ISSN 1676-3661 ANO 15 - Nº 178 - Setembro/2007 PUBLICAÇÃO ...

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Índice PUBLICAÇÃO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS ANO 15 - Nº 178 - Setembro/2007 ISSN 1676-3661 EDITORIAL: DEVIDO PROCESSO E INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA 1 TRAÇOS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE André Luís Callegari e Roberta Lofrano Andrade 2 O QUE É O DIREITO PENAL? Paulo Queiroz 4 A LEI Nº 11.466/07 E O NOVO ART. 319-A DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Belize Câmara Correia 6 A LEI Nº 11.419/2006 E O PROCESSO DE EXECUÇÃO PENAL: MAIS AGILIDADE E MAIS SEGURANÇA PÚBLICA Cláudio Amaral 8 SURSIS ETÁRIO E MENOR DE 21 ANOS Miguel Tedesco Wedy 10 ORIENTAÇÕES DIRIGIDAS AO LEGISLADOR PENAL FRENTE AO DIREITO PENAL DE EMERGÊNCIA Míriam Figueiredo da Silveira 12 O HABEAS CORPUS E A JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A VINCULAÇÃO ENTRE A DENÚNCIA E OS ELEMENTOS OBJETIVOS DE CONVICÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Daniel Gerber 13 A PRISÃO EM FLAGRANTE E AS CAUSAS EXCLUDENTES DA ANTIJURIDICIDADE Eduardo Augusto Paglione 15 UTILITARISMO PENAL E VIOLAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS Luciano Anderson de Souza e Maurício de Albuquerque Araújo Luyten 17 A POSSIBILIDADE DE FRAGMENTAÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA Hamilton da Cunha Iribure Júnior e Hermínio Alberto Marques Porto 18 Caderno de Jurisprudência O DIREITO POR QUEM O FAZ: VIDEOCONFERÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1113 EMENTAS: Supremo Tribunal Federal 1116 Superior Tribunal de Justiça 1117 Tribunais Regionais Federais 1117 Tribunais de Justiça 1119 DEVIDO PROCESSO E INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA Editorial EDITORIAL: DEVIDO PROCESSO E INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA Em decisão histórica, o Supremo Tribu- nal Federal, em sessão de sua Segunda Tur- ma, no dia 14 de agosto, deferiu ordem de habeas corpus para considerar nulo o interro- gatório por videoconferência (HC 88914). O relator do feito, ministro Cezar Peluso, con- siderou o ato carente de suporte legal, “insultuoso a garantias elementares do justo processo da lei ( due process of law ).” Foi acompanhado à unanimidade pelos minis- tros presentes à sessão, Celso de Mello, Gil- mar Mendes e Eros Grau. A decisão é um marco na visão ética do processo, o reflexo autêntico da lógica que permeia o Estado Democrático de Direito, no qual os meios não justificam os fins. E, ao contrário do que se possa dizer, não exte- rioriza uma marca ou entendimento políti- co-criminal por parte daqueles que a pro- feriram, porque deixa de lado, corretamen- te, a questão acerca da conveniência políti- co-criminal do interrogatório por video- conferência, que não é incumbência do Po- der Judiciário. O ato concreto foi julgado sob um aspec- to exclusivamente normativo, tendo sido confrontado com normas constitucionais e legais; e por isso causa estranheza que al- guns veículos da imprensa tenham classifi- cado a decisão como exemplo de insegu- rança jurídica. Experiências haviam sido feitas com o in- terrogatório on-line desde 1996. Dividiam- se os entendimentos acerca de sua conve- niência ou não, conforme diversos textos publicados no Boletim IBCCRIM. E a res- posta à controvérsia foi dada pela mini- reforma do Código de Processo Penal de 2003, que alterou a estrutura do interroga- tório, deixando clara a sua natureza de ma- nifestação do exercício do direito de defe- sa e mais clara ainda, como ressaltado no julgamento do Supremo Tribunal Federal, a necessidade de contato pessoal entre o in- terrogado e o juiz. O artigo 185 determina que o acusado comparecerá “perante a autoridade judiciá- ria” para exercer o seu direito de defesa. Es- tando preso, o interrogatório poderá ser rea- lizado no estabelecimento prisional, presen- tes a autoridade judiciária e seus auxiliares, mantendo, assim, a igualdade de tratamento entre réus presos e réus soltos. Esta previsão bem demonstra o quanto são falaciosos os argumentos de que o inter- rogatório por videoconferência seria a úni- ca forma de reduzir custos com escoltas e de prevenir o resgate de “presos perigosos”, geralmente feitas justamente neste momen- to. Para tanto, respondeu com superiorida- de o legislador em 2003: vá o magistrado ao presídio! O reiterado descumprimento desta previ- são legal revela, todavia, a verdadeira natu- reza deste tipo de argumentação em favor do interrogatório por videoconferência: o dese- jo pela assepsia judiciária. A decisão do Supremo Tribunal Federal, assim, não confunde “formalismos despidos de significado com significados revestidos de for- ma” ( Boletim 120/3, Parecer do CNPCP) e coloca os termos dessa questão de volta nos seus trilhos: há regras para punir e há regras para se determinar a punição, isto é da essên- cia do Estado Democrático de Direito; as regras pré-estabelecidas pelo próprio Esta- do que pune não podem ser desrespeitadas em nome dos fins, pena de se criar insegu- rança jurídica e quebra da legalidade; essas regras, por outro lado, estão orientadas ma- terialmente pelo devido processo legal e, no caso do acusado, traduzem-se, também, “no direitos de audiência e de presença ou participa- ção” (min. Cezar Peluso). O interrogatório é a única oportunidade, dentro do processo penal, na qual o acusado se dirige diretamente àquele que decidirá so- bre sua culpa ou inocência, e, portanto, to- mará decisão da mais profunda gravidade sobre sua vida. A decisão do Supremo Tribu- nal Federal é, assim, de se louvar porque res- peitosa do princípio da legalidade e do devi- do processo legal e porque uma lembrança de todo aspecto humano envolvido na pena e no processo para sua aplicação, onde estão em jogo, mais que em qualquer outro ramo do Direito, todos os contornos da dignidade humana, valor fundante de nosso Estado.

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Índice

PUBLICAÇÃO OFICIAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

ANO 15 - Nº 178 - Setembro/2007ISSN 1676-3661

EDITORIAL:DEVIDO PROCESSO EINTERROGATÓRIO PORVIDEOCONFERÊNCIA 1

TRAÇOS DO DIREITO PENALDO INIMIGO NA FIXAÇÃODA PENA-BASEAndré Luís Callegari eRoberta Lofrano Andrade 2

O QUE É O DIREITO PENAL?Paulo Queiroz 4

A LEI Nº 11.466/07 E O NOVOART. 319-A DO CÓDIGO PENALBRASILEIRO: UMA ANÁLISEÀ LUZ DO PRINCÍPIO DAPROPORCIONALIDADEBelize Câmara Correia 6

A LEI Nº 11.419/2006 E OPROCESSO DE EXECUÇÃOPENAL: MAIS AGILIDADE EMAIS SEGURANÇA PÚBLICACláudio Amaral 8

SURSIS ETÁRIO EMENOR DE 21 ANOSMiguel Tedesco Wedy 10

ORIENTAÇÕES DIRIGIDAS AOLEGISLADOR PENAL FRENTEAO DIREITO PENAL DEEMERGÊNCIAMíriam Figueiredo da Silveira 12

O HABEAS CORPUS E A JUSTACAUSA PARA A AÇÃO PENAL:BREVES CONSIDERAÇÕESSOBRE A VINCULAÇÃO ENTREA DENÚNCIA E OS ELEMENTOSOBJETIVOS DE CONVICÇÃODO MINISTÉRIO PÚBLICODaniel Gerber 13

A PRISÃO EM FLAGRANTE EAS CAUSAS EXCLUDENTESDA ANTIJURIDICIDADEEduardo Augusto Paglione 15

UTILITARISMO PENAL EVIOLAÇÃO DAS COMUNICAÇÕESTELEFÔNICASLuciano Anderson de Souzae Maurício de AlbuquerqueAraújo Luyten 17

A POSSIBILIDADE DEFRAGMENTAÇÃO DADECISÃO DE PRONÚNCIAHamilton da Cunha Iribure Júnior eHermínio Alberto Marques Porto 18

Caderno de JurisprudênciaO DIREITO POR QUEM O FAZ:VIDEOCONFERÊNCIA.INEXISTÊNCIA DE PREVISÃOLEGAL. AFRONTA AOSPRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA,DO CONTRADITÓRIO E DODEVIDO PROCESSO LEGAL. 1113

EMENTAS:Supremo Tribunal Federal 1116

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Tribunais de Justiça 1119DEV

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EditorialEDITORIAL:

DEVIDO PROCESSO EINTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA

Em decisão histórica, o Supremo Tribu-nal Federal, em sessão de sua Segunda Tur-ma, no dia 14 de agosto, deferiu ordem dehabeas corpus para considerar nulo o interro-gatório por videoconferência (HC 88914). Orelator do feito, ministro Cezar Peluso, con-siderou o ato carente de suporte legal,“insultuoso a garantias elementares do justoprocesso da lei (due process of law).” Foiacompanhado à unanimidade pelos minis-tros presentes à sessão, Celso de Mello, Gil-mar Mendes e Eros Grau.

A decisão é um marco na visão ética doprocesso, o reflexo autêntico da lógica quepermeia o Estado Democrático de Direito,no qual os meios não justificam os fins. E, aocontrário do que se possa dizer, não exte-rioriza uma marca ou entendimento políti-co-criminal por parte daqueles que a pro-feriram, porque deixa de lado, corretamen-te, a questão acerca da conveniência políti-co-criminal do interrogatório por video-conferência, que não é incumbência do Po-der Judiciário.

O ato concreto foi julgado sob um aspec-to exclusivamente normativo, tendo sidoconfrontado com normas constitucionais elegais; e por isso causa estranheza que al-guns veículos da imprensa tenham classifi-cado a decisão como exemplo de insegu-rança jurídica.

Experiências haviam sido feitas com o in-terrogatório on-line desde 1996. Dividiam-se os entendimentos acerca de sua conve-niência ou não, conforme diversos textospublicados no Boletim IBCCRIM. E a res-posta à controvérsia foi dada pela mini-reforma do Código de Processo Penal de2003, que alterou a estrutura do interroga-tório, deixando clara a sua natureza de ma-nifestação do exercício do direito de defe-sa e mais clara ainda, como ressaltado nojulgamento do Supremo Tribunal Federal,a necessidade de contato pessoal entre o in-terrogado e o juiz.

O artigo 185 determina que o acusadocomparecerá “perante a autoridade judiciá-ria” para exercer o seu direito de defesa. Es-tando preso, o interrogatório poderá ser rea-

lizado no estabelecimento prisional, presen-tes a autoridade judiciária e seus auxiliares,mantendo, assim, a igualdade de tratamentoentre réus presos e réus soltos.

Esta previsão bem demonstra o quantosão falaciosos os argumentos de que o inter-rogatório por videoconferência seria a úni-ca forma de reduzir custos com escoltas ede prevenir o resgate de “presos perigosos”,geralmente feitas justamente neste momen-to. Para tanto, respondeu com superiorida-de o legislador em 2003: vá o magistrado aopresídio!

O reiterado descumprimento desta previ-são legal revela, todavia, a verdadeira natu-reza deste tipo de argumentação em favor dointerrogatório por videoconferência: o dese-jo pela assepsia judiciária.

A decisão do Supremo Tribunal Federal,assim, não confunde “formalismos despidos designificado com significados revestidos de for-ma” (Boletim 120/3, Parecer do CNPCP) ecoloca os termos dessa questão de volta nosseus trilhos: há regras para punir e há regraspara se determinar a punição, isto é da essên-cia do Estado Democrático de Direito; asregras pré-estabelecidas pelo próprio Esta-do que pune não podem ser desrespeitadasem nome dos fins, pena de se criar insegu-rança jurídica e quebra da legalidade; essasregras, por outro lado, estão orientadas ma-terialmente pelo devido processo legal e, nocaso do acusado, traduzem-se, também, “nodireitos de audiência e de presença ou participa-ção” (min. Cezar Peluso).

O interrogatório é a única oportunidade,dentro do processo penal, na qual o acusadose dirige diretamente àquele que decidirá so-bre sua culpa ou inocência, e, portanto, to-mará decisão da mais profunda gravidadesobre sua vida. A decisão do Supremo Tribu-nal Federal é, assim, de se louvar porque res-peitosa do princípio da legalidade e do devi-do processo legal e porque uma lembrançade todo aspecto humano envolvido na pena eno processo para sua aplicação, onde estãoem jogo, mais que em qualquer outro ramodo Direito, todos os contornos da dignidadehumana, valor fundante de nosso Estado.

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 20072

Direito Penal do inimigo, Direito Pe-nal de terceira velocidade, sociedade derisco. Todos estes são termos atualmen-te muito discutidos por acadêmicos edoutrinadores do Direito(1). No sentidoprático, são associados principalmenteao terrorismo, aos crimes econômicos eà criminologia organizada, ou seja, no-vos crimes característicos de uma socie-dade globalizada e em constantes avan-ços tecnológicos. Porém, são raras ascomparações com o ordenamento jurí-dico-penal brasileiro, cristalizado emnosso velho Código Penal de 1940.

A conceituação de inimigo é de fácilcompreensão, apesar de sua definiçãoprática ser um tanto complexa. Comuma mistura de explicações trazidas porRosseau, Hobbes, Kant e Jakobs, pode-mos definir inimigo como aquele quedefrauda a expectativa de um compor-tamento pessoal de forma duradoura,afastando-se, dessa forma, do Direito,excluindo-se do conceito de pessoa/ci-dadão. O “inimigo-delinqüente” nãoserá mais tratado pelo Estado como ci-dadão, pois ele próprio não admitiu serobrigado a entrar no estado de cidada-nia (contrato social de Rosseau) e poresta razão não poderá participar dos be-nefícios do conceito de pessoa. Frente aesse inimigo, a reação do ordenamentonão será de compensação do dano à vi-gência da norma (como no Direito Pe-nal clássico), mas de eliminação de umperigo. A pena passará a ser dirigida afatos futuros, e não a fatos cometidos(2).

À primeira vista, tais denominaçõestão radicais não são associadas ao nos-so ordenamento, apenas aos ordena-mentos norte-americanos e europeus,principalmente no que tange à sua le-gislação antiterrorista. Ocorre que,pela simples análise das circunstânciasdo artigo 59 do Código Penal, percebe-se a incidência de um Direito Penal doautor (característico do Direito Penaldo inimigo) e não do fato (característi-co do Direito Penal clássico).

Referido artigo é levado em contana primeira fase do cálculo da penaefetuado pelo juiz. Nele constam cir-cunstâncias judiciais em sua maioriafrutos de uma valoração subjetiva domagistrado. São elas: a culpabilidade,os antecedentes, a conduta social, apersonalidade, os motivos, circunstân-cias e conseqüências do crime, e ocomportamento da vítima. Serão exa-minadas aquelas que sofrem influênciadireta do Direito Penal do inimigo.

TRAÇOS DO DIREITO PENAL DO INIMIGONA FIXAÇÃO DA PENA-BASE

André Luís Callegari e Roberta Lofrano Andrade

De início, os antecedentes, ou me-lhor, maus antecedentes, não devem serconfundidos com a reincidência. A rein-cidência ocorre quando houver senten-ça condenatória transitada em julgado,havendo a necessidade de o novo crimeter sido praticado após o trânsito emjulgado desta sentença (conforme defi-nição do artigo 63 do CP). Já os mausantecedentes ocorrem quando a senten-ça condenatória transitada em julgadovem a ser posterior à prática do novocrime. Assim, sentenças condenatóriassempre agrava-rão a pena, se-jam como ante-cedentes (art.59, CP), sejamcomo reincidên-cia (art. 61, I,CP), considera-da na segundafase do cálculoda pena. Não se-rão contadosaqui, por questãode absurdo con-flito com as definições acima e com osprincípios basilares que regem o Direito,os processos em andamento, que são con-siderados, por número não pequeno dejuízes, como maus antecedentes.

A valoração dos maus anteceden-tes para o incremento da pena é a pu-nição do agente pela reiteração daprática de um delito. Aqui entra a in-fluência do Direito Penal do inimigo,que traz a teoria de que aquele quereiteradamente transgride o ordena-mento exclui-se de ser cidadão e, porisso, será tratado como inimigo, con-forme já exposto anteriormente.

Neste diapasão, o aumento da puni-ção pela reiteração de um crime denotaum fragmento do Direito Penal do ini-migo no retrógrado Código Penal brasi-leiro, visto que em tal Direito há umadiferenciação entre as pessoas de acor-do com o seu grau de periculosidade,que é determinado pela reiteração dedelitos praticados (sendo o inimigoaquele que se afasta de maneira dura-doura do Direito).

Além dos antecedentes, a conduta so-cial, a personalidade e os motivos docrime trazem forte influência do Direi-to Penal do inimigo. Estas três circuns-tâncias advêm de uma análise do foroíntimo do réu.

