial ou efetivamente poluidoras
ou degradadoras, inclusive nas Unidades de Conservação e sua Zona de
Amortecimento, passam a ser função do Instituto de Proteção Ambiental do
Estado do Amazonas – IPAAM. (SEUC, 2007)
Apesar de incrementar em seu SEUC a presença de populações
humanas, o que se observa na prática é a não-participação das populações
locais na escolha das áreas e na implementação das unidades de
conservação, criando nós-críticos importantes a ser analisados, tais como a
sobreposição de terras indígenas e unidades de conservação, áreas de
assentamentos humanos sobre unidades de conservação e entre outros.
52
CAPÍTULO 3
SOBREPOSIÇÃO DE TERRITÓRIOS: Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã e Terras Indígenas no Médio Solimões
Aqui sempre o papai dizia que só morava índio, índio, índio, só índio brabo mesmo! Índio que chega avermelhava na beira do rio! [...] (Morador da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã)
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – RDSM (Figura
01) situa-se a cerca de 600 quilômetros a oeste de Manaus, próxima à cidade
de Tefé, no Estado do Amazonas. A reserva engloba uma área de
aproximadamente 1.240.000 hectares, que correspondem a todas as terras
baixas de várzea situadas no triângulo delimitado pelos rios Solimões e Japurá,
e o canal do Auti-paraná (AYRES, 1995).
53
Figura 01: Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Fonte: IDSM Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
O nome “Mamirauá”, em língua geral (Nheengatu), vem do lago
localizado no centro da reserva e significa filhote de peixe-boi (AYRES, 1995).
Antes de pertencer ao grupo das Unidades de Uso Sustentável e se
classificar como uma RDS, a reserva Mamirauá enquadrava-se no grupo das
Unidades de Proteção Integral na categoria de Estação Ecológica Mamirauá
(EEM), criada pelo governo estadual por meio do decreto n0 12.836 de 09 de
março de 1990 (DECRETO n 12.836).
A decretação da Estação Ecológica Mamirauá (EEM) em 1990
deflagrou uma série de negociação que culminaram com a
proposição de um amplo projeto de implantação da nova
Unidade de Conservação do estado do Amazonas. A idéia
54
surgiu de um grupo de pesquisadores liderados e aglutinados
em torno de José Márcio Ayres, que já possuía alguns anos de
experiência de trabalho de campo na parte sul da recém criada
Estação e tinha bom conhecimento de toda a região, adquirido
ao longo do seu estudo de doutorado sobre a ecologia dos
uacaris-brancos (espécie de primata). Tais propostas foram
concebidas no âmbito do Museu Paraense Emílio Goeldi
(MPEG), a instituição que reunia a maior parte dos
pesquisadores envolvidos no desenvolvimento da idéia do
Projeto, envolvendo o CNPq e a Secretária de Ciência,
Tecnologia e Meio Ambiente do governo amazonense.
(QUEIROZ, 2004, p. 543)
No início dos trabalhos do Projeto Mamirauá, decidiu-se dividir a área da
EEM em Área Focal e Área Subsidiária. Assim, as atividades se restringiram na
primeira fase, a uma área de 2600 km², localizada entre os rios Solimões,
Japurá e o Paraná do Aranapu. Nesta fase do Projeto, o objetivo era elaborar e
propor o Plano de Manejo para as comunidades locais. A maior parte dos
trabalhos foi concentrada em pesquisas biológicas e socio-econômicas e em
organização comunitária. Havia uma base inicial sólida de conhecimento
representada pelas pesquisas biológicas de Márcio Ayres sobre os uacaris-
brancos e a pesquisa antropológica de Déborah Lima sobre a população
ribeirinha (DFID, 1997).
Apesar das negociações com os doadores de verbas e instituições
governamentais brasileiras para aprovar formalmente o projeto tenham sido
demoradas, as atividades de implementação da EEM foram iniciadas antes da
aprovação formal. Já em 1989 e 1990, contava-se com o apoio da WCS
(Wildlife Conservation Society) e da CI (Conservation International). De outubro
a dezembro de 1991, foram realizados trabalhos de campo relativos à
“Pesquisa sobre Parâmetros Sócio-Econômicos e Desembarque do Pescado
na Estação Ecológica do Mamirauá”, apoiada pelo CNPq, e coordenada por
Márcio Ayres. Várias equipes começaram a trabalhar em participação
comunitária e pesquisas sócio-econômicas e em grupos de pesca, e em
processamento de dados na sede de Belém. Isso foi viabilizado pelo “Fundo
55
Interino”, viabilizado por meio de um acordo com o WWF (World Wide Fund for
Nature) que durou até o início do segundo semestre de 1992 (SCM, 1996).
A partir do estudo realizado pelo jurista Nelson de Figueiredo Ribeiro,
contratado como consultor pelo Projeto Mamirauá, sobre categorias de
Unidades de Conservação, intitulado “Um Novo Modelo de Preservação
Ambiental para Mamirauá”, surgiu a proposta de mudança da reserva
Mamirauá passando de Unidade de Proteção Integral cuja categoria era uma
Estação Ecológica para Unidade de Uso Sustentável com categoria de Reserva
de Desenvolvimento Sustentável (INOUE, 2003).
De acordo com o consultor, a Estação Ecológica era um modelo
inadequado à realidade do Mamirauá, considerando que aproximadamente
cinco mil habitantes viviam na área focal e ao redor e necessitavam dos
recursos que o meio natural lhes proporcionava. Assim, Mamirauá não poderia
ser uma Unidade de Proteção Integral, pois as suas finalidades eram
simultaneamente preservação do patrimônio natural, pesquisa da
biodiversidade e desenvolvimento sustentável das populações, sendo que a
sua área abrangeria zonas de preservação permanente e de manejo
sustentável. Daí a necessidade de uma nova categoria de UC (INOUE, 2003).
Portanto, “Essa alteração tornou possível conjugar os ideais de
preservação da biodiversidade com a permanência e inclusão dos moradores
em tais processos, o que não era contemplado no primeiro decreto [...] (REIS,
2004, p. 550)”.
A mudança da categoria de Estação Ecológica Mamirauá para Reserva
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ocorreu em 16 de julho de 1996
por meio da Lei nº 2.411, ficando mantidos, na íntegra, a localização, os limites
e o tamanho estabelecidos para a Unidade de Conservação mencionada no
decreto n0 12.836 de março de 1990 (LEI n 2.411). O fato de ser uma UC
estadual facilitou a implementação do Projeto Mamirauá, considerando que no
início havia uma inadequação entre o modelo que estava sendo implementado,
56
o qual buscava a conservação da biodiversidade sem remover os habitantes da
UC, e o status legal de estação ecológica, que proíbe assentamentos humanos
dentro dos seus limites. (Lima, 1996). Mamirauá tornou-se assim, a primeira
RDS criada no Brasil.
A partir da reserva Mamirauá foi criado o Instituto de Desenvolvimento
sustentável Mamirauá – IDSM, uma associação elevada à Organização Social
por meio de decreto presidencial.
De acordo com Queiroz (2004, p. 545),
[...] em 2001 deu-se a implementação do IDSM por meio da
assinatura do primeiro Contrato de Gestão entre o IDSM e o
Ministério da Ciência e Tecnologia. Nesse contrato o IDSM
compromete-se a executar um conjunto de atividades que
foram selecionadas em comum acordo, e a atingir uma série de
metas acordadas no escopo de vários indicadores de
desempenho. Dentre estes indicadores, a pesquisa científica,
em geral, e o monitoramento de sistemas ambientais e sociais,
em particular, desempenham um dos principais papéis.
Com a constituição do IDSM, a gestão da RDSM passou para o Instituto,
que assumiu as responsabilidades que estavam a cargo da ONG Sociedade
Civil Mamirauá criada no início dos anos 1990 juntamente com a EEM, que,
todavia, continua a existir como ONG e participante da reserva e em outras
áreas alagáveis do Brasil, como no Pantanal.
Queiroz (2005) enfatiza que
[...] a principal característica ambiental da RDSM é a grande
variação no nível das águas dos rios, que ocorre todos os
anos. Os alagamentos sazonais dos rios Solimões e Japurá
causam uma elevação do nível d'água de dez a doze metros da
estação seca para a cheia anualmente. Esta incrível dinâmica
da água é causada pelas chuvas nas cabeceiras dos rios da
57
região, associadas ao degelo anual do verão andino. Quando o
alagamento do ano é excepcionalmente alto, efetivamente toda
a RDSM, com mais de um milhão de hectares, fica submersa.
A enchente traz consigo uma gigantesca quantidade de
sedimentos das encostas dos Andes, uma enorme
concentração de nutrientes associada às argilas em
suspensão. Este é o principal causador da enorme
produtividade das várzeas amazônicas, observada tanto nos
seus componentes aquáticos quanto terrestres. Esses
alagamentos, e a conseqüente deposição anual desses
sedimentos definem a geomorfologia da várzea, a sua fauna e
flora, a sua biogeografia e mesmo os seus padrões de
ocupação humana (QUEIROZ, 2005, p.187).
A Figura 02 representa a alagação sazonal provocada pela variação no
nível de água dos rios da reserva Mamirauá, que oscila ao longo do ano entre
8m na estação seca que varia de setembro a outubro e 15m na estação das
chuvas entre Maio a Junho (AYRES, 1995).
Figura 02: Alagação Sazonal dos Rios da Reserva Mamirauá Fonte: IDSM.
Segundo Lewis (1997, p. 37)
[...] Quando as chuvas enchem os rios e riachos, estes
inundam os lagos e pântanos incontáveis, criando o que parece
58
em muitos lugares, um oceano em movimento. O ciclo sazonal
regula estritamente as atividades de agricultura e pesca dos
habitantes da região [...]
A adaptação dos grupos humanos na várzea de Mamirauá (Figura 03) é
regulada pela variação sazonal no nível da água, influenciando, em parte, nos
padrões de assentamento humano, pois a região apresenta um ambiente
extremamente dinâmico, sujeita a enchentes anuais e mudanças na morfologia
de seus terrenos.
Figura 03: Localidade Boca do Mamirauá Durante a Cheia e a Vazante dos Rios Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Fonte: IDSM
De acordo com o Censo de 2006, a população da reserva (moradores e
usuários) é de aproximadamente 10.000 habitantes distribuídas em 150
localidades (Figura 04), identificadas por seus moradores como lugares,
comunidades ou sítios, que vivem principalmente da atividade de pesca e da
combinação de outras atividades econômicas como agricultura de várzea e de
praias de lama (CENSO, 2006a).
Segundo Cruz (2007, p. 52),
A comunidade na várzea amazônica é constituída por uma
área de uso comum, na qual estão estabelecidos uma igreja,
uma escola, um campo de futebol e uma “sede comunitária”,
onde são realizados os bailes e reuniões dos membros. Em
59
alguns casos essas áreas são cedidas por um morador.
Representa a centralidade da comunidade no que se refere ás
decisões que são tomadas, não importando a sua localização
no inteiro da mesma. A comunidade é constituída, também, em
algumas situações, pelo agrupamento de casas e
predominantemente pelo habitat disperso, caracterizado por
inúmeras casas isoladas ente si [...]
Nesse sentido, a organização política territorial dos assentamentos
humanos da reserva Mamirauá, também estão articulados em comunidades e
distribuídas por “setores políticos” (Figura 04), herdados dos trabalhos
realizados pelo Movimento de Educação de Base – MEB no Médio Solimões na
década de 1960 (LIMA; ALENCAR, 2006).
Figura 04: Organização Política Territorial da Reserva Mamirauá Fonte: IDSM Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
60
Com relação à organização social dos assentamentos, a partir
dos anos setenta, o trabalho do MEB e Prelazia, de formar
lideranças comunitárias e orientar os moradores na sua nova
condição de independência e responsabilidade pelo seu próprio
destino, passa a ter grande repercussão. As vilas e sítios são, a
partir desta década, chamados de "comunidades", termo que
denota não só o assentamento, mas carrega principalmente o
sentido de responsabilidade comunal pelas decisões políticas
que afetam a vida de seus moradores. Esta reorganização
social dos assentamentos se consolidou na década de 1980. A
partir desta data, a estrutura de lideranças criadas pelo MEB
passa a ser reconhecida como autêntica (não vinculada
estritamente à Igreja Católica) e é adotada tanto por instituições
governamentais (como Prefeituras e Emater) quanto por outras
não governamentais (como congregações Protestantes) (LIMA;
ALENCAR, 2006, p. 9).
De acordo com Neves (2006), os moradores do Médio Solimões
aderiram ao convite, por vezes insistente, dos representantes do MEB, para
que se agregassem e se unissem de modo a se tornarem beneficiários de
recursos de destinação comum, caso em especial da escola.
Por esta via,
Cada uma destas comunidades possui uma liderança política
eleita pelos moradores. Conjuntos de comunidades organizam-
se na área em setores, que são unidades políticas, e cada um
destes setores possui um coordenador. A área focal da
Reserva Mamirauá possui 63 assentamentos, agrupados
politicamente em oito setores. Os setores são, portanto, um
conjunto de assentamentos localizados próximos uns dos
outros, que tomam decisões conjuntas sobre o manejo dos
recursos e sobre questões políticas locais (QUEIROZ, 2005,
p. 188).
61
Nesse sentido, além do limite territorial da reserva Mamirauá instituída
pelo poder do Estado, há em seu interior limites políticos definidos por um
conjunto de assentamentos humanos chamados de “comunidades” e
representadas por meio de lideranças comunitárias.
