JACINÓPOLIS E A ABERTURA DA ESTRADA … acesso em: 15 jun. 2017. Buscar o escoamento da produção...
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JACINÓPOLIS E A ABERTURA DA ESTRADA PARQUE (PROLONGAMENTO DA RODOVIA RO-420): UMA ANÁLISE ACERCA
DO ACESSO À JUSTIÇA E DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL
Sabrina Corona Butzke1
RESUMO:
Esse trabalho apresenta como a abertura da Estrada Parque (prolongamento da Rodovia RO-420 no interior do Parque Estadual Guajará-Mirim, na Amazônia Ocidental) por ocasião da cheia histórica do Rio Madeira no Estado de Rondônia no ano de 2014, além de consequências ambientais na unidade de conservação de proteção integral e na Terra Indígena Karipuna, a exemplo da intensificação das invasões para extração ilegal de madeiras, do desmatamento e da destruição da fauna local, ainda é suscetível de representar impacto negativo no direito humano de acesso à justiça pela população de Jacinópolis com o risco iminente de revogação da Portaria 028/2014-PR do Tribunal de Justiça de Rondônia e reincorporação do distrito - que até então recebe prestação jurisdicional da Comarca de Buritis (sediada a 60 quilômetros) - à Comarca de Guajará-Mirim (sediada a 180 quilômetros). O objetivo da pesquisa é apresentar os impactos e as violações de direitos humanos decorrentes da abertura da Estrada Parque aos mais de 8.000 habitantes de Jacinópolis e à coletividade rondoniense. A metodologia escolhida no desenvolvimento da pesquisa utilizou-se do método indutivo, mediante estudo de caso, pesquisa bibliográfica e exploratória de dados. Os resultados do estudo demonstram que a possibilidade de transferência do Distrito de Jacinópolis ao Município de Buritis para todos os efeitos legais, administrativos e jurisdicionais, além de atender aos anseios e necessidades dos cidadãos daquela localidade no acesso dos direitos fundamentais, ainda contribui para a preservação do meio ambiente do Parque Estadual Guajará-Mirim e proteção da comunidade da Terra Indígena Karipuna. Palavras-chave: Estrada Parque. Parque Estadual Guajará-Mirim. Terra Indígena Karipuna. Meio Ambiente. Acesso à Justiça.
1 INTRODUÇÃO
Impactos negativos e violações de direitos humanos decorrem da abertura da Estrada
Parque (prolongamento da Rodovia RO-420 no interior do Parque Estadual Guajará-Mirim, no
Município de Nova Mamoré/RO, na Amazônia Ocidental) por ocasião da cheia histórica do Rio
Madeira no Estado de Rondônia no ano de 2014.
1 Discente do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional em Direitos Humanos e Desenvolvimento da Justiça – DHJUS da UNIR – Universidade Federal de Rondônia e EMERON – Escola da Magistratura do Estado de Rondônia, email [email protected].
Anais do X
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Na segunda seção é apresentada a localização geográfica do distrito de Jacinópolis
(criado pela Lei Municipal de Nova Mamoré 338/2003 de 06.11.2003) integrante do Município
de Nova Mamoré, que conta atualmente com mais de 8.000 habitantes2 e encontra-se em ritmo
crescente de ocupação. Demonstro também, na referida seção, que o Parque Estadual de Guajará-
Mirim interpõe-se imediatamente entre o citado distrito e seu respectivo município, privando a
população de Jacinópolis da realização de direitos humanos básicos, sobretudo porque até o ano
de 2014 sequer existia estrada que permitisse o tráfego direto entre o distrito de Jacinópolis, o
Município de Nova Mamoré e a Comarca de Guajará-Mirim (a via utilizada percorria Buritis,
Ariquemes e Porto Velho, com distância total aproximada de 700 quilômetros), sendo que muitas
pessoas arriscavam suas vidas durante uma travessia ilegal na floresta – por meio de trilhas e
rios, ou optavam por socorrer-se ao Município de Buritis (60 quilômetros).