Aqui incide, flagrantemente, um Di-reito Penal do autor e não do fato. No

âmbito da conduta social e da persona-lidade, aumenta-se a pena do agentepelo seu “mau comportamento” peran-te a sociedade, pelo que ele é, pelo modode vida que escolheu e por fatos que di-zem que ele já praticou, não pelo delitocometido. Pune-se o agente pela pessoaque diversos fatores sociais, biológicose psicológicos o tornaram ao longo desua existência. De acordo com AndréLuís Callegari, “somente se pode cobrardos sujeitos os comportamentos concretos,delimitados espacial e temporalmente, e

não por ter esco-lhido determinadoplano de vida oumodo de existên-cia”(3). Com esteincremento depena, há claraviolação dosprincípios cons-titucionais da le-galidade e, emúltima análise,do devido pro-cesso legal.

A famosa assertiva que freqüente-mente é encontrada nas sentenças —“personalidade voltada à prática delitiva”— é exemplo de uma inconsciente ins-piração no Direito Penal do inimigo.Existe um incremento de pena de acor-do com a pessoa do réu, que indicarásua periculosidade e conseqüentementea probabilidade do cometimento de ilí-citos futuros. Nada mais característicodo Direito Penal do inimigo do que essaantecipação da punição por fatos queum dia poderiam ser cometidos.

Por fim, a circunstância do motivo docrime diz respeito a uma vontade ínti-ma do réu, o porquê do cometimentodo delito. Cabe referir que tal circuns-tância só deve ser levada em conta pelojuiz quando os motivos forem mais re-prováveis que os motivos já inerentesao tipo (o motivo da prática dos crimesde furto e roubo é, obviamente, o enri-quecimento fácil, não devendo tal ser-vir para um aumento de pena) e quandoeles já não tiverem sido considerados nadelimitação do crime, como, por exem-plo, no homicídio qualificado por mo-tivo fútil (art. 121, § 2º, II, CP).

Após estas breves considerações, dequalquer forma, o incremento da penadevido ao motivo do crime, não impor-ta qual ele seja, o que diz respeito ex-clusivamente à intimidade do réu, ad-mite um Direito Penal do inimigo, doTR

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 2007 3BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 2007 3

DIRETORIA EXECUTIVAPRESIDENTE:Alberto Silva Franco1ª VICE-PRESIDENTE:Sérgio Mazina Martins2º VICE-PRESIDENTE:Theodomiro Dias Neto1º SECRETÁRI0:Carlos Alberto Pires Mendes2ª SECRETÁRIA:Paula Bajer Fernandes Martins da Costa1º TESOUREIRO:Ivan Martins Motta2ª TESOUREIRA:Silvia Helena Furtado Martins

CONSELHO CONSULTIVO:Carlos Vico Mañas, Marcio Bártoli, MarcoAntonio Rodrigues Nahum, Maurício Zanoidede Moraes e Tatiana Viggiani Bicudo

COORDENADORES-CHEFES:Departamentos:BIBLIOTECA: Sergio Salomão ShecairaBOLETIM: Carina QuitoCURSOS: Cristiano Avila MaronnaCOMUNICAÇÕES: Renato Sérgio de LimaESTUDOS E PROJETOS LEGISLATIVOS:Guilherme Madeira DezemINICIAÇÃO CIENTÍFICA: Camila AkemiPerrusoINTERNET: Heloisa EstellitaNÚCLEO DE PESQUISAS: JacquelineSinhorettoPÓS-GRADUAÇÃO: Helena ReginaLobo da CostaRELAÇÕES INTERNACIONAIS:Marcos Alexandre Coelho Zilli

Representantes do IBCCRIMjunto ao Olapoc: Flávia D’Urso,Glauber Callegari e Renata Flores Tybiriçá

REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIASCRIMINAIS: Juliana Garcia Belloque

COMISSÕES:Presidentes:CÓDIGO PENAL: Mariângela Gamade Magalhães GomesCONVÊNIOS: André AugustoMendes MachadoHISTÓRIA: Roberto Mauricio GenofreJUSTIÇA E SEGURANÇA: RenatoCampos Pinto de VittoMEIO AMBIENTE: Adilson PauloPrudente do AmaralMESAS DE ESTUDOS E DEBATES: PauloSérgio de OliveiraMONOGRAFIAS: Andrei KoemerNÚCLEO DE JURISPRUDÊNCIA: Rui StocoPOLÍTICA NACIONAL DE DROGAS:Maurides de Melo RibeiroSEMINÁRIO INTERNACIONAL: Carlos VicoMañasSISTEMA PRISIONAL: Alessandra Teixeira

INSTITUTO BRASILEIRODE CIÊNCIAS CRIMINAIS

- IBCCRIM -(FUNDADO EM 14.10.92)

DIRETORIA DA GESTÃO 2007/2008

autor, em detrimento de um Direito Pe-nal do fato. Incrementar a pena combase na razão do cometimento do delitoé punir o réu por pensamentos e desejosmoralmente reprováveis. Encontramo-nos diante de uma violação descaradadas bases de nosso Direito Penal clássi-co. Neste mesmo contexto inserem-seas qualificadoras que redimensionamquantitativamente a pena em decorrên-cia de motivo reprovável da prática docrime (art. 121, § 2º, II, CP, por exem-plo), questão que, por ora, não será ob-jeto de análise.

Diante do exposto, incontestável é apresença do Direito Penal do inimigo noCódigo Penal Brasileiro, manifestada,além de em outros artigos, nas circuns-tâncias judiciais do artigo 59. Não sebusca neste momento aprovar ou repro-var o Direito Penal do inimigo, nem se-quer ingressar detalhadamente em seusignificado. Pretende-se, entretanto, fa-zer um pequeno alerta sobre sua influên-cia em nosso antiquado porém vigenteordenamento repressivo.

Assim, basta uma leitura um poucomais atenta para percebermos a influên-cia do Direito Penal no inimigo em nos-sa legislação. O primeiro passo parauma discussão mais aprofundada do as-sunto é admitir que o Direito Penal doinimigo já existe, nos rodeia, e não estápresente somente nos Estados Unidos eem países europeus, e que tampoucoatinge exclusivamente terroristas e cri-minosos organizados. O artigo 59 doCódigo Penal Brasileiro é apenas umexemplo disso.

Notas

(1) SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. La Expan-sión del Derecho Penal. Aspectos de la PolíticaCriminal em las Sociedades Postindustriales. 2ªed., Madrid: Civitas Ediciones, 2001, p. 127.JAKOBS , Günther ; MELIÁ , ManuelCancio. Direito Penal do Inimigo. Noções Crí-ticas. Tradução de André Luís Callegari eNereu José Giacomolli. 1ª ed. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2005, p. 81.ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. PolíticaCriminal. Madrid: Colex, 2001, p. 271.FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Ma-drid: Editorial Trotta, 2000, p. 807.MUÑOZ CONDE, Francisco. De Nuevo So-bre el “Derecho Penal del Enemigo”. DerechoPenal del Enemigo. El Discurso Penal de laExclusión. V. 2. Buenos Aires: B de F, 2006.

(2) JAKOBS , Günther ; MELIÁ , ManuelCancio. Direito Penal do Inimigo. Noções Crí-ticas. Tradução de André Luís Callegari eNereu José Giacomolli. 1ª ed., Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2005, pp. 25-30.

(3) CALLEGARI, André Luís; REINDOLFFDA MOTTA, Cristina. Estado e Política Cri-minal: a Contaminação do Direito Penal Ordi-nário pelo Direito Penal do Inimigo ou a Ter-ceira Velocidade do Direito Penal, 2007, p. 24.(no prelo).

André Luís CallegariAdvogado, doutor em Direito Penal pela

Universidad Autónoma de Madrid,coordenador executivo e professor do curso

de Direito da Universidade do Vale doRio dos Sinos (Unisinos)

Roberta Lofrano AndradeGraduanda pela Universidade do

Vale do Rio do Sinos (Unisinos)e bolsista PIBIC/CNPq

ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIACONVOCAÇÃO

Ficam convocados os associados do IBCCRIM, inscritos há mais de umano, e em dia com as suas contribuições, a se reunirem em Assembléia Ge-ral Extraordinária, no dia 27 de setembro de 2007, às 10:00 horas, em pri-meira convocação, se houver quórum estatutário, ou às 10:30 horas, em se-gunda convocação, com qualquer número de associados, na sede social doInstituto, na Rua Onze de Agosto, 52 – 2° andar – Centro – São Paulo, paradeliberar sobre Reforma Estatutária.

Alberto Silva FrancoPresidente

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 20074

Em primeiro lugar, o Direito é umconceito, tal qual justiça, moral, ética,estética etc. E como conceito, remetenecessariamente a outros conceitos:lei, ordem, segurança, liberdade, bemjurídico etc., que também reenviam aoutros tantos, motivo pelo qual só sepode obter um conceito de direito pormeio de remissões, associações.

Em segundolugar, o maiselaborado ouprestigiado con-ceito de direitoé apenas um en-tre vários con-ceitos possíveis,de sorte que tra-duz em últimaanálise o pontode vista de seuautor ou dequem o adota,afinal outrostantos concei-tos, mais ou me-nos exatos, maisou menos am-plos, são igualmente possíveis. Tam-bém por isso, um conceito constituiuma apreensão sempre parcial domundo, dentro de um universo de re-presentações possíveis; um conceito éuma simplificação, uma redução.

Em terceiro lugar, todo conceito,como representação formal do pensa-mento, pouco ou nada diz sobre o seuconteúdo, isto é, pouco ou nada diz so-bre as múltiplas formas que ele podehistórica e concretamente assumir, atéporque, embora pretenda valer para ofuturo, é pensado a partir de uma expe-riência passada, a revelar que definiralgo é de um certo modo legislar sobreo desconhecido. Também por isso, umconceito, como expressão da lingua-gem, é estruturalmente aberto, e, pois,pode compreender objetos históricosos mais díspares (v.g., o conceito de le-gítima defesa depende do que se enten-da, em dado contexto, por “injustaagressão”, “atual ou iminente”, “usomoderado dos meios necessários”, “di-reito próprio ou alheio” etc.).

Em quarto lugar, um conceito, que éassim socialmente construído, só écompreensível num espaço e tempo de-terminados, motivo pelo qual, com ousem alteração de seus termos, está empermanente mutação, afinal um concei-

O QUE É O DIREITO PENAL?Paulo Queiroz

to encerra uma convenção (provisória)e está condicionado por pré-conceitosou pré-juízos. Por isso é que o legal ouilegal, o lícito ou ilícito variam no tem-po e no espaço, independentemente (in-clusive) da alteração dos termos da lei,até porque o direito existe com ou semleis. É que, rigorosamente falando, asleis nada dizem: as leis dizem o que di-

zemos que elasdizem(1).

Em quintolugar, o concei-to de direito, talqual o conceitode justiça, li-berdade, igual-dade, e diferen-temente doconceito de ca-valo, automóveletc., que dizemrespeito a algoconcreto, nãoremetem a umacoisa, a um ob-jeto, propria-mente, mas a

relações (v.g., pais/filhos, empresa/empregados, autores/vítimas, Estado/criminosos etc.). Exatamente porisso, o direito não é um conjunto deartigos de lei, mas um conjunto de re-lações humanas(2).

Finalmente, todo conceito é cons-truído pela equiparação de coisas de-siguais e, por isso, constitui uma uni-versalização do não-universal, do sin-gular; um conceito nasce, portanto, dapostulação de identidade do não idên-tico(3). O conceito de crime, por exem-plo, refere-se a um sem número decondutas que, a rigor, nada têm em co-mum, à exceção da circunstância de es-tarem formalmente tipificadas: mataralguém, subtrair coisa alheia móvel,emitir cheque sem provisão de fundos,portar droga para consumo pessoal,abater espécime de fauna silvestre etc.(espécime que pode variar de uma bor-boleta a uma onça pintada), conceitos,que, por sua vez, unificam coisas dís-pares. Com efeito, não existe um ho-micídio absolutamente igual a outrohomicídio, nem um furto absoluta-mente igual a outro furto, nem um cri-me ambiental absolutamente igual aoutro, pois as múltiplas variáveis quesempre envolvem tais atos tornam cadaação humana singularíssima, única, ir-O

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repetível. Enfim, um conceito é for-mado pela eliminação do que há desingular em cada ato; e quanto maisexato, mais abstrato e mais vazio deconteúdo se torna(4). Fatos são mais oumenos semelhantes, jamais idênticos.

Aliás, a analogia, que tradicional-mente tem merecido um tratamentosecundário, não constitui um elemen-to acidental, mas essencial ao conhe-cimento, pois o justo e o injusto, obelo e o feio, o legal e o ilegal sãoconstruídos em verdade a partir decomparações, isto é, de analogias im-plícitas ou explícitas.

De tudo isso resulta que o direitonão está previamente dado (o direitonão existe), pois é parte da construçãosocial da realidade; e, portanto, o di-reito não preexiste à interpretação,mas é dela resultado, razão pela qual ainterpretação não é um modo de des-velar um suposto direito preexistente,mas a forma mesma de produção dodireito. Enfim, não é mais a interpre-tação que depende do Direito (ou dalei), mas o Direito (ou a lei) que de-pende da interpretação; dizendo-o àmaneira de Nietzsche: não existem fe-nômenos jurídicos, mas só uma inter-pretação jurídica dos fenômenos.

O que é então o Direito? Sob essaperspectiva, uma multidão móvel demetáforas, metonímias e antropo-morfismos(5); ou, ainda, o Direito sãorelações, interações, interpretações,decisões(6).

Notas

(1) Paulo Queiroz. Direito Penal. Parte geral.São Paulo: Saraiva, 2006.

(2) Arthur Kaufmann. Filosofia do Direito. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

(3) NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdad yMentira en Sentido Extramoral. Tecnos:Madrid, 1996.

(4) NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdad yMentira en Sentido Extramoral. Tecnos:Madrid, 1996.

(5) NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdad yMentira en Sentido Extramoral. Tecnos:Madrid, 1996.

(6) Naturalmente que com esse conceito ge-neralíssimo, aplicável a outros saberes, ficapor esclarecer o que há de peculiar no “fe-nômeno” jurídico.

Paulo QueirozDoutor em Direito (PUC/SP), procurador

regional da República e professor doCentro Universitário de Brasília

(UniCEUB)

De tudo isso resulta queo direito não está previamente

dado (o direito não existe),pois é parte da construção social

da realidade; e, portanto,o direito não preexiste àinterpretação, mas é dela

resultado, razão pela qual ainterpretação não é um modode desvelar um suposto direito

preexistente, mas a formamesma de produção do direito.

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 2007 5

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2ª REGIÃO (AC, AM e RR):Fabíola Monteconrado Ghidalevich

3ª REGIÃO (PI, CE e RN):Patrícia de Sá Leitão e Leão

4ª REGIÃO (PB, PE e AL):Oswaldo Trigueiro Filho

5ª REGIÃO (BA e SE):Wellington Cesar Lima e Silva

6ª REGIÃO (RJ e ES):Márcio Barandier

7ª REGIÃO (DF, GO e TO):Pierpaolo Bottini

8ª REGIÃO (MG):Felipe Martins Pinto

9ª REGIÃO (MT, MS e RO):Francisco Afonso Jawsnicker

10ª REGIÃO (SP):Ricardo Guinalz

11ª REGIÃO (PR):Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

12ª REGIÃO (RS e SC):Rafael Braude Canterji

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 2007 5

Leia na Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 67 – julho-agosto/2007

• Paternalismo Direto: Autolesões Devem Ser Punidas Penalmente? - Andrew von Hirsch• O Ilícito Penal nos Crimes Ambientais. Algumas Reflexões Sobre a Ofensa a Bens Jurídicos e os

Crimes de Perigo Abstrato no Âmbito do Direito Penal Ambiental - Fabio Roberto D’Avila• El Uso de la Videoconferencia en el Proceso Penal Español - Juan Carlos Ortiz Pradillo• Aspectos Médicos e Jurídicos da Eutanásia - Iberê Anselmo Garcia• Sistemas Penales y Criminología Crítica. Reflexiones Sobre la Enseñanza Jurídica y sus

Vinculaciones con el Poder en América Latina - Liliana Amanda Rivas

11º CONCURSO DE MONOGRAFIAS JURÍDICAS

Nos termos do edital do 11º Concurso IBCCRIM de Monografias Jurídicas, a Comis-são Julgadora proclama vencedora a obra de Cláudio do Prado Amaral intitulada “BasesTeóricas da Ciência Penal Contemporânea: Dogmática, Missão do Direito Penal e Política Cri-minal na Sociedade de Risco”.

A referida obra será lançada durante o 13º Seminário Internacional do IBCCRIM, de08 a 11 de outubro de 2007, ocasião em que todos os participantes receberão um exemplar.