A definição de uma organização política territorial, por meio da
sistematização de uma linguagem comum aumenta as possibilidades de
controle e gestão de um determinado território que envolve a participação de
diferentes atores como na reserva Mamirauá. Isso revela segundo Haesbaert
(2004) que o território é:
[...] um dos instrumentos utilizados em processos que visam
algum tipo de padronização – internamente a este território, e
de classificação – na relação com outros territórios. Todos os
que vivem dentro de seus limites tendem assim, em
determinado sentido, a ser vistos como “iguais”, tanto pelo fato
de estarem subordinados a um mesmo tipo de controle (interno
ao território) quanto pela relação de diferença que, de alguma
forma, se estabelece entre os que se encontram no interior e os
que se encontram fora de seus limites.
Por isso, toda relação de poder espacialmente mediada é
também produtora de identidade, pois controla, distingue,
separa e, ao separar, de alguma forma nomeia e classifica os
indivíduos e os grupos sociais [...] (p. 89).
Em relação como são percebidas as sociedades que estão no interior e
exterior da fronteira, Nogueira (2007a) traz importantes contribuições,
enfatizando que há visões distintas em relação a fronteiras, uma do Estado e
outra da sociedade, classificadas em fronteira controlada, fronteira percebida e
fronteira vivida. A primeira é em relação à atuação do Estado, que atribui
controle as pessoas e aos recursos naturais nas áreas fronteiriças; a segunda
é em relação à sociedade do interior da fronteira que concebe o lugar como
refúgio das normas instituídas pelo Estado; e por fim, a fronteira vivida, vista
pela sociedade que está na fronteira, para elas a fronteira possui um
significado de relacionamento com o lugar vivenciado em seu cotidiano e
62
reconhece que o outro lado possui uma determinada lei. A relação que esta
sociedade poderá manter com o vizinho, irá presumir as ações de controle e
vigilância por parte do Estado em relação ao território.
Os limites da Reserva Mamirauá e dos seus setores políticos, definidos
ora pelo Estado, ora por instituições, como no caso o MEB, pertencem ao que
Raffestin (1993) denomina de quadrículas de poder, os quais segundo o autor,
não são nem inocentes nem naturais, muito menos arbitrários, pois participam
de todo projeto sociopolítico ou socioeconômico, constituindo uma dimensão
que nunca está ausente sendo estruturada por meio de limites. “[...] Não é
excessivo pretender que o poder, para se manter ou se reorganizar, tem
necessidade de se apoiar sobre esse jogo geométrico dos limites [...]”
(RAFFESTIN, 1993, p. 169).
Por esta via, a organização política territorial das comunidades da
reserva Mamirauá por meio de setores políticos é uma estratégia que o IDSM
adotou como principal parâmetro para a gestão do território da reserva.
Entretanto, apesar dos trabalhos do MEB no Médio Solimões e do IDSM,
nota-se que nem todos os assentamentos humanos adotaram o termo
“comunidades” e se articularam em “setores políticos”.
Aquelas famílias que não concordaram com a proposta cristã
da vida em comunidade passaram a ser identificadas como
“moradores isolados”, igualmente uma autodenominação
desses moradores. “Prefiro morar isolado da comunidade.
Comunidade é muita picica1 e confusão”. Há também os que
gostam de morar afastados em seus sítios onde podem ter uma
produção diversificada. “Gosto de ter de tudo no meu sítio”2.
(MOURA, 2007, p. 57)
1 Pisica é termo local com significado de fofoca, e também “mal olhado”.
2 Depoimento de D. Maria Alfaia do Seu Manelão, que tem o sitio com maior variedade de
plantio e criação de pequenos animais, da área experimental da RDSM, identificado pelos estudos de pesquisadores do grupo de agricultura do IDSM
63
Diante desse contexto, a imposição da organização política territorial da
reserva Mamirauá demonstra que os sistemas tradicionais de uso comunitário
já constituído no interior da reserva antes da intervenção destas instituições
não foram devidamente observados.
Nesse sentido, Neves (2006, p. 13) relata que,
É mister trazer à tona, por meio da reflexão, os respectivos
exercícios de imposição de modos de relacionamento e de
adoção de referências comportamentais. É o caso da
associação da identidade desses produtores com um território
[...]. Estes produtores se apresentam como agentes sociais
numa ou a partir de uma comunidade delimitada. Os
significados atribuídos ao termo comunidade tornam-se
impositivos ao entendimento das relações sociais em que estão
integrados [...]
Feeny; et al (2001) ilustra por meio de vários autores, que as sociedades
tradicionais possuem sistemas de uso comum, capazes de organizar e
monitorar o uso de recursos pelos seus membros, alocar direitos de uso entre
membros e ajustar níveis de utilização agregada para manter o uso sustentável
dos recursos. Por estes motivos, o autor enfatiza a importância de considerar
os sistemas tradicionais de uso comum nos diversos projetos políticos,
econômicos e ambientais.
Pois,
[...] Uma diversidade de sociedades no passado e no presente
tem, de forma independente, elaborado, mantido ou adaptado
sistemas comunais voltados ao manejo de recursos de
propriedade comum. Essa persistência não é um acidente
histórico; esses sistemas foram construídos pelo conhecimento
dos recursos e por normas culturais que se desenvolveram e
têm sido testadas ao longo do tempo.
64
O recente interesse em sistemas de propriedade comunal
talvez esteja relacionado à ressurgência do interesse na
democracia de base, na participação pública e no planejamento
local. Regimes de propriedade estatais nos quais agentes
governamentais exercem poderes exclusivos de tomada de
decisão tem sido desaprovados [...] (FEENY; et al, 2001, p. 33).
Esses sistemas de organização tradicional são permeados, segundo
Diegues (2004), por uma extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda
mútua, de normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intragrupal.
Nestes sistemas, existem também normas de exclusão de acesso aos recursos
naturais pelas populações que não participam da comunidade. Essas por sua
vez podem ganhar acesso a espaços de uso comum, desde que, de alguma
forma, passem a fazer parte da comunidade (mediante casamento, compadrio
etc).
Diante do exposto, é contraditória a teoria da “Tragédia dos Comuns”
defendida por Hardin (1968), onde o autor relata que no regime de propriedade
comum, haveria uma conseqüente degradação dos recursos naturais, pelo livre
acesso aos vários usuários, levando a exploração excessiva dos recursos e a
queda da rentabilidade da atividade, como a pesca. Por tanto, Hardin (1968)
propõe a intervenção controladora do Estado, ou a implantação da propriedade
privada, pois somente o capital privado pode explorar os recursos naturais de
forma adequada, sem destruí-los.
Todavia,
A lógica do argumento de A Tragédia dos Comuns é que não
deveríamos observar manejos sustentáveis de recursos de
propriedade comum assim como a exclusão de alguns usos ou
usuários não deveriam ser observado em regimes outros que
não a propriedade privada ou estatal. No entanto, como
ilustramos, a exclusão é possível, mesmo que nem sempre
bem sucedida, sob regimes privados, estatais e de propriedade
comunal. Adicionalmente, a propriedade privada ou estatal nem
65
sempre é suficiente para permitir a exclusão. (FEENY; et al,
2001, p. 26).
Nesse sentido, Hardin (1968) ignora que os sistemas de uso comunitário
também existem regras destinadas a evitar a utilização excessiva dos recursos
naturais, constituindo assim uma teoria simplificada e determinista.
Entretanto, apesar de vários estudos demonstrarem a visão fragmentada
da teoria de Hardin (1968), a tese “a tragédia dos comuns” passou a ser
defendida por cientistas naturais que insistem em aplicar as leis da biologia
comportamental às complexas realidades sociais, como por exemplo, a
imposição de inúmeras formas de manejo dos recursos naturais por meio de
regimes privados, sem a incorporação dos sistemas de uso comunitário,
acarretando diversos conflitos sociais e conseqüentemente “a tragédia dos
comunitários”.
Podemos observar o aumento dos conflitos sociais na nova
reorganização política territorial da reserva Mamirauá, mais precisamente em
1996, possibilitada pela implantação do plano de manejo - instrumento técnico
para a implantação de uma unidade de conservação - o reordenamento
territorial, as relações com o “mercado ecológico”, a definição de ações
compensatórias às medidas restritivas de uso dos recursos naturais, a
necessidade de desenvolver habilidades para negociar situações de conflito,
entre outras, configuraram um quadro de demandas para formar e orientar as
equipes de profissionais para atuarem diretamente como mediadores das
diversas situações conflituosas que se evidenciaram com a criação da reserva.
Por esta via,
A criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá orientou um reordenamento do território com a
definição de áreas de proteção integral e áreas de uso
sustentável seguindo os princípios normativos das unidades de
conservação com participação dos moradores locais [...] (p. 74)
66
[...] áreas de proteção integral - que só podem ter visitadas
controladas e/ou ser objeto de estudos científicos, e as áreas
de uso sustentado dos recursos naturais - definidas em acordo
sistemas de propriedade comum dos recursos, onde o uso dos
recursos é orientado pelas normas estabelecidas no Plano de
Manejo da reserva. (MOURA, 2007, p. 76, 77)
Nesse novo reordenamento foram estabelecidas áreas de manejo dos
programas de alternativas econômicas (manejo da pesca, manejo florestal
comunitário, artesanato, agricultura e ecoturismo) com o objetivo do manejo
sustentado dos recursos, possibilitando o aumento da renda familiar das
comunidades da reserva.
O modelo inclui um sistema de zoneamento, que determina 30% da área
para preservação total e 70% para uso sustentável; normas e recomendações
para a utilização dos recursos naturais mais importantes na área; sistema de
fiscalização e vigilância; diminuição da demanda sobre os recursos naturais
através de alternativa econômicas; atividades de extensão; pesquisa e
monitoramento (SCM, 2006)
De acordo com Nogueira (2007a, p. 67),
[...] Isso nos revela um outro tipo de relação, cuja base está no
domínio sobre o território, no poder sobre o espaço. Por que
está presente nas mais diversas escala, ora mais visíveis, ora
menos, o controle do espaço encerra um controle sobre tudo
que ele contém, desde recursos naturais até a população
principalmente. Contudo, da mesma maneira que o poder
apresenta limites em seu exercício na relação com a
sociedade, apresenta também limites espaciais, ou seja, há um
território delimitado para impor a sua vontade [...]
No reordenamento territorial da reserva, cada setor político possui uma
ou mais áreas de manejos seja ela de pesca, florestal, agricultura, artesanato
67
ou ecoturismo, as áreas geralmente são definidas a partir de um estudo prévio
dos potenciais naturais e delimitadas a partir do mapeamento participativo das
comunidades, onde as mesmas ilustram as suas áreas de uso (Figura 05).
Figura 05: Mapeamento Participativo Comunitário – RSDM (2006) Fonte: IDSM
No mapeamento participativo, as populações locais da várzea de
Mamirauá definem as “roças” e “capoeiras” como áreas de uso privativo da
unidade de produção doméstica – a formação de um novo grupo doméstico
justifica a abertura de um novo “roçado” - os lagos, paranás e ressacas, podem
ser de uso de uma ou mais localidades em comum acordo, e as áreas de
floresta são de acesso mais livre (como o acesso aos igarapés, olhos d´água,
caça, recursos não madeireiros).
O mapeamento participativo é uma ferramenta que o IDSM adotou para
obter informações e a participação dos moradores, que expõem através de
68
representações cognitivas o modo como ordenam o território, onde estão
situados e a forma como se relacionam com os recursos. São verdadeiros
mapas mentais que orientam as ações do IDSM.
Segundo Moura
Os diagnósticos participativos contribuem para o conhecimento
e análise da realidade local de acordo com a percepção de
cada um, sem prevalecer somente a opinião da instituição
gestora. Por isso, podem ser utilizados como alternativas para
propiciar mudanças pelo seu poder de mobilização e
envolvimento dos atores com as questões apresentadas... o
potencial deste método para levantamento de informações é o
envolvimento dos atores” (2001, p. 115)
Os mapas mentais produzidos pelas comunidades possibilitam as
equipes científicas do IDSM definir uma nova configuração territorial sobre suas
áreas de uso comum, impondo novas regras de acesso e uso dos recursos
naturais de acordo com as normas de manejo da reserva.
Nesse sentido, Diegues (2004, p. 71, 72) comenta que
[...] Muito raramente, os chamados “planos de manejo” de
áreas protegidas incorporam o conhecimento e manejos
tradicionais, mesmo guando grupos tradicionais vivem em
áreas protegidas. Na realidade, esses “planos de manejo”
refletem essa dicotomia entre homem e natureza. Os
denominados “atributos naturais dos ecossistemas” definidos
pela biologia, ecologia não-humana se tornam os únicos
critérios “cientificamente” válidos para se administrar o espaço
e os recursos naturais [...]
Com o novo reordenamento territorial da reserva por meio do Plano de
Manejo, a Legislação do SNUC (2000) prevê que seja revisado a cada cinco
69
anos, com a possibilidade de redefinir novas áreas e critérios de
reordenamento do território das unidades de conservação.
Entretanto, não muito raro, há aquelas comunidades que ainda resistem
em manter seu próprio modo de ordenamento do território no interior da
reserva, geralmente populações indígenas, impossibilitando a entrada dos
técnicos do IDSM na comunidade e conseqüentemente não fornecendo
informações sobre o modo como estão organizadas no território.
