Jeffrey Russel - Lúcifer - O Diabo Na Idade Média - A Existência Do Diabo

9
11 A ExIsTÊNCIA DO DIABO Relativismo moral é a moda em muitos círculos hoje, mas mais se professa acreditar nisto, que de fato se comporta como se eles realmente acreditassem. Se bem e mal verdadeiramente não existem, então não há nenhum motivo para se queixar de quàlquer coisa, nada real para esperar, e as próprias idéias e valores da pessoa são arbitrários e artificiais e não há necessidade de serem levados a sério por ninguém. Poucos realmente prati- cam tal fé; a maioria entende intuitivamente que o mal na realidade existe, que tortura, fome e crueldade são inaceitáveis e não podem ser ignoradas. O mal consiste no nexo do sofrimento e na intenção consciente de causar sofri- mento. O conceito do Diabo é útil para entender o mal? O Diabo é uma idéia judaico-cristão-muçulmana, contudo também pode ter valor para outros, pelo menos como uma metáfora da natureza irredutível do mal que transcende a responsabilidade humana individual. O mal não neces- sita ser restrito aos seres humanos; pode existir em outros seres, no Cos- mos, até mesmo na própria deidade. O mal parece surgir de uma força malévola que explora faltas humanas e traduz os desejos desequilibrados de um Hitler ou de um Stalin na morte e na destruição de milhões. Este mal transcendente pode originar-se fora da humanidade na consciência coletiva da humanidade ou de alguma outra fonte dentro da humanidade. Em todo caso, se manifesta como uma realidade intencional que trans- cende os limites da consciência. Como Jung uma vez disse, você pode da mesma maneira chamar isto de Diabo. Agora o valor da metáfora pode ser diluído e meramente tri vializado na percepção moderna. Mas se a figura - Satanás, Lúcifer ou qualquer que seja o seu nome - foi trivializada, a realidade na qual representa é mais poderosa mesmo no mundo de Auschwitz e Hiroshima. Nós pode- mos necessitar de uma metáfora nova, mas o conceito atrás da metáfora só pode parecer trivial aos que faltam a coragem para enfrentar o mal que agora ameaça consumir a terra. Se esperamos sobreviver, este mal deve ser enfrentado sem ilusão e sem palavras vazias. Se o Diabo se tornou uma palavra vazia, ele deve ser eliminado, mas nós não devemos elimi- nar o conceito que ele sustenta. 29/

description

Segundo capítulo da obra

Transcript of Jeffrey Russel - Lúcifer - O Diabo Na Idade Média - A Existência Do Diabo

  • 11

    A ExIsTNCIA DO DIABO

    Relativismomoral a modaemmuitoscrculoshoje,masmaisseprofessaacreditarnisto,quedefatosecomportacomoseelesrealmenteacreditassem.Se beme mal verdadeiramentenoexistem,entonohnenhummotivoparasequeixardequlquercoisa,nadarealparaesperar,easprpriasidiase valoresdapessoasoarbitrriose artificiaise nohnecessidadedeseremlevadosasrioporningum.Poucosrealmenteprati-camtalf;amaioriaentendeintuitivamentequeo malnarealidadeexiste,quetortura,fomeecrueldadesoinaceitveisenopodemserignoradas.Omalconsistenonexodosofrimentoenaintenoconscientedecausarsofri-mento.

    O conceitodo Diabo til paraentendero mal? O Diabo umaidiajudaico-cristo-muulmana,contudotambmpodeter valor paraoutros,pelomenoscomoumametforadanaturezairredutveldo malquetranscendea responsabilidadehumanaindividual.O malnoneces-sitaserrestritoaossereshumanos;podeexistiremoutrosseres,noCos-mos,atmesmonaprpriadeidade.O malparecesurgirdeumaforamalvolaqueexplorafaltashumanasetraduzosdesejosdesequilibradosdeumHitler ou deumStalinnamortee nadestruiodemilhes.Estemal transcendentepodeoriginar-sefora dahumanidadena conscinciacoletivadahumanidadeoudealgumaoutrafontedentrodahumanidade.Em todocaso,se manifestacomoumarealidadeintencionalquetrans-cendeoslimitesdaconscincia.ComoJungumavezdisse,vocpodedamesmamaneirachamaristodeDiabo.