Já na terceira seção há descrição a respeito do Parque Estadual Guajará-Mirim (unidade
de conservação de proteção integral criada pelo Decreto Estadual 4575 de 23 de março de 1990 e
modificado pela Lei Estadual 700 de 27 de dezembro de 1996, com extensão de 216.568 hectares
em bioma amazônico, situado na parte centro-oeste do Estado de Rondônia, abrangendo os
afluentes do Rio Jaci-Paraná), da Terra Indígena Karipuna (localizada nos Municípios de Porto
Velho e Nova Mamoré, demarcada em 1997 com 152.930 hectares, homologada por um decreto
de 09.09.1998 e registrada nos cartórios de registro de imóveis de Guajará-Mirim e Porto Velho),
e das notórias ameaças às suas conservações trazidas pela abertura e manutenção da estrada.
Discorro, ainda, na quarta seção, sobre o obstáculo de acesso à justiça que pode vir a ser
submetida a população de Jacinópolis, em decorrência de iminente risco proporcionado pela
abertura da Estrada Parque, de revogação da Resolução 028/2004-PR do TJRO e reincorporação
do distrito de Jacinópolis à Comarca de Guajará-Mirim para efeitos jurisdicionais, além dos
prejuízos à unidade de conservação integral (Parque Estadual Guajará-Mirim) e à Terra Indígena
Karipuna.
Nas considerações finais são reafirmados os resultados da pesquisa e defendida a solução
viável que exsurge da possibilidade de transferência do distrito de Jacinópolis para todos os
efeitos legais, administrativos e jurisdicionais ao Município de Buritis, e consequente
fechamento da Estrada Parque.
2 Fonte: http://www.portalmamore.com.br/prefeito-empossa-novo-administrador-de-jacinopolis/, acesso em: 15 jun. 2017.
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2 A LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DE JACINÓPOLIS E A ABERTURA DA
ESTRADA PARQUE
O distrito de Jacinópolis (criado pela Lei Municipal de Nova Mamoré 338/2003 de
06.11.2003) integrante do Município de Nova Mamoré/RO, na Amazônia Ocidental, conta
atualmente com mais de 8.000 habitantes e encontra-se em ritmo crescente de ocupação.
Em razão da localização geográfica (Figura 1), já que o Parque Estadual de Guajará-
Mirim interpõe-se imediatamente entre o citado distrito e seu respectivo município, a população
de Jacinópolis enfrenta obstáculos de diversas ordens na realização de direitos humanos básicos:
alimentação, saúde, educação, segurança, acesso à justiça, e etc.
Figura 1 – Mapa com Localização Geográfica do Distrito de Jacinópolis Fonte: http://www.funai.gov.br/index.php/750-fiscalizacao-conjunta-com-a-sedam-e-policia-militar-ambiental-na-terra-indigena-karipuna-e-regiao, acesso em: 15 jun. 2017.
Buscar o escoamento da produção agrícola/leiteira e o atendimento de serviços básicos no
Município de Buritis - localizado a apenas 60 quilômetros de Jacinópolis, sempre representou
alternativa viável aos seus ocupantes, que além de contribuírem para o desenvolvimento do
comércio e fortalecimento da economia de Buritis, ali estabelecem as suas relações comerciais e
jurídicas.
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Até o ano de 2014 sequer existia estrada que permitisse o tráfego direto entre o distrito de
Jacinópolis, o Município de Nova Mamoré e a Comarca de Guajará-Mirim (a via utilizada
percorria Buritis, Ariquemes e Porto Velho, com distância total aproximada de 700 quilômetros),
sendo que muitas pessoas arriscavam suas vidas durante uma travessia ilegal na floresta – por
meio de trilhas e rios, para que pudessem obter atendimento em órgãos administrativos da
prefeitura de Nova Mamoré.