Reis (2005) descreve as reações populares face às atividades de
criação da reserva Mamirauá, relatando vários episódios de desconfiança e
repudio por parte dos moradores locais em relação aos técnicos do IDSM.
[...] Por exemplo, os levantamentos demográficos, segundo a
expectativa local, resultariam na expulsão dos moradores da
Reserva; as famílias que colaboravam com o preenchimento
dos questionários sócio-econômicos e com outras
investigações científicas seriam desapropriadas; os estudos
antropomórficos na área de saúde, que tomavam as medidas
das crianças visavam tirá-las das comunidades, enviando-as
em caixas para o exterior; que a marcação de árvores, que
fazia parte dos levantamentos florestais, indicava as espécies
que seriam confiscadas pelas equipes do Projeto [...] Entre
curiosos e embaraçados, os moradores imaginaram que uma
simples assinatura no livro de visitantes permitiria aos
coordenadores do Projeto tomar-lhes as terras e outros
desmandos [...] As principais reações contrárias da população,
relacionadas à criação da Reserva de modo geral, vieram do
medo de que os usuários fossem desalojados de seus sítios
tradicionais e proibidos de explorar os recursos habituais
(REIS, 2005, p. 107)
Dessa forma, os moradores da reserva Mamirauá passaram a associar
os membros das equipes técnicas do IDSM uma imagem negativa, chamando-
os de “estrangeiro” ou “macaqueiro”, esta última relacionada à pesquisa com
70
primatas que deflagrou o processo de criação da reserva. Pois para estas
comunidades a imposição de um novo reordenamento territorial,
[...] é vista pelos moradores locais como um roubo de seu
território que significa uma porção da natureza sobre o qual
eles reivindicam direitos estáveis de acesso, controle ou uso da
totalidade ou parte dos recursos aí existentes. Essas
comunidades tradicionais têm também uma representação
simbólica desse espaço que lhes fornece os meios de
subsistência, os meios de trabalho e produção e os meios de
produzir os aspectos materiais das relações sociais, isto é, os
que compõem a estrutura de uma sociedade (relações de
parentesco etc) [...] (DIEGUES, 2004, p. 65)
Nas comunidades que aceitam a entrada dos técnicos do IDSM e
possibilitam a realização do mapeamento participativo, observa-se que na
maioria dos casos, as áreas de uso comum de uma determinada comunidade
se sobrepõem nos limites de outras localidades adjacentes, acarretando
inúmeros conflitos por meio do controle e uso dos recursos naturais dentro e
fora dos limites da reserva Mamirauá.
Em seu estudo sobre práticas socioambientais na reserva Mamirauá,
Moura (2007) evidencia a existência dos conflitos sociais, relatando que
[...] Em todas as localidades estudadas ocorreram aumento de
conflitos pelo acesso aos recursos naturais de maior valor
econômico, levando ao surgimento de novos movimentos
sociais de reivindicação de territórios exclusivos, ou restrição
de usuários com base na definição de regras para a exploração
dos recursos [...] (MOURA, 2007, p. 169).
A situação acima demonstra, conforme Raffestin (1993, p. 59-60), que
“[...] O território é um trunfo particular, recurso e entrave, continente e
conteúdo, tudo ao mesmo tempo. O território é espaço político por excelência,
o campo da ação dos trunfos [...]”.
71
Nesse sentido, toda relação de poder pode privilegiar um determinado
trunfo, como por exemplo, a população, o território ou os recursos. A disputa
pelos trunfos do poder geralmente se dão por meio do conflito, o que vem
ocorrendo na reserva Mamirauá desde a imposição da organização política
territorial proporcionada pelo MEB agravando-se posteriormente com a criação
da reserva e a implantação do plano de manejo. Pois, ”[...] Quando a malha é
“desejada“ por um poder, este se esforça por escolher o sistema que melhor
corresponda ao seu projeto, pronto a transformar a existência daqueles que a
ele estão submetidos [...]” (RAFFESTIN, 1993, p.170)
As comunidades da reserva que não aderiram ao novo reordenamento
territorial, principalmente as comunidades indígenas, procuram por meio do
reconhecimento étnico a reivindicação de seus direitos territoriais através da
demarcação de seus territórios, que ao longo do tempo vem aumentando
gradativamente no interior da reserva Mamirauá como afirma Moura (2007).
[...] Alguns grupos populacionais fizeram opção pelo auto -
reconhecimento de sua identidade étnica indígena e algumas
das áreas já foram demarcadas e homologadas pela FUNAI
como Terras Indígenas, algumas com sobreposição ao território
das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
(RDSM) e Amanã (RDSA), evidenciando situações de conflitos
pelo uso de recursos naturais em algumas dessas áreas [...] (p.
52).
O recente aumento nos pedidos à FUNAI pelo reconhecimento
da etinicidade indígena que tem aumentado entre os
moradores da RDSM, me parece ser, mais do que uma
possibilidade maior de acesso aos serviços de saúde (que
cada vez mais estão se complicando para as populações
indígenas no Estado do Amazonas) pode ser uma
manifestação importante de ordem política de que essas
populações tradicionais sabem onde estão outros canais para
fortalecer sua identidade política [...] (p. 295).
72
Este contexto revela que
[...] Todo período de crise, toda insurreição, toda revolução se
traduzem por modificações mais ou menos fortes nos sistemas
de limites. Isso se torna a nova quadriculação na qual se
instaura, por bem ou por mal, uma nova territorialidade. Toda
mudança de malha implica uma nova estrutura de poder [...]
(RAFFESTIN, 1993, p. 170)
De acordo com os moradores da reserva Mamirauá que optam pelo
reconhecimento indígena, afirmam que em “Índio ninguém manda” e que são
os índios que decidem sobre as condições de uso dos recursos naturais nas
suas terras, sem os impedimentos do Plano de Manejo da RDSM.
Isso demonstra que
Quanto mais o universo no qual as pessoas vivem é limitado,
mais a identidade é vivida sob a forma de necessidade: o
indivíduo não vê como poderia se subtrair àquilo que o grupo
do qual ele faz parte, e aqueles que se lhe opõem de forma
permanente, lhe impõe como disciplinas, valores, modos de ser
e imagens [...] Na construção de suas identidades, elementos
materiais, pertencimentos territoriais e valores são colocados
sobre o mesmo plano. (CLAVAL, 1996, p. 18).
A situação demonstrada na reserva Mamirauá, também é reproduzida na
Unidade de Conservação vizinha, a reserva Amanã, cuja categoria e gestão
são as mesmas da reserva Mamirauá, porém com criação mais recente.
73
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA) (Figura 06)
localiza-se na região central do Estado do Amazonas, entre a RDSM e as
águas pretas do rio Negro e Japurá e as águas brancas do rio Solimões,
engloba uma área de aproximadamente 2.350.000 hectares de ecossistema de
terra firme e várzea (DECRETO nº 19.021).
Figura 06: Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã Fonte: IDSM Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
Igualmente a reserva Mamirauá, o nome “Amanã”, vem do lago
localizado no interior da reserva. O lago possui uma área de 45 km de
extensão e 3 km de largura, é alimentado por igarapés de água preta
74
localizados tanto nas áreas da cabeceira e centro, onde estão localizados
alguns dos principais igarapés que compõem o sistema lacustre do Lago
Amanã. Na parte inferior do lago ocorre a presença de águas brancas,
provenientes de paranás e igarapés que se comunicam com o complexo fluvial
do Rio Tambaqui, dos paranás Coraci e Pirataima, os quais por sua vez se
comunicam com o Rio Japurá (ALENCAR, 2007).
A reserva Amanã foi criada a partir do modelo da reserva Mamirauá, por
meio do decreto n0 19.021 em 04 de agosto de 1998 e idealizada pelos
pesquisadores liderados, também, por José Márcio Ayres que realizavam
estudos do peixe-boi amazônico na área da reserva.
Parte da reserva Amanã é constituída por florestas de terra firme, cuja
origem remonta à Era Terciária, enquanto que a outra parte são florestas
alagadas ou de várzea, que surgiram em períodos mais recentes: o Pleistoceno
e o Holoceno. As áreas Terciárias são influenciadas pelas águas brancas
provenientes dos Andes e pelas águas pretas que se originam na bacia
amazônica. Por isso, a fauna inclui elementos pré-andinos, que vivem ao longo
do rio Negro, e elementos mais tipicamente andinos, ao longo do rio Solimões.
A diversidade biológica na área é determinada, principalmente, por essas
influências hídricas (AYRES, 1995).
Quanto a formações fitofisionômicas da RDSA, são encontradas
diferentes formações; dentre elas podemos destacar a Floresta Ombrófila
Densa Aluvial, Floresta Ombrófila Aberta de Terras Baixas, Vegetação Lenhosa
Oligotrófica dos Pântanos (VLOP), Arbórea Aberta e VLOP Arbórea Densa –
essas duas últimas são formações de Campinaranas e Campinas do rio Negro
(WITTMANN, 2005).
As características da paisagem da reserva Amanã desempenham um
papel importante no processo de ocupação humana da área. A população da
reserva é de aproximadamente 4.000 habitantes distribuídos em 58
assentamentos (47 de moradores e 11 de usuários) que vivem na sua grande
maioria, da agricultura, da caça e da pesca em menor escala (CENSO, 2006b).
75
A organização política territorial dos assentamentos humanos da reserva
Amanã, é também, organizada em comunidades e distribuída por três “setores
políticos” (Figura 07), frutos dos trabalhos do MEB e adotado pelo IDSM, atual
gestor da reserva.
Figura 07: Organização Política Territorial da Reserva Amanã Fonte: IDSM Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
Nos anos 90 a criação da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Amanã com um ideário ambiental, reforçou o
modelo de organização comunitária instituído pelo MEB nos
anos 60, ao desenvolver ações voltadas para a preservação de
recursos naturais e valorizar os saberes tradicionais que
envolvem o uso do espaço e dos recursos naturais. A RDSA
também reforçou o ideal de coletividade e introduziu um novo
sentido de identidade às populações locais, as quais foram
convocadas a desenvolver atividades capazes de garantir o
76
uso sustentado e a preservação dos recursos naturais, e a
participar do processo de ordenamento do território e de
definição das regras de uso desses recursos. Assim, no novo
modelo de organização comunitária que surge nos anos 60 e
que é reforçado nos anos 90 com a criação da Reserva, as
famílias que formam as comunidades têm prioridade no uso do
território mais amplo e possuem os mesmos direitos de acesso
aos recursos naturais existentes nesse território (ALENCAR,
2007, p.132).
Entretanto, assim como na reserva Mamirauá, porém, em menor escala,
a reserva Amanã apresenta conflitos sociais motivados pela não aceitação da
atual organização política territorial e principalmente pela reivindicação da
posse da terra por meio do controle e uso dos recursos naturais. Pois segundo
Alencar (2007), em seu estudo sobre a ocupação humana e mobilidade
geográfica de comunidades rurais na reserva Amanã,
[...] a mudança na forma de organização dos grupos sociais
resultou em adequações e na conciliação de interesses que
nem sempre são equacionados, resultando em cisões nos
grupos sociais que formam as comunidades, motivados quer
por conflitos ideológicos (religioso) ou conflitos envolvendo o
controle de acesso a terra e aos recursos naturais. (ALENCAR,
2007, p.128)
Portanto, de acordo com Alencar (2007):
[...] A desobediência às regras pactuadas em reuniões dos
comunitários e entre comunitários de várias comunidades
geram tensões e conflitos intra e inter-comunitários pondo em
risco o sucesso das atividades de manejo, particularmente no
que se refere a extração de madeira e a pesca. A reivindicação
de direitos sobre o uso de certos territórios por parte de famílias
que historicamente estão vinculadas à abertura de um lugar
onde teve origem o grupo social do qual fazem parte, tem sido
outro fator de conflitos. [...] (ALENCAR, 2007, p.126)
77
As transformações contemporâneas, segundo Claval (1996), dos
sentimentos de identidade têm repercussões sobre a territorialidade: ela leva a
uma reafirmação apoiada nas formas simbólicas de identificação.
Diante do exposto, Alencar (2007, p. 60) afirma que “[...] a problemática
da definição dos territórios que é reivindicado por cada comunidade, tendo
como fundamento sua relação histórica com esses territórios, torna ainda mais
complexa a realização de atividades de manejo comunitário propostas pela
administração do IDSM”.
Saquet (2007, p. 47) relata que [...] Quando uma comunidade se sente
ameaçada por constantes mudanças, ela pode recorrer a sua iconografia, a
sua identidade, como forma de resistência e reforço da coesão interna, através
de um sistema símbolos.
Dessa forma, as principais comunidades da reserva Amanã que
reivindicam seus territórios, as quais são na maioria comunidades indígenas,
procuram reivindicar seus direitos territoriais por meio do reconhecimento
étnico promovendo assim, a demarcação de seus territórios.
Vê-se, então, porque os problemas do território e a questão da
identidade estão indissociavelmente ligados: a construção das
representações que fazem certas porções do espaço
humanizado dos territórios é inseparável da construção das
identidades. Uma e outra, estas categorias são produtos da
cultura, em um certo momento, num certo ambiente: os dados
objetivos permitiriam, no mesmo quadro, definir outras
identidades e outros territórios [...] (CLAVAL,1996, p. 16).
A reserva Amanã demonstra que os conflitos socioambientais gerados
em torno da disputa pelo controle do acesso a recursos naturais evidenciam a
maneira como as comunidades indígenas concebem a noção de território.