TRIBUTO AO PROFESSOR SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO:ESTUDOS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA – SÃO PAULO / SP

Realização: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM,Academia de Polícia Civil “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”

e Centro de Direitos Humanos e Segurança Pública “Dr. Celso Vilhena Vieira”.Local: Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco

Data: 13 e 14 de setembro de 2007Horários: Dia 13/09 das 19h00 às 21h00 e dia 14/09 das 08h30 às 18h00

Inscrições: Gratuitas, através do email - [email protected]ças confirmadas:

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Carlos Afonso Gonçalves da Silva, Celso Limongi, Claudemir Costa Santos,Cleunice Valentim Bastos Pitombo, Flávia Rahal, José Pedro Zaccariotto,

Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Marta Saad, Maurício Zanoide de Moraes,Eros Roberto Grau, Rogério Lauria Tucci, entre outros.

Temas: Natureza e finalidade da Polícia Judiciária à luz da Constituição;Devido Procedimento Persecutório; Tecnologia na Investigação Policial

e Novas modalidades de perícias na investigação.

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Exposição ou justificativa:Há algum tempo a sociedade brasilei-

ra vem assistindo perplexa à execução in-discriminada de delitos através de ordensemanadas de aparelhos celulares utiliza-dos por detentos no interior das unida-des prisionais. A gravidade da situaçãoveio à tona em meados de maio de 2006,com as rebeliões promovidas nos presí-dios paulistas pelo Primeiro Comandoda Capital (PCC), que provocou conse-qüências desastrosas também fora dosmuros da prisão, com a morte de dezenasde policiais, agentes penitenciários emembros da sociedade civil, ocasião emque a cidade de São Paulo literalmenteparou, vendo-se refém do crime organi-zado. A constatação que a ordem paradiversas execuções teria partido de den-tro dos presídios/penitenciárias provo-cou clamor público, dando vida a umaintensa insatisfação social gerada pelasurpresa de como providências relativa-mente simples não são adotadas paraimpedir o acesso a essa espécie de comu-nicação pelo preso.

Nesse cenário, veio à lume a recenteLei nº 11.466, de 28 de março de 2007. Taldiploma legislativo, além de transformarem falta grave a posse, utilização ou for-necimento de aparelho telefônico, de rá-dio ou similar, incluiu no Código PenalBrasileiro, no Título “Dos Crimes contraa Administração Pública”, capítulo “Doscrimes praticados por funcionário públi-co contra a Administração em geral”, oart. 319-A, com a seguinte redação:

“Art. 319-A. Deixar o Diretor de Peni-tenciária e/ou agente público, de cumprirseu dever de vedar ao preso o acesso a apa-relho telefônico, de rádio ou similar, quepermita a comunicação com outros presosou com o ambiente externo:

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1(um) ano”.

A lei entrou em vigor da data de suapublicação, ou seja, está produzindo efei-tos desde o dia 29 de março de 2007.

Pela localização e redação do disposi-tivo, percebe-se que o legislador penaldesejou conferir-lhe a roupagem de de-rivação do tipo penal da prevaricação (art.319), que descreve a conduta de “retardarou deixar de praticar, indevidamente, ato deofício, ou praticá-lo contra disposição ex-pressa de lei, para satisfazer interesse ou sen-timento pessoal”.

Cotejando-se ambos os dispositivos,vê-se que, enquanto o art. 319 refere-se

A LEI Nº 11.466/07 E O NOVO ART. 319-A DOCÓDIGO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE ÀLUZ DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Belize Câmara Correia

apenas a “ato de ofício”, o art. 319-A es-pecifica o conteúdo do ato a que estáobrigado o agente público e cuja omis-são constitui crime, qual seja, o de ve-dar ao preso o acesso a aparelho telefô-nico ou similar.

Nota-se também que, embora tenhama mesma estrutura, a sanção cominada aonovo delito é levemente mais branda emrelação àquela prevista para a prevarica-ção, uma vez que, para esta última, alémda pena privativa de liberdade, impõe-secumulativamente a pena de multa.

Vale ressaltar ainda que, diferentemen-te do crime de prevaricação, o novo tipopenal esculpido no art. 319-A não exigeque a conduta seja praticada “para satis-fazer interesse ou sentimento pessoal”. Bas-ta, portanto, a simples omissão, por partedo agente público, na missão de proibirque o preso tenha acesso ao aparelho ce-lular ou similar, sendo prescindível, as-sim, o chamado especial fim de agir a in-formar a conduta.

O art. 319-A também não cogita dapossibilidade de “retardamento” do ato,fazendo alusão tão-somente à modalida-de de deixar de praticar o ato a cuja ob-servância está obrigado o agente públi-co. Isso até por uma questão de lógica,uma vez que a conduta de retardar afigu-ra-se incompatível com a ação de per-missividade de acesso a aparelho celularou similar. Em outras palavras, ou o agen-te público permite o acesso e consuma-se automaticamente o crime ou não pra-tica qualquer delito. Daí porque se tratade um crime omissivo próprio.

Merece destaque também a redaçãoum tanto confusa que foi conferida ao tipopenal em estudo, sob a expressão “deixarde cumprir o dever de vedar”. Ora, sabe-seque o legislador penal deve primar sem-pre pelo uso da linguagem simples, clarae objetiva. A observância de tal devernada mais é do que uma exigência do pró-prio princípio da legalidade.

Conforme leciona Cláudio Brandão:“O princípio da legalidade impõe uma

exigência ao legislador quanto à lingua-gem utilizada na formulação da normapenal: a norma deve usar signos lingüísti-cos claros, que possibilitem uma individua-lização do modelo abstrato da conduta in-criminada (...)” (1).

Se bem que a redação conferida ao art.319-A não tenha comprometido a indivi-dualização da conduta proscrita, o certoé que pecou pela falta de objetividade e

clareza. Embora não se possa dizer que anorma seja incompreensível, certamentese pode aceitar que a sua redação descu-rou do aspecto técnico, por dificultar aapreensão imediata do seu conteúdo.

Feitas essas observações prelimina-res, cabem aqui algumas reflexões acer-ca da aplicação prática do novo disposi-tivo legal, levando-se sempre em consi-deração a realidade do sistema peniten-ciário brasileiro.

Ora, sabe-se que, segundo pacificadona doutrina mais moderna, todas as nor-mas restritivas de direitos fundamentais,entre as quais figuram com proeminên-cia as normas penais incriminadoras, de-vem observância ao princípio da propor-cionalidade.

Conforme leciona Mariângela Gamade Magalhães Gomes:

“O princípio da proporcionalidade tem oseu principal campo de atuação no âmbitodos direitos fundamentais, enquanto crité-rio valorativo constitucional determinantedas máximas restrições que podem ser im-postas na esfera individual dos cidadãos peloEstado, e para a consecução de seus fins. As-sim, integra uma exigência ínsita no Estadode Direito enquanto tal, que impõe a prote-ção do indivíduo contra intervenções esta-tais desnecessárias ou excessivas que gravemo cidadão mais do que o indispensável para aproteção dos interesses públicos”(2).

Quanto à atuação do princípio espe-cificamente na órbita do Direito Penal,conclui a mesma autora:

“Pode-se dizer que, ao lado de princí-pios como o da legalidade, culpabilidade eigualdade, a proporcionalidade informa aatividade penal substantiva no ordenamen-to democrático, encaminhando para a nor-ma penal e sua aplicação judicial o restritogrupo de valores fundantes do critério de-mocrático de legitimidade, entre eles a dig-nidade da pessoa humana, a liberdade, asegurança, o bem-estar, o desenvolvimen-to, a igualdade e a justiça”(3).

Outro não é o caminho que vem sendotrilhado pela doutrina estrangeira, comonos mostra Teresa Aguado Correa:

“En un Derecho de la intervención comolo es el Derecho penal, las garantías del Es-tado de Derecho han desempeñado lá funciónde condicionar las intromissiones y su in-tensidad a determinados presupuestos, asícomo la función de minimzarlas y contro-larlas. Y en este contexto, se puede afir-mar que el principio central es el de laproporcionalidad de las intervenciones,A

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que deben ser necesarias y adecuadas paralograr su objetivo y también ser razonableso proporcionadas en cada caso”(4).

O princípio da proporcionalidadepode ser dividido em três elementos ousubprincípios: adequação (ou idoneida-de), necessidade e proporcionalidadestricto sensu.

Em razão do subprincípio da adequa-ção, o Direito Penal só se encontra autori-zado a intervir quando seja minimamenteeficaz para alcançar seu fim por excelên-cia — evitar a prática de delitos — deven-do rechaçar-se a sua utilização quando semostrar inoperante, ineficaz ou contrapro-ducente para esse desiderato.

De seu turno, o subprincípio da ne-cessidade, corolário do princípio da in-tervenção mínima, significa que o legis-lador penal só está autorizado a recorrerà tutela penal quando não houver outromeio de salvaguardar determinado bemjurídico, por haverem fracassado todasas outras formas de controle social aces-síveis ao Estado.

A proporcionalidade stricto sensu, fi-nalmente, traduz a idéia de que a cargaimposta pela sanção penal deve ser com-patível com a relevância do interesse pro-tegido pela norma. Tal postulado já podeser identificado no pensamento de Bec-caria, em sua obra Dos Delitos e das Penas:

“Os meios de que se utiliza a legislaçãopara impedir os crimes devem, portanto, sermais fortes à proporção que o crime é maiscontrário ao bem público e pode tornar-semais freqüente. Deve, portanto, haver umaproporção entre os crimes e as penas”(5).

Registre-se que para uma norma penalestar em consonância com o princípio daproporcionalidade em sentido amplo, deverespeitar simultaneamente todos os seussubprincípios acima analisados.

Isso evidentemente não ocorre em re-lação ao art. 319-A, que transgride os sub-princípios da necessidade e também daadequação.

De fato, a grande maioria das unida-des prisionais brasileiras, para não arris-car dizer todas, ao contrário do que co-mumente se pensa, não são dotadas dosmais simples mecanismos tecnológicosdestinados a impedir efetivamente a en-trada e a utilização de aparelhos celula-res ou similares em seu interior, taiscomo detectores de metais e bloqueado-res de sinais.

Há notícia de algumas ações civis pú-blicas ajuizadas com vistas à instalaçãodos bloqueadores, mas, enquanto nelasse discute a quem cabe tal responsabili-dade — se ao Estado ou às operadoras —e de que forma a tecnologia deve ser im-

plementada, inúmeros delitos continuama ser executados mediante ordens advin-das de telefones celulares e outros meiosde comunicação semelhantes que se en-contram à disposição dos detentos.

Por outro lado, a escassez de materialhumano aliada ao excesso de visitantessem controle dentro das unidades com-promete profundamente, senão inviabi-liza por completo, a realização de umaatividade de revista satisfatória. O resul-tado dessa combinação é o que se vê cor-riqueiramente na imprensa: a entrada in-discriminada, nos presídios/penitenciá-rias, não só de aparelhos celulares, mastambém de substâncias tóxicas, armas ediversos outros itens proibidos.

Todos esses fatores, que, juntamente atantos outros, põem à mostra as mazelasdo sistema penitenciário brasileiro, cadavez mais distante da tão sonhada ressocia-lização, leva-nos a concluir que a tutelapenal, na hipótese do dispositivo em ques-tão, carece de necessidade e adequação.

Isso porque, antes de uma norma pe-nal incriminadora, muitas outras alter-nativas que de fato poderiam coibir o aces-so do preso a aparelhos celulares e simi-lares lamentavelmente não foram imple-mentadas.

Mais uma vez, portanto, o Direito Pe-nal despe-se do seu caráter de ultima ra-tio para ser erigido à falsa categoria desolução milagrosa dos problemas, em to-tal menosprezo ao subprincípio da ne-cessidade.

Da mesma forma, caso não viabiliza-das as medidas de ordem prática e logís-tica já citadas, o novo dispositivo carece-rá de aptidão para coibir de maneira efi-ciente a utilização de aparelhos celularesou similares dentro das unidades prisio-nais e, via de conseqüência, a comunica-ção dos presos entre si ou com o ambien-te externo.

Dito de outra forma, à míngua da jácitada estrutura tecnológica mínima, nãoserá raro que aparelhos celulares conti-nuem a adentrar facilmente nas unidadesprisionais, sem que se possa, com isso,imputar a prática do delito previsto noart. 319-A aos agentes públicos responsá-veis pela segurança.

Imaginemos que um aparelho celu-lar seja encontrado em poder de um de-tento numa dada unidade prisional.Esse fato por si só não poderá dar ense-jo à condenação de qualquer agente pelaprática do delito previsto no art. 319-A,sob pena de estar-se dando vida à teo-ria da responsabilidade penal objetiva,totalmente proscrita do sistema jurídi-co brasileiro.

Para que houvesse punição, seria ne-cessário comprovar, de forma induvido-sa, que determinado agente público per-mitiu especificamente àquele preso oacesso àquele específico aparelho. Essahipótese, porém, exsurge como tão remo-ta que nos permite concluir que a incri-minação constitui dispositivo natimor-to, ante a inexistência de detectores demetais e registro eletrônico e preciso dequem era o responsável pela revista noexato momento da omissão.

À míngua de tais meios de prova, ficare-mos à mercê da versão dos próprios deten-tos que, não raro, nutrem profundo senti-mento de ódio e vingança em relação a agen-tes penitenciários, sendo certo que muitosnão perderão a oportunidade de imputar-lhes falsamente a violação do dever.

O art. 319-A, portanto, se insere entreaquelas normas denominadas por algunscomo “normas placebo”(6), vindas a lumecom o único intuito de dar uma satisfa-ção à sociedade, sem, todavia, oferecerantídoto eficiente ao veneno.

Com isso não se está a defender que oDireito Penal permaneça inerte e nãoacompanhe os fatos para coibir a práticade condutas indesejadas, mas que isso sejafeito de forma responsável, no intuito derealmente solucionar o problema, e nãocomo tradução de uma “legislação de pâ-nico” ou “faz-de-conta”, apenas paraprestar algum tipo de satisfação à socie-dade. Exemplo disso é o que também vemacontecendo com o debate acerca da re-dução da maioridade penal, inflamadasobretudo pela morte da criança JoãoHélio e dos adolescentes Liana Frieden-bach e Felipe Café. Tal proposta contacom o apoio da maioria da sociedadebrasileira, como se fora solução má-gica para a redução da criminalidade,sem que haja a preocupação de abor-dar paralelamente outras questões fun-damentais, tais como a insuficiênciade vagas no falido sistema carceráriobrasileiro e a necessidade de implan-tação de políticas públicas na área dainfância e juventude.

Se o legislador continuar a produzirleis dessa maneira, sem a prévia ou si-multânea adoção de medidas de ordemlogística necessárias a impedir de fato ocrime, pode-se visualizar um prognósti-co de enxurrada de normas penais inú-teis, detentoras de uma força meramentesimbólica, mas sem qualquer aplicabili-dade prática, levando, via de conseqüên-cia, ao inchaço da máquina estatal e a umprofundo déficit de efetividade do Direi-to Penal, estimulando, em última instân-cia, a própria impunidade.A

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ConclusãoA nova tipificação constante do art.

319-A, introduzida pela recente Lei nº11.466/07, pode ser inserida entre aque-las normas penais incriminadoras quenão atentaram para o princípio da pro-porcionalidade, vindo a lume com a úni-ca pretensão de prestar contas à socie-dade, mas não com a intenção de real-mente debelar a problemática do uso deaparelhos de comunicação, de dentro dasunidades prisionais, para a execução dedelitos. A existência isolada do disposi-tivo penal, portanto, torna-se inócua doponto de vista prático, se não for conju-gada, como de fato ainda não foi, comprovidências logísticas necessárias, so-bretudo tecnológicas. À míngua destas,

a criação do novo tipo penal em questãocria a impressão, que é apenas falsa, deque todas as medidas cabíveis foramadotadas, estancando as reivindicaçõesde fato eficientes e tornando a sociedademíope, por meio de um verdadeiro este-lionato legislativo.

Notas

(1) Introdução ao Direito Penal: Análise do SistemaPenal à Luz do Princípio da Legalidade. Rio deJaneiro: Forense: 2002, p. 81.

(2) GOMES, Mariângela Gama de Magalhães.O Princípio da Proporcionalidade no DireitoPenal. São Paulo: Revista dos Tribunais,2003, p. 35.

(3) GOMES, Mariângela Gama de Magalhães.O Princípio da Proporcionalidade no Direito

Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,2003, p. 76.

(4) CORREA, Teresa Aguado. El Principio deProporcionalidad en Derecho Penal. Madrid:EDERSA, 1999, p. 113.

(5) BECCARIA. Cesare. Dos Delitos e das Penas.Trad. de Torrieri Guimarães. São Paulo:Martin Claret, 2000, pp. 68-69.

(6) Rafael Mafei Rabelo Queiroz. “A (perene)crise penitenciária e as normas penais pla-cebo: breves notas à Lei nº 11.466/07”. Bo-letim IBCCRIM. São Paulo, nº 173, abr.2007, pp. 12-13.

Belize Câmara CorreiaPromotora de Justiça em Pernambuco,

professora de Direito Penal daFaculdade Damas - Recife (PE) e

mestre em Direito Penal pela UFPEA L

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Com o advento da Lei nº 11. 419/2006,o Estado passou a autorizar que o pro-cesso judicial assuma formato eletrôni-co. Muito se fala sobre referido diplomalegal, grande novidade jurídica da erapós-moderna para aqueles que sonhamcom um sistema de justiça mais célere. Apermissão legal para a criação de proces-sos eletrônicos alcança também o campopenal. Isso significa que o processo penalpode empregar meios eletrônicos para asua tramitação, bem como pode fazê-lopara a respectiva comunicação de atos etransmissão de peças processuais. Desa-parecem os papéis. Tudo passa ser ele-trônico. Logo, as comunicações de atosprocessuais atingem velocidade e quali-dade jamais vistas.