O Código de Organização Judiciária Estadual em Rondônia dispõe que o Município de
Nova Mamoré e, por consequência, seus respectivos distritos, compõe a Comarca de Guajará-
Mirim.
Contudo, por meio da Resolução 028/2004-PR, o Tribunal de Justiça de Rondônia
incorporou o referido distrito à Comarca de Buritis para fins de prestação jurisdicional, diante da
impossibilidade de acesso direto entre o distrito de Jacinópolis e o Município de Nova Mamoré
por conta da localização geográfica do Parque Estadual Guajará-Mirim (unidade de conservação
de proteção integral criada pelo Decreto Estadual 4575 de 23 de março de 1990, modificado pela
Lei Estadual 700 de 27 de dezembro de 1996), que somente seria possível percorrendo Buritis,
Ariquemes, Porto Velho e Guajará-Mirim.
Mas, por ocasião da cheia histórica do Rio Madeira que atingiu o Estado de Rondônia em
2014, com o objetivo de retirar os Municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim do isolamento
em razão de trechos intransponíveis na BR-425 e BR-364, fora autorizada pelo executivo
estadual com espeque na Lei Estadual 700/96, a título de urgência e de modo provisório, a
abertura do trecho da RO-420 que corta o Parque Estadual Guajará-Mirim na porção norte, com
extensão de aproximadamente 12 quilômetros (Figura 2 e 3).
Friso que os anseios da população de Jacinópolis não compuseram os motivos que
ensejarem a abertura da Estrada Parque (assim denominada diante do prolongamento da RO-420
no interior do parque estadual), mas apenas foram beneficiados acidentalmente.
Com isso, a travessia que era feita ilegalmente por meio de trilhas e rios foi regularizada
com a abertura e ampliação da estrada pelo DER/RO (Departamento de Estradas de Rodagens e
Transportes do Estado de Rondônia), mas com tráfego limitado no período compreendido entre
06 às 18 horas e mediante fiscalização constante por dois postos policiais montados nos dois
extremos do trecho, para controle dos veículos que por ali passavam.
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Figura 2 – Imagem da Estrada Parque Fonte: http://www.portalguajara.com/policia-ambiental-flagra-armadilha-para-veiculos-na-estrada-parque/, acesso em: 15 jun. 2017.
Figura 3 – Imagem da Estrada Parque Fonte: http://www.portalguajara.com/policia-ambiental-flagra-armadilha-para-veiculos-na-estrada-parque/, acesso em: 15 jun. 2017.
Em dezembro de 2015 cessou a limitação de horário para trânsito de veículos, que
passaram a circular livremente dentro do parque estadual a qualquer hora do dia ou da noite.
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A Sedam/RO (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental do Estado de
Rondônia) já noticiou diversos aspectos negativos da abertura da Estrada Parque, que avançaram
mesmo com os postos policiais e portões com cadeados que eram fechados impedindo o tráfego
das 18 às 06 horas: invasão do parque para extração ilegal de madeira, desmatamento, prejuízos
à fauna que é constantemente atingida por veículos na travessia da estrada, facilitação do tráfico
de drogas e armas, além da intimidação de policiais e fiscais.
Após a retirada dos bloqueios/portões com cadeados e mesmo com a continuidade do
policiamento e fiscalização, a Sedam/RO registrou sensível aumento na invasão do parque
estadual, com intensificação da extração ilegal de madeiras e do desmatamento e, sobretudo, da
morte de animais da fauna local por atropelamento no período noturno, além do iminente risco
de superveniência de conflitos com os indígenas Karipunas, cujo território na porção sul faz
divisa com o extremo norte do parque estadual (local em que fora aberta a estrada).