    Agoraovalordametforapodeserdiludoemeramentetrivializadonapercepomoderna.Mas sea figura- Satans,Lcifer ou qualquerquesejao seunome- foi trivializada,a realidadenaqualrepresentamaispoderosamesmonomundodeAuschwitzeHiroshima.Ns pode-mosnecessitardeumametforanova,maso conceitoatrsdametforaspodeparecertrivialaosquefaltamacoragemparaenfrentaromalqueagoraameaaconsumira terra.Se esperamossobreviver,estemaldeveserenfrentadosemilusoe sempalavrasvazias.Se o Diabo se tornouumapalavravazia,eledevesereliminado,masnsnodevemoselimi-naro conceitoqueelesustenta.

    29/

  • 292 Lci/a - O Diabo na IdadeMdia

    Osno-cristospodemusarumavariedadedecondiesemetforasparao princpiodo mal,masescolherserum cristo escolherusarascondiescrists.Algumpodemodificarouenriquecercomconceitosdeoutrastradies,masningumpodedescart-Ios.Conseqentemente,oDiabosignificanteparacristos(emuulmanos)decertomodo,quenoparamanteressesoutrospontosdevista.Recentemente,algunstelogoscristosdiscutiramqueoCristianismodeveser"purificado"daconviconoDiabo.A dificuldadequequalqueragnsticoimparcialeeducadoqueobservao fenmenodoCristianismoperceberqueaconviconoDiabosemprefoi parteeporodoCristianismo,firmementearraigadonoNovoTestamento,na tradioe empraticamentetodosos pensadorescristosatostemposmodernos.Os oponentesdaconvicocristnoDiabotmquepersuadiro observadorimparcialdequeo Cristianismo"realmente"nooquesuahistriamostraser.Talobservadornoserimpressionadocomo mododealgunscristoscontemporneosquesuavementecortamdaBblia edatradioqualquerelementoqueachamembaraosoouno-popular.Seo desenvolvimentohistricodoCristianismo,baseadonaB-blia e natradio,for abandonado,difcil vercomoqualquerdefiniofilosficasignificantedoCristianismopoderserobtida.Istonosignificaquenenhumainovaopossaserintroduzida,masqueelesdevemfazerrefernciaaodesenvolvimentohistrico.O mpetocliativosempreestnatensoentretradioe inovao.

    Por sero DiabofixadoassimfirmementenaBblia e natradio,queo nusdaprovajaz nessesquebuscamremov-Iodo Cristianismo.Umjogoextraordinariamentepoderosoefirmementefundadodeargumen-tosnecessrioparacompensarasreivindicaesdaBblia edatradio.A pessoaprecisaassumirquetemacessoaconhecimentoderivadodeumafontediferentedaBblia e datradio,quesabeo "real"Cristianismoquejaz portrs,emqueo observadorimparcialsemprepercebequeistoestava.

    Deondetalconhecimentopoderiavir?Nodacinciaquenoende-reatal questo.No darevelaopessoal,quenopodesertestadaouvalidadaporoutroqualquer.Nodoquepodeseradequadoadeterminadotempoou lugar,porquetempose lugarestrocamincessantemente.Claroquese acreditarqueo Cristianismoesterrado,apessoatemqueadotarumaposiodiferenteedeixardechamarasi mesmadecristo.Cristia-nismo,ouqualquercoisa,deveseratacadoouafastadocombasenoque,nonumadeclaraoarbitrriaouunilateral.Nemaperguntadoprinc-pio domalumaenigmticabrechadateologiaescolstica;antes, umaperguntacentraldafilosofiaedateologia.Assim,possvelparaumcris-toreinterpretar,masnocortar,o conceitodoDiabo.