78
Conforme os relatos de Diegues (2004, p. 61),
Na concepção mítica das sociedades primitivas e tradicionais
existe uma simbiose entre o homem e a natureza, tanto no
campo das atividades do fazer, das técnicas e da produção,
quanto no campo simbólico. Essa unicidade é muito mais
evidente nas sociedades indígenas brasileiras, por exemplo,
em que o tempo para pescar, caçar e plantar é marcado por
mitos ancestrais, pelo aparecimento de constelações estelares
no céu, por proibições e interdições. [...]
Por esta via, o território segundo Saquet (2007), envolve ao mesmo
tempo a relação sociedade-natureza, compreendido a partir do espaço “vivido”.
Assim, de acordo com Saquet (2007), é preciso olhar o território como
produto histórico e condições de processos sociais, com formas e
territorialidades, interações entre sociedade e natureza, lugar de identidade e
patrimônio cultural, em fim, de vida.
[...] Por isso, os planos e as políticas de desenvolvimento
devem partir de uma geografia que reconheça as relações, ou
seja, de uma geografia da territorialidade, [...] como nó e centro
da organização espacial. Esta pode ser uma geografia das
possibilidades de desenvolvimento, sendo que as redes de
sujeitos (individuais e coletivos), são um instrumentos
conceitual e operativo para governar a territorialidade.
(SAQUET, 2007, p. 115)
Por meio do exposto, torna-se importante conhecer os processos de
constituição dos grupos sociais e sua relação histórica com certos territórios, os
quais mantêm relações materiais e imateriais com o mesmo.
79
A presença de Populações Indígenas em Ambientes de Várzea e Terra-Firme no Médio Solimões
Historicamente o médio Solimões tem sido ocupado por distintos grupos.
Segundo Fausto (2002), o pouco conhecimento que se tem dos grupos
indígenas que aí viveram somente é encontrado nas crônicas dos
colonizadores, nos relatos de missionários como Betendorf (1698) e Samuel
Fritz (1691), e, já no século XIX, nos relatos de naturalistas e viajantes, nos
livros de botânicos, zoólogos, arqueólogos e antropólogos.
De acordo com Ribeiro (1990), o geógrafo Denevan (1970) estimou a
população indígena, principalmente a residente na várzea, em 28 habitantes
por km2, chegando a uma estimativa de 5.100.000 habitantes, com a presença
de povoados contínuos, construídos ao longo das margens deste rio e se
estendiam por quilômetros. Pois segundo Megger (1987, p. 200):
[...] uma disposição linear de casas é natural numa aldeia
orientada para a exploração da várzea e é uma característica
de povoamento ribeirinho, de maneira geral. Como o acesso
aos recursos da várzea é maior ao longo do rio, o povoamento
tende a expandir-se no sentido lateral, pelas margens, antes de
começar a espalhar-se em direção ao interior. Assim sendo, é
de esperar-se que uma adaptação em equilíbrio tome a forma
de uma faixa estreita do povoamento quase contínuo, ao longo
das margens da várzea, e foi exatamente o que os primeiros
visitantes europeus descrevem.
Dentre os grupos que habitaram esta região do Médio Solimões, estão
os Aparia ou Carari, os Omáguas, os Aricana, os Machiparo, os Curuzirari ou
Aisuari, Kokama, Yurimagua além de outros (RIBEIRO, 1990).
A história do rio Amazonas se passa então, principalmente, mas não
exclusivamente, em áreas de várzea; mesmo aquelas tribos que estavam
assentadas sobre terraços de terra firme que chegavam a margear o rio em
80
diversos trechos, tinham grande parte das suas atividades de subsistência
ligadas à vida fluvial. Algumas tribos estavam tão identificadas com esse
ambiente que consideravam as margens do interior lugar de bárbaros e
impróprios à vida humana em sua plenitude (RIBEIRO, 1990).
[...] Em meados do século XVI, a várzea amazônica
surpreendera os primeiros viajantes com uma população
numerosíssima, internamente estratificada e assentada em
povoados extensos, produzindo excedentes que alimentavam
um significativo comércio intertribal de produtos primários e
manufaturados [...] uma leitura atenta das primeiras fontes
sugere um padrão de assentamento contínuo ao longo de
quilômetros de margens fluviais e provavelmente quase linear,
o que é consistente com uma economia essencialmente ligada
aos recursos aquáticos e da várzea inundável (PORRO, 1998,
p. 176 – 177)
Porém, essa população numerosa, que representava um nível elevado
de organização político-social de acordo com o trabalho de Porro (1998), em
pouco menos de dois séculos após o início da ocupação colonial foi reduzida
drasticamente:
Em contraste com a terra firme, cuja vastidão a tornou imune à
interferência dos primeiros exploradores europeus, a várzea
era compacta, acessível e vulnerável. Resultou, portanto, que o
padrão cultural indígena foi completamente destruído nos 150
anos que seguiram à sua descoberta, deixando apenas
narrações fragmentadas e impregnadas da parcialidade dos
observadores que forneceram os detalhes do caráter anterior
dessas culturas [...] Apesar das deficiências, entretanto, as
primeiras crônicas atestam com clareza que a densidade
demográfica e o nível de desenvolvimento cultural eram bem
maiores na várzea que na terra firme, ao tempo do primeiro
contato com europeus. Os Omágua do alto médio Amazonas e
os Tapajós, da foz do rio do mesmo nome, são mencionados
com bastante freqüência em diferentes relatos, de modo a se
81
poder ter uma descrição geral dessas culturas (MEGGERS,
1987, p. 173-174).
A respeito do desaparecimento das tribos indígenas no século XVIII, os
autores Brondizio; Siqueira (1992) e Porro (1998) relatam que:
[...] O impacto sofrido pelas populações ameríndias à época da
chegada dos europeus, sem dúvida representou uma
acentuada ruptura nos sistemas sociais e no padrão de
assentamento, criando uma nova realidade espacial de
distribuição e densidade populacional [...] Os grandes
cacicados que habitavam as várzeas formando sociedades
com certos níveis de estratificação e poder, foram os primeiros
a se afetados. As doenças e a escravidão foram os principais
fatores de despopulação e desestruturação das sociedades
indígenas, levando a acentuar-se um padrão de migração das
várzeas para terra firme (BRODIZIO; SIQUEIRA, 1992, p. 188).
[...] Ao mesmo tempo, missões e povoados eram fundados ao
longo do Amazonas com índios descidos pelas tropas de
resgate e pelos missionários; disto resultou numa sociedade
ainda essencialmente indígenas, embora fortemente marcada
pelo desenraizamento e pela aculturação intertribal e
interétnica (PORRO, 1998, p. 195).
A partir do século XIX o padrão de povoamento adquiriu novos
contornos, proporcionada pela ocupação nordestina que ocorreu de forma
intensa estimulada pela expansão da atividade econômica centrada no
extrativismo da borracha e com as políticas dos governos provinciais voltadas
para o povoamento da Amazônia (GONÇALVES, 2001).
Pode-se dizer, que, este processo foi doloroso para diversos
povos indígenas porque muitos deles foram forçados a
extraírem borracha para os proprietários alterando
completamente seus modos de vida. A relação de dependência
instituída obrigava os índios a abandonarem a agricultura, caça
82
ou pesca, para se abastecerem nos armazéns dos seringais
[...] (NOGUEIRA, 2007b, p. 40).
Segundo Oliveira (1984), no momento mais produtivo da indústria da
seringa, entre os anos de 1850 do século XIX e anos 20 do século XX, grandes
levas de nordestinos foram estimulados a migrar para a Amazônia, e das
cidades de Belém e Manaus eram encaminhados para os seringais situados
nas cabeceiras dos rios Madeira, Juruá, Purus e Japurá, onde estavam
concentrados os seringais mais produtivos. Esses imigrantes, atraídos pelas
noticias de fartura e de obter riquezas, acabaram contribuindo para realizar o
processo de ocupação dos amplos territórios, ao mesmo tempo em que
causavam o despovoamento daquelas áreas já ocupadas pela população
ameríndia.
Saindo à procura de seringueiras nativas, os extratores
brasileiros conseguiram aumentar o patrimônio territorial do
Brasil com a anexação do Acre e, chegando à região sempre
em levas crescentes, os migrantes ampliaram o contingente
demográfico da Amazônia que em 1820 foi estimado ao redor
de 137 mil habitantes; em 1870 passou para 323 mil; em 1900
alcançou cerca 695 e em 1910 chegou a atingir 1.217.000
indivíduos. Mas enquanto crescia a população dita civilizada,
diminuía a indígena, com a retração de suas terras (OLIVEIRA
1984, p. 223)
De acordo com Nogueira (2007b), o processo de migração resultou em
diversos conflitos entre os colonos e os povos indígenas, na qual tiveram suas
terras ocupadas pelo processo de migração.
A entrada desses migrantes alterou o quadro populacional e introduziu
um novo modo de ocupação da região, com os trabalhadores da seringa se
dirigindo para as áreas centrais de terra firme, para onde haviam se deslocado
os grupos indígenas que escaparam do extermino no primeiro momento da
ocupação colonial, localizados nas margens dos rios.
83
Entretanto, apesar do número de imigrantes ser contado em dezenas de
milhares, sabe-se que houveram muitas mortes, motivadas por conflitos com a
população indígena, por doenças como o beribéri, a malária e a febre amarela;
por maus tratos por parte dos seringalistas, por fatores ambientais
desfavoráveis, e o sistema econômico de semi-escravidão que caracterizaram
a indústria extrativista.
No final do século XIX, com o aumento da demanda pela borracha no
mercado internacional, não apenas os imigrantes estrangeiros e nordestinos
participaram da indústria extrativista trabalhando em regime de escravidão,
como também a população indígena foi amplamente utilizada pelos
seringalistas.
De acordo com Oliveira (1984, p. 223, 224)
[...] conforme aumentava a procura da borracha no mercado
exterior, mais e mais se requeria o trabalho do índio na
descoberta do produto e no reconhecimento dos canais, furos e
igarapés, que eram as vias utilizadas, fazendo com que esse
produto pudesse chegar ao ponto de partida para a sua
distribuição [...] Com a pressão da demanda, o aliciamento do
indígena foi acelerado não só para a procura de seringais, mas
também de cauchais. A técnica usada para esse aliciamento
consistia em seqüestrar as mulheres e crianças, assegurando
dessa forma a cooperação dos homens na busca de novas
árvores.
Nogueira (2007b) relata que a borracha era um monopólio natural da
Amazônia, visto que só existia nesta região. A partir da implantação de
seringais de cultivo nas colônias inglesas localizadas na Ásia a produção em
larga escala forçou uma queda nos preços e levou à decadência a extração
realizada na Amazônia.
Com o declínio da produção da borracha nas primeiras décadas do
século XX ocorreu um novo fluxo migratório, quando seringueiros começaram a
84
descer os rios em busca de lugares para se estabelecer, e de alternativas de
produção econômica. Alguns se dirigiram para as áreas de várzea do Médio
Solimões, do Japurá e Purus, reconhecidos pela fartura de pescado e de outros
produtos extrativos com grande valor de mercado, como é o caso das peles de
animais. A história recente desses agrupamentos populacionais indica uma
nova mudança no sentido da reocupação desses lugares (ALENCAR, 2002).
O padrão de assentamento a partir do século XX voltou a privilegiar a
ocupação das margens dos rios principais e a existência de um comércio
centrado na exploração de produtos extrativista, constituído em torno do
barracão dos patrões que recebiam a produção dos ribeirinhos em troca do
aviamento de mercadorias (ALENCAR, 2002).
A disputa entre os remanescentes indígenas e migrantes nordestinos
pelo acesso e uso dos recursos naturais, principalmente o de alto valor
econômico, no Médio Solimões, ocasionou inúmeros conflitos sociais.
Além dos efeitos lastimáveis sobre a integridade das populações
indígenas causada pelo contato com o branco, ocorreu o impacto ambiental
pela exploração intensa dos recursos aquáticos da várzea, em especial
tartarugas e peixe-boi, ocasionando a queda em alguns produtos extrativista.
A queda na produção de alguns produtos extrativista leva os patrões a
migrarem para os centros urbanos. Como conseqüência da falência dos
barracões verifica-se a extinção de assentamentos que estavam sob a
influência do comércio local e a dispersão de seus moradores.
Os assentamentos abandonados pelos patrões, mas não pelos antigos
fregueses/moradores, foram levados a um processo de reestruturação de sua
organização social. Os regatões passaram a ser os principais intermediários
comerciais, destituídos, porém do mesmo caráter patriarcal e dominador dos
patrões. Não só patrões migraram para as cidades nesta década. Muitos
ribeirinhos também procuraram morar em cidades e além de Manaus, cidades
como Tefé passaram a crescer devido ao êxodo rural (ALENCAR, 1993).
85
Segundo Arnaud (1981), em apenas quatro anos (de 1970 a 1974), a
população da cidade de Tefé cresceu de 7.810 para 9.472 habitantes.
A colonização, embora tenha sido implantada com o objetivo
de levar populações para a zona rural da Amazônia, não gerou
efeito, visto que a migração para as cidades fez com que o
ritmo de crescimento destas fosse superior ao da zona rural [...]
(NOGUEIRA, 2007b, p. 41).
A partir do trabalho do MEB, descrito anteriormente, os assentamentos
que não foram abandonados, passam a ter uma nova organização territorial. As
vilas e sítios são, a partir desta década, chamados de "comunidades", termo
que denota não só o assentamento, mas carrega principalmente o sentido de
responsabilidade comunal pelas decisões políticas que afetam a vida de seus
moradores.