Chamo a atenção, aqui, para tema queparece ter passado tão despercebido quan-to promissor e no qual a aplicação da re-ferida lei trará boas soluções a uma dasmais inquietantes situações vivenciadaspelo sistema de justiça e pela sociedadecomo um todo: a execução da pena e seusprocessos.

Vejamos o que ocorre hoje com a mo-vimentação física de autos.

O processo de execução de condena-do preso se movimenta em direção à gra-dativa retomada de contato do condena-do com a sociedade que agrediu. Logo, éum processo que caminha em direção aum “benefício”. Os chamados “benefí-cios” levam o condenado à obtenção deuma liberdade vigiada, sem que com issosua pena esteja totalmente cumprida. São

A LEI Nº11. 419/2006 E O PROCESSO DE EXECUÇÃO PENAL:MAIS AGILIDADE E MAIS SEGURANÇA PÚBLICA

Claúdio Amaral

situações em que o condenado retoma oconvívio social, todavia, submetido a umperíodo de provação. Como exemplo po-demos citar o regime aberto e o livra-mento condicional.

Por mês, os cartórios das varas de exe-cuções criminais (VECs) expedem mi-lhares de certidões, autuam incontáveisguias/execuções, realizam cálculos depenas e datas de respectivos vencimen-tos de benefícios com significativos atra-sos. Outro complicador está na movi-mentação de autos, com toda a burocra-cia de segurança que essa movimenta-ção exige, o que atrasa ainda mais o an-damento processual.

Pior. Em matéria de movimentaçãode autos, o processo de execução acom-panha fisicamente o condenado. Assim,se este é transferido de uma unidade pri-sional afeta a uma determinada comar-ca para outro estabelecimento prisionalpertencente a comarca diversa, o pro-cesso não permanece na comarca de ori-gem, devendo ser remetido ao cartório(e respectivo juízo) da comarca paraonde foi transferido o preso. Essa ope-ração frequentemente leva semanas. Étempo suficiente para o recluso revol-tar-se ou insurgir-se contra o sistemapenitenciário.

Não se pode desprezar, tampouco, quea aferição do requisito subjetivo para aobtenção de benefício exige trânsito depapéis igualmente moroso. Assim, há for-mação de expediente físico (autos) nocartório do estabelecimento prisional

para apreciação dos mais diversos bene-fícios, que uma vez concluído é remetidoao cartório da VEC da comarca, onde seráfeita a devida triagem e encaminhamen-to a um dos sujeitos processuais. Trata-sede uma descomunal e anacrônica movi-mentação de papéis.

Tudo conspira para que na data dovencimento do benefício do sentencia-do inicie-se demorado processamentofísico para a verificação dos demais re-quisitos necessários para a prestação ju-risdicional.

É nesse contexto que surge a Lei nº11.419/2006, que traz como mensagemdireta o objetivo de agilização do pro-cesso judicial. Entretanto, mais impor-tantes que essa mensagem legal diretasão as aquelas que a semiótica revela: 1)o Estado passa a admitir que a informa-ção é a grande riqueza dos tempos queatravessamos, merecendo, por isso, ade-quado trato, visando melhorar sua velo-cidade e qualidade; 2) o Poder Públicotambém afirma que a tramitação físicade processos (através de autos) é impor-tante causa de morosidade do sistemade justiça e; 3) fundamentalmente, aopermitir a troca do processamento físi-co pelo processamento virtual, o Estadoreconhece que o processo é um sistemadialogal instrumental que usa a comu-nicação como seu principal elemento eque, justamente por isso, necessita queessa comunicação tenha qualidade e ve-locidade como condição para a efetiva-ção do sistema de justiça.A

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Dito de outro modo, a mensagem ci-frada que o Estado emite com a Lei nº11.419/2006 é a de que a movimentaçãofísica de papéis para o trato da informa-ção é o maior entrave à efetividade doprocesso de execução da pena (como deresto, em todo processo).

Vejamos, agora, a partir da Lei nº11.419/2006, quais são os benefíciospara o processamento da execução daspenas criminais.

A começar pela facilidade. O proces-so de execução penal é altamente suscep-tível ao formato eletrônico. Provavel-mente, o mais susceptível. Seus inciden-tes resultam, sempre, no acréscimo ou de-créscimo de quantum de pena, ou na pas-sagem de um tipo de pena para outro. Éum processo que gerencia, basicamente,uma “conta corrente”, e justamente porisso, exige softwares que não implicammaiores dificuldades.

O incrível volume de papéis e a insu-portável movimentação de autos seriamsubstituídos pela agilidade que só as re-des de informações digitais e computa-dores podem dar. Seriam substituídostambém pela virtualidade que permite oconhecimento dos pedidos de benefíciosfeitos pelos condenados e das respectivasdecisões judiciais em tempo real, elimi-nando as distâncias físicas.

Como já dito acima, “o processo deexecução vai aonde o preso vai”. Com aimplementação da lei nova, não será maispreciso que os autos sigam o condenadoquando este sai de um estabelecimentoprisional para outro, pois o processo osegue virtualmente, isto é, dentro de umbanco de dados. Quanto ao ingresso e sa-ída do sentenciado da unidade prisional,seria realizado de modo simples: atravésde identificação biométrica, bastando queo preso coloque seu dedo em um medi-dor eletrônico ao entrar e sair de umapenitenciária. Segue-se que o cálculo desua pena e respectivos benefícios se rea-lizariam onde quer que o sentenciado es-teja preso. Desaparece a remessa físicade autos que provoca a indesejável colo-cação do processo no fim de uma assus-tadora pilha.

Isso tudo exige, obviamente, adequa-da interface com as demais instituições eórgãos que interagem com as Varas deExecuções (Secretaria de AdministraçãoPenitenciária, Ministério Público, Defen-soria Pública etc.).

Com a lei nova, é absolutamente fac-tível que na data do benefício do preso,o programa dispare comunicação ao juizdas Execuções Penais que, por sua vez,dispara mensagens concomitantes de

“vista eletrônica” para o promotor deJustiça e o defensor manifestarem-se, re-tornando os autos virtuais para o juiz,cuja decisão será a imediatamente co-municada à unidade prisional onde opreso estiver.

Caso a decisão seja favorável, será co-locado em liberdade mediante alvará desoltura expedido com certificação digi-tal e que será cumprido onde quer que seencontre o preso, mesma unidade prisio-nal que poderá expedir eventuais outrosdocumentos, como carteira de controlede apresentação periódica do sentencia-do perante o juízo das execuções, com-promisso de comparecimento do conde-nado ao cartório da comarca em que de-clarar residência, etc.

Ademais, o processo eletrônico de exe-cução penal permitirá ao Executivo umaclara visualização da massa carcerária (ti-pológica e quantitativa) para que haja se-paração dos presos conforme duração dapena e periculosidade, tal qual determi-na a LEP, com inegáveis benefícios paraa sociedade.

Mais que isso. Surge a esperança deredução da população carcerária em ra-zão da rápida prestação jurisdicional, in-clusive, permitindo elaboração de esta-tísticas mais precisas, objetivas e confiá-veis para administração de vagas. Espe-ra-se que essa redução quantitativa dapopulação carcerária permaneça, quadroque somente mudaria caso haja acelera-ção no cumprimento dos demais manda-dos de prisão pela polícia.

Outra conseqüência certa é a reduçãodo número de rebeliões. Não é demaislembrar o que a nossa experiência ensi-na. O que acontece quando um juiz visitaum estabelecimento prisional? O que omagistrado mais ouve dos presos? Comoum coro, todos afirmam que já têm di-reito a algum benefício e que estão alimais tempo do que deveriam estar.

Uma vez que o acesso aos autos ele-trônicos poderá ser feito fora das rela-ções clássicas de tempo-espaço, paradig-ma quebrado pela modernidade, serápossível ao recluso saber de sua situa-ção processual dentro do próprio esta-belecimento em que cumpre pena. Asrebeliões deixarão de ter como pretextoa alegação de que “os benefícios dos pre-sos estão atrasados”.

Vejamos, agora, aquele que talvez sejao argumento mais forte. Fundamental-mente, o crime organizado pelas facçõescriminosas — que atuam dentro e foradas unidades prisionais — teria minadauma de suas bases de sustentação dentrodos presídios.

É voz unânime na doutrina e na expe-riência mundial que a criminogênese es-pecífica do crime organizado é a ausên-cia do Estado. Não é novidade: o crimeorganizado germina onde o Estado éomisso ou dividido.

Nessa seara, ocorre atualmente que oslíderes de facções que estão presos se uti-lizam basicamente da falta de informa-ções dos demais detentos sobre suas res-pectivas situações processuais.

Dito de outro modo: a desinformaçãodos demais presos é fator de fragilizaçãodos mesmos, que é usada como alavancapelos líderes de facção, os quais utilizamargumentos de presença e força para su-prir o discurso de segurança ontológica(conhecimento no mundo) que o Estadodeveria dar ao condenado que, afinal, éseu custodiado.

Ora, a partir do instante que o “deten-to comum” vislumbra no líder de facçãoo seu único referencial de segurança eexpectativas, a este dará obediência. AoEstado, não.

A Lei nº 11.419/2006 surge como po-derosa ferramenta que possibilita aoEstado fazer-se efetivamente presenteno cumprimento da pena em seus as-pectos principais previstos na Lei deExecução Penal.

A possibilidade do preso ter conheci-mento de sua efetiva situação processualé aspecto fundamental para diminuir suasusceptibilidade aos líderes das unidadesprisionais.

Com a possibilidade de criação deprocessos eletrônicos, não é exagerodizer que os problemas existentes nasVaras de Execuções seriam drastica-mente reduzidos e a segurança públi-ca melhorada em muito. O advento daLei nº 11.419/2006 dá oportunidade in-dispensável para que o Judiciário pos-sa fazer a diferença em tema tão im-portante e delicado como é a questãopenitenciária.

Dificuldades existiriam, sim. A imple-mentação da referida lei não é simples.Migração de dados, gerenciamento de in-formações, logística e tantos outros de-safios existirão. Todavia, nenhum delesforte o suficiente para impedir que a leiseja aplicada. Tecnologia, temos de so-bra. E os custos, nada elevados, pois sesituam muito abaixo do desejo de toda asociedade de que o “Maio Sangrento” de2006 não se repita.

Claúdio AmaralJuiz da Vara das Execuções Criminais de

São Paulo (SP), especialista, mestre edoutor pela USP em Direito PenalA

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É inegável que a obra relevantíssimade Claus Roxin, Política Criminal e Sis-tema Jurídico-Penal(1), operou uma gran-de transformação da ciência jurídico-penal nas últimas décadas. Para alémde uma “barreira intransponível da polí-tica criminal”, como assinalava Liszt, oDireito Penal assistiu à introdução semprecedentes de “decisões valorativas po-lítico-criminais”(2), como previa e defen-dia Roxin, que verdadeiramente mol-daram uma nova realidade. Uma reali-dade mais fragmentária e regida poridéias de cariz funcionalista. Uma rea-lidade que hoje talvez exija um novosalto teórico, que, entretanto, não seráaqui abordado. O fato, contudo, indis-cutível e incontestável, é que hoje, comoassevera com absoluta correção Figuei-redo Dias, “as categorias e os conceitosbásicos da dogmática jurídico-penal devemagora ser não simplesmente ‘penetrados’ou ‘influenciados’ por considerações polí-tico-criminais: eles devem ser determina-dos e cunhados a partir de proposiçõespolítico-criminais e da função que por es-tas lhes é assinalada no sistema”(3).

Tal intróito apresenta-se relevantequando é discutido um instituto que pos-sui sensível e impactante relação com apolítica-criminal, como é o caso do sur-sis, especialmente o sursis etário. Tal insti-tuto, o sursis, como refere Jescheck, “é ummeio autônomo de reação jurídico-penal quetem várias possibilidades de eficácia”(4).

O art. 77, § 2º do Código Penal, prevêque “a execução da pena privativa de liber-dade, não superior a 4 (quatro) anos, poderáser suspensa, por 4 (quatro) a 6 (seis) anos,desde que o condenado seja maior de 70 (se-tenta) anos de idade, ou razões de saúde jus-tifiquem a suspensão”.

Vê-se, por conseguinte, que o legisla-dor entendeu por bem humanizar a exe-cução da pena privativa de liberdade, fa-cultando a concessão do sursis no casoacima referido.

Ocorre que o fato do condenado sermaior de 70 anos de idade na data da sen-tença é também uma atenuante, assimcomo o fato do agente ser menor de 21anos na data do evento criminoso (art. 65,I, do CP).

Impõe-se indagar: qual a razão da de-sigualdade de tratamento no caso em apre-ço? Qual a motivação da não extensão dosursis etário ao agente que tinha menosde 21 anos na data do fato, caso recebauma pena não superior a quatro anos?

Em alguns casos, como o presente, épreciso ir além da lei para vislumbrar overdadeiro Direito. É preciso observarque o Direito vai além da lei e que o juiz

SURSIS ETÁRIO E MENOR DE 21 ANOSMiguel Tedesco Wedy

poderá decidir até contra a lei, mas estri-bado no Direito.

Mais ainda naquelas situações em queo agente menor de 21 anos seja primário,tenha bons antecedentes e plenas condi-ções de obter uma inserção social fora docárcere. A restrição da liberdade impõe-se apenas naquelas situações excepcionaise estritamente necessárias. Isto é, quandoseja absolutamente não recomendável aliberdade do cida-dão. Quantas equantas vezesinúmeros jovens,menores de 21anos, respondemao processo em li-berdade e, depoisde um longo tra-mitar da demanda— por vezes anos —, sem cometer qual-quer fato novo, têm de adentrar o odio-so e criminógeno sistema prisional, pelaimpossibilidade de aplicação do sursis,para cumprir uma pena que tende ape-nas a degradar a sua dignidade e o seucaráter?

Será essa a solução mais racional e ade-quada do ponto de vista da política cri-minal? Por certo que não. Como salientaRoxin: “De que serve, porém, a solução deum problema jurídico, que apesar de sua lin-da clareza e uniformidade é político-crimi-nalmente errada?(5)”

Urge, por conseguinte, ir mais além.Impõe-se a confluência e o chamamentode outras idéias, como aquelas atinentesà igualdade, à proporcionalidade e a proi-bição do excesso.

É sabido que o princípio da propor-cionalidade possui respaldo constitucio-nal, mormente quando se trata da restri-ção da liberdade da pessoa humana. Ofato é que as leis, para serem constitucio-nais, não basta que hajam sido formal-mente exaradas. Devem estar tambémmaterialmente em consonância com ossuperiores valores básicos da ordem fun-damental liberal e democrática, bemcomo com a ordem valorativa da Consti-tuição, e ainda hão de guardar, por igual,correspondência com os princípios ele-mentares não escritos da Lei Maior, bemcomo com as decisões tutelares da LeiFundamental, nomeadamente as que aten-dem como o axioma da estabilidade jurí-dica e o princípio do Estado Social(6).

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet(7), é cla-ra a aplicação do princípio da proporcio-nalidade no campo do Direito Penal:

“Na seara do Direito Penal (e isto valetanto para o Direito Penal Material quantopara o Processo Penal), resulta — como já

referido — inequívoca a vinculação entre osdeveres de proteção (isto é, a função dos di-reitos fundamentais como imperativos detutela) e a teoria da proteção dos bens jurídi-cos fundamentais, como elemento legitima-dor da intervenção do Estado nesta seara,assim como não mais se questiona seria-mente, apenas para referir outro aspecto,a necessária e correlata aplicação do prin-cípio da proporcionalidade e da interpre-

tação conforme aConstituição... Oprincípio da pro-porcionalidadeatua, neste plano(o da proibiçãodo excesso),como um dosprincípios limi-tes às limitações

dos direitos fundamentais, o que tambémjá é de todos conhecido e dispensa, porora, maior elucidação” (grifo nosso).

No caso em tela, não se pretende ape-nas tratar de forma proporcional duas si-tuações que não apresentam grande dis-paridade, mas também reafirmar, realçar,robustecer, o próprio princípio da igual-dade, previsto expressamente na LeiMaior (art. 5º, caput). Reforçar a metódi-ca de controle do princípio da igualdadeatravés do princípio da proporcionalida-de (em sentido amplo), vem sendo umatendência cada vez mais acentuada, comobem salienta Gomes Canotilho(8).

Assim, não apenas se estaria tratandode forma equânime duas situações abs-tratas, mas, fundamentalmente, o que seestaria a fazer seria, do ponto de vista dapolítica criminal, a evitação de um exces-so, isto é, a restrição da liberdade de ummenor de 21 anos, sem a devida e irre-freável necessidade.