    PorqueumatendnciarejeitaraconviconoDiabohoje? inega-velmenteumaidiaimpopularnoscrculosocidentaisintelectuaiscontem-porneos,masseriaprecisoassumirqueestesquetmalgumapretenso

  • A Existnciado Diabo 293

    peculiar para a verdadesomente "cronocentrismo", atualmenteuma va-

    riedadepopulardo etnocentrismo.A convic.ono Diabo como apersonifi-caodafora intencionaldo mal cientfica, masno nenhumno-cien-tfico, porquea cincia no faz e no pode investigaro mal. Que a cinciaevoluiu modos mais prticos de investigara doenado que atribuir isto ademnios irrelevante,a convico que os demnios causama doenaumadeclaraosobreo mundofsico, no sobreo mundo moral.A cinciano tratade questesmorais. Outro obstculopara a convico semnti-co. Pessoasevitam aexpresso"eu acreditono Diabo" porquesoaparaleloa "euacreditoemDeus". Mas asduasdeclaraesnosoparalelas,porque"eu ordinariamenteacreditoem Deus" insinua consentimentointelectual

    existnciade Deus e compromisso pessoal com Deus, considerandoque"eu acreditono Diabo" insinuasconsentimentointelectualexistnciadoDiabo, no compromissomorap76.

    Outro problema est em determinar com qual definio do Diabolidar. No h nenhuma"viso bblica" para tal, desdeque o conceito so-freu uma mudanaconsidervelno Antigo Testamentoe desteparaa lite-raturaapocalpticano Novo Testamento.Os telogosda Reforma querei-vindicaram s confiar na realidade da Bblia leram sobre o Diabo bblico

    praticamentetudo o que os escolsticosmedievaise dramaturgostinhamelaborado.Nem os telogosepoetasconcordamentreeles. mais satisfa-trio, ento,definir o Diabo dentrodos limites ajustadospelo desenvolvi-mentohistrico do conceito. O.nicQ..s.9~cilli.~!2!2...segurogue temosso-bre o Diabo o conhecimentodo seu desenvolvimentohistrico. Tudo o

    mais_que_sediga sobre o Di~;.: no iJEPortando guoll~r~ndidoo~fisticado, especulaosemfundamento.

    .. O desenvolVilnentohistrico do conceito rende uma viso bastante

    coerenteapesardas muitas inconsistnciasque ocorrem no caminho. Al-gumasdestasinconsistnciasparecemtriviais: o Diabo o chefedosanjosou nadamenosqueumanjo? Ele temum corpo dequalquertipo? O pecadodeleera naturalou sobrenatural?Tais questesilustram a impraticabilida-de de estendera razo a pontode perdero toqueda experincia.Algumasinconsistnciaspodem ser removidas em condies estruturais.O Diabocaiu para o ar,para a terraou parao submundo.Estruturalmente,todas astrsvises ilustram a runa dele simplesmente. Cristo ou Miguel que o

    576.Em umnvelmaisfundo, a "existncia"deDeusno o mesmotipodecoisacomoa "existncia"do Diabo. O Diabo existe(ou no)comoumamesaou umhumanopodeexistir(ou no),comoumaentidadecriada no cosmos.Mas Deusno comoqualquerentidadecriada.Na proposio "existe"Deus,o verboexistirtemumsignificadoradi-calmentediferentedo verboexistir quandofalado sobrequalquercriatura. O latim ex-pressaa distinoondeo vernacularfalha. A pessoapodecredereDeo e crederediabolo,querdizer,acreditarna existnciadeles.A pessoapodecredereemDeum,colocar suaconfianaemDeus,masa pessoanopodecredereemdiabolum,colocaraf no Diabo.

  • 294 Lcifer - O Diabo na Idade Mdia

    derrota?Osdoissoestruturalmenteidnticos,sendoqueDeusorganizaaderrotadele.Satansfica presoapsa suaquedado cu,ou depoisdaPaixodeCristo,oudepoisdoJulgamentoFinal?O significadoestrutu-ralmenteidntico.Algumasinconsistnciaseramimportantesmassere-solveramcomo passardo tempo,comonaltimaexclusodateoriadoresgate.