3 A PROTEÇÃO DO PARQUE ESTADUAL GUAJARÁ-MIRIM E DA TERRA
INDÍGENA KARIPUNA
O Parque Estadual Guajará-Mirim (Figura 4) é uma unidade de conservação de proteção
integral criada pelo Decreto Estadual 4575 de 23 de março de 1990 e modificado pela Lei
Estadual 700 de 27 de dezembro de 1996, com extensão de 216.568 hectares em bioma
amazônico, situado na parte centro-oeste do Estado de Rondônia, abrangendo os afluentes do Rio
Jaci-Paraná.
Enquanto que a Terra Indígena Karipuna (Figura 5), localizada nos Municípios de Porto
Velho e Nova Mamoré, foi demarcada em 1997 com 152.930 hectares, homologada por um
decreto de 09.09.1998 e registrada nos cartórios de registro de imóveis de Guajará-Mirim e Porto
Velho.
A abertura da Estrada Parque (prolongamento da RO-420) apresenta notória ameaça
(Figura 6) às áreas correspondentes ao Parque Estadual Guajará-Mirim e à Terra Indígena
Karipuna, porque aproxima a atuação antrópica dessas áreas protegidas e contribui diretamente
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para a extração ilegal de madeiras, o desmatamento e a degradação da fauna devido aos
atropelamentos na rodovia ou pela ação de caçadores, dentre outras consequências ambientais.
Figura 4 – Interior do Parque Estadual Guajará-Mirim Fonte: http://br.viarural.com/servicos/turismo/parques-estaduais/parque-estadual-guajara-mirim/, acesso em: 15 jun. 2017.
Figura 5 – Interior da Terra Indígena Karipuna Fonte: https://pib.socioambiental.org/pt/povo/karipuna-de-rondonia/1336, acesso em: 15 jun. 2017.
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Figura 6 – Mapa do Parque Estadual Guajará-Mirim e da Terra Indígena Karipuna Fonte: http://www.funai.gov.br/index.php/750-fiscalizacao-conjunta-com-a-sedam-e-policia-militar-ambiental-na-terra-indigena-karipuna-e-regiao, acesso em: 15 jun. 2017.
Como já evidenciado por Ferreira et al (2005, p. 28), “a proporção do desmatamento
como função da distância das estradas na Amazônia legal tem, normalmente, padrões
exponenciais, ou seja, grande proporção de desmatamento próximo às estradas”. Curvas
exponenciais de desmatamento em função da distância das estradas foram encontradas em
estudos realizados por Ferreira (2001), representadas no gráfico abaixo (Figura 7).
A invasão para extração ilegal de madeiras, o desmatamento crescente e a deterioração da
fauna da região do Parque Estadual Guajará-Mirim e da Terra Indígena Karipuna, além do risco
a que fica submetido o povo indígena Karipuna pela aproximação da atuação antrópica, constitui
grave violação aos direitos humanos de terceira dimensão.
O meio ambiente saudável e equilibrado e a proteção dos povos indígenas constituem
direitos humanos reconhecidos, inclusive, em normas internacionais de direitos humanos (como
a Declaração do Meio Ambiente, adotada na Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo no
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ano de 1972 e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas aprovada em 2007) e
na Constituição Federal de 1988 (artigos 225 e 231).
Figura 7 – Proporção de desmatamento em função da distância da estrada
na Amazônia Legal Fonte: Ferreira, 2001, p. 29.
4 O ACESSO À JUSTIÇA E O ALCANCE AOS DEMAIS DIREITOS HUMANOS NO
DISTRITO DE JACINÓPOLIS
Os direitos humanos ocupam posição elevada quando comparados com os demais direitos
previstos na ordem jurídica, ante as marcantes características de universalidade, inviolabilidade,
irrenunciabilidade, imprescritibilidade, efetividade, inalienabilidade, historicidade,
interdependência e complementariedade.