Desse modo, embora o Código Penalseja omisso quanto à extensão do bene-fício, defende-se que à luz da aplicaçãodo princípio da proporcionalidade, pre-visto na jurisprudência constitucional,o benefício do sursis etário deveria tam-bém ser concedido ao agente menor de21 anos na data do fato, mormente na-quelas situações de primariedade e au-sência de antecedentes.

Ademais, sustenta-se que a atenuanteda menoridade surgiu em razão da mui-tas vezes inegável fragilidade psíquica doagente. Como referia o desembargadorLadislau Röhnelt(9):

“Tem-se considerado, para isso, que o ca-ráter incompleto, imaturo e débil do adoles-cente é mais sensível às provocações do mundocircundante e ele ainda não possui a plenitu-de da capacidade de motivar livremente a pró-S

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É preciso ir além da lei paravislumbrar o verdadeiro Direito.É preciso observar que o Direito

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estribado no Direito.

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pria conduta, embora tenha a capacidade in-tegral de compreender o lado ruim e ilícitodas coisas. Em outros termos, dada a sua ima-turidade psíquica, ainda não dispõe do plenodomínio sobre os atos e fatos de sua conduta.”

Se tal opinião não há de ser generali-zada, desprezada também não há de ser.A realidade é que não se pode esquecerque por uma questão de política criminalnão se recomenda, em determinadas si-tuações, inserir no regime prisional, mes-mo o aberto, um jovem que praticou odelito com menos de 21 anos(10).

Não há como negar, nos dias atuais,uma posição de transcendência da polí-tica criminal, como escreve mais umavez Figueiredo Dias:

“Se o aparelho conceitual da dogmáticajurídico-penal deve ser determinado a par-tir de proposições político-criminais; e sedesta forma, mas por outro lado, é à políti-ca criminal que pertence definir as frontei-ras da punibilidade — então, sem por issoperder a sua intenção especificamente (e dir-se-á mesmo: autenticamente) jurídica, apolítica criminal surge como uma ciênciatranspositiva, transdogmática e trans-sis-temática face a um qualquer Direito PenalPositivo. A sua função última consiste emservir de padrão crítico tanto do direitoconstituído, como do direito a constituir,dos seus limites e da sua legitimação. Nestesentido se deverá compreender a afir-mação de que a política criminal ofereceo critério decisivo de determinação doslimites da punibilidade e constitui, des-te modo, a pedra-angular de todo o dis-curso legal-social da criminalização/des-criminalização (grifo nosso)”(11).

Só uma idéia de retribuição absolutada pena e de desapego ao dever do Estadode tentar evitar a reincidência repele aaplicação do sursis em tais casos. E mais,do ponto de vista da política criminal,poder-se-ia perguntar: o que é mais útilpara a sociedade, deixar solto um jovemprimário e sem antecedentes, condenadocom uma pena até 4 anos, sem oferecerrisco para a coletividade, ou mandá-lopara o sistema prisional?

Acima de tudo, é preciso não esquecerque o Direito há de buscar a Justiça. Masa Justiça não se realiza quando uma Leinão permite a concretização da idéia deDireito. E o Direito só é verdadeiro Di-reito, como ensina Castanheira Neves,quando “afirma a pessoa como pessoa, en-quanto traduz uma conquista, sempre porconquistar, da sua liberdade”(12).

Notas

(1) Tradução brasileira de Luís Greco. São Pau-

lo/Rio de Janeiro: Renovar, 2002.(2) ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema

Jurídico-Penal. Tradução de Luís Greco. SãoPaulo/Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

(3) FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Pe-nal. Parte Geral. Tomo I. Coimbra: CoimbraEditora, 2004, p. 32.

(4) Citação referida por Cezar Roberto Biten-court, em Tratado de Direito Penal, vol. I, SãoPaulo: Saraiva,2003, p. 619.

(5) Op. cit., p. 7.(6) BONAVIDES,

Paulo. Curso deDireito Constitu-cional. 6ª ed., SãoPaulo: Malheiros,p. 384.

(7) “Constituição eProporcionalida-de: o Direito Pe-nal e os direitosfundamentais en-tre proibição deexcesso e de insu-ficiência”. Revis-ta Brasileira deCiências Crimi-nais, nº 47, mar-ço-abril 2004, SãoPaulo: RT, p. 98. WOLFGANG SARLET,Ingo. Sobre o tema, fundamental: STRECK,Lenio. “Bem Jurídico e Constituição: Da Proi-bição de Excesso (ÜbermaBverbot) à Proibi-ção de Proteção Deficiente (UntermaBverbot)ou de Como Não Há Blindagem Contra Nor-mas Penais Inconstitucionais”, in Boletim daFaculdade de Direito, vol. LXXX, Coimbra,2004, pp. 303/343.

(8) GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Di-reito Constitucional e Teoria da Constituição.7ª ed., Edições Almedina, Coimbra, pp.1297-1298.

(9) In: AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Apli-cação da Pena. Publicação da Ajuris. Porto Ale-gre, 2000, pp. 57/58.

(10)De referir que há decisões do Egrégio Tri-bunal de Justiça do Estado do Rio Grandedo Sul que concederam o sursis para conde-nados com penas superiores a 2 anos, po-rém com fundamentos diferentes, emboraalguns dos réus também tivessem menos de21 anos. Como asseverou o desembargadorSylvio Baptista, do TJRS, em acórdão ro-busta e impecavelmente fundamentado (Nº70005049556, Sexta Câmara Criminal,07.11.2002): “…Por outro lado, entendo que épossível conceder ao apelante o benefício da sus-pensão condicional da pena, ainda que a puni-ção seja superior a dois anos. É o que já decidiueste colegiado: ‘A presunção, como regra abso-luta, não pode ser mais acolhida. Não tem maislugar, na atual ciência penal, dispositivos comoo caput do artigo 77 do CP que declara seremperigosas todas as pessoas condenadas à penasuperior a dois anos. Trata-se, inclusive, de de-terminação inconstitucional, pois a responsabi-lidade penal, consoante princípios da CartaMagna, é subjetiva. Deve-se punir pela condu-

ta, não porque o legislador pressupõe um fato.Depois, diante da isonomia prevista na Consti-tuição Federal tem-se que reler o citado artigo(77), para, diante de outras leis mais atuais(concessão de sursis na Lei de Combate aos Cri-mes contra o Meio Ambiente, o atual art. 44 doCP etc.), estender a suspensão condicional dapena privativa de liberdade para punições queultrapassarem os dois anos. Ademais, com isto,

evita-se que os male-fícios dos presídios,qualquer que seja o re-gime a cumprir, atin-jam o réu primário ede bons antecedentes.A prisão, denunciadacomo ‘o grande fracas-so da justiça-penal’, sódeve ser concebidacomo a derradeira me-dida. Aplicável apenasnos casos de periculo-sidade do condenado.Na situação, emborao recorrente tenha co-metido um delito comviolência à pessoa, emrazão da pequenez dapena, de sua meno-ridade, de seus ante-

cedentes etc., a suspensão condicional da penade prisão se impõe (Apelações 70003493509,70004755401, 70004840344 etc.).’ …Ora, se omencionado artigo 44 prevê a substituição depenas até quatro anos, deve-se, por isonomia,reinterpretar o art. 77 do Código Penal, sobpena de chancelar situações irracionais, ilógi-cas, contraditórias. A alguém, que sofre umacondenação de quatro anos, permite-se, porexemplo, a prestação de serviços à comunidadee outra restritiva. Porém, é impedido de recebera suspensão condicional da pena com a submis-são a regime de provas que, convenhamos, émais gravosa. Descumprida alguma obrigaçãono primeiro caso, haverá a detração, enquantono segundo deverá o condenado cumprir toda apunição. Depois, arrematando o escrito acima,cria-se situações totalmente injustas. Parte-seda presunção, equivocada, que o condenado porcrime com grave ameaça ou violência à pessoasempre, sempre, sempre, é mais perigoso queo outro, punido por infração sem aquela quali-dade. O que não é verdade. …”

(11)FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Temas Bási-cos da Doutrina Penal. Coimbra: CoimbraEditora, 2001, p. 24.

(12)CASTANHEIRA NEVES, António. Digesta.Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 41.

Miguel Tedesco WedyAdvogado criminalista, professor

de Direito e Processo Penalda Unisinos, mestre em Ciências

Criminais pela PUC/RS edoutorando em Ciências-JurídicoCriminais pela FDUC (Faculdade

de Direito da Universidadede Coimbra)S

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Embora o Código Penal sejaomisso quanto à extensão do

benefício, defende-se que à luzda aplicação do princípio da

proporcionalidade, previsto najurisprudência constitucional, o

benefício do sursis etário deveriatambém ser concedido ao agentemenor de 21 anos na data do fato,

mormente naquelas situaçõesde primariedade e

ausência de antecedentes.

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ORIENTAÇÕES DIRIGIDAS AO LEGISLADOR PENALFRENTE AO DIREITO PENAL DA EMERGÊNCIA

Míriam Figueiredo da Silveira

É recorrente a insatisfação dos estu-diosos do Direito Penal acerca das alte-rações por que tem passado o ordena-mento jurídico brasileiro, mormente noque tange à criação de novos tipos pe-nais e o incremento das sanções dos de-litos já existentes.

A criminalização de novas condutastem sido erigida pelos poderes públicoscomo solução para a violência e a crimi-nalidade, hoje tão em voga nos meios decomunicação. Entretanto, o que se per-cebe é que a criminalidade, principal-mente a denominada organizada, vem,ao contrário do esperado e do desejado,aumentando em percentuais expressivos.No entanto, a utilização desordenada dalegislação penal não tem feito com queos índices de violência caiam, demons-trando o caminho errôneo percorridopelo legislador penal.

Temos visto que o legislador penal en-contra-se pressionado pela população,pela mídia e pelos próprios poderes pú-blicos a encontrar soluções legislativaspara os altos índices de criminalidade.Em conseqüência, pode-se ressaltar quea maior parte das alterações legislativasna área penal das últimas duas décadasno Brasil surgiu mediante esse discursode emergência(1).

Esta não deve ser a postura do legisla-dor penal em um país que se denominaDemocrático de Direito, pois é sabidoque o Direito Penal deve ser a últimaarma a ser utilizada para a proteção deum determinado bem jurídico. No en-tanto, é pacífico que o Direito Penal énecessário para salvaguardar certos bensmais caros à população, mas este ramodo Direito nunca deve ser usado de ma-neira desordenada.

Diante disso, pergunta-se como devese pautar o legislador penal quando vis-lumbra a necessidade de criação de umnovo tipo penal, quais os critérios a se-rem seguidos na tarefa legislativa. Nestepasso, toma relevo a doutrina do DireitoPenal Mínimo, uma vez que a minimali-zação do Direito Penal, ou seja, a inter-venção penal como ultima ratio é ima-nente aos Estados Democráticos de Di-reito, os quais têm em suas Constitui-ções o seu fundamento. Nelas encon-tram-se inscritos os princípios nortea-dores para um uso efetivo e racional doDireito Penal.

Nesse contexto, impõe-se que a inter-venção do Direito Penal seja mínima,uma vez que ele, enquanto instrumentode controle social, que atua de forma a

restringir a liberdade dos cidadãos, deveser a última arma de que se vale o Estadopara dirimir os conflitos que lesem oucoloquem em perigo real os bens jurídi-cos fundamentais aos indivíduos e à co-munidade(2).

Retratando ainda os princípios dafragmentariedade e da ofensividade, nãosão quaisquer bens que merecem a tute-la penal, tão-só os mais importantes enecessários ao convívio em sociedade.Por conseguinte, o Direito Penal nãodeve buscar criminalizar todas as con-dutas que ofendam bens jurídicos, mastão-só as que os lesarem de maneira gra-ve ou que os exponham a perigo de dano.

Na tentativa de estabelecer tais crité-rios — subsidia-do pelos princí-pios retro cita-dos —, destaca-se o brilhante es-tudo realizadopela doutora emDireito PenalAlice Bianchini,na obra intitula-da PressupostosMateriais Mínimos da Tutela Penal,oriunda de sua tese defendida no ano de2000, junto à Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, onde ela apon-tou as várias etapas que o processo cri-minalizador deve percorrer para adqui-rir legitimação.

Na primeira dessas etapas, foi desta-cada a importância do bem jurídico pe-nal, que integra a categoria do mereci-mento de pena, englobando dois aspec-tos, a dignidade do bem-jurídico penal ea ofensividade da conduta. Neste senti-do, somente os bens de elevada valia, ouseja, os bens jurídicos imprescindíveis àcoexistência pacífica dos homens devemser tutelados pelo Direito Penal. Maisainda, somente podem ser elevadas à ca-tegoria de crime as condutas que, efeti-vamente, impeçam a convivência em so-ciedade (ofensividade). Esta última ser-ve como parâmetro tanto para o Legis-lativo, impedindo que se criem tipos pe-nais que não prevejam condutas gravesque lesionem ou coloquem em perigo obem jurídico tutelado, quanto para o Ju-diciário, impedindo a punição de con-dutas, mesmo inscritas em tipos penais,inofensivas ao bem jurídico tuteladopela norma(3).

Numa segunda etapa, a autora des-creveu a denominada necessidade detutela penal, “isto porque a ofensa que

determinada conduta enseja a um bemdigno de tutela sancionatória não impli-ca, imperiosamente, que ela seja inscritanuma lei de natureza penal. Ou seja, nemtodo bem jurídico pode ser quali f icadopenalmente” (4).

Nesta etapa destaca-se o caráter sub-sidiário da tutela penal, a característicadela ser de ultima ratio, em que o DireitoPenal, na visão de Munõz Conde, citadopor Alice Bianchini, “somente está auto-rizado a agir quando fracassam as demaisbarreiras protetoras do bem jurídico predis-postas por outros ramos do direito”(5).

Por fim, na terceira e última etapa doprocesso criminalizador devem ser ana-lisadas a adequação e a eficácia da tutela

penal como for-ma de solucionaros conflitos in-sertos na socie-dade. Após veri-ficados o mereci-mento e a neces-sidade de pena,analisar-se-á se amedida utilizadapossui aptidão

para cumprir com as finalidades para aqual foi criada. Ou ainda, se com a puni-ção da conduta criminosa houve a efeti-va proteção do bem jurídico tutelado.

Isto posto, em um Estado que se dizDemocrático de Direito a atividade le-gislativa na seara penal deve seguir taispressupostos aqui elencados, evitando ouso desmedido do Direito Penal que,como temos visto, não tem conseguido(e esta não é sua função), sozinho, resol-ver o problema da violência no país.

Notas

(1) Pode-se citar, a título de exemplo, as seguin-tes alterações legislativas implantadas sob odiscurso emergencial do denominado Movi-mento Lei e Ordem: a Lei dos Crimes He-diondos (Lei nº 8.072/90), a Lei do CrimeOrganizado (Lei n° 9.034/95), a lei que insti-tuiu o Regime Disciplinar Diferenciado (Leinº 10.792/2003), e, mais recentemente, a novaLei de Tóxicos (Lei nº 11.343/2006).

(2) PASCHOAL, Janaina Conceição. Constitui-ção, Criminalização e Direito Penal Mínimo.São Paulo: RT, 2003, p. 21.

(3) BIANCHINI, Alice. Pressupostos MateriaisMínimos da Tutela Penal. São Paulo: RT,2002, pp. 55/56.

(4) Idem, p. 19.(5) Idem, p. 78.

Míriam Figueiredo da SilveiraAdvogada em Belo Horizonte (MG)O

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Figueiredo da Silveira

O Direito Penal não devebuscar criminalizar todas ascondutas que ofendam bens

jurídicos, mas tão-só as que oslesarem de maneira grave ou queos exponham a perigo de dano.

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 2007 13

I. ObjetoMuitas são as oportunidades em que,

no exercício da Advocacia Criminal, de-paramo-nos com uma denúncia que tra-duz uma narrativa fática amparada, tão-somente, no clamor público gerado peloato ou, quiçá, no momento político de umadeterminada região. O advogado, por suavez, e no exercício correto de suas obriga-ções profissionais, ingressa com o com-petente habeas corpus, alegando, justamen-te, a ausência de base fática da acusação.Para sua “surpresa”, no entanto, recebecomo resultado de seu esforço uma lacô-nica resposta que, sequer analisando ocaso em si, alega ser inviável a análise deprovas em tão estreita via.

Sem dúvida, podemos concordar quevários são os casos nos quais tal assertivapode estar correta. Não obstante, vários são,também, os casos para os quais uma análi-se qualitativa e quantitativa dos elementosutilizados pelo Ministério Público paraembasar sua denúncia se torna não apenasnecessária, mas, indo além, verdadeira obri-gação por parte do Poder Judiciário.

O presente estudo traz por objetivodiscutir, ainda que brevemente, o conceitode justa causa da ação penal quando atre-lada à necessidade de elementos objetivose suficientes, no plano fático, para a legi-timação da persecutio criminis in judicio.

II. O processo enquanto penaConsoante farta doutrina e jurispru-

dência, o reconhecimento do próprio pro-cesso penal enquanto pena necessária quese impõe ao suspeito pela prática de umsuposto ato delituoso torna-se inegável.