    Algumasquestesimportantespermaneceramaindanoresolvidas.O Diabolargamenteresponsvelpelopecadooriginaldahumanidade,ouo papeldeledesnecessrioe tangencial?SeaEncarnaodeCristoouasuaPaixodestroemopoderdoDiabo,umaquestocentralshesitante-menteresolvidapelo argumentode quea Paixodestruiuo poderdelefinalmente,masqueosefeitosestariamincompletosato JulgamentoFi-nal.A questomaioratquepontoo mal,simbolizadoporLcifer,faz,no finaldascontas,partedoplanodeDeus.Estasgrandesinconsistnci-asposamnumobstculoracionalsobreaconviconoDiabo;oobserva-dorimparcialtambmnotarqueaidiacristhistricadeDeustambmcontmalgumasgrandesinconsistncias.Atenoaindafocalizadanasinconsistnciasmoldaoquadro,porquenamaioriadospontosessenciaisa tradio razoavelmenteconsistenteebemdefinida.

    A parteessencialdoconceitoqueumaforarealativamentepre-senteno Cosmosqueurgeo mal.Estaforamtemumcentrodeinten-esqueativamenteodeiao bem,o Cosmose todoindivduonoCosmos.Nosestimulaaodiarobem,o Cosmos,outrosindivduoseansmesmos.Temefeitosterrveise imensos,masnofinal dascontasftil; todoindi-vduopodedenotaristo neleutilizandoo poderamorosodeDeus.Paracristos,ento,apessoadoDiabopodeserumametfora,masumame-tforaparaalgoquereal,querealmentetrazhorrordiariamenteparaomundoe ameaapr todaa terraa seperder.Paraestarealidade,algumconceito,algumametforanecessria,chameistodoquequiser.AindaqueafiguradoDiabotenhasetornadototrivializadaquepossarealmenteper-manecernocaminhodoentendimentodomal.O queserfeitoento?

    O quenoserfeitoasubtraodaidiadoDiabodoCristianismo.Isto violariaa Bblia e a tradio,e tambmviola o princpioquericosreservatriosdepensamentoshumanosnuncadeveriamsecar.Abandonardoismilanosextensamentefundadoseamplamentecompartilhadosdaex-perinciahumananopodeenriquecer,massempobrecer.s vezespen-sadoquesubtrairdaexperinciacristremoverbarTeiraseserecumnico;temaapar-nciadealcanaralmepodeteralgunsbenefciosacurtoprazo.Mas narealidadeesvaziaincontveisexperincias,dificultaa localizaodaspessoasemnveispsicolgicosprofundos,eestreita,emlugardealar-gar,a sabedoria.Estranhamente,terminase tornandoo opostodo quesepretende:umaversoestreitapropensamenteimpediua tradioreligiosadeapreciarariquezadeoutrastradiesreligiosas_No devemossubtrairdaexperinciahumanaparaachar-omenordenominadorcomum,poisisso

  • A Existnciado Diabo 295

    estsemprepertodezerar;temosquealcanaralmeabsorvertodaarique-zaetexturadomundo,seguindoasabedoriasemprevisvelcomoseexpan-depararealidade.O encontrocriativoentreo Cristianismoeo Hindusmo(porexemplo)noestsubtraindodeambosalgumnveldeacordoa serencontrado,masreunindotodaa sabedoriadastradiese vendoassimatravsdeambosnadireodaverdade577

    A subtraodoDiaboconduziu,narealidade,algunsmodernoste-logosa evadirou trivializaro mal. curiosoqueno momentoquandoomal ameaatotalmentenosengolfar,quandoo malj reivindicoumaisvtimasnestesculoquenosanteriorescombinados,setmcadavezme-nosnotciassobreo assuntonateologia.

    Qualquerreligioquenovematermoscomo mal,nomerecedo-ra deateno.Em vezdesubtrairo Diabo,precisamostranscend-lo.TalaorespondeaoargumentopoderosodequeametforadoDiaboagorato fracaparaobstruiro entendimentosobreo querepresenta;retmaforadaBblia e da tradio;e conduzparaumapossvelresoluodoproblemado mal.No transcendemosa idia do Diabo abandonandoatradio,masavanandoemum contextomaiore sobreum nvelmaisprofundo.A questooqueatradioricadoDiabopodenoscontarsobreo Cosmos,sobreDeuse sobrearealidade.