O reconhecimento e respeito aos direitos humanos, sobretudo pelas autoridades públicas,
são a base para a edificação do Estado democrático de direito e efetiva valorização da pessoa
humana. Até porque, apesar da declaração desses direitos na ordem externa, supranacional,
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atribuindo-lhes condão universalista, com acepção fulcrada no direito jusnaturalista, para que
existam direitos humanos fundamentais é imprescindível a existência de três elementos: i) o
Estado (instituição de poder); ii) o indivíduo (sujeito de direitos); e iii) a Constituição (norma
reguladora desta relação).
Ausente a configuração de Estado, a proclamação de direitos fundamentais careceria de
relevância prática, já que sua função precípua é exatamente aquela de, por meio da Constituição,
limitar o poder do Estado em face do indivíduo. (DIMOULIS; MARTINS, 2011)
Atrela-se, pois, o constitucionalismo (como movimento político, jurídico e social) à
consagração dos direitos humanos fundamentais, através da limitação do poder estatal pela
norma dotada de maior hierarquia: a Constituição.
Como evidenciado por Rogério Montai de Lima, a principal preocupação em relação ao
texto constitucional e, por consequência, aos direitos humanos ali consagrados, refere-se à sua
concretização. É com esse argumento que sustenta
que, sozinho, o texto constitucional nada pode fazer. Ele possui somente força normativa, ou seja, pode atribuir serviços, delegar poderes, orientar condutas, enfim, estabelecer o que, quando e onde fazer. Há que existir o desejo em tornar realidade a vontade constitucional por aqueles que detém o poder, em resumo, é preciso a vontade e a ação humana. [...] A eficácia do texto constitucional deve estar intrinsecamente ligada à adesão dos cidadãos e dos diversos setores que compõem a sociedade. Precisa atender aos anseios populares, em todas as suas dimensões, para que haja eficácia e durabilidade das normas constitucionais [...]. O texto constitucional possui força normativa, como supracitado, e é por meio dessa força que se abre a possibilidade de os três poderes criarem meios e formas de se suprir as necessidades da sociedade. (LIMA, 2015, p. 68-70)
Norberto Bobbio já considerava a crise da efetividade ao declarar que “o problema grave
de nosso tempo, em relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de
protegê-los”. (BOBBIO, 1992, p. 25)
A população de Jacinópolis, entretanto, em razão da localização geográfica em que está
inserida – conforme já delineado nos tópicos anteriores, por estar afastada (e por longos anos,
inclusive, isolada) do município ao qual integra (Nova Mamoré) - tem sido impedida da
efetivação de diversos direitos humanos básicos, como saúde, educação, segurança, e etc. Isto
porque, considerando o empecilho geográfico, o Município de Nova Mamoré por anos deixou de
realizar investimentos e assistências necessárias na região, geralmente sob a alegação de alto
custo para acesso ao distrito, já que o trajeto para entrega de merenda escolar, medicamentos,
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dentre outros bens essenciais, deveria ser cumprido percorrendo Porto Velho, Ariquemes e
Buritis.
Esse é o motivo pelo qual a população de Jacinópolis, na busca da realização desses
direitos mínimos, busca Município de Buritis, seja para escoamento de sua produção
agrícola/leiteira, aquisição de insumos básicos e de alimentação, atendimento médico-hospitalar,
e etc.
Nesse contexto de busca pela efetividade, concretização e pleno alcance dos direitos
humanos reconhecidos (tais como o direito a vida, a liberdade, a propriedade, ao trabalho, a
cultura, a educação, a ordem jurídica igualitária, ao desenvolvimento, etc.), que exsurge o direito
de acesso à justiça em suas duas notáveis vertentes: i) sua consagração como um dos direitos
humanos fundamentais contextualizados na segunda geração de direitos humanos – a qual
diferentemente da primeira geração, de prestação negativa do Estado, de reconhecimento apenas
dos direitos de liberdade mediante atuação não intervencionista estatal, para a qual o direito de
acesso à justiça conduzia meramente à possibilidade jurídica do cidadão submeter o conflito ao
Poder Judiciário – preocupa-se com o “fazer” do Estado, consciente que a mera previsão legal do
direito não satisfaz aos anseios dos indivíduos, tornando-se necessária a atuação positiva por
parte do Estado para o suprimento das necessidades humanas; e ii) sua utilização como
instrumento que viabiliza a concretização dos demais direitos humanos.