Entre a nova organização territorial proposta pelo MEB e os inúmeros
conflitos sociais ocorridos em áreas indígenas no Médio Solimões, possibilitou
uma rede de união dos povos indígenas para a reivindicação e a demarcação
de seus territórios.
Com relação às reivindicações do reconhecimento dos direitos
territoriais, políticos e sociais dos indígenas do Médio Solimões, Faulhaber
(2004, p. 555) relata que:
[...] No Médio Solimões, a figura da mobilização territorial
indígenas remota a 1920, quando após lutas identitárias
lideradas pelos índios Miranha, o SPI (Serviço de Proteção aos
Índios, órgão antecessor da Funai) demarcou a aldeia da Méria
e, em 1930, delimitou a Miratu. A partir dos anos 1980, verifico-
se o revigoramento do “movimento dos índios” [...] foram
reconhecidas pelo Estado, através da Funai, as seguintes
Terras Indígenas: Jaquiri, Igarapé Grande, Barreira da Missão
(Ticuna) e Nova esperança (Cocama). As terras Canamari
86
(Maraã Urubaxi e Paricá), Macu (Boá-Boá e Aparoris) e
Miranha (Cuiú-Cuiú) do Japurá foram delimitadas pela Funai
em 1987 [...]. Naquele momento, também se apresentava a
reivindicação territorial das comunidades Ticuna de Porto Praia
e Tupã-Supé [...].
A reivindicação do reconhecimento dos direitos territoriais, políticos e
sociais dos indígenas, em sua grande maioria são feitos pelo reconhecimento
da identidade étnica. Em seu estudo sobre estruturas e representações sociais
no meio rural Amazônico, Lima (1999) faz importantes observações sobre as
populações indígenas no Médio Solimões, evidenciando a importância da
identidade étnica para questões políticas.
De acordo com a autora,
No médio Solimões, os descendentes dos grupos indígenas
remanescentes (cambeba, ticuna, maioruna, uitoto, miranha e
cocama) ocasionalmente usam o termo caboclo como um
rótulo de auto-identificação, embora o façam apenas quando
relembram o passado. No contexto de eventos
contemporâneos, esses grupos identificam-se como índios,
uma vez que esta é uma categoria que adquiriu valorização
política. (LIMA, p.5 1999)
Saquet (2007) relata que a identidade é um componente fundamental na
constituição territorial, sendo concebida como unidade relacional, produto
histórico e condição da reprodução social.
A identidade é, constantemente, reconstruída histórica e
coletivamente, e se territorializa, especialmente, através de
ações políticas (de gestão) e culturais. Há uma combinação de
processualidade histórica relacional na explicação da
identidade e da formação do território (SAQUET, 2007, p. 149).
87
Por esta via, Claval (1996) comenta que o território serve como uma
base para sentimentos de identidade de diversos modos.
A maior parte das estruturas conhecidas da vida coletiva se
traduz através de formas de territorialidade.
Elas são variadas: vão da apropriação completa ao simples
enraizamento simbólico, e, portanto, da divisão de unidades
discretas e que se negam e se ignoram até a articulação em
torno de focos aos quais se prendem as identidades. Se a
territorialidade é indispensável à afirmação e à realização das
formas de existência e de identidade coletivas, suas formas e
suas modalidades são múltiplas (CLAVAL, 1996, p.23).
Deste modo, Saquet (2007) também, afirma que o território é produto e
condição social, influenciando na constituição da identidade local em virtude de
ações coletivas; tem um conteúdo dinâmico e ativo, com componentes
objetivos e subjetivo, nos níveis local e extralocal.
O fato é que a identidade, na vida, é multidimensional e, ambos
os processos, de ser e não-ser, constituem-se e estão
presentes na própria territorialização, nas próprias
territorialidades. É no movimento que está a unidade, a
interação, a fluidez. Há unidade contraditória e complexa: a
política está na economia e esta, naquela; a cultura, na política
e vice-versa; o mesmo ocorre na relação cultura-economia.
Cada um destes processos está no outro: economia-politica-
cultura, unidos com a natureza exterior ao homem. A vida é
natural e social. é multidimencional, multiterritorial. (SAQUET,
2007, p. 155).
Nesse sentido, Saquet (2007) enfatiza que a identidade é trabalhada a
partir da dificuldade de adaptação de um individuo em situações novas ou
como um modo de ser coletivo. Podem-se destacar processos individuais ou de
grupo. Uma pessoa pode se adaptar e se identificar em um novo contexto
social ou um grupo social pode construir sua identidade, com relações de
88
afetividade, confiança e reconhecimento. De qualquer forma, a identidade se
refere à vida em sociedade, a um campo simbólico e envolve a reciprocidade.
Na geografia, significa, simultaneamente, espacialidade e/ou territorialidade.
Posteriormente, com a criação das reservas Mamirauá e Amanã na
década de 1990, houve uma nova reorganização política territorial dos
assentamentos por meio de regras de acesso e uso dos recursos naturais em
prol da conservação da natureza. Esta situação possibilitou o aumento dos
pedidos na demarcação de várias Terras Indígenas no interior das reservas.
Entretanto, ARAÚJO (2004) relata que os problemas surgem quando o
reconhecimento dos direitos territoriais incide dentro dos limites da Unidade de
Conservação em questão, gerando, portanto sobreposição de territórios e
conseqüentemente conflitos ao acesso dos recursos naturais. Pois os índios
têm direito assegurado pela Constituição ao usufruto exclusivo sobre os
recursos naturais de seus territórios, diferente das áreas protegidas, onde há
restrição do direito de usufruto exclusivo dos índios, criando problemas e
conflitos.
A situação demonstrada é encontrada em algumas Terras Indígenas
localizadas no Médio Solimões, que por meio do reconhecimento de seus
direitos territoriais acabaram sobrepondo seus territórios nas duas Unidades de
Conservação Estaduais – Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá
e Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã.
89
Sobreposição Territorial das Reservas de Desenvolvimentos Sustentável Mamirauá e Amanã e Terras Indígenas no Médio Solimões
A recente política de reconhecimento da identidade indígena com base
no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que estabelece o
reconhecimento dos direitos à “terra necessária para sua reprodução física e
cultural em conformidade com seus hábitos, costumes e tradições”, e da
aceitação pelo Brasil dos termos da Convenção 169 que estabelece a auto-
definição como critério fundamental de reconhecimento de um povo, configura
novos cenários de participação política para os povos indígenas da Amazônia.
No Estado do Amazonas está registrado o maior número de populações
indígenas do Brasil e onde está ocorrendo o maior número de homologação de
Terras Indígenas nos últimos anos. Este fato deve-se em parte ao conjunto das
medidas políticas do Estado do Amazonas, na qual se encontra o
fortalecimento da Fundação Estadual dos Povos Indígenas - FEPI com
alocação de programas especiais para atendimento às políticas dos povos
indígenas, e instituições não-governamentais que fortalecem a união dos povos
indígenas.
O município de São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, de maior
número de população indígena no Brasil, em 2002, aprovou uma lei que co-
oficializa as línguas indígenas Nheengatu, Tukano e Baniwa, fato inédito na
história brasileira. Essas inovações de valorização étnica são reconhecidas
como importantes instrumentos das políticas afirmativas.
O reconhecimento constitucional do território e de preservação dos
recursos naturais necessários aos povos indígenas, com a determinação
jurídica de Terras Imemoráveis às Terras Indígenas e a definição de políticas
sociais diferenciadas em especial para educação e saúde, repercutem como
90
situações favoráveis para que essas populações pleiteiem o reconhecimento
de sua identidade indígena.
No Médio Solimões, Lima e Souza (2006) evidenciam o aumento das
reivindicações pelo reconhecimento dos direitos territoriais, políticos e sociais
dos indígenas, relatando que esta é a região em que se verifica o maior
dinamismo étnico, concentrando o maior número de reivindicações de
reconhecimento étnico e territorial
De acordo com Lima e Souza (2006), em 2004 a União das Nações
Indígenas - UNI de Tefé (instituição indígena regional fundada em 1989 que
organiza e potencializa as reivindicações indígenas e as lutas pelos seus
direitos) encaminhou à FUNAI em Manaus um total de 26 pedidos de
reconhecimento de novas terras (uma das quais, cancelou o pedido no ano
seguinte). Em 2005, encaminhou outros 18. Esse segundo conjunto de pedidos
foi apenas protocolado pela FUNAI de Manaus, ao passo que a série de 2004
recebeu as providências administrativas usuais. Até julho de 2006, a UNI Tefé
havia encaminhado um total de 46 pedidos de reconhecimento de terras
indígenas na região.
Para André Cruz, liderança cambeba e ex-coordenador da UNI Tefé, o
número de solicitações recebidas pela UNI Tefé é ainda maior do que as 46
listadas acima, pois o ex-coordenador da instituição encaminhava apenas os
pedidos de parente. Aos não qualificados, recomendava que buscassem seus
direitos junto ao Sindicato de Trabalhadores Rurais e o Incra. (LIMA; SOUZA,
2006)
Esse número de pedidos é maior do que as terras demarcadas e
homologadas até hoje na região, 18 no total, sem contar três requerimentos
mais antigos (LIMA; SOUZA, 2006).
A maioria das solicitações de reconhecimento da identidade indígena no
médio Solimões advém das comunidades residentes no interior das reservas
Mamirauá e Amanã. Essa situação demonstra, conforme Diegues (2004), uma
91
visão conflitante entre o espaço definido pelo Estado e o espaço dos
comunitários definido pelas relações simbólicas e materiais.
Essa ultima modalidade, a dos “comunitários”, é a que até
recentemente apresentava a menor visibilidade social e
políticas, uma vez que existe em regiões relativamente
isoladas, sendo característica de comunidades tradicionais
como a “caiçara”, a dos jangadeiros, a dos ribeirinhos etc. [...]
(p. 66).
[...] Essas sociedades desenvolveram formas particulares de
manejo dos recursos naturais que não visam diretamente o
lucro, mas a reprodução social e cultural; como também
percepções e representações em relação ao mundo natural
marcadas pela idéia de associação com a natureza e
dependência de seus ciclos. [...] (DIEGUES, 2004, p. 82)
Nesse sentido, Saquet (2007) descreve que a ligação dessas
sociedades e o lugar que elas ocupam se torna extremamente próxima, não
apenas por causa da familiaridade e dependência, mas também porque as
pessoas compreendem os lugares orgânica e espiritualmente, de maneira
conectada.
Portanto,
[...] Facilmente podemos afirmar que ela constrói seu território
como área controlada para usufruto de seus recursos,
especialmente os naturais (algo bastante genérico e, portanto,
variável entre os diferentes grupos). Mas os referentes
espaciais, aí, também fazem parte da vida dos índios como
elementos indissociáveis, na criação e recriação de mitos e
símbolos, podendo mesmo ser responsáveis pela própria
definição do grupo enquanto tal. (HAESBAERT, 2007, p 69)
Desse modo, o território para as sociedades indígenas é compreendido
não só por um princípio material de apropriação, mais por um princípio cultural
92
de identificação, ou melhor, de pertencimento. Assim, o território não pode ser
percebido apenas como uma posse, mas como uma parcela de identidade,
fonte de uma relação entre homem e natureza.
As comunidades indígenas que tiveram seus territórios demarcados e
homologados no Médio Solimões estão representadas na Tabela 01.
Tabela 01. Terras Indígenas do Médio Solimões Fonte: IDM, FUNAI, ISA
Dentre as 18 Terras Indígenas representadas na tabela 01, existem 10
TI que se localizam no entorno e dentro das reservas Mamirauá e Amanã,
ocasionando contigüidade e sobreposição parcial e integral de territórios como
demonstra a Tabela 02.
Nº Terra Indígena Etnia Ano de Criação Rio e Município
01 Barreira da Missão Kambeba 1991 Rio Solimões, Tefé
02 Marajaí Matsé 1991 Rio Solimões, Alvarães
03 Méria Miranha 1993 Rio Solimões, Alvarães
04 Igarapé Grande Kambeba 2004 Rio Solimões, Alvarães
05 Tupã-Supé Tikuna 2004 Rio Solimões, Alvarães
06 Jaquiri Kambeba 1991 Rio Solimões, Uarini
07 Porto Praia Tikuna 2004 Rio Solimões, Uarini
08 Miratu Miranha 1991 Rio Solimões, Uarini
09 Paraná do Paricá Kaixana 1998 Rio Japurá, Maraã
10 Cuiú-Cuiú Miranha 2003 Rio Japurá, Maraã
11 Maraã / Urubaxi Kanamari 1998 Rio Japurá, Maraã
12 Macarrão Tikuna 2004 Rio Solimões, Jutaí
13 Acapuri de Cima Kokama 2000 Rio Solimões, Jutaí
14 Uati – Paraná Tikuna 1991 Rio Solimões, Jutaí
15 São Domingos do Jacapari e Estação
Kocama 2003 Rio Solimões, Jutaí
16 Espírito Santo Tikuna 1999 Rio Solimões, Jutaí
17 Estrela da Paz Tikuna 1995 Rio Solimões, Jutaí
18 São Sebastião Kaixana 2001 Rio Solimões, Jutaí
93
Tabela 02. Terras Indígenas no Entorno e Dentro das Reservas Mamirauá e Amanã. Fonte: DSM, ISA, FUNAI
De acordo com tabela 02 as TIs que circundam e sobrepõem as RDS
Mamirauá e Amanã se articulam de diferentes modos a estas, ou seja, os
índios residentes no entorno das reservas são na maioria usuários dos
recursos naturais das reservas, mas de acordo com as normas do Plano de
Manejo. Já as TIs sobrepostas nem todas participam dos processos de gestão
das reservas, por conta dos direitos e autonomia sobre seus territórios,
havendo registros de conflitos ocasionais com os demais moradores das
reservas Mamirauá e Amanã.