    O Diaboumametfora.Atmesmocomotal,elenoseresqueci-do,porquenotemosnenhumacesso realidadeabsolutaesempretemosqueconfiarnasmetforasquecriamnossossensosdeobservaes,razese elementosinconscientes.A idiado Diabo umametfora;assim aidiadeDeus,nosentidoquequalquervisodeDeus- crist,muulma-na,hinduou qualqueroutra- umametforaquepassacompreenso.Fsica tambm umametfora578.Se ns transcendemosa metforadoDiabo,podemoschegara umacompreensoqueainda umametfora,masemnvelmaisprofundodoentendimento.

    O aspectomaispungentedoproblemadomalparaJudasmo,Cristi-anismo,Islamismoe todasasreligiesmonotestas a reconciliaodopoder e dabondadedeDeuscoma existnciado mal.Urbane Waltonmostraramqueestaumaquestofilosoficamentesignificante579.O pro-blemaexpressadofreqentementeemumsilogismo:

    1. Deusonipotente(conhecendotudoeTodo-Poderoso);Ele capazdecriarumCosmosnoqualo malnoexiste.

    577. Por exemplo,vejaR. Panikkar,TheUnknawnChristaf Hinduism,2ed.(Maryknoll,1981).578. R. S. fones,PhysicsasMetaphor(Minepolis,1982).579. L. UrbaneD. Walte1;The Poweraf Gad: Readingsan OmnipatenceandEvil (Novalorque, 1978).

  • 296 Lcifer - O Diabo na IdadeMdia

    2. Deustodobondade;DeusdesejaumCosmosnoqualomalnoexiste.

    3. Entoo malnopodeexistir.

    4. Mas nsobservamosqueo malexiste.5. EntoDeusnoexiste580

    Respostasteolgicastradicionaisparaesteargumentonoforamsu-ficientesouconclusivas581

    impossvelresponderadequadamentea esteargumentopoderosoparao atesmosemqualificara onipotnciaou a bondadede Deus,ouambos.SeDeusestdefinidodetal formaquenosejatotalmenteonipo-tenteounototalmentebom,arefutaodaexistnciadeDeusvazia.TalmodificaodadefiniodeDeusnoserianenhumaevaso;seriacom-patvelcoma visotradicionalquequalquerqualidadequeos humanosnomeiema Deusderivada compreensohumanae nopodedescreverDeusabsolutaou completamente.Por exemplo,o termoonipotncianopodeseraplicadoa Deussignificativamentede maneirainapta,porquetemvriaslimitaeslgicasinerentes582.O conceitodebondadetemlimi-taessemelhantes.Idiashumanasdeonipotnciae bondades limita-ram,analgicaemetaforicamenteaaplicaoaDeus.Assimsendoento,adefiniotradicionaldeDeuspodeserqualificadacorretamente,eo ar-gumentodosateusfalha583.

    A opodelimitarouqualificaraonipotnciadeDeusfoi desenvol-vidapormodernosprocessosdetelogosquediscutemquepropriamentelimitadonosomentepelalgica(porexemplo,Deusnopodefazerumquadradoquesejaum crculo),mastambmpor restriesinerentesdacriaodoCosmosatual.Um CosmosatualumCosmosnoqualosserestmrealdeterminaodeego,liberdadeouindeterminao.Deusnopo-deriatercriadonenhumCosmos.DeuspoderiatercriadoumCosmosnoqualtodoeventoerao efeitododesejodiretodelequeseriaessencialmen-