O acesso à justiça enquanto parte integrante do rol dos direitos humanos deve
corresponder, pois, ao acesso a uma ordem jurídica igualitária, de promoção da paz e
garantia/instrumento para o alcance e concretização de todos os demais direitos humanos.
É nesta perspectiva que o direito de acesso à justiça é considerado “o mais básico dos
direitos humanos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67) e passa a ser considerado como
requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não
apenas proclamar o direito de todos.
Amplia-se, com isso, no século XX, o significado do direito de acesso à justiça por meio
da publicação do relatório Acess to Justie: The Worldwide Movement to Make Rights Effective,
publicado em 1978-1979 (CAPPELLETTI; GARTH) – o qual compõe marco teórico referencial
no estudo do acesso à justiça. Ainda, para os autores do reportado relatório, a proclamação da
titularidade de direitos subjetivos seria inócua e destituída de sentido, na ausência de
mecanismos para sua reivindicação.
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Destaque-se, neste aspecto, que o acesso à justiça não é semelhante aos direitos humanos
como direito a alimentação, a educação, ao trabalho, etc. Revela-se, diferentemente daqueles, em
um direito-garantia, do qual o cidadão deve se servir para a realização dos demais direitos. É um
direito substancial para o efetivo exercício da cidadania, já que é este direito que será articulado
quando o cidadão, de modo arbitrário, tiver seus direitos obstados por culpa do Estado.
A justiça - seja vista como virtude da convivência humana, seja como qualidade da ordem
social, ou ainda, seja em uma ação tipicamente positivista, de cumprimento do que está previsto
em lei - precisa ser alcançada (ou ao menos continuamente buscada) como meio de se obter
também a plenitude da realização dos direitos humanos e da pacificação social.
Para a efetivação do acesso à justiça, Cappelletti e Garth apontam a existência de três
principais barreiras que dificultam o acesso para quem busca a realização da justiça: barreira
financeira, barreira cultural e barreira psicológica. Para ultrapassar essas barreiras foram criadas
três “ondas” renovatórias, de soluções práticas para os problemas de acesso à justiça. A primeira
onda é a da assistência jurídica para os pobres, a segunda onda trata-se da representação dos
interesses difusos e a terceira onda diz respeito ao “novo enfoque de acesso à justiça, com
simplificação dos procedimentos e criação de alternativas de justiça, possibilitando a utilização
de variadas experiências de resolução de conflitos”. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 atribui relevância ao acesso à
justiça e preceitua no artigo 5º (Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos),
inciso XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”, e inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos”. No Brasil, portanto, o acesso à justiça é parte integrante
dos direitos e garantias fundamentais.
O dispositivo constitucional em comento revela a estipulação pelo ordenamento jurídico
brasileiro dos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da ubiquidade da justiça,
segundo os quais toda lesão ou ameaça a direito poderá ser submetida à apreciação do Poder
Judiciário.
Com o escopo de garantir efetivo acesso à justiça aos habitantes de Jacinópolis, o
Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, ainda em 2004, por meio da Resolução 028/2004-
PR, incorporou o referido distrito à Comarca de Buritis para fins de prestação jurisdicional. A
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partir daí, todos os processos apresentados por pessoas daquela localidade passaram a ser de
competência dos Juízes da Comarca de Buritis, assim como aquela população e os fatos ali
ocorridos tornaram-se responsabilidade da Polícia Civil e do Ministério Público de Buritis,
encurtando-se o percurso de 700 quilômetros (Jacinópolis – Guajará-Mirim) do distrito até a sede
da Comarca para 60 quilômetros (Jacinópolis-Buritis).