Não obstante o próprio conceito deprocesso penal estar inserido em uma óti-ca de limitação do poder de punir, eis queimpositor de regras inafastáveis para oexercício legítimo da força ora sinalada,sua incidência acaba por gerar, tanto noespírito quanto no próprio corpo do acu-sado, por vezes, efeitos tão ou até maisdrásticos do que a própria condenação.

Como mera exemplificação do alega-do, quantas não são as vezes que nossoPoder Judiciário, em delitos cometidossem violência e sem grave ameaça, cujapena em concreto não ultrapassa quatroanos (permitindo, assim, a aplicação deuma pena substitutiva, conforme artigo 44,CP), acaba, ante necessidades prementes,impondo uma restrição cautelar ao direi-to de ir-e-vir do acusado? Em casos como

O HABEAS CORPUS E A JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL:BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A VINCULAÇÃO ENTRE ADENÚNCIA E OS ELEMENTOS OBJETIVOS DE CONVICÇÃODO MINISTÉRIO PÚBLICO

Daniel Gerber

esse, a premissa ora ventilada se compro-va integralmente, pois a imposição doDireito Penal Material irá gerar uma penasubstitutiva, enquanto o processo, decunho instrumental, acaba por gerar aprópria restrição à liberdade (quebran-do, diga-se de passagem, o conceito ne-cessário de garantia biunívoca que marcao entrelaçamento entre Direito Penal eDireito Processual Penal).

Carnelutti já apontava tal situação, afir-mando que “a justiça humana é feita assim,que nem tanto faz sofrer os homens porquesão culpados quanto para saber se são culpa-dos ou inocentes. Esta é, infelizmente, umanecessidade à qual o processo não se pode fur-tar, nem mesmo se o seu mecanismo fossehumanamente perfeito... o processo por simesmo é uma tortura...”(1).

E é justamente por deter o caráter depena necessária que o Estado, na figura doMinistério Público, deverá, quando dooferecimento de sua acusação, estar am-parado em elementos suficientes e obje-tivos de convicção, sob pena de restar au-sente a justa causa que legitima a imposi-ção de uma “pena” sobre o cidadão.

III. Da carga probatória - NullaIII. accusatio sine probatione -III.III. Probabilidade e certeza - JuízoIII. de admissibilidade da acusação -III. Justa causa para ação penal

Irrefutável o mandamento pátrio aoordenar que cabe à acusação desvelar hi-póteses e descobrir provas, não sendoimputada ao acusado qualquer espécie deobrigação similar e não sendo permitidoao julgador utilizar apenas de seu livreconvencimento na análise das postulaçõesacusatoriais.

Ferrajoli explana tal situação atravésda teoria das “provas legais negativas”,“según la cual, si es cierto que ninguna prue-ba legalmente predeterminada puede ser con-siderada suficiente por si sola para garantizarla verdad de la conclusión em contraste comla libre convicción del juez, ni siquiera lalibre convicción puede ser considerada por sísola suficiente a tal fin, al ser necesario quevaya acompañada de alguna prueba legal-mente predeterminada”(2).

Percebe-se, através do princípio dapresunção de inocência, devidamenteinsculpido em nossa Carta Magna (e ain-da que entendido, por muitos, como esta-do de inocência ou presunção de não cul-pabilidade), que ao acusado é garantido o

conforto de somente ser processado oucondenado quando a acusação houver pro-vado o fato e o Direito que lhe imputa.

Por óbvio que a prova de um fato, noque tange ao juízo de admissibilidade deuma acusação, não é a mesma prova a quese refere o juízo condenatório. Pelo con-trário, poder-se-ia trabalhar, aqui, comdois distintos e complementares concei-tos, quais sejam o de probabilidade e certe-za. Maier avaliza o argumento, afirman-do que “durante el transcurso del procedi-miento algunos actos y decisiones intermé-dias exigen tan solo um fundamento de me-nor grado...”(3). Para o autor, as decisões queantecedem o julgar (e, dentre elas, o rece-bimento de uma denúncia) necessitam,apenas, de uma probabilidade positiva.

A distinção entre certeza (positiva) eprobabilidade (positiva) encontra-se, porsua vez, perfeitamente delineada na liçãode Malatesta. Para o autor italiano, a pri-meira distinção a ser realizada é entrecerteza e dúvida: a certeza, em seus dize-res, seria representada pela crença do in-divíduo na percepção que pode deter en-tre o fato que lhe é apresentado enquantofenômeno e sua convicção ideológica. Adúvida, no entanto, traz consigo maiorcomplexidade. Neste sentido, afirma oautor que “a dúvida é um estado complexo.Existe dúvida em geral, sempre que uma as-serção se apresenta com motivos afirmativose negativos; ora, pode dar-se a prevalênciados motivos negativos sobre os afirmativose tem-se o improvável; pode haver igual-dade entre os motivos afirmativos e os ne-gativos e tem-se o crível no sentido espe-cífico. Pode haver, finalmente, a prevalên-cia dos motivos afirmativos sobre os nega-tivos e tem-se o provável”(4).

Conjugando-se a lição de ambos osautores e, por óbvio, não esquecendo osdizeres de Carnelutti, temos que somen-te poderá se erguer um processo-crimeem desfavor de um cidadão — impondo-lhe, pois, a “pena processual necessária”— se a acusação, quando do oferecimen-to de sua exordial, “ancorar sua pretensãosobre uma probabilidade positiva”, passoeste que, na prática, se traduz na existên-cia de um “mínimo lastro probatório a an-corar prevalência dos motivos afirmativossobre os negativos” — ou, dito em bom por-tuguês, um mínimo conteúdo probanteque permita identificar a narrativa do Mi-nistério Público como provável.

Para tanto, inclusive, é que se realiza aO H

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necessária distinção entre atos de prova eatos de investigação, sendo estes últimosnecessários para “justificar medidas caute-lares e outras restrições adotadas no curso dafase pré-processual e para justificar o proces-so ou o não-processo”(5).

Tal ponto merece destaque: na esteirada classificação de atos de prova e atos deinvestigação, temos que esses últimos: “a)não se referem a uma afirmação, mas a umahipótese... c) servem para formar um juízo deprobabilidade, e não de certeza... f) não estãodestinados à sentença, mas a demonstrar a pro-babilidade do fumus comissi delicti parajustificar o processo (recebimento da ação pe-nal) ou o não-processo (arquivamento)”(6).

Escancara-se, pois, a obrigação impos-ta ao órgão acusador de legitimar sua pre-tensão acusatória em atos de investigaçãopreliminares que forneçam ao Poder Ju-diciário o lastro probatório gerador de pro-babilidade aos argumentos expendidos.

Insere-se, aqui, o conceito de justa cau-sa para a ação penal. O que não se deveadmitir é que o cidadão fique à mercê deum processo (que, por si só, é uma pena)baseado, tão-somente, em meras possibi-lidades, pois “possível” tudo é. Pelo con-trário, exige-se que o fato narrado pelaacusação ultrapasse os limites do possí-vel e adentre o campo do provável, sobpena de transformarmos o científico pro-cesso penal em um conglomerado de re-gras assistêmicas a serem utilizadas ao belprazer do órgão acusador.

E, para que toda esta argumentação nãoseja analisada como expediente defensi-vo de alguém que tenta evitar um justoprocesso contra si, vale citar novamenteCarnelutti que, em análise específica aotema, afirma: “El ministério público, pues,antes de formar la imputación, debería si noprecisamente convertir la sospecha del delitoem certeza, cuando menos consolidar lasospecha, hasta el punto de considerarprobable el delito...”(7)(g.n.).

Especificamente em relação ao direi-to pátrio, o entendimento não poderia serdiferente, até mesmo porque estamos aversar sobre uma base ética que deve for-necer substrato para toda e qualquer atua-ção de um órgão público.

Nesta senda, e ainda que se possa, hi-

poteticamente, trabalhar com a excepcio-nalidade de um ato imoral que vá ao en-contro de uma base ética (por exemplo,uma prova ilícita captada pelo acusadopara provar a sua inocência), tem-se que,em se tratando de órgão público, a éticasomente resta afirmada através da morali-dade do ato. Como conseqüência lógicade tal imposição, a ética de um ordena-mento jurídico que apregoa a liberdadedo cidadão e a garantia de seus direitosindividuais somente se encontra preser-vada sob uma acusação que fulcra seusdizeres na probabilidade até agora discu-tida (legitimidade moral(8)).

Por fim, a própria existência do artigo12, CPP, ao afirmar que o inquérito, quan-do servir de base para a denúncia, deveráacompanhá-la, ou do artigo 18 do referi-do diploma legal, ao afirmar que a auto-ridade policial somente pode proceder anovas investigações mediante notícia deoutras provas, ou, ainda, do art. 39, § 5º,CPP, afirmando que a dispensa do inqué-rito policial, por parte do MP, somenteserá possível se houver a presença de ele-mentos que habilitem a ação, apenas ates-ta o até então alegado, deixando claro quea existência de um lastro probatório apto aconduzir a hipótese acusatória do campoda possibilidade para o campo da proba-bilidade torna-se essencial ao correto de-senrolar da ação penal, sob pena de negar-se vigência aos referidos dispositivos e,conseqüentemente, aos próprios princípiosdo contraditório e da ampla defesa.

IV. Considerações finaisPercebendo-se, então, a necessidade do

suporte probatório como legitimação danarrativa acusatorial, torna-se óbvio queo habeas corpus para trancamento da açãopenal irá exigir, por vezes, a análise docaderno processual e das peças que acom-panham a denúncia. No entanto, não estáa se versar, aqui, sobre uma tentativa de“alargar” a “estreita via” do habeas corpus.Pelo contrário, e já finalizando, concor-damos com Schmidt quando, em análisesobre a hipótese ora ventilada (verifica-ção de suficiência probatória), afirma nãose tratar de “necessidade de dilação proba-tória, mas sim de exame axiomático do su-

porte probatório que fundamenta uma de-terminada decisão, além da análise da sufi-ciência dos fundamentos descritos na denún-cia”(9), situação essa que torna o “remé-dio heróico” absolutamente aceitável porparte de nossos tribunais.

Notas

(1) CARNELUTTI, Francesco. As Misérias doProcesso Penal. Conan, 1995, pp. 45/46.

(2) FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Teoríadel Garantismo Penal. Trotta, 2000, p. 147.

(3) MAIER, Júlio B.J. Derecho Procesal Penal. v. I.Fundamentos. Editores del Puerto, 1999, p. 496.

(4) MALATESTA, Nicola Framarino. A Lógicadas Provas em Matéria Criminal. Conan, 1995,p. 19.

(5) LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investiga-ção Preliminar no Processo Penal. Lumen Juris,2001, p. 119.

(6) LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investiga-ção Preliminar no Processo Penal. Lumen Juris,2001, p. 120.

(7) CARNELUTTI, Francesco. Principios delProceso Penal. Ediciones Jurídicas Europa-America, 1971, p. 97.

(8) Para Boschi, “como é dever do Estado protegeros direitos e as liberdades fundamentais e conside-rando, ainda, que a instauração do processo cri-minal gera aflições e constrangimentos de todaordem ao imputado, segue-se que o válido desen-cadeamento da persecutio criminis pelo titularda pretensão punitiva (MP ou querelante) pres-supõe que elementos de prova idôneos e legítimosapóiem a denúncia, queixa ou aditamento, demodo a evidenciar que a acusação não é absurdaou um capricho do acusador mas que, pelo con-trário, reúne fidedignidade e veicula o interessesocial na apuração do fato e na responsabiliza-ção de seu autor...as provas, ‘mesmo as provasprecárias’, constituem, portanto, o objeto da jus-ta causa, embora doutrinadores de renome a con-fundam com o próprio interesse de agir”. BOS-CHI, José Antônio Paganella. Ação Penal.Denúncia, Queixa e Aditamento. AIDE, 2002,pp. 131/132.

(9) SCHMIDT, Andrei Zenkner, mimeo.

Daniel GerberAdvogado Criminalista, mestre em

Ciências Criminais pela PUC/RS, integrantedo conselho permanente do ITEC (Instituto

Transdisciplinar de Estudos Criminais) eprofessor nos cursos de especialização em

Direito Penal e Processo Penal daUniritter/RS e IDC/RSO

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PARTICIPEM DO BOLETIMO Boletim está aberto à colaboração de todos para receber artigos a serem publicados e, também, decisões de primeira e

segunda instâncias — que podem ser publicadas na íntegra ou resumidas, a critério da Coordenação do Boletim.Os trabalhos enviados devem ser inéditos e conter, no máximo, 6.700 caracteres, contados os espaços.

As demais regras para publicação encontram-se em nosso site, assim como podem ser obtidas no próprio Instituto, por telefone,e-mail ou pessoalmente.

Sugestões e críticas também são bem-vindas, uma vez que a colaboração dos associados é de suma importância para oaprimoramento do nosso Boletim.

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BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 2007 15

“[...] texto algum pode ser interpretadosegundo a utopia de um sentido autorizado

fixo, original e definitivo. A linguagemsempre diz algo mais do que seu inacessívelsentido literal, o qual já se perdeu a partir

do início da emissão textual”(Umberto Eco,

Os Limites da Interpretação).

1. IntroduçãoA autoridade policial(1), ao decidir so-

bre a prisão em flagrante de uma pessoa,sempre tem na lei os limites e a base desua atuação. A legalidade é, todos sabe-mos, fundamento do Estado Democráti-co de Direito (SILVA, 1990, p. 107) e, as-sim, ela estabelece os contornos da ativi-dade da autoridade policial.

Portanto, o objetivo de um delegado depolícia é realizar aquilo que a sociedade— por meio de seus representantes — es-tabeleceu como melhor para ela. E tal ob-jetivo será, sempre, uma atitude justa e quegaranta à população a segurança necessá-ria, que é, antes de um “direito e responsa-bilidade de todos”, um “dever do Estado”(art. 144, CF caput — conferir). As atitu-des de um delegado de polícia necessaria-mente devem ser amparadas neste objeti-vo: consecução de segurança pública.

A questão que vez ou outra suscita po-lêmica, no meio jurídico e também naimprensa, é se o delegado de polícia develavrar auto de prisão em flagrante e, se foro caso, mandar recolher à cela quem ageem legítima defesa, estado de necessida-de, exercício regular de um direito ou es-trito cumprimento de dever legal. A dú-vida prende-se, sobretudo, aos termos doart. 310, caput, do Código de ProcessoPenal, cuja interpretação isolada permiteconcluir que somente a autoridade judi-ciária(2) é que pode analisar as causas ex-cludentes da antijuridicidade.

2. A prisão em flagranteDentre um sem-número de conceitos

que encontramos na doutrina a respeitoda prisão em flagrante, um dos mais feli-zes — seja pela concisão, seja pela preci-são — é o de Borges da Rosa para quemflagrante é a “certeza visual” do crime(1942, p. 233(3)). Assim, quando das narra-tivas que lhe são apresentadas (pelo con-dutor e testemunhas, além de, eventual-mente, vítimas e conduzidos), a autori-dade policial tiver a certeza da ocorrên-cia de um crime — e, naturalmente, sa-tisfeitos os requisitos temporais necessá-rios — procederá à lavratura do auto deprisão em flagrante do apresentando (na-turalmente, em se tratando de infração demenor potencial ofensivo, adotará as pro-vidências constantes do art. 69 da Lei

A PRISÃO EM FLAGRANTE E AS CAUSASEXCLUDENTES DA ANTIJURIDICIDADE

Eduardo Augusto Paglione

9.099/95 e, sendo crime de trânsito, deve-rá observar o disposto no art. 301 do CTB).Não havendo possibilidade de arbitramen-to da fiança, ou não sendo esta depositada,mandará recolher à prisão a pessoa que jápode ser denominada indiciado.

Apesar de haver quem argumente quehá poder discricionário da autoridadepolicial em decidir pela autuação em fla-grante, não encontramos essa possibili-dade no ordenamento jurídico. Se pre-sentes os requisitos que caracterizam oestado flagrancial, o auto deve ser lavra-do, uma vez que não há norma legal queautorize o delegado de polícia a analisareventual conveniência e oportunidade de seproceder à autuação. O Código de Pro-cesso Penal, em seu art. 304, caput, utilizaa forma imperativa do verbo e prevê a la-vratura do auto, sem dar margem a dis-cricionariedade. Hélio Tornaghi chegamesmo a afirmar que “a lavratura do autoé indeclinável desde que alguém tenha sidolevado como preso em flagrante” (1987, p.64), o que serviria para “aquilatar a res-ponsabilidade de quem efetuou a prisão”,bem como “o acerto ou desacerto da autori-dade policial” (loc. cit.). Na prática, entre-tanto, apenas são lavrados autos referen-tes às prisões em flagrantes que a autori-dade policial considera legais. Com rela-ção às demais conduções de presos, re-gistra-se o fato por meio do boletim deocorrência, documento criado pela Polí-cia Civil paulista e desconhecido do Có-digo de Processo Penal (mas hoje já ex-pressamente consignado em diploma fe-deral, tal como o Estatuto da Criança edo Adolescente — Lei 8.069/90 — arts.173, parágrafo único, 175, 176, 179).