    580.Umaapresentaosofisticada,modificaeloeanlisedoproblemadeD. R. Griffin,God, Power,andEviJ (Filadlfia, 1976).581. Urbane Waltel;pp. 6-8; Diabo,pp. 221-228;Satans,pp. 225-230.582. Urbane Waltel;pp. 8-13.583.SuponhaqueDeusestdiferentementedefinidodeonipotentee onisciente;suponhaEle sestdefinidocomoo conscie11lee organizadoprincpiodo Cosmos. estecompa-tvelcoma existnciademal?Sim,porqueasdeclaraesseguintessobreDeusseloentoconsistemescoma existnciadomal:Deusmau;Deusbommasnoonipotente;Deus ambos,bom e mal; Deus nela bomnemmal. Se discutidoque nenhumprincpioorganizandoconscientedo Cosmosexiste,entonenhumvalorpode ser absoluto,malnelapodeserabsoluto;e nelOpodeseraduzidoaomalcontraa existnciadeDeus.Assim o argumentodomalpara asfaltasdoatesmo.Algunsateusinsistiramqueo argumentocontinuesendodebatidonas antigascondies,indefensveis,tradicionais;masisto teimaremlutar comumhomemdepalha e negarqueos testastmo direitodefazer oproblemadeDeuse malmaisinteligvel.

  • A Existnciado Diabo 297

    te indistinguveldo prprioDeus.Deuspoderiatercriadoum universoatual,umessencialmentediferentedelecomrelao suaindeterminao.O ltimoprocessoquea teologiadiscute o CosmosqueDeuscriounarealidadecriado.Um Cosmosque verdadeiramenteindeterminadonoestperfeitoeissoexigetempoepersuasodivinaparamelhorar.A evolu-odo Cosmosprocedelongedadiscrdiae datrivialidadeparamaioremelhorharmoniae intensidade.Enquantoisso,aliberdadeeindetermina-o dosserescriadossoverdadeiramenteperigosase necessariamentecausaromal,amenosqueaperfeiodoCosmossejaatingida584.

    Um modoparaavanaro problema reconciliara onipotnciadeDeuscomo livre-arbtrioouindeterminaodascriaturas.A onipotnciadeDeus compatvelcom a escolhade limitaro Seupodernareadelivre-arbtriodacriatura,permitindoa absolutalivre escolhado maloudobem.Mal moralpodeserpercebidoentocomoaabsolutalivre esco-lhadesmotivadadascriaturasparafazeromal.E Deustercriadoo Cos-mosdetal formaqueenglobeo livre-arbtrioe essasescolhas.Ele terpermitidoo malcomoumanecessidadeconcomitantedaquelaliberdade,umaliberdadesemaqualnenhumabondademoralpoderiaexistir.Poresteargumento,Deusescolhelimitara Suaprpriaonipotnciaparapermitirqueabondadedaautonomiaentreemjogo.O argumentotemduasdesvan-tagensimportantes.Umaqueaquantidadedesofrimentonomundoex-cedeaquelanecessriaparaoexercciodolivre-arbtrio.A outraquenodiz nadasobremeningitesetornados,o livre-arbtriodacriaturapareceterpoucoa vercomcausardoenanaturale desastre.Deusmantm-seres-ponsvelpelomundono qualagrandequantidadedesofrimentoexcedeaquelanecessriaparaaexistnciado livre-arbtriohumano.O dilemaaperfeioadopeloposicionamentodaexistnciadoDiabo,paraistopos-svelqueasuperabundnciadesofrimentosejaoresultadodalivreescolhadomalpeloanjoLcifer,queo malnaturalsejaaconseqnciadopecadodele.Istoaindanosolucionaodilema,porqueentoDeusaindarespon-svelpor umCosmosno qualEle permitequehorroresexistamcomooresultadodeumaescolhaporpartedeumacriatura.Deuspoderiatercria-dooCosmoscommaiorrestrionaaodomal.O processodateodiciasugerequeoproblemapossaserevitadoestendendoautonomiaatodasascriaturas(noshumanoseanjos)enegandooulimitandoo conhecimen-todeDeussobreo futuro.

    Outraaproximao aceitara totalidadedo serdeDeus,inclusiveaexistnciadoCosmoscomoumaextensooumanifestaodeDeus.Nesteargumento queo conceitohumanode"bondade"vistocomosendodeaplicabilidadesomentelimitadaa Deus.Deus tudoque. No hnadadiferenteemDeus. melhornousarotermoexistnciaparaaplicaraDeus,

    584.A melhordeclaraodoprocessoda teodicia a de Griffin.