Nesse sentido, Haesbaert (2004, p. 56, 57) comenta que “[...] Há uma
distinção muito nítida entre diferentes formas de construção do território e/ou
da territorialidade em relação a seus recursos, dependendo de fatores como
tipo de mobilidade a que o grupo está sujeito”.
Os principais exemplos de participação e conflitos ocasionados pela
sobreposição desses territórios são evidenciados em algumas terras indígenas.
Neste estudo destacaremos a TI Jaquiri e TI Porto Praia, ambas sobrepostas à
reserva Mamirauá e a TI Cuiú-Cuiú limite com a reserva Amanã, pois as três
TI‟s localizam-se na área focal das reservas onde se desenvolvem as
atividades-piloto do Plano de Manejo.
Nº Terra Indígena Sobreposição Observações
01 Jaquiri 100% Área sobreposta à da RDS Mamirauá
02 Acapuri de Cima 100% Área sobreposta à da RDS Mamirauá
03 Porto Praia 100% Área sobreposta à da RDS Mamirauá
04 Uati – Paraná 11,74% Área sobreposta à da RDS Mamirauá
05 Tupã-Supé 0% Limite com a RDS Mamirauá
06 São Domingos do Jacapari e Estação
0% Limite com a RDS Mamirauá
07 Espírito Santo 0% Limite com a RDS Mamirauá
08 Estrela da Paz 0% Limite com a RDS Mamirauá
09 Paraná do Paricá 0% Limite com a RDS Mamirauá
10 Cuiú-Cuiú 0% Limite com a RDS Amanã
94
Antes da criação da reserva Mamirauá, a TI Jaquiri declarada em 1982
pela Funai, já participava, segundo Faulhaber (1987), de mobilizações de
defesa de seus lagos desde o início dos anos 1980. Em 1982, os índios
Miranha e Kambeba da TI Jaquiri, reunidos em um ajuri inter-comunitário,
apreenderam uma canoa de pesqueiros que realizavam pesca predatória no
lago Jaquiri (lago localizado no interior da TI).
Posteriormente com a criação da reserva Mamirauá os indígenas da TI
Jaquiri começaram a participar dos manejos de recursos naturais propostos
pelo IDSM.
De acordo com Pires (2004, p. 562),
[...] A percepção deles é de que a implementação da RDSM
reforçou a proteção à sua própria área. Desse modo, eles têm
assegurado não só um apoio institucional adicional à sua área,
como também a garantia da integridade da Terra Indígena. [...]
O setor Mamirauá, ao qual a TI Jaquiri está integrada, iniciou
as atividades de manejo em 2001, sem que tivesse ocorrido
qualquer conflito de interesses.
Uma das principais atividades de manejo aderida pela TI Jaquiri foi o
manejo do ecoturismo localizado próximo a TI (Figura 08), sendo a primeira
comunidade indígena na reserva a se beneficiar diretamente de um programa
de alternativa econômica oferecido pelo IDSM.
95
Figura 08: Área de Manejo do Ecoturismo Localizada no Setor Mamirauá Fonte: IDSM, FUNAI, ISA Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
Além da TI Jaquiri participam seis comunidades do manejo do
ecoturismo entre elas Boca do Mamirauá, Caburini, Macedônia, Sítio São José,
Vila São José e Vila Alencar, as atividades se restringe a visitas aos atrativos
turísticos naturais, culturais e científicos, localizados nos lagos, trilhas, canos e
em algumas comunidades.
Nas comunidades, os ecoturistas têm oportunidade de conhecer a rotina
do morador local e visitar as associações de produtores locais, como é o caso
da AMUVA - Associação de Mulheres da comunidade de Vila Alencar.
As visitas às comunidades foram elaboradas utilizando metodologias
participativas em reuniões que tinham como objetivo identificar os atrativos
96
existentes em cada comunidade, segundo sua própria visão de atratividade e
estabelecer regras de conduta para os turistas durante estas visitas.
Apenas três comunidades não fazem parte do roteiro de visitação
turística entre elas a comunidade Macedônia, Vila São José e a TI Jaquiri, esta
última proibida por não haver uma regulamentação específica que defina as
atividades turísticas em Terras indígenas.
As comunidades participam do manejo do ecoturismo de várias formas,
como guias e auxiliares através da Associação de Guias e Auxiliares de
Ecoturismo (AAGEMAM), no gerenciamento da Pousada, trabalhando e
fornecendo produtos agrícolas para a Pousada, recepcionando turistas nas
suas comunidades e vendendo artesanato.
Além dos benefícios econômicos diretos absorvidos pelos comunitários,
através da prestação de serviços e venda de produtos, o empreendimento de
ecoturismo gera lucros que são repartidos entre o sistema de fiscalização do
Setor Mamirauá e as comunidades que participam do manejo do ecoturismo.
Este sistema de repartição de benefícios foi criado pela equipe do IDSM com
as comunidades, através de um processo de negociação e articulação entre os
atores principais: representantes das comunidades locais, Instituto Mamirauá e
agentes de fiscalização.
O sistema de repartição teve início no ano de 2002, quando a atividade
gerou seus primeiros lucros. Na ocasião, os líderes das comunidades e os
técnicos do IDSM se reuniram para decidir como e em que os lucros seriam
investidos, chegando à conclusão que todas as sete comunidades que fazem
parte do Setor deveriam investir sua parte dos lucros em projetos de
desenvolvimento que beneficiassem a qualidade de vida dos membros das
comunidades como um todo e não apenas alguns indivíduos.
97
Na Figura 09 está representado um exemplo de inscrição de projeto de
desenvolvimento comunitário elaborado pelos índios da Terra Indígena Jaquiri
no ano de 2003.
Figura 09: Formulário de inscrição de Projeto de Desenvolvimento Comunitário do Setor Mamirauá – Proponente: Terra Indígena Jaquiri (2003) Fonte: IDSM
Apesar da TI Jaquiri participar do manejo do ecoturismo, ainda que fora
de sua área demarcada, os indígenas de Jaquiri estão pleiteando aumentar sua
área indígena que atualmente mede 1.820 hectares, esta situação é parte das
preocupações atuais dos gestores do IDSM e de algumas comunidades como
Vila Alencar e Juruamã. Pois, na área onde os indígenas de Jaquiri estão
pleiteando, há os planos de manejo florestal desenvolvido pelo IDSM
juntamente com as comunidades Juruamã e Vila Alencar. Segundo os relatos
dos gestores da reserva Mamirauá, os indígenas já estão querendo impedir o
uso dos recursos naturais por estas comunidades desencadeando uma série
de conflitos com as comunidades das adjacências.
98
O pleito de ampliação da área indígena conduzirá, certamente, a
constituição de novas “fronteiras internas”. Quanto a isso Raffestin (1993 p.
168, 169) enfatiza que,
Se as fronteiras passam por fases de funcionalidade ou
disfuncionalização, isso em geral é determinado, ou
comandado, por modificações socioeconômicas ou
sociopolíticas. A funcionalização não afetam somente o
território, mas também o tempo social no interior desse
território. Com freqüência, o espaço e o tempo sociais se fazem
e se desfazem simultaneamente. O invólucro espaço-temporal,
no qual se originam as relações de poder é um todo. Assim,
pois, o limite ou a fronteira não decorrem somente do espaço,
mas também do tempo [...]
Nesse sentido, é preciso observar o processo histórico de ocupação do
território por certos grupos sociais que, embora tenham residência permanente
em uma comunidade, seu território de atuação se estende por uma região
muito ampla, ultrapassando as fronteiras definidas para cada comunidade.
Aquelas famílias que em algum momento residiram em determinada área
realizando o cultivo de roças e explorando os recursos ali existentes, embora
hoje residam em outro local, continuam a reivindicar o direito de uso daquele
território construído por seus ancestrais. São as capoeiras, as plantas
cultivadas, os significados ligados a aspectos religiosos e cosmológicos
daquela área que lhes dão a garantia do direito de reivindicar o uso do
território.
Dessa maneira, Saquet (2007, p. 117) argumenta que
[...] O território é produto histórico e condição de processos
sociais, com formas e territorialidades, interações entre a
sociedade e a natureza; tem caráter político muito forte, em
direção a uma sociedade à constituição da sociedade local,
articulada, mas com capacidade de autogestão, valorizando a
natureza, ajuda mútua, o pequeno comércio, a autonomia, o
99
trabalho manual do agricultor, os saberes populares, a
cooperação, os marginalizados, o patrimônio cultural-identitário,
a biodiversidade, as microempresas, enfim, a vida [...]
De acordo com os moradores da TI Jaquiri, a solicitação do aumento da
sua área indígena já se encontra com providencias encaminhas à Funai-
manaus. Se o aumento da TI Jaquiri for aprovado, os planos de manejo
florestal realizados entre os gestores do IDSM e as comunidades de Vila
Alencar e Juruamã ficam comprometidos, juntamente com o acesso aos
recursos naturais por outras comunidades vizinhas, pois os indígenas
passaram a ter o direito do usufruto exclusivo do território estendido e garantido
por Lei.
Diante desse contexto, podemos ressaltar que apesar dos indígenas de
Jaquiri participarem do manejo do ecoturismo na reserva Mamirauá, os
mesmos apresentam conflitos na disputa de um território onde são realizados
parte do programa do Plano de Manejo da reserva Mamirauá. Por esta via, é
importante destacar que a sobreposição territorial entre a TI Jaquiri e a reserva
Mamirauá do ponto de vista das práticas sociais, deixa claro a contradição de
diferentes territórios e conseqüentemente a concepção de sociedade-natureza
interpretada de forma distinta.
Para Lima (2004), legalmente os diferentes territórios que sobrepõem é
irrelevante, pois o que permanece na prática é o direito do usufruto exclusivo
dos recursos naturais que as populações indígenas têm sobre seus territórios,
o que importa é o período que ocorre às sobreposições
A criação desses territórios diferenciados se deu em datas
distintas e resultaram em diferentes situações em que a
Unidade de Conservação se sobrepôs à Terra Indígena, ou a
Terra Indígena se sobrepôs a Unidade de Conservação.
Legalmente, tal distinção é irrelevante, pois os índios possuem
direito originário às terras que tradicionalmente ocupam.
Porém, neste caso a cronologia das sobreposições importa
100
para entender seus diferentes resultados locais [...] (LIMA,
2004, p. 540)
Embora os direitos dos indígenas estejam assegurados pela
Constituição Federal de 1998 no artigo 231 que declara nulos e extintos, sem a
produção de quaisquer efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a
ocupação de quaisquer efeitos jurídicos, o domínio e a posse das terras
indígenas, como por exemplo, a sobreposição de Unidades de Conservação
em Terras Indígenas, torna-se relevante refletir sobre as diferentes visões em
relação sociedade-natureza por meio do território. Pois, de um lado temos o
território percebido pelas relações material e imaterial entre homem-natureza
de forma complexa e conectada e de outro percebido pela separação parcial ou
total entre sociedade-natureza.
Com a criação da reserva Mamirauá e a implantação de um novo
reordenamento político territorial no interior da reserva, algumas comunidades
indígenas não aceitaram a atual organização política territorial e começaram a
reivindicar a posse de seus territórios. Esta situação desencadeou vários
conflitos sociais com as comunidades vizinhas próximas as Terras Indígenas e
os gestores da reserva, uma vez que estes não poderiam mais introduzir o
Plano de Manejo nessas áreas. O principal conflito se deu com a recente
demarcação da TI Porto Praia em 2003, abrangendo uma área de 4.000
hectares na reserva Mamirauá (Figura 10), de acordo com Pires (2004, p. 562),
“[...] A principal origem desses conflitos está relacionada ao desrespeito à
organização e ordenamento que se tenta estabelecer para o uso do espaço e
dos recursos do setor”.
101
Figura 10: Localização Geográfica da TI Porto Praia Sobreposta à RDS - Mamirauá Fonte: IDSM, FUNAI, ISA Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
Antes de ser identificada pela FUNAI, a área de Porto Praia era
reconhecida como uma comunidade – denominação geral dos assentamentos
humanos proposto pelo MEB, onde fazia parte de um dos setores políticos
chamado Liberdade juntamente com as comunidades de Miraflor (extinta),
Cauaçú do Meio, Cauaçú de Cima e Sítio Fortaleza que compunham a
vizinhança de Porto Praia.
Lima (2004) relata que as comunidades vizinhas de Porto Praia
estabeleciam o uso comum dos recursos naturais de acordo com as normas do
Plano de Manejo em toda a extensão do setor político, onde foram
estabelecidas as categorias de uso de alguns lagos, por exemplo, lagos de
manutenção e comercialização destinados a subsistência e a venda; lagos de
sedes destinados à pesca das sedes para abastecimento de seus mercados;
102
lagos reservas destinados a serem reservados para alguma eventualidade e
lagos de preservação são aqueles lagos intocáveis destinados a procriação.
Entretanto, Porto Praia não concordava com esta proposta de manejo
fato que desencadeou diversos conflitos inter-comunitários e com os gestores
do IDSM.