Recentemente, com a abertura da Estrada Parque – já que superada a situação de
isolamento que fundamentou a Resolução 028/2004-PR, o TJRO, mediante provocação, analisa a
possibilidade de revogação do reportado ato normativo e reincorporação do distrito de
Jacinópolis à Comarca de Guajará-Mirim.
Eventual decisão de reincorporação de Jacinópolis à Comarca de Guajará-Mirim que
venha a ser tomada pelo Tribunal de Justiça Estadual comprometerá o acesso à justiça daquela
população, considerando que: i) a autorização para tráfego na estrada é provisória e emergencial
e pode ser cessada a qualquer momento; ii) a estrada não é asfaltada e possui trechos de difícil
rompimento em períodos chuvosos; iii) inexiste transporte público coletivo que atenda ao trajeto
entre Jacinópolis e a sede da Comarca de Guajará-Mirim; iv) a distância entre Jacinópolis e o
Fórum de Guajará-Mirim (180 quilômetros) é o triplo da distância que hoje é percorrida até o
Fórum de Buritis (60 quilômetros) – facilmente perceptível no mapa da Figura 1; e v) as relações
jurídicas dos habitantes de Jacinópolis são, em sua maioria, constituídas no Município de Buritis,
e o exercício do direito de ação em Comarca diversa daquela de ocorrência dos fatos prejudica a
instrução processual, além de aumentar o custo e a duração do processo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O recente prolongamento, no ano de 2014, da Rodovia RO-420 no interior do Parque
Estadual Guajará-Mirim, no trecho de aproximadamente 12 quilômetros denominado como
Estrada Parque, já tem evidenciado, conforme apontamentos da Sedam/RO detalhados nesta
pesquisa, a intensificação da invasão das áreas protegidas, com extração ilegal de madeiras,
desmatamento e destruição da fauna local.
As consequências ambientais são drásticas, inclusive considerando o decurso de apenas
três anos desde a abertura da estrada até a atualidade e a tendência lógica de aumento do impacto
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ambiental da ação humana no interior da floresta para os próximos anos, caso mantido o livre
trânsito naquela área.
Ao lado da violação do direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
acarretado pelo prolongamento da rodovia em unidade de conservação de proteção integral,
apresenta-se o risco de ofensa ao direito humano de proteção dos povos indígenas – em razão da
proximidade da estrada com a porção sul da Terra Indígena Karipuna.
Acrescento, ainda, à lista de violações dos direitos humanos em decorrência da Estrada
Parque, o problema do acesso à justiça que a população de Jacinópolis passará a enfrentar caso o
distrito seja reincorporado à Comarca de Guajará-Mirim, a depender da conclusão dos estudos
que vêm sendo realizados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia diante das
provocações para revogação da Resolução 028/2004-PR fundadas no desaparecimento do
obstáculo geográfico que impedia o acesso direto do distrito ao seu município de criação.
Como visto, o custo ambiental, cultural e humano da abertura da Estrada Parque
enfraquecem os argumentos de desenvolvimento econômico e encurtamento de distâncias entre
os municípios do Estado de Rondônia. Além disso, a situação de isolamento provocada aos
Municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim por consequência da cheia histórica do Rio
Madeira em 2014 já fora restabelecida.
À população de Jacinópolis remanesce a esperança de que uma análise a respeito de seus
direitos básicos seja realizada conjuntamente entre o Estado de Rondônia, o Município de Nova
Mamoré e o Município de Buritis, a fim de que ultrapassando-se entraves burocráticos e legais, a
área geográfica correspondente ao referido distrito passe a compor o Município de Buritis para
todos os efeitos legais, administrativos e jurisdicionais; modificação que além de atender aos
anseios e necessidades dos cidadãos, ainda contribui para a preservação do meio ambiente do
Parque Estadual Guajará-Mirim e proteção da comunidade da Terra Indígena Karipuna, com o
consequente fechamento da Estrada Parque.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
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Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
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