  • 298 Lci/a - O DiabonaIdadeMdia

    desdequeexistnciaalgopertencenteacriaturas,ea"existncia"deDeusultrapassacompletamentee transcendeo significadodapalavra.Deussim-plesmenteo que:euSOU O QUE SOu. A doutrinamsticadacriaoexpressaistocorajosamente.DiferentedeDeusnohnada:nenhumcaos,nenhumamatriaprimitiva,nenhumpoderindependentedomal.

    No h nenhumoutroprincpiodo qualqualquercoisapossavir."Nada"simplesmentenonada,enadapodevirdisto.O "nada"doqualo Cosmosfeitononada,eo queexistetemquevir,nodonada,masdeDeus.Tudo feitoda"matria-prima"deDeus;tudo umaextenso,manifestao,expressodeDeus:tudo teofania585.Tudoo que, domaterialdeDeus;mal;entomalfazpartedamatria-primadeDeus.Osofrimentodo famintoedo torturado real,e fazpartedoCosmosquefeitodamatria-primadeDeus586

    Comoo malpodeexistirnamatria-primadeDeus?A pessoapodever trsfasesprogressivasno entendimentohumanodo Diabo.Estgioum,representadopelamaioriadasreligiesmonistase incio do pensa-mentohebreu,foi caracterizadoporumaculpadedistirioentreobemeomalanlogoprimeirafasedodesenvolvimentopsicolgicohumano,quan-doo bemeo malnosodiferenciadoscompletamente.Estgiodois,re-presentadopelodualismoiraniano,gnsticoemaniquesta,postulouqueobemeo malsototalmentediferentes,contrriose inconexos;estafaseanlogaao desenvolvimentoindividualna mocidade,quandosovistascoisasemtermosdepretoebranco.O terceiroestgio,indicadoporNi-cholasdeCusae expressamentedeclaradopor C. G. Jung, a noodeumaunidadequetranscendeo beme o mal; isto sugerequeo malnopossasersuperadonegandoistomaso transcendendo587.Seo malexistiremDeus,o desejoparalutarcontraaquelemaltambmexisteemanifes-tonavidaenotrabalhodemuitaspessoas.Tambm,estedesejoDeusfez;istotambmfazpartedeDeus.Assim,atotalidadedeDeusnosincluiomal,masaresistnciaaomal.DeuscriaoCosmoscommalnele,ecomalutacontraomaltambmnele.MaisprofundoqueaambivalnciadeDeus o amordeDeus,quegerouo Cosmosemamore intimaadevolveremamor588.

    585. Isto no nemumaemanaodo neoplatonismonempantesmo;tecnicamentepanentesmoquetemprecedentesemDionsio, Eriugenae outroscristosmsticos.586.Isto nonegarqueo argumentodaprivaopodeservlidoemumsensolimitado,para mal podefaltar a abundnciada existnciade Deus.Mas usar o argumentodaprivaopara sugerirqueDeusno responsvelpelo malno Cosmos umaevaso.587.EspecialmentevejaE. Neumann,DepthPsychologyandaNewEthic(NovaIorque.1969).588.Eu no reivindicofazer qualquerdeclaraosobrea verdadeiranaturezadeDeusemsi, quesempreestoculto.Quandoeudigoqueo malestemDeus,eunopressupo-nho istona essnciadele;eunemmesmosaberiao quesignificariaseumapessoatentoufazer assim.Mas para usarumadistinodeDionsio, o malpareceestarnaenergeiadeDeus,as manifestaesdelequeincluemo Cosmos.

  • A Existnciado Diabo 299

    oDiaboumametforaparao malnoCosmos,ummalqueestemDeuseopostoporDeus;elerepresentaotransconsciente,omaltranspessoalqueexcedeavontadehumanaindividualdomal;eleo sinaldoradical,intratvel,contudono finaldascontasmaltranscendentenoCosmos.Po-demosagoranecessitardeoutronomeparaestafora.Deixeentoqueumpossaser encontrado.Mas deixeserum quenoevada,obscureaoutrivializeo sofrimento.