A respeito dos conflitos inter-comunitários, Lima (2004) cita, por
exemplo, o conflito entre Porto Praia e a comunidade Miraflor por conta de um
lago chamado “Baú” (Figuara 00) de grande potencial piscoso, localizado
próximo estas duas comunidades que era usado para preservação por parte de
Miraflor com o auxilio do IDSM, entretanto:
[...] O lago continuou a ser explorado tanto por pescadores da
cidade de Uarini como por moradores de comunidades
vizinhas, incluindo Porto Praia. A criação de Mamirauá
legitimou a preservação que vinha sendo defendida por Miraflor
[...] os moradores de Porto Praia não concordavam com esta
proposta de manejo. Queriam dar outra destinação que não a
preservação do lago Baú. O conflito entre Porto Praia e seus
vizinhos, relativo a posições divergentes quanto ao modo de
exploração de uma área [...] (LIMA, 2004, p. 541)
Os diversos conflitos de Porto Praia motivados pelo acesso e uso dos
recursos naturais fizeram com que os membros desta comunidade
reivindicassem seus direitos políticos e territorial por meio do reconhecimento
étnico, declarando-se como índios Ticuna. Esta situação impediu o processo de
manejo na área de uso comum de Porto Praia por parte dos gestores da
reserva Mamirauá e restringiu o acesso e uso dos recursos naturais das
comunidades das adjacências, como descreve Reis (2004, p. 552):
Alguns moradores ribeirinhos afetados pela proposta da TI
Porto Praia se sentiram francamente contrariados com a
possibilidade de ter que abandonar suas posses ou de serem
103
forçados, para continuar usufruindo do direito de habitá-las, a
assumir a identidade Ticuna [..]
Com referencia as comunidades das adjacências da IT Porto Praia, Reis
(2004) comenta que os moradores da comunidade de Miraflor foram os que
mais se sentiram afetados com a demarcação da TI Porto Praia, os quais não
podiam ter mais o acesso aos recursos naturais na área indígena demarcada
inclusive a preservação do lago “Baú” que foi incluído na área indígena de
Porto Praia. Esta situação levou os moradores da comunidade de Miraflor a
migrarem para outras comunidades do setor e inclusive para os centros
urbanos do Médio Solimões, resultando na extinção da comunidade.
Desse modo, Lima (2004, p 541) relata que:
A divisão de um grupo de vizinhança em territórios (UC e
TI) e identidades (Ticuna e não-Ticuna) institucionalmente
separados é a conseqüência mais séria da sobreposição
de áreas. Dado tal histórico é de se esperar encontrar
entre os moradores de Porto Praia uma postura de
afastamento progressivo de Mamirauá, e por extensão,
dos antigos vizinhos [...] Talvez a recusa seja reforçada
pela própria idéia de separação, como se os Ticuna de
Porto Praia viessem mantendo a recusa por questões de
honra e para manter uma posição, e por isso deixassem
de se valer dos programas de manejo florestal e de pesca
[...]
Por esta via, a demarcação da TI Porto Praia contraria tanto os
moradores da região por atingir assentamentos ribeirinhos quanto os gestores
da reserva Mamirauá por se sobrepor à organização política territorial por eles
desenvolvida.
Diante desse contexto, Santos (2008, p. 106) comenta que,
104
[..] Os lugares se diferenciam pela maneira pela qual os fatores
internos resistem aos externos, determinando as modalidades
do impacto sobre a organização preexistente. A partir desse
choque, impõem-se uma nova combinação de variáveis, um
outro arranjo destinado a se manter em constante movimento.
Outra Terra Indígena que apresenta conflitos inter-comunitários por
conta da organização política territorial da reserva Mamirauá e Amanã é a TI
Cuiú-Cuiú localizada no entorno da reserva Amanã (Figura 11) e criada antes
desta, sua área de 36.450 hectares não está sobreposta, entretanto, aos limites
da TI Cuiú-Cuiú acabou por incidir nos limites de uso comum de algumas
comunidades adjacentes ocasionando conflitos sociais pelo acesso e uso dos
recursos naturais. Além destes conflitos, há outros com os gestores da reserva
Mamirauá e Amanã, por conta dos indígenas utilizarem os recursos naturais da
reserva Mamirauá e Amanã, sem respeitar os acordos propostos pelos
programas do Plano de Manejo, principalmente o manejo da pesca.
105
Figura 11: Localização Geográfica da TI Cuiú-Cuiú no Entorno da RDS- Amanã Fonte: IDSM, FUNAI, ISA Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
A maioria das comunidades que tiveram suas áreas de uso comum
sobrepostas a TI Cuiú-Cuiú apresentam grau de parentesco com os Miranha de
Cuiú-Cuiú.
Entretanto, Alencar (2007, p. 68) relata que
[...] a existência desta rede de parentesco que une moradores
das comunidades localizadas em diferentes pontos da RDSA,
não impede a existência de conflitos sociais que surgem com o
ordenamento territorial e com a definição de regras de uso de
recursos naturais. Ao contrário, ela dificulta a realização de
consenso e a punição daqueles que transgridem as regras.
106
De acordo com o relatório da XIII Assembléia do Conselho Indigenista
de Japurá realizada em 2007, a TI Cuiú-Cuiú está pleiteando, também, a
ampliação da sua área por conta do uso dos recursos naturais pelos indígenas
de Cuiú-Cuiú além dos limites da Terra Indígena. Essa ampliação, segundo os
moradores englobaria parte da reserva Amanã, o que ocasionaria
posteriormente sobreposição de território e conseqüentemente restrição dos
trabalhos do Plano de Manejo da reserva.
A situação acima demonstra, conforme Haesbaert (2004), que o principio
de identificação ou pertencimento se sobrepõem ao principio de apropriação,
por conta disso, o autor comenta que o território não pode ser visto apenas
pelo principio de apropriação, mais por um principio cultural de identificação e
principalmente de pertencimento
[...] Este princípio explica a intensidade da relação do território.
Ele não pode ser percebido apenas como uma posse ou como
uma entidade exterior à sociedade que o habita. É uma parcela
de identidade, fonte de uma relação de essência afetiva ou
mesmo amorosa ao espaço (HAESBAERT, 2004, p. 72)
Nesse sentido, a reivindicação de uma porção de um território por meio
da identidade étnica de um grupo social, revela que o território não diz respeito
apenas à função ou ao ter, mas ao ser. Não observar este fato é se sujeitar a
não compreender os diversos conflitos sociais presentes na configuração
territorial.
Apesar de quatro terras indígenas descritas na Tabela 02 apresentarem
sobreposição com as reservas Mamirauá e Amanã, há um aumento de
comunidades indígenas no entorno e principalmente no interior das reservas
que atualmente estão reivindicando a demarcação dos seus direitos territoriais
por meio da identidade étnica, conforme demonstra a Tabela 03.
107
Tabela 03: Solicitações encaminhadas pela UNI-Tefé à Funai Fonte: IDSM, FUNAI, Lima e Souza (2006)
Segundo Lima e Souza (2006, p. 416), “O aumento no número de
solicitações reflete uma nova dinâmica de afirmação de identidades étnicas na
região, promovida pelo surgimento de políticas públicas diferenciadas [...]”
Embora a demarcação legal da Terra Indígena implique em um longo
procedimento administrativo, por sua vez a solicitação da mesma já é resultado
de um processo complexo no interior da própria comunidade, que acaba por
suscitar a redefinição de alinhamentos políticos e motiva a re-elaboração de
laços históricos com seus ancestrais. Esta nova configuração acaba
comprometendo a organização política territorial das reservas Mamirauá e
Amanã, uma vez que as comunidades indígenas se negam a colaborar na
gestão das reservas.
Nesse sentido,
[...] A exclusão social que tende a dissolver os laços territoriais
acaba em vários momentos tendo o efeito contrário: as
Nº Terra Indígena Etnia ObservaçõesES
01 Acapuri do Meio Kokama Dentro da RDS Mamirauá
02 Cauaçú do Meio KoKama Dentro da RDS Mamirauá
03 Jerusalém Kaixama Dentro da RDS Mamirauá
04 Martião Kokama Dentro da RDS Mamirauá
05 Monte Sião Kokama Dentro da RDS Mamirauá
06 N.S. da Saúde Kokama Dentro da RDS Mamirauá
07 Nova Esperança Kokama Dentro da RDS Mamirauá
08 Pinheiro de Cima Kokama Dentro da RDS Mamirauá
09 Santa Luzia Kokama Dentro da RDS Mamirauá
10 Santa União Kokama Dentro da RDS Mamirauá
11 São Francisco Kokama Dentro da RDS Mamirauá
12 Síria Kokama Dentro da RDS Mamirauá
13 Vila Alencar Mayoruna Dentro da RDS Mamirauá
14 N.S. de Fátima Mura Dentro da RDS Amanã
15 Putiri Mura Dentro da RDS Amanã
16 Nova Betânia Miranha Dentro da RDS Amanã
17 Jubará Miranha Dentro da RDS Amanã
18 Arauacá Miranha Dentro da RDS Amanã
19 Ebenezer Miranha Dentro da RDS Amanã
108
dificuldades cotidianas pela sobrevivência material levam
muitos grupos a se aglutinarem em torno de ideologias e
mesmo de espaços fechados visando assegurar a manutenção
de sua identidade cultural, último refúgio na luta por preservar
um mínimo de dignidade. (HAESBAERT, 2004, p. 92)
No decorrer do processo de identificação da Terra Indígena, as
comunidades indígenas começam a estabelecer alterações nas nomenclaturas
específicas de cada tipo de organização social, diferente das estabelecidas
inicialmente pelo MEB, por exemplo, a passagem da denominação da principal
liderança política, de presidente a tuxaua.
De acordo com Creado; et al (2008, p. 264),
[...] Se antes esses grupos sociais não eram reconhecidos por
parte do Estado como atores diferenciados culturalmente das
populações tradicionais locais, e seus deveres e direitos eram
coletivamente acertados com os demais grupos que
compartilhavam os mesmos usos de recursos naturais, ainda
que com conflitos, a partir do momento em que se reconhecem
como indígenas, o território demarcado exclui a apropriação
pelos que, a partir de então, tornam-se os de fora. Assim, a
demarcação das TIs não gera apenas restrições ao trabalho do
IDSM, mas pode gerar conflitos dificilmente resolúveis com os
moradores do entorno das TIs.
Lima e Souza (2006) relatam que a amplitude de um número de
comunidades reivindicarem a identidade indígena está associada a fatores
como o da atração gerada pelo programa de saúde indígena e principalmente
com a questão da organização política territorial das reservas.
Segundo os autores,
A proposta de constituir territórios exclusivos para o manejo
comunitário de pesca, feita pela Prelazia de Tefé e, em boa
109
parte, reproduzida pela RDS Mamirauá, foi uma solução para
atender os interesses dos moradores e assegurar a
conservação do pescado. No entanto, esse encaminhamento
gerou tensões não só entre comunidades e peixeiros, mas
também entre os próprios comunitários. Desde o início, há
disputas envolvendo comunidades vizinhas com relação à
definição de lagos de exploração e também quanto à própria
adesão ao manejo comunitário. O conflito se resume a duas
posições contrárias: adotar o manejo da pesca ou manter a
autonomia de exploração. A disputa concerne tanto moradores
de uma mesma comunidade, como entre comunidades
vizinhas, quando os que defendem a autonomia invadem as
áreas de manejo reservadas pelas outras.
As tensões aumentaram com os novos pedidos de
reconhecimento devido à forma como alguns estendem sua
autonomia de exploração a áreas de comunidades vizinhas. O
conflito envolve também as instituições que administram as
unidades de conservação de uso sustentável da região, nas
situações em que os novos pedidos configuram sobreposições.
(LIMA; SOUZA, 2006, p. 417)
A situação acima revela como os lugares respondem aos diversos
modos impostos por meio de uma única racionalidade, ao que Santos (2004)
chama de ordem global. A ordem global funda as escalas superiores ou
externas à escala do cotidiano. Seus parâmetros são a razão técnica e
operacional, o calculo de função, a linguagem matemática. A ordem local funda
a escala do cotidiano, e seus parâmetros são a co-presença, a vizinhança, a
intimidade, a emoção, a cooperação e a socialização com base na
contigüidade. Essas duas ordens, segundo o autor, constituem duas situações
geneticamente opostas.
Desse modo, Santos (2008, p. 106) afirma que,
[...] O arranjo de um lugar, através da aceitação ou rejeição do
novo, vai depender da ação dos fatores de organização
110
existentes nesse lugar, quais sejam, o espaço, a política, a
economia, o social, o cultural...
Tanto o novo quanto o velho são dados permanentementes da
história; acotovelam-se em todas as situações. Mas se os
elementos de uma dada situação trabalham em conjunto, é o
novo que aparece como dotado de maior eficácia. Entretanto,
[...] O novo pode ser recusado se traz uma ruptura que pode
retirar a hegemonia das mãos de quem a detém [...]
Nesse sentido, a chegada do novo causa um choque na medida em que
uma variável se introduz num determinado lugar, mudando as relações
preexistentes e estabelecendo outras.
Assim, podemos enfatizar que o aumento dos conflitos sociais e a
demanda de solicitações de reconhecimento indígena nas reservas Mamirauá
e Amanã refletem a maneira pela qual a população local vê-se obrigada a
conviver com novos arranjos que marcam o território.
Como decorrência deste raciocínio, Haesbaert (2004) ressalta que para
evitar equívocos devemos observar o território de maneira múltipla, diverso e
complexo, que vai da dominação político-econômica mais “concreta” e
“funcional” à apropriação mais subjetiva e/ou “cultural-simbólica‟”.