Portanto, havendo situação de flagrân-cia delitiva e a apresentação do preso —desde que esta não seja espontânea (art.317, CPP) —, não pode a autoridade poli-cial se furtar de lavrar o respectivo auto(4).

3. As causas excludentes3. e o art. 310 do CPP

Segundo dispõe o art. 310 do Códigode Processo Penal, se o juiz constatar peloauto de prisão em flagrante que o indicia-do agiu acobertado por excludente de ili-citude (estado de necessidade, legítimadefesa, estrito cumprimento de dever le-gal ou exercício regular de um direito —art. 23, CP) poderá conceder-lhe liberda-de provisória. Ou seja, não relaxa ou re-voga a prisão; apenas põe em liberdade oindiciado que poderá voltar a ser preso,caso não compareça aos atos processuais(art. 310, parte final do caput, CPP).

De acordo com esta norma, a análiseda excludente não poderia ser feita pelaautoridade policial, que deveria lavrar o

auto e remetê-lo à autoridade judiciária.Esta, após ouvido o órgão do MinistérioPúblico, decidiria a respeito. Essa é a po-sição adotada, por exemplo, por Borgesda Rosa (1942, p. 241).

Não é fácil encontrar jurisprudência arespeito(5), o que pode sugerir que a ques-tão é mais teórica que prática. Não é bemassim, todavia. Na realidade dos plantõespoliciais, muitos delegados de polícia jáse depararam com problema semelhantee acabam tendo de decidir, por exemplo,se prendem em flagrante um pai de famí-lia que golpeou mortalmente um assal-tante armado que invadiu sua casa; ou avítima de estupro que consegue esganarseu violentador.

Quid juris? Como nos ensina o próprioCódigo de Processo Penal, suas normasestão sujeitas à “interpretação extensiva eaplicação analógica, bem como o suplemen-to dos princípios gerais de direito” (art. 3º).E como deixou assentado Carlos Maxi-miliano (1991, pp. 33-39), nada cientifi-camente mais vazio que o brocado in cla-ris cessat interpretatio — que sequer foicriado pelos romanos(6).

Portanto, o art. 310, caput, em sua apa-rente clareza, merece ser interpretado deacordo não apenas com os elementos ci-tados no art. 3º, mas também com os prin-cípios de hermenêutica jurídica cujo so-corro, uma vez invocado, nos traz umaoutra norma do mesmo código.

4. O art. 304, § 1º do CPPInicialmente, para os que apreciam a

análise geográfica dos artigos, é de se res-saltar que tanto o artigo 304 quanto o 310encontram-se no mesmo Capítulo II (“DaPrisão em Flagrante”) do Título IX (“Daprisão e da liberdade provisória”) do Li-vro I (“Dos processos em geral”) do Có-digo de Processo Penal.

Sem entrar no mérito das alteraçõesoperadas neste artigo pela Lei 11.113, de2005, determina o caput do art. 304 que aautoridade, ao receber alguém preso emflagrante, deverá ouvir o condutor e tes-temunhas, lavrando-se o respectivo auto.O § 1º estabelece que deverá mandar re-colher a pessoa apresentada à prisão (sal-vo na hipótese “de livrar-se solto ou deprestar fiança”) se resultar das respostas“fundada a suspeita contra o conduzido”.A segunda parte do parágrafo não ofereceinteresse ao presente estudo.

A leitura deste parágrafo há de ser feitaconsiderando-se o requisito da “fundadasuspeita contra o conduzido”. Ora, fun-dada suspeita do quê? Naturalmente, dehaver praticado a infração penal pela qualfoi conduzido à presença da autoridadepolicial. Em outras palavras, fundada sus-A

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peita da prática de crime.Filie-se o intérprete à teoria finalista ou

à teoria clássica, não deixará de reconhe-cer a antijuridicidade como requisito (ouelemento) do crime. Ou seja, apenas serácrime um fato que também for antijurídi-co. E não será antijurídico o fato se prati-cado, naturalmente, apoiado em normasjurídicas. Daí o art. 23 do Código Penalafirmar que não há crime quando o agenteo pratica em estado de necessidade, legíti-ma defesa, estrito cumprimento de deverlegal ou exercício regular de um direito,uma vez que todas essas hipóteses são ad-mitidas e descritas nesse mesmo código.

Assim, se restar evidente que o conduzi-do agiu acobertado por alguma das exclu-dentes de antijuridicidade, não há como seafirmar a existência de fundada suspeita daprática de crime(7). E se não há prática decrime, não pode haver a ordem para reco-lhimento à prisão (ou pagamento de fian-ça). É a interpretação que resulta da leiturado citado § 1º, do art. 304, do CPP.

No começo da década de 90 do séculoXX, em um trem do metrô da capital pau-lista, um homem, defendendo a si e à na-morada que estavam sendo agredidos poruma terceira pessoa armada com uma es-pingarda, acabou por matar o agressor. Foipreso e recolhido à cadeia, onde perma-neceu por 36 horas. Houve repercussão naimprensa leiga e especializada. Por isso,Adriano Marrey escreveu o artigo “Legí-tima defesa exclui possibilidade de prisão”,publicado na Revista dos Tribunais de 1991(pp. 386-387) — que serve de inspiraçãoao presente artigo.

Argumenta o desembargador paulistaque apenas se não houver “o benefício dealguma excludente de ilicitude é que se justi-fica o recolhimento do conduzido (CPP, art.304, § 1º)”, apoiando-se, para tanto, no art.23 do Código Penal e grifando a expressão“não há crime” do caput. Entende o juristaque, nesse caso, a autoridade policial deve“relaxar a prisão”, uma vez que “não se podeentender legítima a mantença em prisão dequem agiu em defesa própria, nos estritos ter-mos autorizados pela lei, sem praticarnenhum crime” (grifo do autor). O artigoé lapidar e conclui, mantendo o estilo:

“Manter preso o cidadão que se comportoutal como a lei natural e a legislação penal au-torizam, ao defender a própria vida ou a deoutrem, pode definir-se como procedimento quedesaponta a expectativa comum e constituimotivo de justa apreensão para quantos, habi-tando na grande cidade de vida tornada agres-siva, possam eventualmente vir a ser alvo deviolência, como a de início descrita” (p. 387).

Portanto, se alguém age nos termos au-torizados pela lei não pode a lei determi-nar sua prisão. A sociedade não aceita orecolhimento de quem age desta forma enem pode conformar-se, pois é conduta

natural a defesa de injusta agressão.

5. Considerações finaisDe acordo com a lição deixada por

Adriano Marrey — infelizmente não tãodivulgada quanto merece — o art. 304, §1º, do Código de Processo Penal concedeà autoridade policial o poder/dever de ana-lisar juridicamente o fato que lhe é apre-sentado — afinal, é o primeiro agente doEstado que dá contornos jurídicos a umacontecimento — e decidir de acordo comseus conhecimentos.

Naturalmente, o delegado de polícianão deixará de lavrar o auto respectivoquando houver uma prisão em flagrante,pois o auto é o documento próprio pararegistrar esse fato. Deverá, entretanto, con-signar no auto todas as circunstâncias re-levantes para se demonstrar a “certeza vi-sual” de que nos fala Borges da Rosa e sedesta demonstração vier a certeza de quehouve um fato típico porém não antijurí-dico, naturalmente não haverá como man-dar recolher o conduzido à prisão. Cabe-rá, então, à autoridade policial, em despa-cho fundamentado, demonstrar sua con-vicção e determinar a soltura do preso, sema expedição de nota de culpa.

O auto de prisão em flagrante e as res-pectivas peças servirão, necessariamente,de instrução ao inquérito policial que de-verá ser instaurado sobre o ocorrido.

Naturalmente, não ficando visualmentedemonstrada a excludente, o preso serárecolhido à prisão, dando-se início ao in-quérito policial. Se no curso deste restardemonstrado que a ação não foi antijurí-dica, caberá à autoridade policial, com amaior brevidade possível, levar o fato aoconhecimento da autoridade judiciária,competente na fase posterior à prisão paradecidir a respeito (art. 310, caput, CPP).

Essa posição é perfeitamente defensávelpela melhor doutrina. Câmara Leal (1942,p. 244) ensina que “se as provas forem falhas,não justificando fundada suspeita de culpabi-lidade, a autoridade depois da lavratura do autode prisão em flagrante, fará por o preso emliberdade”. Basileu Garcia (1945, p. 114), porsua vez, observa que “nem sempre advirá, dacaptura em flagrante, a conservação da custó-dia”, pois “dos esclarecimentos colhidos pelaautoridade” pode não haver a “fundada sus-peita”. Para este autor, “é certo que no fla-grante delito se espera haver prova segura daverificação de fato punível” e, na ausênciadela, deve “a autoridade declarar insubsisten-te a prisão em flagrante e restituir à liberdadeo paciente” (ibid.).

Em Espínola Filho (1942, p. 292) en-contramos posição no sentido de que, senão houver “uma infração punível [...] aautoridade policial não deve manter uma pri-são, que se não justifica e soltará o autuado”.Entretanto, para este jurista, a autoridade

policial deverá encaminhar todas as peçasà apreciação judicial “salvo se achar maisprudente deixar também a determinação dasoltura ao magistrado, a quem submeterá ocaso, incontinenti”. No caso das excluden-tes de antijuridicidade, afirma “haver umainfração punível” e entende que “à autori-dade autuante incumbe, então, o dever de pro-vocar a imediata apreciação do caso pelo juizcompetente” que agirá nos termos do art.310. Há, assim, para Espínola Filho “in-fração punível” mesmo que o autor tenhaagido nas hipóteses do art. 23 do CódigoPenal e, aí, apenas à autoridade judiciáriacaberia o reconhecimento da excludente.

Assim, não obstante o formalismo deEspínola Filho, apoiados em Câmara Leale Basileu Garcia é que temos na lição deAdriano Marrey o procedimento que me-lhor se afina à norma inserta no art. 304, §1º, do Código de Processo Penal.

O delegado de polícia não apenas pode,mas deve, em caso de haver demonstraçãoda excludente da antijuridicidade, pôr emliberdade quem lhe foi apresentado preso.Se esta evidenciar-se apenas no curso doinquérito, deverá comunicar à autoridadejudiciária o apurado, a fim de que esta ana-lise se é o caso de se conceder ao indiciadoliberdade provisória.

O profissional do Direito não é um apli-cador frio de normas estabelecidas. Aliás,as normas legais não podem ser vistascomo comandos que permitam apenas umaúnica e definitiva leitura. O homem doDireito deve interpretar e aplicar o seuentendimento. Posições arrojadas podem,no início, despertar algumas críticas atémais contundentes. Mas se a posição forsólida e bem fundamentada, seu autor nãodeve esperar aplausos ou críticas, mas ape-nas a satisfação de que colaborou para quevivamos todos em um Estado Democráti-co de Direito, finalidade e dever de todoagente do Estado.

Referências Bibliográficas

ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de ProcessoPenal Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1942, v. III.

FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coorde-nadores). Código de Processo Penal e sua Inter-pretação Jurisprudencial. 2ª ed., São Paulo: Re-vista dos Tribunais, 2004, v. 3.

GARCIA, Basileu. Comentários ao Código de Proces-so Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1945, v. III.

JESUS, Damásio E. de. Código de Processo PenalAnotado. 22ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007.

LEAL, António Luiz da Câmara. Comentários aoCódigo de Processo Penal Brasileiro. Rio de Ja-neiro: Freitas Bastos, 1942, v. II.

MARREY, Adriano. “Legítima defesa exclui possi-bilidade de prisão”. Revista dos Tribunais, SãoPaulo, ano 80, v. 665, 386-387, março de 1991.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplica-ção do Direito. 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense,1991.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 2ª ed.,A P

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São Paulo: Saraiva, 1963, v. 1.PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasi-

leiro. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,2004, v. 1.

ROSA, Inocencio Borges da. Processo Penal Brasilei-ro. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1942, v. II.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitu-cional Positivo. 6ª ed., São Paulo: Revista dosTribunais, 1990.

TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 4ªed., São Paulo: Saraiva, 1987, v. 2

Notas

(1) E consideramos como tal o delegado de polícia,nos termos da dicção do Código de ProcessoPenal, o que sempre foi pacífico até que surgis-sem as interpretações extensivas embasadas noinformalismo instituído pela Lei 9.099/95.

(2) E aqui não se procurou ampliar o conceito,nem mesmo após a Lei 9.099/95, para além dafigura do juiz de Direito, por mais competentese preparadas que se julguem outras carreiras.

(3) Nas palavras do autor: “Prisão em flagrante é aque se efetua quando o crime ou delito ainda é

queimante, isto é, está sendo cometido, ou recémacaba de ser cometido, de modo que o fato setorna evidente pela certeza visual, que se tem domesmo” (loc. cit.).

(4) Tornaghi (1987, p. 62) chama a atenção paraa impropriedade de se dizer que uma pessoafoi autuada em flagrante: “Em linguagem vul-gar é costume falar em autuação do preso: ‘fula-no foi autuado em flagrante’. Na verdade o quese autua, isto é, o que se reduz a auto, o que sedocumenta por escrito são os atos ocorridos du-rante a apresentação do indiciado autor do crime(conduzido) à autoridade”.

(5) Tanto que o tema sequer é abordado no Códigode Processo Penal e sua Interpretação Jurispruden-cial, coord. Alberto Silva Franco e Rui Stoco(2004, v. 3, pp. 204-433) ou no Código de Proces-so Penal Anotado, de Damásio E. de Jesus (2007,pp. 241-243 e 245-247).

(6) Ao contrário, segundo aponta o autor, Ulpia-no, em seu Digesto (liv. 25, tít. 4, frag. 1, § 11),estabelece que “embora claríssimo o edito do pre-tor, contudo não se deve descurar da interpretaçãorespectiva” (MAXIMILIANO, 1991, p. 33).

(7) Noronha (1963, p. 122) ensina que “será anti-

jurídico um fato definido na lei penal, sempre quenão for protegido por causas de justificativas, tam-bém estabelecidas por ela”; portanto, repetindo aletra do então vigente art. 19 do Código Penal(atual art. 23), explica que “não há crime porinexistir antijuridicidade” (grifos do autor, loc.cit.), não se podendo deixar de reconhecer que“a antijuridicidade representa um juízo de valorem relação ao fato lesivo do bem jurídico” (ibid.,p. 123). Luiz Regis Prado considera sinônimasas expressões “ilicitude” e “antijuridicidade”,afirmando que seu conceito compreende “arelação de contrariedade de um fato com todo oordenamento jurídico (uno e indivisível), com oDireito positivo em seu conjunto” e, mais adian-te, apoiado em Welzel e Cerezo Mir, conclui:“uma ação ou omissão típica será ilícita, salvoquando justificada” (2004, p. 363).

Eduardo Augusto PaglioneDelegado de Polícia, mestre em Letras

(Unesp/Assis) e professor de Metodologiada Pesquisa Científica da Academia de

Polícia Civil de São Paulo

Eduardo Augusto P

aglione

Nos últimos anos, os brasileiros têm as-sistido diversas grandiosas operações poli-ciais — bastante divulgadas pela imprensa—, no mais das vezes acompanhadas da pri-são cautelar de vários suspeitos de envolvi-mento com toda a sorte de delitos, bemcomo de apreensões a perder de vista.

Em um primeiro momento, passa-se aimpressão de que nosso país finalmenteestá conseguindo acabar com a propaladaimpunidade e que os órgãos repressoresligados a tais operações ostentam comple-to rigor. O teor jornalístico atinente a es-tas operações, assim como a subseqüentereação pública, beira o aplauso.

Todavia, por trás desta aparente “ope-ração limpeza”, absolutamente envolta nosofisma da eficiência penal, o cidadão bra-sileiro está de fato vivenciando um mo-mento de negação à liberdade e demaisgarantias conquistadas após longos anosde sofrimentos e privações. O que se agra-va, em realidade, não é o esgarçamento dasrelações intersubjetivas — vale dizer, ofoco não é a suposta banalização da crimi-nalidade no tecido social —, mas sim acrise do Estado Democrático de Direito,o qual ora ostenta uma repressão criminalmeramente simbólica, imbuída mais decunho político e utilitarista do que de de-fesa do cidadão em face do Estado(1), umade suas características basilares desde osmínimos contornos científicos que assu-miu, com a Ilustração(2).

Dessa maneira, gera-se um círculo vi-cioso no qual, partindo-se da falsa premis-

UTILITARISMO PENAL E VIOLAÇÃODAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS

Luciano Anderson de Souza e Maurício de Albuquerque Araújo Luyten

sa de que os Direitos Penal e ProcessualPenal têm aptidão para combater a crimi-nalidade, criam-se novos tipos delitivos,agravam-se penas e suprimem-se garan-tias, gerando-se resultados inócuos, que,por sua vez, são compensados pelas mes-mas medidas(3).

É neste diapasão que se constata que asinterceptações telefônicas, entre outrasformas de colheita de provas, estão sendoutilizadas de maneira desenfreada e ao ar-repio da lei. Não se autoriza a medida ex-trema para corroborar ou complementaruma investigação em curso e reveladorade feixe demonstrativo de violação da leipenal. Em verdade, utiliza-se de tal meiode obtenção de prova para se verificar pos-síveis delitos, face a real inexistência decoerentes, confiáveis e sólidos dados pro-batórios prévios no caso em concreto, oque é absurdo(4).