[...] Fica evidente neste ponto a necessidade de uma visão de
território a partir da concepção de espaço como um híbrido –
híbrido entre sociedade e natureza, entre política, economia e
cultura, e entre materialidade e “idealidade”, numa complexa
interação tempo-espaço [...] (HAESBAERT, 2004, p. 79)
É imprescindível, portanto, que percebamos o território a partir da
imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações
econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações sociedade-natureza.
111
Pois,
[...] uma noção de território que despreze sua dimensão
simbólica, mesmo aquelas que enfatizam seu caráter
eminentemente político, está fadada a compreender apenas
uma parte dos complexos meandros dos laços entre espaço e
poder [...] (HAESBAERT, 2004, p. 93)
A sobreposição entre as reservas Mamirauá e Amanã e Terras
Indígenas no Médio Solimões, juntamente com as comunidades que estão
solicitando o reconhecimento indígena, está demonstrado na Figura 12.
112
Figura 12: Sobreposição Territorial entre as Unidades de Conservação Estaduais – Mamirauá e Amanã – e Terras Indígenas no Médio Solimões Fonte: IDSM, FUNAI, ISA Organização: Marilene Alves da Silva (2009)
113
A situação apresentada na Figura 12 convida a refletirmos qual é o
caminho que devemos percorrer para solucionar a questão da sobreposição
territorial entre Unidades de Conservação e Terras indígenas em especial no
Médio Solimões?
De acordo com Saquet (2007, p. 24),
[...] É preciso superar as concepções simplistas que
compreendem os territórios sem sujeitos sociais ou esses
sujeitos sem territórios e apreender a complexidade e a
unidade do mundo da vida, de maneira (i)material, isto é, as
interações no e com o lugar, objetiva e subjetivamente,
sinalizando para a potencialização de processos de
desenvolvimento.
Dessa maneira, uma visão fragmentada e parcializada do território são
limitadas para explicar os arranjos socioespaciais cada vez mais complexos,
articulados por meio da íntima relação sociedade-natureza. Pois, o território
apresenta múltiplas territorialidades construídas a partir desta relação
vivenciada no cotidiano.
Por esta via, torna-se importante entender o território
[...] como lugar de relações sociais; de conexões e redes; de
vida, para além da produção econômica, como natureza,
apropriação, mudanças, mobilidade, identidade e patrimônio
cultural; como produto socioespacial e condição para o habitar,
viver e produzir [...] (SAQUET, 2007, p. 118)
Assim, devemos compreender o território por meio da complexidade,
esta defendida por Morin (2001, p. 330) como um paradigma que conduz a um
“[...] conjunto dos princípios de inteligibilidade que, ligados uns aos outros,
poderiam determinar as condições de uma visão complexa do universo (físico,
biológico, antropossocial)”.
114
[...] Esse novo paradigma “tem a propriedade de reunir o que
está separado”; é “um pensamento que pode conceber o
sistema e a organização”; rompe com a idéia linear e propõe a
causalidade circular, “onde o próprio efeito volta à causa”;
concebe uma circularidade autoprodutiva, em que o “produto é
ele próprio, o produtor. O efeito é ao mesmo tempo uma
causa”; contempla o princípio hologramático, em que “a parte
está dentro do todo, mas que o todo está no interior das
partes”, é o princípio dialógico, que “para compreendermos
alguns fenômenos complexos é necessário que juntemos duas
nações que, a principio, são antagônicas e, ao mesmo tempo,
são complementares” (GUIMARÃES, 2005, p. 97).
Portanto, a complexidade concebe o ambiente como uma realidade
complexa interconectada, é uma proposta aberta a novos valores, técnicas e
conceitos a cerca do mundo, procurando romper com os paradigmas de
disjunção que influenciam a sociedade contemporânea no modo de pensar e
agir, produzindo graves problemas socioambientais da atualidade, como é caso
da sobreposição de territorial entre Unidades de Conservação e Terras
Indígenas.
Com relação aos problemas surgidos pelo paradigma de disjunção
Nogueira (2004, p. 216) argumenta que:
É momento de restabelecermos nossas relações com os
homens dos lugares, para melhor compreende-los, senão
corremos o risco de pensar a sociedade separada do lugar,
aespacializada, e um lugar sem homens, onde as relações
entre os lugares passam a ser apenas relações técnicas [...].
Nesse sentido, Nogueira (2004) relata que a Geografia buscou entender
o lugar não apenas como localização ou de forma fragmentada, mas como
fenômeno experienciado por homens que nele vive. Pois, é preciso
compreender a realidade não apenas pelas suas partes, mas pela
115
interdependência entre as partes, ultrapassando a razão instrumental por uma
razão critica.
A partir deste contexto Haesbaert (2004) ressalta que o território deve
ser percebido de maneira relacional não apenas por um conjunto de relações
histórico-sociais, mais no sentido de incluir uma relação complexa entre
processos sociais e espaço material. “[...] Além disso, outra conseqüência
muito importante ao enfatizarmos o sentido relacional do território é a
concepção de que ele não implica uma leitura simplista de espaço como
enraizamento, estabilidade, delimitação e/ou “fronteira” (p. 82)
Por ser, segundo Saquet (2007), um palco das relações socioespacial
fundamentado simultaneamente na economia-política-cultura-natureza, o
território deve ser visto como um entrelaçamento entre os sujeitos de cada
lugar, destes com o ambiente e com indivíduos de outros lugares.
Entretanto, para podermos evidenciar a miríade de processos e
elementos que compõe o território é preciso ter sutileza, cautela, dedicação e
competência. Para isso torna-se necessário estarmos apoiados em uma
Geografia que compreenda a complexidade territorial.
[...] Por isso, os planos e as políticas de desenvolvimento
devem partir de uma geografia que reconheça as relações, ou
seja, de uma geografia da territorialidade [...] como nó e centro
da organização espacial. Esta pode ser uma geografia das
possibilidades de desenvolvimento, sendo que as redes se
sujeitos (individuais e coletivos), são um instrumento conceitual
e operativo para governar a territorialidade. (SAQUET, 2007, p.
115)
Desse modo,
Nossa proposta atual de definição da geografia considera que
essa disciplina cabe estudar o conjunto indissociável de
sistemas de objetos e sistemas de ações que formam o
116
espaço. Não se trata de sistemas de objetos, nem sistemas de
ações tomados separadamente.
[....]
Pois o espaço é formado por um conjunto indissociável,
solidário e também contraditório, de sistemas de objeto e
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como
o quadro único no qual a história se dá [...] (SANTOS, 2008, p.
62, 63)
Por esta via, a Geografia pode oferecer uma nova estrutura de
pensamento, voltada para uma práxis de transformação em busca de uma
sustentabilidade baseada em novos paradigmas, onde reconhece a interligação
complexa entre sociedade – natureza. É uma possibilidade de trabalhar a
complexidade territorial através do estudo das relações sociais da vida
cotidiana, apreendendo os conflitos e os sujeitos que estão presentes nas
relações que ocorrem entre o local e o global.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sobreposição territorial entre Unidades de Conservação e Terras
Indígenas, em especial no Médio Solimões, é um desafiado para refletirmos
sobre a complexa relação entre sociedade e natureza por meio do território. Ao
longo do estudo evidenciamos as mais diversas idéias sobre esta relação, que
no primeiro momento foi concebido de forma separado pelo paradigma de
disjunção embasado no pensamento filosófico cartesiano, influenciando não só
as disciplinas acadêmicas como também a relação homem-natureza.
É notório os graves problemas socioespacial ocasionado pela influência
do pensamento mecanicista da ciência cartesiana que compreende por meio
matemático-estatítistico, proeminentemente dedutiva e de soma sobre o meio
ambiente, não dando conta das questões ambientais constituídas em
realidades complexas.
Um exemplo claro das conseqüências promovida pelo pensamento
fragmentado e simplista, é a criação de Unidades de Conservação baseadas
apenas em critérios biofísicos do território, sem atentar para os diversos grupos
sociais que nele residem.
Apesar de algumas categorias de Unidades de Conservação considerar
a permanência de populações humanas, no caso as RDS Mamirauá e Amanã,
a criação destes territórios juntamente com a sua organização política territorial
não deixa de ser pensada apenas por características biofísicas do território.
Essa situação demonstra que o território é considerado apenas por atributos
físicos naturais sem territorialidades, esta entendida pelas relações sociais
vividas no território.
Dessa maneira, ainda que os objetivos das Unidades de Conservação
sejam importantes para conservar os ecossistemas, é errôneo o modo de
118
pensar o território exclusivamente por aspectos naturais, pois o território é além
de tudo um espaço social, natural, econômico e político convivendo
simultaneamente a partir das relações sociais.
Não observar as territorialidades do lugar é separar natureza e
sociedade, isso é no mínimo temerário, podemos chegar mais uma vez ao
ponto de atribuir tudo ao campo biológico natural ocasionando a
incompreensão e propagação de diversos conflitos sociais no território.
O equívoco provocado pela concepção fragmentada de território se faz
sentir em vários lugares da Amazônia brasileira, os principais afetados são os
povos indígenas que desde o início da colonização lutam pelos seus direitos
territoriais, pois para eles não há separação entre homem – natureza é desta
íntima relação que depende a manutenção e propagação de suas vidas.
No Médio Solimões a população indígena viu-se obrigada a conviver
com novos arranjos territoriais introduzidos com a criação das reservas
Mamirauá e Amanã em prol da conservação da natureza, esta situação gerou
os mais diversos conflitos pelo acesso e uso dos recursos naturais,
acarretando a urgência e o aumento de solicitações na demarcação das Terras
Indígenas. Com a demarcação de algumas Terras Indígenas no interior das
reservas, evidenciou-se a sobreposição de territórios e conseqüentemente
impediu à atuação dos gestores das reservas na implantação de áreas de
manejo destinadas a conservação nas Terras Indígenas demarcadas.
Além da sobreposição territorial, algumas Terras Indígenas englobaram
as áreas de uso das comunidades adjacências, como por exemplo, a TI Porto
Praia com a comunidade de Miraflor, isso levou não só ao conflito social pelo
acesso aos recursos naturais como também a extinção da comunidade de
Miraflor.
Outras Terras Indígenas sobrepostas e não sobrepostas às reservas
Mamirauá e Amanã, mas que usam os recursos naturais destas, foram,
também, obrigadas a conviver com o novo ordenamento político territorial das
119
reservas, fato este que induziu os indígenas, da então Terra já demarcada, a
pleitearem a ampliação de suas áreas no interior das reservas, ocorrendo
assim sobreposição territorial. Podemos citar o exemplo da TI Jaquiri que
entrou com o processo de ampliação de sua área no interior da reserva
Mamirauá e a TI Cuiú-Cuiú que está pleiteando a ampliação de sua área no
interior da reserva Amanã. A situação, não só preocupa os gestores das
referidas reservas, mais também as comunidades próximas as Terras
Indígenas, que poderão ter suas áreas englobadas na ampliação das Terras
Indígenas.
Embora, até o momento existam quatro Terras Indígenas que
sobrepõem apenas à reserva Mamirauá, há um número crescente de
solicitações para a demarcação de Terras Indígenas no interior e entorno das
duas reservas, o que posteriormente acarretará sobreposição territorial não só
na reserva Mamirauá mais também na reserva Amanã.
O contexto apresentado evidencia a gravidade de entender o território
de forma fragmentada e simplista que compreende o mesmo, a partir da
separação sociedade e natureza, entendendo-o apenas como uma entidade
exterior à sociedade que o habita.
Torna-se, portanto, fundamental superar desde já estas visões
fragmentadas e propor uma nova maneira de pensamento que considere a
complexidade territorial, caso contrário corremos o risco de esquecer o
principio cultural de identificação ou pertencimento que as sociedades, em
especial as indígenas, possuem pelo território.
Deste modo, a Geografia pode oferecer, através da representação e do
estudo da vida cotidiana, uma compreensão da complexidade territorial
presente em cada lugar, entendendo-o como ligação/relação social do homem
em interação com a natureza, configurado por meio de contradições e relações
efetivas entre sociedade e natureza.
120
Por meio da abordagem apresentada, podemos considerar que a
Geografia pode nos ajudar a percorrer os caminhos que possibilitem solucionar
a questão da sobreposição territorial entre Unidades de Conservação
Estaduais e Terras Indígenas no Médio Solimões. Pois, para esta ciência há
uma preocupação em estabelecer os elos entre sociedade e natureza, o que
permite entender a complexidade das questões ligadas ao território.
Todavia, para percorrermos este caminho, é preciso inicialmente uma
mudança de atitude nossa com nós mesmos, em uma nova visão de mundo;
nossa com os outros e o ambiente que nos envolve. Esta mudança deve
abarcar um modelo de sociedade que prioriza a relação complexa homem-
natureza, é uma construção de uma nova sociedade ambientalmente
sustentável. Como recomendação, devemos começar a aprender junto com os
indígenas que desde o princípio perceberam que suas vidas dependem da
interconexão sociedade-natureza, desse modo, separar esta relação é ousar a
perder seu território e isso significa desaparecer.
Portanto, “Buscar um caminho que responda a novos questionamentos
significa romper barreiras, ultrapassar velhos e inertes paradigmas [...]”
(CAMARGO; GUERRA, 2007, p. 129) é perceber a realidade como algo
interligado onde predominam o caos, a ordem e desordem.
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