Dessa forma, de fato se busca, por meiode tal atuação, muitas vezes lastreada em sin-gela notitia criminis apócrifa (!), ou aindaem parcas provas, verificar-se se algum cri-me é ou foi cometido. A diferença é sutil,mas ostentadora de profundo abismo legal.

A Carta de 1988, em seu artigo 5º, inci-so XII, estabelece uma sagrada regra: ainviolabilidade do sigilo das comunica-ções. Esta existe para proteger outros di-reitos e garantias fundamentais, igualmen-te previstos na Constituição, quais sejam,a intimidade, a vida privada, a honra e aimagem das pessoas. Com o advento daLei nº 9.296/96 — calcada na ressalva

constitucional —, foram estabelecidos osrequisitos para a interceptação telefônica.Assim, exige-se (a contrario sensu, consoan-te a dicção do artigo 2º do diploma em foco),para a concessão da medida, que: haja indí-cios razoáveis de autoria ou participaçãoem infração penal; a prova não possa serobtida por outros meios disponíveis e o fatoinvestigado constitua infração penal puni-da com reclusão.

Ora, não se deve olvidar da vetustamáxima — tão ignorada na prática —de que regra restritiva de liberdades hu-manas interpreta-se estritamente(5), e àqual, especificamente in casu, vale repe-tir, acresce-se uma outra regra funda-mental de cunho constitucional: a in-violabilidade comunicativa.

A lei em comento ainda determina apreservação do sigilo das diligências efe-tuadas, proibindo-se, destarte, sua divul-gação. Tal seria despiciendo ressaltar emface da dicção constitucional supracita-da, bem como do artigo 20 do CódigoProcesso Penal, mas o legislador quis res-saltar. Talvez ao leigo soe até espantosoem razão do quanto se verifica diariamen-te na imprensa...

Diante da realidade que se põe, pode-mos concluir, sem embargo, que tanto omandamento constitucional quanto o le-gislativo ordinário estão sendo constantee profundamente desrespeitados pelos ór-gãos persecutórios criminais — envoltosno mais absoluto cunho emergencial — e,particularmente, pelo Poder Judiciário, oU

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qual, muitas vezes por ideologias indivi-duais, conveniência ou mesmo falta decritérios, comumente autoriza intercep-tações telefônicas embora ausentes os re-quisitos legais, e negligencia-se diante desuas divulgações, isto é, ante o quadroconstatado, não contém a persecução-es-petáculo que se delineia diuturnamente(6).

O desrespeito é fomentado tambémpelos meios de comunicação de massaque, com postura sensacionalista traves-tida de liberdade de imprensa, divulgamcotidianamente em seus veículos trechosde interceptações telefônicas. Neste pon-to, de lege ferenda, mister se faz a tipifica-ção criteriosa do vazamento e divulgaçãodas interceptações, tendo em vista que talprática, além de eventualmente prejudi-car investigações em curso, certamenteviola um dos preceitos fundamentais daRepública, qual seja, a dignidade da pes-soa humana, pois uma “condenação an-tecipada” efetuada pelos meios de comu-nicação jamais será de todo reparada àimagem do indivíduo.

O Poder Judiciário deve então commais concretude cumprir o seu papelconstitucional de defensor maior da le-galidade e, de forma criteriosa, somenteautorizar a realização de diligências des-sa natureza quando estiverem presentestodos os requisitos legais. A polícia judi-

ciária, por sua vez, durante suas investi-gações, há de procurar obter provas poroutros meios disponíveis e, somente nocaso de não as conseguir, representar pelainterceptação telefônica, atentando ain-da aos limites legais quando de seu cum-primento. Atualmente, a regra é a viola-ção, verdadeiro desvirtuamento sistêmi-co. Outrossim, comezinhamente nota-seo maior disparate ainda de as transcri-ções não serem fiéis e fruto de regularanálise pericial, e sim meros apontamen-tos interpretativos de agentes policiais!

Em conclusão, renova-se a estupefa-ção pela constatação de busca de comba-te a ilegalidades perpetrando-se outras,consolidando-se verdadeiro irracionalis-mo(7). É inegável o intuito de paz social aque todos os profissionais do Direito de-vem perseguir, mas para tanto forçoso é orespeito ao contrato social, cuja melhorexpressão foi assumida pelo engenho hu-mano no Estado Democrático de Direito,o qual insculpe direitos e garantias funda-mentais e, uma vez que não absolutos, re-gras estritas para seu manejo cerceador.

Notas

(1) Cf., a respeito, NAHUM, Marco Antonio Ro-drigues. “O retorno dos conceitos de pericu-losidade, e de inocuização, como defesa dasociedade globalizada”. Boletim IBCCRIM.

São Paulo, v. 13, nº 161, pp. 14-15, abr. 2006.(2) V., dentre outros, BUSTOS RAMÍREZ, Juan.

Introducción al Derecho Penal. Bogotá: Temis,1994, pp. 95 e ss.

(3) Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo.Tipicidade Penal e Sociedade de Risco. São Pau-lo: Quartier Latin, 2006, p. 83, e SOUZA, Lu-ciano Anderson de. Expansão do Direito Penale Globalização. São Paulo: Quartier Latin, 2007,pp. 22 e ss.

(4) Neste sentido, v. RT 800/708.(5) Por todos, v. MAXIMILIANO, Carlos. Her-

menêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janei-ro: Forense, 2007, p. 263.

(6) Sobre o papel do juiz frente a uma repressãocriminal simbólica e deslegitimada — vistoque ineficaz —, v. QUEIROZ, Paulo de Sou-za. Do Caráter Subsidiário do Direito Penal:Lineamentos para um Direito Penal Mínimo.Belo Horizonte: 2002, pp. 146-149.

(7) FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria doGarantismo Penal. Trad. Ana Paula Zomer etalli. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2002, p. 276.

Luciano Anderson de SouzaMestre em Direito Penal pela USP,coordenador-adjunto de cursos do

IBCCRIM, professor coordenador do cursode pós-graduação lato sensu em Direito

Penal da ESA/OAB-SP e advogado

Maurício de Albuquerque Araújo LuytenDelegado de Polícia em São Paulo e

especialista em Direito Penal pela ESMP/SP

A pronúncia é uma decisão judicial,afeta ao procedimento do Tribunal doJúri, através da qual o magistrado declaraa viabilidade da acusação porque se con-venceu da existência do crime (materia-lidade) e também dos indícios de que oacusado seja o seu autor. Em destaqueinicial coteja-se com o professor Helvé-cio Gusmão, o qual assevera que a pro-núncia é “a decisão declaratória de se acharo acusado incurso na sanção penal cuja prá-tica lhe é imputada [...]”(1).

Destarte a pronúncia é entendida comouma decisão interlocutória que apresentanítidos efeitos preclusivos de natureza pro-cessual, por via do sentido de impulso queproporciona ao procedimento que culmi-nará no julgamento do acusado no Plená-rio do Júri (fase do iudicium causae). É elauma divisora do sistema bifásico adotadono procedimento do Tribunal do Júri noBrasil (iudicium accusationis e iudiciumcausae), encerrando a instrução criminal einaugurando a fase do Plenário.

Como qualquer decisão judicial e aten-

A POSSIBILIDADE DE FRAGMENTAÇÃODA DECISÃO DE PRONÚNCIA

Hamilton da Cunha Iribure Júnior e Hermínio Alberto Marques Porto

dendo principalmente ao comando maiorencartado no artigo 93, IX da Constitui-ção da República de 1988, deve ser funda-mentada. Isso porque não é tolerável queo magistrado restrinja o conteúdo deci-sório a motivos de ordem íntima, alémdo que a sociedade, maior interessada napersecução criminal, deve ter ciência dasrazões que serviram de assoalho para queo magistrado indique alguém ao julga-mento em Plenário. Também deve ser res-saltado que o controle que deve ser exer-cido pelo próprio Poder Judiciário im-põe a fundamentação quanto à admissi-bilidade da acusação.

O legislador brasileiro fez incidir nocorpo do artigo 157 do Código de Proces-so Penal um sistema que deve ser usadoquando da formação do convencimentodo magistrado por ocasião da prolaçãode decisões judiciais. Por tal sistema, obri-ga-se que o conteúdo decisório seja fun-damentado de modo objetivo, claro e pre-ciso. Perceba-se que o sistema é inflexí-vel, isto é, não tolera qualquer conteúdo

decisório que não tenha antes sido moti-vado, esclarecido juridicamente pelo ma-gistrado prolator da decisão. Com issoprocura o estatuto processual combatercasuísmos, exageros e injustiças quanto àpossibilidade de haver decisão imotiva-da. Trata-se de uma segurança para a so-ciedade e também para o acusado ao re-velar as razões de fato e jurídicas sobre aadmissibilidade da acusação estatal.

O corolário desse raciocínio e pontocentral do debate é entender sobre a possi-bilidade da fragmentação da decisão depronúncia tendo por base seu conteúdo.Coteja-se, inicialmente, que um dos as-pectos da “fragmentariedade” é o de permi-tir o reparo de somente parte da decisão.Uma das características do silogismo jurí-dico é o de haver uma substancial conexãoentre as porções de uma estrutura decisó-ria, permitindo-se a estreita correlaçãoentre as mesmas (correlação interna). As-sim, fundamentação e conteúdo decisório(dispositivo) devem manter um nexo lógi-co entre si, sob pena de incidir vício deA

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Entidadesque assinamo Boletim:

AMAZONASAMAZONASAMAZONASAMAZONASAMAZONAS• Ministério Público

do Amazonas

CEARÁCEARÁCEARÁCEARÁCEARÁ• Associação Cearense

de Magistrados• Associação Cearense

do Ministério Público

DISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERALDISTRITO FEDERAL• Associação dos

Magistrados do DistritoFederal e Territórios- Amagis/DF

• Defensores Públicosdo Distrito Federal -ADEPDF

GOIÁSGOIÁSGOIÁSGOIÁSGOIÁS• Associação dos

Magistrados do Estadode Goiás - Asmego

MATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SULMATO GROSSO DO SUL• Associação dos

Delegados de Políciade Mato Grosso do Sul- Adepol/MS

• Sindicato dos DefensoresPúblicos do MatoGrosso do Sul

MINAS GERAISMINAS GERAISMINAS GERAISMINAS GERAISMINAS GERAIS• Curso A. Carvalho

Sociedade Ltda.- Belo Horizonte

• Instituto de Ensino,Pesquisa e Atividades deExtensão em Direito Ltda.- Praetorium

P A R ÁP A R ÁP A R ÁP A R ÁP A R Á• Associação do Ministério

Público do Estadodo Pará

PARANÁPARANÁPARANÁPARANÁPARANÁ• Associação dos

Delegados de Políciado Estado do Paraná

RIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SULRIO GRANDE DO SUL• Associação dos

Delegados de Políciado Rio Grande do Sul- ASDEP/RS

SÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULOSÃO PAULO• Associação dos

Delegados de Políciado Estado de São Paulo- ADPESP

• Associação Nacional dosDelegados de PolíciaFederal - Rg. SP - ADPF

• Associação Paulista deMagistrados - Apamagis

• Ordem dos Advogadosdo Brasil - OAB/SP

BOLETIM IBCCRIM - ANO 15 - Nº 178 - SETEMBRO - 2007 19

substância no ato jurisdicional.Para que seja possível visualizar a fragmenta-

riedade da decisão de pronúncia, urge que sejaverificada a natureza dos pedidos que são formu-lados na acusação, mormente quando da inci-dência de circunstâncias qualificadoras, estas quesão circunstâncias legais especiais do crime, re-sidindo na Parte Especial do Código Penal bra-sileiro. Tais circunstâncias integram legalmenteo tipo penal incriminador, modificando os limi-tes permitidos para a fixação da pena em valoresmaiores aos considerados para o mesmo tipopenal sem a circunstância.

Portanto, no caso da incidência de pelo me-nos uma circunstância qualificadora na imputa-ção criminal, o órgão prolator da decisão de pro-núncia deve analisar a denúncia quanto à plausi-bilidade de haver um juízo de imputação deter-minante de uma conduta típica, antijurídica e cul-pável, bem como avaliar o reconhecimento daprópria circunstância qualificadora. Esses são osdois eixos que devem ser enfrentados pelo ma-gistrado na confecção da pronúncia em crimesqualificados.

O dever de realizar a fundamentação de cadauma das circunstâncias qualificadoras inciden-tes na peça acusatória é corolário lógico do juízode convencimento que representa a certeza deuma decisão sem lacunas lógicas que possam in-terferir na estrutura do ato jurisdicional. Tal sedeve para evitar que haja a pronúncia em uma oumais circunstâncias qualificadoras que não este-jam devidamente enfrentadas pela análise do ma-gistrado, embaraçando a ampla defesa constitu-cional e reduzindo o princípio da segurança jurí-dica quando das decisões judiciais.

No âmbito da decisão de pronúncia deve serressaltado que há limites para que o magistradoexerça o seu juízo de fundamentação no que dizrespeito ao conjunto probatório apresentado e,principalmente, às circunstâncias qualificadorasque incidam no tipo incriminador. É a obrigato-riedade da exposição da justa causa para a admis-sibilidade da acusação. Isso porque, como a deci-são de pronúncia é simplesmente um juízo de ad-missibilidade que analisa indícios de autoria, qual-quer fundamentação excessiva pode invadir a com-petência constitucional estabelecida para que osjurados avaliem o conjunto probatório e formema sua convicção no Plenário do Júri (artigo 5º,XXXVIII, d, Constituição da República de 1988).

A árdua missão do magistrado quando da ela-boração da decisão de pronúncia, então, deve re-sidir na análise dos fundamentos que servem paraa formação do seu convencimento quanto ao en-caminhamento do acusado para o julgamento emPlenário do Júri e também da motivação mínimaadequada do conjunto das provas apresentadasquando da fase da instrução criminal. Se houvercircunstância qualificadora do tipo incrimina-dor, tal também deve ser minimamente analisa-da, sob pena de criar-se uma lacuna indesejávelna estrutura lógica da referida decisão.

Entendida a natureza jurídica da decisão depronúncia, mister se faz analisar a possibilidadede emenda desta decisão, notadamente quando

não há fundamentação adequada quanto às cir-cunstâncias qualificadoras do crime que é atri-buído ao acusado. O magistrado não explicita osindícios suficientes que configuram a circunstân-cia qualificadora descrita na denúncia e, por talrazão, não pode sobreviver esse ato jurisdicionalsem que o juízo prolator dessa decisão emende-a. Essa é a denominada característica de fragmen-tação da decisão de pronúncia.

Considerando a decisão de pronúncia no pla-no formal, atesta-se sua característica de ato ju-risdicional único, vez que o magistrado emite-anum único ato, tornando-a preparada para publi-cação. No plano substancial, no entanto, a deci-são de pronúncia deve ser vista em dois patama-res distintos. Um, referente ao juízo que deve serelaborado pelo magistrado quanto ao seu conven-cimento sobre a autoria do fato imputado na de-núncia. Outro, no que tange à existência ou não decircunstâncias que qualificam o crime. Asseveram-se, portanto, duas fases distintas de atuação juris-dicional frente à elaboração da pronúncia.

Aplicando ao raciocínio acima a incidênciaobrigatória do princípio da motivação das de-cisões judiciais, tem-se por imperativo que aausência de fundamentação pode atingir a de-cisão de pronúncia como um todo ou somenteno que diz respeito ao acatamento das circuns-tâncias qualificadoras. Percebendo-se que a au-sência de motivação ocorre somente na porçãorelativa às circunstâncias qualificadoras trazi-das pela denúncia, esta deve ser retificada, vezque incide vício substancial inibidor da pro-dução de efeitos pelo ato jurisdicional. Quan-to à outra porção (autoria do fato imputado),se tiver sido adequadamente motivada perma-nece intacta.

Vislumbrar a possibilidade de reparo parcialda decisão de pronúncia, no que tange à motiva-ção das circunstâncias qualificadoras encampa-das pela inicial acusatória, é admitir a existênciado seu aspecto fragmentário, este que ganha acei-tação tanto em doutrina quanto em jurisprudên-cia pátria. Defende-se, em sede final, amplamen-te a possibilidade de corrigir a decisão de pro-núncia na porção em que há ausência de funda-mentação (ou fundamentação deficiente), preser-vando os efeitos jurídicos nas demais partes nãoretocadas.

Nota

(1) GUSMÃO, Helvécio. Código de Processo Penal do Dis-trito Federal Anotado. Rio de Janeiro: Livraria FreitasBastos, 1933, p. 324.

Hamilton da Cunha Iribure JúniorMestre e doutorando em Direito Processual Penal

pela PUC/SP, advogado eprofessor-assistente de Direito

Processual Penal PUC/SP

Hermínio Alberto Marques PortoDoutor e professor titular de Direito ProcessualPenal pela PUC/SP, advogado e procurador de

Justiça aposentado do Ministério Público/SPA P

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